Saviani Florestan.fernandes.e.a.educacao

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  • Florestan Fernandese a educaoDERMEVAL SAVIANI

    P ODE-SE DIZER QUE AS preocupaes educacionais acompanham toda a tra-jetria de Florestan Fernandes manifestando-se em todas as facetas de suarica existncia.Para efeitos desse artigo destacarei quatro aspectos, a saber, a docncia, a

    pesquisa, a militncia e a publicstica advertindo, preliminarmente, sobre aindissociabilidade desses aspectos, integrados que esto numa vida toda elamarcada pela coerncia de propsitos reconhecida, alis, como a principal caracte-rstica de Marx (Fromm, 1967:220), com certeza o pensador com quem Florestanmais se identificava.

    O primeiro aspecto enfoca a figura do professor Florestan, evidenciando oprofundo significado educativo que marcou o seu magistrio. O segundo aspec-to destaca o lugar ocupado pela educao nas investigaes cientficas por elerealizadas. O terceiro refere-se ao seu engajamento na luta em defesa da educa-o pblica, desde a campanha em defesa da escola pblica at a sua atuaocomo deputado federal. Finalmente, o quarto aspecto coloca em evidncia opublicista incansvel, empenhado em divulgar sob todas as formas a seu alcance,a causa da defesa de uma escola pblica de qualidade acessvel a todos os brasileiros.

    O professor-educador

    O professor , antes de tudo, um educador, isto , formador de homens.Esta verdade simples que est na raiz da atividade docente tendeu, porm, a cairno esquecimento em benefcio do aspecto mais visvel da funo docente quepassou a ser entendido como a forma mesma do prprio ser do professor. Assim, medida em que o magistrio se institucionalizava atravs da constituio eexpanso dos sistemas escolares, cristalizava-se essa compreenso restritiva dopapel do professor. Da, a separao entre instruo e educao e o conseqenteentendimento de que a tarefa da escola se limitava instruo (Condorcet,1989:56-72), definindo-se o professor como instrutor (instituteur, em francs).Estamos a diante de uma ilustrao da fundamental questo epistemolgica se-gundo a qual a aparncia no apenas esconde a essncia mas pode tomar o lugarda prpria essncia.

  • A radicalidade com que Florestan Fernandes assumiu a condio humanao levou a assumir tambm radicalmente as atividades em que se empenhou, aincluda a ao docente. Nesse contexto, em lugar de se constituir simplesmentecomo um professor - sem dvida srio, consistente e responsvel, ministrandoum ensino de qualidade a sucessivas turmas de alunos conforme a expectativasocial e institucional estabelecida - foi levado a converter a cadeira de SociologiaI da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP, que ficou sob sua respon-sabilidade a partir de 1952-53, num verdadeiro espao educativo destinado aformar quadros de alto nvel no campo das cincias sociais. Como ele prpriorelata (Fernandes, 1972:82-83), j que no podia contar com um laboratrio,como era o caso das cincias exatas, o que "impunha o trabalho em equipe" e"exigia modernizao operacional de superfcie e de fundo", a soluo encontra-da foi utilizar a cadeira de sociologia I como base de apoio para a constituio deuma equipe visando "formao de um verdadeiro grupo de socilogos pesqui-sadores", criando, ao mesmo tempo, "o espao necessrio sua prpria consoli-dao e crescimento gradual". Essa cadeira se transformou, pois, "em um piopara atingir fins que so inacessveis ao professor e ao investigador isolados"(Ibid.:178).

    O espao pedaggico assim definido resultou em ambiente estimulante deum trabalho intelectual rico, intenso e exigente.

    Por certo, como ele prprio frisou cm diferentes oportunidades, Florestanno era um pedagogo e nem mesmo um cientista da educao no sentido espe-cializado que essas expresses adquiriram no sculo atual. Contudo, o senso deradicalidade j referido levou-o, a partir da experincia de sua prpria formaoe do processo formative) que passou a liderar como professor, a atuar como umverdadeiro educador, isto e, aquele que pratica a educao com a conscinciaclara de que a est praticando, o que o leva a formular conceitos de mximasignificao para o conheci mento da essncia prpria dos fenmenos educativos.Tomando em conta a sua trajetria no ser dilcil encontrar elementos que ilus-tram o que foi dito.

    Assim, quando formula uma avaliao comparativa da sua formao nocurso de graduao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da USP e nocurso de mestrado na Escola Livre de Sociologia e Poltica, conclui: "em ambasas escolas os cursos monogrficos eram de escolha arbitrria dos professores. Oque era timo para simplificar as tarefas docentes, mas pssimo em termos da-quilo que deve aprender um estudante de cincias sociais" (Ibid.:170). Essaconstatao revela a percepo clara da diferena de objetivos entre pesquisa(fazer crescer o saber), e ensino (fazer crescer o aluno) assim como da naturezapropriamente pedaggica dos processos de ensino-aprendizagem, o que impe aorganizao dos contedos segundo um plano cujo critrio de referncia deveser dado pelos fins a atingir e no pela escolha arbitrria dos professores.

  • Em outro momento, ao se referir ao que considera o "perodo maisfermentativo" de sua formao destaca duas atividades ligadas diretamente aoque fazia como professor e pesquisador na USP: "o ensino de sociologia e a pes-quisa sociolgica dobraram o meu rude individualismo, forando-me a travar asltimas batalhas que assinalam o aparecimento de uma segunda natureza huma-na dentro de mim, a qual se confunde com p 'professor' e o 'socilogo' em queme converti, inteiramente voltado para fora, para os 'problemas dos outros', os'dilemas de nossa poca' e o 'controle racional da mudana social'" (Ibid.:171) .Nesse ponto atinge-se o ncleo constitutivo da natureza da educao. E a pr-pria expresso "segunda natureza", tambm j referida por Gramsci, assim comoo conceito de habitus (Bourdieu-Passeron, 1970:46-70), remetem exatamentepara a compreenso da essncia da educao. Esses conceitos foram por mim(Saviani, 1995a:81-82) assumidos e sintetizados no conceito gramsciano de"catarse" entendido como a "assimilao superior da estrutura em superestrutu-ra na conscincia dos homens" (Gramsci, 1977:48) buscando identificar o pon-to culminante do processo educativo que se define pelo "ato de produzir, diretae intencionalmente, em cada indivduo singular, a humanidade que produzidahistrica e coletivamente pelo conjunto dos homens" (Saviani, 1995b:17). Aoconsiderar que o ensino da sociologia e a pesquisa sociolgica provocaram "oaparecimento de uma segunda natureza humana dentro de mim", Florestan estapontando para a essncia da educao, isto , um processo que visa transfor-mao interna dos sujeitos pela incorporao de elementos que no so dadosnaturalmente e nem adquiridos espontaneamente mas que, uma vez incorpora-dos pela mediao da ao educativa, passam a operar como se fossem naturais.Constituem, pois, um habitus, ou seja, uma disposio permanente e irreversvelque passa a constituir a prpria estrutura do sujeito, no lhe sendo possvel agirsem que intervenham esses elementos. Trata-se, conseqentemente, de uma se-gunda natureza construda pela educao sobre a base da primeira naturezatransmitida por cdigos genticos e pela tradio espontnea.

    Outro aspecto que ilustra a percepo do significado prprio da educao a avaliao do papel desempenhado pela sua pesquisa de mestrado que versousobre a Organizao Social Tupinamb: "Com essa pesquisa, no s obtive ograu de mestre em cincias sociais: alcancei a estatura de um arteso que dominae ama o seu mister, porque sabe como deve pratic-lo e para o que ele serve"(Fernandes, 1977:175). Mas, por que o trabalho de mestrado viabilizou esseresultado? Isto foi possvel porque, assumindo radicalmente as exigncias da pes-quisa, Florestan transformou seu curso de mestrado naquilo que ele devia, defato, ser, isto , num trabalho educativo de iniciao formao do pesquisador(embora a maioria dos cursos de mestrado at hoje no se tenha ainda dadoconta disso). Com efeito, diferentemente do que ocorre na iniciao cientficaem nvel de graduao, que no implica necessariamente a realizao, por parte

  • de cada um dos alunos, de um projeto prprio e completo de investigao, nocaso do mestrado exatamente disso que se trata: "a iniciao ser feita mediantea realizao de um trabalho completo de investigao. Para a maioria dos alunosser, de fato, o primeiro trabalho de pesquisa que ele cumpre, abarcando todasas etapas implicadas no tipo de investigao encetada. Portanto, caber ao aluno,com o auxlio do orientador e a partir de alternativas delineadas em funo doestgio de conhecimento em que se encontra a rea correspondente, realizar aescolha do tema, a formulao do problema, a delimitao do objeto assim comoo estabelecimento da metodologia e respectivos procedimentos de anlise, redi-gindo, em conseqncia, o texto correspondente com uma estrutura lgica ade-quada compreenso plena, por parte dos leitores, do assunto tratado" (Saviani,1991:163).

    Tal entendimento corresponde inteiramente ao efeito produzido pelo tra-balho de mestrado de Florestan em sua formao de pesquisador, como se cons-tata atravs da avaliao feita por ele mesmo: "Descobri que nenhum socilogo capaz de realizar o seu ofcio antes de percorrer todas as fases de um projeto deinvestigao completo, no qual transite do levantamento de dados sua crtica e sua anlise e, em seguida, ao tratamento interpretativo propriamente dito"(Fernandes, 1977:175).

    Dir-se-ia que, at aqui, tratou-se antes do carter educativo da pesquisa naformao do pesquisador e no propriamente do ensino enquanto processoeducativo. Mas o prprio Florestan se encarrega de afastar essa possvel objeoao afirmar, em seguida: "Nem por isso a experincia em nvel de ensino teve umaimportncia menor para mim. Ao contrrio, a sala de aula logo se tornaria, emtermos de formao e de amadurecimento intelectuais, uma espcie de equiva-lente do laboratrio" (Ibid.:175). E, ao relatar o processo de superao das pri-meiras dificuldades, revela, agora pelo ngulo de sua prpria experincia docen-te, compreenso clara da diferena entre pesquisa e ensino e das suas relaesrecprocas no interior do processo educativo: "Como o pesquisador, o professorprecisa reduzir o conhecimento acumulado previamente ao que essencial e,mais que o pesquisador, deve defrontar-se com o dever de expor tal conheci-mento de modo claro, conciso e elegante (...). Ao atingir esse patamar, o ensinoperdeu, para mim, o carter de um 'fardo' e a relao com os estudantes passoua ser altamente provocativa e estimulante para o meu progresso terico comosocilogo" (Ibid.:I76). E nesse contexto se delineia com clareza o lugar prpriodos cursos de graduao no processo formativo: "A fase inicial foi dura para mime para os estudantes. Como todo professor jovem, eu no estava preparado paraensinar em cursos de graduao. Esses cursos, em nvel introdutrio, requeremprofessores de longo tirocnio, maduros no trato com a matria e com o ensino"(Ibid.:l76).

  • Sobre a base dessas constataes foi possvel introduzir alteraes na pr-pria estrutura do ensino de sociologia vigente dando um carter formativo paraos cursos introdutrios e organizando os cursos monogrficos segundo critriosque transcendiam as preferncias individuais dos professores, com evidentes van-tagens no apenas para os estudantes mas tambm para os prprios professores:"Como os cursos de introduo se tornaram 'formativos', lecion-los significavaadquirir um domnio maior sobre os conhecimentos bsicos de sociologia. Aomesmo tempo, os cursos monogrficos - determinados acima das prefernciasindividuais dos professores - surgiam como uma vantajosa alternativa de auto-realizao profissional. O professor era praticamente forado a conquistar novosespaos, alm e acima de uma especializao unilateral e estreita" (Ibid.:l77).

    Atuando no apenas como um simples professor mas como verdadeiroeducador, Florestan transformou a cadeira de Sociologia I num espao educativopor excelncia cujos influxos significativos extrapolaram os limites da instituioque a sediava, irradiando-se pelo pas e repercutindo inclusive no exterior.

    O cientista e a educao

    Quando Florestan Fernandes completava o seu processo de iniciao cincia sociolgica, convertendo-se de aprendiz de socilogo em socilogo madurocom a concluso de sua dissertao sobre A organizao social dos Tupinambem 1946, ele assumiu no Jornal de So Paulo uma sesso semanal dedicada scincias sociais, sob o nome "Homem e Sociedade". Nessa sesso publicou em5/3/46, a matria denominada "A educao no interior do Brasil" em que apli-ca o conceito sociolgico de "demora cultural" para se referir ao nosso atrasoeducacional, tecendo consideraes a partir das informaes contidas no livroViagem ao Tocantins de Jlio Paternostro. Este artigo foi, em 1960, includo nolivro Mudanas sociais no Brasil, no qual tambm se encontram dois outros estu-dos diretamente ligados educao: "A educao como fator de integrao po-ltica", escrito em 1954 e "A utilidade da educao e das cincias sociais", de1959, que integra o captulo "O homem e a cidade-metrpole" no qual, almdo item mencionado, que fecha o captulo, discute os aspectos ecolgico,demogrfico, econmico, social e institucional da cidade de So Paulo.

    J no primeiro texto - de 1946 - deixa evidentes as esperanas que depo-sitava na educao: "Est mais do que patente que no sairemos do marasmoeconmico e poltico sem transformarmos, de forma profunda e geral, o nossosistema de ensino" (Fernandes, 1960a: 121). A mesma expectativa est presenteno texto de 1954: "...a interveno do Estado, com propsito definido de ajus-tar o sistema educacional brasileiro s necessidades mais urgentes da vida polticanacional, poderia alcanar dois efeitos presumveis. Primeiro, criar condies di-nmicas essencialmente favorveis transio de uma ordem democrtica

  • incipiente para uma ordem democrtica plenamente constituda. (...). Segundo,concorrer ativamente para que essas condies dinmicas se reproduzam similar-mente, provocando efeitos socializadores relativamente uniformes, nos diferen-tes tipos de comunidades brasileiras" (Ibid.:103). E o texto de 1959 reitera asmesmas esperanas: "A educao , naturalmente, o elemento crucial para oreajustamento do homem a situaes sociais que se alteram celeremente, comoaconteceu em So Paulo"(Ibid.:280-281).

    Em Ensaios da sociologia geral e aplicada, livro publicado em 1960, Florestanincluiu o trabalho "A cincia aplicada e a educao como fatores de mudanacultural provocada", escrito em 1958 para o Symposium sobre os Problemas Edu-cacionais Brasileiros, que ele mesmo organizou para o Centro Regional de Pes-quisas Educacionais de So Paulo. Nesse texto, aps esclarecer do ponto de vistada cincia sociolgica os conceitos de Cincia aplicada, educao e mudanacultural provocada, o autor passa a discutir trs temas fundamentais: "Primeiro,em que sentido possvel encarar a cincia aplicada e a educao como fatoressociais construtivos. Segundo, como opera o elemento racional na mudana cul-tural espontnea. Terceiro, como se comporta o elemento racional quando ascondies de mudana cultural podem ser submetidas a controle exterior inteli-gente" (Fernandes, 1960b:172-173). As anlises do autor confluem para a ca-racterizao daquilo que chama de "dilema educacional brasileiro" determinadopela situao de subdesenvolvimento o qual, ao mesmo tempo, coloca necessi-dades que exigem a interveno da educao e obstculos a que essa intervenose efetive. Isso ilustrado por um exemplo: "A estabilidade e a evoluo doregime democrtico esto exigindo a extenso das influncias socializadoras daescola s camadas populares e a transformao rpida do estilo imperante detrabalho didtico, pouco propcio formao de personalidades democrticas"(Ibid.:196-I97). No entanto, limitando a procura, rejeitando os candidatos escolarizao e resistindo mudana interna, o prprio "sistema educacionalbrasileiro inclui-se entre os fatores adversos a esse desenvolvimento. Por conse-guinte, em vez de acelerar a difuso e o fortalecimento dos ideais de vida, consa-grados legalmente, ele interfere no processo como fator de demora cultural"(Ibid.:197). Em suma, o "dilema" consiste em que o sistema educacional brasi-leiro constitudo por "instituies deficientes de ensino, que requerem altera-es complexas, onerosas e profundas" e, no entanto, no pode contar senocom "meios de interveno insuficientes para fazer face, com expectativas defini-das de sucesso, s exigncias prticas da situao" (Ibid.:l97).

    A partir do quadro acima esboado, Florestan passa a tratar do ltimoponto relativo cooperao entre educadores e cientistas sociais quando exami-na minuciosamente "como os cientistas sociais devem encarar sua participao eresponsabilidade nos projetos de reconstruo do sistema educacional brasileiro".

  • Em 1966 Florestan publica Educao e sociedade no Brasil, um alentadovolume (644 pginas) em que rene estudos sobre questes educacionais pro-duzidos entre 1946 e 1962. Como esse livro, infelizmente, j no circula comoseria desejvel, convm apresentar um apanhado geral do contedo nele tratado.

    A obra foi organizada em quatro partes. A primeira, "A Educao na So-ciedade Brasileira", contm oito estudos. O primeiro decorreu de relatrio pre-parado para II Congresso Sindical de Trabalhadores de So Paulo efetuandoum "balano da situao atual do ensino primrio, mdio e superior" feito em1960. O segundo, "A escola e a ordem social", resultou de conferncia proferidaem 24/9/60 na Biblioteca Municipal de So Paulo. "Mudana social e educa-o escolarizada" constituiu a aula inaugural do ano letivo de 1961 da Universi-dade do Cear, proferida em 5/3/61. O quarto estudo, "A educao comoproblema social" data de 1960. "A crise do ensino" constituiu a resposta aoinqurito sobre a situao do ensino no Brasil promovido pela Revista Anhembi.O sexto estudo, "A democratizao do ensino" foi o trabalho apresentado na IConveno Estadual de Defesa da Escola Pblica em 5/5/60. "O problema dajuventude" consistiu no discurso de paraninfo proferido em 19/12/62 na for-matura dos ginasianos do Colgio Estadual de Paraguau Paulista. E o ltimo,"Notas sobre a educao na sociedade Tupinamb" decorreu dos apontamentosfeitos em 1951 para exposio aos alunos da Faculdade de Filosofia, Cincias eLetras da USP.

    Na segunda parte, "Dilemas do ensino superior", esto reunidos dez tex-tos. Os trs primeiros, "O destino das universidades", "Pesquisa e ensino supe-rior" e "Os professores estrangeiros", foram redigidos em 1958. Os dois seguin-tes tratam, respectivamente, dos aspectos estruturais (1958) e das lies pedag-gicas (1959) da crise de crescimento da Faculdade de Filosofia Cincias e Letrasda USP. O sexto texto, "A representao dos alunos", data de 1962 e "A univer-sidade e o desenvolvimento do Nordeste" foi escrito em 1961. "Liberdade depensamento e ensino universitrio" o discurso de paraninfo da turma deformandos de 1957 da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras. Por ltimo,"Universidade de Braslia" constitui o depoimento sobre o projeto de criao daunB, concedido Revista Anhembi em 1961.

    A terceira parte, "A conspirao contra a escola pblica" rene treze tex-tos escritos entre 1959 e 1962, todos eles ligados seja campanha em defesa daescola pblica, ou seja, ao exame crtico do projeto de Lei de Diretrizes e Basesda Educao Nacional.

    A quarta parte, "Problemas educacionais da atualidade", abrange onzeestudos. Com exceo do primeiro, "Os educadores e as exigncias educacionaisdo presente", escrito em 1959; do quarto, "O Centro Brasileiro de Pesquisas

  • Educacionais" (1955); do oitavo, "Uma experincia promissora"; e do dcimo,"Implicaes educacionais do desarmamento infantil" (1958), os demais resul-tam de resenhas publicadas no Suplemento Literrio do jornal O Estado de S.Paulo entre 1957 e 1962, alm do segundo texto que resultou de comentrios,publicados em 1946 no Jornal de So Paulo, sobre a obra de Fernando de Azevedo.

    O esboo apresentado, pela amplitude dos temas abordados, d uma idiado lugar que ocupava a educao nas preocupaes de Florestan Fernandes.

    Com exceo do texto que versa sobre a educao assistemtica entre osTupinamb, o qual resultou de pesquisa desenvolvida rigorosamente segundo oscnones da cincia sociolgica e motivada por interesse puramente cientfico, "asdemais produes revelam o socilogo empenhado nas diferentes lides intelec-tuais, que lhe so atribudas na sociedade brasileira do presente" (Fernandes,1966:XV). Por isso o autor classifica a maioria dos ensaios reunidos no livro como"para-sociolgicos". Para ele os estudos reunidos na primeira parte so os que"possuem maior alcance sociolgico, pois permitem considerar empiricamente asituao do ensino no Brasil, analisada em termos quantitativos e qualitativos, eapreciar objetivamente a natureza de nossa herana educacional" (Ibid.: XVII).De fato, de modo especial o primeiro estudo, fortemente apoiado em dadosobtidos nas fontes disponveis, fornece diagnstico bastante preciso da situaoeducacional brasileira da poca, do qual so extradas concluses pertinentes.Mas ao longo de toda a obra sobressai a figura do socilogo crtico e militante,que encara a educao seja como objeto de anlise cientfica seja como campo deinterveno prtica, ambos os aspectos requerendo, de forma articulada, a con-tribuio do socilogo e sua colaborao com os educadores na obra de recons-truo do sistema educacional brasileiro.

    O militante da educao pblica

    Pode-se considerar que a militncia educativa de Florestan Fernandes re-monta aos anos quarenta, seja na condio de estudante e professor universit-rio, seja nas publicaes pela imprensa ou como membro do Partido SocialistaRevolucionrio de orientao trotskista. Isto pode ser ilustrado atravs dos arti-gos publicados na sesso semanal "Homem e Sociedade" ao Jornal de So Pau-lo, em 1946, como tambm pelo Relatrio encaminhando "Sugestes para odesenvolvimento das cincias humanas" entregue em maio de 1955 a AnsioTeixeira ento Diretor da CAPES e pelo "Relatrio sobre a situao do ensino decincias sociais na USP encaminhado em 2 de abril de 1956 a Jnio Quadros,ento governador do estado de So Paulo (Fernandes, 1977:94-104), alm desua participao, como relator, em Comisses da Faculdade de Filosofia, Cin-cias e Letras da USP.

  • Entretanto, com a "Campanha em Defesa da Escola Pblica"desencadeada em 1959 em torno da discusso e aprovao do Projeto de Lei deDiretrizes e Bases da Educao Nacional, que sua condio de militante da edu-cao pblica aflora plenamente projetando-se por todo o pas. Com efeito,Florestan Fernandes constituiu a liderana mais expressiva e combativa do movi-mento em defesa da escola pblica naquele perodo. Isto reconhecido expres-samente por Roque Spencer Maciel de Barros, outro lder do movimento. Nacoletnea de textos e documentos que organizou em 1960 sob o ttulo Diretri-zes e Bases da Educao, fez estampar a seguinte nota: "No podemos deixar deregistrar o trabalho pertinaz do professor Florestan Fernandes, levando para to-dos os cantos de nosso estado - e mesmo para outras unidades da Federao -uma palavra de esclarecimento sobre os defeitos e perigos do projeto que a C-mara dos Deputados aprovou em janeiro ltimo, numa autntica 'peregrinaocvica e pedaggica' que um fato indito nos anais de nossa histria da educa-o. Dezenas e dezenas de conferncias fez o professor Florestan Fernandes,tornando-se credor da admirao e simpatia de todos os que lutam pela causa daeducao nacional" (Barros, 1960: XXIII).

    O prprio Florestan, ao se referir aos trabalhos que produziu durante acampanha ir, em 1963, afirmar que os mesmos foram escritos "ao longo deuma tormentosa e intensa atividade intelectual, na qual me empenhei de corpo ealma". E acrescentar, algumas linhas abaixo: "Tudo se passou como se me trans-formasse, de um momento para outro, em porta-voz das frustraes e da revoltados meus antigos companheiros da infncia e da juventude". E recordando suaorigem de menor trabalhador e filho de lavadeira, prossegue: "O meu estado deesprito fez com que o professor universitrio falasse em nome do filho da antigacriada e lavadeira portuguesa, o qual teve de ganhar a sua vida antes mesmo decompletar sete anos, engraxando sapatos ou dedicando-se a outras ocupaesigualmente degradadas, de maneira severa, naquela poca" (Fernandes, 1966:XIX). Lembrando Patrocnio e a Campanha Abolicionista, afirma: "como a ele,coube-me o dever de levar ao mundo cultivado do Brasil as angstias, os senti-mentos e as obsesses dos esbulhados, e honro-me ao lembrar que no trepidei,por um instante, diante dos imperativos desse dever" (Ibid.: XX). Considera quefoi como "representante fortuito das massas populares" que se empenhou nessaluta: "Professor, socilogo e socialista - no foi de nenhuma dessas condiesque extra o elemento irredutivelmente inconformista, que deu sentido partici-pao que tive na Campanha de Defesa da Escola Pblica. Se em nenhum mo-mento tra qualquer uma dessas condies, devo reconhecer francamente queelas foram circunstanciais e acessrias. Elas apenas me ajudaram a compreendermelhor aquele dever e me incentivaram a servi-lo de um modo que me seriainacessvel de outra forma" (Ibid.: XX).

  • Mas se Florestan foi incontestavelmente o lder mximo da Campanha, eleno detinha a hegemonia daquele Movimento. Com efeito, pode-se identificar,grosso modo, entre os defensores da escola pblica, trs grupos distintos: os libe-rais-pragmatistas, os liberais-idealistas e os de tendncia socialista. Os primeirosprovm do movimento da Escola Nova e se encontram na origem do projeto dalei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional elaborado em 1948. Entre eles sesituam Fernando de Azevedo, Loureno Filho, Almeida Jnior, Faria Gis eAnsio Teixeira o qual esteve mais em evidncia durante a Campanha, em razodos ataques que vinha sofrendo, na condio de diretor geral do INEP (InstitutoNacional de Estudos Pedaggicos), por parte dos defensores da Escola Particu-lar. O segundo grupo era composto por professores da USP ligados ao jornal OEstado de S. Paulo, como Roque Spencer Maciel de Barros e Laerte Ramos deCarvalho, que redigiam os editoriais de educao do jornal, Joo EduardoRodrigues Villalobos e o prprio diretor e proprietrio de O Estado de S. Paulo,Jlio de Mesquita Filho. No terceiro grupo se situavam os professores ligados aFlorestan Fernandes atravs da Cadeira de Sociologia, como Fernando HenriqueCardoso e Octavio Ianni, alm de outros no-vinculados referida cadeira, comoWilson Cantoni.

    Os dois primeiros grupos tm em comum a referncia ao liberalismo, masse distinguem quanto ao modo como encaram a ideologia liberal. Os liberais-idealistas partem de uma idia essencialista de homem, encarado como um ser decarter absoluto e sagrado que se afirma como indivduo dotado de liberdade,originalidade e autonomia: "o homem sagrado, seja essa sacralidade funo desua origem divina, seja decorrncia de sua prpria liberdade, que o transformanum ser original no mundo e em fundamento dele" (Barros, 1971:242-243).Portanto, a educao deve ter como objetivo supremo a afirmao da liberdade,originalidade e autonomia tica do indivduo. Os liberais-pragmatistas, por suavez, partem de uma viso de homem centrada na vida, na existncia, na ativida-de. Por isso no invocam razes baseadas num suposto carter absoluto do ho-mem. Seus argumentos so sempre de ordem prtica. Defendem a escola pblicaem funo de sua maior eficincia para responder s necessidades postas pelasociedade constituda j que, para eles, cabe educao a tarefa de adequar osindivduos sociedade. J a tendncia socialista, partindo da considerao deque os homens constituem, social e historicamente, um processo contraditriomarcado por conflitos e lutas, via na escola pblica um instrumento eficaz noprocesso de superao do subdesenvolvimento econmico, social, poltico e cul-tural prprio da sociedade brasileira. Assim, enquanto na viso de educao dosliberais-idealistas o indivduo tem precedncia sobre a sociedade e os liberais-pragmatistas buscam educar os indivduos para ajust-los sociedade em mu-dana, os de tendncia socialista entendem a educao em suas relaes recpro-cas com a sociedade o que significa que o processo educativo deve ser dirigidono apenas adaptao mas transformao social.

  • Ora, o grupo hegemnico no movimento de defesa da escola pblica foi,inegavelmente, o dos liberais-idealistas. E para isso concorreu, sem dvida, ofato de terem sob seu controle um poderoso rgo de imprensa, o jornal OEstado de S. Paulo colocado prioritariamente a servio do movimento. Alis, oprofessor Florestan Fernandes tinha clara conscincia disso como revela a se-guinte passagem: "Participam da Campanha de Defesa da Escola Pblica pessoasde diferentes credos polticos. Pois bem, nenhum de ns deu precedncia s suasconvices ntimas sobre o objetivo comum. Limitamo-nos a defender idias eprincpios que deixaram de ser matria de discusso poltica nos pases adianta-dos. Tudo se passa como se o Brasil retrocedesse quase dois sculos, em relao histria contempornea daqueles pases, e como se fssemos forados a defen-der, com unhas e dentes, os valores da Revoluo Francesa! E uma situao queseria cmica, no fossem as conseqncias graves, que dela podero advir. Anossa posio pessoal pesa-nos como incmoda. Apesar de socialista, somos for-ados a fazer a apologia de medidas que nada tm a ver com o socialismo e queso, sob certos aspectos, retrgradas" (Fernandes, 1966:427).

    A condio de militante da educao prossegue atravs de outras interven-es em momentos significativos de nossa histria educacional como a momen-tosa questo da reforma universitria entre 1964 e 1969 quando profere confe-rncias, concede longos e analticos depoimentos culminando com o texto "Osdilemas da reforma universitria consentida" (Fernandes, 1975:201-242) queresultou de conferncia proferida em 11/10/68 no I Frum de Professoressobre a "Poltica Educacional do Governo", portanto, antes da aprovao em28/11/68, da Lei 5.540 que implantou a referida Reforma. Aps uma anliseaguda, lcida e pertinente dos problemas da reforma, o texto se encerra com otpico "O que fazer?" deixando claro que todo o rigor da anlise posto aservio da luta pela "criao de uma universidade capaz de operar atravs de simesma, de preencher todas as funes que deve satisfazer sob a civilizao urba-no-industrial, de ser uma fonte de conscincia histrica crtica e de pensamentoinventivo (na cincia ou demais formas de saber), de converter-se em um doseixos da revoluo democrtica" (Fernandes, 1975:241-242).

    Insere-se tambm nesse contexto da militncia o livro A questo da, USP(Fernandes, 1984) publicado por ocasio da comemorao do centenrio daUniversidade de So Paulo, que reconstri a histria dessa universidade sob oprisma das lutas que se travaram em seu interior em termos polticos, culturais,pedaggicos e institucionais. Como essas lutas foram por ele prprioprotagonizadas em larga escala, o livro assume em diversos momentos a caracte-rstica de depoimento.

    Essa militncia retoma, porm, a luta mais ampla pela educao pblicapopular, a partir de 1986 quando Florestan eleito para o Congresso Constituinte

  • e participa intensamente da elaborao do captulo da educao na Constituiopromulgada em outubro de 1988 e, em seguida, do processo de elaborao,discusso e aprovao do projeto da nova Lei de Diretrizes e Bases da EducaoNacional, iniciado em dezembro de 1988. Sua atuao direta se estendeu at1994 quando se completou o seu segundo mandato como deputado federal.

    O publicista da causa educativa

    Florestan, a par da produo de conhecimentos e da sua transmisso atra-vs do ensino institucionalizado, no descurou de sua difuso, da forma a maisampla possvel, para o conjunto da sociedade. Dir-se-ia que ele cumpriu magis-tralmente e em sentido crtico e revolucionrio aquilo que se define corrente-mente como as trs grandes funes da universidade: a pesquisa, o ensino e aextenso. Para ele constitua verdade prtica, internamente incorporada comouma espcie de segunda natureza, a considerao de Gramsci segundo a qual"criar uma nova cultura no significa apenas fazer individualmente descobertas'originais'; significa, tambm, e sobretudo, difundir criticamente verdades jdescobertas, 'socializ-las' por assim dizer; transform-las, portanto, em base deaes vitais, em elemento de coordenao e de ordem intelectual e moral. O fatode que uma multido de homens seja conduzida a pensar coerentemente e demaneira unitria a realidade presente, um fato 'filosfico' bem mais importantee 'original' do que a descoberta, por parte de um 'gnio filosfico', de uma novaverdade que permanea como patrimnio de pequenos grupos intelectuais"(Gramsci, 1977:6).

    Florestan, ao longo de sua trajetria, freqentou assiduamente a imprensaescrita, divulgando incansavelmente um saber crtico da sociedade encarado comoinstrumento para a necessria ao transformadora a ser protagonizada pelosdebaixo. Os textos relacionados educao e que cobrem principalmente o pe-rodo da dcada de 80 foram reunidos no livro O desafio educacional, publicadoem 1989. No prefcio o autor afirma: "Este livro rene artigos que apanhamaspectos da erupo de um vulco que parecia extinto. A mensagem do autoraparece, aqui e ali, como proposta de esclarecimento de processos interrompidosde mudana educacional (...) Artigos de jornal ou de revista, textos de confern-cias, entrevistas e ensaios revelam o publicista que se empenha em debates ou empugnas que clamam por uma revoluo educacional" (Fernandes, 1989:9-10).

    Em verdade foi nesse trecho que me inspirei para o ttulo deste tpico. Olivro em questo se divide em duas partes. A primeira rene 28 textos sob ottulo de "A crise do ensino: contrastes do crescimento sem democracia". Asegunda contm oito textos encabeados pelo ttulo "O professor e a transfor-mao do concreto". Na primeira parte o tema predominante a nova lei dediretrizes e bases da educao. A segunda dominada pela apresentao deprojetos de dispositivos constitucionais que ocupa quatro dos oito textos.

  • O livro A transio prolongada: o perodo pos-constitucional rene 94 arti-gos publicados na imprensa diria entre 3 de novembro de 1988 a 9 de abril de1990. Os artigos esto agrupados em sete conjuntos temticos. A sexta parte,"Educao, cincia e tecnologia" contm os artigos mais diretamente ligados educao. Em "O debate sobre a Lei de Diretrizes e Bases", publicado no Jornaldo Brasil cm 1/11/89, Florestan situa o nvel em que se encontravam as discus-ses, para concluir: "No devemos alimentar iluses. Os embates vo recomear,de modo negativo, tanto na Comisso, quanto na sociedade. uma pena, per-maneceremos presos ao passado. S que nos cumpre fazer tudo o que for poss-vel para no ficarmos com 'meia vitria'. Precisamos cortar o n grdio de nossahistria. Os conservadores escolheram a educao como o terreno de luta prin-cipal. Faamos a sua vontade. Porm, para vencermos de uma vez por todas!"(Fernandes, 1990:211).

    Efetivamente, apesar de ver com clareza a magnitude dos impasses e obs-tculos, Florestan colocou fortes esperanas na possibilidade de transformaodo nosso quadro educacional a partir da conjuntura que se abria com a NovaConstituio e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional. Por issono poupou esforos nem a sade, j debilitada, na luta que travou at o ltimomomento. Sua coluna semanal na Folha de S. Paulo saiu regularmente duranteseis anos, de 26 de junho de 1989 a 7 de agosto de 1995. Nem a proxidade damorte impediu essa regularidade, pois os trs ltimos artigos foram publicadosj aps o seu falecimento.

    Concluso

    O objetivo deste artigo foi propiciar aos leitores uma idia geral da impor-tncia de Florestan Fernandes para o desenvolvimento da educao em nossopas. Para tanto procurou-se, o quanto possvel, basear-se nas suas prprias obras,organizando a exposio a partir de quatro aspectos entendidos como marcantesem sua trajetria: o educador, o cientista, o militante e o publicista. No entanto,advertiu-se preliminarmente sobre a unidade e coerncia dessa trajetria queentrelaa fortemente aqueles aspectos, os quais se influenciam reciprocamente.

    Acredita-se ter ficado clara ao leitor a forte relao de reciprocidade entrea trajetria do professor e do cientista. Tambm no ter escapado a relaoentre o cientista e o militante, medida em que o instrumental terico, empricoe analtico amealhado pelo cientista era posto a servio da militncia. Convm,porm, explicitar um pouco mais como o militante e, por conseqncia, tambmo publicista exerceram influncia decisiva sobre a trajetria do cientista.

    Conforme depoimento do prprio Florestan, a "falta de um slido movi-mento socialista revolucionrio" como o caso do Brasil, cria entraves ao desen-volvimento da conscincia cientfica no campo da sociologia. "Por isso, demorei

  • algum tempo para vencer certas limitaes descritivas e interpretativas"(Fernandes, 1977:199). E, na pgina seguinte: "Contudo, eu teria demoradoainda mais (...) no fossem dois elementos externos, que tiveram profunda influ-ncia no meu relacionamento com a sociologia brasileira" (Ibid.:200). Dessesdois elementos, o segundo, de carter emprico e terico, refere-se s pesquisasdesenvolvidas junto cadeira de Sociologia I. Aqui interessa destacar o outroelemento.

    Esse primeiro elemento definido como de car Ater prtico e est ligado aoenvolvimento na Campanha em Defesa da Escola Pblica graas qual Florestanmobilizou "as vantagens da condio de socilogo militante para observar, ana-lisar e interpretar o meio ambiente". Diz ele: "Tive contatos intensos profun-dos com os diferentes setores da sociedade brasileira, dos operrios e estudantess elites liberais e tradicionais, dos educadores, jornalistas e lderes sindicais aosmaons, espritas, pastores protestantes e sacerdotes catlicos. Descobri os vusde um quadro sombrio e doloroso"(Ibid.:200).

    E em que consistia esse quadro? Na seqncia do texto so indicados con-cisamente os elementos configuradores do quadro descoberto: "As debilidadesdas correntes radical-democrticas; as deficincias do movimento socialista; aviolncia e o obscurantismo da reao conservadora; a neutralizao do Legislativoe 'do Executivo por interesses particularistas regionais ou de classe e setoriais,todos fundamentalmente egostas e antinacionais; uma persistente 'reaosocioptica mudana social', que submetia todas as inovaes de significadopoltico ao mais cruel e cego controle de classe" (Ibid.:200).

    O quadro assim esboado o conduz seguinte concluso: "Pela primeiravez em minha vida era provocado a definir a conscincia burguesa em termos deuma equao concreta, que me ensinava que o controle burgus da sociedadecivil estava bloqueando e continuaria a bloquear de modo crescente, no Brasil, arevoluo nacional e a revoluo democrtica de recorte especificamente capita-lista" (Ibid.:200).

    A experincia prtica de militncia em defesa da escola pblica foi, pois,decisiva na formao e amadurecimento do cientista. E, aliada aos elementostericos e empricos decorrentes das investigaes desenvolvidas em articulaocom seu grupo de pesquisa, tornou possvel a elaborao de A revoluo burgue-sa no Brasil: ensaio de interpretao sociolgica (Fernandes, 1975b), obra densa emadura, com certeza o coroamento da produo cientfica de Florestan Fernandes.

    Este artigo se iniciou com a frase: "Pode-se dizer que as preocupaeseducacionais acompanham toda a trajetria de Florestan Fernandes...". Pois bem.O Prefcio a O desafio educacional comea com a seguinte frase: "A educaosempre fez parte de minhas cogitaes intelectuais e prticas" (Fernandes, 1989:7).

  • Tal preocupao se manifesta tambm num de seus ltimos artigos publicado nonmero especial da Revista da ADUSP, a ele dedicado, no qual, tratando da rela-o entre universidade e talento ele afirma: "O maior erro que ocorreu na USPfoi o de conferir antiga Faculdade de Pedagogia e Licenciatura o segundoplano, de companheiros de viagem de terceira qualidade. Desde o incio a Peda-gogia deveria, pelo menos, ter uma preeminncia Filosofia" (Fernandes,1995a:ll).

    E na entrevista que concedeu Folha, de S. Paulo pouco antes de falecer,respondendo a uma pergunta sobre a globalizao da economia, afirmou: "Osefeitos previsveis desse processo em marcha a herana brbara que se chocacom as aspiraes de igualdade, liberdade, democracia, cidadania, universalizaoda educao de qualidade e tudo o mais" (Fernandes, 1995b:5). E, em seguida,aponta o caminho que se apresenta como alternativa a essa tendncia debarbarizao: "Os socialistas no so, como muitos insistem, equivalentes dosdinossauros em busca de nova glaciao. Ao contrrio, detm os meios de anli-se dos processos que esto em efervescncia e, ao mesmo tempo, lutam pelasalternativas que restam humanidade em virtude da incapacidade do capitalismode responder positivamente s exigncias mnimas do viver coletivo com digni-dade" (Ibid.:5).

    A prtica educativa, a produo cientfica, a militncia incansvel e a tenazao do publicista Florestan Fernandes permanecem como uma contribuioinestimvel e sua figura coerente e ntegra constitui um exemplo a impulsionar aslutas que somos impelidos a continuar travando para criar uma sociedade capazde atender "s exigncias mnimas do viver coletivo com dignidade" entre asquais se inclui a "universalizao da educao de qualidade". Trata-se de umaluta rdua que encontrar pela frente toda a sorte de obstculos. Com efeito,sintomaticamente, na parte que trata de "Educao, cincia e tecnologia" nolivro A transio prolongada, figura como epgrafe: "As aparncias mudam - arealidade reproduz-se atavicamente" (Fernandes, 1990:203).

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    Resumo

    No presente artigo destaca-se a importncia de Florestan Fernandes para o desenvolvi-mento da educao brasileira. Com base em suas prprias obras, exposio foi organi-zada em torno de quatro eixos: o educador, o cientista, o militante e o publicista. Oprimeiro aspecto enfoca a figura do professor Florestan evidenciando o profundo signi-ficado educativo que marcou a sua atividade docente. O segundo pe em evidncia olugar ocupado pela educao nas investigaes cientficas por ele realizadas. O terceiroeixo de anlise se ocupa de seu engajamento na luta em defesa da educao pblica.Finalmente, o quarto aspecto traz tona o publicista incansvel, empenhado em divul-gar, sob todas as formas a seu alcance, a causa da defesa de uma escola pblica de quali-dade acessvel a todos os brasileiros.

  • Abstract

    This article highlights the important part played by Florestan Fernandes for thedevelopment of education in Brasil. Departing from his own works, my exposition hasbeen organized around four focal points: the educator, the scientist, the activist, and theadvertiser. The first aspect focuses on the figure of the teacher evincing the deepeducational significance which characterized his teaching activity. The second oneemphasizes the role education played in his scientific research. The third point deals withhis engagement in the fight for public education. Finally, the fourth aspect brings to thesurface the tireless advertiser striving to propagate, in every way within his reach, thecause of a high quality public school open to every Brazilian citizen.

    Dermeval Saviani doutor em Filosofia da Educao pela PUC-SP e Livre Docente emHistria da Educao pela Unicamp. Atualmente professor titular do departamento deFilosofia e Historia da Educao e diretor associado da Faculdade de Educao daUnicamp.