Confissões de um torturador

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  • 7/31/2019 Confisses de um torturador

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    eBookLibris

    CONFISSES DE UMEX-TORTURADOR

    J. Victorwww.ebooksbrasil.org

    Confisses de um Ex-TorturadorJ. Victor

    Traduo de Cludia Schilling

    1a. edio (em papel)Editora Semente 1980

    Verso para eBookeBooksBrasilFonte Digital

    Arquivo da Editora

    Copyright:2000,2006 J. Victor

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    Este livro dirigido a todos aqueles queno Uruguai lutam contra a ditadura.

    NDICE

    ApresentaoIntroduo

    Captulo IA vida de um soldado uruguaio sob a ditaduraCaptulo IIAs declaraes de Garcia Rivas e a Constituio uruguaiaCaptulo IIIAnatomia de um seqestro:Lilin Celiberti, seus dois filhos e Universindo RodriguezDazCaptulo IVUma Escola de Inteligncia para ensinar a torturarCaptulo VHumberto Pascaretta, trabalhador da fbrica de papelCCSSA, morto por torturasCaptulo VIDois anos de atividades da Companhia de Contra-

    informaes:Espionagem, torturas, seqestros, locais clandestinos detortura, corrupcoCaptulo VIIA doutrina da Segurana Nacional em aco:Interveno de telefones, seguimentos, gravaes efotografias

    Captulo VIII

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    Alguns torturadores das Foras Armadas Uruguaias:elementos para um pronturioCaptulo IX

    O seqestro do Lilin e Universindo:falam os advogados, a Justia, o Governo e as foraspolticas

    Apresentao

    As noites nrdicas podem estar sendo demasiadamentelongas para Hugo Walter Garcia Rivas ou, quem sabe, jficaram para trs, em seu caminho rumo ao teto mexicano.A dispora particular deste rapaz no tem as marcasdolorosas de milhares de compatriotas seus, nemtampouco seu caso pode ser comparado com o da multidodispersa dos uruguaios errantes. O que importa avaliar osaldo de sua histria que, pelo que se sabe, provocoualguns estremecimentos nos subterrneos da repressouruguaia.

    O tempo corre em favor de Hugo e possivelmente eleainda ver algum efeito causado pelo seu gesto. Algumarachadura notvel, originada em uma simples fissura. Os

    movimentos ssmicos comeam com um leve tremor deterra e Hugo pode ter sido este aviso de uma devastaotectnica. Minhas dvidas sobre a verdadeira comoo dadenncia aumentam por falta de conhecimento dosterremotos psicolgicos e se enredam na concepoimediatista que vicia o raciocnio dos jornalistas. Ignoro osefeitos concretos e, secretamente, desejo que se

    multipliquem em ondas concntricas de intensidade

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    crescente.As revelaes de Hugo podero ser de conseqncias

    desprezveis no bem montado andaime da tirania militar, a

    curto prazo. Mas penso que alguma pea importante cedeuante o golpe inesperado. Uma daquelas peas que umapessoa pergunta para que serve e sem a qual o mecanismono funciona com a mesma preciso. A certeza de Hugode que o mecanismo de opresso sofreria uma avaria sriame impressionava e eu ficava ruminando se ele no estariadizendo isto para se mostrar importante. Ele tinha razo.

    Por menor que tenha sido o dano aparente ou rpida areparao, o preo do remendo encareceu demais amanuteno poltica de uma engrenagem to perversa.

    Da mesma forma que qualquer outro negcio humano,os regimes perduram enquanto apresentam umdeterminado lucro social e, inclusive cobrindo o deficitcom um banho de sangue, no sobrevivem a um custoinsuportvel. Pode ser um enunciado simplista para osanalistas polticos, mas no fundo isto.

    O jornalismo no derruba governos, muito menosditaduras. Quando chega, entretanto, etapa deatormentar-se pela divulgao de seus segredos, o poderperdeu a alma, a autoridade, a energia intrnseca quejustifica suas peculiaridades, mesmo que brbaras, para simesmo e para os dominados. Se a desero de um ex-

    soldado, com sua bagagem de recordaes proibidas,afetou a mquina de horrores, porque a contagemregressiva j est em acelerao. Com todo respeito e semnenhum preconceito, o Uruguai no o Haiti. Embora astontons macoutes tentem perpetuar-se.

    Da janela entreaberta por Hugo, os brasileiros tiveramuma viso pavorosa do Uruguai qua s era conhecida

    pelas populaes fronteirias. A grande maioria formara

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    uma imagem turstica do Uruguai e as dificuldades decmbio favoreceram as desinformaes a respeito do pas.Preocupada com os problemas prprios do Brasil, a

    imprensa no pode concentrar sua curiosidade sobre o quese passa s suas costas, mais alm da ateno dada ao casode Lilin. As confisses do ex-agente da Companhia deContra-Informaes desencadearam uma mar de repulsacontra as autoridades uruguaias. Esse fenmeno exigenovas informaes a respeito da mquina selvagem quepadece os uruguaios. Um desafio, sem dvida, imprensa

    brasileira, to carente de anlises internacionais edependente das agncias jornalsticas estrangeiras.A indignaco pblica, por outro lado, inibe eventuais

    iniciativas de solidariedade oficial ao governo uruguaio erestringe as conexes para-oficiais do tipo das queseqestraram Lilin e Universindo. Ainda no estamos asalvo de um golpe semelhante, mas certamente noocorrero com tanta facilidade nem com to escandalosaconvico de impunidade.

    Confio que este livro contribuir para esclarecer aindamais a opinio pblica brasileira em relao ao Uruguai edespertar conscincias capazes de dar coragem aos que sedebatem contra o despotismo em qualquer parte domundo.

    Carlos Alberto KoleczaPorto Alegre, 27 de julho de 1980

    O jornalista Carlos A. Kolecza junto com Paulo Macieltiveram a seu cargo - para o dirio gacho "Zero Hora" -as entrevistas iniciais com Hugo Walter Garcia Rivas. O

    seu trabalho foi valente e consciente. Suas crnicas,publicadas a partir de 13 de julho, provocaram um forte

    impacto na opinio pblica brasileira.

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    INTRODUO

    Lilin e Universindo esto vivos.Sua deteno foi reconhecida pelas autoridades

    uruguaias. Suas famlias os podem visitar.Foram seqestrados em 12 de novembro de 1978 em

    Porto Alegre, Brasil.

    Em maio de 1976, foram seqestrados em BuenosAires os parlamentares Zelmar Michelini e HctorGutirrez Ruiz junto com Carmem Barredo e WilliamWhitelaw. Uns dias antes, tinha sido seqestrada TelbaJurez. Poucos dias depois seus cadveres foramencontrados em lugares diferentes da cidade de BuenosAires.

    Nestes meses e nos que seguiram, foram seqestradosManuel Liberoff e Nebio Melo, Winston Mazzuchi, AryCabrera e os dirigentes do PVP Gerardo Gatti e LenDuarte; Roger Julien, Victoria Grisonas e seus dois filhos;Pablo Errandonea e Jorge Zaffaroni, sua esposa Ma.Emilia Islas e sua pequena filha Marlana; Miguel AngelMoreno e Pablo Recagno, Adriana Gatti Casal (filha de

    Gerardo Gatti) e Norma Scopise de Couchet; Julio CsarDElia e sua esposa Yolanda; Lourdes Hobbas deHernndez e seus trs filhos... no total, mais de 120opositores uruguaios desaparecidos na Argentina entre1976 e 1978.

    Desde seus seqestros, nada se tem sabido de todoseles. A nica exceo constituda pelos filhos de RogerJulien e Victoria Grisonas, reencontrados em julho de1979.

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    Em maro de 1977 foram detidos em Assuno, pelapolcia paraguaia, Gustavo Inzaurralde e Nelson SantanaEscoto. Posteriormente foram postos em mos da polcia

    argentina. Desde ento no se tem sabido deles.OoOoO

    Se Lilin Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz noforam assassinados, se seus nomes no passaram aengrossar a longa lista de opositores uruguaiosdesaparecidos, porque em novembro de 1978 as foras

    democrticas do Brasil, presentes na imprensa e na Ordemdos Advogados, no Clamor e na Igreja, nas organizaespopulares e nos partidos, com sua luta o impediram.

    Papel fundamental desempenharam nestes fatos oadvogado gacho Dr. Omar Ferri e os jornalistas LuizCludio Cunha e Joo Baptista Scalco. Graas s suasdenncias e ao eco que encontraram na opinio pblica

    brasileira, Lilin e Universindo esto vivos.A luta pelo restabelecimento da verdade em torno doseqestro em Porto Alegre teve, vinte meses depois, umnovo episdio: as declaraes de Garcia Rivas. Semaquela campanha, iniciada em novembro de 1978, muitopossivelmente este testemunho no teria acontecido.

    Atravs dele se restabelece a verdade em relao aos

    acontecimentos em Porto Alegre. Mas ele vai alm disso.Ao proporcionar os elementos de uma verdadeiraanatomia do seqestro, o testemunho de Garcia Rivasreabre o exame sobre o destino dos demais opositoresuruguaios desaparecidos na Argentina, Paraguai eUruguai, ao indicar os organismos, os mtodos e ospersonagens destas aes terroristas de estado.

    OoOoO

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    O trabalho que apresentamos tenta contribuir para adifuso pblica dos crimes da ditadura uruguaia. apenasum esforo a mais, entre os muitos que em outras partes

    do mundo vm sendo realizados por distintos organismos,jornalistas, organizaes sindicais e partidos1.Estes materiais constituem algo assim como as atas ou

    o pronturio de acusao dos diretamente implicados emuma srie de crimes graves contra cidados uruguaios,dentro e fora do pas.

    Este pr-sumrio foi realizado com o consentimento

    expresso do declarante, Hugo Walter Garcia Rivas, ex-soldado, adscrito s tarefas de fotgrafo da Companhia deContra-informaes do Exrcito.

    Enquanto pr-sumrio, este trabalho constituir, semdvida, um elemento a mais, quando chegue em nossaptria a hora dos juzos de responsabilidade. Quando osculpados de todos estes anos de crimes contra o povouruguaio devam prestar contas perante os tribunaisdevidos.

    Para a resistncia uruguaia, a documentao de todosestes fatos constitui uma tarefa que no se pode desdenhar:a recompilao minuciosa de datas e acontecimentos quesitue com preciso os verdadeiros culpados, que dseriedade e fora de justia incontornvel etapa dejulgamento dos responsveis.

    OoOoO

    O testemunho de Garcia Rivas nos mostra uma parte domonstro por dentro. Ao desvendar suas tcnicas e seusprocedimentos, seus locais secretos e seus agentes, otestemunho tem efeitos politicos prticos de magnitude:permite s foras da resistncia popular conhecer aestrutura e as tcnicas do inimigo. Serve para se armar e

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    ao mesmo tempo contribui para desmistificar pelo menosuma parte do aparelho terrorista.

    Mas o testemunho de Garcia Rivas vai mais alm: nos

    permite dar uma olhada sobre as aspectos mais ocultos esecretos do sistema.Em nosso pas, todos temos visto os

    mecanismos pblicos deste regime: o controle militar nasfbricas, nos colgios, na Universidade, as demisses e aslistas negras, as sanes imprensa, a queima de livros,as sanes e o exlio dos folcloristas populares, a coorde-

    nao repressiva e os assassinatos impunes. Mas nunca setinha conhecido como agora, desde dentro, osorganismos e os personagens destas aes.

    Depois de muitos anos de democracia capitalista, apartir de 1966-68 as classes dominantes uruguaias foramse inclinando cada vez mais para as medidas repressivas.Sob o governo de Jorge Pacheco Areco e, sobretudo, apartir de 13 de junho de 1968, para conter os protestospopulares, o regime desliza cada vez mais para inflexesdespticas, atravs do uso indiscriminado das MedidasProntas de Segurana, da represso ao movimentooperrio e estudantil e da remodelao da estruturaeconmico-social de carter reacionrio e antipopular.

    O golpe de estado de 27 de Junho de 1973 no umgolpe militar latino-americano a mais. Constitui uma

    escalada na poltica reacionria das classes dominantesdestinada a quebrar a resistncia do movimento popularexpressado sob distintas formas.

    Por isso este testemunho representa mais do que umacontribuio ao julgamento individual dos responsveispor estes crimes: uma ata de acusao contra todo oregime de ditadura cvico-militar e os grupos sociais e

    econmicos que o apiam.

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    Com este testemunho se evidencia uma vez mais o quej se sabia: aqui no se trata de grupos incontrolados,atuando por sua conta em nome de um fanatismo

    ultradireitista. Trata-se de uma estrutura centralizada eorgnica pertencente ao aparelho do Estado. A aodos comandos que seqestram e torturam, que depredam ematam est inscrita em uma poltica de Estado que aabarca e fundamenta.

    Os organismos repressivos que Garcia Rivas denunciatm, por um lado, um lugar preciso e regulamentado

    dentro da hierarquia das Foras Armadas. Respondemverticalmente e atuam por ordens diretas dos mandossuperiores, em ltima instncia, do Comandante em Chefedo Exrcito, da Junta de Comandantes e do Presidente daRepblica.

    Mas, alm disso, a ao dos rgos repressivos seintegra ao do conjunto do aparelho do Estado.

    A atuao de choque do Organismo Coordenador deOperaes Antisubversivas (OCOA), do Servio deInteligncia de Defesa (SID) e da Companhia de Contra-informaes prolonga-se logo pela ao da JustiaMilitar, com seus advogados de ofcio, seus juzes e oSuperior Tribunal Militar. Seu Hospital Militar e seusmdicos que assistem tortura. Na ao dos Ministriosda Justia, do Interior, de Defesa e das Relaes

    Exteriores.Os tentculos repressivos se estendem ainda s

    empresas comerciais e industriais do Estado: na empresanacionalizada de telefones, para intercept-los. NasAutarquias e Municpios para a espionagem e a denncia,no Correio, para o controle da correspondncia... E at naComisso Administradora de Abastecimento, cujos

    caminhes so utilizados em operaes de seqestros,

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    como narra Garcia Rivas., em ltima instncia, sobre os prprios alicerces

    doutrinrios do regime que se sustenta esta ao estatal

    terrorista: desde o Ministro da Justia, Bayardo Bengoa,at o Presidente do Superior Tribunal, Cel. Feredico SilvaLedesma, desde o Presidente da Repblica, AparicioMndez at o Comandante em Chefe, Gal. Queirolo, desdeo vice-Almirante Mrquez at os Chefes das RegiesMilitares, todos os hierarcas do regime se apresentamcomo cruzados de uma guerra contra o marxismo e a

    subverso. Cruzada na qual o Uruguai, junto com a fricado Sul, o Paraguai de Stroessner, o Chile de Pinochet e aArgentina de Videla estariam na vanguarda, espcie debastio iluminado na luta mundial contra o marxismo e asubverso.

    Esta doutrina que o regime tenta converter emdoutrina nacional, impondo-a nos planos de estudo dasescolas, colgios e faculdades, a ensinada, h anos, nasEscolas Militares. Esta doutrina de intransigncia fanticaconduz inevitavelmente a uma forma de ao poltica: oterrorismo de estado, a brutalidade em todas as expressesimaginveis.

    Esta doutrina, repetida diariamente por todos os meiosde comunicao, repetida em cada cerimnia oficial, ouniverso ideolgico em que operam os homens da

    Companhia de Contra-informaes.Garcia Rivas descreve bem o clima imperante. antes

    de tudo o desprezo absoluto pela vida e a integridadefsica dos detidos. Mdicos assistem s sesses de tortura:para evitar que o detento morra... e leve consigo algumainformao.

    um clima de total impunidade. Os homens da

    Companhia se sentem com as costas bem guardadas. Todo

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    o Estado os protege.Tendo em suas mos todo o poder repressivo, gozando

    de total impunidade, as Foras Armadas uruguaias foram

    deslizando cada vez mais pelo caminho da corrupo. Oque Garcia Rivas relata apenas uma pequena amostra doque tem sido a caracterstica da gesto dos hierarcasmilitares no aparelho do Estado. Salvo alguma rarssimaexceo, o desempenho das funes pblicas comoDiretores-Interventores ou nos cargos de confiana doPoder Executivo deu lugar a toda classe de negociatas e

    acomodaes: o poder absoluto corrompeabsolutamente.

    OoOoO

    O testemunho de Garcia Rivas lana uma luz definitivapara a elucidao do seqestro de Lilin e Universindo.Fornece os dados da parte uruguaia na ao do seqestro,

    terminando assim de armar o quebra-cabeas cujosprimeiros traos foram aparecendo nitidamente nasinvestigaes dos jornalistas e advogados brasileiros. Co-mo lgico, esse ngulo de preocupao foi opredominante no Brasil, onde, graas tenacidade e coragem, o seqestro se substanciou em uma ao formalda justia que culminou com o processo dos implicados

    em fins de julho de 1980.OoOoO

    Finalmente, do ponto-de-vista estritamente poltico, asdeclaraes de Garcia Rivas trazem novos elementos paracompreender a situao uruguaia.

    So os homens que montaram este monstruoso

    aparelho repressivo, os que lhe do impunidade ecobertura (estamos falando da alta hierarquia militar), os

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    mesmos que cada dia proclamam que esto impulsionandoum plano poltico destinado restaurao da democraciano Uruguai.

    Est claro que esse pequeno grupo de militares quehoje detm o poder absoluto no est em condies desoltar a presa. Tm sobre si a responsabilidade dedemasiados delitos e atropelos, possuem demasiadosprivilgios, para resistir vigncia no pas, no j de umaverdadeira democracia, seno das expresses mais tbias eelementares da denncia pblica.

    O grupo mafioso que detm os cordes principais doaparelho do Estado no est disposto a recuar. Est presopor sua prpria lgica terrorista. Para eles as liberdadesdemocrticas constituem um perigo mortal porqueameaam sua impunidade ao abrir a possibilidade de umdebate pblico sobre estes fatos.

    As denncias de Garcia Rivas servem para reforar oque os principais partidos polticos uruguaiosdenunciaram: o cronograma institucionalizador umafarsa enganosa destinada a salvar as aparncias frente sexigncias de alguns setores da opinio pblica nacional einternacional.

    Mas, como ficou demonstrado com a publicao daspautas constitucionais, este processo no de aberturademocrtica mas de institucionalizao do poder desptico

    das Foras Armadas. A abertura democrtica no serrealizada voluntariamente pelos chefes do aparelho estatalterrorista. Ela ser conseguida pelo povo uruguaio comsua luta unida, que os derrotar.

    OoOoO

    As declaraes de Garcia Rivas foram conhecidaspublicamente no Brasil em 13 de junho de 1980.

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    Passaram-se quase dois meses desde ento. Duranteeste lapso, um magistrado brasileiro emitiu seu parecer noprocesso aberto aos policiais do DOPS gacho que

    participaram do seqestro. Para o Brasil, houve seqestro.Obviamente, ainda restam muitas indagaes a seremfeitas. Mas esta resoluo do Poder Judicirio brasileirodesmorona completamente a tese do regime uruguaiosubstanciada nos comunicados 1.400 e 1.401 das ForasConjuntas, que falam do ingresso voluntrio de Lilin eUniversindo no Uruguai.

    Desde ento, o regime uruguaio guardou silncio. osilncio do desprezo opinio pblica internacional. otcito reconhecimento de que a fora bruta seu nicosustentculo.

    OoOoO

    Pelo que se sabe publicamente, Garcia Rivas o

    primeiro soldado que deserta do exrcito uruguaio. Oprimeiro da tropa, essa massa annima cuja obedinciatem sido um dado estvel nestes 7 anos de represso noUruguai.

    O que ele disse o primeiro ponto de referncia do quepensam e sentem esses setores das Foras Armadas, osmais numerosos e de origem mais inequivocamente

    popular. Pelo escasso tempo que Garcia Rivas passou noExrcito, seu testemunho parcial, limitado. Mas servepara mostrar que no so idlicas as relaes entre a ofi-cialidade de carreira, que beneficiada com altos soldos, ea tropa (inclusive a dos corpos especiais, como aCompanhia de Contra-informaes), com soldos baixos esubmetida aos rigores e arbitrariedades da oficialidade.

    So homens de origem humilde. Suas famlias noconheceram a rpida asceno social das famlias de

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    seus oficiais. Aos seus lares chegam os ecos do mal-estaroperrio, a amargura das famlias proletrias castigadasduramente pela poltica econmica e repressiva do regime.

    Vivem em bairros em que ser milico sinnimo deprivilegiado, prepotente, perigoso. De um sentimento devergonha e distanciamento nos fala Garcia Rivas. Quantosmais a sentem como ele o sente? J. Victor - Julho de 1980

    IDENTIDADE DO DECLARANTE ELUGARES ONDE TESTEMUNHOU

    Nome: Hugo Walter Garcia RivasProfisso: Soldado. Integrante da Seo Tcnica daCompanhia de Contra-informaes do Departamento II do

    Estado Maior do Exrcito. Fotgrafo.Carteira de Identidade Uruguaia: 1.669.383Ttulo de Eleitor: E.F.B. 4361Carn Militar: No. 8.100Carteira do Motorista: No. 321.298Nmero de cdigo interno: 49 de "Vermelho 17"Nacionalidade: uruguaia

    Estado civil: casadoIdade: 23 anosIngresso no Exrcito: comeos de 1977Baixa do Exrcito: 31 de dezembro de 1979Data de sada do Uruguai para o Brasil: 3-5-1980Data do sada do Brasil para a Noruega: 13-6-1980

    O ex-soldado do Exrcito uruguaio Hugo WalterGarcia Rivas prestou declaraes perante:

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    O movimento de Justia e Direitos Humanos de PortoAlegre, no dia 3 de maio de 1980.

    A Ordem dos Advogados do Brasil, com a presena

    de seu Presidente Nacional, Dr. Eduardo SeabraFagundes, o Presidente da Seo do Rio Grande doSul, Dr. Justino Vasconcellos, o Presidente da Seode So Paulo, Dr. Mrio Srgio Duarte, o Vice-Presidente do Conselho Federal da OAB, Jos PauloSeplveda Pertence, o Secretrio da OAB de SoPaulo, Marcio Thomas Bastos, o Dr. Omar Ferri,

    advogado defensor de Lilin Celiberti e UniversindoRodriguez, Iber Bandeira de Mello, representante daAssociao dos Advogados Latino-americanos pelaDefesa dos Direitos Humanos, Dr. Belisrio dosSantos Jr., pelo Secretariado Internacional de Juristaspela Anistia no Uruguai, e o Procurador Dr. HlioBicudo. Este testemunho foi tomado no dia 12 demaio de 1980 na sede da Ordem dos Advogados doBrasil de So Paulo.

    O Secretariado Internacional de Juristas pela Anistiano Uruguai, em 19 de maio de 1980, em So Paulo.

    O jornal de Porto Alegre "Zero Hora", em 27 de abrilde 1980, ante os periodistas Carlos Alberto Kolecza ePaulo Maciel.

    Assim mesmo, numerosos rgos da imprensabrasileira e internacional divulgaram as declaraes do ex-soldado, a partir de 13 de junho de 1980: "Jornal doBrasil", "Folha de So Paulo", "O Globo", "Zero Hora","Coojornal", revista "Veja", revista "Isto ", revista"Stern" (Alemanha), revista "Processo" (Mxico), dirio"Le Monde" (Frana), dirio "Le Figaro" (Frana), dirio

    "Le Matin de Paris" (Frana), "El Nacional" (Caracas),

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    dirio "El Dia" (Mxico), dirio "Uno ms Uno"(Mxico), dirio "Telexpres" (Barcelona, Espanha).

    As declaraes do ex-soldado uruguaio perante aOrdem dos Advogados do Brasil, o Comit de Justiae Direitos Humanos de Porto Alegre e o Jornal "ZeroHora" ingressaram no processo aberto em PortoAlegre sobre o caso do seqestro de Lilin Celiberti eUniversindo Rodriguez na 3a. Vara Criminal de PortoAlegre.

    Atravs do Secretariado Internacional de Juristas pelaAnistia no Uruguai, o testemunho de Garcia Rivas foiencaminhado aos distintos organismos internacionaisde defesa dos direitos humanos

    OoOoO

    As declaraes que hoje publicamos foram tomadasdos diversos testemunhos acima mencionados e atravs deconversaes prolongadas com Hugo Walter Garcia. Ostextos destas declaraes foram lidos e firmados pelodeclarante.

    O trabalho que hoje apresentamos a mera transcriodas declaraes de Hugo Garcia: nisso reside seu valor.Mesmo assim, este livro no teria sido possvel sem ainestimvel solidariedade que rodeou o caso por parte dos

    jornalistas, advogados e todas as pessoas que no mundointeiro lutam para quebrar o muro de silncio com que asditaduras latino-americanas pretendem encobrir suaindignidade e seus crimes.

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    milico no para mim, mas acabei sendo milico damesma forma...

    P. - Quando passou a trabalhar na Companhia de

    Contra-informao?R. - Foi em princpios de 1977. E sai da Companhia em31 de dezembro de 1979.

    P. - Voc pediu a baixa?R. - Sim. Fazia um ano e meio que vinha pedindo a

    baixa. Fazia muito tempo que eu estava desejando sairdisso. Porque eu estava fazendo algo que estava contra a

    minha vontade. Estava vendo gente que estava sendotorturada, que chegava beira da morte, sem ter nada quever com isso. Gente que possivelmente colava um papelem uma parede, era presa e torturada. No Uruguai h umarepresso contnua, sangrenta. Minha esposa, inclusive,tem uns primos que estiveram detidos e foram torturadosde tal maneira que depois contavam as coisas que lhesfaziam. Ento eu recapacitei e disse: No pode ser, queestou fazendo aqui dentro? No tenho estes ideais.

    Tentei sair, pedi minha baixa, no me deram. Tornava apedir e nada, continuava pedindo. Somente agora mederam.

    Eu j tinha tido muitos problemas com meu superior.Nunca tinha dito que no, por exemplo, se me mandavaminterrogar algum. Nunca disse que no, mas tratava de

    achar algum pretexto e era algo que me ia custar caro,cedo ou tarde. Me ia custar caro porque um oficial medisse. Uma pessoa bastante bem como pessoa, me disse:No podes continuar assim, porque isto te vai custarcaro. Foram razes que me impulsionaram para sairdisso.

    A morte de Pascaretta, por exemplo, foi praticamente

    em meus braos. Comeou a se sentir mal, se sentiu mal e

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    o agarramos, um companheiro meu e eu, e morreu.Eu entrei no Exrcito sem conhecer o que era mesmo o

    Exrcito. Meu pai era militar, era sargento do Comando

    Geral do Exrcito. Mas meu pai nunca conheceu torturas.Eu entrei no Exrcito porque no queria estudar, estava emuma poca de certa rebeldia, ento meu pai me fez entrarno Exrcito. Quando eu entrei tampouco conheci nada quedepois vim a conhecer na Companhia.

    Quando fui transferido para esta Companhia, logo decara, me vi frente a algo que nem tinha imaginado, na

    frente de pessoas que eram torturadas. Fui ordenado aparticipar nas torturas, a ir deter gente que sofria, que eratorturada e que estava beira da morte. Imediatamente eutive um problema comigo mesmo, um problema deconscincia e comecei a pes-lo.

    Eu nunca tinha imaginado isso, a pensei: eu no possoseguir aqui dentro, eu estou fazendo algo que no estde acordo com meus ideais. Comecei a trabalhar emfotografia, me deixaram um pouco tranqilo. E depois,outra vez, mandaram-me participar de torturas. Entocomecei a pedir a minha baixa do Exrcito.

    Inclusive cheguei a manifestar a um Capito daCompanhia que estava mal, que no estava de acordo comisso, que tinha problemas com minha famlia devido aisso, porque chegava em casa preocupado pelo que tinha

    feito durante o dia e no estava levando minha vidafamiliar como tinha que levar devido ao trabalho naCompanhia. Ele me disse que nunca fosse dizer isso diantede nenhum outro oficial, porque me poderia trazer muitosproblemas.

    Eu continuei posteriormente pedindo minha baixa enunca a conseguia, at que ela me foi concedida em 1o. de

    maro de 1980. E foi pela entrada de outro chefe, um

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    homem que parece que nunca havia trabalhado emInteligncia. Eu falei com ele e coloquei outras razes,familiares e outras, lhe levei um comprovante de que

    perdia soldo e ele me concedeu a baixa.Antes de sair, havia avaliado muito a possibilidade depoder denunciar essa situao. Porque, sabe, quandohouve a deteno da gente do Partido pela Vitria doPovo, aconteceu um fato que me impactou: muitos deles,por mais que fossem torturados, no falavam. Ento eupensei: Esta gente est lutando por algo que cr justo.

    Eu pude conversar, em um dado momento, com umdeles, em um momento que estava a ss com ele, e lheperguntei porque razo ele estava nesse movimento, queera o que o levava a estar a, quais eram os fins deles? Eessa pessoa me disse que estar no PVP no lhe trazianenhum benefcio econmico, mas que simplesmente ofazia porque tinha a convico de que no Uruguai asituao estava mal, que se tinha um mau governo e queisso tinha que mudar; e que, portanto, trabalhavam paraque isso se pudesse conseguir um dia. Sem nenhumbeneficio pessoal, inclusive tendo s vezes que utilizar,para movimentar-se, para levar a cabo seu trabalho,dinheiro de seu bolso, do seu trabalho. Era algo quefaziam por ideais, por uma convico.

    Esta pessoa me disse que eles lutavam para que, das

    riquezas do Uruguai, pudesse dispor todo o povo a nouma minoria, que viam que o regime uruguaio oprimia opovo, que os trabalhadores eram explorados, que por issoestavam lutando e que no lhe importava ser preso, porqueestava lutando por algo que considerava justo.

    P: - Voc tem muitos amigos em Montevidu?R: - Tenho poucos, so contados. Tinha amigos como

    companheiros de infncia, assim, depois perdemos o

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    contato e no nas vimos mais. Inclusive nestes ltimosanos eu era pessoa que nem gostava de ir a uma partida dofutebol. Isto da Companhia de Contra-informaes estava

    me criando um problema. Eu chegava em casa e s vezesminha senhora me dizia: vamos visitar uma tia dela, umatia minha e eu nunca queria sair.

    P: - Por que lhe estava criando um problema?R: - Eu estava me envolvendo... no sei como vou lhe

    explicar... difcil. Tinha me afastado do todos os amigosde antes e diretamente no me agradava divertir-me. Eu ia

    para casa e me encerrava.P: - Sentia-se responsvel perante eles, perante seusamigos?

    R: - Sei l! Eu sentia remorsos e sei que muitos dosmeus companheiros sentem remorsos e sentem que o queesto fazendo est mal e que continuam nisso, e sentemculpa. Eu sei que acontece isso com muitos deles. Os quese decidem a abandon-lo, porm, so muito poucos, nosei porque, se por medo que lhes possa faltar trabalho ouporque podem passar mal... Na Companhia h muitaspessoas que esto na minha situao. H muitos ex-companheiros meus que tinham a mesma forma de pensarque eu tenho. Inclusive, ns falamos fora da Companhiade nossas atividades e todos coincidamos em queestvamos fazendo algo que no estava bem, que no

    estava bem inclusive para a gente mesmo, quepraticamente estvamos nos vendendo. Havia muitoscompanheiros meus que tinham os mesmos problemas queeu com seus familiares; que chegavam em suas casas eeram outras pessoas. Inclusive, eu caminhava pela rua svezes, e sentia medo de repente. Uma pessoa meobservava, e eu pensava: esta pessoa no ter estado

    detida na Companhia? Era um sentimento de culpa

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    bastante grande. E sei que h muitos de meuscompanheiros que ainda continuam a porque tm temorde deixar isso e encontrar-se com uma vida civil, que nem

    vo poder ganhar um soldo tal que lhes permita manter seular.H muitos que tm esse temor, que se sentem

    incapacitados para viver a vida civil.P: - H muita diferena entre a vida civil e a militar?R: - Na realidade ns no ganhamos um grande soldo,

    mas tnhamos certas vantagens. Se algum de ns tinha

    algum problema determinado com o vizinho, com o donodo armazm, qualquer um que tivesse um problema assimpoderia diz-lo Companhia, que isso era resolvido. Ouseja, que o integrante da Companhia tinha muitasvantagens. A oficialidade dizia sempre que quando algumprecisasse de dinheiro que pedisse, que no havia nenhuminconveniente, que no fossem andar passando mal com afamlia. Ento h muitos que se sentem cmodos, quesabem que no vo ter problemas, que vo ter facilidadespelo lado da ateno mdica.

    P: - Com a oficialidade, o que acontece?R : - Eu vejo alguma diferena entre a tropa e a

    oficialidade, porque eles saem da Escola Militar, saemconscientizados do trabalho que vo cumprir. O oficial,penso que est em uma situao to cmoda que no se

    detm para pensar em outra coisa, no que est fazendocomo pessoa, no que est fazendo com a tortura.

    P: - A nvel do pessoal subalterno, por que lhe pareceque permanecem no Exrcito? Por convico?

    R: - No, pelo soldo. A maioria pensa que est adentro e tem um soldo seguro, e que ainda que esteja umano doente, vai seguir recebendo, que chega tal data e tem

    suas frias e logo para no se arriscar a enfrentar uma vida

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    civil, vamos dizer, uma vida ganhando o soldo comtrabalho. Tenho certeza que por isso.

    P: - O fato de ser militar no lhes d certo poder, no

    lhes abre portas, lhes permite passar por cima de gente,etc.?R: - Sim, sim. Por exemplo, ns estamos autorizados a

    usar armas de fogo, em qualquer circunstncia, emqualquer lugar em que estejamos. Isso aproveitado poralguns para fazer o que no devem. Mas h outros queno, que se comportam como civis, que no lhes importa

    ser militares. Tenho companheiros que inclusive voembora e deixam o revlver no trabalho. Inclusive outrosque os deixam em casa e andam dias sem o revlver.Pessoas s quais ser militar no d um sentimento desuperioridade. H alguns que sim, mas a maioria no.

    Sinceramente, eu, em lugar de sentir-me superior,digamos que me senti inferior e a muitos do meuscompanheiros lhes acontecia o mesmo, porque nsfalvamos uns com os outros, certo? Ns tnhamos gruposque tinham o mesmo pensamento e falvamos entre ns.Eu me sentia mal sabendo que meus familiares sabiam queeu era milico. No gostava que vissem na minha casa queeu tinha um revlver e tratava de escond-lo. Inclusiveacontecia que, andando trabalhando na rua com o revlver,s vezes a minha capa levantava e se via a revlver e eu

    ficava perturbado. Sentia que me ruborizava.Pessoalmente, pelo menos, ficava com um sentimento deinferioridade ante o resto da gente, porque ser milico, noUruguai, equivale a ser um vadio que est ganhando osoldo sem fazer nada e equivale a ser um rob, uma pessoaque mandada, que no nada.

    Eu tinha um companheiro desses, que eram uma

    minoria, que se aproveitavam do que eram: por exemplo,

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    subia em um txi e quando ia descer dizia ao motorista:Estado Maior do Exrcito, estou trabalhando. Vai cobrardo Estado Maior. Isso permitido para os trabalhos. Se

    no se tem dinheiro, tem que se dar ao motorista oendereo do Estado Maior, Garibaldi, 2313, para quecobre a. Quando se chegava Companhia tinha que seinformar que tinha tomado o txi matrcula tanto, e que iacobrar ao Comando e j estava previsto. Mas havia os queaproveitavam a situao para viajar constantemente detxi.

    Mas tambm h outra coisa. Uma das primeiras causaspelas quais eu pedi a baixa, que eu estava certo, comoestou agora, completamente certo, de que eu no Uruguaino estava seguro. Nem minha famlia nem eu. Que noestvamos seguros porque a minha baixa da Companhiafoi muito questionada. Estiveram muito tempo para medeixar sair. Eu sei muitas coisas de l. Para eles, noconvm que uma pessoa de fora saiba isto.

    Eu comecei a ver que tinha que ir embora do Uruguai,mas ao ir-me do Uruguai tinha que denunciar todo estefato no Brasil, certo? Que de alguma forma podia ajudar oDr. Ferri neste trabalho que ele tem feito continuamente;que desde a poca do seqestro ele tem feito.Possivelmente poderia ajudar em algo a Lilin, de algumamaneira penso que podia ajudar o resto da gente. Ajudar

    que o Uruguai saia desta situao. Creio que em algumamedida pode servir tudo isto que j declarei e voudeclarar. No jornal disse, e o Dr. Ferri estava l tambm,quando me perguntaram o que eu pretendia, lhes disse quepretendia que isso servisse para o Dr. Ferri e para a causaque ele tinha. Que se publicasse isso, porque de algumaforma isso poderia servir; e que eu queria ir para o Mxico

    e que em alguma medida necessitava um pouco de

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    dinheiro, porque eu ia para o Mxico e, certo que temosfamiliares, mas eu no queria chegar ao Mxicodependendo exclusivamente de outras pessoas. Queria

    chegar l e enquanto nos adaptssemos, queria ter algopara nos arranjarmos, o que o jornalista aceitoulogicamente.

    P: - O que voc pensa do governo atual?R: - As principais coisas que vejo negativas so que

    todos os do governo vivem bem, desde o que est mais emcima at o ltimo oficial do Exrcito. Tm um soldo que

    lhes permite viver muito bem, ter suas comodidades. Dapara baixo, esto os outros, est por exemplo o operrio, ooperrio que no teve uma preparao, que tem quetrabalhar em fbricas ou como peo de construo, essestrabalhos em que s tem que empregar a fora do homem,no? e que est passando mal indiscutivelmente. Isso palpvel. Acho que um operrio no tem possibilidade decomprar casa, e um aluguel atualmente no Uruguai nobaixa de mil pesos novos e a maioria dos operrios estganhando 6,50 pesos por hora, ou seja, 50 pesos por dia,que no chegam nem a 1 .500 por ms 2.

    O oramento militar eu no sei a quanto ascende, masdeve ser tremendo. So soldos respeitveis os dos oficiaisdo Exrcito e o que fazem nulo, porque se se dissesseque esto ganhando um bom soldo mas esto produzindo

    para o pas... mas ganham bons soldos e no produzem.As Foras Armadas atualmente esto conduzindo o

    pas. Esto para os cargos, para estar sentados atrs dosescritrios, estar figurando como o presidente de tal coisa,ou como interventor de outro organismo. Ganhando umsoldo e no fazendo nada para o pas. A maioria dasForas Armadas est dedicada ao controle em si da

    situao interna, para que tudo marche como se disps que

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    marcharia a partir do ano de 73, controle constante dapopulao, das indstrias, vigiando constantemente. Setodos estes que no Uruguai tem que ser bancados 3 sem

    produzir produzissem algo, no haveria necessidade deque um operrio estivesse ganhando to pouco.Acredito que essa situao se deve aos grandes

    interesses que h entre o governo e as indstrias. Se nohouvesse interesses criados, eu penso que o governoexigiria que as empresas pagassem o laudo. Tem quehaver grandes interesses. Porque eu penso que um

    operrio trabalha em uma indstria e ganha um soldoaproximado ao que eu dizia; mas esse operrio deve estarrendendo um ganho incalculvel para a patro. certo queo operrio no vai pretender ganhar tanto como ganha opatro, mas que o operrio ganhe algo to, to miservel,para mim no justo. E penso que se as autoridades nofazem algo para melhorar essa situao, porque tm in-teresses.

    P: - Como voc foi selecionado para ingressar naCompanhia de Contra-informaes?

    R: - Penso que me selecionaram porque um Major doDepartamento 2 me conhecia; me conheceu no Comando,era o Major Lzaro. Penso que foi por ele que meselecionaram porque na Companhia havia muitas vagasquando eu entrei. E como eu sabia fotografia, estava no

    Comando, no tinha instruo militar, era jovem, pensoque foi por isso. Num determinado momento me disseram:Voc passa a prestar servio na Companhia de Contra-informaes, apresente-se amanh. Isso foi repentino. Mecomunicaram que eu passava a prestar servio ali; dequalquer forma, se me tivessem perguntado eu teria ditoque sim, certo? porque no sabia o que se fazia ali antes.

    No sabia de nada... Conhecia a Companhia por coisas que

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    se falavam. A Companhia era muito respeitada noExrcito, porque dizem que a Companhia teve que vercom descobrimentos de militares que no estavam de

    acordo com o governo, certo? se dizia que havia tidomuito a ver com isso. Ento a Companhia era muitorespeitada nesse sentido; ns tnhamos inclusive aobrigao de que, se escutssemos algum militar falar daCompanhia, comunicar imediatamente aos superiores.Tinha que fazer um informe, mesmo que se tratasse de umgeneral.

    Eu, em particular, fiz isso uma vez com unscompanheiros meus, contra um Comandante, TenenteCoronel do Comando. Estvamos no Comando epassvamos perto dele e ele nos disse: E vocs, por queno batem continncia, cabeludos sujos? O que quepensam que so? Nos sentimos feridos, no na partemilitar, mas j em nossa personalidade: cabeludos sujos!Era o Tenente Coronel Ribeiro. Nessa poca, que foi noano de 78, era chefe do Quartel General; e nos disseramque imediatamente o General Nez o condenara a dezdias de priso. Dez dias para um Tenente Coronel muito,e ademais priso rigorosa...

    P: - Voc pensa que no Uruguai a gente estinconformada com o governo atual?

    R: - Sim, claro que sim. Ou seja, estaro conformes os

    que tem seu bom negcio. Porque tem suas fazendas, suaspropriedades. Mas a maioria do povo est em desacordo.Disto estou seguro.

    Inclusive esto em desacordo grande parte dossubalternos dentro das FFAA, a nvel de tropa. Euconheo militares, soldados, que vivem em umascasinholas... naqueles cantegriles4 de Aparicio Saravia Os

    soldos desta gente so baixssimos. gente que tem 5 ou 6

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    filhos, gente que no tem educao. Mas gente que temque se dar conta que eles esto servindo para algo que...Esto servindo, por exemplo, militares que esto ganhando

    dez vezes mais que o soldo deles, gente que est em umaposio muito cmoda enquanto o pessoal de tropa estcom soldos de misria e tem que manter mulher, filhos.

    O soldo no alcana os soldados da Companhia. Nopodem viver com ele. E menos os soldados dos quartis,dos batalhes, que ganham menos do que a gente daCompanhia.

    Como ser a coisa que eu sei de gente da Companhia(inclusive algumas vezes aconteceu comigo) que tem quelevar leite para suas casas da Companhia, que tem quelevar carne ou verdura ou alguma outra coisa. Isso parapoder ir passando mais ou menos.

    P: - Esses alimentos eram vendidos aos soldados?R: - Sim, eles eram descontados, mas a um preo

    menor, metade do preo corrente.Mas havia gente que levava algumas coisas escondido,

    a gente que estava mais necessitada, que tinha mais filhos,por exemplo. O que acontece que tem gente que vivemuito mal, que em sua casa tem muito pouca comodidade.Porque o soldo no permite outra coisa. Havia gente queganhava dois milhes e meio5 como eu, e que pagava ummilho e duzentos, um milho e trezentos de aluguel.

    Havia uns que at chegavam a pagar um milho e meio.Ento, uma coisa desproporcionada cem por cento.Sendo que todos, todos os oficiais, no conheo um queno tenha casa prpria. O que tem mais ou menos tem oapartamento prprio, a maioria tem automvel tambm.Claro, o soldo lhes permite. E tm muitas outrasmordomias. Por exemplo, os vales de gasolina para os

    oficiais da Companhia so sagrados!

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    Eles, com esses vales de gasolina arranjam muitodinheiro. Mas se chegam a ver um soldado que por acasoleva algo para casa, ento esse soldado tem problemas,

    imediatamente. Mas eles no. Est provado que roubamvales de gasolina continuamente, mas no acontece nada.

    CAPTULO IIAS DECLARAES DE GARCIA

    RIVAS E A CONSTITUIOURUGUAIA

    Nada, nada, para as Foras Armadas, inviolvel.

    P: - Em suas declaraes aparecem numerosos fatos

    delituosos e condenveis por parte do governo uruguaio,atravs das Foras Armadas e, em particular, daCompanhia de Contra-informaes do Exrcito. Desdeviolaes flagrantes dos princpios mais elementares daConstituio uruguaia, at violaes do direito pblicointernacional e da Declarao Universal dos DireitosHumanos. Queramos hoje analisar alguns aspectos deste

    problema. A ltima Constituio uruguaia, a que se supeque est em vigncia, expressa:Art. 7: Os habitantes da Repblica tm direito de serprotegidos no gozo de sua vida, honra, liberdade,segurana, trabalho, e propriedade. Ningum pode serprivado destes direitos seno conforme as leis que seestabeleceram por razes de interesse geral.

    Art. 14: No se poder impor a pena de confiscao debens por razes polticas.

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    O que voc tem a dizer sobre isso?R: - Posso dizer que isto no se cumpre porque no h

    tal grau de proteo para todos os habitantes da Repblica,

    dado o fato de que se alguma pessoa detida por algumacausa, essa pessoa pode sofrer prejuzos, danos, que voem contra do que dizem estes artigos. Essa pessoa no temuma garantia de proteo, nem em sua pessoa, nem em suasegurana, nem em sua propriedade. Se d o caso de quequando se detm uma pessoa, se confiscam suaspropriedades. Se pode fazer uma espcie de saque em seu

    domiclio. Em oportunidades em que eu participei,inclusive em operaes pequenas, em todos se fazemsaques sistemticos. Se levam os artigos de mais valor:televisores, rdios, refrigeradores. Se se encontram,tambm jias e dinheiro. Se conta o caso de batalhes quelevavam caminhes aos lugares onde se faziam operaese levavam os mveis. Era um saque completo.Art. 11: O lar um sagrado inviolvel. De noite ningumpoder entrar nele sem o consentimento de seu chefe, e dedia, s com ordem expressa do juiz competente, porescrito, e nos casos determinados pela lei

    R: - outra coisa que no se cumpre, porque no seconsidera o lar inviolvel. um fato comprovado; porquequando se quer deter uma pessoa sempre se vai det-lo emseu lar e no na rua. Ele detido em seu lar porque se

    pensa que vai ser apreendido com mais facilidade; que apessoa no vai resistir por temor de que possa prejudicaralgum familiar. E, ademais, todas as operaes sopraticadas de noite. As foras de segurana no vo baterna casa e pedir consentimento ao chefe deste lar, mas elasvo e entram simplesmente. De noite melhor porque um fator de surpresa chegar a uma certa hora, em que a

    famlia est reunida ou em descanso. P: - Quando no

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    encontram a pessoa requerida, o que fazem? R: -Primeiro se pressiona os familiares para que digam ondeest. difcil que estes sejam detidos se dizem onde pode

    estar; h casos em que se leva algum familiar parapressionar o requerido. Mas tambm se deixa pessoal daunidade que foi det-lo, no que se chama uma ratoeira 6,dando a aparncia de que na casa est tudo normal. Istoque se necessite uma ordem expressa do juiz no se usa,eu nunca vi que se usasse.Art. 12: Ningum pode ser penalizado nem confinado

    sem forma de processo e sentena legal.Art. 11 da Declarao Universal dos Direitos Humanos:Todo homem acusado de um ato delituoso tem direito deser considerado inocente at que sua culpabilidade tenhasido provada de acordo com a lei, em julgamento pblico,no qual tenham sido asseguradas todas as garantiasnecessrias sua defesa.

    R: - Geralmente, todas as pessoas que so detidas o soextra-oficialmente, em forma de seqestro, poderamosdizer. Porque so muitos os casos de pessoas que sodetidas e no se conta nem a seus familiares que unidade adeteve. No se pe a famlia em conhecimento de que emtal lugar podem obter informao do detido. Ela no informada sobre que rgo o foi deter. Esta outra coisaque no se cumpre em absoluto. E, s vezes, eles so

    levados para lugares que no so locais de reclusooficiais. Muito menos tm um processo e muito menosuma sentena. O pr-sumrio judicial feito pela mesmaunidade que o detm, ou seja, pelos prprios interroga-dores. Eu presenciei o caso de detidos dos quais se iainformar ao juiz. Dizia-se a ele que estavam em tal ou qualquartel.

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    Art. 15: Ningum pode ser preso seno in fragantidelito ou havendo semi prova dele, por ordem escrita dojuiz competente.

    Art. 5 do Declarao Universal dos Direitos Humanos:Nenhum homem ser submetido a tortura nem atratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

    R: - L se detm geralmente por suspeitas ou por certasinformaes. Ento os rgos de segurana detm aspessoas mas sem saber se verdade. O mtodo que se usapara saber se verdade a suspeita o interrogatrio, ou

    seja, a tortura. A tortura sistemtica. Eles dizem que paraobter informaes necessria. Conheo o caso de umapessoa que por tortura foi levada beira da morte e logofaleceu. Entretanto, no se pde provar delito algum destapessoa.Art. 16: Em qualquer caso do artigo anterior, o juiz, coma maior responsabilidade, tornar a declarao do detidonum lapso de 24 horas, e depois de 48 horas, no mximo,comear o sumrio. A declarao do acusado dever serfeita na presena de seu defensor. Este ter tambm odireito de assistir a todas as instncias sumariais.

    R: - Atualmente no existe nenhum juiz que tomedeclaraes dentro de 24 horas, como diz este artigo, anenhum detido pelas Foras Armadas, a nenhum detidopor problemas polticos, nem que v ao lugar de deteno.

    O detido nos quartis no tem defensor. No sei se depois,no momento de ser julgado, recebe algum defensor.Art. 27: Em caso de priso indbita, o interessado ouqualquer pessoa poder apresentar ante o juiz competenteo recurso de habeas corpus, a fim de que a autoridadeexplique e justifique imediatamente o motivo legal dapriso.

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    R: - Praticamente todas as prises so indbitas.Ningum pode apresentar o recurso de habeas corpus.Esse direito no est reconhecido. Alm do mais, como se

    trata de detenes ilegais, no reconhecidas, como soseqestros, nenhum juiz pode aceitar esse recurso. Poroutro lado, os prprios familiares no sabem onde est odetido, nem quem o deteve.Art. 23: Todos os juizes so responsveis perante a lei,pela menor agresso contra os direitos das pessoas bemcomo por separar-se das normas de processo estabelecidas

    por ela.R: - Aqui poderamos dizer que os juzes militares soos responsveis pelas prises de todas as pessoas, pois soeles quem as determinam. No existe participao dejuizes civis.Art. 28: Os papis dos particulares e sua correspondnciaepistolar, telegrfica ou de qualquer outra espcie, soinviolveis, e no podero ser revisados, examinados ouinterceptados, seno conforme as leis estabelecidas porrazes de interesse geral.

    R: - Nada, nada, inviolvel para as Foras Armadas.Tanto correspondncia, como cabos telegrficos, comotelefones, so violados. O Correio tem uma central noAeroporto de Carrasco, que se encarrega de revisar toda acorrespondncia. Os telefones so interceptados e eu

    conheo o caso concreto da me de Lilin Celiberti, cujotelefone est permanentemente interceptado. Ou seja, quenada disso est sendo cumprido no Uruguai.Art. 29: inteiramente livre em toda a matria a comuni-cao de pensamento, por palavras, escritos particularesou publicados na imprensa ou atravs de qualquer outraforma de divulgao, sem necessidade de censura prvia,

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    sendo responsveis o autor, o impressor ou o editor, deacordo com a lei, pelos abusos cometidos.

    R: - Esta outra coisa que no se respeita, porque no

    Uruguai no existe liberdade de imprensa, no existeliberdade de pensamento, no existe liberdade deexpresso. No Uruguai se publica apenas aquilo que contacom a aprovao das Foras Armadas. Quando osmilitares deram o golpe de estado, deixaram de serpublicados uma srie de jornais que foram clausurados. Ojornal do PVP, justamente, considerado um jornal

    clandestino. No existe tal liberdade de expresso nem depensamento.A Constituio parece ser ignorada totalmente. Estou

    me lembrando agora de quando foi detido um capito, ex-capito do Exrcito, cujo sobrenome era Buela, AntonioBuela. Na Companhia de Contra-informaes ele foiinterrogado novamente sobre outros integrantes docontragolpe. Ento, num dado momento, um dos oficiaisda Companhia lhe disse: Como que vocs planejavamisto se contra a Constituio? Buela disse: No senhor,os que esto contra a Constituio desde o ano 73 so ossenhores. Ns no! disse o capito Ferro. Sim senhor,so os senhores porque a Constituio diz isso, isto eaquilo, e fizeram-no calar imediatamente.

    P: - As denncias no exterior, por exemplo, a ltima

    Conferncia da OEA em La Paz, que condenou o Uruguaipor violaes sistemticas dos direitos humanos,repercutiam diretamente no Exrcito e na Companhia deContra-informaes?

    R: - Na Companhia isto era comentado por oficiais quediziam: Estes continuam insistindo com a mesmacoisa... mas isto no os preocupava muito. Falavam de

    Amnesty International, por exemplo. L se diz que

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    Amnesty uma organizao integrada por comunistas esubversivos, que pretende desacreditar o governouruguaio. Isto o que diz a oficialidade tropa.

    Certa vez, foi negada a entrada de uma Comisso deInqurito no pas, acho que era a Comisso da OEA. Euma pessoa enviou uma carta ao jornal El Pais, paraaquela seo Recebemos e Publicamos. Nessa cartacriticava as autoridades, perguntando como era possvelque no permitissem a entrada no pas de tal Comissoalegando que eram subversivos, sendo que essas pessoas

    eram de uma ideologia determinada, que defendiam osdireitos humanos e outras coisas assim. Duas horas depoisde ter sado a edio, essa pessoa estava na Companhia deContra-informaes. Era uma pessoa que vivia na ruaCentenario, quase Av. Itlia, acho que era um notrio. Foialgo que chamou a ateno pela firmeza dessa pessoa emescrever a carta. Foi detida imediatamente.

    P: - Como repercutiu a denncia do seqestro em PortoAlegre de Lilin Celiberti e Universindo Rodriguez?

    R: - Na Companhia ficaram alarmados quando, no melembro se foi o embaixador da Itlia, se interessou porLilin Celiberti. Ficaram alarmados de que umembaixador de um pas se interessasse por uma detida. Ealarmaram-se ainda mais quando souberam que o Papa seinteressara por Lilin Celiberti. Quando havia uma certa

    presso do exterior havia preocupao. Mas essapreocupao era pelas conseqncias que o fato lhespoderia causar particularmente. No ao Uruguai, mas aeles como pessoas. Porque eles corriam o risco de seremtransferidos para algum outro lugar que no estava aomesmo nvel do que a Companhia. Essa era a sua nicapreocupao.

    P: - Que efeitos tem sobre eles a campanha

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    internacional pelos desaparecidos?R: - Todas as campanhas feitas pelos desaparecidos ou

    pelos presos influem sobre eles, lhes d uma certa

    preocupao.P: - A que atribui o fato de que a represso seja toviolenta no Uruguai?

    R: - Penso que tudo isso que est acontecendo, estarepresso, estas violaes, tm um fim especfico, que que os militares querem estar seguros de que em nenhummomento sua posio possa correr perigo; de que ningum

    em absoluto vai conspirar contra esse regime e essegoverno. No querem permitir absolutamente nada, queningum possa formar algum grupo de oposio noUruguai. Isto o que objetivam atravs da repressocontnua e das violaes pessoa. Eles sabem que amaioria do povo no est de acordo e por isso quecontinuamente se manda gente a diferentes lugares ondeh concentrao de pblico, para que se escute o que h noambiente, os boatos que existem. evidente que tmmedo de que algum possa estar conspirando ou de que seforme um grupo.

    P: - Todos os integrantes da Companhia de Contra-informaes possuem estes sentimentos de dio erepresso contra o povo?

    R: - Alguns entraram na Companhia sem nenhum tipo

    de problema econmico, porque so de famlias que estoem boa posio. Entraram apenas pela aventura deingressar num lugar assim, onde podem usar cabelocomprido e ter uma arma, e estar na rua todo o dia. Depoismuitos se arrependem, mas no conseguem a baixa, nopodem sair. Algum talvez possa sair, outros se habituam eficam presos l. Sei que a maioria dos rapazes que est l

    no est convencida daquilo que est fazendo. Muitos

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    sabem que o que esto fazendo est mal e que algum diatalvez tero de prestar contas por isso.

    Eu quero voltar ao Uruguai, e gostaria de corao que

    tudo isso acabasse.

    CAPTULO IIIANATOMIA DE UM SEQESTRO -

    LILIN CELIBERTI,

    SEUS DOIS FILHOS E UNIVERSINDORODRIGUEZ DIAZ

    Esta operao recebeu o nome em clave de SapatoRoto.

    P: - Quando foi que voc ingressou ao Exrcito?R: - Comecei no Exrcito em 1975, no Comando Geraldo Exrcito. Em 1977 fui transferido para a Companhia deContra-informaces do Exrcito, onde estive at dezembrode 1979.

    A Companhia de Contra-informaes depende doDepartamento II do Estado Major do Exrcito.

    P: - Quais so as funes da Companhia de Contra-informaes?R: - A tarefa especfica da Companhia seria a vigilncia

    dentro das prprias foras do Exrcito, para evitar adivulgao de informaes. No entanto, essa missoespecfica no realizada, posto que a Companhia efetuaum trabalho a outro nvel, faz investigaes fora doExrcito, prendendo pessoas, interrogando, o que noestaria dentro das suas funes.

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    P: - Que funes voc desempenhava dentro daCompanhia?

    R: - Sempre trabalhei como fotgrafo. Fui transferido

    para a Companhia porque eu no tinha feito instruomilitar. O que se quer nessa Companhia e gente que notenha preparao militar, que no se comporte comomilitar. Isto devido s tarefas que realizvamos, tarefas deinteligncia. Porque tnhamos que andar na rua, escutarconversas. At mesmo amos assistir a jogos de futebol, noestdio, a lugares onde se rene muita gente, lugares

    pblicos. Tnhamos que obter todos os dados possveis,principalmente a respeito do governo e da situao dopas.

    P: - Com que objetivo eram realizadas estasinvestigaes?

    R: - A fim de reprimir. Tratava-se de seguir as pessoasque estavam conversando, ver onde moravam, paraposteriormente fazer uma vigilncia, ver seus contatoscom outras pessoas, averiguar suas atividades.

    P: - Poderia nos informar sobre alguma operaorealizada pela Companhia de Contra-informaes da qualvoc tenha participado?

    R: - Sim. A deteno de vrios integrantes do Partidopela Vitria do Povo em novembro de 1978, que culminoucom o seqestro em Porto Alegre de Lilin Celiberti e

    Universindo Diaz.Esta foi uma das operaes mais importantes realizadas

    pela Companhia de Contra-informaes durante o perodoem que trabalhei nela.

    Esta operao para prender os integrantes do PVPrecebeu o nome em clave de Sapato Roto. um nomecompletamente arbitrrio, que serviria para designar a

    operao nas transmisses.

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    P: - Poderia relatar esta operao?R: - Tudo comeou quando um integrante do Partido

    pela Vitria do Povo foi preso em Montevidu, um senhor

    chamado Carlos Amado Castro Acosta. Ele foi detido porcausa de um telefonema annimo ao Comando Geral doExrcito, que dizia que em tal endereo, na Vila Coln,havia uma pessoa requerida pelas FFAA. Do ComandoGeral do Exrcito isto passou ao Departamento II eposteriormente Companhia, para que esta detivesse talpessoa ou investigasse essa informao para ver se era

    certa.Fomos at a casa, onde se instalou uma ratoeira. Eleno estava, era a casa dos pais. Estes disseram que elevinha todos os dias, porque tinha uma filha que moravacom eles. Ou seja, um dia, noite, nos primeiros dias denovembro, instalou-se uma ratoeira na casa at que eleapareceu no outro dia de manh, mais ou menos s 10horas. Telefonamos para a Companhia e vieram busc-lo.

    P: - Foram efetuadas outras detenes?R: - Sim. Tambm foram presos Lus Alonso, Rosario

    Pequito Machado, Germn Steffen, seu filho RonySteffen, Marlene Chauquelt e Ana Salvo. Rosario Pequitomorava muito perto da Companhia. Ns estvamos emColorado 2298 e ela morava em M. C. Martinez eGallinal.

    P: - Voc presenciou os interrogatrios dessas pessoas?R: - Presenciei o interrogatrio de Rosario Pequito

    Machado. Foi torturada no tacho, como se diz l. umtonel cortado pela metade, cheio de gua, com uma tbuapara deitar a pessoa a fim de que sua cabea fique dentrodgua, com um capuz impermevel. Ela esteve assim umdia. Depois foi algemada, com as mos para as costas, e

    essas algemas foram colocadas num gancho que estava

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    dependurado do teto; ela ficou com os braos levantados,separados do corpo. Estava nua.

    Esteve assim 4 dias. Quando desmaiava, tiravam-na

    dali durante uma meia hora, reanimavam-na e depois acolocavam novamente.P: - Quem participou das torturas?R: - O Capito Ramos era quem dirigia o interrogatrio

    na Companhia. O Capito Eduardo Ramos o Chefe daSeo Tcnica da Companhia de Contra-informaes.Estava ele e uns companheiros meus, subalternos.

    P: - De que eram acusadas essas pessoas?R: - Bem, essas pessoas distribuem no Uruguai umjornal clandestino que se chama Compaero.

    P: - Como continuou a operao?R: - A partir dos interrogatrios ficaram sabendo que

    algumas destas pessoas tinham contatos em Porto Alegre.A nasceu a idia, a nvel de oficiais, de vir para PortoAlegre imediatamente para prender essas pessoas, paraagarrar esses contatos, sem combinar nada de antemocom a polcia do Brasil. Essa foi a primeira coisa que setratou, vir para Porto Alegre clandestinamente.

    Depois o Chefe do Departamento II, o Coronel Calixtode Armas naquele momento, disse que no, que isso eraimpossvel, que era necessrio contatar a polcia brasileira.

    P: - O Coronel Calixto de Armas consultou seus

    superiores para entrar em contato com a polcia brasileira?R: - No consultou ningum. No passou do

    Departamento II.O Coronel de Armas uma pessoa muito forte. Alm

    do mais, est muito bem conceituado a nvel dos seussuperiores, como uma pessoa muito firme, como ummilitar com boa capacidade de mando. Ele tinha sido

    Adido Militar no Paraguai, se no me engano em 1976,

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    antes de ocupar este posto no Departamento.P: - Como se entrou em contato com a polcia

    brasileira?

    R: - Sei que o Coronel de Armas contatou algum emPorto Alegre, outro Coronel. Nunca ouvi o nome dele.Tratavam que ningum soubesse o nome. Eu sei disso poruma conversa que tive com um sargento, o brao direitodo Capito Ferro. o sargento Miguel Rodriguez.

    Primeiro viajaram para Porto Alegre para combinar aoperao o Capito Eduardo Ramos e o Major Bassani,

    que neste momento ocupava durante uma semana aChefatura interina da Companhia, porque o Major CarlosRossell, que o Chefe, no estava naquele momento.

    Depois o Major Rossell tambm viajou para acertaroutros detalhes. Nessa oportunidade foi estabelecido umcdigo especial para este caso, para as comunicaes portelex entre Porto Alegre e a Companhia.

    P: - Como se realizou a viagem at Porto Alegre?R: - Viajamos num caminho de 3 toneladas cedido

    pelo interventor da CADA (Comisso Administradora deAbastecimento), que o Capito Armando Mndez, quetambm integrava a Companhia. uma pessoa da linhamuito dura. Uma pessoa como o Capito Ferro, mais oumenos. No caminho iam os quatro detidos, Luis Alonso,Rosario Pequito Machado, Steffen e Marlene Chauquelt.

    Ia tambm uma caminhoneta Kombi amarela ... famosaessa caminhoneta. Nela foram levados os filhos de LilinCeliberti e, quando os integrantes da OAB foram aMontevidu, essa caminhoneta permanceu guardada, nopodia sair nem um momento para a rua. Porque umacaminhoneta que chama muito a ateno em Montevidu. uma caminhoneta Kombi nova, amarela, tipo perua,

    propriedade da Companhia. E tambm ia um Fiat 128.

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    No caminho iam os quatro detidos, encapuzados ealgemados, vigiados pelos subalternos.

    Os oficiais Yannone e Ferro iam no Fiat. E na Kombi

    ia um companheiro meu e eu. Trouxemos a Kombi porquepreviam que muita gente ia voltar nela.Paramos na fronteira do Chui7. Steffen dissera que ia

    fazer um contato na fronteira, mas esse contato noocorreu. Eu fiquei ento com Steffen no Hotel So Miguele os demais continuaram at Porto Alegre.

    P: - Ingressaram no Brasil em veculos uruguaios?

    R: - No. A Polcia Federal brasileira levou todos paraPorto Alegre. Acho que foram em veculos da PolciaFederal. Mas quero esclarecer que eu no fui para PortoAlegre.

    P: - Quem viajou com os detidos para Porto Alegre?Poderia informar qual foi a documentao usada pelosoficiais?

    R: - Com os detidos viajaram Yannone e Ferro. OCapito Yannone o Chefe da Seo Administrativa daCompanhia. Eles levavam um jogo de documentao falsaque tinha sido preparado para eles na Companhia. Recordoque o nome do Capito Ferro era Folca.

    P: - Voc permaneceu em So Miguel com outraspessoas?

    R: - Com todo o pessoal subalterno. Depois de uns trs

    dias eles voltaram. Voltaram os oficiais, os trs detidos,Lilin Celiberti, as duas crianas e UniversindoRodriguez. Chamaram-nos para que fssemos busc-losna Polcia Federal brasileira. Eles chegaram fronteira eficaram no edifcio da Polcia Federal. Estavam em doisquartos dentro do prdio, porque estavam divididos. Osmeninos estavam separados. Os demais estavam juntos,

    todos encapuzados e algemados.

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/torturador.html#n7#n7http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/torturador.html#n7#n7
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    Teresa como lugares de deteno?R: - Pertencem ao Comando Geral do Exrcito. Na

    poca do vero, de praias, os oficiais dependentes do

    Comando Geral do Exrcito vm veranear nessas cabanas.P: - Para usar o hotel de So Miguel e de Santa Teresa,pediu-se autorizao Regio Militar n. IV?

    R: - No, nada disso. Em primeiro lugar, porque essaera uma operao secreta. E era secreta at mesmo a nvelde Exrcito.

    Para usar estes lugares, se falou com o Chefe do Parque

    de Santa Teresa e So Miguel. Porque So Miguelpertence mesma Comisso de Parques. Essa pessoa erana poca o Major Nery Castellanos, que autorizou quefossem usadas as cabanas e o lugar onde ficamos em SoMiguel.

    Em Santa Teresa foram ocupadas duas cabanas. Numaestavam as crianas. Em outra, de dois andares, estavamos detidos, as mulheres num lugar e os homens em outro.

    P: - Os detidos foram torturados em Santa Teresa?R: - Lilin Celiberti foi torturada. Perguntavam-lhe

    continuamente nomes, nomes de mais pessoas queestariam no Brasil. Queriam nomes com urgncia.Comentava-se que, em Porto Alegre, Pedro Seelig estiveranos interrogatrios.

    P: - Como foi torturada Lilin Celiberti?

    R: - Isto muito fcil. O principal ter um capuzimpermevel. L dentro se encheu um barrilzinho de gua.Era meio improvisado mas servia.

    P: - Pensavam regressar ao Brasil para deter outraspessoas?

    R: - Queriam nomes para transmiti-los ao DOPS.Aparentemente queriam o nome desse Lalo que ningum

    conhecia. Tambm pediam nomes das pessoas que

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    estavam na Europa. Porque eles diziam que no Brasilestava o brao armado do Partido pela Vitria do Povo eque por aqueles dias ia chegar gente da Europa para fazer

    contatos.Buscava-se o filho de Steffen, que est na Europa e quedevia vir para um contato com Lilin. E tambm outrapessoa que residia em So Paulo, conhecida pelo nome deHugo8. Tnhamos um grfico com todos os nomes, com ospassos a seguir. E recordo que ali estava o nome Hugo ereticncias e pontos de interrogao.

    Tambm me lembro que lhes perguntavam se o PVPtinha gente em Buenos Aires.P: - Que material foi encontrado no apartamento de

    Lilin e Universindo?R: - Foram encontrados os jornais Compaero.

    Lembro-me de ter visto um que tinha vrias fotos na capade presos polticos chamando a Anistia ao Uruguai.

    P: - Quando voltaram e em que lugar permaneceramdetidas estas pessoas em Montevidu?

    R: - Estivemos mais ou menos at s 7 da tarde emSanta Teresa e de l samos para Montevidu. Todos osdetidos foram juntos no caminho da CADA, com algunsobjetos pessoais que tinham trazido de Porto Alegre. Almda roupa trouxeram um rdio-gravador, uma mquinafotogrfica, uma mquina de escrever. Tudo isso ficou em

    poder da Companhia. Os detidos iam encapuzados ealgemados, e eram vigiados para no canversarem entre si.

    Na Kombi iam as crianas e no auto os oficiais.Chegamos aproximadamente meia-noite

    Companhia. Todos os detidos ficaram l, menos ascrianas que foram levadas para um apartamento no centrode Montevidu, localizado em Rio Negro e Canelones.

    Este apartamento pertence Companhia; antes era

    http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/torturador.html#n8#n8http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/torturador.html#n8#n8
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    propriedade de uns integrantes do grupo Montoneroscapturados no Uruguai.

    P: - Quando Universindo e Lilin foram detidos

    contava-se com antecedentes das suas atividades polticas?R: - A Companhia no dispunha de informaes sobreeles. Havia e h na OCOA um fichrio completo do VPV.Quando surgiu o nome dessas pessoas foram at a OCOAe perguntaram se estas pessoas estavam fichadas. Achoque Lilin estava fichada desde 1969 por atividades naResistncia Obreiro-Estudantil (ROE), que era a forma em

    que atuava o PVP naquela poca. Havia at mesmo umafoto dela.P: - Quando voltaram para a Companhia, os detidos

    foram torturados novamente?R: - Sim. Foram interrogados e torturados de novo na

    Companhia. Isto era feito numa oficina mecnica. Quandoas pessoas vo ser torturadas so levadas para a oficinamecnica. Quando algum era interrogado punham o rdioa todo volume, porque a uns 30 metros da oficina haviauma casa. Penso que, de qualquer forma, as pessoas quemoravam l perto tinham que perceber alguma coisa,porque os gritos no se escutavam, mas o rdio era algoque... Ns mesmos, quando chegvamos na Companhia,sabamos que se estava interrogando, porque o rdioestava a todo volume. As pessoas que moravam perto

    tinham que se dar conta disso, porque viam caras fazendoguarda com uma camisa militar e com o cabelo at osombros.

    P: - Esta oficina mecnica est localizada na prpriasede da Companhia?

    R: - Est do lado da porta de entrada, do lado doescritrio do Chefe da Companhia, na rua Colorado. No

    se v desde a rua porque l fica o porto de entrada da

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    Companhia. Atrs desse porto tem uma ruela que a queentra ao ptio da Companhia. Mas desde esse porto at aesquina tem um muro. Atrs desse muro h um galpo

    muito grande que antes era uma carpintaria, que chegou afuncionar mesmo quando a Companhia j estavalocalizada l. Era a carpintaria do SIAM, Servio deArquitetura Militar. Esse galpo tinha uma altura de uns15 metros e por isso que nem o edifcio da Companhianem a oficina mecnica so vistos desde a rua.

    Tudo fica escondido por este prdio, que de tijolos,

    bastante velho.No entanto, se algum fosse torturado nessa oficinasem o rdio a todo volume, tudo se escutaria perfeitamentedesde a rua. Quando o rdio estava estragado, colocava-seum Volkswagen com o rdio a todo volume.

    P: - Quem estava presente aos interrogatrios?R: - O Capito Ferro. Rossell tambm... o Major

    Rossell muito conhecido pela me de Lilin, posto que iabastante freqentemente falar com ela.

    P: - Voc esteve presente quando Lilin Caliberti eUniversindoRodriguez foram prestar declaraes noJuizado? Conhece ou tem referncias do Juiz MilitarCoronel (R) Carlos Gamarra, do Juizado da PrimeiraVara?

    R: - No, eu no estava presente nem conheo esse

    juiz. O que posso dizer-lhes que um dia pediram comtoda urgncia que eu tirasse fotos de Lilin e Universindopara fazer-lhes documentos. Quando eu fui tirar essasfotos, eles ainda estavam na Companhia.

    Depois prepararam dois jogos da carteiras deidentidade para eles. Tambm fizeram documentos falsospara as crianas. Um companheiro meu foi tirar fotos deles

    no apartamento onde eles estavam. Foi o sargento Obdulio

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    Custodio. Fiquei sabendo por comentrios que essesdocumentos eram para ser apresentados ao juiz.

    Mandaram-me tirar uma foto do passaporte de

    Universindo Rodriguez, que era um passaporte espanhol.E depois me mandaram tirar foto de outro passageiro, masera a mesma; a nica diferena era que um era mais velhodo que o outro. Ou seja, que fizeram outro passaporteigual ao que ele tinha. No sei se havia um problema devencimento de passaporte, no consigo me lembrar. Masfoi algo extraordinrio que lhes fizessem dois jogos de

    carteiras de identidade. Eu vi quando estavam fazendo ascarteiras. Trouxe fotos de todos esses documentos, queesto no jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

    P: - Voc sabia que o Juiz tinha sido informadopreviamente a respeito das caractersticas desse caso?

    R: - No, no sei. Mas lgico que tem de ter havidouma combinao com o Juiz. No acho que o Juiz tenhasido enganado porque se trata da um Juiz Militar. Mas sealgum foi falar com o Juiz, tem que ter sido a CoronelCalixto de Armas, porque o Juiz um Coronel. Noacredito que o Capito Ferro tenha ido falar com ele.

    P: - Voc sabe se estes documentos foram enviados aoBrasil anexos carta rogatria enviada pelo governouruguaio?

    R: - No sei, no sei o que uma carta rogatria. No

    fiquei sabendo de nada disso.P: - Lilin Cetiberti e Universindo Diaz foram acusados

    de terem pretendido entrar clandestinamente no Uruguailevando armas. O que sabe sobre isso?

    R: - Ah! Isso foi muito fcil. Tomaram vrias armas daCompanhia e as fotografaram. Depois se mandou isso paraa Juizado.

    P: - Como foi que voc soube disso?

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    R: - Fui eu quem tirei essa foto.Colocaram numa mesa da Companhia uma

    metralhadora MK30, outra metralhadora, acho que

    argentina, uma pistola 45, dois ou trs revlveres 38 adiversas munies. Tudo era material da Companhia. Eu ofotografei.

    Depois, num comunicado que saiu na imprensa,disseram que eles tinham uma mala com fundo duplo ondeestavam as armas. Tambm foram fotografados os jornaisCompaero.

    P: - Quem elaborou o comunicado que foi distribudo imprensa?R: - A prpria Companhia. Ele foi preparado por ordem

    do Capito Ferro.P: - Isto foi consultado com o Comandante em Chefe?R: - No tenho idia, no sei. Mas pelo menos foi

    consultado com o Chefe do Departamento II, o CoronelCalixto de Armas.

    P: - Como possvel que a Companhia de Contra-informaes fabrique documentos estrangeiros falsos?

    R: - Na Companhia existem muitssimos passaportesestrangeiros. O que eu no sei como os conseguiram. Seique existem passaportes de muitos, muitos pases. No sei.Talvez os comprem... Tambm existem formulrios parafazer carteiras de identidade argentina. Com os carimbos

    no tem problema porque tem uma casa em Monteviduna qual a Companhia manda fazer carimbos tipo visto.No recordo qual a casa, mas uma casa que fazcarimbos. Nesse sentido na Companhia existe muitomaterial, existem muitos carimbos tipo visto. (Pausa).

    Certa vez, ns fizemos uma carteira falsa para oComandante em Chefe do Exrcito, Queirolo, que ainda

    deve t-la, com o seu prprio nome.

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    Ele dizia que tinha que mostrar muito freqentementesua carteira a outras pessoas e por isso ela tinha sedeteriorado muito, estava muito manuseada, e ele no

    gostava disso. Ento mandou que a Companhia lhe fizesseoutra, urgente. Foi um caso muito especial porque ele noqueria pr sua impresso digital, nem tirar foto, nemassinar; s queria que lhe enviassem a carteira novapronta. Isto foi no ano passado. Foi um trabalho fcil.Alm do mais, quem vai dizer alguma coisa aoComandante em Chefe por ter um documento falso, certo,

    com o seu prprio nome? A foto, sim. Comecei tirandouma foto da foto da sua carteira anterior, porque ele amandou para que a vssemos e a mandssemos de volta.Estava nova. Bem, tirei uma foto da foto da carteira, masele disse que no queria este registro fotogrfico, com adata, na foto. Tentei fazer uma ampliao, mas a foto nosaa ntida. Ento anotamos o nmero da carteira dele,fizemos um pedido Polcia, pedindo fotos deste edaquele nmero de carteira. Entre eles colocamos onmero da carteira de Queirolo e eles nos enviaram umaquantidade de fotos dessas carteiras. Entre elas veio a fotode Queirolo. Uma foto grande, muita ntida, a foto da pr-pria carteira. Elaborei outro registro fotogrfico,fotografei-a e com isso preparei uma foto para a carteira. um trabalho muito simples.

    P: - Voltando ao caso do seqestro; o que se pensavafazer com Lilin e Universindo depois do seqestro?

    R: - Uma vez ouvi uma conversa entre o Capito Ferroe no me lembro que outro oficial, na qual o Capito Ferrodizia: Trazemos estes caras do Brasil e depois, para evitarproblemas, os liquidamos e tudo bem.

    P: - Voc participou em alguma circunstncia de

    atividades em que sups que eles seriam assassinados?

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    R: - No. Acho que no os mataram porque houveconhecimento de que tinha havido um seqestro. Como noapartamento de Lilin Celiberti apareceram os jornalistas

    (Cludio, no ?) a imprensa tomou conhecimento. Aprincpio, no Uruguai, no houve muita preocupao arespeito desse fato, porque se pensou que a imprensa ia serobrigada a calar-se no Brasil, que nada ia transcender. Masdepois os nomes de Pedro Seelig e de Didi Pedaladacomearam a aparecer continuamente. Soubemos que oDOPS estava tendo problemas em Porto Alegre. Inclusive

    o Major Rossell viajou para Porto Alegre depois doseqestro. Sei disso pois foi preciso ir busc-lo noaeroporto.

    P: - Voc sabe se o Comandante em Chefe das ForasArmadas, General Gregorio Alvarez, tinha conhecimentodessa operao?

    R: - No sei. A nica coisa que posso dizer que destaoperao participou somente pessoal da Companhia. Noparticiparam integrantes de outras reparties. Masquando comearam as repercusses sobre o caso doseqestro no Brasil, o Comandante em Chefe j eraQueirolo. O Capito Ferro ia com freqncia ao escritriode Queirolo. O Capito Ferro era a pessoa que foi vistapelos jornalistas no apartamento de Lilin. E sei que foifalar com Queirolo a respeito desse caso. O Comandante

    em Chefe o chamou. O Major Rossell tambm ia falarcom ele, por ser o Chefe da Companhia.

    Queirolo geralmente d ordens para a Companhia.Quando ele acha que h algo que merece ser investigado,comunica diretamente Companhia. Por exemplo, os seusguarda-costas so da Companhia de Contra-informaces.Tem pelo menos trs pessoas que cuidam da sua segurana

    pessoal. Tem pessoal da Companhia em seu domiclio.

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    P: - O General Queirolo ou algum outro dos seussuperiores militares promoveu alguma investigao sobreas denncias realizadas no Brasil sobre um seqestro de

    uruguaios em Porto Alegre?R: - No, no houve nenhuma investigao. S quealguns dos que participaram do seqestro foramtransferidos para outras atividades, por segurana.

    O Capito Ferro, que est atualmente no SID, o MajorRossell, que est atualmente na Escola de Inteligncia e oMajor Bassani, sei que foram transferidos pelo problema

    do seqestro.O Capito Ramos est atualmente na Escola deInteligncia. Foi transferido porque j passou dois anos naCompanhia. Eles tm um perodo de dois anos em cadadestino. Mas na Companhia no so transferidos maisquando se passam os dois anos porque um cargoimportante dentro do Exrcito.

    P: - De que maneira voc tomou conhecimento dosfatos relatados aqui, dos quais voc no participoudiretamente?

    R: - Bom, s vezes ficava sabendo por meio deconversas. Outras vezes porque, estando eu trabalhando,vinha algum e dava as ordens na minha frente. Alm domais, entre as pessoas que estavam por dentro do caso doseqestro da Companhia, todas essas coisas se

    conversavam.P: - Voc recebeu alguma ordem de seus superiores

    sobre a necessidade de manter reserva sobre este caso?R: - Sim. Depois de efetuada a operao, se fez uma

    reunio entre todos os que tinham tido algo a ver com oseqestro. A reunio foi com o Major Rossell, que nosdisse que no podamos comentar absolutamente nada

    com ningum. Nem mesmo com outros militares.

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    P: - Quanto tempo os detidos permaneceram naCompanhia?

    R: - No recordo exatamente. Um ms, um pouco mais

    de um ms. Depois foram transladados para o Batalho deInfantaria no. 13.P: - A que tarefas voc se dedicou em 1979?R: - No ltimo ano a nossa tarefa era a vigilncia

    contnua da casa da me de Lilin Celiberti. Essavigilncia era feita desde um veculo particularestacionado perto da casa de Lilin. Vamos todas as

    passoas qua iam casa e tratvamos de segui-las para veronde moravam. Mas ia pouca gente, porque ela no tinhapessoas que a visitavam, s parentes ou algum vizinho.

    Alm do mais, o telefone da me de Lilin estavaconstantemente interceptado. Este telefone estinterceptado desde a Delegacia Central de Polcia. Seidisso porque tnhamos que ir buscar as fitas todos os diasna Delegacia para traz-las para a Companhia.

    P: - As visitas da senhora Celiberti a sua filha eramcontroladas?

    R: - Sim. Sempre preciso ir colocar microfonesquando ela recebe visitas. Neste caso, a Batalho deInfantaria n. 13 telefona para a Companhia e se convoca apessoa que vai geralmente colocar microfones. Depois isso escutado. Inclusive quando o embaixador italiano foi v-

    la se fez isso.P: - A Companhia de Contra-informaes realizou

    algum tipo de vigilncia sobre a Comisso da Ordem dosAdvogados do Brasil que esteve em Montevidu parainvestigar o caso do seqestro? Em caso afirmativo, deque maneira isso foi feito e como voc tomouconhecimento dos fatos?

    R: - Sim. Sempre que vinha algum do Brasil, de Porto

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    Alegre, por telex, a Companhia era avisada. Quandochegou a Comisso da OAB at se avisou a hora exata e onmero do vo. Eu participei, junto com outros

    companheiros, da vigilncia dos movimentos da OAB.Dos outros que participaram do seqestro, nenhumapareceu nesse dia porque tinham medo de seremreconhecidos, um medo muito grande. Fomos ao aeroportoe do terrao fotografamos a Comisso. Era um grupogrande, de umas 9 pessoas, porque alm dos advogadosvinham alguns jornalistas.

    Depois as vigivamos do Palcio de Governo. Trs dens estvamos l, no Salo Vermelho, no segundo andar.No primeiro andar est o escritrio do Presidente daRepblica. Tnhamos binculos para ver quando elessaiam ao hall do hotel e ento comunicvamos por rdioao outro pessoal que estava na praa ou nas ruas lateraisdo Victoria Plaza; estes se encarregavam de segui-los.

    P: - Quem autorizou o uso da Casa de Governo para avigilncia da OAB?

    R: - Isso j estava tudo previsto. Disseram: Vocs vopara o Palcio de Governo, entram, falam com oComandante da Guarda, que j est tudo ajeitado. Norecordo quem era esse Comandante, mas um Tenente doRegimento de Cavalaria n. 1. o RegimentoBlandengues, aqueles que se encarregam da segurana

    do Palcio, aqueles que se vestem da azul, ossoldadinhos.

    P: - Voc tomou conhecimento da viagem de outrosoficiais para Porto Alegre depois do seqestro?

    R: - Sei que o Major Rossell viajou uns dias depois,mas no sei com que objetivo. Tambm vaio o SargentoMiguel Rodriguez que o brao direito do Capito Ferro,

    acompanhado de uma das telefonistas da Companhia, para

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    infiltrar-se na casa do Dr. Ferri. Sei disso porque tirei umafoto desse Sargento, para uma carteira de identidade,justamente naquela poca. E fui ajudar um companheiro

    meu que era tcnico em documentao a fazer essacarteira. Quando fazemos essas carteiras, colocamos nelasas nossas prprias impresses digitais, j que isso no vaiser detectado no momento. Mas veio o Sargento e disse:No. Tenho que colocar as minhas impresses porquetenho que viajar para o Brasil e se passo pela PolciaFederal pode haver algum mal-entendido.

    O Dr. Ferri me descreveu esta pessoa e a telefonista(me mostrou na rua uma pessoa muita parecida com ela) efoi assim como me dei conta de que o Sargento MiguelRodriguez foi o que viera para Porto Alegre. Ele trabalhouna Embaixada em Braslia em 74, 75, no me lembro bem.Por isso que falava muito bem o portugus.

    P: - Qual era o objetivo da mandar esse sargento para oBrasil?

    R: - No fiquei sabendo porque era secreto. S agorarelacionei as coisas porque falei com o Dr. Ferri e porquetinha visto como era feito o documento. Penso que vierampara ver os movimentos do Dr. Ferri. Eles tm a idia deque o Dr. Ferri um homem muito perigoso, perigoso paraessas pessoas que realizaram o seqestro. L se fala do Dr.Ferri com muito respeito e com certo temor.

    P: - Voc ficou sabendo de algum plano paradesmoralizar o Dr. Ferri?

    R: - Sim. Quando a me de Lilin teve de assinaraquele documento, dizendo que o Dr. Ferri tinha deixadoda ser o seu advogado. Foi uma pessoa de Porto Alegre,um brasileiro, que no sei quem porque se manteve umsegredo hermtico, que foi casa de Lilin. Essa pessoa

    foi buscada no aeroporto por pessoal da Companhia e

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    depois foi levada para a casa da me da Lilin. O prprioMajor Rossell foi quem o acompanhou.

    P: - Como foi que voc obteve as fotos que entregou ao

    jornal Zero Hora?R: - Porque eu tinha acesso Seo Tcnica, eutrabalhava l. Podia pegar todo o material que quisesse.

    Todas as fotos ficam no laboratrio fotogrfico. Porexemplo, quando eu tirava uma foto, s vezes fazia duasou trs cpias, porque uma ficava muito clara ou muitaescura. Ento a deixava l, no arquivo. E ningum controla

    isso.P: - Quando foi que voc retirou essas fotografias?R: - Em meados de 79, porque j pensava ir embora. E

    pensava que isso podia me servir de garantia no caso deque no me deixassem sair.

    P: - Voc tomou conhecimento da priso da umsoldado no momento em que Lilin Celiberti seencontrava no Batalho n. 13?

    R: - Soube apenas que Lilin tinha ganho a simpatia daum soldado de l, de um sargento, se no me engano. Etinha pedido a ele que lhe mandasse umas cartas. Atmesmo fazia com que ele telefonasse para a sua me,mandando-lhe mensagens.

    Isso foi logo descoberto, porque o telefone estavainterceptado. Eles ficavam sabendo imediatamente que

    algum transmitia as mensagens de Lilin.Sei que essa pessoa foi presa. Depois j no soube mais

    nada. Como se diz l, ele foi agarrado pelo Cdigo PenalMilitar.

    P: - Que conseqncias pode ter a sua denncia para oCoronel de Armas, para o Capito Ferro e os demaisenvolvidos neste seqestro?

    R: - Acredito que tudo vai continuar funcionando.

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