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 Curso de Terapias Manipulativas e Osteopáticas Módulo III Paulo A. C. de Vasconcelos EPO SEBENTA DE BIOÉTICA E SAÚDE 

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Curso de Terapias Manipulativas e OsteopáticasMódulo III 

Paulo A. C. de Vasconcelos

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Índice página

Introdução 4

1. Conceitos e Princípios 5

1.1. Princípios biológicos 5

1.1.1. Origens Históricas 5

1.1.1.1. Experimentação Abusiva em Seres Humanos 6

1.1.1.2. O aparecimento de novas tecnologias 7

1.1.1.3. A Noção da incapacidade das Referências ticas Tradicionais 8

1.1.2. Origens Científicas 8

1.1.3. Campos de Acção e propriedades específicas da Bioética 10

1.1.3.1. Campos não Médicos 10

1.1.3.2. rea Social 11

1.1.3.3. Transversalidade 11

1.1.3.4. A intervenção pública 12

1.1.3.5. Concordância Internacional 12

1.1.3.6. A participação das Igrejas Cristãs 14

1.1.3.7. Conclusão 15

1.2. Princípios éticos 15

1.2.1. tica e Moral 15

1.2.2. Direito e Ética 17

1.2.3. Os Princípios de Autonomia, Beneficência, Não Maleficência e Justiça 19

1.2.3.1. Princípio de Autonomia (PA) 20

1.2.3.2. Princípio de Não Maleficência (PNM) 21

1.2.3.3. Princípio de Beneficência 21

1.2.3.4. Princípio de Justiça 22

1.2.3.5. Conclusões 23

2. Dimensão pessoal da bioética 24

2.1. A Pessoa como ser Humano Livre 24

2.1.1. Consentimento Informado 24

2.1.2. Risco em recusa de tratamento 25

2.1.3. Tecnologias de Alto Risco 26

2.2. Autonomia da Pessoa e a Protecção da sua Privacidade 27

2.2.1. Responsabilidade dos Técnicos de Saúde 27

2.2.1.1. Argumentação Filosófica 272.2.1.2. Direito 27

2.2.1.2.1. A Missão da Federação Portuguesa de Osteopatas 27

2.2.1.2.2. Responsabilidade em Osteopatia 29

2.2.1.2.3. Responsabilidade Disciplinar 29

2.2.1.2.4. Responsabilidade Civil 29

2.2.1.2.5. Responsabilidade Criminal 30

2.2.2. Segredo Médico 30

2.2.3. O sigilo médico no direito português 31

2.2.3.1. No Direito Constitucional 31

2.2.3.2. Na Legislação de direito da saúde 32

2.2.3.2.1. Lei de Bases da Saúde 322.2.3.2.2. Nas Cartas de Direitos dos Pacientes 32

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Índice (cont.)  página

2.2.3.3. No Direito Penal 32

2.2.3.4. No Direito Civil 34

2.2.3.5. Nas Terapias não convencionais 34

2.2.4. Direitos e Deveres do Doente 34

3. Quadro Legal Básico do Sistema de Saúde Português 38

3.1. Estrutura e Organização do Sistema de Saúde e do Serviço Nacional de Saúde 38

3.2. Enquadramento Legal das Unidades Privadas prestadoras de Cuidados de Saúde 44

4. Enquadramento Legal dos Contratos no Sistema Nacional de Saúde 47

4.1. Contratualização e Tipos de Contratos em Saúde 47

4.2. Lei da Responsabilidade Extracontratual do Estado 47

4.2.1. Noção, origens, evolução recente 47

4.2.2. mbito de aplicação 495. Segurança do Doente e Gestão de Risco em Osteopatia 50

6. Protecção e Confidencialidade da Informação Pessoal e de Saúde 53

7. Bibliografia 54

8. Webgrafia 55

9. Anexos  – Lista de Anexos 56

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Introdução

Um problema fundamental na relação osteopata-paciente é o da tomada de decisão, principalmente no que se refere

aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adoptados. O dilema que geralmente se impõe nas várias

situações é: a decisão deve ser do osteopata, preparado na arte de curar e que melhor conhece os convenientes e os

inconvenientes de cada conduta, ou seja, aquele que sabe mais? Ou do paciente, porque é o dono do seu próprio

destino e, portanto, deve decidir o que quer para si?

Este ponto crucial das discussões bioéticas implica na formulação de outras questões: qual deve ser a postura do

osteopata no que toca ao esclarecimento do paciente? Deve contar-lhe, com detalhes, o diagnóstico e o prognóstico,

bem como as condutas diagnósticas e terapêuticas? Deve, sempre, obter dele o consentimento para realizar essas

condutas?

Estas e outras questões se levantam numa época em que a arte de curar passou a ter de responder a questões mais

abrangentes e observáveis do que a simples base paternalista que ao longo de tanto tempo foi o seu cerne.

Num curso de Osteopatia é essencial o estudo do saber “saber ” e do saber “fazer ”. É através deste sistema deaprendizagem que basearemos todo o nosso conhecimento osteopático e toda a sua aplicabilidade.

No entanto, para o futuro Osteopata torna-se imprescindível saber “estar ” e estar preparado para “saber” qual a forma

mais correcta e deontológica de exercer a sua actividade.

Esta disciplina propõe-se a esse objectivo.

Paulo A. C. de Vasconcelos

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1. Conceitos e Princípios

1.1. Princípios biológicos

O termo bioética foi proposto, pela primeira vez, em 1970, por um médico oncologista; Van Rensselaer Potter. Ainda

que este técnico não tenha inicialmente atribuído ao novo termo todo o conteúdo que hoje lhe damos, a verdade é que

a partir dessa mesma altura se começou a designar por bioética o conjunto de preocupações, discursos e práticas que

então surgiam e que se vieram a desenvolver e criar numa nova área de saber.

Esta estruturação desenvolveu-se com elevada dinâmica, de modo que em poucos anos a bioética se tomou uma

referência indispensável para a medicina, biologia, filosofia, sociologia, direito e até para a acção política e económica.

Por isso, a verdade é que estamos hoje na era da bioética. E interessa começar por entender, do ponto de vista dosseus princípios biológicos, os antecedentes históricos, as origens científicas e o âmbito característico que a

caracterizam.

1.1.1. Origens Históricas

 Apesar da sua origem tão recente, a bioética tem raízes remotas que são tão antigas como a medicina e remontam a

Hipocrates e ao seu Juramento, o qual, segundo muitos, plasmou a mentalidade médica em todo o Ocidente. Mas, até

aos meados do século XX, a grande maioria dos problemas morais que se punham à biomedicina podiam ser

resolvidos por uma deontologia profissional e uma ética de inspiração hipocrática, apoiada apenas em algumas

Figura 1 - Van Rensselaer Potter 

Figura 2 - Hipocrates, o "Pai" da Medicina 

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virtudes básicas como a compaixão e o desinteresse, assim como no princípio de que o médico deve agir sempre e só

em benefício do paciente.

Três factos históricos se podem mencionar como tendo desencadeado uma nova bioética:

1. alguns abusos na experimentação em seres humanos;

2. o surgir das novas tecnologias, que põem questões inéditas;

3. a percepção da insuficiência dos referenciais éticos tradicionais.

De seguida serão analisados separadamente cada um destes três pontos.

1.1.1.1. Experimentação Abusiva em Seres Humanos

Quando, a seguir à Segunda Guerra Mundial, vieram ao conhecimento público as experiências em seres humanos

efectuadas por médicos nazis em hospitais de alienados e em campos de concentração, a consciência colectiva reagiu

fortemente. O Tribunal de Nuremberga, que julgou os crimes de guerra, redigiu, em 1947, em que reconheceu a

dignidade de toda a pessoa humana e prescreveu que nenhuma experiência devia ser realizada em seres humanossem o seu consentimento livre e esclarecido.

Pouco depois (1948), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, na ONU, consagrou o mesmo princípio.

Mesmo assim, outros abusos se continuaram a praticar.

Figura 3 - Declaração Universal dos Direitos Humanos 

No Hospital de Willowbrook (Nova Iorque) realizaram-se investigações, de 1956 a 1971, em 700 a 800 crianças

deficientes mentais, inoculando-lhes o vírus da hepatite com o objectivo de buscar uma terapia imunizante.

No Jewish Chronic Disease Hospital, investigadores injectaram, sob a pele de doentes idosos, células cancerosas sem

Ihes fornecer qualquer informação ou pedir consentimento.

Em Tuskegee, no estado de Alabama, 431 negros pobres foram privados de cuidados contra a sífilis, entre 1932 e

1972, para permitir o estudo do curso natural da doença.

 Ao serem conhecidos, estes escândalos desencadearam uma forte reacção e a consciência viva de que a prática da

investigação clínica em seres humanos tinha de ficar sujeita a critérios rigorosos que respeitassem os direitos e

dignidade de toda a pessoa humana.

Já em 1953, os National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos estipulavam que toda a investigação em seres

humanos que se viesse a realizar nas suas clínicas de Bethesda (Maryland) teria de ser previamente aprovada por um

comité responsável pela protecção dos direitos dos doentes.

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Em 1962, descobrem-se os trágicos efeitos teratogénicos da talidomida e altera-se a legislação dos Estados Unidos de

modo a exigir que os fabricantes de medicamentos, antes de obter autorização para a comercialização de um novo

fármaco, demonstrem cientificamente a sua segurança e eficácia através de ensaios clínicos em seres humanos. Mas

estes ensaios teriam de ser éticamente avaliados.

Em 1964, a Associação Médica Mundial aprovou, na sua assembleia que teve lugar em Helsínquia, um conjunto de

recomendações destinadas a servir de guia para cada médico na investigação clínica. Este conjunto de princípios e

normas é conhecido como Declaração de Helsínquia (World Medical Association, 1964), posteriormente revista em

Tóquio (1975), Veneza (1983) e Hong Kong (1989).

Pouco depois, em 1966, o Department of Health, Education and Welfare dos Estados Unidos determinou, através do

NIH, os princípios que devem reger as investigações em seres humanos para poderem receber subsídio de fundos

públicos. Seguiu-se a acção de várias comissões nacionais e presidenciais nos Estados Unidos e a publicação, em

1978, do Relatório Belmont (The National Commission for the Protection of Human Subjects, 1978) que propõe os

princípios fundamentais para a investigação em seres humanos: o respeito pela autonomia da pessoa, o princípio da

beneficência e o da justiça. As suas aplicações práticas são, respectivamente: o consentimento informado, uma razão

favorável de benefícios/riscos e a selecção equitativa dos sujeitos de experimentação.Finalmente, em 1981, são publicadas normas federais nos Estados Unidos, que exigem que toda a investigação em

seres humanos seja previamente aprovada por uma comissão de ética local, independente do investigador e chamada

Institutional Review Board (Comissão Ética de Investigação Clínica). Segundo as mesmas normas, estas comissões

devem ser constituídas por um mínimo de 5 membros com formações diferenciadas. Pelo menos um deverá trabalhar

em área que não seja considerada biomédica: por exemplo, um jurista ou um sacerdote. Estas comissões passaram a

difundir-se por uma variedade de instituições hospitalares da maioria dos países. A sua finalidade é velar pela

qualidade da investigação realizada em seres humanos e proteger estes últimos nos seus direitos e na sua dignidade.

Mas desde o princípio se tomou evidente que, para fundamentar muitas das decisões destas comissões éticas locais,

se tornava necessária uma discussão bioética mais alargada, que fizesse um estudo sério das questões de fundo, a

nível nacional e supranacional, o que viria a ser uma das tarefas dos centros de bioética, assim como das comissões

nacionais e internacionais.

1.1.1.2. O aparecimento de novas tecnologias

Outro antecedente importante que contribuiu para desencadear o surgir da nova bioética foi o rápido desenvolvimento

de tecnologias médicas e terapêuticas, que foram mais inovadoras nos últimos anos do que o tinham sido nos

anteriores séculos e deram origem a situações inéditas de decisão moral.

Basta mencionar as tecnologias de cuidados intensivos que permitem manter vivo um recém-nascido com múltiplas e

graves afecções ou prolongar a vida de um doente terminal.

Quando é ético administrar ou interromper estes cuidados intensivos? Noutros tempos, o problema não se punha; na

ausência de alternativas técnicas, a morte inevitável encarregava-se de resolver o problema. Mas hoje, a existência

das técnicas de ventilação e circulação artificiais põem escolhas éticas difíceis.

O mesmo se diga de tecnologias que permitem a transplantação de órgãos, o suprimento da infertilidade, o diagnóstico

pré-natal, a terapia génica e muitas outras. À medida que a ciência transfere para as mãos do Homem poderes antes

reservados à fatalidade da natureza, no que respeita ao nascer, viver e morrer, pergunta-se até que ponto detemos a

autorização de exercer esses poderes e em que medida aquilo que é tecnicamente possível será éticamente aceitável.

Um primeiro exemplo destas novas questões se pode identificar, já em 1960, quando Belding Screibner inventa a

hemodiálise e cria o seu primeiro centro. Não existindo equipamento suficiente para tratar todos os pacientes com

indicações adequadas para essa terapia, quais os critérios para encontrar uma sistematização ou hierarquização de

prioridades que permita a justa selecção dos candidatos? Criou-se para o efeito um comité que, no entanto, não obteve

sucesso considerável.

Em 1968 a Faculdade de Medicina de Harvard University publica um relatório em que examina as definições de morte

cerebral e de coma irreversível.

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Levanta-se todo o problema de decidir quando se preenchem as condições de morte do tronco cerebral e de

estabelecer as condições éticas e legais para desligar a respiração assistida aos pacientes.

Em 1970 e 1971 surgiram, no Massachusetts General Hospital e no Hennepin County Medical Center (Minneapolis)

situações novas no tratamento de pacientes terminais e para as quais se criaram, com algum sucesso, comissões

éticas.

 A partir do nascimento da primeira criança por fertilização in vitro  em 1978 e dos progressos das técnicas de

reprodução assistida, levantaram-se inúmeros problemas éticos para os quais não há, ainda hoje, soluções unânimes e

exigem uma discussão mais aprofundada.

 A reacção imediata a estas e outras novas questões foi a de constituir comissões de ética hospitalares, também

chamadas assistenciais ou, nos Estados Unidos, Institutional Ethics Committees. Estas comissões procuraram resolver

os conflitos éticos que se põem na assistência hospitalar e elaborar protocolos assistenciais nos casos em que seja

necessária uma política institucional pela dificuldade do problema ou pela frequência com que ocorre. Mas o

funcionamento destas comissões fez sentir, de novo, a necessidade de uma formação básica em bioética, sistemática

e bem fundamentada, que se viria a tentar nos centros e institutos de bioética.

1.1.1.3. A Noção da incapacidade das Referências Éticas Tradicionais

 A incapacidade de referenciais éticos tradicionais para dar resposta a estas perguntas criou um ambiente de

inquietação que também contribuiu para desencadear o processo de criação de uma nova bioética.

O código hipocrático, baseado numa atitude paternalista do médico em relação ao doente, já não era suficiente numa

época em que se começavam a acentuar os direitos do paciente: o direito à autonomia, à verdade, à informação, ao

consentimento informado.

 A ética filosófica era também incapaz de dar resposta às novas questões, sobretudo nas correntes que substituíram

uma racional idade especulativa por outra meramente processual.

 A teologia moral, tradicionalmente baseada no conceito de lei natural, tinha dificuldade em se adaptar às novas

ciências do artificial, e distanciava-se progressivamente das novas problemáticas. A ética médica tradicional estava demasiado concentrada nas relações médico/doente, enquanto agora se buscavam

as grandes repercussões sobre a sociedade em geral.

 A própria ciência, que levantava as novas questões, passou a não poder fundamentar uma resposta ética. Ao desistir

de buscar a verdade, a ciência teve também de prescindir, a partir dos anos 70, da busca do bem. E, ao abandonar os

últimos redutos de vitalismo, a ciência mecanicista teve também de renunciar aos conceitos de finalidade ou

intencionalidade da vida e, portanto, à pretensão de poder fundamentar uma ética.

Esta ausência de estruturas tradicionais que emoldurassem uma resposta ética às novas e prementes questões que se

punham, foi o terceiro factor determinante da busca de um paradigma bioético diferente.

1.1.2. Origens Científicas

 Apesar da incapacidade da ciência contemporânea, que acabámos de referir, para fundamentar uma ética, é curioso

notar que foi sobretudo dos homens de ciência que proveio o apelo e o impulso para a nova bioética, talvez como

reacção vivencial ao rápido desenvolvimento de um tecnologismo desumanizante.

Já em 1967, o biólogo e prémio Nobel Marshall Nirenberg profetizava que, num prazo de 25 anos, seria tecnicamente

possível alterar geneticamente células humanas, mas que só muito mais tarde a ciência poderia avaliar as suas

consequências éticas. Nirenberg urgia, por isso, que a ciência não utilizasse indiscriminadamente essa tecnologia logo

que ela fosse viável, mas só depois de ter os conhecimentos e a sabedoria suficientes para saber usá-Ia em benefício

da humanidade e não em seu detrimento. E acrescentava que a decisão de quando e como começar deve pertencer à

sociedade. Esta última afirmação correspondia à mudança verificada nos Estados Unidos nessa altura: as comissões

de ética começavam a ser constituídas não só por médicos mas também por especialistas de outras áreas e

representantes de toda a sociedade.

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Foi o psiquiatra Willard Gayling que, com o filósofo Daniel Callahan, começou, em 1969, a promover encontros com

cientistas, filósofos e profissionais de outras áreas, com a preocupação comum de se perguntarem o que deve fazer a

sociedade e os seus grupos profissionais em face dos notáveis avanços das ciências biomédicas. Destes encontros

resultou o Institute of Society, Ethics and the Life Sciences em Hastings-on-the-Hudson (estado de Nova Iorque) mais

conhecido como The Hastings Center.

Figura 4 - Logo do "The Hastings Center" 

Foi um Oncologista - Van Rensselaer Potler - quem escreveu, em 1970, o artigo “Bioethics, the Science of Survival”,

seguido, no ano seguinte, de um livro intitulado “Bioethics, Bridge to the Future”. Potler estava particularmente

preocupado com a responsabilidade da genética em melhorar a qualidade da vida humana. Bioética era entendida por

este autor como uma ética da biosfera que englobava não só aspectos médicos mas também ecológicos. Incluía todos

os aspectos naturais e sociais que permitem a sobrevivência do Homem neste planeta, nomeadamente a preservação

de um ecossistema que tome a terra habitável para o Homem. Apesar de, nos anos seguintes, a bioética se ter

desenvolvido em tomo dos problemas médicos, Van Rensselaer Potler ainda em 1987 continuava a insistir que a par

de uma bioética médica, preocupada com problemas a curto prazo, não se deve esquecer a bioética ecológica com as

preocupações a longo prazo acerca daquilo que é preciso empreender para preservar um ecossistema em que a

espécie humana possa sobreviver. Opinava ainda que esses dois tipos de bioética se deviam interpenetrar em

matérias de saúde, de controle da procriação e do significado de uma demografia em constante crescimento.

Figura 5 - André Hellegers 

Um papel particularmente importante nas origens da bioética deve ser atribuído a André Hellegers - um médico de

origem holandesa que depois da sua formação como obstetra e ginecologista, se fixou nos Estados Unidos.

Simultaneamente com a sua actividade de investigador em fisiologia fetal, Hellegers adquiriu uma sólida formação em

humanidades. Abordou com profundidade as consequências, para a teologia moral, das suas observações sobre a

instabilidade biológica das primeiras fases do desenvolvimento embrionário; foi nomeado, em 1964, secretário da

comissão papal para o estudo do desenvolvimento populacional e da regulação da natalidade; interessou-se pelos

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recursos naturais, pelo futuro da humanidade, pelo diálogo com o terceiro mundo, pelos problemas mais vastos do

ambiente, relações entre países ricos e pobres, assim como pela legislação internacional sobre problemas biomédicos .

Persuadido de que um intenso e persistente diálogo traria luz à confrontação da ética com os progressos biomédicos,

Hellegers incluiu nesse diálogo as grandes correntes ético-religiosas do Ocidente, de inspiração católica, protestante

assim como judaica e, em 1972, criou em Washington D.C. o primeiro instituto com o nome de bioética: The Joseph

and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, hoje chamado Kennedy Institute of

Ethics. Aí se começaram a estudar os progressos biomédicos na perspectiva das suas implicações éticas, sociais,

económicas, legais, filosóficas e teológicas. Este primeiro Instituto de Bioética serviu de modelo a muitos dos que se

formaram em seguida. O primeiro na Europa foi o Instituto Borja de Bioética de Sant Cugat, Barcelona, fundado em

1975 pelo médico ginecológico e jesuíta catalão Francesc Abel, discípulo e colaborador de Hellegers. Mais tarde

(1983), o filósofo belga Jean-François Malherbe criou o Instituto de Bioética de Bruxelas. Louis Stuyt (médico) e

Maurice de Wachter (filósofo) criaram, em 1985, o de Maastricht (Holanda).

Em Coimbra criou-se oficialmente, em 1988, o Centro de Estudos de Bioética que, dirigido pelo médico pediatra Jorge

Biscaia, tem promovido numerosas reuniões a nível nacional e tem publicado Cadernos de Bioética e outros textos de

elevado interesse.Muitos outros centros se estabeleceram, ainda que algumas vezes preferindo à designação de bioética a de ética

biomédica ou ética médica. A quase totalidade dos centros europeus está federada na European Association of

Centers of Medical Ethics, com sede em Lovaina.

1.1.3. Campos de Acção e propriedades específicas da Bioética

 Apesar desta sua origem científica, a bioética transcende, no seu discurso, métodos e objectivos, o âmbito da ciência.

1.1.3.1. Campos não Médicos

 A bioética não é simplesmente uma nova versão da antiga ética médica.Uma das razões desta afirmação pode buscar-se no facto de a bioética incluir áreas que não são médicas.

Com o surgir, nos meados dos anos 70, da engenharia genética (técnicas do DNA recombinante) começou a ser

possível transferir genes de uns seres vivos para outros, mesmo quando estes sejam filogeneticamente muito

afastados.

Logo se puseram graves questões éticas acerca dos limites que devem ser impostos, por confinamento físico ou

biológico, à utilização de microrganismos geneticamente modificados na investigação e na indústria.

 Á posteriori , com o interesse económico de libertar deliberadamente no ambiente organismos geneticamente

modificados (microrganismos, plantas ou animais), levantaram-se novas questões acerca dos limites dentro dos quais

será ético modificar o ambiente. Estas questões inserem-se numa preocupação ecológica a longo prazo acerca da

bioética do ambiente.

Trata-se de uma ética do mundo vivo que está atenta à complexidade e interdependência dos seres vivos entre si e

com o ambiente. E porque o Homem depende do meio em que vive, e está por vezes em concorrência com ele, a

bioética também se preocupa com a protecção do ambiente, a exploração dos recursos naturais, desertificação,

poluição, extinção de espécies, equilíbrios ecológicos, a utilização em condições éticas de animais e plantas,

desequilíbrios entre países ricos e pobres e problemas nucleares. Esta bioética do ambiente tem preocupações a longo

prazo. Trata-se não só de gerir da melhor forma os recursos actualmente existentes, mas também de os transmitir às

gerações vindouras.

 A análise do genoma humano - o megaprojecto biológico do nosso tempo - levanta também problemas bioéticos vários,

um dos quais se refere às patentes e a outras formas de protecção jurídica de invenções biotecnológicas.

 A terapia génica implica uma sofisticada e morosa elaboração de materiais biológicos através de uma engenharia

genética que se pode considerar não médica e desencadeia uma vastidão de problemas éticos relativos ao

melhoramento da espécie.

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1.1.3.2. Área Social

Um outro aspecto da bioética que a distingue da clássica ética médica é a sua área social.

No passado, a medicina era fundamentalmente uma arte e a ética médica preocupava-se sobretudo com a relação

médico/doente e com as relações profissionais dos médicos. As respectivas normas de conduta podiam ser

estabelecidas exclusivamente pela classe médica.

Mas, a partir do séc. XIX, a medicina começou a ser menos uma arte do que uma ciência experimental e, a partir da

segunda metade do séc. XX, tomou-se uma tecnociência complexamente equipada e associada a outras tecnologias,

nomeadamente biológicas e cibernéticas.

Nessa medida, a biomedicina passou a partilhar do forte impacto social que as ciências experimentais adquiriram no

nosso século. Se é certo que se deve defender o direito à liberdade de investigação, não é menos certo que esse

direito não é absoluto e tem de ser considerado em articulação com o bem público e a vontade de uma sociedade livre,

sobretudo quando essa investigação se realiza nos próprios seres humanos.

Muitas das novas tecnologias médicas têm hoje repercussões que ultrapassam em muito as relações médico/paciente

e terão fortes consequências no futuro da humanidade, reflectindo-se em áreas sociais que têm a ver com a família, aeconomia, o direito, a psicologia, além da filosofia, teologia e outras.

 A gestão dos conflitos que eventualmente surgirão dessas situações já não pode nem deve ser assumida somente pela

classe médica, mas exige a participação de toda a sociedade e das suas várias especialidades profissionais. Sente-se

a necessidade de criar estruturas para estudo e diálogo entre biólogos, médicos, filósofos, teólogos, sociólogos,

economistas e políticos, que possam fornecer, ao grande público e aos governos, as coordenadas e perspectivas

capazes de fundamentar a definição das grandes opções oficiais sobre a política científica.

 A bioética tomou-se esse espaço de estudo e diálogo.

1.1.3.3. Transversalidade

Devido à introdução desta dimensão social, a bioética situa-se em zonas de intersecção de vários saberes,nomeadamente das tecnociências (sobretudo a biologia e a medicina), das humanidades (filosofia, ética, teologia,

psicologia, antropologia), ciências sociais (economia, politologia, sociologia, impacto social) e doutras disciplinas como

o direito.

Não se trata somente de uma confrontação interdisciplinar mas antes de um diálogo pluridisciplinar que alguns

designam de transdisciplinar para significar que os cientistas têm de integrar na sua estrutura mental os valores e os

critérios dos humanistas, assim como estes têm de incorporar, nos seus paradigmas, os métodos e critérios científicos.

Os discursos do cientista e do filósofo não falam dos mesmos objectos nem usam a mesma linguagem, mas podem

esclarecer diferentemente a mesma realidade concreta - por exemplo a eutanásia.

Neste sentido, a bioética não é propriamente uma disciplina mas antes uma nova transdisciplina.

Este esforço de integração mútua faz da bioética um opositor frontal tanto do cientismo e tecnicismo (nos quais a

ciência ou a técnica tendem a constituir-se como explicação global única) como de um filosofismo que desprezasse, no

seu raciocínio, o conhecimento científico e técnico e lhe negasse autonomia. A transdisciplinaridade da bioética

pretende manter a autonomia e independência tanto das áreas científicas como das humanistas, respeitando e

aceitando os seus diferentes métodos, linguagem, objectivos e conclusões, mas procurando encontrar a sua

complementaridade na busca de respostas consensuais para a defesa da dignidade da pessoa humana.

Esta busca pluridisciplinar faz-se, além disso, numa sociedade pluralista de horizontes ideológicos heterogéneos

acerca do valor da vida e da morte. Esta heterogeneidade constitui mesmo a causa dos problemas bioéticos. Por isso

ela não deve ser negada, sob pena de desvirtuar a bioética, que deveria até dar voz àqueles que a não têm, como são

as minorias éticas.

O discurso utilizado não é dogmático nem persuasivo, mas antes criativo, baseando-se num diálogo pluridisciplinar

deverá entrar em profundidade no estudo das raízes históricas, culturais e religiosas das diferentes posições.

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 Assim se tem, por vezes, conseguido que pessoas com motivações ideológicas diferentes cheguem a um juízo ético

comum, relativamente coerente, acerca de uma situação concreta. Apesar de todas as dificuldades, tem-se verificado

apreciável progresso, ao longo dos últimos séculos, na defesa da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos

fundamentais. De uma forma ou de outra, o importante é que a discussão bioética transcenda um puro pragmatismo

biomédico e se localize na área daquela Sabedoria prática que se baseia na fundamentação das finalidades éticas e na

sua hierarquização teórica.

1.1.3.4. A intervenção pública

Bioética deve ser uma decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convêm. Por isso, ao carácter pluridisciplinar

e pluralista da bioética liga-se um outro que é a sua abertura aos profanos, aos leigos, aos simples utilizadores das

técnicas, ao público em geral. Vários incidentes, no passado, foram atribuídos ao facto de os cientistas se terem

isolado do grande público e não o terem informado adequadamente acerca do progresso científico, sobretudo quando

ele criava novas situações éticas e sociais.

Hoje, com o nível cultural mais elevado das populações, com as facilidades e rapidez da informação e com aperspectiva democrática do poder, em que as decisões políticas necessitam de ser tomadas sobre uma opinião pública

minimamente sensibilizada e preparada, a bioética não pode ser imposta ao público pela autoridade de qualquer

aristocracia de especialistas, mas deve ser discutida e construída com ele. Por isso se têm multiplicado por todo o

mundo as revistas, livros, cursos de licenciatura ou pós-graduados, centros e congressos dedicados exclusivamente à

bioética. As comissões nacionais organizam, geralmente, um encontro anual sobre problemas relevantes e os meios de

comunicação social têm este tema nas suas agendas.

 Apesar da sua importância, esta participação do público pode ser facilmente desvirtuada. Julgar que se faz bioética

lançando inquéritos, perguntando a um grande número de pessoas “o que acham” acerca de uma nova questão e

tratando estatisticamente os resultados, é erro grosseiro. Nada nos garante que os inquiridos tenham tido acesso a

uma compreensão e reflexão completas. E mesmo que o tivessem tido, não é por ser maioritaria que uma opinião é

necessariamente verdadeira. Pior ainda é a manipulação da informação, a criação mediática de um problemasensacional a partir de dados científicos irrelevantes ou a montagem de correntes de pressão através da exploração de

medos tão fortes como subconscientes.

Em vez desta instrumentalização desrespeitosa do público, é necessário dar às populações sólida formação e ampla

informação escrupulosamente objectivas, fomecer-Ihes fundamentos éticos, critérios e princípios, ajudá-Ias a encontrar

o sentido da vida e dos seus problemas, possibilitar-Ihes uma profunda reflexão que as leve a uma opção ética

personalizada em que se expressem os seus mais genuínos anseios de auto-realização. Só é ético o agir que realize o

eu na linha das suas potencialidades mais autênticas.

1.1.3.5. Concordância Internacional

 A ciência é universal, mas as culturas são regionais. Por isso e porque a bioética é transcientífica e depende também

de pressupostos culturais, os mesmos dados científicos poderão ter diferente valoração bioética em diferentes países.

 As assimetrias resultantes suscitam problemas, como o chamado “turismo bioético”  (migração de candidatos a

determinadas técnicas para países em que elas são permitidas) e dificulta políticas de integração como, por, exemplo,

a da União Europeia.

Por essas razões, várias instâncias internacionais têm accionado mecanismos que possam conduzir a uma possível

harmonização.

Com esse objectivo o Conselho da Europa emitiu, desde 1976, Resoluções e Recomendações sobre vários problemas

de bioética. Em 1983 criou a Ad Hoc Committee of Experts on Ethical and Legal Problems relating to Human Genetics

(CAHGE), constituída por biólogos, médicos, juristas e ecticistas representantes de todos os países membros e por

alguns observadores de países não membros. Esta comissão foi substituída, em 1985, por uma outra de constituição

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semelhante mas com mandato mais amplo e designada Ad Hoc Committee of Experts on the Progress of Biomedical

Sciences (CAHBI).

 A partir de 1990 o CAHBI passou a intitular-se Ad Hoc Committee of Experts on Bioethics e a partir de Abril de 1992

deixou o seu carácter temporário para se tomar num comité permanente (Steering Committee on Bioethics - CDBI).

No total, o Conselho da Europa já publicou 21 Recomendações e outros documentos sobre problemas bioéticos e

trabalha na elaboração de uma Convenção Europeia de Bioética que constituirá uma contribuição importante para a

harmonização internacional.

 A União Europeia (UE) também tem empreendido acções várias, tanto indirectas como directas, no sentido de uma

harmonização europeia de decisões bioéticas. As acções indirectas incluem provisões várias em que a lógica

económica é temperada por considerações relativas ao respeito pela biodiversidade, protecção dos animais, respeito

pela integridade e dignidade humanas, etc. As acções directas têm partido tanto do Conselho da UE e do Parlamento

Europeu como da Comissão Europeia. Em 9 e 10 de Março de 1990 teve lugar em Kronberg (Alemanha) uma reunião

dos ministros da Ciência dos países da UE sobre genoma humano e investigação em embriões.

Uma das decisões tomadas foi a de criar dois grupos de trabalho: um sobre aspectos éticos, sociais e legais da análise

do genoma humano; o outro sobre investigação em embriões humanos. O primeiro destes dois grupos foi constituídocomo um Ad hoc Study Group em preparação para o programa específico sobre Medicina Preditiva previsto, em 1987,

pela decisão do Conselho sobre o “Second Framework Programme”. Em 1991, esse grupo foi integrado no programa

da Comissão Europeia Human Genome Analysis que tinha sido criado por decisão do Conselho de 29 de Junho de

1990. O trabalho deste Working Group on Ethical, Social and Legal Aspects of Human Genome Analysis (WG-ESLA)

está resumido nos seus relatórios de 31 de Dezembro de 1991 e Junho de 1994, incluindo o apoio financeiro a 18

estudos sobre temas éticos, sociais e legais da análise do genoma humano que foram seleccionados de entre 42

candidaturas. Estes estudos foram recentemente publicados. O Working Group on Human Embryos and Research

(WG-HER) foi estabelecido pela Comissão em consequência da decisão da reunião ministerial de Kronberg e

apresentou o seu 1.º Relatório em Março de 1992 e o 2.º em Novembro de 1993.

O Parlamento Europeu tomou a iniciativa de promover auditorias de que resultaram os Relatórios Rothley (sobre

manipulação genética), Casini (sobre reprodução artificial), Pompidou (sobre diagnóstico pré-natal) e Schwarzenberg(sobre tráfico de órgãos humanos).

 A Comissão Europeia criou em 20 de Novembro de 1991, por proposta do seu então Presidente Jacques Delors, um

Grupo de Conselheiros de Ética da Biotecnologia, constituído por 6 personalidades eminentes. Este grupo

independente tinha como função avaliar o impacto potencial que as actividades da Comunidade no âmbito da

biotecnologia possam ter na sociedade e nos indivíduos. Produziu numerosos pareceres, muitos dos quais foram

apresentados ao público através de conferências de imprensa com carácter internacional. Em 1994 foi criada, na

Comissão Europeia, uma nova unidade encarregada dos aspectos éticos, legais e sociais das Ciências e Tecnologias

da Vida. Esta unidade, integrada na Direcção Geral da Ciência, Investigação e Tecnologia, tinha a função de promover

e coordenar a investigação nas várias áreas envolvidas.

 A Comissão dos Direitos do Homem da ONU adoptou, em Março de 1993, uma resolução sobre a necessidade de uma

cooperação internacional para que toda a humanidade beneficie das separações das ciências da vida e para impedir

ou prevenir toda e qualquer utilização destes contributos científicos para outros fins que não o bem da pessoa humana.

Tendo já patrocinado várias iniciativas nesta área, desde o colóquio de Madrid em 1970 até ao projecto sobre genoma

humano confiado em 1989 ao Prof. Santiago Grisolia, a UNESCO decidiu criar, em 1993, o Comité International de

Bioéthique, com a tarefa de estudar, a título exploratório, as condições da eventual elaboração de um instrumento

internacional sobre a protecção do genoma humano, que deverá vir a ser aprovado pela Assembleia Geral da ONU.

Entre outras instâncias que têm contribuído para uma harmonização internacional podemos mencionar a Organization

of Economic Cooperation and Development (OCDE), World Health Organization (WHO), Council for Intemational

Organizations of Medical Sciences (CIOMS) e European Medical Research Councils (EMRC).

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1.1.3.6. A participação das Igrejas Cristãs

Paul Ramsey, professor protestante de ética cristã na Universidade de Princeton, foi o primeiro teólogo que, na prática,

reconheceu a necessidade, para a elaboração de um sistema biomoral, de conhecer detalhada e profundamente os

progressos biomédicos. Depois de dois semestres passados no Hospital da Universidade de Georgetown em contacto

constante com o pessoal hospitalar e com André Hellegers (de quem se tomou amigo), Ramsey escreveu, em 1970, o

livro “The Patient as Person”, e em 1978 “Ethics at the Edges of Life”, que ficaram como obras pioneiras da bioética.

Estes livros inserem-se na linha de outro grande precursor - Joseph Fletcher - teólogo protestante que, já em 1954,

escrevera a obra "Morals and Medicine", em que a fundamentação de cada tema era, pela primeira vez, buscada nos

direitos da pessoa humana. Com esta obra, o sujeito da ética médica passava do médico e da instituição hospitalar

para o paciente.

Figura 6 - Paul Ramsey 

No sector católico desenvolveu-se, entre 1980 e 1983, uma importante série de conversações e encontros que levaram

à constituição de um grupo internacional de bioética destinado a promover um diálogo organizado entre as ciências

biomédicas, a filosofia e a teologia, oferecendo ao Magistério da Igreja uma informação actualizada e competente

acerca dos progressos biomédicos e das suas implicações. Queria sobretudo evitar-se que o distanciamento verificado

entre o progresso científico e a teologia moral levasse a uma ruptura, ao nível da ética, entre a prática médica comum e

a doutrina da Igreja.

Essas conversações, que envolveram um vasto leque de personalidades, foram estimuladas e potenciadas, logo desde

1979, por Pedro Arrupe, Geral da Companhia de Jesus. Este seu importante envolvimento, só muito recentemente

tomado público, possibilitou que, em Março de 1981, se reunissem em Milão representantes das Universidades Sacro

Cuore (Milão), Santo Tomás (ManHa, Filipinas), Georgetown (Washington, D.e.) e Gregoriana (Roma).

Delinearam um programa de diálogo bioético e puseram-se à disposição do Papa através de uma carta escrita ao

cardeal William Baum, prefeito da Congregação para a Educação Católica. A resposta foi positiva e, depois de algumas

outras reuniões, foi oficialmente constituído, em 9 de Fevereiro de 1983, o Intemational Study Group of Bioethics

integrado na Federação Internacional das Universidades Católicas (FlUC), espiritualmente assistido pelo cardeal

Carolo Martini, financiado por uma fundação europeia que pretende permanecer no anonimato e dirigido por uma

Steering Committee.

Desde então, o grupo promoveu 20 simpósios, publicou dois livros e uma série de trabalhos, sob a rubrica “Catholic

Studies in Bioethics”, na colecção Philosophy and Medicine da editora Kluwer. Este grupo teve uma considerável

influência sobre a actualização de um grande número de professores de teologia moral e sobre as suas numerosas

publicações, assim como sobre a dinamização de cursos de formação e criação de novos centros de bioética. Em

1994, as responsabilidades do grupo foram transferidas para a Associação Internacional de Faculdades Católicas de

Medicina, também no seio da FlUC.

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O Papa João Paulo II criou, em 11 de Fevereiro de 1994, a Academia Pontifícia para a Vida com a missão de “estudar,

informar e formar acerca dos principais problemas de biomedicina e de direito, relativos à promoção e à defesa da vida,

sobretudo na relação directa que eles têm com a moral cristã e as directrizes do “Magistério da Igreja”  [Acta

 Apostolicae Sedis, 86 (1994): 386-387].

Várias encíclicas de João Paulo II, como a Veritatis Spiendor e sobretudo a Evangelium Vitae versam problemas de

bioética.

1.1.3.7. Conclusão

Podemos concluir que a bioética surgiu, há pouco mais de um quarto de século, como um conjunto de preocupações

éticas levantadas por cientistas. Impulsionada pela consideração dos problemas morais decorrentes das novas

tecnologias médicas, a bioética estendeu também a sua preocupação a problemas da biologia, da interdependência

dos seres vivos numa visão a longo prazo, assim como da sobrevivência do Homem no nosso planeta. Passou a

caracterizar-se por uma dimensão social, pela sua natureza transdisciplinar e pluralista, pela abertura à participação do

público e pelo assessoramento de políticas nacionais num esforço de harmonização internacional.Perante os novos poderes que a ciência dá ao Homem sobre a vida e sobre si próprio, é importante que ele segure as

rédeas do progresso e tome as decisões éticas que lhe tomem possível planear um futuro autenticamente humano. E,

assim, poderemos definir bioética como o saber transdisciplinar que planeia as atitudes que a humanidade deve tomar

ao interferir com o nascer, o morrer, a qualidade de vida e a interdependência de todos os seres vivos.

Bioética é decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convém. É expressão da consciência pública da

humanidade.

 Ainda que o impulso inicial para esta bioética tenha sido lançado, como vimos, fundamentalmente por homens da

ciência e da biomedicina, a construção do novo corpo de doutrina não se poderia realizar sem a contribuição conjunta

de filósofos, teólogos e humanistas.

1.2. Princípios éticos

1.2.1. Ética e Moral

 A distinção entre ética e moral tomou-se habitual; será ela conveniente?

De todo o modo, ela não é pacífica e os seus adversários consideram que ela é bastante gratuita, dado que os dois

termos se referem aos mesmos conteúdos, a ética a partir de uma etimologia grega, a moral a partir do termo latim de

mos moris. Por outro lado, os que propõem a distinção não concordam sobre os critérios desta, de tal modo que toda a

reflexão ética e moral deve especificar o sentido que confere a estes termos. Acrescentar-se-á contudo que a simples

definição dos termos, tal como acontece sempre em filosofia, nunca é neutra, mas implica pressupostos que a própria

definição tem vantagem em clarificar.

Consideramos que é necessário operar esta distinção e que a etimologia suficientemente pormenorizada dos dois

conceitos é o melhor guia inicial.

 A “ética” provém do termo grego “ethos”, o qual contudo tinha duas grafias ligeiramente diferentes, o que faz com que

se tratasse na verdade de dois termos, “êthos” e “éthos”; o primeiro termo, “êthos”, sofreu uma derivação de sentido: no

princípio, ele designava o lugar onde se guardavam os animais; depois, o lugar de onde brotam os actos, isto é, a

interioridade dos homens, o carácter; o segundo termo “éthos” significava o hábito e, daí, referia-se ao agir habitual.

Quando os Latinos tiveram de traduzir “ethos”, condensaram, de modo provavelmente inconsciente, os sentidos dos

dois termos no termo de “hábito”, isto é no segundo “éthos”, o que se diz “mos” (lenitivo: moris), de onde provém o

termo de moral. A consequência de todo este processo etimológico é a de que houve uma mudança implícita de

sentido entre o primeiro termo grego, “êthos”, e o termo latim de “mores”: o grego sublinhava principalmente o foco

interior de onde provinham os actos do ser humano, ao passo que o termo latino se centrava sobre a dimensão

repetitiva dos actos “habituais”, os quais podiam corresponder a um hábito “virtuoso” ou “vicioso” de actos conscientes,

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mas também à vertente habitual-maquinal, isto é, quase automática e despersonalizada dos actos humanos. É

interessante notar que esta diferença etimológica.

 A questão que, para nós, resulta desta lembrança etimológica é a seguinte: em que medida isto nos ajuda a distinguir

as questões de fundo?

Propomos como resposta a insistência sobre a dimensão de interioridade dos actos como ponto de apoio para a

problemática da ética e, para a moral, retemos o ponto de partida do hábito, isto é, de séries de actos repetidos.

Prolongando estas linhas de sentido, vemos na ética a procura daquilo que, na posição do acto, é mais “pessoal”, mais

reflectido, numa palavra mais fundamentado. A ética procura deste modo a fundamentação do agir, ao passo que a

moral mostra como as leis morais se formam, se hierarquizam, se aplicam aos casos concretos mediante a decisão e o

recurso aos valores. Neste sentido, a ética aparece como uma metamoral, e a moral como uma ampliação institucional

da ética. Quando o ser humano acede à tomada de consciência reflexiva, ele encontra no seu universo ou mundo

cultural a presença de hábitos, costumes, obrigações sociais, individuais, de leis “morais” que ele não inventou. Segue-

se daí que este conjunto de “normas” ou de incitações para encaminhar o agir num determinado sentido é apreendido

como provindo da exterioridade do sujeito humano; esta exterioridade pode ser a instância parental ou familiar, ou

também a prática social habitual sem rosto específico. De todo o modo, o sujeito recebe estas proposições de acção ecompreende que, entre elas, algumas são mais que proposições, são obrigações, leis morais. Enquanto essas leis são

aceites, praticadas ou recusadas, elas não ultrapassam o grau de exterioridade com o qual se apresentam inicialmente

ao sujeito. Falar-se-á de moral heteronoma enquanto o sujeito não interiorizar o conteúdo das leis morais, obrigações

etc. Ora, para efectuar reflexivamente esta interiorização, é preciso remontar da moral para a ética; reciprocamente,

para dar o peso da obrigação aos fundamentos que a ética desdobra, é preciso que a ética opere a sua viragem para a

moral.

Nesta abordagem, a ética é a teoria que percorre o itinerário desde a interioridade do agir para a sua fundamentação,

ao passo que a moral analisa o percurso que vai da heteronomia do agir e da sua institucionalização para a

compreensão da sua normatividade ou legalidade. A moral estuda assim a relação entre a lei moral e a autonomia do

agir, aplicando esta relação à multiplicidade dos casos que surgem no decurso da existência. É no percurso da moral

que se determina a problemática do bem e do mal, enquanto bem moral e mal moral. A moda actual que privilegia o vocabulário da ética ao da moral, como se fosse mais “nobre”  falar da ética e mais

“conservador ”, mais fechado evocar a moral, tem provavelmente a sua raiz no pressuposto em função do qual a moral

seria o fruto de uma atitude “moralizadora” que estaria mais atenta a julgar e condenar que a compreender as acções

dos homens. Na definição proposta, verifica-se que a ética não pode prescindir da moral, tal como a moral somente se

toma “fera não amansada” se se desligar da ética.

Outros critérios são contudo às vezes apresentados para distinguir ética e moral. Na recente terminologia anglo-

saxónica ligada à bioética, a ética quase se desligou da sua inserção na filosofia para se tornar imediatamente

interdisciplinar; o conceito de “ecticista”  (“ethicist”, ao qual corresponde o termo francês de “éthicien”) pode ser

reivindicado por qualquer especialista cuja formação inicial não está relacionada com a filosofia. O termo de moralista,

por oposição, evocaria as teorias filosóficas, antigas e clássicas, da filosofia moral. A este nível, a ética emite a

pretensão de uma certa autonomia relativamente à tradição da moral filosófica. O perigo reside então na ideia de que

qualquer ser humano, pelo facto de agir na vida quotidiana, bem como no âmbito da sua profissão, é apto por si próprio

a descobrir o que é o agir eticamente correcto ou moralmente bom. Esta ideia pressupõe um empirismo moral. Um

outro critério de distinção foi também avançado: a ética descreve, a moral prescreve.

Este segundo critério é materialmente correcto, mas tem contudo a desvantagem de não indicar imediatamente que a

ética é descritiva enquanto procura de fundamentação e que a moral é prescritiva enquanto ligada à teoria da

obrigação.

No sentido lato, pode-se considerar porém ética e moral como equivalentes, na medida em que ambas tratam da

determinação reflexiva das condições da “acção humana boa”; no sentido estrito, será em nosso entender necessário,

sob pena de confusões filosóficas, proceder à distinção feita.

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1.2.2. Direito e Ética

1.2.2.1. Direito e Ética (ou Moral, como aqui, imperfeitamente embora, faremos equivaler) são duas ordens normativas,

na medida em que se traduzem em normas ou regras de conduta.

Mas tem havido, desde há muito, a preocupação em distingui-Ias, caracterizando-as em função de diversos critérios

dentro dos quais a distinção sobressai.

E dir-se-á que, não fora o normal radicalismo de cada um dos critérios que têm sido aventados, e sempre seríamos,

como somos, levados a concluir que cada um deles contém em si (em parte) argumentos de grande razoabilidade.

1.2.2.2. Um desses critérios costuma designar-se pelo do “mínimo ético”.

Segundo este “nem tudo o que a moral ordena é prescrito pelo direito, pois este só recebe da moral aqueles preceitos

que se impõem com muito particular vigor”. O Direito “é um mínimo em relação à moral, mas um mínimo cuja

observância se reclama com um máximo de intensidade”. Esse “mínimo”  reportar-se-ia àquelas regras morais básicas

sem as quais a ordem social careceria de paz, liberdade e justiça.

No entanto, logo uma análise primária permite-nos verificar que não é correcta a conclusão que deste critério emerge,segundo a qual toda a norma jurídica estaria impregnada de Moral. Grande parte das normas que regem um

ordenamento jurídico são, com efeito, éticamente neutras, como acontece com uma imensidão de normas

organizativas (das instituições, das profissões, etc.) e de normas processuais (definição de prazos, de tipo de

procedimentos, etc.).

Certo é, porém, que este incompleto critério permite alertar para a necessidade de o Direito poder (e dever) consagrar

determinadas normas éticas, que constituam a “ossatura”  (o esqueleto, o tal mínimo escondido) do ordenamento

 jurídico.

1.2.2.3. Outro critério é o da “heteronomia/autonomia”, dizendo-se ser próprio do Direito a primeira e inerente à Ética a

segunda. Deste modo, na Moral prevaleceria a autovinculação (autonomia) pelos ditames da própria consciência; no

Direito a exigibilidade e aceitação da norma teriam como apoio indispensável a coercibilidade, o uso possível da forçapara o seu cumprimento.

Mas este critério é ainda imperfeito, sobretudo com a evolução político-jurídica do conceito de democracia. Na

“sociedade democrática, àquela heteronomia do direito deve acrescer uma autónoma (e, diremos, progressiva)

aceitação global da ordem jurídica por parte da sociedade (e, diremos, por parte dos cidadãos) que ela rege, para que

tal ordem se possa considerar legítima. O que de modo algum significa que algumas das regras que compõem esse

todo não possam ser contestadas e o seu conteúdo rejeitado por parte de muitos membros da sociedade”.

Isto não quer dizer, contudo, que não seja substancialmente pertinente este critério. Como diz um consagrado autor

“para garantir uma ordem social de convivência que é o suporte indispensável da paz, da liberdade e da justiça e,

portanto, para assegurar o quadro de vida em que se tome possível ao homem desenvolver a sua 'humanidade', o

subjectivismo ou a consciência de cada um seria terreno demasiado inseguro”; o que já não acontece na ordem moral.

1.2.2.4. Segundo um terceiro critério, designado pelo da “exterioridade/ /interioridade”, aquela do Direito, esta da Ética,

ater-nos-íamos a algo semelhante à distinção entre o “objectivo” e o “subjectivo”.

O Direito versaria o lado exterior da conduta, a sua manifestação externa, o cumprimento da norma; a Moral focaria,

mais profundamente, a intenção ou atitude interior que comanda o comportamento (a acção ou a omissão).

Os Códigos estão cheios de normas que fazem apelo aos aspectos mais íntimos do comportamento, com

predominância no Direito Penal, em que, para o mais, cada vez se faz maior apelo à “personalidade do arguido”. Esses

aspectos, que estão enquadrados sobretudo na busca probatória da intenção do agente (nos conceitos jurídicos de

“culpa”, de “dolo”, de “negligência”, de “boa-fé”, de “má-fé”, até de “abuso de direito”  e de outros conceitos

indeterminados) mostram que, ao contrário do que se dizia, o Direito evolui à medida que se reporta ao Homem na sua

interioridade, com as dificuldades inerentes à respectiva prova (normalmente através das chamadas  presumptiones

hominis ou presunções judiciais).

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quando respeita ao Homem como Pessoa e não o sacrifica definitiva ou utilitariamente a certo “bem comum” que contra

ele atenta ou o “dissolve” nos interesses de uma “sociedade” (porventura utópica).

Mais do que isso (e para além das Declarações Universais de Direitos, de inestimável efeito pedagógico junto dos

Estados), é já possível encontrar o tal “núcleo duro”, “ossatura”, “esqueleto”, que se transforma no tal “mínimo ético” em

que os dois ordenamentos convergem. E isso de maneira progressiva, harmónica e coerente, porventura jamais

acabada mas em “conquistas” sucessivas. Referimo-nos, em especial, à consagração dos tais Direitos Fundamentais

por via constitucional, ou seja, a nível de Diploma Fundamental que sirva de referência jurídico-moral a todo o demais

ordenamento jurídico (por forma, por exemplo, a provocar a declaração de inconstitucionalidade das “normas menores” 

que os ofendam ou a exigir a prolação de normas até aí omitidas e que a sua garantia exija).

Cremos que ninguém poderá questionar que esses Direitos Fundamentais são também normas morais basilares, sem

as quais a própria Ética não passaria de “moralismos”.

Então será já possível auferir do controvertido papel pedagógico das normas jurídicas, na medida em que elas sejam

expressão de valores desejáveis para a Sociedade, a promover para o bem da Pessoa como para o bem daquela

(melhor entendida com verdadeira comunidade). Isto sem correr o arguido perigo de que “uma excessiva tutela de

normas éticas pelo Direito corre o risco de se converter numa tutela moral da Sociedade pelo Estado, numa 'tutela'capaz de propiciar uma 'pedagogização' da mesma sociedade e de promover a intolerância geral, aquilo que já

chamámos a vertigem da “eticocracia” e que, no plano político, se pode traduzir num totalitarismo qualquer.

 Acresce que é possível dar guarida, por este meio, ao desenvolvimento de grandes valores político-jurídicos que são

os da construção, nunca terminada, da Democracia e do Estado de Direito.

1.2.2.8 Esta nova perspectiva sobre o tema é particularmente sensível e óbvia na subdisciplina da Ética (por sua vez

disciplina da Filosofia) que é a Bioética.

Esta, com efeito, tem as suas raízes na globalidade dos muitos e muitos temas de que se ocupa, e dois dos cimeiros

Direitos Fundamentais, o da eminente dignidade da Pessoa Humana (Constituição da República Portuguesa, art.º 1º) e

o do direito à vida ou, melhor, o da inviolabilidade da vida (art.º 24.º-1). Daí resulta, designadamente, que, por

“melhores” e “mais práticas ou úteis” soluções que sejam pretendidas em qualquer política legislativa (mesmo sectorial,ou “integrada”  como hoje é costume dizer-se), jamais as respectivas normas poderão, uma vez correctamente

analisadas, colidir com aqueles dois magnos princípios.

Certo é, todavia, que a consagração jurídica de “desenvolvimentos” dos Direitos Fundamentais, sobretudo tendo em

conta a vertiginosa evolução científica das chamadas Ciências da Vida, exige do legislador uma particular prudência e

nenhuma pressa, sob pena de criação de regras jurídicas “moralizantes” e por isso redutoras e transitórias em excesso,

sendo, entretanto, preferível a análise jurídica dos “comportamentos” por referência aos grandes princípios que pelas

peias de normas menores.

1.2.3. Os Princípios de Autonomia, Beneficência, Não Maleficência e Justiça

Os problemas de bioética são frequentemente abordados pelos autores anglo-saxónicos recorrendo aos princípios de

autonomia, de não maleficência, de beneficência e de justiça. Entre os autores europeus só limitadamente se tem

adoptado esta abordagem, pelo que também não se encontra suficientemente generalizada a respectiva terminologia.

Cada um dos referidos princípios formula a exigência de respeito por determinado valor: a autonomia ou liberdade das

pessoas (pacientes ou sujeitos de experimentação), o seu bem-estar, a igualdade ou a imparcialidade.

Trata-se de uma útil abordagem prática, à qual contudo não se deve pedir mais do que pode dar e de cujos limites

convém ter consciência.

Segue-se uma breve exposição de cada um dos princípios.

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1.2.3.1. Princípio de Autonomia (PA)

Etimologicamente, o termo “autonomia” significa a condição de quem é autor de sua própria lei. Aplicado inicialmente

aos povos e estados, veio posteriormente a estender-se aos indivíduos. Significa, de um modo geral, independência,

ausência de imposições ou coacções externas e também, particularmente no caso que nos ocupa, a ausência de

limitações e incapacidades pessoais que impedem ou diminuem a liberdade de decisão.

O Princípio de Autonomia, também chamado “Princípio de Liberdade”, prescreve o respeito pela legítima autonomia

das pessoas, pelas suas escolhas e decisões que sejam verdadeiramente autónomas ou livres.

Figura 7 - Princípio da Autonomia 

Não sendo a autonomia um valor absoluto, também o princípio que impõe o seu respeito não é incondicional; pode,

antes, ser legitimamente limitado pelo respeito por outros valores, assegurados por outros princípios, nomeadamente o

de beneficência ou o de justiça. Por isso falamos da legítima autonomia. Não é, por outras palavras, o único princípio a

ter em conta, devendo antes ser compatibilizado com outros, não sendo de aceitar o primado absoluto. Ao preconizar o respeito pela autonomia, o princípio deve entender-se mais como referido às decisões do que às

pessoas, uma vez que uma pessoa considerada como normalmente “não autónoma” (em geral ou só em determinados

campos ou situações) pode ser capaz de algumas decisões pontuais autónomas, que devem ser respeitadas.

Entende-se por agir autónomo aquele que implica intencionalidade, compreensão e ausência de influências que o

determinem. Não se devem exigir exageradas condições de autonomia, mas apenas as que normalmente se

pressupõem ao considerar alguém capaz de decisões noutros campos.

Na prática, este Princípio implica: promover quanto possível comportamentos autónomos por parte dos pacientes,

informando-os convenientemente, assegurando a correcta compreensão da informação ministrada e a livre decisão.

Se bem entendido, o respeito da autonomia preconizado pelo PA não é incompatível com a influência da autoridade

(que é por definição. heteronoma): nomeada mas não exclusivamente a do técnico de saúde. Ver na autonomia um

valor e reconhecer que ela deve ser suscitada, protegida, reforçada e respeitada. Dupla exigência, nem sempre fácil de

satisfazer.

O peso da responsabilidade da decisão não deve normalmente recair sobre uma só.

Grande parte das publicações que tratam do PA concentram-se no exame do chamado “consentimento informado” (CI),

autorização autónoma (livre) dada para uma intervenção médica ou pesquisa e condições legais por ela implicadas.

Pressuposto ou condição prévia do CI é a competência ou capacidade de decidir livremente, capacidade que pode ser

geral ou específica, para determinados campos. Presume-se que um adulto tem tal competência, pertencendo o ónus

da prova a quem a negue.

Relativamente à informação exigida pelo CI surgem não poucos problemas, ao tratar de determinar qual deve ser

fomecida e qual pode ser legitimamente omitida.

Mais do que à informação, tem vindo progressivamente a ser dada importância à compreensão da mesma por parte do

doente ou do sujeito da pesquisa.

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tal ou tal pessoa, por razão do cargo, de algum compromisso, etc. É óbvio, por exemplo, que o pessoal médico terá

certas obrigações de beneficência para com os doentes que não vincularão outras pessoas.

É a propósito do PB que os autores costumam tratar a questão da doação de órgãos e, sobretudo, a de saber a que

princípio atribuir a primazia no caso de surgirem conflitos entre as exigências de respeito pela autonomia (PA) e pela

beneficência (PB).

 A opinião generalizada, durante muito tempo, atribuía o primado ao PB, uma vez que se entendia que a missão própria

do pessoal sanitário era fundamentalmente assegurar o bem dos pacientes.

Nos últimos tempos, tem vindo a aumentar a importância dada - por vezes excessivamente - à autonomia, a qual se

considera ser um “bem” (necessidade ou interesse) primordial do paciente.

1.2.3.4. Princípio de Justiça (PJ)

Sob a expressão de “Princípio de Justiça”  (PJ), o que os autores têm em mente são as exigências da justiça

distributiva, as quais, no campo da bioética, dão origem a não fáceis problemas, quer a nível das macrodecisões querno das microdecisões.

Tendo em conta a limitação ou escassez dos recursos disponíveis, como distribuí-Ios justamente? Segundo que

critérios afectar os dinheiros públicos no campo da saúde: que tipo de doentes atender prioritariamente, que

estabelecimentos e equipamentos privilegiar? Dispondo apenas de poucas unidades de cuidados intensivos, a que

doentes ou sinistrados atribuí-Ias, negando-as a outros? Serão de manter nelas doentes terminais irrecuperáveis,

quando há acidentados com grandes probabilidades de nelas se salvarem? Etc., etc.

Como adiante diremos, os critérios objectivos que possam orientar estas escolhas não são fornecidos pelo próprio PJ.

 A propósito dele, mas de acordo com as próprias concepções éticas, é que os autores propõem os critérios que julgam

melhor salvaguardar a justa distribuição dos meios e cuidados.

Figura 9 - Princípio de Beneficiência 

Figura 10 - Princípio de Justiça 

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1.2.3.5. Conclusões

Como acima foi dito, a abordagem a partir dos princípios a que nos referimos constitui uma útil maneira prática de

examinar as questões de bioética, mas de cujos limites convém ter consciência.

Enquanto princípios formais, eles são indiscutíveis, mas não proporcionam grande ajuda na busca do correcto agir.

 Assim, respeitar a autonomia das pessoas e das suas decisões é algo que sempre se deve procurar; mas para, nas

situações concretas, saber o conteúdo (concreto) desse dever, para saber o que é que o respeito por este princípio

implica em determinada situação, é necessário ter critérios que permitam avaliar da autonomia ou não das

pessoas/decisões em causa, critérios que o princípio não fornece. Mais: além disso, dado que esta exigência de

respeito colide normalmente com outras exigências - por exemplo, com o respeito devido ao bem de terceiros ou do

próprio -, requerem-se critérios para saber a quais exigências reconhecer a prioridade em cada caso, critérios que

também não são fornecidos pelo princípio.

Os princípios só se tomam operacionais na medida em que fornecem conteúdos materiais.

O principal trabalho dos moralistas e do pessoal médico e investigador consistirá consequentemente em ir elaborando

critérios objectivos de verificação e orientações que ajudem a uma correcta ponderação dos valores em causa - e nãotanto dos princípios que procuram exprimir as suas exigências - para saber quais devem ser prioritariamente

assegurados em caso de conflito, conflito que, em nosso entender, será sempre conflito de valores e nunca de

deveres. Ora é óbvio que tais critérios são fornecidos por uma concepção ética determinada, sem a qual os princípios

nunca poderão passar de princípios formais, não operacionais. Segundo a concepção ética adoptada, admitir-se-ão ou

rejeitar-se-ão os princípios acima considerados, conforme sejam propostos numa ou noutra perspectiva ética

determinada.

Por último, e como já foi notado, é indispensável, em toda esta matéria, ter bem presente o plano - moral ou legal - em

que se está a considerar a questão.

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2. Dimensão pessoal da bioética

2.1. A Pessoa como ser Humano Livre

2.1.1. Consentimento Informado

 Ao abordar-se este tema é necessário deixar claro, para evitar mal-entendidos de técnicos ou de doentes, que o

objectivo é o de analisar um aspecto básico da relação técnico-doente na óptica da prestação de cuidados de saúde de

excelente qualidade e não o de discutir. conflitos de poder ou de competência. Na perspectiva da ética biomédica, o

importante é analisar os valores envolvidos e as opções razoáveis para técnicos e para os doentes, no melhor bem de

ambos e da relação humana que os une para a promoção da saúde ou o tratamento da doença.

Também este tema ilustra a tendência moderna para enquadrar, juridicamente, a prática médica, outrora considerada

como uma actividade quase religiosa, governada pelos princípios éticos mais elevados e, em consequência, fora e

acima do ordenamento jurídico. Não se nega que a entrada da lei e dos tribunais no universo “privado” da relação

técnico de saúde-doente, gerou algum mal-estar entre os técnicos de saúde, alguma perplexidade nos doentes e umtipo de prática médica de má qualidade a que se tem chamado “medicina defensiva”. Porém, que é uma turbulência

passageira e que alguns aspectos da actividade concreta dos técnico de saúde beneficiam com um enquadramento

 jurídico adequado.

Mas, afinal, o que é o consentimento informado?

É uma mudança total no paradigma das relações do técnico com o seu doente.

Esta mudança tem a sua origem nas revelações, feitas em Nuremberga, de que alguns técnicos de saúde tinham

utilizado pessoas humanas, sãs e doentes, para experiências ditas “científicas”, sem que as pessoas envolvidas

tivessem podido manifestar a sua oposição ou, eventualmente, a sua concordância. Os anos 70 assistiram a um

empolamento da autonomia da pessoa doente, em especial nos EUA, e ao recrudescimento dos processos de

responsabilidade civil postos pelos doentes aos técnicos de saúde, por tratamentos ineficazes ou causadores de

prejuízos. A mudança de paradigma caracterizou-se pela alteração da imagem do técnico de saúde, como sacerdote, pai ou

protector, para a de um profissional, tecnicamente habilitado, e da imagem do doente, como sujeito passivo, para a de

uma pessoa autónoma e livre.

O fim do paternalismo médico, visto este como resultante de um empenhamento exclusivo do técnico de saúde no

melhor bem do doente, menorizando, assim, a participação do doente, não tem sido pacífico e a introdução do conceito

de assentimento informado levanta ainda muitas objecções por parte dos médicos e das suas associações

profissionais.

O consentimento - que melhor seria designar por assentimento ou concordância - traduz o respeito pela autonomia da

pessoa doente no diálogo com o técnico de saúde; porque a pessoa doente pode perder, por exemplo, a autonomia

para se deslocar, se ficou paralítica, mas não perde, por isso, a autonomia para decidir sobre a sua pessoa, sobre os

tratamentos que aceita ou não, até sobre a própria vida (se a não considerar sagrada).

Figura 11 - Consentimento Informado 

 A prática do assentimento informado, que deverá ser introduzida progressivamente entre nós, obriga a umametodologia que o técnico de saúde deve conhecer bem. Assim:

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1. O doente deve estar capacitado, ter “competência” para tomar decisões, tanto no plano físico como mental; esta é

uma exigência básica e o técnico de saúde deve assegurar-se de que está em presença de uma pessoa com

capacidade de discernimento, mesmo que tenha períodos de perda transitória dessa competência, para julgar e decidir.

Em termos gerais, o técnico de saúde deve presumir a competência do doente até que se prove o contrário pelos

meios adequados, nomeadamente os jurídicos.

2. Tratando-se de pessoa competente, o técnico de saúde vai apresentar-lhe a informação adequada. Este é um passo

importantíssimo no processo de obtenção do assentimento: o técnico de saúde deve comunicar ao doente, de uma

forma que lhe permita receber a informação, em primeiro lugar, os factos materiais sobre os quais vai incidir a decisão,

e não apenas o rótulo dado à doença, e a informação necessária a uma correcta interpretação destes factos objectivos

e materiais; depois, deverá apresentar-lhe a sua recomendação como profissional especializado; finalmente, deve

explicar-lhe que as informações que está a transmitir se destinam a obter um assentimento pessoal e autónomo para

as intervenções médicas ou cirúrgicas, para diagnóstico ou para tratamento.

Esta informação deve ser leal e verdadeira. Em muitos países - e, tradicionalmente, em Portugal - o técnico de saúdeusa o chamado “privilégio terapêutico”, o qual lhe permite ocultar informação que, no seu critério, seria prejudicial ao

doente se dela tivesse conhecimento. No entanto, é recomendado aos técnicos de saúde que usem este privilégio com

o maior cuidado e respeitando sempre o princípio da beneficência.

3. O próximo passo é o da compreensão. Se a pessoa que recebeu a informação é ignorante, está doente e muito

assustada com a doença e não tem experiência de dar consentimento, que pode fazer o técnico de saúde para

conseguir uma boa compreensão? Recomenda-se a criação de um clima de abertura e simpatia com tempo suficiente

para que o doente interiorize a informação recebida e formule as perguntas necessárias e haja verdadeira

comunicação interpessoal. Nesta fase o doente pode recusar compreender o sentido do que lhe foi comunicado e dar

imediatamente o seu consentimento devendo o técnico de saúde aceitar esta decisão da pessoa.

Quanto à forma do consentimento, a regra é a de que deve revestir a forma adequada à importância e ao risco da

decisão. Assim, nos casos simples, basta a forma oral, nas situações já mais difíceis, deve ser dado por escrito; nos

casos mais graves e de alto risco o consentimento deve ser escrito, deve ser expresso, ou seja, referir exactamente

para que procedimento médico está a ser dado e, ainda, testemunhado, devendo() as testemunhas confirmar que o

consentimento é dado em perfeita liberdade, sem coacção nem de técnicos de saúde nem de instituições.

Por tudo o que foi dito, não pode considerar-se consentimento informado e válido, a simples assinatura do doente num

formulário impresso de autorização que é, muitas vezes, apresentado ao doente por um funcionário administrativo no

acto de internamento.

O técnico de saúde tem direito à sua autonomia como pessoa e como profissional e deve exigir que seja respeitada. A

obtenção do consentimento é um diálogo racional entre duas pessoas autónomas que decidem livremente e não um

acto de sujeição da vontade de um em conflito com a vontade do outro.

2.1.2. Risco em recusa de tratamento

 A recusa de tratamento é uma noção recente e resultou de duas evoluções conjugadas. Uma foi o progresso

científico e tecnológico que dotou a medicina com meios terapêuticos muito agressivos em que a eficácia possível se

acompanha de um risco provável de morte. A outra foi a mudança da imagem do técnico de saúde que já não é o dono

do saber e do poder para tratar os doentes com uma autoridade indiscutível, mas um técnico de uma certa área

científica que oferece às pessoas serviços especializados.

 A relação de confiança cega e submissa do doente no técnico de saúde evoluiu para uma relação de confiança

mitigada e crítica, quando não de desconfiança, que leva à exigência de responsabilidade civil por danos, nos tribunais.

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 A recusa de tratamento é uma consequência do processo de obtenção do consentimento, após informação da pessoa

doente.

É um processo delicado, este, de recusar tratamentos, com premissas e riscos que devem ser bem conhecidos dos

doentes, dos seus familiares e dos membros da equipa de saúde.

No processo de recusa de tratamento o doente tem de ser reconhecidamente capaz, ou competente em sentido

 jurídico, para tomar decisões. Fora desta premissa a recusa não é válida.

O técnico de saúde tem obrigação de informar o doente, de forma completa e inteligível, das consequências seguras

ou prováveis da recusa do tratamento que lhe é proposto; deve igualmente informar o doente dos benefícios prováveis

e/ou seguros e dos inconvenientes previsíveis do tratamento em causa. No caso de a recusa de tratamento produzir

muito provavelmente a morte e de o tratamento proposto permitir muito provavelmente salvar a vida, o técnico de

saúde pode exigir que a recusa de tratamento seja formulada por escrito e testemunhada.

No caso dos menores impõe-se uma cuidadosa e delicada atenção. Se a criança não tem ainda nenhum grau de

discernimento; o técnico de saúde e os pais actuam segundo o critério do melhor bem do doente, mas os pais não

podem nem devem recusar tratamentos para uma situação que envolva risco grave de vida, mesmo que os

tratamentos sejam penosos para a criança (por exemplo, o tratamento quimioterápico intensivo na leucemia aguda). Amedida que. a criança vai tendo discernimento, ou seja, pelos dois anos e, pouco depois, autoconsciência, é dever dos

pais explicar aos filhos, com participação activa do técnico de saúde, o tratamento a efectuar; mas efectuá-lo sempre

que a indicação médica é indiscutível mesmo que a criança se oponha (amigdalectomia ou apendicectomia, por

exemplo). Muitos. eticistas entendem que nos países ocidentais um jovem de 14 anos ou mais, devidamente

aculturado e instruído, deve ser considerado adulto para as decisões que digam respeito à sua saúde pelo que a

vontade manifestada deve ser acolhida quando não haja perigo de vida (por exemplo, a recusa a usar um aparelho de

correcção dentaria).

 A recusa de tratamento também não é aceitável quando se trata de doenças de alta contagiosidade que criam o risco

de gerar epidemias ou de afectarem grande número de conviventes. Nestas condições alguns países têm leis que

impõem aos técnicos de saúde a declaração obrigatória da doença a que se segue o tratamento compulsivo em

internamento hospitalar.Já foi assim com a febre tifóide e a tuberculose em Portugal. Actualmente alguns países, que privilegiam o interesse

social face aos direitos individuais, começam a admitir o isolamento compulsivo dos doentes com SIDA para impedir a

transmissão da doença.

2.1.3. Tecnologias de Alto Risco

Nos últimos anos desenvolveram-se, em medicina clínica, tecnologias de diagnóstico e, principalmente, de tratamento

que envolvem risco, por vezes um risco muito elevado de morbilidade grave ou mesmo de morte. Referimo-nos, por

exemplo, a cirurgia das neoplasias malignas com grandes mutilações, as transplantações de órgãos, a quimioterapia

intensiva, certas formas de radioterapia.

 A avaliação ética faz-se pela comparação entre o risco que o doente vai correr e a qualidade do benefício, bem como a

probabilidade da sua obtenção.

Dito assim, parece fácil; mas nos casos concretos é extremamente difícil - para o médico que tem de propor a

intervenção por meio de uma tecnologia de alto risco e para o doente que tem de dar o seu assentimento depois de ter

sido devidamente informado - decidir, em boa ética, se sim ou não a tecnologia de risco elevado deve ser usada.

 As metodologias propostas são as de análise custo-eficácia e custo-benefício para a decisão na perspectiva

económico-financeira e a análise risco-benefício para a decisão propriamente médica.

 As primeiras têm uma grande dificuldade: não é possível fixar um valor financeiro para a vida. Se um determinado

tratamento com uma tecnologia de alto risco custa cinco mil euros, dá com grande probabilidade mais seis meses de

vida com uma qualidade aceitável, deve, ou não, ser efectuado - eis o tipo de problemas que os sistemas de saúde,

públicos ou privados, têm de resolver na rotina da prática médica.

 A análise risco-benefício também tem dificuldades..

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 A percepção pessoal do risco pelo doente é diferente da percepção do risco pelo médico. As pessoas habituadas a

conviver com o risco, por exemplo profissional, tendem a considerar baixo o risco de 2% dos doentes morrerem

durante a operação de by-pass coronário; outras, porém, acharão 1 % um risco elevado de morte para esta mesma

tecnologia cirúrgica.

No momento actual, a avaliação das tecnologias de alto risco é feita mais pela sociedade civil do que pelos indivíduos,

através de debates públicos e de avaliações aleatórias multi-institucionais. Nestas avaliações entra em linha de conta o

custo, o risco e a qualidade do benefício pretendido, ficando o médico e o doente com uma margem estreita para

decisão. Mas é nesta estreita margem que se moverá o bom senso do médico, a sua aderência a grandes princípios

éticos como o da não maleficência e a sua correcta compreensão do relacionamento com a pessoa do doente.

Nem tudo o que tecnologicamente pode ser feito deverá ser feito. A regra é a análise individual e ponderada das

características de cada situação clínica.

2.2. Autonomia da Pessoa e a Protecção da sua Privacidade

2.2.1. Responsabilidade dos Técnicos de Saúde

2.2.1.1. Argumentação Filosófica

 As profissões ligadas à medicina, como actividades sociais em favor da saúde e bem-estar dos semelhantes, possuem

um evidente e profundo valor ético: por vocação, os profissionais da medicina existem para prestar um serviço

insubstituível à comunidade, ao próximo que sofre, ao homem que deles tem necessidade.

Interessará iniciar esta breve exposição acerca da responsabilidade médica examinando os aspectos da dimensão

moral da questão, para o que se seguirá, resumidamente embora, refira-se, desde logo, que em termos etimológicos o

vocábulo responsabilidade se relaciona com o verbo latino respondere, cujo sentido será “comprometer-se perante

alguém”.

Do ponto de vista da sua natureza, a responsabilidade moral pode definir-se como a dimensão relacional da obrigação.“Ter responsabilidade, ser responsável (reflecte o especialista citado) é estar obrigado - mas não apenas a isto ou a

aquilo, ter esta ou aquela obrigação (dimensão 'objectiva'), nem tão-pouco à mera necessidade moral (dimensão

formal). Ser responsável acrescenta à 'obrigação' aquele perante quem se é responsável, se tem de 'prestar contas';

este outrém (...) será, em primeira instância, aquele com quem o sujeito se comprometeu, por qualquer titulo (por

exemplo, por contrato).” Não será difícil, reconhecer o particular relacionamento do técnico de saúde com o seu doente,

reconhecendo conjuntamente a particular feição do respectivo quadro de responsabilidade.

É que “a responsabilidade, como a obrigação, implica e pressupõe a consciência, com a liberdade; na sequência do

tipo da 'resposta', das 'contas prestadas', implica ainda o mérito e, particularmente, a sanção ”  - sanção, esta,

evidentemente de ordem diversa da prevista nos códigos da sociedade civil.

O âmbito da responsabilidade consiste “naquilo de que se é responsável - ele não é outro senão o da 'dimensão'

objectiva' da obrigação, ou seja a obrigação objectiva, 'as obrigações' ou deveres do sujeito, as suas

'responsabilidades' - de pai, de juiz, de cidadão, etc.”... de técnico de Saúde, enfim!

2.2.1.2. Direito

2.2.1.2.1. A Missão da Federação Portuguesa de Osteopatas

Por escritura outorgada no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 3 de Novembro de 2000, foi constituída uma

Federação, com a denominação de FPO . Federação Portuguesa de Osteopatas, que, publicado pelo Diário da

República . III SÉRIE N.º 84 . 9 de Abril de 2001, tem por objectivo:

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“1.a) A coesão, defesa e promoção de todos os seus membros, enquanto associações relacionadas com a

Osteopatia e demais terapias manuais e respectivos associados, bem como daqueles que exerçam ou venham

a exercer a actividade profissional de Osteopatia e demais terapeutas manuais;

b) Fomentar o estudo e investigação tecnológico no que à Osteopatia e demais terapias manuais diz respeito;c ) Fomentar a formação e valorização profissional dos profissionais de Osteopatia e outros terapeutas manuais;

d ) Proceder ao registo e listagem dos profissionais Osteopatas;

e) Validar diplomas em Osteopatia e assegurar e garantir o respectivo valor académico, a competência e a

moralidade profissional.

2 . Sem prejuízo da competência própria de cada uma das associações federadas, são atribuições da

Federação:

a) Proceder ao registo e listagem dos profissionais Osteopatas;

b) Coordenar a actuação dos seus membros em questões de interesse comum;

c ) Assegurar a sua representação própria junto de quaisquer entidades nacionais e internacionais;

d ) Promover a melhoria das condições de exercício da actividade profissional de Osteopatas;e) Prestar serviços aos membros das associações federadas ou criar entidades para esse efeito, nos termos a

definir em regulamento;

f ) Fomentar o estudo e a investigação tecnológica, a formação e valorização profissional através de cursos, pós-

graduações, seminários, simpósios, congressos e outras manifestações do tipo;

g ) Validar diplomas em Osteopatia para os quais tenha competência;

h) Estudar, realizar e divulgar todos os demais assuntos de interesse comum para os associados.

3 . A Federação poderá filiar-se em organizações internacionais que prossigam os mesmos fins. Tem direito de

se filiar na Federação:

a) Associações patronais ou sindicais, cujos membros exerçam ou venham a exercer a actividade profissional

de Osteopatas e demais terapias manuais;

b) Associações de profissionais e outras, ligadas à área de actividade abrangida pela Federação, desde que se

encontram regularmente constituídas.

2 . A admissão de sócios é da competência da direcção e será dirigida por escrito, através de proposta.

3 . O pedido de admissão deverá ser instruído com os elementos necessários a correcta identificação do

proponente.

1 . Perdem a qualidade de sócio:

a) Por sua iniciativa, os sócios que se demitirem;

b) Por deliberação da assembleia geral, os sócios que tiverem praticado actos contrários aos objectivos da

Federação ou susceptíveis de afectarem gravemente o seu prestígio;

c ) Por deliberação da direcção, os sócios que tiverem deixado de satisfazer as condições de admissão;

d ) Por deliberação da direcção, os sócios que, tendo em débito de mais três meses de quotas, não liquidarem

tal débito dentro do prazo que lhes for fixado por carta registada.

2 . O sócio excluído perde todo e qualquer direito sobre tal património social.

3 . Em qualquer dos casos referidos no n.º 1 deste artigo, os sócios manter-se-ão obrigados por um período de

três meses a contar da data de comunicação da perda ou exclusão da qualidade de sócio, às prestações

pecuniárias referidas no artigo 7.º, alínea a)

4 . Das deliberações da direcção previstas nas alíneas c ) e d ) do n.º 1 cabe recurso, para a assembleia geral.”  

 A Federação Portuguesa de Osteopatas conta entre as suas finalidades essenciais a defesa da ética, da deontologia e

da qualificação profissional, a fim de assegurar e fazer respeitar o direito dos utentes a uma prática qualificada.

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Não se nega todo o valor jurídico às normas do Código Deontológico; consideram-se de grande interesse para a

concretização de certas cláusulas gerais do direito civil, ou para auxílio do juiz para decidir acerca da ilicitude da

conduta do Osteopata.

No entanto, não existe “Um” código dentológico descrito pela FPO. Cada Associação representada da Federação

possui o seu, pelo que para efeitos de referência, aconselhamos o aluno a consultar as indicações referidas pelo

Forum for Osteopathic Regulation in Europe.

2.2.1.2.2. Responsabilidade em Osteopatia

Não é, evidentemente, possível examinar aqui, de modo adequado, esta matéria, pelo que nos limitaremos a breves

referências, remetendo a atenção do aluno à lei 45/2003 de 22 de Agosto em Diário da Republica - I Série-A.

2.2.1.2.3. Responsabilidade Disciplinar

No que respeita à responsabilidade disciplinar dos Osteopatas, há que distinguir, por um lado, a responsabilidadedisciplinar profissional, a que estão sujeitos todos os Osteopatas, resultante de actos que possam comprometer a

autoridade ou disciplina da FPO e o exercício da actividade osteopática, estando em causa interesses meramente

profissionais; do outro, a responsabilidade disciplinar administrativa, a que “um dia” estarão sujeitos os Osteopatas

integrados em serviços públicos, em que está em causa o prejuízo causado pelo funcionário ao regular funcionamento

do serviço. No que respeita a esta última, o “Estatuto do Osteopata”  poderá, num futuro em que as terapias

complementares sejam regulamentadas, afirmar expressamente que os Osteopatas, exercendo funções profissionais

em serviços públicos, ficam sujeitos ao regime disciplinar dos funcionários e agentes da Administração Central,

Regional e Local (definido pelo decreto-lei n." 24/84 de 16 de Janeiro).

Quanto à responsabilidade disciplinar profissional, há que atender ao artigo 10.º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em

Diário da Republica - I Série-A:

“Artigo 10.º Do exercício da actividade

1 - A prática de terapêuticas não convencionais só pode ser exercida, nos termos desta lei, pelos profissionais

detentores das habilitações legalmente exigidas e devidamente credenciados para o seu exercício.

2 - Os profissionais que exercem as terapêuticas não convencionais estão obrigados a manter um registo

individualizado de cada utilizador.

3 - O registo previsto no número anterior deve ser organizado e mantido de forma a respeitar, nos termos da lei, as

normas relativas à protecção dos dados pessoais.

4 - Os profissionais das terapêuticas não convencionais devem obedecer ao princípio da responsabilidade no âmbito

da sua competência e, considerando a sua autonomia na avaliação e decisão da instituição da respectiva terapêutica,

ficam obrigados a prestar informação, sempre que as circunstâncias o justifiquem, acerca do prognóstico e duração do

tratamento.” 

2.2.1.2.4. Responsabilidade Civil

Deverá ser objecto da profunda atenção dos Juristas, que estudam as suas duas perspectivas - responsabilidade

contratual e extracontratual - com as suas relações mútuas; o problema das indemnizações por danos patrimoniais e

por danos não patrimoniais ou “morais”; as questões da causalidade e do ónus da prova, que oferecem na prática da

Osteopatia dificuldades particulares; a responsabilidade das instituições públicas e clínicas privadas; a

responsabilidade dos Osteopatas pelos actos dos seus auxiliares, ou pela utilização dos métodos ou instrumentos

perigosos, etc., etc.

Quanto à responsabilidade civil, há que atender ao artigo 12.º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em Diário da Republica -

I Série-A:

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“Artigo 12.º 

Seguro obrigatório

Os profissionais das terapêuticas não convencionais abrangidos pela presente lei estão obrigados a dispor de um

seguro de responsabilidade civil no âmbito da sua actividade profissional, nos termos a regulamentar.” 

2.2.1.2.5. Responsabilidade Criminal

O Código Penal actualmente em vigor define o relevo penal a várias actividades referenciadas como práticas no âmbito

da Saúde.

 Assumem importância muito particular os seguintes:

Intervenções e tratamentos arbitrários: o art. 158.° contempla, como crimes contra a liberdade, as intervenções e

tratamentos realizados sem consentimento do paciente ou seu representante.

Requisitos de consentimento: são estabelecidos de modo rigoroso nos art. 38.º e 159.º. Intervenções e tratamentos

com oposição do paciente ou do seu representante: o art. 156.º configura em tal caso o crime de coacção.

Neste campo oferece-se um grave problema, se o representante legal se opuser a tratamento formalmente indicadopela ciência médica.

No que respeita aos menores, um artigo do Código Civil abre caminho a uma solução, através de requerimento do

Ministério Público, ou de qualquer parente, ao tribunal para que decrete as providências adequadas.

Quanto à responsabilidade criminal, há que atender ao artigo 17.º e 18º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em Diário da

Republica - I Série-A:

“Artigo 17.º 

Fiscalização e sanções

 A fiscalização do disposto na presente lei e a definição do respectivo quadro sancionatório serão objecto de

regulamentação por parte do Governo.

 Artigo 18.º

Infracções Aos profissionais abrangidos por esta lei que lesem a saúde dos utilizadores ou realizem intervenções sem o respectivo

consentimento informado é aplicável o disposto nos artigos 150º, 156º e 157º do Código Penal, em igualdade de

circunstâncias com os demais profissionais de saúde.” 

2.2.2. Segredo Médico

O contrato tácito representado pela relação técnico de saúde/doente é uma verdadeira aliança entre pessoas: A

qualidade dessa relação exige a criação de uma atmosfera caracterizada por atitudes pessoais de respeito, veracidade

e fidelidade, condições imprescindíveis à instauração de um clima de confiança mútua, de que o segredo profissional é

condição fundamental.

O segredo profissional é um caso especial do segredo confiado. Deriva de múltiplos serviços de acção inter-humana e

é recebido por quem exerce uma profissão de interesse social, que em geral supõe a existência de um pacto implícito.

Poderá afirmar-se que o segredo se constitui em contrato, ou quase-contrato: O segredo médico não é um privilégio do

profissional mas sim sua grave responsabilidade; é um direito e usufruto do doente.

O segredo profissional impõe-se a todos os técnicos de saúde, constitui matéria de interesse moral e social e abrange

todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do mesmo técnico em razão e no exercício do seu trabalho.

São objecto de segredo a doença e as circunstâncias que a rodeiam, e ainda factos porventura não relacionados com a

doença mas de que o técnico de saúde tome conhecimento “em razão e no exercício da sua profissão”, como será,

nomeadamente, o caso de informações confidenciadas pelo doente.

Importa examinar a questão dos limites do segredo médico.

Entendido nos termos quinta-essenciados no Juramento Hipocrático, o segredo médico deveria assumir um carácter

geral e absoluto - e assim foi pensado por muitos técnicos de saúde.

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Se o segredo fosse geral, deveria cobrir tudo o que se pôde saber, compreender, adivinhar no exercício da sua

actividade.

Se o segredo fosse absoluto, nem o doente, nem o técnico de saúde, nem o juiz dele poderiam transpor; não cederia

perante qualquer interesse social, mesmo aparentemente mais elevado; não conheceria excepções - perfeitamente

semelhante ao segredo do confessionário! Tal rigor conduziria inevitavelmente a situações perfeitamente absurdas,

como é evidente.

Os moralistas estão de acordo em considerar o carácter não absoluto do segredo profissional, sistematizando assim as

circunstâncias em que poderá eventualmente cessar a sua obrigatoriedade:

a) Consentimento do interessado

b) Exigência do bem comum

c) Exigência do bem de terceiro

d) Se a revelação poupar prejuízo grave à pessoa interessada no segredo

e) Se da não revelação do segredo decorrer prejuízo grave para a pessoa depositária do segredo.

Como é que a lei encara a questão do segredo profissional?

 A sua matéria e âmbito são enunciados, como já atrás fica dito, nos artigos 89.º e 90.º do decreto-lei n." 40 651 de21/6/1956.

O crime de revelação do segredo profissional está tipificado no capítulo acerca dos crimes contra a reserva da vida

privada. Nesse texto legal declara-se punível o delito apenas na medida em que ocorra prejuízo de outrém, e quando o

facto for cometido sem justa causa.

 A lei e os textos regulamentares definem as causas escusatórias da obrigação do segredo profissional.

No Código Penal estabelece a “exclusão da ilicitude”, delimitando assim a justa causa.

Em relação a algumas das situações atrás confirmadas, poderia pôr-se a seguinte questão: haverá mesmo segredo

profissional a guardar ou a quebrar?

Poderá afirmar-se, que o segredo médico tem duas bases: o interesse privado do doente, cuja intimidade deve ser

garantida contra qualquer indiscrição agressiva, e o interesse social e colectivo da profissão osteopática, que deve

proteger a confiança necessária dos doentes em relação aos seus técnicos de saúde.Se alguma destas bases falta, já não haverá segredo, pois uma instituição só terá direito à protecção jurídica na

medida em que corresponda a uma utilidade.

Não há segredo a guardar quando o doente é a vítima (e não o autor) de um atentado. Efectivamente, em tal situação o

interesse privado do doente é a sua salvação, se ainda for tempo, ou a sua vingança, se o socorro médico tiver

chegado demasiado tarde; quanto ao interesse colectivo da profissão médica é evitar toda a suspeita de compromisso

com o crime.

É de plena actualidade esta matéria quando se evoca o grave problema das crianças vítimas de maus tratos.

Não haverá que considerar o segredo médico nas acções de responsabilidade médica, quando é o doente quem,

invocando uma falta profissional do médico que o tratou, o leva aos tribunais. Em tal caso, com efeito, faltam os dois

fundamentos do segredo: o interesse privado do doente é, naturalmente, obter a reparação dos prejuízos que terá

sofrido, correndo o risco de ver o médico seu adversário, para se defender, revelar algum facto desagradável até então

oculto em nome do dever da humanidade.

2.2.3. O sigilo médico no direito português

2.2.3.1. No Direito Constitucional

O princípio da dignidade da pessoa humana encabeça o ordenamento jurídico português. Deste princípio da dignidade

da pessoa humana, de inspiração kantiana e iluminista, a Lei Fundamental apresenta um extenso leque de direitos

fundamentais. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é protegido pelo artigo 26.º da Constituição

da República Portuguesa (CRP). “No plano filosófico, o respeito pelo segredo baseia -se num direito natural à

intimidade que faz parte do desenvolvimento da pessoa. O segredo identifica-se com uma condição necessária à

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pretende proteger, para lá do simples interesse comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em

sentido material, isto é, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera da intimidade como

a esfera da privacidade stricto senso.” Como vemos, o médico, outros profissionais de saúde, e outras pessoas no

exercício da sua profissão, devem guardar confidencialidade relativamente não só aos dados sobre a saúde,

como sobre outros aspectos relativos à vida privada do paciente.

Fazem parte da esfera íntima da pessoa: os dados relativos à filiação, residência, número de telefone, estado de

saúde, vida conjugal, amorosa e afectiva, os factos que decorrem dentro do lar, as informações transmitidas por carta

ou outros meios de telecomunicações, os factos passados que caíram no esquecimento, etc.

 Assim, os dados relativos ao estado de saúde merecem a mais forte protecção.

Neste sentido, podemos constatar que a Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro) prevê

um regime especial para os dados de saúde, considerando-os “dados sensíveis” (artigo 7.º) e impondo “medidas

especiais de segurança” (artigo 15.º), quando esses dados forem objecto de tratamento, o que demonstra a natureza

especialmente protegida destas informações.

No âmbito da relação clínica, o médico tem conhecimento de factos que pertencem à área de confidencialidade e

reserva, mesmo à área da intimidade. A sua revelação ou divulgação arbitrárias (sem consentimento do paciente) e não justificadas “configuram um atentado

socialmente intolerável a bens jurídicos criminalmente tutelados. E podendo, como tal, ser punida já a título

de Devassa da vida privada (artigo 192.º do Código Penal), já sob a forma de Violação de segredo (artigo 195.º do

Código Penal).” 

I. Devassa da vida privada

Este crime está previsto no artigo 192.º (Devassa da vida privada), que prescreve:

1. Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade

da vida familiar ou sexual:

a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio

electrónico ou facturação detalhada;

b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado;

d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano

ou com pena de multa até 240 dias.

O crime de devassa da vida privada é um crime comum, isto é, não depende da qualidade específica do agente.

Quando o agente é um médico (ou outro profissional obrigado a sigilo), verifica-se uma relação de concurso aparente

com o crime de violação de segredo (artigo 195.º do Código Penal).

 A vida privada das pessoas merece a protecção do direito penal, e isto independentemente do carácter desonroso ou

não desses factos. O bem jurídico que aqui está em jogo é a privacidade e não a honra. Por outro lado, o direito

pretende evitar não apenas o acesso à informação (alíneas a) a c), mas também a divulgação desses factos (al. d).

II. O crime de violação de segredo

O tipo legal com crime previsto no artigo 195.º do Código Penal protege o bem jurídico individual privacidade e também

o bem jurídico supra-individual prestígio e confiança em determinadas profissões:

 Artigo 195.º (Violação de segredo):

Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício,

emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.

Relativamente à factualidade típica, isto é, os factos que se devem verificar para se poder afirmar estarmos perante o

tipo legal de crime, devemos enunciar os seguintes:

1) Terá que se tratar de um segredo, isto é:

a) Tratar-se de factos conhecidos de um número circunscrito de pessoas

(que não sejam do conhecimento público ou de um círculo alargado de pessoas ou que não seja um facto notório);

b) Que haja vontade de que os factos continuem sob reserva

c) Existência de um interesse legítimo, razoável ou justificado na reserva;

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2) Terá que ser um segredo alheio (do paciente ou de terceiro);

3) Obtido no exercício da profissão: “só é segredo médico aquilo que o médico sabe de outra pessoa, apenas porque é

médico;” “não é segredo penalmente relevante aquilo que o agente conhece em veste puramente “privada”. 

Se o médico revelar informações sobre a saúde do paciente a terceiros está preenchido o tipo legal de crime. E a

licitude verificar-se-á se não houver qualquer causa de justificação. Trata-se de um crime semi-público, pelo que é

necessária a apresentação de queixa.

2.2.3.4. No Direito Civil

No plano civilístico, o direito ao sigilo médico enquadra-se no âmbito dos direitos de personalidade. Os direitos de

personalidade são direitos absolutos, que impõem não apenas uma obrigação passiva universal, mas ainda um

dever de respeito.

O direito ao sigilo pode radicar em duas fontes, quer no direito-quadro que é o direito geral de personalidade,

consagrado na lei, no artigo 70.º,60 quer no direito especial da personalidade, consagrado no artigo 80.º, o direito à

reserva sobre a intimidade da vida privada.Para além da referida tutela geral, encontramos um direito especial de personalidade no próprio Código Civil. O artigo

80.º (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada) dispõe:

1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrém.

2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.

O artigo 483.º sanciona com o dever de indemnizar a violação de direitos de outrém, nomeadamente os direitos de

personalidade. Provando-se o comportamento ilícito e culposo do médico, pode o lesado intentar uma acção de

indemnização solicitando o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do ilícito praticado.

 A violação dos direitos de personalidade dá lugar não só a responsabilidade civil mas também a “providências

(judiciais) adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos

da ofensa já cometida”, nos termos dos artigos 70º, n.º2 do Código Civil e artigos 1474º e ss. do Código de Processo

Civil.

2.2.3.5. Nas Terapias não convencionais

 A Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto – Lei do enquadramento base das terapêuticas não convencionais – prescreve que

no âmbito das terapêuticas não convencionais se impõe a obrigação de respeitar a confidencialidade dos dados

pessoais e de guardar sigilo. Consideram-se terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base

filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.

Para efeitos de aplicação da presente lei são reconhecidas como terapêuticas não convencionais as praticadas pela

acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropráxia (artigo 3.º).

2.2.4. Direitos e Deveres do Doente

 A formulação de um código universalmente válido em que se contemplaram, de forma clara e concreta, os Direitos

Fundamentais do Homem, deve-se, como é sabido, à iniciativa de René Cassin (1887-1976), ilustre jurista e académico

francês, presidente do Conselho de Estado francês e um dos fundadores da UNESCO. A adopção, pelas Nações

Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, representa um marco miliário de excepcional

importância no longo e trágico caminho percorrido por tantos indivíduos que, através dos tempos, procuraram criar o

clima indispensável para a aceitação de normativos universais respeitantes ao valor intrínseco, à dignidade e à

liberdade da pessoa humana.

É certo que a adesão formal e solene da grande maioria das nações à Declaração não teve consequências na  praxis 

 jurídico-política de alguns desses territórios, e que os observatórios internacionais que vigiam a observância dessa

Declaração tem numerosíssimas vezes denunciado desrespeito, omissão ou frontal e brutíssima ofensa dos direitos

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que consigna. De qualquer modo, o facto de se tratar de uma Declaração Universal, de provir das Nações Unidas e de

ter sido assinada pelos poderes de grande parte das nações confere especial valor à Declaração, oferece base

concreta para queixas e denúncias e constitui um poderoso incentivo para o pensamento. ético-político, à escala

mundial.

 A partir do enquadramento dos Direitos do Homem, não têm faltado tentativas de codificar os direitos de certos grupos

humanos, especificando-os de acordo com as características que os definem: direitos de minorias étnicas, religiosas,

de classes etárias (velhos, crianças, nascituros), de incapacitados ou limitados e, naturalmente, dos doentes em geral,

dos doentes mentais, dos doentes terminais, das crianças hospitalizadas, etc. Todavia, deve referir-se que a maioria

dos textos em que se tenta formular estes direitos não passam de tentativas, propostas ou sugestões, não tendo

merecido aprovação oficial em fórum internacional competente.

Mormente a ONU, que aprovou a dos Direitos dos Deficientes Mentais (1971) e a Declaração dos Limitado Físico

(1975), não produziu, até hoje, qualquer carta dos direitos do doente, certamente por temer as consequências político-

sociais de uma declaração universal, em vista da situação caleidoscópica (dos pontos de vista cultural, económico,

social, religioso e político) da magna questão da saúde no Mundo. De qualquer modo, não faltam documentos em que

se exaram as questões fundamentais, partindo do princípio de que os doentes constituem um grupo particularmentefragilizado (pelo receio, pelo sofrimento, pela exclusão da munidade dos sãos) e fortemente dependente do saber,

competência e dedicação de outros (pessoal de saúde, mas também familiares ou dependentes).

 Alguns críticos (muitas vezes oriundos da área da saúde) têm contesta elaboração ou sequer a discussão de um

projecto de resolução conferente aos direitos do doente, argumentando que é prioritário fazer o elenco das

necessidades dos doentes e não dos seus direitos, que não seriam diferentes consignados na Declaração Universal,

que pelo seu escopo abrange todos os seres humanos, sãos e doentes; e que uma especificação dos direitos do

doente para além de discriminatória do doente em relação ao são, poderia ser presa de exploração demagógica.

Finalmente, e não pode negar-se peso a observação, de nada adiantaria enunciar os direitos do doente, sem lhe dar os

instrumentos que lhe permitissem fazer valer esses mesmos direitos, de forma responsável mas eficaz. Doutra forma,

tal direito seria um valor fundamental que pode ser conhecido e apreciado como conceito abstracto e universal, mas

que só se realiza quando vivido a parti uma realidade particular e concreta - obviamente, a de cada doente em cadaestação do seu padecer.

Seja como for, não nos parece despropositado analisar, embora com a brevidade necessária, alguns dos aspectos em

discussão, sem nos determos na sua natureza de direitos ou de necessidades, quiçá não passando, em algumas

formulações, de piedosas intenções ou de irrealizáveis expectativas. E não nos eximiremos a dizer algo sobre os

deveres dos doentes, sem os quais os seus direitos não seriam fundamentados. " Nas diversas propostas existentes

(elaboradas pela Associação Médica Mundial - Declaração de Lisboa, 1981; pelo Parlamento Europeu, pela

 Associação dos Hospitais Americanos, etc.) pode distinguir-se alguns aspectos que merecem tratamento mais atento, e

outros, de menor significado ou importância, que são sobretudo propostos como base para procedimentos

reivindicativos ou de natureza jurídica, para indemnização por perdas e danos. Parece universal e pacífica a aceitação

da noção do direito a ser tratado como pessoa humana, isto é, nunca coisificável nem podendo ser reduzida a um

caso, um objecto de investigação, um número de cama ou uma ruína biológica. Trata-se da extensão de um artigo da

Declaração Universal, que estabelece o direito ao respeito pela dignidade humana e preceitua o espírito de

fraternidade como orientação de comportamentos. É evidente que só a humanização dos cuidados de saúde pode

garantir que este direito seja integral e sistematicamente respeitado.

Outra exigência ética, aliás emergente da primeira, é a do respeito pela autonomia do doente consciente, na posse das

suas faculdades psíquicas e livre.

Isto acarreta, na prática, uma verdadeira participação do doente na escolha entre várias opções terapêuticas, na

execução de planos terapêuticos e na avaliação dos resultados conseguidos. Escusado será dizer que, em situação

extrema, este direito inclui o de rejeitar toda e qualquer terapêutica. Não será necessário frisar o quão afastados nos

encontramos, na generalidade dos casos, de uma concretização deste direito, tão teórico: por ser necessária uma

verdadeira revolução cultural para se conseguir que o doente deixe de ser sujeito passivo de um tratamento para se

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tomar agente e colaborador do terapeuta numa empresa comum; revolução cultural que forçosamente terá de abranger

os doentes e o pessoal de saúde.

Ser informado com verdade e respeito; obter respostas verdadeiras a perguntas formuladas com sinceridade; poder ter

acesso aos dados do seu processo são exigências certamente justificadas e aparentemente fáceis de satisfazer, mas

que na realidade suscitam, na prática, muitas dificuldades. A começar pela verdade: será que todos os doentes

desejam saber “a verdade, toda a verdade e só a verdade” acerca do seu diagnóstico e prognóstico? Todo o técnico de

saúde sabe, por experiência própria, que não é assim e que muita pergunta apenas tem por fim obter a anestesia de

uma resposta tranquilizadora, embora enganadora. E parece claro que não há o direito de informar quem não deseja

ser informado, de revelar a verdade a quem não a solicitou. Não é este o lugar para discutir a questão, mas podemos

afirmar que o doente, do nosso ponto de vista, tem direito a saber a verdade que procura e que pode suportar.

O direito à confidencialidade é igualmente aceite por todos: mas como garantir o respeito por esse direito quando,

como tal acontece com cada vez maior frequência, os seus dados, a sua história, o seu diagnóstico deixam de ser

posse de um médico ou de ficar seguros nas fichas de um arquivo pessoal para entrar em circuito informático de

múltiplos acessos e em documentação escrita constante de processo praticamente aberto?

Todos desejamos ser tratados por profissionais competentes da nossa escolha, e receber cuidados personalizados ede qualidade. Poderemos exigir, baseando-nos nesse desejo convertido em direito, que sempre assim aconteça, em

qualquer parte e em qualquer dia, no interior de um país ou na sua capital, no isolamento de uma zona rural ou no

bulício da cidade? Este é um dos pontos em que parece mais admissível falar-se de necessidades eu situações

desejáveis do que direitos.

Direito indiscutível é o de todo o doente ser respeitado nas suas convicções sociais e religiosas, e de poder viver a sua

doença dentro do quadro espiritual que a sua fé lhe oferece. Assim, deverá poder receber (ou prescindir de) conforto

espiritual, nomeadamente através da ajuda de ministro da sua religião.

Todavia, será sempre fácil (haja em vista as minorias) concretizar este direito?

Estará o pessoal de saúde sempre atento aos sinais que o doente emite, não formalizados por timidez ou respeitos

humanos? Existirão sempre condições para que os ministros sejam bem recebidos, e não sintam hostilidade ou sejam

estorvados nos cultos? Estas interrogações justificam-se, pois é na medicina hospitalar, e particularmente na dosdoentes em estado terminal, que mais vezes surgem problemas deste tipo.

 A manutenção de contactos estreitos com a família e os amigos constitui outra exigência universalmente aceite, pois é

de grande importância para um melhor decurso do processo mórbido, para além de corresponder a um anseio

naturalmente existente. Todavia, nem sempre as condições (burocráticas, de acesso, de acomodação, de horário)

permitem que esse apoio familiar surta os seus efeitos, e não se pode esquecer que o doente deverá ter a

possibilidade de seleccionar o número e a identidade das suas visitas, já que tem o direito de se defender de visitas

perturbadoras do seu equilíbrio psicológico. O pessoal de saúde poderá prestar um grande serviço ao doente, ao

limitar, a seu pedido, o número e a duração das visitas ou ao restringi-Ias a determinada categoria de familiares.

O desejo de não sofrer ou pelo menos de não ser sujeito a sofrimento intenso ou prolongado, certamente universal,

tem sido arvorado em direito por alguns, embora pareça difícil imaginar que em determinada situação clínica se possa

garantir a alguém a isenção total da experiência dolorosa. Mas pode, na quase totalidade dos casos, tratar-se a dor,

prevenindo-a, suprimindo-a ou pelo menos minorando-a consideravelmente. E aqui pode falar-se já de um direito:

o do doente com dor receber a terapêutica analgésica adequada, sem lhe ser aconselhado que suporte a dor ou que

tenha paciência, pois é inevitável o seu sofrimento.

Têm ainda sido apontadas como direitos algumas legítimas aspirações de quem está doente: o ter à sua disposição

serviços hospitalares devidamente equipados num raio geográfico razoável, o conhecer o nome e aspecto do médico

que vai realizar qualquer manobra diagnostica ou terapêutica, o poder associar-se com outros doentes portadores da

mesma patologia ou utentes do mesmo estabelecimento, com objectivos de defesa de direitos, recurso jurídico,

representação oficial. Note-se que, na maior parte dos países ocidentais, tais associações são respeitadas como

interlocutores qualificados na área da saúde; é o que acontece, sobretudo, com associações como as dos doentes

diabéticos ou hemofílicos. Estes exemplos mostram que não é a gravidade, a frequência ou o carácter social da

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doença a conferir força e impacte à respectiva associação, já que em todos estes aspectos a diabetes e a hemofilia se

diferenciam uma da outra.

Morrer em paz e em dignidade é o último e talvez mais importante direito do doente. Morrer assim é morrer a sua

própria e insubstituível morte, última oportunidade para o exercício da sua liberdade. Sempre que possível, deverá

ocorrer no ambiente familiar; mas há muitas circunstâncias em que, por razões médicas, familiares ou

socioeconómicas a morte poderá dar-se no hospital.

Infelizmente, muito frequentemente em condições desumanas, pelas condições de isolamento, abandono ou

envergonhada ocultação em que ocorre, como se a morte do doente representasse a derrota da medicina ou o

desprestígio da instituição. Há aqui, afigura-se-nos, uma enorme caminhada a fazer, mormente no ponto de vista

conceptual. É claro que não se poderá proporcionar condições para uma morte digna e em paz quando se não tenham

observado anteriores direitos do doente, tais como o de uma informação verdadeira e respeitosa, e se conheçam os

seus desejos e atitudes perante a morte.

Deveres tem-nos o doente também. Em primeiro lugar, o de respeitar quem o trata, até pela simples razão de que

exerce uma profissão marcada pelo espírito de solidariedade. Em princípio, é o seu aliado na luta contra a doença, a

pessoa competente em que deposita confiança e o advogado defensor dos seus direitos. Ver no pessoal de saúde umpotencial inimigo é de facto uma atitude perversa e profundamente negadora da relação interpessoal a estabelecer;

levada a extremos em certas sociedades, daqui resulta o espírito sistematicamente querelante do caçador de

indemnizações e a prática de uma medicina defensiva, que tão prejudiciais são à medicina.

Deve o doente ainda revelar toda a verdade a quem o interroga, depositar confiança em quem prova merecia, cumprir

as prescrições que livremente tenha aceite, fornecer toda a informação que lhe pareça relevante (mesmo quando não

solicitada), partilhar as suas inquietações e dúvidas, mas também as melhoras que vá experimentando. Se for dotado

de sabedoria, terá compreensão pelas humanas debilidades, omissões e enganos do técnico de saúde; se for

generoso, será mesmo capaz de Ihes perdoar.

Quando internado, o doente tem o dever de observar as regras e respeitar os usos existentes no hospital; e, sobretudo,

de manifestar solidariedade para com os outros doentes, não fazendo acepção nem excepção de pessoas, respeitando

o seu descanso, a sua loquacidade ou mutismo, as suas opções, opiniões e crenças. A terminar: são seguramente ideais muitas das situações acima esboçadas como decorrendo de uma convergência

sadia do exercício de direitos e da observância de deveres dos doentes.

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3. Quadro Legal Básico do Sistema de Saúde Português

3.1. Estrutura e Organização do Sistema de Saúde e do Serviço Nacional de Saúde

Celebrou-se, em 2009, o 30.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pela Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro,

foi instituída uma rede de órgãos e serviços prestadores de cuidados globais de saúde a toda a população, através da

qual o Estado salvaguarda o direito à protecção da saúde.

Surge, desta forma, a oportunidade de oferecer uma visão organizada e actualizada dos diplomas legais que já

nortearam e que organizam, hoje em dia, o sistema de saúde português.

 A organização dos serviços de saúde sofreu, através dos tempos, a influência dos conceitos religiosos, políticos e

sociais de cada época e foi-se concretizando para dar resposta ao aparecimento das doenças.

 Até à criação do SNS, a assistência médica competia às famílias, a instituições privadas e aos serviços médico-sociais

da Previdência.

1899 – O Dr. Ricardo Jorge inicia a organização dos serviços de saúde pública com o Decreto de 28 de Dezembro e oRegulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, de 24 de Dezembro de 1901. Regulamentada em

1901, a organização entra em vigor em 1903. A prestação de cuidados de saúde era então de índole privada, cabendo

ao Estado apenas a assistência aos pobres.

1945 – A publicação do decreto-lei n.º 35108, de 7 de Novembro de 1945, dá lugar à reforma sanitária de Trigo de

Negreiros (Subsecretário de Estado da Assistência e das Corporações do Ministério do Interior). É reconhecida assim a

debilidade da situação sanitária no país e a necessidade de uma resposta do Estado. São criados institutos

dedicados a problemas de saúde pública específicos, como a tuberculose e a saúde materna.

1946 – A Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, estabelece a organização dos serviços prestadores de cuidados de saúde

então existentes, lançando a base para uma rede hospitalar. Começa aqui um programa de construção de hospitaisque serão entregues às Misericórdias.

1958 – O Ministério da Saúde e da Assistência surge por via do decreto-lei n.º 41825, de 13 de Agosto. A tutela dos

serviços de saúde pública e os serviços de assistência pública deixam assim de pertencer ao Ministério do Interior.

1963  – A Lei n.º 2120, de 19 de Julho de 1963, promulga as bases da política de saúde e assistência. Atribui ao

Estado, entre outras competências, a organização e manutenção dos serviços que, pelo superior interesse nacional de

que se revistam ou pela sua complexidade, não possam ser entregues à iniciativa privada. Cabe ao Estado, também,

fomentar a criação de instituições particulares que se integrem nos princípios legais e ofereçam as condições morais,

financeiras e técnicas mínimas para a prossecução dos seus f ins, exercendo acção meramente supletiva em relação às

iniciativas e instituições particulares.

1968  –  Os hospitais e as carreiras da saúde (médicos, enfermeiros, administração e farmácia) são objecto de

uniformização e de regulação através do decreto-lei n.º 48357, de 27 de Abril de 1968, e do decreto-lei n.º 48358, de

27 de Abril de 1968, que criam, respectivamente, o Estatuto Hospitalar e o Regulamento Geral dos Hospitais.

1971 – Com a reforma do sistema de saúde e assistência conhecida como “reforma de Gonçalves Ferreira”, surge o

primeiro esboço de um Serviço Nacional de Saúde. No decreto-lei n.º 413/71, de 27 de Setembro, que promulga a

organização do Ministério da Saúde e Assistência, são explicitados princípios, como sejam o reconhecimento do direito

à saúde de todos os portugueses, cabendo ao Estado assegurar esse direito, através de uma política unitária de saúde

da responsabilidade do Ministério da Saúde, a integração de todas as actividades de saúde e assistência, com vista a

tirar melhor rendimento dos recursos utilizados, e ainda a noção de planeamento central e de descentralização na

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1982 - O decreto-lei n.º 254/82, de 29 de Junho, cria as administrações regionais de cuidados de saúde (ARS), que

sucedem às mal sucedidas administrações distritais dos serviços de saúde, criadas pelo decreto-lei n.º 488/75. O

decreto-lei n.º 357/82, de 6 de Setembro, concede ao Serviço Nacional de Saúde autonomia administrativa e

financeira. Considerando que a gestão dos recursos financeiros afectos ao sector da saúde exige coordenação e

distribuição adequada e, simultaneamente, agilidade nos processos de actuação, entende-se que o Serviço

Nacional de Saúde, como suporte de todas as actividades do sector, deve ser dotado de autonomia administrativa e

financeira. O Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde fica incumbido de gerir as verbas que lhe são

globalmente atribuídas.

No mesmo ano, a carreira médica de Clínica Geral surge por via do decreto-lei n.º 310/82, de 3 de Agosto, que regula

as carreiras médicas (de saúde pública, clínica geral e médica hospitalar). O médico de clínica geral é entendido como

o profissional habilitado para prestar cuidados primários a indivíduos, famílias e populações definidas, exercendo a sua

intervenção em termos de generalidade e continuidade dos cuidados, de personalização das relações com os

assistidos e de informação sóciomédica.

1983  – O decreto-lei n.º 344-A/83, de 25 de Julho, que aprova a Lei Orgânica do IX Governo Constitucional, cria oMinistério da Saúde. A autonomia é ditada pela importância do sector, pelo volume dos serviços, pelas infra-estruturas

que integra e pela importância que os cidadãos lhe reconhecem. O Despacho Normativo n.º 97/83, de 22 de Abril,

aprova o Regulamento dos Centros de Saúde, dando lugar aos “centros de saúde de segunda geração”. Os centros de 

saúde surgem como unidades integradas de saúde, tendo em conta os princípios informadores da regionalização e as

carreiras dos profissionais de saúde.

1984  – A criação da Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, através do decreto-lei n.º 74-C/84, de 2 de

Março, põe fim aos serviços médico-sociais da Previdência e marca a expansão do SNS. Torna-se o órgão central com

funções de orientação técnico-normativa, de direcção e de avaliação da actividade desenvolvida pelos órgãos e

serviços regionais, distritais e locais que intervêm na área dos cuidados de saúde primários. O clínico geral adquire o

estatuto de médico de família.

1986 - O decreto-lei n.º 57/86, de 20 de Março, regulamenta as condições de exercício do direito de acesso ao Serviço

Nacional de Saúde. O diploma visa estabelecer uma correcta e racional repartição dos encargos do Serviço Nacional

de Saúde, quer pelos chamados subsistemas de saúde, quer ainda por todas as entidades, de qualquer natureza, que,

por força da lei ou de contrato, sejam responsáveis pelo pagamento da assistência a determinados cidadãos.

Salvaguarda ainda que, porque os estabelecimentos oficiais não têm como objectivo a obtenção de qualquer lucro, os

preços a cobrar deverão aproximar-se, tanto quanto possível, dos custos reais. Prevê ainda taxas destinadas a

moderar a procura de cuidados de saúde, evitando assim a sua utilização para além do razoável.

1988  –  O decreto-lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, aprova a lei de gestão hospitalar, traduzindo as preocupações

decorrentes do aumento do peso das despesas de saúde no orçamento do Estado. Aqui se enfatiza a necessidade da

introdução de princípios de natureza empresarial, no quadro da integração da actividade hospitalar na economia do

País. E se a qualidade é o princípio maior da gestão hospitalar, a rentabilidade dos serviços torna-se um valor de peso

na administração. São disso exemplo a criação de planos anuais e plurianuais para os hospitais e a criação de centros

de responsabilidade como níveis intermédios da administração. Na sequência, o Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22

de Janeiro, vem introduzir alterações substanciais no domínio dos órgãos e do funcionamento global do hospital, bem

como quanto à estrutura dos serviços. Assim, e à semelhança do que decorre nos restantes países europeus, são

reforçadas as competências dos órgãos de gestão, são abandonadas as direcções de tipo colegial, os titulares dos

órgãos de gestão passam a ser designados pela tutela, desenha-se o perfil de gestor para o exercício da função de

chefe executivo, são introduzidos métodos de gestão empresarial e são reforçados e multiplicados os controlos de

natureza tutelar.

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1989 – Na 2.ª Revisão Constitucional, a alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º é objecto de alteração, estabelecendo que o

direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde “universal e geral e, tendo em conta

as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. Coloca-se assim a ênfase no princípio de

 justiça social e de racionalização dos recursos.

1990 – A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, aprova a Lei de Bases da Saúde. Pela primeira vez, a protecção da saúde é

perspectivada não só como um direito, mas também como uma responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade

e do Estado, em liberdade de procura e de prestação de cuidados. A promoção e a defesa da saúde pública são

efectuadas através da actividade do Estado e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil

ser associadas àquela actividade. Os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou,

sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos. Para a

efectivação do direito à protecção da saúde, o Estado actua através de serviços próprios, mas também celebra acordos

com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e fiscaliza a restante actividade privada na área da

saúde.

 A Base XXXIV prevê ainda que possam ser cobradas taxas moderadoras, com o objectivo de completar as medidasreguladoras do uso dos serviços de saúde. Destas taxas, que constituem receita do Serviço Nacional de Saúde, são

isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos. O decreto-lei n.º

73/90, de 6 de Março, aprova o regime das carreiras médicas. Os médicos, a par de outros técnicos de saúde, pelo

reconhecimento da sua preparação técnico-científica, especificidade e autonomia funcionais, passam a constituir um

corpo especial de funcionários. Nos regimes de trabalho, para além da fixação de uma duração semanal de trabalho

igual à da maioria dos funcionários, admite-se e motiva-se a prática do regime de dedicação exclusiva, sem

condicionamentos e com possível alargamento da duração semanal do trabalho. A formação médica pós-licenciatura e

pré-carreira deixa de integrar o diploma das carreiras.

1991  –  O decreto-lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, aprova o regime legal da carreira de enfermagem, visando

regulamentar o exercício da profissão, garantindo a salvaguarda dos direitos e normas deontológicas específicos e aprestação de cuidados de enfermagem de qualidade aos cidadãos. O diploma clarifica conceitos, caracteriza os

cuidados de enfermagem, especifica a competência dos profissionais legalmente habilitados a prestá-los e define a

responsabilidade, os direitos e os deveres dos mesmos.

1992 - O decreto-lei n.º 54/92, de 11 de Abril, estabelece o regime de taxas moderadoras para o acesso aos serviços

de urgência, às consultas e a meios complementares de diagnóstico e terapêutica em regime de ambulatório, bem

como as suas isenções. Afirma que as receitas arrecadadas com o pagamento parcial do custo dos actos médicos

constituirão receita do Serviço Nacional de Saúde, contribuindo para o aumento da eficiência e qualidade dos serviços

prestados a todos e, em especial, dos que são fornecidos gratuitamente aos mais desfavorecidos. O diploma

sublinha os princípios de justiça social que impõem que pessoas com maiores rendimentos e que não são doentes

crónicos ou de risco paguem parte da prestação dos cuidados de saúde de que sejam beneficiários, para que outros,

mais carenciados e desprotegidos, nada tenham de pagar.

O decreto-lei n.º 177/92, de 13 de Agosto, estabelece o regime de prestação de assistência médica no estrangeiro aos

beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, reduzindo o seu âmbito de aplicação à assistência médica de grande

especialização que, por falta de meios técnicos ou humanos, não possa ser prestada no País.

Excluem-se as propostas de deslocação ao estrangeiro que provenham de instituições privadas.

1993 – É publicado o novo estatuto do SNS através do decreto-lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, que procura superar a

incorrecta – do ponto de vista médico e organizativo – dicotomia entre cuidados primários e cuidados diferenciados. A

indivisibilidade da saúde e a necessidade de uma criteriosa gestão de recursos levam à criação de unidades integradas

de cuidados de saúde, viabilizando a articulação entre grupos personalizados de centros de saúde e hospitais.

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 As crescentes exigências das populações em termos de qualidade e de prontidão de resposta aos seus anseios e

necessidades sanitárias exigem que a gestão dos recursos se faça tão próximo quanto possível dos seus destinatários.

Daqui resulta a criação das regiões de saúde, dirigidas por administrações com competências e atribuições reforçadas.

 A flexibilidade na gestão de recursos impõe ainda a adopção de mecanismos especiais de mobilidade e de contratação

de pessoal, como o incentivo a métodos e práticas concorrenciais.

O decreto-lei n.º 335/93, de 29 de Setembro, aprova o Regulamento das Administrações Regionais de Saúde.

No mesmo ano, é criado o cartão de identificação do utente do Serviço Nacional de Saúde, pelo decreto-lei n.º 198/95,

de 29 de Julho.

1998 – O decreto-lei n.º 97/98, de 18 de Abril, estabelece o regime de celebração das convenções a que se refere a

base XLI da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde. Na senda da procura de soluções inovadoras que

permitam identificar ganhos em saúde e aumentar a satisfação dos utilizadores e dos profissionais, nasce, no mesmo

ano, o regime remuneratório experimental dos médicos da carreira de clínica geral, por via do decreto-lei n.º 117/98, de

5 de Maio. Procura-se consolidar e expandir as reformas da organização da prestação dos cuidados, através do

adequado e justo reconhecimento dos diferentes níveis, qualitativos e quantitativos, do desempenho dosprofissionais de saúde.

 A remuneração dos médicos abrangidos por este diploma integra uma remuneração base e componentes variáveis.

Estas correspondem à realização de cuidados domiciliários, ao alargamento do período de cobertura assistencial e à

realização das actividades de vigilância em relação aos grupos vulneráveis correspondentes à gravidez e puerpério,

criança no primeiro ano de vida e planeamento familiar na mulher em idade fértil.

No mesmo ano, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/98, de 4 de Dezembro, define um conjunto de medidas

para o desenvolvimento do ensino na área da saúde, entre as quais o reforço da aprendizagem tutorial na comunidade,

nos centros de saúde e nos hospitais, no quadro de uma reestruturação curricular dos cursos de licenciatura em

Medicina, a reorganização da rede de escolas superiores de enfermagem e de tecnologia da saúde, através da sua

passagem para a tutela do Ministério da Educação, e a reorganização da formação dos enfermeiros, com a

passagem da formação geral para o nível de licenciatura.

1999  – São estruturados os serviços de saúde pública, no âmbito dos quais se integra o exercício dos poderes de

autoridade de saúde enquanto poder-dever de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da

doença e na promoção da saúde. O decreto-lei n.º 286/99, de 27 de Julho, que estabelece a organização dos

serviços de saúde pública, dita que a implantação se opera a dois níveis: o regional e o local.

O decreto-lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, cria os centros de responsabilidade integrados (CRI) nos hospitais do

Serviço Nacional de Saúde. Os CRI constituem estruturas orgânicas de gestão intermédia, agrupando serviços e/ou

unidades funcionais homogéneos e ou afins. A desconcentração da tomada de decisão, do planeamento e do controlo

dos recursos visa introduzir a componente empresarial na gestão destas unidades. O objectivo consiste em aumentar a

eficiência e melhorar a acessibilidade, mediante um maior envolvimento e responsabilização dos profissionais

pela gestão dos recursos postos à sua disposição

 A 11 de Setembro do mesmo ano é publicado o Despacho Normativo n.º 61/99, que cria as agências de

contratualização dos serviços de saúde. Estas agências sucedem às agências de acompanhamento dos serviços de

saúde, criadas pelo Despacho Normativo n.º 46/97, vincando a distinção entre prestação e financiamento dos

cuidados de saúde. Às agências de contratualização cabe explicitar as necessidades de saúde e defender os

interesses dos cidadãos e da sociedade, com vista a assegurar a melhor utilização dos recursos públicos para a saúde

e a máxima eficiência e equidade nos cuidados de saúde a prestar.

Em 1999, é ainda estabelecido o regime dos Sistemas Locais de Saúde (SLS), através do decreto-lei n.º 156/99, de 10

de Maio. Trata-se de um conjunto de recursos articulados na base da complementaridade e organizados segundo

critérios geográfico-populacionais, que visam facilitar a participação social e que, em conjunto com os centros de saúde

e hospitais, pretendem promover a saúde e a racionalização da utilização dos recursos. Os SLS são constituídos pelos

centros de saúde, hospitais e outros serviços e instituições, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, com

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intervenção, directa ou indirecta, no domínio da saúde, numa determinada área geográfica de uma região de saúde.

É também estabelecido novo regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde, através do

decreto-lei n.º 157/99, de 10 de Maio. São criados assim os chamados “centros de saúde de terceira geração”, pessoas

colectivas de direito público, integradas no Serviço Nacional de Saúde e dotadas de autonomia

técnica, administrativa e financeira e património próprio, sob superintendência e tutela do Ministro da Saúde. Prevê-se

ainda a existência de associações de centros de saúde.

2002 – Com a aprovação do novo regime de gestão hospitalar, pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, introduzem-se

modificações profundas na Lei de Bases da Saúde.

 Acolhe-se e define-se um novo modelo de gestão hospitalar, aplicável aos estabelecimentos hospitalares que integram

a rede de prestação de cuidados de saúde e dá-se expressão institucional a modelos de gestão de tipo empresarial

(EPE).

O decreto-lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro, já havia aprovado nova forma de designação dos órgãos de direcção

técnica dos estabelecimentos hospitalares e dos centros de saúde, alterado a composição dos conselhos técnicos dos

hospitais e flexibilizado a contratação de bens e serviços pelos hospitais.

2003 – O decreto-lei n.º 60/2003, de 1 de Abril, cria a rede de cuidados de saúde primários. Para além de continuar a

garantir a sua missão específica tradicional de providenciar cuidados de saúde abrangentes aos cidadãos, a rede deve

também constituir-se e assumir-se, em articulação permanente com os cuidados de saúde ou hospitalares e os

cuidados de saúde continuados, como um parceiro fundamental na promoção da saúde e na prevenção da doença.

Esta nova rede assume-se, igualmente, como um elemento determinante na gestão dos problemas de saúde,

agudos e crónicos. Traduz a necessidade de uma nova rede integrada de serviços de saúde, onde, para além do papel

fundamental do Estado, possam co-existir entidades de natureza privada e social, orientadas para as necessidades

concretas dos cidadãos. Volvidos dois anos, este diploma será revogado, sendo repristinado o decreto-lei n.º 157/99,

de 10 de Maio.

 Através do decreto-lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, surgem as taxas moderadoras, com o objectivo de moderar,racionalizar e regular o acesso à prestação de cuidados de saúde, reforçando o princípio de justiça social no Sistema

Nacional de Saúde.

No mesmo ano, nasce a Entidade Reguladora da Saúde, por via do decreto-lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro.

Traduz-se, desta maneira, a separação da função do Estado como regulador e supervisor, em relação às suas funções

de operador e de financiador.

2006 – O decreto-lei n.º 101/2006, de 6 de Junho, cria a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, visando

dar resposta ao progressivo envelhecimento da população, ao aumento da esperança média de vida e à crescente

prevalência de pessoas com doenças crónicas incapacitantes.

2007 – Surgem as primeiras unidades de saúde familiar, dando corpo à reforma dos cuidados de saúde primários. O

decreto-lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento destas

unidades e o regime de incentivos a atribuir aos seus elementos, com o objectivo de obter ganhos em saúde,

através da aposta na acessibilidade, na continuidade e na globalidade dos cuidados prestados.

2008  –  Assiste-se a mais um passo importante na reforma dos cuidados de saúde primários, com a criação dos

agrupamentos de centros de saúde do SNS, através do decreto-lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro. O objectivo

consiste em dar estabilidade à organização da prestação de cuidados de saúde primários, permitindo uma gestão

rigorosa e equilibrada e a melhoria no acesso aos cuidados de saúde.

2009 - O decreto-lei n.º 81/2009, de 2 de Abril, reestrutura a organização dos serviços operativos de saúde pública a

nível regional e local, articulando com a organização das administrações regionais de saúde e dos agrupamentos de

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centros de saúde. No horizonte está a modificação do perfil de saúde e doença das populações verificada nas últimas

décadas, devido à evolução das condições ambientais planetárias, às alterações dos estilos de vida e à globalização,

entre outros.

3.2. Enquadramento Legal das Unidades Privadas prestadoras de Cuidados de Saúde

Entende-se por unidades privadas de saúde os estabelecimentos não integrados no Serviço Regional de Saúde que

tenham por objecto a prestação de quaisquer cuidados ou serviços de saúde, designadamente no âmbito do

internamento, diagnóstico, terapêutica, prevenção e serviços de enfermagem.

Em Portugal, o sector hospitalar público constitui a principal rede de prestação de cuidados de saúde, absorvendo a

fatia mais importante do financiamento público do Serviço Nacional de Saúde e contribuindo, assim, com a factura

mais significativa da despesa pública em saúde.

 À semelhança de outros países europeus, os sucessivos governos procuraram desenvolver iniciativas reformistas,

tendo em vista conferir maior eficiência, autonomia e responsabilidade às unidades hospitalares com o propósito mais

amplo de melhorar a performance do universo dos hospitais públicos, quer na óptica da obtenção de ganhos crescidosde saúde, quer na perspectiva da melhor utilização dos fundos atribuídos ao sector, controlando o crescimento dos

gastos públicos.

Desde o início dos anos 90, ao abrigo da Lei de Bases da Saúde e do Estatuto do SNS, foram tomadas várias

iniciativas reformistas com incidência no sector hospitalar, mas na viragem da década (e do século) cresceu o

reconhecimento geral de que as medidas até então equacionadas eram marcadas pelo excesso de timidez e

evidenciavam um alcance prático relativamente limitado. Com efeito, no sector hospitalar as experiências inovadoras

de gestão e de financiamento não chegaram a ganhar suficiente expressão e “massa crítica” para conseguirem gerar

os necessários efeitos estruturantes e de difusão e, consequentemente, operarem a mudança do panorama do sector.

Neste contexto, perante o reconhecido défice de implementação de medidas robustas de reforma, com a realização

das eleições legislativas de 2002, em matéria de política pública de saúde, assistiu-se à convergência dos programas

políticos dos três principais partidos com representação parlamentar. As propostas políticas convergiam nanecessidade de introduzir um novo impulso reformista no sentido de revitalizar e modernizar o SNS, conferindo-lhe

maior eficiência e sustentabilidade financeira e aumentando a sua produtividade, performance e eficácia, em termos de

ganhos de saúde.

De seguida apresenta-se uma listagem dos principais itens juridico –legais publicados, no âmbito de Parcerias Público-

Privadas:

decreto-lei n.º 505/99, de 20 de Novembro

Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício da actividade das Unidades Privadas de Diálise

decreto-lei n.º 500/99, de 19 de Novembro

Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício da actividade das Clínicas de Medicina Física e de

Reabilitação

decreto-lei n.º 97/98, de 18 de Abril

Regime Jurídico das Convenções

decreto-lei n.º 13/93, de 15 de Janeiro

Criação e Fiscalização das Unidades Privadas de Saúde

Decreto de Rectificação n.º 41/93, de 31 de Março

Rectificação do decreto-lei n.º 13/93

decreto-lei 240/2000, de 26 de Setembro

 Alteração ao decreto-lei n.º 492/99

decreto-lei n.º 217/99 , de 15 de JunhoRegime do Licenciamento e Fiscalização dos Laboratórios Privados

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decreto-lei n.º 111/2004, de 12 de Maio

 Alteração ao decreto-lei n.º 217/98

decreto-lei 241/2000, de 26 de Setembro

1.ª Alteração ao decreto-lei n.º 505/99decreto-lei n.º 16/99, de 25 de Janeiro

Regime Jurídico do Licenciamento das Unidades Privadas de Saúde da área da Toxicodependência

decreto-lei n.º 492/99, de 17 de Novembro

Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício das actividades das Unidades de Saúde Privadas que

utilizem Radiações e Ionizantes

decreto-lei n.º 176/2001, de 1 de Junho

2.ª Alteração ao decreto-lei n.º 505/99

Despacho n.º 14931/2001, de 24 de Maio

Manual de Boas Práticas de Diálise

decreto-lei n.º 233/2001, de 25 de Agosto

Regime de Licenciamento e Fiscalização das Clínicas e dos Consultórios dentários

Portaria n.º 268/2010, de 12 de Maio

Estabelece os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas

para o exercício da actividade das clínicas e consultórios dentários

Decreto Regulamentar n.º 63/94, de 2 de Novembro

Requisitos relativos a instalações, organização e funcionamento das unidades privadas

Despacho n.º 399/2009, de 7 de Janeiro

 Aprovação do Manual de Boas Práticas Laboratoriais de Anatomia Patológica (MBPLAP)

decreto-lei n.º 13/2009, de 12 de Janeiro

Estabelecimento das condições e dos requisitos para que os estabelecimentos e serviços prestadores de cuidados de

saúde, públicos e privados, independentemente da sua natureza jurídica, dispensem medicamentos para tratamento no

período pós-operatório de situações de cirurgia de ambulatório.

decreto-lei n.º 279/2009, de 6 de Outubro

Estabelecimento do regime jurídico a que ficam sujeitos a abertura, a modificação e o funcionamento das unidades

privadas de serviços de saúde

Despacho n.º 7001/2002, de 4 de Abril

Clausulado-tipo da convenção para a prestação de cuidados de saúde na área da Diálise

Despacho n.º 4325/2008, de 19 de Fevereiro

Revisão do clausulado-tipo da Convenção para a Prestação de Cuidados de Saúde na Área da Diálise

Despacho n.º 4652/2010, de 16 de Março

 Alteração às cláusulas 5.ª e 14.ª do clausulado tipo aprovado pelo despacho n.º 7001/2002, do Secretário de Estado da

Saúde, de 7 de Março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 79, de 4 de Abril de 2002, alterado e republicadopelo despacho n.º 4325/2008, do Secretário de Estado da Saúde, de 18 de Janeiro, publicado no Diário da República,

2.ª série, n.º 35, de 19 de Fevereiro de 2008

Portaria n.º 615/2010, de 03 de Agosto

Estabelecimento dos requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações

técnicas para o exercício da actividade das unidades privadas que tenham por objecto a prestação de serviços médicos

e de enfermagem em obstetrícia e neonatologia.

Portaria n.º 801/2010, de 23 de Agosto

Estabelecimento dos requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações

técnicas das unidades privadas de serviços de saúde onde se exerça a prática de enfermagem.

Portaria n.º 1056-A/2010, de 14 de Outubro

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Primeira alteração à Portaria n.º 801/2010, de 23 de Agosto, que estabelece os requisitos mínimos relativos à

organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas das unidades privadas de serviços de saúde

onde se exerça a prática de enfermagem

Portaria n.º 1212/2010, de 30 de NovembroEstabelece os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas

para o exercício da actividade das unidades privadas de medicina física e de reabilitação que prossigam actividades de

diagnóstico, terapêutica e de reinserção familiar e sócio - profissional.

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4. Enquadramento Legal dos Contratos no Sistema Nacional de Saúde

4.1. Contratualização e Tipos de Contratos em Saúde

Com a desproporção existente entre a necessidade crescente da prestação de cuidados de saúde aos cidadãos e a

escassez ou limitação dos recursos disponíveis no sector público para lhes dar satisfação, desde a década de 80 que o

SNS, inicialmente através da Direcção Geral de Saúde e posteriormente através das Administrações Regionais de

Saúde recorre sistematicamente através de contratação a capacidade produtiva privada para a prestação de cuidados

de saúde.

Esta solução permite superar essa situação de insuficiência e limitação de recursos no sector público, sobretudo no

que respeita a meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

 A contratação de prestação de cuidados de saúde entre o SNS e os operadores privados traz assim claras vantagens

aos utentes ao permitir um aumento das hipóteses de escolha, bem como um acesso a um leque mais variado de

serviços prestadores de cuidados de saúde.

Neste sentido, os utentes são os primeiros beneficiários de um sistema que funcione em respeito de adequados níveisde eficiência e qualidade e em que seja garantida uma ampla e eficaz cobertura de todo o território nacional em

recursos humanos e unidades de saúde, quer sejam elas públicas ou não públicas.

Seria muito penoso estar a descrever e avaliar os conceitos e princípios gerais da contratualização, bem como os t ipos

de contratos existentes. Para uma melhor e pormenorizada informação, convido o aluno a observar o Anexo referente

ao assunto em questão. Tal documento, realizado pela Entidade Reguladora de Saúde, apresenta, enquadra e avalia

todo este conteúdo.

4.2. Lei da Responsabilidade Extracontratual do Estado

4.2.1. Noção, origens, evolução recente

O conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de sujeição às consequências de um comportamento.

Trata-se de um conceito de base ética, que remete originariamente para uma relação causal entre a adopção

consciente e voluntária de um comportamento lesivo de valores socialmente relevantes  – e, por isso, merecedores de

protecção – e as consequências reprováveis resultantes de tal comportamento. Naturalmente que, sendo o direito um

sistema de ordenação de relações entre pessoas, tais consequências, para lá da censurabilidade, hão de se ter

repercutido negativamente na esfera jurídica de alguém que não o seu próprio autor.

Consoante a natureza e a importância dos valores lesados pelo comportamento, podem conceber-se várias espécies

de responsabilidade:

— a responsabilidade criminal ou penal, consequência da prática de um crime, uma conduta muito grave, por pôr em

causa valores decisivos da vida em sociedade;

— a responsabilidade disciplinar, resultante de um ilícito desta natureza;

— a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um prejuízo causado alguém.

 A responsabilidade que aqui nos interessa integra-se no âmbito desta última: é a responsabilidade civil extracontratual,

isto é, a obrigação que recai sobre uma entidade envolvida em actividade de natureza pública que tiver causado

prejuízos aos particulares (fora do contexto de uma relação contratual, evidentemente).

 A ideia de responsabilizar o Estado pelos seus actos  – isto é, de o obrigar a suportar as consequências destes  – era

desconhecida antes de inícios do século XIX: a manifestação da vontade do soberano não podia gerar qualquer

obrigação de indemnizar, uma vez que the king can do no wrong . A indemnização a particulares lesados por acto do

poder não estava excluída, mas dependia da boa vontade (de uma graça ou mercê) do soberano.

Foram três os principais factores que determinaram a evolução no sentido da responsabilização do Estado:

a) A consolidação e aprofundamento do princípio da legalidade;

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b) Os reflexos das concepções organicistas no enquadramento jurídico da relação entre o Estado e o funcionário, que

acarretaram a susceptibilidade de imputação aos entes públicos dos danos emergentes dos actos ilegais

materialmente praticados pelos seus funcionários, solução mais adequada à necessidade de garantir efectivamente o

regular exercício do poder público;

c) O alargamento da intervenção económica, social e cultural do Estado.

Note-se, ainda, que durante muito tempo se considerou que somente os actos praticados no exercício da função

administrativa poderiam gerar responsabilidade do Estado; quanto aos actos legislativos e aos actos do poder judicial,

estes seriam insusceptíveis de tal consequência. Esta era a opinião jurídica dominante entre nós, até há poucos anos.

De resto, não obstante o entendimento maioritário na doutrina de que a Constituição já funda suficientemente tal

direito, foi preciso esperar até ao novo regime legal para que o legislador ordinário reconhecesse expressamente, como

princípio de âmbito geral, o direito à reparação pelo Estado dos prejuízos causados por actos legislativos e

 jurisdicionais.

 Até há bem pouco tempo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado era regulada pelo decreto-lei n.º 48051, de

21 de Novembro de 1967, publicado na sequência do Código Civil. Complementando este código, que dispunha, no

artigo 501º, sobre a chamada responsabilidade civil por actos de gestão privada  – isto é, aqueles comportamentos emque a Administração Pública actua despojada dos seus poderes de autoridade e que são enquadrados por normas de

direito privado –, aquele diploma legal veio regular a responsabilidade do Estado por actos de gestão pública  – isto é,

emergente de condutas autoritárias da Administração Pública, adoptadas sob a égide de regras e princípios de direito

administrativo. A distinção de regime substantivo reflectia-se no plano adjectivo, isto é, na determinação da jurisdição

competente para o julgamento das acções de responsabilidade  –  a comum, no primeiro caso, a administrativa, no

segundo.

Já há muito que a doutrina debatia a necessidade de rever o velho regime legal. Tal revisão, ganhou, de resto, maior

urgência com a entrada em vigor do novo ETAF e do CPTA, diplomas que concretizaram a Reforma de Justiça

 Administrativa de 2002. Na verdade, por força desta, a jurisdição administrativa passou a ser competente para toda e

qualquer acção de responsabilidade a propor contra o Estado e outras entidades públicas, trate-se de actos de gestão

pública ou de gestão privada, distinção que a lei processual já não reconhece (cfr. alíneas h) e i) do n.º1 do artigo 4.ºdo ETAF).

Nos finais da década de 90, uma comissão de juristas prestigiados, constituída no âmbito da Ordem dos Advogados,

havia preparado um projecto de diploma destinado a substituir o velho decreto-lei n.º48051. Posteriormente, o XIV

Governo Constitucional aprovara, na reunião do Conselho de Ministros de 21 de Junho de 2001, a Proposta n.º 95/VIII,

que foi divulgada e chegou a ser objecto de debate público.

 Ao contrário da Reforma da Justiça Administrativa, que seguiria o seu curso e culminaria em 2002, a revisão do regime

da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas atolou-se num pântano de indecisões e

receios. Duas vezes aprovada, na generalidade, na Assembleia da República, por duas vezes sucumbiria ingloriamente

em resultado de dissoluções do parlamento. Dizia-se, até, que dava azar aos governos, que não sobreviviam à

tentativa de a concretizar.

Foi o XVII Governo Constitucional que a concluiu e fez aprovar na Assembleia da República. Estranhamente  –  ou

talvez não, consideradas as resistências que a responsabilização dos poderes públicos ainda encontra nalguns

espíritos mais “napoleónicos” – o diploma, que conseguiu a unanimidade dos partidos parlamentares, foi objecto das

dúvidas do Presidente da República, que recusou a sua promulgação, devolvendo-o ao parlamento. Este viria,

naturalmente, a confirmá-lo.

Trata-se da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprova em anexo o Regime da Responsabilidade Civil

Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. Este regime já conheceu uma alteração, constante da Lei n.º

31/2008, de 17 de Julho.

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4.2.2. Âmbito de aplicação

 A primeira observação que a nova lei justifica tem, precisamente, a ver com o seu âmbito material: ao contrário do

diploma anterior, o novo regime legal aplica-se à responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos das funções

administrativa, legislativa e judicial (cfr. artigo 1.º, n.º1).

Trata-se, de uma importantíssima inovação, tardia mas essencial ao aprofundamento da qualidade do Estado de

direito. Não está em causa que as responsabilidades do Estado-legislador e do Estado-juiz devam ser apuradas

mediante a aplicação de princípios e regras que não são, nem podem ser, totalmente idênticos às do Estado-

administrador. Muito menos se contesta que o apuramento daquelas responsabilidades se deva necessariamente

revestir da mais cuidadosa ponderação, em domínios em que a imprudência pode ser fatal ao bem que se pretende

preservar.

O que está em causa é a ideia fundamental de que nada do que acontece em nome do Estado e no suposto interesse

da colectividade, mediante as acções ou omissões das suas instituições, pode ser imune ao dever de reparar os danos

provocados aos particulares. Podem discutir-se as condutas relevantes, os danos ressarcíveis, as circunstâncias, a

profundidade, as condições e os limites da reparação; mas o que não pode, em nosso entender, é discutir-se oprincípio.

Recomenda-se o aluno a observar os Anexos respectivos sobre a Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do

Estado.

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5. Segurança do Doente e Gestão de Risco em Osteopatia

Para um entendimento ideal de como funciona a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente pela

organização Mundial de Saúde, é necessário conhecer duas definições que são centrais: o conceito de Segurança do

Paciente e o conceito de Incidente.

Segurança do Paciente

Segundo o documento da OMS, Segurança do Paciente é a redução do risco de danos desnecessários associados à

assistência em saúde até um mínimo aceitável. O “mínimo aceitável” se refere àquilo que é viável diante do

conhecimento actual, dos recursos disponíveis e do contexto em que a assistência foi realizada frente ao risco de não-

tratamento, ou outro tratamento. Complementando este conceito, a segurança do paciente não é nada mais que a

redução de actos inseguros nos processos assistenciais e uso das melhoras práticas descritas de forma a alcançar os

melhores resultados possíveis para o paciente.

IncidentesOs Incidentes são eventos ou circunstâncias que poderiam resultar, ou resultaram, em dano desnecessário ao

paciente. O uso do termo "desnecessário" nesta definição é por se reconhecer que erros, violações, maus-tratos e

actos deliberadamente inseguros ocorrem na assistência em saúde. Tudo isso é considerado incidente. Incidentes

acontecem em decorrência de actos involuntários ou planeados. Erros são, por definição, não intencionais, enquanto

que violações são geralmente intencionais ou eventualmente até mal intencionadas, e poderão tornar-se rotineiras e

automáticas em certos contextos. Um erro é uma falha para realizar uma acção planeada da forma como deveria

acontecer ou a realização incorrecta de um plano. Erros podem se manifestar quando se faz algo errado (erro por

comissão, que é activo), ou quando não se faz a coisa certa (erro por omissão, que é passivo), tanto no passo do

planejamento quanto na fase de execução. Uma violação é um desvio deliberado a partir de um procedimento, norma

ou regra. Tanto os erros quanto as violações aumentam os riscos, mesmo que um incidente não ocorra. Importante

saber que risco é a probabilidade de um incidente ocorrer.

O acesso aos cuidados de saúde de alta qualidade é um direito humano essencial, reconhecido e valorizado pela

União Europeia, as suas instituições e os cidadãos da Europa. Neste sentido, os doentes têm o direito de esperar que

sejam efectuados todos os esforços para assegurar a sua segurança enquanto utilizadores de qualquer serviço de

saúde.

O sector da saúde é uma área de alto risco, uma vez que os eventos adversos, decorrentes do tratamento e não da

doença, podem levar à morte, a danos graves, a complicações e ao sofrimento do doente. Ainda que muitos hospitais e

muitas instalações de saúde apliquem procedimentos para assegurar a segurança do doente, o sector dos cuidados de

saúde está ainda atrás de outras indústrias e outros serviços que já introduziram processos sistemáticos de segurança.

Várias investigações, conduzidas no mundo inteiro, sublinharam a necessidade e a possibilidade de reduzir o número

de eventos adversos no sector da saúde.

Os dados actuais mostram que quase metade da totalidade de eventos adversos evitáveis é consequência de erros de

medicação.

Neste sentido, terão de ser introduzidos instrumentos destinados à redução do número e das consequências dos

eventos adversos. O sector da saúde deverá ser concebido de maneira a que os erros e os eventos adversos sejam

prevenidos, detectados e limitados, de forma a que os erros graves possam ser evitados e seja melhorada a

conformidade com os procedimentos de segurança.

Como resultado do trabalho feito neste campo por vários intervenientes e várias instituições, assim como das provas

reunidas, tornou-se agora claro que o primeiro passo a ser dado deverá ser no sentido de estabelecer uma cultura de

segurança do doente que atravesse todo o sistema de saúde. A gestão do risco terá de ser introduzida como um

instrumento de rotina no seio da gestão de todo o sector da saúde. Uma condição prévia para a gestão do risco é um

ambiente de trabalho aberto e onde reine a confiança, com uma cultura que se concentre na aprendizagem a partir de

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situações nas quais quase ocorreram falhas, bem como a partir de eventos adversos, ao invés de se concentrar na

“culpa e vergonha” e nas punições daí decorrentes. 

Os danos infligidos aos doentes pelo sector da saúde constituem um fardo pesado para a sociedade. Por conseguinte,

o investimento na segurança do doente tem o potencial de gerar poupanças nos gastos, associadas a um benefício

óbvio para os doentes.

O destaque para a segurança do doente leva a poupanças no tratamento de doentes expostos a eventos adversos

e à consequente utilização melhorada dos recursos financeiros. Além disto, conseguem-se poupanças em custos de

administração associados a queixas e pedidos de indemnização. Mais importante ainda, a segurança do doente

contribui para uma melhoria na qualidade de vida. Para conseguir atingir este objectivo, a cultura da segurança poderá

ser melhorada significativamente de diversas formas.

 À luz do que foi dito acima, a Declaração produzida no final da Conferência Europeia “Segurança do Doente – Torná-la

uma realidade!”, realizada em 4 e 5 de Abril de 2005 em Luxemburgo-Kirchberg, recomenda que a “Segurança do

Doente” ocupe um lugar significativo e bem posicionado na agenda da UE, a nível nacion al em cada um dos estados-

membros da UE e localmente no sector dos cuidados de saúde.

 A conferência recomenda às instituições da UE que:

• estabeleçam um fórum da UE com a participação dos responsáveis interessados para discutir as actividades  

europeias e nacionais relativas à segurança do doente;

• trabalhem em conjunto com a Aliança da OMS no sentido de obterem um entendimento comum no que respeita às

questões da segurança do doente, e estabeleçam um ‘banco de soluções da UE’ com exemplos e padrões da ‘m elhor

prática’; 

• criem a possibilidade de existirem mecanismos de apoio às iniciativas nacionais relativas aos projectos de segurança

do doente, reconhecendo que a segurança do doente faz parte do programa da DG Saúde e Protecção do

Consumidor;

• assegurem que as normas da UE, no que respeita a materiais médicos e serviços relacionados, sejam concebidas

tendo em mente a segurança do doente;• encorajem o desenvolvimento de padrões internacionais para a segurança e para o desempenho da tecnologia

médica;

• assegurem que o enquadramento normativo proteja a privacidade e a confidencialidade dos registos dos doentes,

tendo em vista o melhor interesse dos mesmos, bem como que as informações relevantes sobre o doente estejam

facilmente acessíveis aos profissionais de saúde.

 A conferência recomenda às autoridades nacionais que:

• disponibilizem aos doentes o acesso livre e integral às suas informações pessoais de saúde, e assegurem a 

exactidão dos dados e que os doentes compreendam o seu tratamento inteiramente. Reconhece-se que os

‘doentes informados’ estão bem posicionados para salvaguardar a sua própria saúde; 

• considerem os benefícios de sistemas nacionais voluntários de elaboração de relatórios de adventos adversos e de

situações nas quais quase ocorreram falhas;

• trabalhem no sentido da introdução de rotinas de gestão do risco, por exemplo, ao desenvolver orientações e

indicadores como parte do sistema de controlo de qualidade no sector dos cuidados de saúde;

• optimizem a utilização de novas tecnologias, por exemplo, através da introdução de registos electrónicos dos

doentes. Estes registos incluiriam o perfil médico pessoal e os programas de apoio à tomada de decisões para os

profissionais de saúde com vista à redução de erros médicos e ao aumento das taxas de conformidade;

• estabeleçam fóruns nacionais, com a participação dos responsáveis interessados, para discutir a segurança do

doente e as actividades nacionais;

• salvaguardem as condições de trabalho para todas as profissões da saúde e assegurem que as  normas

de recrutamento e retenção se relacionem com a segurança do doente;

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• reconheçam e apoiem a formação para o utilizador disponibilizada pelos fabricantes de dispositivos, ferramentas e

equipamentos médicos, assegurando assim a utilização segura das novas tecnologias médicas e técnicas cirúrgicas;

• incluam a segurança do doente no treino normal dos profissionais de saúde, combinada com métodos e

procedimentos integrados que estejam imbuídos numa cultura de aprendizagem e melhoramento contínuos;

• assegurem que o enquadramento normativo nacional proteja a privacidade e a confidencialidade dos registos dos

doentes no melhor interesse dos mesmos, e que as informações relevantes sobre os doentes estejam facilmente

acessíveis aos profissionais de saúde;

• criem uma cultura que se concentre na aprendizagem a partir de situações nas quais quase ocorreram falhas, bem

como a partir de adventos adversos, ao invés de se concentrar na “culpa e vergonha” e nas punições daí decorrentes. 

 A conferência recomenda aos prestadores de cuidados de saúde que:

• facilitem uma abordagem de colaboração nos cuidados entre os profissionais de saúde e os prestadores de cuidados

de saúde, com o objectivo de melhorar a segurança do doente;

• implementem, no local de trabalho, pr ojectos que se concentrem na segurança do doente e que estabeleçam uma

cultura aberta, de maneira a conseguir lidar com os erros e com as omissões de forma mais eficiente;• iniciem uma cooperação entre doentes / familiares e profissionais de saúde de maneira a que os doentes/ familiares

estejam a par de situações nas quais quase ocorreram falhas, bem como de adventos adversos.

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6. Protecção e Confidencialidade da Informação Pessoal e de Saúde

 A protecção dos direitos fundamentais, especialmente do direito à intimidade, se encontra ameaçada diante do alto

nível de desenvolvimento tecnológico que vivificamos actualmente. Esse não é um problema isolado, que possa ser

tratado especificamente dentro os limites territoriais de determinado Estado ou País. É motivo de preocupação global

que atinge todos os países, de modo que a regulamentação dos bancos de dados funcionar também num âmbito

internacional.

 A troca de informações e de dados é uma necessidade da sociedade contemporânea. É, portanto, torna-se imperioso

resguardar, evidentemente que de forma compatível com o contexto actual, os direitos fundamentais sujeitos a violação

devido às invasões aos bancos de dados, que podem atingir um dos mais importantes desdobramentos do direito à

personalidade: o direito de estar só, de ser deixado em paz.

Os dados sensíveis, por sua natureza eminentemente pessoal, necessitam de protecção especial, uma vez que sua

inserção indevida na chamada “sociedade da informação”, pode não apenas infringir o direito à intimidade, como

também ofender o princípio da isonomia.

Os dados médicos fazem parte do grupo dos dados sensíveis, e, por essa exacta razão, o seu tratamentoautomatizado deve ser realizado de forma extremamente cuidadosa, bem como a sua protecção, mais do que de

qualquer outro dado, deve ser amplamente garantida. Na área da saúde, a informatização precisa ser bem planeada,

para que a utilização dos registos médicos sirva para melhorar o sistema de saúde, e não de forma a abrir margem

para o uso indevido dos dados, configurando a violação da intimidade do indivíduo.

 Apresentam-se em anexo as principais tomadas legais sobre esta problemática:

Protecção de dados pessoais:

· Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.

Informação genética pessoal e informação de saúde:

· Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro.

 Acesso aos documentos administrativos e sua reutilização:· Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto.

Criminalidade informática:

· Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.

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7. Bibliografia

Daniel Serrão, Rui Nunes, 1998

Ética em Cuidados de Saúde

Porto Editora

J. Pinto da Costa, 1996

Responsabilidade Médica

Felício & Cabral – Publicações

L. Archer, J. Biscaia, W. Osswald, 1996

Bioética

Editorial Verbo

L. Archer, J. Biscaia, W. Osswald, M. Renaud, 2001Novos Desafios à Bioética

Porto Editora

M. Alberto Borges de Sousa, 1998

Tese de Mestrado

Medicinas Complementares e o seu Desenvolvimento no Contexto Económico e Social:

Importância do Enquadramento destas Medicinas no Serviço Nacional de Saúde Português

Edição Intituto de Técnicas de Saúde

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8. Webgrafia

Centro de Estudos de Bioética

http://www.ceb.com.pt/

Direcção Geral da Saúde

http://www.dgs.pt/

Entidade Reguladora da Saúde

http://www.ers.pt/

Federação Portuguesa de Osteopatas

http://www.fposteopatas.pt/

Forum for Osteopathic Regulation in Europehttp://www.forewards.eu

Organização Mundial da Saúde

http://www.who.int/

Organização Mundial de Saúde Osteopatica

http://www.woho.org

Osteopatia em Portugal

http://www.osteopatiaemportugal.com.pt/

Portal da Saúde

http://www.portaldasaude.pt/

Portal de Saúde Pública

http://www.saudepublica.web.pt/

Portal da Saúde da União Europeia

http://ec.europa.eu/health-eu/index_pt.htm

Secretaria Geral do Ministério da Saúde

http://www.sg.min-saude.pt/

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9. Anexos  – Lista de Anexos 

AnexosAnexo I Código de Nuremberg

Anexo II Declaração Universal dos Direitos Humanos

Anexo III Comissões de Ética do Sistema de Saúde

Anexo IV Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto

Anexo V Código Penal Português

Anexo VI Constituição da República Portuguesa

Anexo VII Lei Orgânica do Ministério da Saúde

Anexo VIII Lei de Bases da Saúde

Anexo IX Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes

Anexo X  Avaliação do Modelo de Celebração de Convenções pelo SNS

Anexo XI Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

Anexo XII Lei 67/98

Anexo XIII Lei 12/2005

Anexo XIV Lei 46/2007

Anexo XV Lei 109-1991