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Curso de Terapias Manipulativas e OsteopáticasMódulo III
Paulo A. C. de Vasconcelos
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Índice página
Introdução 4
1. Conceitos e Princípios 5
1.1. Princípios biológicos 5
1.1.1. Origens Históricas 5
1.1.1.1. Experimentação Abusiva em Seres Humanos 6
1.1.1.2. O aparecimento de novas tecnologias 7
1.1.1.3. A Noção da incapacidade das Referências ticas Tradicionais 8
1.1.2. Origens Científicas 8
1.1.3. Campos de Acção e propriedades específicas da Bioética 10
1.1.3.1. Campos não Médicos 10
1.1.3.2. rea Social 11
1.1.3.3. Transversalidade 11
1.1.3.4. A intervenção pública 12
1.1.3.5. Concordância Internacional 12
1.1.3.6. A participação das Igrejas Cristãs 14
1.1.3.7. Conclusão 15
1.2. Princípios éticos 15
1.2.1. tica e Moral 15
1.2.2. Direito e Ética 17
1.2.3. Os Princípios de Autonomia, Beneficência, Não Maleficência e Justiça 19
1.2.3.1. Princípio de Autonomia (PA) 20
1.2.3.2. Princípio de Não Maleficência (PNM) 21
1.2.3.3. Princípio de Beneficência 21
1.2.3.4. Princípio de Justiça 22
1.2.3.5. Conclusões 23
2. Dimensão pessoal da bioética 24
2.1. A Pessoa como ser Humano Livre 24
2.1.1. Consentimento Informado 24
2.1.2. Risco em recusa de tratamento 25
2.1.3. Tecnologias de Alto Risco 26
2.2. Autonomia da Pessoa e a Protecção da sua Privacidade 27
2.2.1. Responsabilidade dos Técnicos de Saúde 27
2.2.1.1. Argumentação Filosófica 272.2.1.2. Direito 27
2.2.1.2.1. A Missão da Federação Portuguesa de Osteopatas 27
2.2.1.2.2. Responsabilidade em Osteopatia 29
2.2.1.2.3. Responsabilidade Disciplinar 29
2.2.1.2.4. Responsabilidade Civil 29
2.2.1.2.5. Responsabilidade Criminal 30
2.2.2. Segredo Médico 30
2.2.3. O sigilo médico no direito português 31
2.2.3.1. No Direito Constitucional 31
2.2.3.2. Na Legislação de direito da saúde 32
2.2.3.2.1. Lei de Bases da Saúde 322.2.3.2.2. Nas Cartas de Direitos dos Pacientes 32
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Índice (cont.) página
2.2.3.3. No Direito Penal 32
2.2.3.4. No Direito Civil 34
2.2.3.5. Nas Terapias não convencionais 34
2.2.4. Direitos e Deveres do Doente 34
3. Quadro Legal Básico do Sistema de Saúde Português 38
3.1. Estrutura e Organização do Sistema de Saúde e do Serviço Nacional de Saúde 38
3.2. Enquadramento Legal das Unidades Privadas prestadoras de Cuidados de Saúde 44
4. Enquadramento Legal dos Contratos no Sistema Nacional de Saúde 47
4.1. Contratualização e Tipos de Contratos em Saúde 47
4.2. Lei da Responsabilidade Extracontratual do Estado 47
4.2.1. Noção, origens, evolução recente 47
4.2.2. mbito de aplicação 495. Segurança do Doente e Gestão de Risco em Osteopatia 50
6. Protecção e Confidencialidade da Informação Pessoal e de Saúde 53
7. Bibliografia 54
8. Webgrafia 55
9. Anexos – Lista de Anexos 56
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Introdução
Um problema fundamental na relação osteopata-paciente é o da tomada de decisão, principalmente no que se refere
aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos a serem adoptados. O dilema que geralmente se impõe nas várias
situações é: a decisão deve ser do osteopata, preparado na arte de curar e que melhor conhece os convenientes e os
inconvenientes de cada conduta, ou seja, aquele que sabe mais? Ou do paciente, porque é o dono do seu próprio
destino e, portanto, deve decidir o que quer para si?
Este ponto crucial das discussões bioéticas implica na formulação de outras questões: qual deve ser a postura do
osteopata no que toca ao esclarecimento do paciente? Deve contar-lhe, com detalhes, o diagnóstico e o prognóstico,
bem como as condutas diagnósticas e terapêuticas? Deve, sempre, obter dele o consentimento para realizar essas
condutas?
Estas e outras questões se levantam numa época em que a arte de curar passou a ter de responder a questões mais
abrangentes e observáveis do que a simples base paternalista que ao longo de tanto tempo foi o seu cerne.
Num curso de Osteopatia é essencial o estudo do saber “saber ” e do saber “fazer ”. É através deste sistema deaprendizagem que basearemos todo o nosso conhecimento osteopático e toda a sua aplicabilidade.
No entanto, para o futuro Osteopata torna-se imprescindível saber “estar ” e estar preparado para “saber” qual a forma
mais correcta e deontológica de exercer a sua actividade.
Esta disciplina propõe-se a esse objectivo.
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1. Conceitos e Princípios
1.1. Princípios biológicos
O termo bioética foi proposto, pela primeira vez, em 1970, por um médico oncologista; Van Rensselaer Potter. Ainda
que este técnico não tenha inicialmente atribuído ao novo termo todo o conteúdo que hoje lhe damos, a verdade é que
a partir dessa mesma altura se começou a designar por bioética o conjunto de preocupações, discursos e práticas que
então surgiam e que se vieram a desenvolver e criar numa nova área de saber.
Esta estruturação desenvolveu-se com elevada dinâmica, de modo que em poucos anos a bioética se tomou uma
referência indispensável para a medicina, biologia, filosofia, sociologia, direito e até para a acção política e económica.
Por isso, a verdade é que estamos hoje na era da bioética. E interessa começar por entender, do ponto de vista dosseus princípios biológicos, os antecedentes históricos, as origens científicas e o âmbito característico que a
caracterizam.
1.1.1. Origens Históricas
Apesar da sua origem tão recente, a bioética tem raízes remotas que são tão antigas como a medicina e remontam a
Hipocrates e ao seu Juramento, o qual, segundo muitos, plasmou a mentalidade médica em todo o Ocidente. Mas, até
aos meados do século XX, a grande maioria dos problemas morais que se punham à biomedicina podiam ser
resolvidos por uma deontologia profissional e uma ética de inspiração hipocrática, apoiada apenas em algumas
Figura 1 - Van Rensselaer Potter
Figura 2 - Hipocrates, o "Pai" da Medicina
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virtudes básicas como a compaixão e o desinteresse, assim como no princípio de que o médico deve agir sempre e só
em benefício do paciente.
Três factos históricos se podem mencionar como tendo desencadeado uma nova bioética:
1. alguns abusos na experimentação em seres humanos;
2. o surgir das novas tecnologias, que põem questões inéditas;
3. a percepção da insuficiência dos referenciais éticos tradicionais.
De seguida serão analisados separadamente cada um destes três pontos.
1.1.1.1. Experimentação Abusiva em Seres Humanos
Quando, a seguir à Segunda Guerra Mundial, vieram ao conhecimento público as experiências em seres humanos
efectuadas por médicos nazis em hospitais de alienados e em campos de concentração, a consciência colectiva reagiu
fortemente. O Tribunal de Nuremberga, que julgou os crimes de guerra, redigiu, em 1947, em que reconheceu a
dignidade de toda a pessoa humana e prescreveu que nenhuma experiência devia ser realizada em seres humanossem o seu consentimento livre e esclarecido.
Pouco depois (1948), a Declaração Universal dos Direitos do Homem, na ONU, consagrou o mesmo princípio.
Mesmo assim, outros abusos se continuaram a praticar.
Figura 3 - Declaração Universal dos Direitos Humanos
No Hospital de Willowbrook (Nova Iorque) realizaram-se investigações, de 1956 a 1971, em 700 a 800 crianças
deficientes mentais, inoculando-lhes o vírus da hepatite com o objectivo de buscar uma terapia imunizante.
No Jewish Chronic Disease Hospital, investigadores injectaram, sob a pele de doentes idosos, células cancerosas sem
Ihes fornecer qualquer informação ou pedir consentimento.
Em Tuskegee, no estado de Alabama, 431 negros pobres foram privados de cuidados contra a sífilis, entre 1932 e
1972, para permitir o estudo do curso natural da doença.
Ao serem conhecidos, estes escândalos desencadearam uma forte reacção e a consciência viva de que a prática da
investigação clínica em seres humanos tinha de ficar sujeita a critérios rigorosos que respeitassem os direitos e
dignidade de toda a pessoa humana.
Já em 1953, os National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos estipulavam que toda a investigação em seres
humanos que se viesse a realizar nas suas clínicas de Bethesda (Maryland) teria de ser previamente aprovada por um
comité responsável pela protecção dos direitos dos doentes.
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Em 1962, descobrem-se os trágicos efeitos teratogénicos da talidomida e altera-se a legislação dos Estados Unidos de
modo a exigir que os fabricantes de medicamentos, antes de obter autorização para a comercialização de um novo
fármaco, demonstrem cientificamente a sua segurança e eficácia através de ensaios clínicos em seres humanos. Mas
estes ensaios teriam de ser éticamente avaliados.
Em 1964, a Associação Médica Mundial aprovou, na sua assembleia que teve lugar em Helsínquia, um conjunto de
recomendações destinadas a servir de guia para cada médico na investigação clínica. Este conjunto de princípios e
normas é conhecido como Declaração de Helsínquia (World Medical Association, 1964), posteriormente revista em
Tóquio (1975), Veneza (1983) e Hong Kong (1989).
Pouco depois, em 1966, o Department of Health, Education and Welfare dos Estados Unidos determinou, através do
NIH, os princípios que devem reger as investigações em seres humanos para poderem receber subsídio de fundos
públicos. Seguiu-se a acção de várias comissões nacionais e presidenciais nos Estados Unidos e a publicação, em
1978, do Relatório Belmont (The National Commission for the Protection of Human Subjects, 1978) que propõe os
princípios fundamentais para a investigação em seres humanos: o respeito pela autonomia da pessoa, o princípio da
beneficência e o da justiça. As suas aplicações práticas são, respectivamente: o consentimento informado, uma razão
favorável de benefícios/riscos e a selecção equitativa dos sujeitos de experimentação.Finalmente, em 1981, são publicadas normas federais nos Estados Unidos, que exigem que toda a investigação em
seres humanos seja previamente aprovada por uma comissão de ética local, independente do investigador e chamada
Institutional Review Board (Comissão Ética de Investigação Clínica). Segundo as mesmas normas, estas comissões
devem ser constituídas por um mínimo de 5 membros com formações diferenciadas. Pelo menos um deverá trabalhar
em área que não seja considerada biomédica: por exemplo, um jurista ou um sacerdote. Estas comissões passaram a
difundir-se por uma variedade de instituições hospitalares da maioria dos países. A sua finalidade é velar pela
qualidade da investigação realizada em seres humanos e proteger estes últimos nos seus direitos e na sua dignidade.
Mas desde o princípio se tomou evidente que, para fundamentar muitas das decisões destas comissões éticas locais,
se tornava necessária uma discussão bioética mais alargada, que fizesse um estudo sério das questões de fundo, a
nível nacional e supranacional, o que viria a ser uma das tarefas dos centros de bioética, assim como das comissões
nacionais e internacionais.
1.1.1.2. O aparecimento de novas tecnologias
Outro antecedente importante que contribuiu para desencadear o surgir da nova bioética foi o rápido desenvolvimento
de tecnologias médicas e terapêuticas, que foram mais inovadoras nos últimos anos do que o tinham sido nos
anteriores séculos e deram origem a situações inéditas de decisão moral.
Basta mencionar as tecnologias de cuidados intensivos que permitem manter vivo um recém-nascido com múltiplas e
graves afecções ou prolongar a vida de um doente terminal.
Quando é ético administrar ou interromper estes cuidados intensivos? Noutros tempos, o problema não se punha; na
ausência de alternativas técnicas, a morte inevitável encarregava-se de resolver o problema. Mas hoje, a existência
das técnicas de ventilação e circulação artificiais põem escolhas éticas difíceis.
O mesmo se diga de tecnologias que permitem a transplantação de órgãos, o suprimento da infertilidade, o diagnóstico
pré-natal, a terapia génica e muitas outras. À medida que a ciência transfere para as mãos do Homem poderes antes
reservados à fatalidade da natureza, no que respeita ao nascer, viver e morrer, pergunta-se até que ponto detemos a
autorização de exercer esses poderes e em que medida aquilo que é tecnicamente possível será éticamente aceitável.
Um primeiro exemplo destas novas questões se pode identificar, já em 1960, quando Belding Screibner inventa a
hemodiálise e cria o seu primeiro centro. Não existindo equipamento suficiente para tratar todos os pacientes com
indicações adequadas para essa terapia, quais os critérios para encontrar uma sistematização ou hierarquização de
prioridades que permita a justa selecção dos candidatos? Criou-se para o efeito um comité que, no entanto, não obteve
sucesso considerável.
Em 1968 a Faculdade de Medicina de Harvard University publica um relatório em que examina as definições de morte
cerebral e de coma irreversível.
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Levanta-se todo o problema de decidir quando se preenchem as condições de morte do tronco cerebral e de
estabelecer as condições éticas e legais para desligar a respiração assistida aos pacientes.
Em 1970 e 1971 surgiram, no Massachusetts General Hospital e no Hennepin County Medical Center (Minneapolis)
situações novas no tratamento de pacientes terminais e para as quais se criaram, com algum sucesso, comissões
éticas.
A partir do nascimento da primeira criança por fertilização in vitro em 1978 e dos progressos das técnicas de
reprodução assistida, levantaram-se inúmeros problemas éticos para os quais não há, ainda hoje, soluções unânimes e
exigem uma discussão mais aprofundada.
A reacção imediata a estas e outras novas questões foi a de constituir comissões de ética hospitalares, também
chamadas assistenciais ou, nos Estados Unidos, Institutional Ethics Committees. Estas comissões procuraram resolver
os conflitos éticos que se põem na assistência hospitalar e elaborar protocolos assistenciais nos casos em que seja
necessária uma política institucional pela dificuldade do problema ou pela frequência com que ocorre. Mas o
funcionamento destas comissões fez sentir, de novo, a necessidade de uma formação básica em bioética, sistemática
e bem fundamentada, que se viria a tentar nos centros e institutos de bioética.
1.1.1.3. A Noção da incapacidade das Referências Éticas Tradicionais
A incapacidade de referenciais éticos tradicionais para dar resposta a estas perguntas criou um ambiente de
inquietação que também contribuiu para desencadear o processo de criação de uma nova bioética.
O código hipocrático, baseado numa atitude paternalista do médico em relação ao doente, já não era suficiente numa
época em que se começavam a acentuar os direitos do paciente: o direito à autonomia, à verdade, à informação, ao
consentimento informado.
A ética filosófica era também incapaz de dar resposta às novas questões, sobretudo nas correntes que substituíram
uma racional idade especulativa por outra meramente processual.
A teologia moral, tradicionalmente baseada no conceito de lei natural, tinha dificuldade em se adaptar às novas
ciências do artificial, e distanciava-se progressivamente das novas problemáticas. A ética médica tradicional estava demasiado concentrada nas relações médico/doente, enquanto agora se buscavam
as grandes repercussões sobre a sociedade em geral.
A própria ciência, que levantava as novas questões, passou a não poder fundamentar uma resposta ética. Ao desistir
de buscar a verdade, a ciência teve também de prescindir, a partir dos anos 70, da busca do bem. E, ao abandonar os
últimos redutos de vitalismo, a ciência mecanicista teve também de renunciar aos conceitos de finalidade ou
intencionalidade da vida e, portanto, à pretensão de poder fundamentar uma ética.
Esta ausência de estruturas tradicionais que emoldurassem uma resposta ética às novas e prementes questões que se
punham, foi o terceiro factor determinante da busca de um paradigma bioético diferente.
1.1.2. Origens Científicas
Apesar da incapacidade da ciência contemporânea, que acabámos de referir, para fundamentar uma ética, é curioso
notar que foi sobretudo dos homens de ciência que proveio o apelo e o impulso para a nova bioética, talvez como
reacção vivencial ao rápido desenvolvimento de um tecnologismo desumanizante.
Já em 1967, o biólogo e prémio Nobel Marshall Nirenberg profetizava que, num prazo de 25 anos, seria tecnicamente
possível alterar geneticamente células humanas, mas que só muito mais tarde a ciência poderia avaliar as suas
consequências éticas. Nirenberg urgia, por isso, que a ciência não utilizasse indiscriminadamente essa tecnologia logo
que ela fosse viável, mas só depois de ter os conhecimentos e a sabedoria suficientes para saber usá-Ia em benefício
da humanidade e não em seu detrimento. E acrescentava que a decisão de quando e como começar deve pertencer à
sociedade. Esta última afirmação correspondia à mudança verificada nos Estados Unidos nessa altura: as comissões
de ética começavam a ser constituídas não só por médicos mas também por especialistas de outras áreas e
representantes de toda a sociedade.
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Foi o psiquiatra Willard Gayling que, com o filósofo Daniel Callahan, começou, em 1969, a promover encontros com
cientistas, filósofos e profissionais de outras áreas, com a preocupação comum de se perguntarem o que deve fazer a
sociedade e os seus grupos profissionais em face dos notáveis avanços das ciências biomédicas. Destes encontros
resultou o Institute of Society, Ethics and the Life Sciences em Hastings-on-the-Hudson (estado de Nova Iorque) mais
conhecido como The Hastings Center.
Figura 4 - Logo do "The Hastings Center"
Foi um Oncologista - Van Rensselaer Potler - quem escreveu, em 1970, o artigo “Bioethics, the Science of Survival”,
seguido, no ano seguinte, de um livro intitulado “Bioethics, Bridge to the Future”. Potler estava particularmente
preocupado com a responsabilidade da genética em melhorar a qualidade da vida humana. Bioética era entendida por
este autor como uma ética da biosfera que englobava não só aspectos médicos mas também ecológicos. Incluía todos
os aspectos naturais e sociais que permitem a sobrevivência do Homem neste planeta, nomeadamente a preservação
de um ecossistema que tome a terra habitável para o Homem. Apesar de, nos anos seguintes, a bioética se ter
desenvolvido em tomo dos problemas médicos, Van Rensselaer Potler ainda em 1987 continuava a insistir que a par
de uma bioética médica, preocupada com problemas a curto prazo, não se deve esquecer a bioética ecológica com as
preocupações a longo prazo acerca daquilo que é preciso empreender para preservar um ecossistema em que a
espécie humana possa sobreviver. Opinava ainda que esses dois tipos de bioética se deviam interpenetrar em
matérias de saúde, de controle da procriação e do significado de uma demografia em constante crescimento.
Figura 5 - André Hellegers
Um papel particularmente importante nas origens da bioética deve ser atribuído a André Hellegers - um médico de
origem holandesa que depois da sua formação como obstetra e ginecologista, se fixou nos Estados Unidos.
Simultaneamente com a sua actividade de investigador em fisiologia fetal, Hellegers adquiriu uma sólida formação em
humanidades. Abordou com profundidade as consequências, para a teologia moral, das suas observações sobre a
instabilidade biológica das primeiras fases do desenvolvimento embrionário; foi nomeado, em 1964, secretário da
comissão papal para o estudo do desenvolvimento populacional e da regulação da natalidade; interessou-se pelos
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recursos naturais, pelo futuro da humanidade, pelo diálogo com o terceiro mundo, pelos problemas mais vastos do
ambiente, relações entre países ricos e pobres, assim como pela legislação internacional sobre problemas biomédicos .
Persuadido de que um intenso e persistente diálogo traria luz à confrontação da ética com os progressos biomédicos,
Hellegers incluiu nesse diálogo as grandes correntes ético-religiosas do Ocidente, de inspiração católica, protestante
assim como judaica e, em 1972, criou em Washington D.C. o primeiro instituto com o nome de bioética: The Joseph
and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics, hoje chamado Kennedy Institute of
Ethics. Aí se começaram a estudar os progressos biomédicos na perspectiva das suas implicações éticas, sociais,
económicas, legais, filosóficas e teológicas. Este primeiro Instituto de Bioética serviu de modelo a muitos dos que se
formaram em seguida. O primeiro na Europa foi o Instituto Borja de Bioética de Sant Cugat, Barcelona, fundado em
1975 pelo médico ginecológico e jesuíta catalão Francesc Abel, discípulo e colaborador de Hellegers. Mais tarde
(1983), o filósofo belga Jean-François Malherbe criou o Instituto de Bioética de Bruxelas. Louis Stuyt (médico) e
Maurice de Wachter (filósofo) criaram, em 1985, o de Maastricht (Holanda).
Em Coimbra criou-se oficialmente, em 1988, o Centro de Estudos de Bioética que, dirigido pelo médico pediatra Jorge
Biscaia, tem promovido numerosas reuniões a nível nacional e tem publicado Cadernos de Bioética e outros textos de
elevado interesse.Muitos outros centros se estabeleceram, ainda que algumas vezes preferindo à designação de bioética a de ética
biomédica ou ética médica. A quase totalidade dos centros europeus está federada na European Association of
Centers of Medical Ethics, com sede em Lovaina.
1.1.3. Campos de Acção e propriedades específicas da Bioética
Apesar desta sua origem científica, a bioética transcende, no seu discurso, métodos e objectivos, o âmbito da ciência.
1.1.3.1. Campos não Médicos
A bioética não é simplesmente uma nova versão da antiga ética médica.Uma das razões desta afirmação pode buscar-se no facto de a bioética incluir áreas que não são médicas.
Com o surgir, nos meados dos anos 70, da engenharia genética (técnicas do DNA recombinante) começou a ser
possível transferir genes de uns seres vivos para outros, mesmo quando estes sejam filogeneticamente muito
afastados.
Logo se puseram graves questões éticas acerca dos limites que devem ser impostos, por confinamento físico ou
biológico, à utilização de microrganismos geneticamente modificados na investigação e na indústria.
Á posteriori , com o interesse económico de libertar deliberadamente no ambiente organismos geneticamente
modificados (microrganismos, plantas ou animais), levantaram-se novas questões acerca dos limites dentro dos quais
será ético modificar o ambiente. Estas questões inserem-se numa preocupação ecológica a longo prazo acerca da
bioética do ambiente.
Trata-se de uma ética do mundo vivo que está atenta à complexidade e interdependência dos seres vivos entre si e
com o ambiente. E porque o Homem depende do meio em que vive, e está por vezes em concorrência com ele, a
bioética também se preocupa com a protecção do ambiente, a exploração dos recursos naturais, desertificação,
poluição, extinção de espécies, equilíbrios ecológicos, a utilização em condições éticas de animais e plantas,
desequilíbrios entre países ricos e pobres e problemas nucleares. Esta bioética do ambiente tem preocupações a longo
prazo. Trata-se não só de gerir da melhor forma os recursos actualmente existentes, mas também de os transmitir às
gerações vindouras.
A análise do genoma humano - o megaprojecto biológico do nosso tempo - levanta também problemas bioéticos vários,
um dos quais se refere às patentes e a outras formas de protecção jurídica de invenções biotecnológicas.
A terapia génica implica uma sofisticada e morosa elaboração de materiais biológicos através de uma engenharia
genética que se pode considerar não médica e desencadeia uma vastidão de problemas éticos relativos ao
melhoramento da espécie.
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1.1.3.2. Área Social
Um outro aspecto da bioética que a distingue da clássica ética médica é a sua área social.
No passado, a medicina era fundamentalmente uma arte e a ética médica preocupava-se sobretudo com a relação
médico/doente e com as relações profissionais dos médicos. As respectivas normas de conduta podiam ser
estabelecidas exclusivamente pela classe médica.
Mas, a partir do séc. XIX, a medicina começou a ser menos uma arte do que uma ciência experimental e, a partir da
segunda metade do séc. XX, tomou-se uma tecnociência complexamente equipada e associada a outras tecnologias,
nomeadamente biológicas e cibernéticas.
Nessa medida, a biomedicina passou a partilhar do forte impacto social que as ciências experimentais adquiriram no
nosso século. Se é certo que se deve defender o direito à liberdade de investigação, não é menos certo que esse
direito não é absoluto e tem de ser considerado em articulação com o bem público e a vontade de uma sociedade livre,
sobretudo quando essa investigação se realiza nos próprios seres humanos.
Muitas das novas tecnologias médicas têm hoje repercussões que ultrapassam em muito as relações médico/paciente
e terão fortes consequências no futuro da humanidade, reflectindo-se em áreas sociais que têm a ver com a família, aeconomia, o direito, a psicologia, além da filosofia, teologia e outras.
A gestão dos conflitos que eventualmente surgirão dessas situações já não pode nem deve ser assumida somente pela
classe médica, mas exige a participação de toda a sociedade e das suas várias especialidades profissionais. Sente-se
a necessidade de criar estruturas para estudo e diálogo entre biólogos, médicos, filósofos, teólogos, sociólogos,
economistas e políticos, que possam fornecer, ao grande público e aos governos, as coordenadas e perspectivas
capazes de fundamentar a definição das grandes opções oficiais sobre a política científica.
A bioética tomou-se esse espaço de estudo e diálogo.
1.1.3.3. Transversalidade
Devido à introdução desta dimensão social, a bioética situa-se em zonas de intersecção de vários saberes,nomeadamente das tecnociências (sobretudo a biologia e a medicina), das humanidades (filosofia, ética, teologia,
psicologia, antropologia), ciências sociais (economia, politologia, sociologia, impacto social) e doutras disciplinas como
o direito.
Não se trata somente de uma confrontação interdisciplinar mas antes de um diálogo pluridisciplinar que alguns
designam de transdisciplinar para significar que os cientistas têm de integrar na sua estrutura mental os valores e os
critérios dos humanistas, assim como estes têm de incorporar, nos seus paradigmas, os métodos e critérios científicos.
Os discursos do cientista e do filósofo não falam dos mesmos objectos nem usam a mesma linguagem, mas podem
esclarecer diferentemente a mesma realidade concreta - por exemplo a eutanásia.
Neste sentido, a bioética não é propriamente uma disciplina mas antes uma nova transdisciplina.
Este esforço de integração mútua faz da bioética um opositor frontal tanto do cientismo e tecnicismo (nos quais a
ciência ou a técnica tendem a constituir-se como explicação global única) como de um filosofismo que desprezasse, no
seu raciocínio, o conhecimento científico e técnico e lhe negasse autonomia. A transdisciplinaridade da bioética
pretende manter a autonomia e independência tanto das áreas científicas como das humanistas, respeitando e
aceitando os seus diferentes métodos, linguagem, objectivos e conclusões, mas procurando encontrar a sua
complementaridade na busca de respostas consensuais para a defesa da dignidade da pessoa humana.
Esta busca pluridisciplinar faz-se, além disso, numa sociedade pluralista de horizontes ideológicos heterogéneos
acerca do valor da vida e da morte. Esta heterogeneidade constitui mesmo a causa dos problemas bioéticos. Por isso
ela não deve ser negada, sob pena de desvirtuar a bioética, que deveria até dar voz àqueles que a não têm, como são
as minorias éticas.
O discurso utilizado não é dogmático nem persuasivo, mas antes criativo, baseando-se num diálogo pluridisciplinar
deverá entrar em profundidade no estudo das raízes históricas, culturais e religiosas das diferentes posições.
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Assim se tem, por vezes, conseguido que pessoas com motivações ideológicas diferentes cheguem a um juízo ético
comum, relativamente coerente, acerca de uma situação concreta. Apesar de todas as dificuldades, tem-se verificado
apreciável progresso, ao longo dos últimos séculos, na defesa da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos
fundamentais. De uma forma ou de outra, o importante é que a discussão bioética transcenda um puro pragmatismo
biomédico e se localize na área daquela Sabedoria prática que se baseia na fundamentação das finalidades éticas e na
sua hierarquização teórica.
1.1.3.4. A intervenção pública
Bioética deve ser uma decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convêm. Por isso, ao carácter pluridisciplinar
e pluralista da bioética liga-se um outro que é a sua abertura aos profanos, aos leigos, aos simples utilizadores das
técnicas, ao público em geral. Vários incidentes, no passado, foram atribuídos ao facto de os cientistas se terem
isolado do grande público e não o terem informado adequadamente acerca do progresso científico, sobretudo quando
ele criava novas situações éticas e sociais.
Hoje, com o nível cultural mais elevado das populações, com as facilidades e rapidez da informação e com aperspectiva democrática do poder, em que as decisões políticas necessitam de ser tomadas sobre uma opinião pública
minimamente sensibilizada e preparada, a bioética não pode ser imposta ao público pela autoridade de qualquer
aristocracia de especialistas, mas deve ser discutida e construída com ele. Por isso se têm multiplicado por todo o
mundo as revistas, livros, cursos de licenciatura ou pós-graduados, centros e congressos dedicados exclusivamente à
bioética. As comissões nacionais organizam, geralmente, um encontro anual sobre problemas relevantes e os meios de
comunicação social têm este tema nas suas agendas.
Apesar da sua importância, esta participação do público pode ser facilmente desvirtuada. Julgar que se faz bioética
lançando inquéritos, perguntando a um grande número de pessoas “o que acham” acerca de uma nova questão e
tratando estatisticamente os resultados, é erro grosseiro. Nada nos garante que os inquiridos tenham tido acesso a
uma compreensão e reflexão completas. E mesmo que o tivessem tido, não é por ser maioritaria que uma opinião é
necessariamente verdadeira. Pior ainda é a manipulação da informação, a criação mediática de um problemasensacional a partir de dados científicos irrelevantes ou a montagem de correntes de pressão através da exploração de
medos tão fortes como subconscientes.
Em vez desta instrumentalização desrespeitosa do público, é necessário dar às populações sólida formação e ampla
informação escrupulosamente objectivas, fomecer-Ihes fundamentos éticos, critérios e princípios, ajudá-Ias a encontrar
o sentido da vida e dos seus problemas, possibilitar-Ihes uma profunda reflexão que as leve a uma opção ética
personalizada em que se expressem os seus mais genuínos anseios de auto-realização. Só é ético o agir que realize o
eu na linha das suas potencialidades mais autênticas.
1.1.3.5. Concordância Internacional
A ciência é universal, mas as culturas são regionais. Por isso e porque a bioética é transcientífica e depende também
de pressupostos culturais, os mesmos dados científicos poderão ter diferente valoração bioética em diferentes países.
As assimetrias resultantes suscitam problemas, como o chamado “turismo bioético” (migração de candidatos a
determinadas técnicas para países em que elas são permitidas) e dificulta políticas de integração como, por, exemplo,
a da União Europeia.
Por essas razões, várias instâncias internacionais têm accionado mecanismos que possam conduzir a uma possível
harmonização.
Com esse objectivo o Conselho da Europa emitiu, desde 1976, Resoluções e Recomendações sobre vários problemas
de bioética. Em 1983 criou a Ad Hoc Committee of Experts on Ethical and Legal Problems relating to Human Genetics
(CAHGE), constituída por biólogos, médicos, juristas e ecticistas representantes de todos os países membros e por
alguns observadores de países não membros. Esta comissão foi substituída, em 1985, por uma outra de constituição
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semelhante mas com mandato mais amplo e designada Ad Hoc Committee of Experts on the Progress of Biomedical
Sciences (CAHBI).
A partir de 1990 o CAHBI passou a intitular-se Ad Hoc Committee of Experts on Bioethics e a partir de Abril de 1992
deixou o seu carácter temporário para se tomar num comité permanente (Steering Committee on Bioethics - CDBI).
No total, o Conselho da Europa já publicou 21 Recomendações e outros documentos sobre problemas bioéticos e
trabalha na elaboração de uma Convenção Europeia de Bioética que constituirá uma contribuição importante para a
harmonização internacional.
A União Europeia (UE) também tem empreendido acções várias, tanto indirectas como directas, no sentido de uma
harmonização europeia de decisões bioéticas. As acções indirectas incluem provisões várias em que a lógica
económica é temperada por considerações relativas ao respeito pela biodiversidade, protecção dos animais, respeito
pela integridade e dignidade humanas, etc. As acções directas têm partido tanto do Conselho da UE e do Parlamento
Europeu como da Comissão Europeia. Em 9 e 10 de Março de 1990 teve lugar em Kronberg (Alemanha) uma reunião
dos ministros da Ciência dos países da UE sobre genoma humano e investigação em embriões.
Uma das decisões tomadas foi a de criar dois grupos de trabalho: um sobre aspectos éticos, sociais e legais da análise
do genoma humano; o outro sobre investigação em embriões humanos. O primeiro destes dois grupos foi constituídocomo um Ad hoc Study Group em preparação para o programa específico sobre Medicina Preditiva previsto, em 1987,
pela decisão do Conselho sobre o “Second Framework Programme”. Em 1991, esse grupo foi integrado no programa
da Comissão Europeia Human Genome Analysis que tinha sido criado por decisão do Conselho de 29 de Junho de
1990. O trabalho deste Working Group on Ethical, Social and Legal Aspects of Human Genome Analysis (WG-ESLA)
está resumido nos seus relatórios de 31 de Dezembro de 1991 e Junho de 1994, incluindo o apoio financeiro a 18
estudos sobre temas éticos, sociais e legais da análise do genoma humano que foram seleccionados de entre 42
candidaturas. Estes estudos foram recentemente publicados. O Working Group on Human Embryos and Research
(WG-HER) foi estabelecido pela Comissão em consequência da decisão da reunião ministerial de Kronberg e
apresentou o seu 1.º Relatório em Março de 1992 e o 2.º em Novembro de 1993.
O Parlamento Europeu tomou a iniciativa de promover auditorias de que resultaram os Relatórios Rothley (sobre
manipulação genética), Casini (sobre reprodução artificial), Pompidou (sobre diagnóstico pré-natal) e Schwarzenberg(sobre tráfico de órgãos humanos).
A Comissão Europeia criou em 20 de Novembro de 1991, por proposta do seu então Presidente Jacques Delors, um
Grupo de Conselheiros de Ética da Biotecnologia, constituído por 6 personalidades eminentes. Este grupo
independente tinha como função avaliar o impacto potencial que as actividades da Comunidade no âmbito da
biotecnologia possam ter na sociedade e nos indivíduos. Produziu numerosos pareceres, muitos dos quais foram
apresentados ao público através de conferências de imprensa com carácter internacional. Em 1994 foi criada, na
Comissão Europeia, uma nova unidade encarregada dos aspectos éticos, legais e sociais das Ciências e Tecnologias
da Vida. Esta unidade, integrada na Direcção Geral da Ciência, Investigação e Tecnologia, tinha a função de promover
e coordenar a investigação nas várias áreas envolvidas.
A Comissão dos Direitos do Homem da ONU adoptou, em Março de 1993, uma resolução sobre a necessidade de uma
cooperação internacional para que toda a humanidade beneficie das separações das ciências da vida e para impedir
ou prevenir toda e qualquer utilização destes contributos científicos para outros fins que não o bem da pessoa humana.
Tendo já patrocinado várias iniciativas nesta área, desde o colóquio de Madrid em 1970 até ao projecto sobre genoma
humano confiado em 1989 ao Prof. Santiago Grisolia, a UNESCO decidiu criar, em 1993, o Comité International de
Bioéthique, com a tarefa de estudar, a título exploratório, as condições da eventual elaboração de um instrumento
internacional sobre a protecção do genoma humano, que deverá vir a ser aprovado pela Assembleia Geral da ONU.
Entre outras instâncias que têm contribuído para uma harmonização internacional podemos mencionar a Organization
of Economic Cooperation and Development (OCDE), World Health Organization (WHO), Council for Intemational
Organizations of Medical Sciences (CIOMS) e European Medical Research Councils (EMRC).
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1.1.3.6. A participação das Igrejas Cristãs
Paul Ramsey, professor protestante de ética cristã na Universidade de Princeton, foi o primeiro teólogo que, na prática,
reconheceu a necessidade, para a elaboração de um sistema biomoral, de conhecer detalhada e profundamente os
progressos biomédicos. Depois de dois semestres passados no Hospital da Universidade de Georgetown em contacto
constante com o pessoal hospitalar e com André Hellegers (de quem se tomou amigo), Ramsey escreveu, em 1970, o
livro “The Patient as Person”, e em 1978 “Ethics at the Edges of Life”, que ficaram como obras pioneiras da bioética.
Estes livros inserem-se na linha de outro grande precursor - Joseph Fletcher - teólogo protestante que, já em 1954,
escrevera a obra "Morals and Medicine", em que a fundamentação de cada tema era, pela primeira vez, buscada nos
direitos da pessoa humana. Com esta obra, o sujeito da ética médica passava do médico e da instituição hospitalar
para o paciente.
Figura 6 - Paul Ramsey
No sector católico desenvolveu-se, entre 1980 e 1983, uma importante série de conversações e encontros que levaram
à constituição de um grupo internacional de bioética destinado a promover um diálogo organizado entre as ciências
biomédicas, a filosofia e a teologia, oferecendo ao Magistério da Igreja uma informação actualizada e competente
acerca dos progressos biomédicos e das suas implicações. Queria sobretudo evitar-se que o distanciamento verificado
entre o progresso científico e a teologia moral levasse a uma ruptura, ao nível da ética, entre a prática médica comum e
a doutrina da Igreja.
Essas conversações, que envolveram um vasto leque de personalidades, foram estimuladas e potenciadas, logo desde
1979, por Pedro Arrupe, Geral da Companhia de Jesus. Este seu importante envolvimento, só muito recentemente
tomado público, possibilitou que, em Março de 1981, se reunissem em Milão representantes das Universidades Sacro
Cuore (Milão), Santo Tomás (ManHa, Filipinas), Georgetown (Washington, D.e.) e Gregoriana (Roma).
Delinearam um programa de diálogo bioético e puseram-se à disposição do Papa através de uma carta escrita ao
cardeal William Baum, prefeito da Congregação para a Educação Católica. A resposta foi positiva e, depois de algumas
outras reuniões, foi oficialmente constituído, em 9 de Fevereiro de 1983, o Intemational Study Group of Bioethics
integrado na Federação Internacional das Universidades Católicas (FlUC), espiritualmente assistido pelo cardeal
Carolo Martini, financiado por uma fundação europeia que pretende permanecer no anonimato e dirigido por uma
Steering Committee.
Desde então, o grupo promoveu 20 simpósios, publicou dois livros e uma série de trabalhos, sob a rubrica “Catholic
Studies in Bioethics”, na colecção Philosophy and Medicine da editora Kluwer. Este grupo teve uma considerável
influência sobre a actualização de um grande número de professores de teologia moral e sobre as suas numerosas
publicações, assim como sobre a dinamização de cursos de formação e criação de novos centros de bioética. Em
1994, as responsabilidades do grupo foram transferidas para a Associação Internacional de Faculdades Católicas de
Medicina, também no seio da FlUC.
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O Papa João Paulo II criou, em 11 de Fevereiro de 1994, a Academia Pontifícia para a Vida com a missão de “estudar,
informar e formar acerca dos principais problemas de biomedicina e de direito, relativos à promoção e à defesa da vida,
sobretudo na relação directa que eles têm com a moral cristã e as directrizes do “Magistério da Igreja” [Acta
Apostolicae Sedis, 86 (1994): 386-387].
Várias encíclicas de João Paulo II, como a Veritatis Spiendor e sobretudo a Evangelium Vitae versam problemas de
bioética.
1.1.3.7. Conclusão
Podemos concluir que a bioética surgiu, há pouco mais de um quarto de século, como um conjunto de preocupações
éticas levantadas por cientistas. Impulsionada pela consideração dos problemas morais decorrentes das novas
tecnologias médicas, a bioética estendeu também a sua preocupação a problemas da biologia, da interdependência
dos seres vivos numa visão a longo prazo, assim como da sobrevivência do Homem no nosso planeta. Passou a
caracterizar-se por uma dimensão social, pela sua natureza transdisciplinar e pluralista, pela abertura à participação do
público e pelo assessoramento de políticas nacionais num esforço de harmonização internacional.Perante os novos poderes que a ciência dá ao Homem sobre a vida e sobre si próprio, é importante que ele segure as
rédeas do progresso e tome as decisões éticas que lhe tomem possível planear um futuro autenticamente humano. E,
assim, poderemos definir bioética como o saber transdisciplinar que planeia as atitudes que a humanidade deve tomar
ao interferir com o nascer, o morrer, a qualidade de vida e a interdependência de todos os seres vivos.
Bioética é decisão da sociedade sobre as tecnologias que lhe convém. É expressão da consciência pública da
humanidade.
Ainda que o impulso inicial para esta bioética tenha sido lançado, como vimos, fundamentalmente por homens da
ciência e da biomedicina, a construção do novo corpo de doutrina não se poderia realizar sem a contribuição conjunta
de filósofos, teólogos e humanistas.
1.2. Princípios éticos
1.2.1. Ética e Moral
A distinção entre ética e moral tomou-se habitual; será ela conveniente?
De todo o modo, ela não é pacífica e os seus adversários consideram que ela é bastante gratuita, dado que os dois
termos se referem aos mesmos conteúdos, a ética a partir de uma etimologia grega, a moral a partir do termo latim de
mos moris. Por outro lado, os que propõem a distinção não concordam sobre os critérios desta, de tal modo que toda a
reflexão ética e moral deve especificar o sentido que confere a estes termos. Acrescentar-se-á contudo que a simples
definição dos termos, tal como acontece sempre em filosofia, nunca é neutra, mas implica pressupostos que a própria
definição tem vantagem em clarificar.
Consideramos que é necessário operar esta distinção e que a etimologia suficientemente pormenorizada dos dois
conceitos é o melhor guia inicial.
A “ética” provém do termo grego “ethos”, o qual contudo tinha duas grafias ligeiramente diferentes, o que faz com que
se tratasse na verdade de dois termos, “êthos” e “éthos”; o primeiro termo, “êthos”, sofreu uma derivação de sentido: no
princípio, ele designava o lugar onde se guardavam os animais; depois, o lugar de onde brotam os actos, isto é, a
interioridade dos homens, o carácter; o segundo termo “éthos” significava o hábito e, daí, referia-se ao agir habitual.
Quando os Latinos tiveram de traduzir “ethos”, condensaram, de modo provavelmente inconsciente, os sentidos dos
dois termos no termo de “hábito”, isto é no segundo “éthos”, o que se diz “mos” (lenitivo: moris), de onde provém o
termo de moral. A consequência de todo este processo etimológico é a de que houve uma mudança implícita de
sentido entre o primeiro termo grego, “êthos”, e o termo latim de “mores”: o grego sublinhava principalmente o foco
interior de onde provinham os actos do ser humano, ao passo que o termo latino se centrava sobre a dimensão
repetitiva dos actos “habituais”, os quais podiam corresponder a um hábito “virtuoso” ou “vicioso” de actos conscientes,
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mas também à vertente habitual-maquinal, isto é, quase automática e despersonalizada dos actos humanos. É
interessante notar que esta diferença etimológica.
A questão que, para nós, resulta desta lembrança etimológica é a seguinte: em que medida isto nos ajuda a distinguir
as questões de fundo?
Propomos como resposta a insistência sobre a dimensão de interioridade dos actos como ponto de apoio para a
problemática da ética e, para a moral, retemos o ponto de partida do hábito, isto é, de séries de actos repetidos.
Prolongando estas linhas de sentido, vemos na ética a procura daquilo que, na posição do acto, é mais “pessoal”, mais
reflectido, numa palavra mais fundamentado. A ética procura deste modo a fundamentação do agir, ao passo que a
moral mostra como as leis morais se formam, se hierarquizam, se aplicam aos casos concretos mediante a decisão e o
recurso aos valores. Neste sentido, a ética aparece como uma metamoral, e a moral como uma ampliação institucional
da ética. Quando o ser humano acede à tomada de consciência reflexiva, ele encontra no seu universo ou mundo
cultural a presença de hábitos, costumes, obrigações sociais, individuais, de leis “morais” que ele não inventou. Segue-
se daí que este conjunto de “normas” ou de incitações para encaminhar o agir num determinado sentido é apreendido
como provindo da exterioridade do sujeito humano; esta exterioridade pode ser a instância parental ou familiar, ou
também a prática social habitual sem rosto específico. De todo o modo, o sujeito recebe estas proposições de acção ecompreende que, entre elas, algumas são mais que proposições, são obrigações, leis morais. Enquanto essas leis são
aceites, praticadas ou recusadas, elas não ultrapassam o grau de exterioridade com o qual se apresentam inicialmente
ao sujeito. Falar-se-á de moral heteronoma enquanto o sujeito não interiorizar o conteúdo das leis morais, obrigações
etc. Ora, para efectuar reflexivamente esta interiorização, é preciso remontar da moral para a ética; reciprocamente,
para dar o peso da obrigação aos fundamentos que a ética desdobra, é preciso que a ética opere a sua viragem para a
moral.
Nesta abordagem, a ética é a teoria que percorre o itinerário desde a interioridade do agir para a sua fundamentação,
ao passo que a moral analisa o percurso que vai da heteronomia do agir e da sua institucionalização para a
compreensão da sua normatividade ou legalidade. A moral estuda assim a relação entre a lei moral e a autonomia do
agir, aplicando esta relação à multiplicidade dos casos que surgem no decurso da existência. É no percurso da moral
que se determina a problemática do bem e do mal, enquanto bem moral e mal moral. A moda actual que privilegia o vocabulário da ética ao da moral, como se fosse mais “nobre” falar da ética e mais
“conservador ”, mais fechado evocar a moral, tem provavelmente a sua raiz no pressuposto em função do qual a moral
seria o fruto de uma atitude “moralizadora” que estaria mais atenta a julgar e condenar que a compreender as acções
dos homens. Na definição proposta, verifica-se que a ética não pode prescindir da moral, tal como a moral somente se
toma “fera não amansada” se se desligar da ética.
Outros critérios são contudo às vezes apresentados para distinguir ética e moral. Na recente terminologia anglo-
saxónica ligada à bioética, a ética quase se desligou da sua inserção na filosofia para se tornar imediatamente
interdisciplinar; o conceito de “ecticista” (“ethicist”, ao qual corresponde o termo francês de “éthicien”) pode ser
reivindicado por qualquer especialista cuja formação inicial não está relacionada com a filosofia. O termo de moralista,
por oposição, evocaria as teorias filosóficas, antigas e clássicas, da filosofia moral. A este nível, a ética emite a
pretensão de uma certa autonomia relativamente à tradição da moral filosófica. O perigo reside então na ideia de que
qualquer ser humano, pelo facto de agir na vida quotidiana, bem como no âmbito da sua profissão, é apto por si próprio
a descobrir o que é o agir eticamente correcto ou moralmente bom. Esta ideia pressupõe um empirismo moral. Um
outro critério de distinção foi também avançado: a ética descreve, a moral prescreve.
Este segundo critério é materialmente correcto, mas tem contudo a desvantagem de não indicar imediatamente que a
ética é descritiva enquanto procura de fundamentação e que a moral é prescritiva enquanto ligada à teoria da
obrigação.
No sentido lato, pode-se considerar porém ética e moral como equivalentes, na medida em que ambas tratam da
determinação reflexiva das condições da “acção humana boa”; no sentido estrito, será em nosso entender necessário,
sob pena de confusões filosóficas, proceder à distinção feita.
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1.2.2. Direito e Ética
1.2.2.1. Direito e Ética (ou Moral, como aqui, imperfeitamente embora, faremos equivaler) são duas ordens normativas,
na medida em que se traduzem em normas ou regras de conduta.
Mas tem havido, desde há muito, a preocupação em distingui-Ias, caracterizando-as em função de diversos critérios
dentro dos quais a distinção sobressai.
E dir-se-á que, não fora o normal radicalismo de cada um dos critérios que têm sido aventados, e sempre seríamos,
como somos, levados a concluir que cada um deles contém em si (em parte) argumentos de grande razoabilidade.
1.2.2.2. Um desses critérios costuma designar-se pelo do “mínimo ético”.
Segundo este “nem tudo o que a moral ordena é prescrito pelo direito, pois este só recebe da moral aqueles preceitos
que se impõem com muito particular vigor”. O Direito “é um mínimo em relação à moral, mas um mínimo cuja
observância se reclama com um máximo de intensidade”. Esse “mínimo” reportar-se-ia àquelas regras morais básicas
sem as quais a ordem social careceria de paz, liberdade e justiça.
No entanto, logo uma análise primária permite-nos verificar que não é correcta a conclusão que deste critério emerge,segundo a qual toda a norma jurídica estaria impregnada de Moral. Grande parte das normas que regem um
ordenamento jurídico são, com efeito, éticamente neutras, como acontece com uma imensidão de normas
organizativas (das instituições, das profissões, etc.) e de normas processuais (definição de prazos, de tipo de
procedimentos, etc.).
Certo é, porém, que este incompleto critério permite alertar para a necessidade de o Direito poder (e dever) consagrar
determinadas normas éticas, que constituam a “ossatura” (o esqueleto, o tal mínimo escondido) do ordenamento
jurídico.
1.2.2.3. Outro critério é o da “heteronomia/autonomia”, dizendo-se ser próprio do Direito a primeira e inerente à Ética a
segunda. Deste modo, na Moral prevaleceria a autovinculação (autonomia) pelos ditames da própria consciência; no
Direito a exigibilidade e aceitação da norma teriam como apoio indispensável a coercibilidade, o uso possível da forçapara o seu cumprimento.
Mas este critério é ainda imperfeito, sobretudo com a evolução político-jurídica do conceito de democracia. Na
“sociedade democrática, àquela heteronomia do direito deve acrescer uma autónoma (e, diremos, progressiva)
aceitação global da ordem jurídica por parte da sociedade (e, diremos, por parte dos cidadãos) que ela rege, para que
tal ordem se possa considerar legítima. O que de modo algum significa que algumas das regras que compõem esse
todo não possam ser contestadas e o seu conteúdo rejeitado por parte de muitos membros da sociedade”.
Isto não quer dizer, contudo, que não seja substancialmente pertinente este critério. Como diz um consagrado autor
“para garantir uma ordem social de convivência que é o suporte indispensável da paz, da liberdade e da justiça e,
portanto, para assegurar o quadro de vida em que se tome possível ao homem desenvolver a sua 'humanidade', o
subjectivismo ou a consciência de cada um seria terreno demasiado inseguro”; o que já não acontece na ordem moral.
1.2.2.4. Segundo um terceiro critério, designado pelo da “exterioridade/ /interioridade”, aquela do Direito, esta da Ética,
ater-nos-íamos a algo semelhante à distinção entre o “objectivo” e o “subjectivo”.
O Direito versaria o lado exterior da conduta, a sua manifestação externa, o cumprimento da norma; a Moral focaria,
mais profundamente, a intenção ou atitude interior que comanda o comportamento (a acção ou a omissão).
Os Códigos estão cheios de normas que fazem apelo aos aspectos mais íntimos do comportamento, com
predominância no Direito Penal, em que, para o mais, cada vez se faz maior apelo à “personalidade do arguido”. Esses
aspectos, que estão enquadrados sobretudo na busca probatória da intenção do agente (nos conceitos jurídicos de
“culpa”, de “dolo”, de “negligência”, de “boa-fé”, de “má-fé”, até de “abuso de direito” e de outros conceitos
indeterminados) mostram que, ao contrário do que se dizia, o Direito evolui à medida que se reporta ao Homem na sua
interioridade, com as dificuldades inerentes à respectiva prova (normalmente através das chamadas presumptiones
hominis ou presunções judiciais).
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quando respeita ao Homem como Pessoa e não o sacrifica definitiva ou utilitariamente a certo “bem comum” que contra
ele atenta ou o “dissolve” nos interesses de uma “sociedade” (porventura utópica).
Mais do que isso (e para além das Declarações Universais de Direitos, de inestimável efeito pedagógico junto dos
Estados), é já possível encontrar o tal “núcleo duro”, “ossatura”, “esqueleto”, que se transforma no tal “mínimo ético” em
que os dois ordenamentos convergem. E isso de maneira progressiva, harmónica e coerente, porventura jamais
acabada mas em “conquistas” sucessivas. Referimo-nos, em especial, à consagração dos tais Direitos Fundamentais
por via constitucional, ou seja, a nível de Diploma Fundamental que sirva de referência jurídico-moral a todo o demais
ordenamento jurídico (por forma, por exemplo, a provocar a declaração de inconstitucionalidade das “normas menores”
que os ofendam ou a exigir a prolação de normas até aí omitidas e que a sua garantia exija).
Cremos que ninguém poderá questionar que esses Direitos Fundamentais são também normas morais basilares, sem
as quais a própria Ética não passaria de “moralismos”.
Então será já possível auferir do controvertido papel pedagógico das normas jurídicas, na medida em que elas sejam
expressão de valores desejáveis para a Sociedade, a promover para o bem da Pessoa como para o bem daquela
(melhor entendida com verdadeira comunidade). Isto sem correr o arguido perigo de que “uma excessiva tutela de
normas éticas pelo Direito corre o risco de se converter numa tutela moral da Sociedade pelo Estado, numa 'tutela'capaz de propiciar uma 'pedagogização' da mesma sociedade e de promover a intolerância geral, aquilo que já
chamámos a vertigem da “eticocracia” e que, no plano político, se pode traduzir num totalitarismo qualquer.
Acresce que é possível dar guarida, por este meio, ao desenvolvimento de grandes valores político-jurídicos que são
os da construção, nunca terminada, da Democracia e do Estado de Direito.
1.2.2.8 Esta nova perspectiva sobre o tema é particularmente sensível e óbvia na subdisciplina da Ética (por sua vez
disciplina da Filosofia) que é a Bioética.
Esta, com efeito, tem as suas raízes na globalidade dos muitos e muitos temas de que se ocupa, e dois dos cimeiros
Direitos Fundamentais, o da eminente dignidade da Pessoa Humana (Constituição da República Portuguesa, art.º 1º) e
o do direito à vida ou, melhor, o da inviolabilidade da vida (art.º 24.º-1). Daí resulta, designadamente, que, por
“melhores” e “mais práticas ou úteis” soluções que sejam pretendidas em qualquer política legislativa (mesmo sectorial,ou “integrada” como hoje é costume dizer-se), jamais as respectivas normas poderão, uma vez correctamente
analisadas, colidir com aqueles dois magnos princípios.
Certo é, todavia, que a consagração jurídica de “desenvolvimentos” dos Direitos Fundamentais, sobretudo tendo em
conta a vertiginosa evolução científica das chamadas Ciências da Vida, exige do legislador uma particular prudência e
nenhuma pressa, sob pena de criação de regras jurídicas “moralizantes” e por isso redutoras e transitórias em excesso,
sendo, entretanto, preferível a análise jurídica dos “comportamentos” por referência aos grandes princípios que pelas
peias de normas menores.
1.2.3. Os Princípios de Autonomia, Beneficência, Não Maleficência e Justiça
Os problemas de bioética são frequentemente abordados pelos autores anglo-saxónicos recorrendo aos princípios de
autonomia, de não maleficência, de beneficência e de justiça. Entre os autores europeus só limitadamente se tem
adoptado esta abordagem, pelo que também não se encontra suficientemente generalizada a respectiva terminologia.
Cada um dos referidos princípios formula a exigência de respeito por determinado valor: a autonomia ou liberdade das
pessoas (pacientes ou sujeitos de experimentação), o seu bem-estar, a igualdade ou a imparcialidade.
Trata-se de uma útil abordagem prática, à qual contudo não se deve pedir mais do que pode dar e de cujos limites
convém ter consciência.
Segue-se uma breve exposição de cada um dos princípios.
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1.2.3.1. Princípio de Autonomia (PA)
Etimologicamente, o termo “autonomia” significa a condição de quem é autor de sua própria lei. Aplicado inicialmente
aos povos e estados, veio posteriormente a estender-se aos indivíduos. Significa, de um modo geral, independência,
ausência de imposições ou coacções externas e também, particularmente no caso que nos ocupa, a ausência de
limitações e incapacidades pessoais que impedem ou diminuem a liberdade de decisão.
O Princípio de Autonomia, também chamado “Princípio de Liberdade”, prescreve o respeito pela legítima autonomia
das pessoas, pelas suas escolhas e decisões que sejam verdadeiramente autónomas ou livres.
Figura 7 - Princípio da Autonomia
Não sendo a autonomia um valor absoluto, também o princípio que impõe o seu respeito não é incondicional; pode,
antes, ser legitimamente limitado pelo respeito por outros valores, assegurados por outros princípios, nomeadamente o
de beneficência ou o de justiça. Por isso falamos da legítima autonomia. Não é, por outras palavras, o único princípio a
ter em conta, devendo antes ser compatibilizado com outros, não sendo de aceitar o primado absoluto. Ao preconizar o respeito pela autonomia, o princípio deve entender-se mais como referido às decisões do que às
pessoas, uma vez que uma pessoa considerada como normalmente “não autónoma” (em geral ou só em determinados
campos ou situações) pode ser capaz de algumas decisões pontuais autónomas, que devem ser respeitadas.
Entende-se por agir autónomo aquele que implica intencionalidade, compreensão e ausência de influências que o
determinem. Não se devem exigir exageradas condições de autonomia, mas apenas as que normalmente se
pressupõem ao considerar alguém capaz de decisões noutros campos.
Na prática, este Princípio implica: promover quanto possível comportamentos autónomos por parte dos pacientes,
informando-os convenientemente, assegurando a correcta compreensão da informação ministrada e a livre decisão.
Se bem entendido, o respeito da autonomia preconizado pelo PA não é incompatível com a influência da autoridade
(que é por definição. heteronoma): nomeada mas não exclusivamente a do técnico de saúde. Ver na autonomia um
valor e reconhecer que ela deve ser suscitada, protegida, reforçada e respeitada. Dupla exigência, nem sempre fácil de
satisfazer.
O peso da responsabilidade da decisão não deve normalmente recair sobre uma só.
Grande parte das publicações que tratam do PA concentram-se no exame do chamado “consentimento informado” (CI),
autorização autónoma (livre) dada para uma intervenção médica ou pesquisa e condições legais por ela implicadas.
Pressuposto ou condição prévia do CI é a competência ou capacidade de decidir livremente, capacidade que pode ser
geral ou específica, para determinados campos. Presume-se que um adulto tem tal competência, pertencendo o ónus
da prova a quem a negue.
Relativamente à informação exigida pelo CI surgem não poucos problemas, ao tratar de determinar qual deve ser
fomecida e qual pode ser legitimamente omitida.
Mais do que à informação, tem vindo progressivamente a ser dada importância à compreensão da mesma por parte do
doente ou do sujeito da pesquisa.
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tal ou tal pessoa, por razão do cargo, de algum compromisso, etc. É óbvio, por exemplo, que o pessoal médico terá
certas obrigações de beneficência para com os doentes que não vincularão outras pessoas.
É a propósito do PB que os autores costumam tratar a questão da doação de órgãos e, sobretudo, a de saber a que
princípio atribuir a primazia no caso de surgirem conflitos entre as exigências de respeito pela autonomia (PA) e pela
beneficência (PB).
A opinião generalizada, durante muito tempo, atribuía o primado ao PB, uma vez que se entendia que a missão própria
do pessoal sanitário era fundamentalmente assegurar o bem dos pacientes.
Nos últimos tempos, tem vindo a aumentar a importância dada - por vezes excessivamente - à autonomia, a qual se
considera ser um “bem” (necessidade ou interesse) primordial do paciente.
1.2.3.4. Princípio de Justiça (PJ)
Sob a expressão de “Princípio de Justiça” (PJ), o que os autores têm em mente são as exigências da justiça
distributiva, as quais, no campo da bioética, dão origem a não fáceis problemas, quer a nível das macrodecisões querno das microdecisões.
Tendo em conta a limitação ou escassez dos recursos disponíveis, como distribuí-Ios justamente? Segundo que
critérios afectar os dinheiros públicos no campo da saúde: que tipo de doentes atender prioritariamente, que
estabelecimentos e equipamentos privilegiar? Dispondo apenas de poucas unidades de cuidados intensivos, a que
doentes ou sinistrados atribuí-Ias, negando-as a outros? Serão de manter nelas doentes terminais irrecuperáveis,
quando há acidentados com grandes probabilidades de nelas se salvarem? Etc., etc.
Como adiante diremos, os critérios objectivos que possam orientar estas escolhas não são fornecidos pelo próprio PJ.
A propósito dele, mas de acordo com as próprias concepções éticas, é que os autores propõem os critérios que julgam
melhor salvaguardar a justa distribuição dos meios e cuidados.
Figura 9 - Princípio de Beneficiência
Figura 10 - Princípio de Justiça
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1.2.3.5. Conclusões
Como acima foi dito, a abordagem a partir dos princípios a que nos referimos constitui uma útil maneira prática de
examinar as questões de bioética, mas de cujos limites convém ter consciência.
Enquanto princípios formais, eles são indiscutíveis, mas não proporcionam grande ajuda na busca do correcto agir.
Assim, respeitar a autonomia das pessoas e das suas decisões é algo que sempre se deve procurar; mas para, nas
situações concretas, saber o conteúdo (concreto) desse dever, para saber o que é que o respeito por este princípio
implica em determinada situação, é necessário ter critérios que permitam avaliar da autonomia ou não das
pessoas/decisões em causa, critérios que o princípio não fornece. Mais: além disso, dado que esta exigência de
respeito colide normalmente com outras exigências - por exemplo, com o respeito devido ao bem de terceiros ou do
próprio -, requerem-se critérios para saber a quais exigências reconhecer a prioridade em cada caso, critérios que
também não são fornecidos pelo princípio.
Os princípios só se tomam operacionais na medida em que fornecem conteúdos materiais.
O principal trabalho dos moralistas e do pessoal médico e investigador consistirá consequentemente em ir elaborando
critérios objectivos de verificação e orientações que ajudem a uma correcta ponderação dos valores em causa - e nãotanto dos princípios que procuram exprimir as suas exigências - para saber quais devem ser prioritariamente
assegurados em caso de conflito, conflito que, em nosso entender, será sempre conflito de valores e nunca de
deveres. Ora é óbvio que tais critérios são fornecidos por uma concepção ética determinada, sem a qual os princípios
nunca poderão passar de princípios formais, não operacionais. Segundo a concepção ética adoptada, admitir-se-ão ou
rejeitar-se-ão os princípios acima considerados, conforme sejam propostos numa ou noutra perspectiva ética
determinada.
Por último, e como já foi notado, é indispensável, em toda esta matéria, ter bem presente o plano - moral ou legal - em
que se está a considerar a questão.
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2. Dimensão pessoal da bioética
2.1. A Pessoa como ser Humano Livre
2.1.1. Consentimento Informado
Ao abordar-se este tema é necessário deixar claro, para evitar mal-entendidos de técnicos ou de doentes, que o
objectivo é o de analisar um aspecto básico da relação técnico-doente na óptica da prestação de cuidados de saúde de
excelente qualidade e não o de discutir. conflitos de poder ou de competência. Na perspectiva da ética biomédica, o
importante é analisar os valores envolvidos e as opções razoáveis para técnicos e para os doentes, no melhor bem de
ambos e da relação humana que os une para a promoção da saúde ou o tratamento da doença.
Também este tema ilustra a tendência moderna para enquadrar, juridicamente, a prática médica, outrora considerada
como uma actividade quase religiosa, governada pelos princípios éticos mais elevados e, em consequência, fora e
acima do ordenamento jurídico. Não se nega que a entrada da lei e dos tribunais no universo “privado” da relação
técnico de saúde-doente, gerou algum mal-estar entre os técnicos de saúde, alguma perplexidade nos doentes e umtipo de prática médica de má qualidade a que se tem chamado “medicina defensiva”. Porém, que é uma turbulência
passageira e que alguns aspectos da actividade concreta dos técnico de saúde beneficiam com um enquadramento
jurídico adequado.
Mas, afinal, o que é o consentimento informado?
É uma mudança total no paradigma das relações do técnico com o seu doente.
Esta mudança tem a sua origem nas revelações, feitas em Nuremberga, de que alguns técnicos de saúde tinham
utilizado pessoas humanas, sãs e doentes, para experiências ditas “científicas”, sem que as pessoas envolvidas
tivessem podido manifestar a sua oposição ou, eventualmente, a sua concordância. Os anos 70 assistiram a um
empolamento da autonomia da pessoa doente, em especial nos EUA, e ao recrudescimento dos processos de
responsabilidade civil postos pelos doentes aos técnicos de saúde, por tratamentos ineficazes ou causadores de
prejuízos. A mudança de paradigma caracterizou-se pela alteração da imagem do técnico de saúde, como sacerdote, pai ou
protector, para a de um profissional, tecnicamente habilitado, e da imagem do doente, como sujeito passivo, para a de
uma pessoa autónoma e livre.
O fim do paternalismo médico, visto este como resultante de um empenhamento exclusivo do técnico de saúde no
melhor bem do doente, menorizando, assim, a participação do doente, não tem sido pacífico e a introdução do conceito
de assentimento informado levanta ainda muitas objecções por parte dos médicos e das suas associações
profissionais.
O consentimento - que melhor seria designar por assentimento ou concordância - traduz o respeito pela autonomia da
pessoa doente no diálogo com o técnico de saúde; porque a pessoa doente pode perder, por exemplo, a autonomia
para se deslocar, se ficou paralítica, mas não perde, por isso, a autonomia para decidir sobre a sua pessoa, sobre os
tratamentos que aceita ou não, até sobre a própria vida (se a não considerar sagrada).
Figura 11 - Consentimento Informado
A prática do assentimento informado, que deverá ser introduzida progressivamente entre nós, obriga a umametodologia que o técnico de saúde deve conhecer bem. Assim:
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1. O doente deve estar capacitado, ter “competência” para tomar decisões, tanto no plano físico como mental; esta é
uma exigência básica e o técnico de saúde deve assegurar-se de que está em presença de uma pessoa com
capacidade de discernimento, mesmo que tenha períodos de perda transitória dessa competência, para julgar e decidir.
Em termos gerais, o técnico de saúde deve presumir a competência do doente até que se prove o contrário pelos
meios adequados, nomeadamente os jurídicos.
2. Tratando-se de pessoa competente, o técnico de saúde vai apresentar-lhe a informação adequada. Este é um passo
importantíssimo no processo de obtenção do assentimento: o técnico de saúde deve comunicar ao doente, de uma
forma que lhe permita receber a informação, em primeiro lugar, os factos materiais sobre os quais vai incidir a decisão,
e não apenas o rótulo dado à doença, e a informação necessária a uma correcta interpretação destes factos objectivos
e materiais; depois, deverá apresentar-lhe a sua recomendação como profissional especializado; finalmente, deve
explicar-lhe que as informações que está a transmitir se destinam a obter um assentimento pessoal e autónomo para
as intervenções médicas ou cirúrgicas, para diagnóstico ou para tratamento.
Esta informação deve ser leal e verdadeira. Em muitos países - e, tradicionalmente, em Portugal - o técnico de saúdeusa o chamado “privilégio terapêutico”, o qual lhe permite ocultar informação que, no seu critério, seria prejudicial ao
doente se dela tivesse conhecimento. No entanto, é recomendado aos técnicos de saúde que usem este privilégio com
o maior cuidado e respeitando sempre o princípio da beneficência.
3. O próximo passo é o da compreensão. Se a pessoa que recebeu a informação é ignorante, está doente e muito
assustada com a doença e não tem experiência de dar consentimento, que pode fazer o técnico de saúde para
conseguir uma boa compreensão? Recomenda-se a criação de um clima de abertura e simpatia com tempo suficiente
para que o doente interiorize a informação recebida e formule as perguntas necessárias e haja verdadeira
comunicação interpessoal. Nesta fase o doente pode recusar compreender o sentido do que lhe foi comunicado e dar
imediatamente o seu consentimento devendo o técnico de saúde aceitar esta decisão da pessoa.
Quanto à forma do consentimento, a regra é a de que deve revestir a forma adequada à importância e ao risco da
decisão. Assim, nos casos simples, basta a forma oral, nas situações já mais difíceis, deve ser dado por escrito; nos
casos mais graves e de alto risco o consentimento deve ser escrito, deve ser expresso, ou seja, referir exactamente
para que procedimento médico está a ser dado e, ainda, testemunhado, devendo() as testemunhas confirmar que o
consentimento é dado em perfeita liberdade, sem coacção nem de técnicos de saúde nem de instituições.
Por tudo o que foi dito, não pode considerar-se consentimento informado e válido, a simples assinatura do doente num
formulário impresso de autorização que é, muitas vezes, apresentado ao doente por um funcionário administrativo no
acto de internamento.
O técnico de saúde tem direito à sua autonomia como pessoa e como profissional e deve exigir que seja respeitada. A
obtenção do consentimento é um diálogo racional entre duas pessoas autónomas que decidem livremente e não um
acto de sujeição da vontade de um em conflito com a vontade do outro.
2.1.2. Risco em recusa de tratamento
A recusa de tratamento é uma noção recente e resultou de duas evoluções conjugadas. Uma foi o progresso
científico e tecnológico que dotou a medicina com meios terapêuticos muito agressivos em que a eficácia possível se
acompanha de um risco provável de morte. A outra foi a mudança da imagem do técnico de saúde que já não é o dono
do saber e do poder para tratar os doentes com uma autoridade indiscutível, mas um técnico de uma certa área
científica que oferece às pessoas serviços especializados.
A relação de confiança cega e submissa do doente no técnico de saúde evoluiu para uma relação de confiança
mitigada e crítica, quando não de desconfiança, que leva à exigência de responsabilidade civil por danos, nos tribunais.
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A recusa de tratamento é uma consequência do processo de obtenção do consentimento, após informação da pessoa
doente.
É um processo delicado, este, de recusar tratamentos, com premissas e riscos que devem ser bem conhecidos dos
doentes, dos seus familiares e dos membros da equipa de saúde.
No processo de recusa de tratamento o doente tem de ser reconhecidamente capaz, ou competente em sentido
jurídico, para tomar decisões. Fora desta premissa a recusa não é válida.
O técnico de saúde tem obrigação de informar o doente, de forma completa e inteligível, das consequências seguras
ou prováveis da recusa do tratamento que lhe é proposto; deve igualmente informar o doente dos benefícios prováveis
e/ou seguros e dos inconvenientes previsíveis do tratamento em causa. No caso de a recusa de tratamento produzir
muito provavelmente a morte e de o tratamento proposto permitir muito provavelmente salvar a vida, o técnico de
saúde pode exigir que a recusa de tratamento seja formulada por escrito e testemunhada.
No caso dos menores impõe-se uma cuidadosa e delicada atenção. Se a criança não tem ainda nenhum grau de
discernimento; o técnico de saúde e os pais actuam segundo o critério do melhor bem do doente, mas os pais não
podem nem devem recusar tratamentos para uma situação que envolva risco grave de vida, mesmo que os
tratamentos sejam penosos para a criança (por exemplo, o tratamento quimioterápico intensivo na leucemia aguda). Amedida que. a criança vai tendo discernimento, ou seja, pelos dois anos e, pouco depois, autoconsciência, é dever dos
pais explicar aos filhos, com participação activa do técnico de saúde, o tratamento a efectuar; mas efectuá-lo sempre
que a indicação médica é indiscutível mesmo que a criança se oponha (amigdalectomia ou apendicectomia, por
exemplo). Muitos. eticistas entendem que nos países ocidentais um jovem de 14 anos ou mais, devidamente
aculturado e instruído, deve ser considerado adulto para as decisões que digam respeito à sua saúde pelo que a
vontade manifestada deve ser acolhida quando não haja perigo de vida (por exemplo, a recusa a usar um aparelho de
correcção dentaria).
A recusa de tratamento também não é aceitável quando se trata de doenças de alta contagiosidade que criam o risco
de gerar epidemias ou de afectarem grande número de conviventes. Nestas condições alguns países têm leis que
impõem aos técnicos de saúde a declaração obrigatória da doença a que se segue o tratamento compulsivo em
internamento hospitalar.Já foi assim com a febre tifóide e a tuberculose em Portugal. Actualmente alguns países, que privilegiam o interesse
social face aos direitos individuais, começam a admitir o isolamento compulsivo dos doentes com SIDA para impedir a
transmissão da doença.
2.1.3. Tecnologias de Alto Risco
Nos últimos anos desenvolveram-se, em medicina clínica, tecnologias de diagnóstico e, principalmente, de tratamento
que envolvem risco, por vezes um risco muito elevado de morbilidade grave ou mesmo de morte. Referimo-nos, por
exemplo, a cirurgia das neoplasias malignas com grandes mutilações, as transplantações de órgãos, a quimioterapia
intensiva, certas formas de radioterapia.
A avaliação ética faz-se pela comparação entre o risco que o doente vai correr e a qualidade do benefício, bem como a
probabilidade da sua obtenção.
Dito assim, parece fácil; mas nos casos concretos é extremamente difícil - para o médico que tem de propor a
intervenção por meio de uma tecnologia de alto risco e para o doente que tem de dar o seu assentimento depois de ter
sido devidamente informado - decidir, em boa ética, se sim ou não a tecnologia de risco elevado deve ser usada.
As metodologias propostas são as de análise custo-eficácia e custo-benefício para a decisão na perspectiva
económico-financeira e a análise risco-benefício para a decisão propriamente médica.
As primeiras têm uma grande dificuldade: não é possível fixar um valor financeiro para a vida. Se um determinado
tratamento com uma tecnologia de alto risco custa cinco mil euros, dá com grande probabilidade mais seis meses de
vida com uma qualidade aceitável, deve, ou não, ser efectuado - eis o tipo de problemas que os sistemas de saúde,
públicos ou privados, têm de resolver na rotina da prática médica.
A análise risco-benefício também tem dificuldades..
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A percepção pessoal do risco pelo doente é diferente da percepção do risco pelo médico. As pessoas habituadas a
conviver com o risco, por exemplo profissional, tendem a considerar baixo o risco de 2% dos doentes morrerem
durante a operação de by-pass coronário; outras, porém, acharão 1 % um risco elevado de morte para esta mesma
tecnologia cirúrgica.
No momento actual, a avaliação das tecnologias de alto risco é feita mais pela sociedade civil do que pelos indivíduos,
através de debates públicos e de avaliações aleatórias multi-institucionais. Nestas avaliações entra em linha de conta o
custo, o risco e a qualidade do benefício pretendido, ficando o médico e o doente com uma margem estreita para
decisão. Mas é nesta estreita margem que se moverá o bom senso do médico, a sua aderência a grandes princípios
éticos como o da não maleficência e a sua correcta compreensão do relacionamento com a pessoa do doente.
Nem tudo o que tecnologicamente pode ser feito deverá ser feito. A regra é a análise individual e ponderada das
características de cada situação clínica.
2.2. Autonomia da Pessoa e a Protecção da sua Privacidade
2.2.1. Responsabilidade dos Técnicos de Saúde
2.2.1.1. Argumentação Filosófica
As profissões ligadas à medicina, como actividades sociais em favor da saúde e bem-estar dos semelhantes, possuem
um evidente e profundo valor ético: por vocação, os profissionais da medicina existem para prestar um serviço
insubstituível à comunidade, ao próximo que sofre, ao homem que deles tem necessidade.
Interessará iniciar esta breve exposição acerca da responsabilidade médica examinando os aspectos da dimensão
moral da questão, para o que se seguirá, resumidamente embora, refira-se, desde logo, que em termos etimológicos o
vocábulo responsabilidade se relaciona com o verbo latino respondere, cujo sentido será “comprometer-se perante
alguém”.
Do ponto de vista da sua natureza, a responsabilidade moral pode definir-se como a dimensão relacional da obrigação.“Ter responsabilidade, ser responsável (reflecte o especialista citado) é estar obrigado - mas não apenas a isto ou a
aquilo, ter esta ou aquela obrigação (dimensão 'objectiva'), nem tão-pouco à mera necessidade moral (dimensão
formal). Ser responsável acrescenta à 'obrigação' aquele perante quem se é responsável, se tem de 'prestar contas';
este outrém (...) será, em primeira instância, aquele com quem o sujeito se comprometeu, por qualquer titulo (por
exemplo, por contrato).” Não será difícil, reconhecer o particular relacionamento do técnico de saúde com o seu doente,
reconhecendo conjuntamente a particular feição do respectivo quadro de responsabilidade.
É que “a responsabilidade, como a obrigação, implica e pressupõe a consciência, com a liberdade; na sequência do
tipo da 'resposta', das 'contas prestadas', implica ainda o mérito e, particularmente, a sanção ” - sanção, esta,
evidentemente de ordem diversa da prevista nos códigos da sociedade civil.
O âmbito da responsabilidade consiste “naquilo de que se é responsável - ele não é outro senão o da 'dimensão'
objectiva' da obrigação, ou seja a obrigação objectiva, 'as obrigações' ou deveres do sujeito, as suas
'responsabilidades' - de pai, de juiz, de cidadão, etc.”... de técnico de Saúde, enfim!
2.2.1.2. Direito
2.2.1.2.1. A Missão da Federação Portuguesa de Osteopatas
Por escritura outorgada no 4.º Cartório Notarial de Lisboa, no dia 3 de Novembro de 2000, foi constituída uma
Federação, com a denominação de FPO . Federação Portuguesa de Osteopatas, que, publicado pelo Diário da
República . III SÉRIE N.º 84 . 9 de Abril de 2001, tem por objectivo:
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“1.a) A coesão, defesa e promoção de todos os seus membros, enquanto associações relacionadas com a
Osteopatia e demais terapias manuais e respectivos associados, bem como daqueles que exerçam ou venham
a exercer a actividade profissional de Osteopatia e demais terapeutas manuais;
b) Fomentar o estudo e investigação tecnológico no que à Osteopatia e demais terapias manuais diz respeito;c ) Fomentar a formação e valorização profissional dos profissionais de Osteopatia e outros terapeutas manuais;
d ) Proceder ao registo e listagem dos profissionais Osteopatas;
e) Validar diplomas em Osteopatia e assegurar e garantir o respectivo valor académico, a competência e a
moralidade profissional.
2 . Sem prejuízo da competência própria de cada uma das associações federadas, são atribuições da
Federação:
a) Proceder ao registo e listagem dos profissionais Osteopatas;
b) Coordenar a actuação dos seus membros em questões de interesse comum;
c ) Assegurar a sua representação própria junto de quaisquer entidades nacionais e internacionais;
d ) Promover a melhoria das condições de exercício da actividade profissional de Osteopatas;e) Prestar serviços aos membros das associações federadas ou criar entidades para esse efeito, nos termos a
definir em regulamento;
f ) Fomentar o estudo e a investigação tecnológica, a formação e valorização profissional através de cursos, pós-
graduações, seminários, simpósios, congressos e outras manifestações do tipo;
g ) Validar diplomas em Osteopatia para os quais tenha competência;
h) Estudar, realizar e divulgar todos os demais assuntos de interesse comum para os associados.
3 . A Federação poderá filiar-se em organizações internacionais que prossigam os mesmos fins. Tem direito de
se filiar na Federação:
a) Associações patronais ou sindicais, cujos membros exerçam ou venham a exercer a actividade profissional
de Osteopatas e demais terapias manuais;
b) Associações de profissionais e outras, ligadas à área de actividade abrangida pela Federação, desde que se
encontram regularmente constituídas.
2 . A admissão de sócios é da competência da direcção e será dirigida por escrito, através de proposta.
3 . O pedido de admissão deverá ser instruído com os elementos necessários a correcta identificação do
proponente.
1 . Perdem a qualidade de sócio:
a) Por sua iniciativa, os sócios que se demitirem;
b) Por deliberação da assembleia geral, os sócios que tiverem praticado actos contrários aos objectivos da
Federação ou susceptíveis de afectarem gravemente o seu prestígio;
c ) Por deliberação da direcção, os sócios que tiverem deixado de satisfazer as condições de admissão;
d ) Por deliberação da direcção, os sócios que, tendo em débito de mais três meses de quotas, não liquidarem
tal débito dentro do prazo que lhes for fixado por carta registada.
2 . O sócio excluído perde todo e qualquer direito sobre tal património social.
3 . Em qualquer dos casos referidos no n.º 1 deste artigo, os sócios manter-se-ão obrigados por um período de
três meses a contar da data de comunicação da perda ou exclusão da qualidade de sócio, às prestações
pecuniárias referidas no artigo 7.º, alínea a)
4 . Das deliberações da direcção previstas nas alíneas c ) e d ) do n.º 1 cabe recurso, para a assembleia geral.”
A Federação Portuguesa de Osteopatas conta entre as suas finalidades essenciais a defesa da ética, da deontologia e
da qualificação profissional, a fim de assegurar e fazer respeitar o direito dos utentes a uma prática qualificada.
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Não se nega todo o valor jurídico às normas do Código Deontológico; consideram-se de grande interesse para a
concretização de certas cláusulas gerais do direito civil, ou para auxílio do juiz para decidir acerca da ilicitude da
conduta do Osteopata.
No entanto, não existe “Um” código dentológico descrito pela FPO. Cada Associação representada da Federação
possui o seu, pelo que para efeitos de referência, aconselhamos o aluno a consultar as indicações referidas pelo
Forum for Osteopathic Regulation in Europe.
2.2.1.2.2. Responsabilidade em Osteopatia
Não é, evidentemente, possível examinar aqui, de modo adequado, esta matéria, pelo que nos limitaremos a breves
referências, remetendo a atenção do aluno à lei 45/2003 de 22 de Agosto em Diário da Republica - I Série-A.
2.2.1.2.3. Responsabilidade Disciplinar
No que respeita à responsabilidade disciplinar dos Osteopatas, há que distinguir, por um lado, a responsabilidadedisciplinar profissional, a que estão sujeitos todos os Osteopatas, resultante de actos que possam comprometer a
autoridade ou disciplina da FPO e o exercício da actividade osteopática, estando em causa interesses meramente
profissionais; do outro, a responsabilidade disciplinar administrativa, a que “um dia” estarão sujeitos os Osteopatas
integrados em serviços públicos, em que está em causa o prejuízo causado pelo funcionário ao regular funcionamento
do serviço. No que respeita a esta última, o “Estatuto do Osteopata” poderá, num futuro em que as terapias
complementares sejam regulamentadas, afirmar expressamente que os Osteopatas, exercendo funções profissionais
em serviços públicos, ficam sujeitos ao regime disciplinar dos funcionários e agentes da Administração Central,
Regional e Local (definido pelo decreto-lei n." 24/84 de 16 de Janeiro).
Quanto à responsabilidade disciplinar profissional, há que atender ao artigo 10.º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em
Diário da Republica - I Série-A:
“Artigo 10.º Do exercício da actividade
1 - A prática de terapêuticas não convencionais só pode ser exercida, nos termos desta lei, pelos profissionais
detentores das habilitações legalmente exigidas e devidamente credenciados para o seu exercício.
2 - Os profissionais que exercem as terapêuticas não convencionais estão obrigados a manter um registo
individualizado de cada utilizador.
3 - O registo previsto no número anterior deve ser organizado e mantido de forma a respeitar, nos termos da lei, as
normas relativas à protecção dos dados pessoais.
4 - Os profissionais das terapêuticas não convencionais devem obedecer ao princípio da responsabilidade no âmbito
da sua competência e, considerando a sua autonomia na avaliação e decisão da instituição da respectiva terapêutica,
ficam obrigados a prestar informação, sempre que as circunstâncias o justifiquem, acerca do prognóstico e duração do
tratamento.”
2.2.1.2.4. Responsabilidade Civil
Deverá ser objecto da profunda atenção dos Juristas, que estudam as suas duas perspectivas - responsabilidade
contratual e extracontratual - com as suas relações mútuas; o problema das indemnizações por danos patrimoniais e
por danos não patrimoniais ou “morais”; as questões da causalidade e do ónus da prova, que oferecem na prática da
Osteopatia dificuldades particulares; a responsabilidade das instituições públicas e clínicas privadas; a
responsabilidade dos Osteopatas pelos actos dos seus auxiliares, ou pela utilização dos métodos ou instrumentos
perigosos, etc., etc.
Quanto à responsabilidade civil, há que atender ao artigo 12.º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em Diário da Republica -
I Série-A:
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“Artigo 12.º
Seguro obrigatório
Os profissionais das terapêuticas não convencionais abrangidos pela presente lei estão obrigados a dispor de um
seguro de responsabilidade civil no âmbito da sua actividade profissional, nos termos a regulamentar.”
2.2.1.2.5. Responsabilidade Criminal
O Código Penal actualmente em vigor define o relevo penal a várias actividades referenciadas como práticas no âmbito
da Saúde.
Assumem importância muito particular os seguintes:
Intervenções e tratamentos arbitrários: o art. 158.° contempla, como crimes contra a liberdade, as intervenções e
tratamentos realizados sem consentimento do paciente ou seu representante.
Requisitos de consentimento: são estabelecidos de modo rigoroso nos art. 38.º e 159.º. Intervenções e tratamentos
com oposição do paciente ou do seu representante: o art. 156.º configura em tal caso o crime de coacção.
Neste campo oferece-se um grave problema, se o representante legal se opuser a tratamento formalmente indicadopela ciência médica.
No que respeita aos menores, um artigo do Código Civil abre caminho a uma solução, através de requerimento do
Ministério Público, ou de qualquer parente, ao tribunal para que decrete as providências adequadas.
Quanto à responsabilidade criminal, há que atender ao artigo 17.º e 18º da Lei45/2003 de 22 de Agosto em Diário da
Republica - I Série-A:
“Artigo 17.º
Fiscalização e sanções
A fiscalização do disposto na presente lei e a definição do respectivo quadro sancionatório serão objecto de
regulamentação por parte do Governo.
Artigo 18.º
Infracções Aos profissionais abrangidos por esta lei que lesem a saúde dos utilizadores ou realizem intervenções sem o respectivo
consentimento informado é aplicável o disposto nos artigos 150º, 156º e 157º do Código Penal, em igualdade de
circunstâncias com os demais profissionais de saúde.”
2.2.2. Segredo Médico
O contrato tácito representado pela relação técnico de saúde/doente é uma verdadeira aliança entre pessoas: A
qualidade dessa relação exige a criação de uma atmosfera caracterizada por atitudes pessoais de respeito, veracidade
e fidelidade, condições imprescindíveis à instauração de um clima de confiança mútua, de que o segredo profissional é
condição fundamental.
O segredo profissional é um caso especial do segredo confiado. Deriva de múltiplos serviços de acção inter-humana e
é recebido por quem exerce uma profissão de interesse social, que em geral supõe a existência de um pacto implícito.
Poderá afirmar-se que o segredo se constitui em contrato, ou quase-contrato: O segredo médico não é um privilégio do
profissional mas sim sua grave responsabilidade; é um direito e usufruto do doente.
O segredo profissional impõe-se a todos os técnicos de saúde, constitui matéria de interesse moral e social e abrange
todos os factos que tenham chegado ao conhecimento do mesmo técnico em razão e no exercício do seu trabalho.
São objecto de segredo a doença e as circunstâncias que a rodeiam, e ainda factos porventura não relacionados com a
doença mas de que o técnico de saúde tome conhecimento “em razão e no exercício da sua profissão”, como será,
nomeadamente, o caso de informações confidenciadas pelo doente.
Importa examinar a questão dos limites do segredo médico.
Entendido nos termos quinta-essenciados no Juramento Hipocrático, o segredo médico deveria assumir um carácter
geral e absoluto - e assim foi pensado por muitos técnicos de saúde.
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Se o segredo fosse geral, deveria cobrir tudo o que se pôde saber, compreender, adivinhar no exercício da sua
actividade.
Se o segredo fosse absoluto, nem o doente, nem o técnico de saúde, nem o juiz dele poderiam transpor; não cederia
perante qualquer interesse social, mesmo aparentemente mais elevado; não conheceria excepções - perfeitamente
semelhante ao segredo do confessionário! Tal rigor conduziria inevitavelmente a situações perfeitamente absurdas,
como é evidente.
Os moralistas estão de acordo em considerar o carácter não absoluto do segredo profissional, sistematizando assim as
circunstâncias em que poderá eventualmente cessar a sua obrigatoriedade:
a) Consentimento do interessado
b) Exigência do bem comum
c) Exigência do bem de terceiro
d) Se a revelação poupar prejuízo grave à pessoa interessada no segredo
e) Se da não revelação do segredo decorrer prejuízo grave para a pessoa depositária do segredo.
Como é que a lei encara a questão do segredo profissional?
A sua matéria e âmbito são enunciados, como já atrás fica dito, nos artigos 89.º e 90.º do decreto-lei n." 40 651 de21/6/1956.
O crime de revelação do segredo profissional está tipificado no capítulo acerca dos crimes contra a reserva da vida
privada. Nesse texto legal declara-se punível o delito apenas na medida em que ocorra prejuízo de outrém, e quando o
facto for cometido sem justa causa.
A lei e os textos regulamentares definem as causas escusatórias da obrigação do segredo profissional.
No Código Penal estabelece a “exclusão da ilicitude”, delimitando assim a justa causa.
Em relação a algumas das situações atrás confirmadas, poderia pôr-se a seguinte questão: haverá mesmo segredo
profissional a guardar ou a quebrar?
Poderá afirmar-se, que o segredo médico tem duas bases: o interesse privado do doente, cuja intimidade deve ser
garantida contra qualquer indiscrição agressiva, e o interesse social e colectivo da profissão osteopática, que deve
proteger a confiança necessária dos doentes em relação aos seus técnicos de saúde.Se alguma destas bases falta, já não haverá segredo, pois uma instituição só terá direito à protecção jurídica na
medida em que corresponda a uma utilidade.
Não há segredo a guardar quando o doente é a vítima (e não o autor) de um atentado. Efectivamente, em tal situação o
interesse privado do doente é a sua salvação, se ainda for tempo, ou a sua vingança, se o socorro médico tiver
chegado demasiado tarde; quanto ao interesse colectivo da profissão médica é evitar toda a suspeita de compromisso
com o crime.
É de plena actualidade esta matéria quando se evoca o grave problema das crianças vítimas de maus tratos.
Não haverá que considerar o segredo médico nas acções de responsabilidade médica, quando é o doente quem,
invocando uma falta profissional do médico que o tratou, o leva aos tribunais. Em tal caso, com efeito, faltam os dois
fundamentos do segredo: o interesse privado do doente é, naturalmente, obter a reparação dos prejuízos que terá
sofrido, correndo o risco de ver o médico seu adversário, para se defender, revelar algum facto desagradável até então
oculto em nome do dever da humanidade.
2.2.3. O sigilo médico no direito português
2.2.3.1. No Direito Constitucional
O princípio da dignidade da pessoa humana encabeça o ordenamento jurídico português. Deste princípio da dignidade
da pessoa humana, de inspiração kantiana e iluminista, a Lei Fundamental apresenta um extenso leque de direitos
fundamentais. O direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é protegido pelo artigo 26.º da Constituição
da República Portuguesa (CRP). “No plano filosófico, o respeito pelo segredo baseia -se num direito natural à
intimidade que faz parte do desenvolvimento da pessoa. O segredo identifica-se com uma condição necessária à
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pretende proteger, para lá do simples interesse comunitário da confiança na discrição e reserva, a privacidade em
sentido material, isto é, a privacidade no seu círculo mais extenso, abrangendo não só a esfera da intimidade como
a esfera da privacidade stricto senso.” Como vemos, o médico, outros profissionais de saúde, e outras pessoas no
exercício da sua profissão, devem guardar confidencialidade relativamente não só aos dados sobre a saúde,
como sobre outros aspectos relativos à vida privada do paciente.
Fazem parte da esfera íntima da pessoa: os dados relativos à filiação, residência, número de telefone, estado de
saúde, vida conjugal, amorosa e afectiva, os factos que decorrem dentro do lar, as informações transmitidas por carta
ou outros meios de telecomunicações, os factos passados que caíram no esquecimento, etc.
Assim, os dados relativos ao estado de saúde merecem a mais forte protecção.
Neste sentido, podemos constatar que a Lei de Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro) prevê
um regime especial para os dados de saúde, considerando-os “dados sensíveis” (artigo 7.º) e impondo “medidas
especiais de segurança” (artigo 15.º), quando esses dados forem objecto de tratamento, o que demonstra a natureza
especialmente protegida destas informações.
No âmbito da relação clínica, o médico tem conhecimento de factos que pertencem à área de confidencialidade e
reserva, mesmo à área da intimidade. A sua revelação ou divulgação arbitrárias (sem consentimento do paciente) e não justificadas “configuram um atentado
socialmente intolerável a bens jurídicos criminalmente tutelados. E podendo, como tal, ser punida já a título
de Devassa da vida privada (artigo 192.º do Código Penal), já sob a forma de Violação de segredo (artigo 195.º do
Código Penal).”
I. Devassa da vida privada
Este crime está previsto no artigo 192.º (Devassa da vida privada), que prescreve:
1. Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade
da vida familiar ou sexual:
a) Interceptar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa, comunicação telefónica, mensagens de correio
electrónico ou facturação detalhada;
b) Captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos ou espaços íntimos;c) Observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar privado;
d) Divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra pessoa; é punido com pena de prisão até um ano
ou com pena de multa até 240 dias.
O crime de devassa da vida privada é um crime comum, isto é, não depende da qualidade específica do agente.
Quando o agente é um médico (ou outro profissional obrigado a sigilo), verifica-se uma relação de concurso aparente
com o crime de violação de segredo (artigo 195.º do Código Penal).
A vida privada das pessoas merece a protecção do direito penal, e isto independentemente do carácter desonroso ou
não desses factos. O bem jurídico que aqui está em jogo é a privacidade e não a honra. Por outro lado, o direito
pretende evitar não apenas o acesso à informação (alíneas a) a c), mas também a divulgação desses factos (al. d).
II. O crime de violação de segredo
O tipo legal com crime previsto no artigo 195.º do Código Penal protege o bem jurídico individual privacidade e também
o bem jurídico supra-individual prestígio e confiança em determinadas profissões:
Artigo 195.º (Violação de segredo):
Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício,
emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
Relativamente à factualidade típica, isto é, os factos que se devem verificar para se poder afirmar estarmos perante o
tipo legal de crime, devemos enunciar os seguintes:
1) Terá que se tratar de um segredo, isto é:
a) Tratar-se de factos conhecidos de um número circunscrito de pessoas
(que não sejam do conhecimento público ou de um círculo alargado de pessoas ou que não seja um facto notório);
b) Que haja vontade de que os factos continuem sob reserva
c) Existência de um interesse legítimo, razoável ou justificado na reserva;
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2) Terá que ser um segredo alheio (do paciente ou de terceiro);
3) Obtido no exercício da profissão: “só é segredo médico aquilo que o médico sabe de outra pessoa, apenas porque é
médico;” “não é segredo penalmente relevante aquilo que o agente conhece em veste puramente “privada”.
Se o médico revelar informações sobre a saúde do paciente a terceiros está preenchido o tipo legal de crime. E a
licitude verificar-se-á se não houver qualquer causa de justificação. Trata-se de um crime semi-público, pelo que é
necessária a apresentação de queixa.
2.2.3.4. No Direito Civil
No plano civilístico, o direito ao sigilo médico enquadra-se no âmbito dos direitos de personalidade. Os direitos de
personalidade são direitos absolutos, que impõem não apenas uma obrigação passiva universal, mas ainda um
dever de respeito.
O direito ao sigilo pode radicar em duas fontes, quer no direito-quadro que é o direito geral de personalidade,
consagrado na lei, no artigo 70.º,60 quer no direito especial da personalidade, consagrado no artigo 80.º, o direito à
reserva sobre a intimidade da vida privada.Para além da referida tutela geral, encontramos um direito especial de personalidade no próprio Código Civil. O artigo
80.º (Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada) dispõe:
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrém.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
O artigo 483.º sanciona com o dever de indemnizar a violação de direitos de outrém, nomeadamente os direitos de
personalidade. Provando-se o comportamento ilícito e culposo do médico, pode o lesado intentar uma acção de
indemnização solicitando o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do ilícito praticado.
A violação dos direitos de personalidade dá lugar não só a responsabilidade civil mas também a “providências
(judiciais) adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos
da ofensa já cometida”, nos termos dos artigos 70º, n.º2 do Código Civil e artigos 1474º e ss. do Código de Processo
Civil.
2.2.3.5. Nas Terapias não convencionais
A Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto – Lei do enquadramento base das terapêuticas não convencionais – prescreve que
no âmbito das terapêuticas não convencionais se impõe a obrigação de respeitar a confidencialidade dos dados
pessoais e de guardar sigilo. Consideram-se terapêuticas não convencionais aquelas que partem de uma base
filosófica diferente da medicina convencional e aplicam processos específicos de diagnóstico e terapêuticas próprias.
Para efeitos de aplicação da presente lei são reconhecidas como terapêuticas não convencionais as praticadas pela
acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropráxia (artigo 3.º).
2.2.4. Direitos e Deveres do Doente
A formulação de um código universalmente válido em que se contemplaram, de forma clara e concreta, os Direitos
Fundamentais do Homem, deve-se, como é sabido, à iniciativa de René Cassin (1887-1976), ilustre jurista e académico
francês, presidente do Conselho de Estado francês e um dos fundadores da UNESCO. A adopção, pelas Nações
Unidas, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, representa um marco miliário de excepcional
importância no longo e trágico caminho percorrido por tantos indivíduos que, através dos tempos, procuraram criar o
clima indispensável para a aceitação de normativos universais respeitantes ao valor intrínseco, à dignidade e à
liberdade da pessoa humana.
É certo que a adesão formal e solene da grande maioria das nações à Declaração não teve consequências na praxis
jurídico-política de alguns desses territórios, e que os observatórios internacionais que vigiam a observância dessa
Declaração tem numerosíssimas vezes denunciado desrespeito, omissão ou frontal e brutíssima ofensa dos direitos
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que consigna. De qualquer modo, o facto de se tratar de uma Declaração Universal, de provir das Nações Unidas e de
ter sido assinada pelos poderes de grande parte das nações confere especial valor à Declaração, oferece base
concreta para queixas e denúncias e constitui um poderoso incentivo para o pensamento. ético-político, à escala
mundial.
A partir do enquadramento dos Direitos do Homem, não têm faltado tentativas de codificar os direitos de certos grupos
humanos, especificando-os de acordo com as características que os definem: direitos de minorias étnicas, religiosas,
de classes etárias (velhos, crianças, nascituros), de incapacitados ou limitados e, naturalmente, dos doentes em geral,
dos doentes mentais, dos doentes terminais, das crianças hospitalizadas, etc. Todavia, deve referir-se que a maioria
dos textos em que se tenta formular estes direitos não passam de tentativas, propostas ou sugestões, não tendo
merecido aprovação oficial em fórum internacional competente.
Mormente a ONU, que aprovou a dos Direitos dos Deficientes Mentais (1971) e a Declaração dos Limitado Físico
(1975), não produziu, até hoje, qualquer carta dos direitos do doente, certamente por temer as consequências político-
sociais de uma declaração universal, em vista da situação caleidoscópica (dos pontos de vista cultural, económico,
social, religioso e político) da magna questão da saúde no Mundo. De qualquer modo, não faltam documentos em que
se exaram as questões fundamentais, partindo do princípio de que os doentes constituem um grupo particularmentefragilizado (pelo receio, pelo sofrimento, pela exclusão da munidade dos sãos) e fortemente dependente do saber,
competência e dedicação de outros (pessoal de saúde, mas também familiares ou dependentes).
Alguns críticos (muitas vezes oriundos da área da saúde) têm contesta elaboração ou sequer a discussão de um
projecto de resolução conferente aos direitos do doente, argumentando que é prioritário fazer o elenco das
necessidades dos doentes e não dos seus direitos, que não seriam diferentes consignados na Declaração Universal,
que pelo seu escopo abrange todos os seres humanos, sãos e doentes; e que uma especificação dos direitos do
doente para além de discriminatória do doente em relação ao são, poderia ser presa de exploração demagógica.
Finalmente, e não pode negar-se peso a observação, de nada adiantaria enunciar os direitos do doente, sem lhe dar os
instrumentos que lhe permitissem fazer valer esses mesmos direitos, de forma responsável mas eficaz. Doutra forma,
tal direito seria um valor fundamental que pode ser conhecido e apreciado como conceito abstracto e universal, mas
que só se realiza quando vivido a parti uma realidade particular e concreta - obviamente, a de cada doente em cadaestação do seu padecer.
Seja como for, não nos parece despropositado analisar, embora com a brevidade necessária, alguns dos aspectos em
discussão, sem nos determos na sua natureza de direitos ou de necessidades, quiçá não passando, em algumas
formulações, de piedosas intenções ou de irrealizáveis expectativas. E não nos eximiremos a dizer algo sobre os
deveres dos doentes, sem os quais os seus direitos não seriam fundamentados. " Nas diversas propostas existentes
(elaboradas pela Associação Médica Mundial - Declaração de Lisboa, 1981; pelo Parlamento Europeu, pela
Associação dos Hospitais Americanos, etc.) pode distinguir-se alguns aspectos que merecem tratamento mais atento, e
outros, de menor significado ou importância, que são sobretudo propostos como base para procedimentos
reivindicativos ou de natureza jurídica, para indemnização por perdas e danos. Parece universal e pacífica a aceitação
da noção do direito a ser tratado como pessoa humana, isto é, nunca coisificável nem podendo ser reduzida a um
caso, um objecto de investigação, um número de cama ou uma ruína biológica. Trata-se da extensão de um artigo da
Declaração Universal, que estabelece o direito ao respeito pela dignidade humana e preceitua o espírito de
fraternidade como orientação de comportamentos. É evidente que só a humanização dos cuidados de saúde pode
garantir que este direito seja integral e sistematicamente respeitado.
Outra exigência ética, aliás emergente da primeira, é a do respeito pela autonomia do doente consciente, na posse das
suas faculdades psíquicas e livre.
Isto acarreta, na prática, uma verdadeira participação do doente na escolha entre várias opções terapêuticas, na
execução de planos terapêuticos e na avaliação dos resultados conseguidos. Escusado será dizer que, em situação
extrema, este direito inclui o de rejeitar toda e qualquer terapêutica. Não será necessário frisar o quão afastados nos
encontramos, na generalidade dos casos, de uma concretização deste direito, tão teórico: por ser necessária uma
verdadeira revolução cultural para se conseguir que o doente deixe de ser sujeito passivo de um tratamento para se
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tomar agente e colaborador do terapeuta numa empresa comum; revolução cultural que forçosamente terá de abranger
os doentes e o pessoal de saúde.
Ser informado com verdade e respeito; obter respostas verdadeiras a perguntas formuladas com sinceridade; poder ter
acesso aos dados do seu processo são exigências certamente justificadas e aparentemente fáceis de satisfazer, mas
que na realidade suscitam, na prática, muitas dificuldades. A começar pela verdade: será que todos os doentes
desejam saber “a verdade, toda a verdade e só a verdade” acerca do seu diagnóstico e prognóstico? Todo o técnico de
saúde sabe, por experiência própria, que não é assim e que muita pergunta apenas tem por fim obter a anestesia de
uma resposta tranquilizadora, embora enganadora. E parece claro que não há o direito de informar quem não deseja
ser informado, de revelar a verdade a quem não a solicitou. Não é este o lugar para discutir a questão, mas podemos
afirmar que o doente, do nosso ponto de vista, tem direito a saber a verdade que procura e que pode suportar.
O direito à confidencialidade é igualmente aceite por todos: mas como garantir o respeito por esse direito quando,
como tal acontece com cada vez maior frequência, os seus dados, a sua história, o seu diagnóstico deixam de ser
posse de um médico ou de ficar seguros nas fichas de um arquivo pessoal para entrar em circuito informático de
múltiplos acessos e em documentação escrita constante de processo praticamente aberto?
Todos desejamos ser tratados por profissionais competentes da nossa escolha, e receber cuidados personalizados ede qualidade. Poderemos exigir, baseando-nos nesse desejo convertido em direito, que sempre assim aconteça, em
qualquer parte e em qualquer dia, no interior de um país ou na sua capital, no isolamento de uma zona rural ou no
bulício da cidade? Este é um dos pontos em que parece mais admissível falar-se de necessidades eu situações
desejáveis do que direitos.
Direito indiscutível é o de todo o doente ser respeitado nas suas convicções sociais e religiosas, e de poder viver a sua
doença dentro do quadro espiritual que a sua fé lhe oferece. Assim, deverá poder receber (ou prescindir de) conforto
espiritual, nomeadamente através da ajuda de ministro da sua religião.
Todavia, será sempre fácil (haja em vista as minorias) concretizar este direito?
Estará o pessoal de saúde sempre atento aos sinais que o doente emite, não formalizados por timidez ou respeitos
humanos? Existirão sempre condições para que os ministros sejam bem recebidos, e não sintam hostilidade ou sejam
estorvados nos cultos? Estas interrogações justificam-se, pois é na medicina hospitalar, e particularmente na dosdoentes em estado terminal, que mais vezes surgem problemas deste tipo.
A manutenção de contactos estreitos com a família e os amigos constitui outra exigência universalmente aceite, pois é
de grande importância para um melhor decurso do processo mórbido, para além de corresponder a um anseio
naturalmente existente. Todavia, nem sempre as condições (burocráticas, de acesso, de acomodação, de horário)
permitem que esse apoio familiar surta os seus efeitos, e não se pode esquecer que o doente deverá ter a
possibilidade de seleccionar o número e a identidade das suas visitas, já que tem o direito de se defender de visitas
perturbadoras do seu equilíbrio psicológico. O pessoal de saúde poderá prestar um grande serviço ao doente, ao
limitar, a seu pedido, o número e a duração das visitas ou ao restringi-Ias a determinada categoria de familiares.
O desejo de não sofrer ou pelo menos de não ser sujeito a sofrimento intenso ou prolongado, certamente universal,
tem sido arvorado em direito por alguns, embora pareça difícil imaginar que em determinada situação clínica se possa
garantir a alguém a isenção total da experiência dolorosa. Mas pode, na quase totalidade dos casos, tratar-se a dor,
prevenindo-a, suprimindo-a ou pelo menos minorando-a consideravelmente. E aqui pode falar-se já de um direito:
o do doente com dor receber a terapêutica analgésica adequada, sem lhe ser aconselhado que suporte a dor ou que
tenha paciência, pois é inevitável o seu sofrimento.
Têm ainda sido apontadas como direitos algumas legítimas aspirações de quem está doente: o ter à sua disposição
serviços hospitalares devidamente equipados num raio geográfico razoável, o conhecer o nome e aspecto do médico
que vai realizar qualquer manobra diagnostica ou terapêutica, o poder associar-se com outros doentes portadores da
mesma patologia ou utentes do mesmo estabelecimento, com objectivos de defesa de direitos, recurso jurídico,
representação oficial. Note-se que, na maior parte dos países ocidentais, tais associações são respeitadas como
interlocutores qualificados na área da saúde; é o que acontece, sobretudo, com associações como as dos doentes
diabéticos ou hemofílicos. Estes exemplos mostram que não é a gravidade, a frequência ou o carácter social da
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doença a conferir força e impacte à respectiva associação, já que em todos estes aspectos a diabetes e a hemofilia se
diferenciam uma da outra.
Morrer em paz e em dignidade é o último e talvez mais importante direito do doente. Morrer assim é morrer a sua
própria e insubstituível morte, última oportunidade para o exercício da sua liberdade. Sempre que possível, deverá
ocorrer no ambiente familiar; mas há muitas circunstâncias em que, por razões médicas, familiares ou
socioeconómicas a morte poderá dar-se no hospital.
Infelizmente, muito frequentemente em condições desumanas, pelas condições de isolamento, abandono ou
envergonhada ocultação em que ocorre, como se a morte do doente representasse a derrota da medicina ou o
desprestígio da instituição. Há aqui, afigura-se-nos, uma enorme caminhada a fazer, mormente no ponto de vista
conceptual. É claro que não se poderá proporcionar condições para uma morte digna e em paz quando se não tenham
observado anteriores direitos do doente, tais como o de uma informação verdadeira e respeitosa, e se conheçam os
seus desejos e atitudes perante a morte.
Deveres tem-nos o doente também. Em primeiro lugar, o de respeitar quem o trata, até pela simples razão de que
exerce uma profissão marcada pelo espírito de solidariedade. Em princípio, é o seu aliado na luta contra a doença, a
pessoa competente em que deposita confiança e o advogado defensor dos seus direitos. Ver no pessoal de saúde umpotencial inimigo é de facto uma atitude perversa e profundamente negadora da relação interpessoal a estabelecer;
levada a extremos em certas sociedades, daqui resulta o espírito sistematicamente querelante do caçador de
indemnizações e a prática de uma medicina defensiva, que tão prejudiciais são à medicina.
Deve o doente ainda revelar toda a verdade a quem o interroga, depositar confiança em quem prova merecia, cumprir
as prescrições que livremente tenha aceite, fornecer toda a informação que lhe pareça relevante (mesmo quando não
solicitada), partilhar as suas inquietações e dúvidas, mas também as melhoras que vá experimentando. Se for dotado
de sabedoria, terá compreensão pelas humanas debilidades, omissões e enganos do técnico de saúde; se for
generoso, será mesmo capaz de Ihes perdoar.
Quando internado, o doente tem o dever de observar as regras e respeitar os usos existentes no hospital; e, sobretudo,
de manifestar solidariedade para com os outros doentes, não fazendo acepção nem excepção de pessoas, respeitando
o seu descanso, a sua loquacidade ou mutismo, as suas opções, opiniões e crenças. A terminar: são seguramente ideais muitas das situações acima esboçadas como decorrendo de uma convergência
sadia do exercício de direitos e da observância de deveres dos doentes.
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3. Quadro Legal Básico do Sistema de Saúde Português
3.1. Estrutura e Organização do Sistema de Saúde e do Serviço Nacional de Saúde
Celebrou-se, em 2009, o 30.º aniversário do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pela Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro,
foi instituída uma rede de órgãos e serviços prestadores de cuidados globais de saúde a toda a população, através da
qual o Estado salvaguarda o direito à protecção da saúde.
Surge, desta forma, a oportunidade de oferecer uma visão organizada e actualizada dos diplomas legais que já
nortearam e que organizam, hoje em dia, o sistema de saúde português.
A organização dos serviços de saúde sofreu, através dos tempos, a influência dos conceitos religiosos, políticos e
sociais de cada época e foi-se concretizando para dar resposta ao aparecimento das doenças.
Até à criação do SNS, a assistência médica competia às famílias, a instituições privadas e aos serviços médico-sociais
da Previdência.
1899 – O Dr. Ricardo Jorge inicia a organização dos serviços de saúde pública com o Decreto de 28 de Dezembro e oRegulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, de 24 de Dezembro de 1901. Regulamentada em
1901, a organização entra em vigor em 1903. A prestação de cuidados de saúde era então de índole privada, cabendo
ao Estado apenas a assistência aos pobres.
1945 – A publicação do decreto-lei n.º 35108, de 7 de Novembro de 1945, dá lugar à reforma sanitária de Trigo de
Negreiros (Subsecretário de Estado da Assistência e das Corporações do Ministério do Interior). É reconhecida assim a
debilidade da situação sanitária no país e a necessidade de uma resposta do Estado. São criados institutos
dedicados a problemas de saúde pública específicos, como a tuberculose e a saúde materna.
1946 – A Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, estabelece a organização dos serviços prestadores de cuidados de saúde
então existentes, lançando a base para uma rede hospitalar. Começa aqui um programa de construção de hospitaisque serão entregues às Misericórdias.
1958 – O Ministério da Saúde e da Assistência surge por via do decreto-lei n.º 41825, de 13 de Agosto. A tutela dos
serviços de saúde pública e os serviços de assistência pública deixam assim de pertencer ao Ministério do Interior.
1963 – A Lei n.º 2120, de 19 de Julho de 1963, promulga as bases da política de saúde e assistência. Atribui ao
Estado, entre outras competências, a organização e manutenção dos serviços que, pelo superior interesse nacional de
que se revistam ou pela sua complexidade, não possam ser entregues à iniciativa privada. Cabe ao Estado, também,
fomentar a criação de instituições particulares que se integrem nos princípios legais e ofereçam as condições morais,
financeiras e técnicas mínimas para a prossecução dos seus f ins, exercendo acção meramente supletiva em relação às
iniciativas e instituições particulares.
1968 – Os hospitais e as carreiras da saúde (médicos, enfermeiros, administração e farmácia) são objecto de
uniformização e de regulação através do decreto-lei n.º 48357, de 27 de Abril de 1968, e do decreto-lei n.º 48358, de
27 de Abril de 1968, que criam, respectivamente, o Estatuto Hospitalar e o Regulamento Geral dos Hospitais.
1971 – Com a reforma do sistema de saúde e assistência conhecida como “reforma de Gonçalves Ferreira”, surge o
primeiro esboço de um Serviço Nacional de Saúde. No decreto-lei n.º 413/71, de 27 de Setembro, que promulga a
organização do Ministério da Saúde e Assistência, são explicitados princípios, como sejam o reconhecimento do direito
à saúde de todos os portugueses, cabendo ao Estado assegurar esse direito, através de uma política unitária de saúde
da responsabilidade do Ministério da Saúde, a integração de todas as actividades de saúde e assistência, com vista a
tirar melhor rendimento dos recursos utilizados, e ainda a noção de planeamento central e de descentralização na
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1982 - O decreto-lei n.º 254/82, de 29 de Junho, cria as administrações regionais de cuidados de saúde (ARS), que
sucedem às mal sucedidas administrações distritais dos serviços de saúde, criadas pelo decreto-lei n.º 488/75. O
decreto-lei n.º 357/82, de 6 de Setembro, concede ao Serviço Nacional de Saúde autonomia administrativa e
financeira. Considerando que a gestão dos recursos financeiros afectos ao sector da saúde exige coordenação e
distribuição adequada e, simultaneamente, agilidade nos processos de actuação, entende-se que o Serviço
Nacional de Saúde, como suporte de todas as actividades do sector, deve ser dotado de autonomia administrativa e
financeira. O Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde fica incumbido de gerir as verbas que lhe são
globalmente atribuídas.
No mesmo ano, a carreira médica de Clínica Geral surge por via do decreto-lei n.º 310/82, de 3 de Agosto, que regula
as carreiras médicas (de saúde pública, clínica geral e médica hospitalar). O médico de clínica geral é entendido como
o profissional habilitado para prestar cuidados primários a indivíduos, famílias e populações definidas, exercendo a sua
intervenção em termos de generalidade e continuidade dos cuidados, de personalização das relações com os
assistidos e de informação sóciomédica.
1983 – O decreto-lei n.º 344-A/83, de 25 de Julho, que aprova a Lei Orgânica do IX Governo Constitucional, cria oMinistério da Saúde. A autonomia é ditada pela importância do sector, pelo volume dos serviços, pelas infra-estruturas
que integra e pela importância que os cidadãos lhe reconhecem. O Despacho Normativo n.º 97/83, de 22 de Abril,
aprova o Regulamento dos Centros de Saúde, dando lugar aos “centros de saúde de segunda geração”. Os centros de
saúde surgem como unidades integradas de saúde, tendo em conta os princípios informadores da regionalização e as
carreiras dos profissionais de saúde.
1984 – A criação da Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, através do decreto-lei n.º 74-C/84, de 2 de
Março, põe fim aos serviços médico-sociais da Previdência e marca a expansão do SNS. Torna-se o órgão central com
funções de orientação técnico-normativa, de direcção e de avaliação da actividade desenvolvida pelos órgãos e
serviços regionais, distritais e locais que intervêm na área dos cuidados de saúde primários. O clínico geral adquire o
estatuto de médico de família.
1986 - O decreto-lei n.º 57/86, de 20 de Março, regulamenta as condições de exercício do direito de acesso ao Serviço
Nacional de Saúde. O diploma visa estabelecer uma correcta e racional repartição dos encargos do Serviço Nacional
de Saúde, quer pelos chamados subsistemas de saúde, quer ainda por todas as entidades, de qualquer natureza, que,
por força da lei ou de contrato, sejam responsáveis pelo pagamento da assistência a determinados cidadãos.
Salvaguarda ainda que, porque os estabelecimentos oficiais não têm como objectivo a obtenção de qualquer lucro, os
preços a cobrar deverão aproximar-se, tanto quanto possível, dos custos reais. Prevê ainda taxas destinadas a
moderar a procura de cuidados de saúde, evitando assim a sua utilização para além do razoável.
1988 – O decreto-lei n.º 19/88, de 21 de Janeiro, aprova a lei de gestão hospitalar, traduzindo as preocupações
decorrentes do aumento do peso das despesas de saúde no orçamento do Estado. Aqui se enfatiza a necessidade da
introdução de princípios de natureza empresarial, no quadro da integração da actividade hospitalar na economia do
País. E se a qualidade é o princípio maior da gestão hospitalar, a rentabilidade dos serviços torna-se um valor de peso
na administração. São disso exemplo a criação de planos anuais e plurianuais para os hospitais e a criação de centros
de responsabilidade como níveis intermédios da administração. Na sequência, o Decreto Regulamentar n.º 3/88, de 22
de Janeiro, vem introduzir alterações substanciais no domínio dos órgãos e do funcionamento global do hospital, bem
como quanto à estrutura dos serviços. Assim, e à semelhança do que decorre nos restantes países europeus, são
reforçadas as competências dos órgãos de gestão, são abandonadas as direcções de tipo colegial, os titulares dos
órgãos de gestão passam a ser designados pela tutela, desenha-se o perfil de gestor para o exercício da função de
chefe executivo, são introduzidos métodos de gestão empresarial e são reforçados e multiplicados os controlos de
natureza tutelar.
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1989 – Na 2.ª Revisão Constitucional, a alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º é objecto de alteração, estabelecendo que o
direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde “universal e geral e, tendo em conta
as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”. Coloca-se assim a ênfase no princípio de
justiça social e de racionalização dos recursos.
1990 – A Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto, aprova a Lei de Bases da Saúde. Pela primeira vez, a protecção da saúde é
perspectivada não só como um direito, mas também como uma responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade
e do Estado, em liberdade de procura e de prestação de cuidados. A promoção e a defesa da saúde pública são
efectuadas através da actividade do Estado e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil
ser associadas àquela actividade. Os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou,
sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos. Para a
efectivação do direito à protecção da saúde, o Estado actua através de serviços próprios, mas também celebra acordos
com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e fiscaliza a restante actividade privada na área da
saúde.
A Base XXXIV prevê ainda que possam ser cobradas taxas moderadoras, com o objectivo de completar as medidasreguladoras do uso dos serviços de saúde. Destas taxas, que constituem receita do Serviço Nacional de Saúde, são
isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos. O decreto-lei n.º
73/90, de 6 de Março, aprova o regime das carreiras médicas. Os médicos, a par de outros técnicos de saúde, pelo
reconhecimento da sua preparação técnico-científica, especificidade e autonomia funcionais, passam a constituir um
corpo especial de funcionários. Nos regimes de trabalho, para além da fixação de uma duração semanal de trabalho
igual à da maioria dos funcionários, admite-se e motiva-se a prática do regime de dedicação exclusiva, sem
condicionamentos e com possível alargamento da duração semanal do trabalho. A formação médica pós-licenciatura e
pré-carreira deixa de integrar o diploma das carreiras.
1991 – O decreto-lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, aprova o regime legal da carreira de enfermagem, visando
regulamentar o exercício da profissão, garantindo a salvaguarda dos direitos e normas deontológicas específicos e aprestação de cuidados de enfermagem de qualidade aos cidadãos. O diploma clarifica conceitos, caracteriza os
cuidados de enfermagem, especifica a competência dos profissionais legalmente habilitados a prestá-los e define a
responsabilidade, os direitos e os deveres dos mesmos.
1992 - O decreto-lei n.º 54/92, de 11 de Abril, estabelece o regime de taxas moderadoras para o acesso aos serviços
de urgência, às consultas e a meios complementares de diagnóstico e terapêutica em regime de ambulatório, bem
como as suas isenções. Afirma que as receitas arrecadadas com o pagamento parcial do custo dos actos médicos
constituirão receita do Serviço Nacional de Saúde, contribuindo para o aumento da eficiência e qualidade dos serviços
prestados a todos e, em especial, dos que são fornecidos gratuitamente aos mais desfavorecidos. O diploma
sublinha os princípios de justiça social que impõem que pessoas com maiores rendimentos e que não são doentes
crónicos ou de risco paguem parte da prestação dos cuidados de saúde de que sejam beneficiários, para que outros,
mais carenciados e desprotegidos, nada tenham de pagar.
O decreto-lei n.º 177/92, de 13 de Agosto, estabelece o regime de prestação de assistência médica no estrangeiro aos
beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, reduzindo o seu âmbito de aplicação à assistência médica de grande
especialização que, por falta de meios técnicos ou humanos, não possa ser prestada no País.
Excluem-se as propostas de deslocação ao estrangeiro que provenham de instituições privadas.
1993 – É publicado o novo estatuto do SNS através do decreto-lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, que procura superar a
incorrecta – do ponto de vista médico e organizativo – dicotomia entre cuidados primários e cuidados diferenciados. A
indivisibilidade da saúde e a necessidade de uma criteriosa gestão de recursos levam à criação de unidades integradas
de cuidados de saúde, viabilizando a articulação entre grupos personalizados de centros de saúde e hospitais.
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As crescentes exigências das populações em termos de qualidade e de prontidão de resposta aos seus anseios e
necessidades sanitárias exigem que a gestão dos recursos se faça tão próximo quanto possível dos seus destinatários.
Daqui resulta a criação das regiões de saúde, dirigidas por administrações com competências e atribuições reforçadas.
A flexibilidade na gestão de recursos impõe ainda a adopção de mecanismos especiais de mobilidade e de contratação
de pessoal, como o incentivo a métodos e práticas concorrenciais.
O decreto-lei n.º 335/93, de 29 de Setembro, aprova o Regulamento das Administrações Regionais de Saúde.
No mesmo ano, é criado o cartão de identificação do utente do Serviço Nacional de Saúde, pelo decreto-lei n.º 198/95,
de 29 de Julho.
1998 – O decreto-lei n.º 97/98, de 18 de Abril, estabelece o regime de celebração das convenções a que se refere a
base XLI da Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto - Lei de Bases da Saúde. Na senda da procura de soluções inovadoras que
permitam identificar ganhos em saúde e aumentar a satisfação dos utilizadores e dos profissionais, nasce, no mesmo
ano, o regime remuneratório experimental dos médicos da carreira de clínica geral, por via do decreto-lei n.º 117/98, de
5 de Maio. Procura-se consolidar e expandir as reformas da organização da prestação dos cuidados, através do
adequado e justo reconhecimento dos diferentes níveis, qualitativos e quantitativos, do desempenho dosprofissionais de saúde.
A remuneração dos médicos abrangidos por este diploma integra uma remuneração base e componentes variáveis.
Estas correspondem à realização de cuidados domiciliários, ao alargamento do período de cobertura assistencial e à
realização das actividades de vigilância em relação aos grupos vulneráveis correspondentes à gravidez e puerpério,
criança no primeiro ano de vida e planeamento familiar na mulher em idade fértil.
No mesmo ano, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 140/98, de 4 de Dezembro, define um conjunto de medidas
para o desenvolvimento do ensino na área da saúde, entre as quais o reforço da aprendizagem tutorial na comunidade,
nos centros de saúde e nos hospitais, no quadro de uma reestruturação curricular dos cursos de licenciatura em
Medicina, a reorganização da rede de escolas superiores de enfermagem e de tecnologia da saúde, através da sua
passagem para a tutela do Ministério da Educação, e a reorganização da formação dos enfermeiros, com a
passagem da formação geral para o nível de licenciatura.
1999 – São estruturados os serviços de saúde pública, no âmbito dos quais se integra o exercício dos poderes de
autoridade de saúde enquanto poder-dever de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da
doença e na promoção da saúde. O decreto-lei n.º 286/99, de 27 de Julho, que estabelece a organização dos
serviços de saúde pública, dita que a implantação se opera a dois níveis: o regional e o local.
O decreto-lei n.º 374/99, de 18 de Setembro, cria os centros de responsabilidade integrados (CRI) nos hospitais do
Serviço Nacional de Saúde. Os CRI constituem estruturas orgânicas de gestão intermédia, agrupando serviços e/ou
unidades funcionais homogéneos e ou afins. A desconcentração da tomada de decisão, do planeamento e do controlo
dos recursos visa introduzir a componente empresarial na gestão destas unidades. O objectivo consiste em aumentar a
eficiência e melhorar a acessibilidade, mediante um maior envolvimento e responsabilização dos profissionais
pela gestão dos recursos postos à sua disposição
A 11 de Setembro do mesmo ano é publicado o Despacho Normativo n.º 61/99, que cria as agências de
contratualização dos serviços de saúde. Estas agências sucedem às agências de acompanhamento dos serviços de
saúde, criadas pelo Despacho Normativo n.º 46/97, vincando a distinção entre prestação e financiamento dos
cuidados de saúde. Às agências de contratualização cabe explicitar as necessidades de saúde e defender os
interesses dos cidadãos e da sociedade, com vista a assegurar a melhor utilização dos recursos públicos para a saúde
e a máxima eficiência e equidade nos cuidados de saúde a prestar.
Em 1999, é ainda estabelecido o regime dos Sistemas Locais de Saúde (SLS), através do decreto-lei n.º 156/99, de 10
de Maio. Trata-se de um conjunto de recursos articulados na base da complementaridade e organizados segundo
critérios geográfico-populacionais, que visam facilitar a participação social e que, em conjunto com os centros de saúde
e hospitais, pretendem promover a saúde e a racionalização da utilização dos recursos. Os SLS são constituídos pelos
centros de saúde, hospitais e outros serviços e instituições, públicos e privados, com ou sem fins lucrativos, com
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intervenção, directa ou indirecta, no domínio da saúde, numa determinada área geográfica de uma região de saúde.
É também estabelecido novo regime de criação, organização e funcionamento dos centros de saúde, através do
decreto-lei n.º 157/99, de 10 de Maio. São criados assim os chamados “centros de saúde de terceira geração”, pessoas
colectivas de direito público, integradas no Serviço Nacional de Saúde e dotadas de autonomia
técnica, administrativa e financeira e património próprio, sob superintendência e tutela do Ministro da Saúde. Prevê-se
ainda a existência de associações de centros de saúde.
2002 – Com a aprovação do novo regime de gestão hospitalar, pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, introduzem-se
modificações profundas na Lei de Bases da Saúde.
Acolhe-se e define-se um novo modelo de gestão hospitalar, aplicável aos estabelecimentos hospitalares que integram
a rede de prestação de cuidados de saúde e dá-se expressão institucional a modelos de gestão de tipo empresarial
(EPE).
O decreto-lei n.º 39/2002, de 26 de Fevereiro, já havia aprovado nova forma de designação dos órgãos de direcção
técnica dos estabelecimentos hospitalares e dos centros de saúde, alterado a composição dos conselhos técnicos dos
hospitais e flexibilizado a contratação de bens e serviços pelos hospitais.
2003 – O decreto-lei n.º 60/2003, de 1 de Abril, cria a rede de cuidados de saúde primários. Para além de continuar a
garantir a sua missão específica tradicional de providenciar cuidados de saúde abrangentes aos cidadãos, a rede deve
também constituir-se e assumir-se, em articulação permanente com os cuidados de saúde ou hospitalares e os
cuidados de saúde continuados, como um parceiro fundamental na promoção da saúde e na prevenção da doença.
Esta nova rede assume-se, igualmente, como um elemento determinante na gestão dos problemas de saúde,
agudos e crónicos. Traduz a necessidade de uma nova rede integrada de serviços de saúde, onde, para além do papel
fundamental do Estado, possam co-existir entidades de natureza privada e social, orientadas para as necessidades
concretas dos cidadãos. Volvidos dois anos, este diploma será revogado, sendo repristinado o decreto-lei n.º 157/99,
de 10 de Maio.
Através do decreto-lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, surgem as taxas moderadoras, com o objectivo de moderar,racionalizar e regular o acesso à prestação de cuidados de saúde, reforçando o princípio de justiça social no Sistema
Nacional de Saúde.
No mesmo ano, nasce a Entidade Reguladora da Saúde, por via do decreto-lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro.
Traduz-se, desta maneira, a separação da função do Estado como regulador e supervisor, em relação às suas funções
de operador e de financiador.
2006 – O decreto-lei n.º 101/2006, de 6 de Junho, cria a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, visando
dar resposta ao progressivo envelhecimento da população, ao aumento da esperança média de vida e à crescente
prevalência de pessoas com doenças crónicas incapacitantes.
2007 – Surgem as primeiras unidades de saúde familiar, dando corpo à reforma dos cuidados de saúde primários. O
decreto-lei n.º 298/2007, de 22 de Agosto, estabelece o regime jurídico da organização e do funcionamento destas
unidades e o regime de incentivos a atribuir aos seus elementos, com o objectivo de obter ganhos em saúde,
através da aposta na acessibilidade, na continuidade e na globalidade dos cuidados prestados.
2008 – Assiste-se a mais um passo importante na reforma dos cuidados de saúde primários, com a criação dos
agrupamentos de centros de saúde do SNS, através do decreto-lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro. O objectivo
consiste em dar estabilidade à organização da prestação de cuidados de saúde primários, permitindo uma gestão
rigorosa e equilibrada e a melhoria no acesso aos cuidados de saúde.
2009 - O decreto-lei n.º 81/2009, de 2 de Abril, reestrutura a organização dos serviços operativos de saúde pública a
nível regional e local, articulando com a organização das administrações regionais de saúde e dos agrupamentos de
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centros de saúde. No horizonte está a modificação do perfil de saúde e doença das populações verificada nas últimas
décadas, devido à evolução das condições ambientais planetárias, às alterações dos estilos de vida e à globalização,
entre outros.
3.2. Enquadramento Legal das Unidades Privadas prestadoras de Cuidados de Saúde
Entende-se por unidades privadas de saúde os estabelecimentos não integrados no Serviço Regional de Saúde que
tenham por objecto a prestação de quaisquer cuidados ou serviços de saúde, designadamente no âmbito do
internamento, diagnóstico, terapêutica, prevenção e serviços de enfermagem.
Em Portugal, o sector hospitalar público constitui a principal rede de prestação de cuidados de saúde, absorvendo a
fatia mais importante do financiamento público do Serviço Nacional de Saúde e contribuindo, assim, com a factura
mais significativa da despesa pública em saúde.
À semelhança de outros países europeus, os sucessivos governos procuraram desenvolver iniciativas reformistas,
tendo em vista conferir maior eficiência, autonomia e responsabilidade às unidades hospitalares com o propósito mais
amplo de melhorar a performance do universo dos hospitais públicos, quer na óptica da obtenção de ganhos crescidosde saúde, quer na perspectiva da melhor utilização dos fundos atribuídos ao sector, controlando o crescimento dos
gastos públicos.
Desde o início dos anos 90, ao abrigo da Lei de Bases da Saúde e do Estatuto do SNS, foram tomadas várias
iniciativas reformistas com incidência no sector hospitalar, mas na viragem da década (e do século) cresceu o
reconhecimento geral de que as medidas até então equacionadas eram marcadas pelo excesso de timidez e
evidenciavam um alcance prático relativamente limitado. Com efeito, no sector hospitalar as experiências inovadoras
de gestão e de financiamento não chegaram a ganhar suficiente expressão e “massa crítica” para conseguirem gerar
os necessários efeitos estruturantes e de difusão e, consequentemente, operarem a mudança do panorama do sector.
Neste contexto, perante o reconhecido défice de implementação de medidas robustas de reforma, com a realização
das eleições legislativas de 2002, em matéria de política pública de saúde, assistiu-se à convergência dos programas
políticos dos três principais partidos com representação parlamentar. As propostas políticas convergiam nanecessidade de introduzir um novo impulso reformista no sentido de revitalizar e modernizar o SNS, conferindo-lhe
maior eficiência e sustentabilidade financeira e aumentando a sua produtividade, performance e eficácia, em termos de
ganhos de saúde.
De seguida apresenta-se uma listagem dos principais itens juridico –legais publicados, no âmbito de Parcerias Público-
Privadas:
decreto-lei n.º 505/99, de 20 de Novembro
Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício da actividade das Unidades Privadas de Diálise
decreto-lei n.º 500/99, de 19 de Novembro
Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício da actividade das Clínicas de Medicina Física e de
Reabilitação
decreto-lei n.º 97/98, de 18 de Abril
Regime Jurídico das Convenções
decreto-lei n.º 13/93, de 15 de Janeiro
Criação e Fiscalização das Unidades Privadas de Saúde
Decreto de Rectificação n.º 41/93, de 31 de Março
Rectificação do decreto-lei n.º 13/93
decreto-lei 240/2000, de 26 de Setembro
Alteração ao decreto-lei n.º 492/99
decreto-lei n.º 217/99 , de 15 de JunhoRegime do Licenciamento e Fiscalização dos Laboratórios Privados
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decreto-lei n.º 111/2004, de 12 de Maio
Alteração ao decreto-lei n.º 217/98
decreto-lei 241/2000, de 26 de Setembro
1.ª Alteração ao decreto-lei n.º 505/99decreto-lei n.º 16/99, de 25 de Janeiro
Regime Jurídico do Licenciamento das Unidades Privadas de Saúde da área da Toxicodependência
decreto-lei n.º 492/99, de 17 de Novembro
Regime Jurídico do Licenciamento e Fiscalização do exercício das actividades das Unidades de Saúde Privadas que
utilizem Radiações e Ionizantes
decreto-lei n.º 176/2001, de 1 de Junho
2.ª Alteração ao decreto-lei n.º 505/99
Despacho n.º 14931/2001, de 24 de Maio
Manual de Boas Práticas de Diálise
decreto-lei n.º 233/2001, de 25 de Agosto
Regime de Licenciamento e Fiscalização das Clínicas e dos Consultórios dentários
Portaria n.º 268/2010, de 12 de Maio
Estabelece os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas
para o exercício da actividade das clínicas e consultórios dentários
Decreto Regulamentar n.º 63/94, de 2 de Novembro
Requisitos relativos a instalações, organização e funcionamento das unidades privadas
Despacho n.º 399/2009, de 7 de Janeiro
Aprovação do Manual de Boas Práticas Laboratoriais de Anatomia Patológica (MBPLAP)
decreto-lei n.º 13/2009, de 12 de Janeiro
Estabelecimento das condições e dos requisitos para que os estabelecimentos e serviços prestadores de cuidados de
saúde, públicos e privados, independentemente da sua natureza jurídica, dispensem medicamentos para tratamento no
período pós-operatório de situações de cirurgia de ambulatório.
decreto-lei n.º 279/2009, de 6 de Outubro
Estabelecimento do regime jurídico a que ficam sujeitos a abertura, a modificação e o funcionamento das unidades
privadas de serviços de saúde
Despacho n.º 7001/2002, de 4 de Abril
Clausulado-tipo da convenção para a prestação de cuidados de saúde na área da Diálise
Despacho n.º 4325/2008, de 19 de Fevereiro
Revisão do clausulado-tipo da Convenção para a Prestação de Cuidados de Saúde na Área da Diálise
Despacho n.º 4652/2010, de 16 de Março
Alteração às cláusulas 5.ª e 14.ª do clausulado tipo aprovado pelo despacho n.º 7001/2002, do Secretário de Estado da
Saúde, de 7 de Março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 79, de 4 de Abril de 2002, alterado e republicadopelo despacho n.º 4325/2008, do Secretário de Estado da Saúde, de 18 de Janeiro, publicado no Diário da República,
2.ª série, n.º 35, de 19 de Fevereiro de 2008
Portaria n.º 615/2010, de 03 de Agosto
Estabelecimento dos requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações
técnicas para o exercício da actividade das unidades privadas que tenham por objecto a prestação de serviços médicos
e de enfermagem em obstetrícia e neonatologia.
Portaria n.º 801/2010, de 23 de Agosto
Estabelecimento dos requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações
técnicas das unidades privadas de serviços de saúde onde se exerça a prática de enfermagem.
Portaria n.º 1056-A/2010, de 14 de Outubro
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Primeira alteração à Portaria n.º 801/2010, de 23 de Agosto, que estabelece os requisitos mínimos relativos à
organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas das unidades privadas de serviços de saúde
onde se exerça a prática de enfermagem
Portaria n.º 1212/2010, de 30 de NovembroEstabelece os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas
para o exercício da actividade das unidades privadas de medicina física e de reabilitação que prossigam actividades de
diagnóstico, terapêutica e de reinserção familiar e sócio - profissional.
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4. Enquadramento Legal dos Contratos no Sistema Nacional de Saúde
4.1. Contratualização e Tipos de Contratos em Saúde
Com a desproporção existente entre a necessidade crescente da prestação de cuidados de saúde aos cidadãos e a
escassez ou limitação dos recursos disponíveis no sector público para lhes dar satisfação, desde a década de 80 que o
SNS, inicialmente através da Direcção Geral de Saúde e posteriormente através das Administrações Regionais de
Saúde recorre sistematicamente através de contratação a capacidade produtiva privada para a prestação de cuidados
de saúde.
Esta solução permite superar essa situação de insuficiência e limitação de recursos no sector público, sobretudo no
que respeita a meios complementares de diagnóstico e terapêutica.
A contratação de prestação de cuidados de saúde entre o SNS e os operadores privados traz assim claras vantagens
aos utentes ao permitir um aumento das hipóteses de escolha, bem como um acesso a um leque mais variado de
serviços prestadores de cuidados de saúde.
Neste sentido, os utentes são os primeiros beneficiários de um sistema que funcione em respeito de adequados níveisde eficiência e qualidade e em que seja garantida uma ampla e eficaz cobertura de todo o território nacional em
recursos humanos e unidades de saúde, quer sejam elas públicas ou não públicas.
Seria muito penoso estar a descrever e avaliar os conceitos e princípios gerais da contratualização, bem como os t ipos
de contratos existentes. Para uma melhor e pormenorizada informação, convido o aluno a observar o Anexo referente
ao assunto em questão. Tal documento, realizado pela Entidade Reguladora de Saúde, apresenta, enquadra e avalia
todo este conteúdo.
4.2. Lei da Responsabilidade Extracontratual do Estado
4.2.1. Noção, origens, evolução recente
O conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de sujeição às consequências de um comportamento.
Trata-se de um conceito de base ética, que remete originariamente para uma relação causal entre a adopção
consciente e voluntária de um comportamento lesivo de valores socialmente relevantes – e, por isso, merecedores de
protecção – e as consequências reprováveis resultantes de tal comportamento. Naturalmente que, sendo o direito um
sistema de ordenação de relações entre pessoas, tais consequências, para lá da censurabilidade, hão de se ter
repercutido negativamente na esfera jurídica de alguém que não o seu próprio autor.
Consoante a natureza e a importância dos valores lesados pelo comportamento, podem conceber-se várias espécies
de responsabilidade:
— a responsabilidade criminal ou penal, consequência da prática de um crime, uma conduta muito grave, por pôr em
causa valores decisivos da vida em sociedade;
— a responsabilidade disciplinar, resultante de um ilícito desta natureza;
— a responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, decorrente de um prejuízo causado alguém.
A responsabilidade que aqui nos interessa integra-se no âmbito desta última: é a responsabilidade civil extracontratual,
isto é, a obrigação que recai sobre uma entidade envolvida em actividade de natureza pública que tiver causado
prejuízos aos particulares (fora do contexto de uma relação contratual, evidentemente).
A ideia de responsabilizar o Estado pelos seus actos – isto é, de o obrigar a suportar as consequências destes – era
desconhecida antes de inícios do século XIX: a manifestação da vontade do soberano não podia gerar qualquer
obrigação de indemnizar, uma vez que the king can do no wrong . A indemnização a particulares lesados por acto do
poder não estava excluída, mas dependia da boa vontade (de uma graça ou mercê) do soberano.
Foram três os principais factores que determinaram a evolução no sentido da responsabilização do Estado:
a) A consolidação e aprofundamento do princípio da legalidade;
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b) Os reflexos das concepções organicistas no enquadramento jurídico da relação entre o Estado e o funcionário, que
acarretaram a susceptibilidade de imputação aos entes públicos dos danos emergentes dos actos ilegais
materialmente praticados pelos seus funcionários, solução mais adequada à necessidade de garantir efectivamente o
regular exercício do poder público;
c) O alargamento da intervenção económica, social e cultural do Estado.
Note-se, ainda, que durante muito tempo se considerou que somente os actos praticados no exercício da função
administrativa poderiam gerar responsabilidade do Estado; quanto aos actos legislativos e aos actos do poder judicial,
estes seriam insusceptíveis de tal consequência. Esta era a opinião jurídica dominante entre nós, até há poucos anos.
De resto, não obstante o entendimento maioritário na doutrina de que a Constituição já funda suficientemente tal
direito, foi preciso esperar até ao novo regime legal para que o legislador ordinário reconhecesse expressamente, como
princípio de âmbito geral, o direito à reparação pelo Estado dos prejuízos causados por actos legislativos e
jurisdicionais.
Até há bem pouco tempo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado era regulada pelo decreto-lei n.º 48051, de
21 de Novembro de 1967, publicado na sequência do Código Civil. Complementando este código, que dispunha, no
artigo 501º, sobre a chamada responsabilidade civil por actos de gestão privada – isto é, aqueles comportamentos emque a Administração Pública actua despojada dos seus poderes de autoridade e que são enquadrados por normas de
direito privado –, aquele diploma legal veio regular a responsabilidade do Estado por actos de gestão pública – isto é,
emergente de condutas autoritárias da Administração Pública, adoptadas sob a égide de regras e princípios de direito
administrativo. A distinção de regime substantivo reflectia-se no plano adjectivo, isto é, na determinação da jurisdição
competente para o julgamento das acções de responsabilidade – a comum, no primeiro caso, a administrativa, no
segundo.
Já há muito que a doutrina debatia a necessidade de rever o velho regime legal. Tal revisão, ganhou, de resto, maior
urgência com a entrada em vigor do novo ETAF e do CPTA, diplomas que concretizaram a Reforma de Justiça
Administrativa de 2002. Na verdade, por força desta, a jurisdição administrativa passou a ser competente para toda e
qualquer acção de responsabilidade a propor contra o Estado e outras entidades públicas, trate-se de actos de gestão
pública ou de gestão privada, distinção que a lei processual já não reconhece (cfr. alíneas h) e i) do n.º1 do artigo 4.ºdo ETAF).
Nos finais da década de 90, uma comissão de juristas prestigiados, constituída no âmbito da Ordem dos Advogados,
havia preparado um projecto de diploma destinado a substituir o velho decreto-lei n.º48051. Posteriormente, o XIV
Governo Constitucional aprovara, na reunião do Conselho de Ministros de 21 de Junho de 2001, a Proposta n.º 95/VIII,
que foi divulgada e chegou a ser objecto de debate público.
Ao contrário da Reforma da Justiça Administrativa, que seguiria o seu curso e culminaria em 2002, a revisão do regime
da responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras entidades públicas atolou-se num pântano de indecisões e
receios. Duas vezes aprovada, na generalidade, na Assembleia da República, por duas vezes sucumbiria ingloriamente
em resultado de dissoluções do parlamento. Dizia-se, até, que dava azar aos governos, que não sobreviviam à
tentativa de a concretizar.
Foi o XVII Governo Constitucional que a concluiu e fez aprovar na Assembleia da República. Estranhamente – ou
talvez não, consideradas as resistências que a responsabilização dos poderes públicos ainda encontra nalguns
espíritos mais “napoleónicos” – o diploma, que conseguiu a unanimidade dos partidos parlamentares, foi objecto das
dúvidas do Presidente da República, que recusou a sua promulgação, devolvendo-o ao parlamento. Este viria,
naturalmente, a confirmá-lo.
Trata-se da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprova em anexo o Regime da Responsabilidade Civil
Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. Este regime já conheceu uma alteração, constante da Lei n.º
31/2008, de 17 de Julho.
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4.2.2. Âmbito de aplicação
A primeira observação que a nova lei justifica tem, precisamente, a ver com o seu âmbito material: ao contrário do
diploma anterior, o novo regime legal aplica-se à responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos das funções
administrativa, legislativa e judicial (cfr. artigo 1.º, n.º1).
Trata-se, de uma importantíssima inovação, tardia mas essencial ao aprofundamento da qualidade do Estado de
direito. Não está em causa que as responsabilidades do Estado-legislador e do Estado-juiz devam ser apuradas
mediante a aplicação de princípios e regras que não são, nem podem ser, totalmente idênticos às do Estado-
administrador. Muito menos se contesta que o apuramento daquelas responsabilidades se deva necessariamente
revestir da mais cuidadosa ponderação, em domínios em que a imprudência pode ser fatal ao bem que se pretende
preservar.
O que está em causa é a ideia fundamental de que nada do que acontece em nome do Estado e no suposto interesse
da colectividade, mediante as acções ou omissões das suas instituições, pode ser imune ao dever de reparar os danos
provocados aos particulares. Podem discutir-se as condutas relevantes, os danos ressarcíveis, as circunstâncias, a
profundidade, as condições e os limites da reparação; mas o que não pode, em nosso entender, é discutir-se oprincípio.
Recomenda-se o aluno a observar os Anexos respectivos sobre a Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do
Estado.
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5. Segurança do Doente e Gestão de Risco em Osteopatia
Para um entendimento ideal de como funciona a Classificação Internacional para a Segurança do Paciente pela
organização Mundial de Saúde, é necessário conhecer duas definições que são centrais: o conceito de Segurança do
Paciente e o conceito de Incidente.
Segurança do Paciente
Segundo o documento da OMS, Segurança do Paciente é a redução do risco de danos desnecessários associados à
assistência em saúde até um mínimo aceitável. O “mínimo aceitável” se refere àquilo que é viável diante do
conhecimento actual, dos recursos disponíveis e do contexto em que a assistência foi realizada frente ao risco de não-
tratamento, ou outro tratamento. Complementando este conceito, a segurança do paciente não é nada mais que a
redução de actos inseguros nos processos assistenciais e uso das melhoras práticas descritas de forma a alcançar os
melhores resultados possíveis para o paciente.
IncidentesOs Incidentes são eventos ou circunstâncias que poderiam resultar, ou resultaram, em dano desnecessário ao
paciente. O uso do termo "desnecessário" nesta definição é por se reconhecer que erros, violações, maus-tratos e
actos deliberadamente inseguros ocorrem na assistência em saúde. Tudo isso é considerado incidente. Incidentes
acontecem em decorrência de actos involuntários ou planeados. Erros são, por definição, não intencionais, enquanto
que violações são geralmente intencionais ou eventualmente até mal intencionadas, e poderão tornar-se rotineiras e
automáticas em certos contextos. Um erro é uma falha para realizar uma acção planeada da forma como deveria
acontecer ou a realização incorrecta de um plano. Erros podem se manifestar quando se faz algo errado (erro por
comissão, que é activo), ou quando não se faz a coisa certa (erro por omissão, que é passivo), tanto no passo do
planejamento quanto na fase de execução. Uma violação é um desvio deliberado a partir de um procedimento, norma
ou regra. Tanto os erros quanto as violações aumentam os riscos, mesmo que um incidente não ocorra. Importante
saber que risco é a probabilidade de um incidente ocorrer.
O acesso aos cuidados de saúde de alta qualidade é um direito humano essencial, reconhecido e valorizado pela
União Europeia, as suas instituições e os cidadãos da Europa. Neste sentido, os doentes têm o direito de esperar que
sejam efectuados todos os esforços para assegurar a sua segurança enquanto utilizadores de qualquer serviço de
saúde.
O sector da saúde é uma área de alto risco, uma vez que os eventos adversos, decorrentes do tratamento e não da
doença, podem levar à morte, a danos graves, a complicações e ao sofrimento do doente. Ainda que muitos hospitais e
muitas instalações de saúde apliquem procedimentos para assegurar a segurança do doente, o sector dos cuidados de
saúde está ainda atrás de outras indústrias e outros serviços que já introduziram processos sistemáticos de segurança.
Várias investigações, conduzidas no mundo inteiro, sublinharam a necessidade e a possibilidade de reduzir o número
de eventos adversos no sector da saúde.
Os dados actuais mostram que quase metade da totalidade de eventos adversos evitáveis é consequência de erros de
medicação.
Neste sentido, terão de ser introduzidos instrumentos destinados à redução do número e das consequências dos
eventos adversos. O sector da saúde deverá ser concebido de maneira a que os erros e os eventos adversos sejam
prevenidos, detectados e limitados, de forma a que os erros graves possam ser evitados e seja melhorada a
conformidade com os procedimentos de segurança.
Como resultado do trabalho feito neste campo por vários intervenientes e várias instituições, assim como das provas
reunidas, tornou-se agora claro que o primeiro passo a ser dado deverá ser no sentido de estabelecer uma cultura de
segurança do doente que atravesse todo o sistema de saúde. A gestão do risco terá de ser introduzida como um
instrumento de rotina no seio da gestão de todo o sector da saúde. Uma condição prévia para a gestão do risco é um
ambiente de trabalho aberto e onde reine a confiança, com uma cultura que se concentre na aprendizagem a partir de
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situações nas quais quase ocorreram falhas, bem como a partir de eventos adversos, ao invés de se concentrar na
“culpa e vergonha” e nas punições daí decorrentes.
Os danos infligidos aos doentes pelo sector da saúde constituem um fardo pesado para a sociedade. Por conseguinte,
o investimento na segurança do doente tem o potencial de gerar poupanças nos gastos, associadas a um benefício
óbvio para os doentes.
O destaque para a segurança do doente leva a poupanças no tratamento de doentes expostos a eventos adversos
e à consequente utilização melhorada dos recursos financeiros. Além disto, conseguem-se poupanças em custos de
administração associados a queixas e pedidos de indemnização. Mais importante ainda, a segurança do doente
contribui para uma melhoria na qualidade de vida. Para conseguir atingir este objectivo, a cultura da segurança poderá
ser melhorada significativamente de diversas formas.
À luz do que foi dito acima, a Declaração produzida no final da Conferência Europeia “Segurança do Doente – Torná-la
uma realidade!”, realizada em 4 e 5 de Abril de 2005 em Luxemburgo-Kirchberg, recomenda que a “Segurança do
Doente” ocupe um lugar significativo e bem posicionado na agenda da UE, a nível nacion al em cada um dos estados-
membros da UE e localmente no sector dos cuidados de saúde.
A conferência recomenda às instituições da UE que:
• estabeleçam um fórum da UE com a participação dos responsáveis interessados para discutir as actividades
europeias e nacionais relativas à segurança do doente;
• trabalhem em conjunto com a Aliança da OMS no sentido de obterem um entendimento comum no que respeita às
questões da segurança do doente, e estabeleçam um ‘banco de soluções da UE’ com exemplos e padrões da ‘m elhor
prática’;
• criem a possibilidade de existirem mecanismos de apoio às iniciativas nacionais relativas aos projectos de segurança
do doente, reconhecendo que a segurança do doente faz parte do programa da DG Saúde e Protecção do
Consumidor;
• assegurem que as normas da UE, no que respeita a materiais médicos e serviços relacionados, sejam concebidas
tendo em mente a segurança do doente;• encorajem o desenvolvimento de padrões internacionais para a segurança e para o desempenho da tecnologia
médica;
• assegurem que o enquadramento normativo proteja a privacidade e a confidencialidade dos registos dos doentes,
tendo em vista o melhor interesse dos mesmos, bem como que as informações relevantes sobre o doente estejam
facilmente acessíveis aos profissionais de saúde.
A conferência recomenda às autoridades nacionais que:
• disponibilizem aos doentes o acesso livre e integral às suas informações pessoais de saúde, e assegurem a
exactidão dos dados e que os doentes compreendam o seu tratamento inteiramente. Reconhece-se que os
‘doentes informados’ estão bem posicionados para salvaguardar a sua própria saúde;
• considerem os benefícios de sistemas nacionais voluntários de elaboração de relatórios de adventos adversos e de
situações nas quais quase ocorreram falhas;
• trabalhem no sentido da introdução de rotinas de gestão do risco, por exemplo, ao desenvolver orientações e
indicadores como parte do sistema de controlo de qualidade no sector dos cuidados de saúde;
• optimizem a utilização de novas tecnologias, por exemplo, através da introdução de registos electrónicos dos
doentes. Estes registos incluiriam o perfil médico pessoal e os programas de apoio à tomada de decisões para os
profissionais de saúde com vista à redução de erros médicos e ao aumento das taxas de conformidade;
• estabeleçam fóruns nacionais, com a participação dos responsáveis interessados, para discutir a segurança do
doente e as actividades nacionais;
• salvaguardem as condições de trabalho para todas as profissões da saúde e assegurem que as normas
de recrutamento e retenção se relacionem com a segurança do doente;
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• reconheçam e apoiem a formação para o utilizador disponibilizada pelos fabricantes de dispositivos, ferramentas e
equipamentos médicos, assegurando assim a utilização segura das novas tecnologias médicas e técnicas cirúrgicas;
• incluam a segurança do doente no treino normal dos profissionais de saúde, combinada com métodos e
procedimentos integrados que estejam imbuídos numa cultura de aprendizagem e melhoramento contínuos;
• assegurem que o enquadramento normativo nacional proteja a privacidade e a confidencialidade dos registos dos
doentes no melhor interesse dos mesmos, e que as informações relevantes sobre os doentes estejam facilmente
acessíveis aos profissionais de saúde;
• criem uma cultura que se concentre na aprendizagem a partir de situações nas quais quase ocorreram falhas, bem
como a partir de adventos adversos, ao invés de se concentrar na “culpa e vergonha” e nas punições daí decorrentes.
A conferência recomenda aos prestadores de cuidados de saúde que:
• facilitem uma abordagem de colaboração nos cuidados entre os profissionais de saúde e os prestadores de cuidados
de saúde, com o objectivo de melhorar a segurança do doente;
• implementem, no local de trabalho, pr ojectos que se concentrem na segurança do doente e que estabeleçam uma
cultura aberta, de maneira a conseguir lidar com os erros e com as omissões de forma mais eficiente;• iniciem uma cooperação entre doentes / familiares e profissionais de saúde de maneira a que os doentes/ familiares
estejam a par de situações nas quais quase ocorreram falhas, bem como de adventos adversos.
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6. Protecção e Confidencialidade da Informação Pessoal e de Saúde
A protecção dos direitos fundamentais, especialmente do direito à intimidade, se encontra ameaçada diante do alto
nível de desenvolvimento tecnológico que vivificamos actualmente. Esse não é um problema isolado, que possa ser
tratado especificamente dentro os limites territoriais de determinado Estado ou País. É motivo de preocupação global
que atinge todos os países, de modo que a regulamentação dos bancos de dados funcionar também num âmbito
internacional.
A troca de informações e de dados é uma necessidade da sociedade contemporânea. É, portanto, torna-se imperioso
resguardar, evidentemente que de forma compatível com o contexto actual, os direitos fundamentais sujeitos a violação
devido às invasões aos bancos de dados, que podem atingir um dos mais importantes desdobramentos do direito à
personalidade: o direito de estar só, de ser deixado em paz.
Os dados sensíveis, por sua natureza eminentemente pessoal, necessitam de protecção especial, uma vez que sua
inserção indevida na chamada “sociedade da informação”, pode não apenas infringir o direito à intimidade, como
também ofender o princípio da isonomia.
Os dados médicos fazem parte do grupo dos dados sensíveis, e, por essa exacta razão, o seu tratamentoautomatizado deve ser realizado de forma extremamente cuidadosa, bem como a sua protecção, mais do que de
qualquer outro dado, deve ser amplamente garantida. Na área da saúde, a informatização precisa ser bem planeada,
para que a utilização dos registos médicos sirva para melhorar o sistema de saúde, e não de forma a abrir margem
para o uso indevido dos dados, configurando a violação da intimidade do indivíduo.
Apresentam-se em anexo as principais tomadas legais sobre esta problemática:
Protecção de dados pessoais:
· Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro.
Informação genética pessoal e informação de saúde:
· Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro.
Acesso aos documentos administrativos e sua reutilização:· Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto.
Criminalidade informática:
· Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto.
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7. Bibliografia
Daniel Serrão, Rui Nunes, 1998
Ética em Cuidados de Saúde
Porto Editora
J. Pinto da Costa, 1996
Responsabilidade Médica
Felício & Cabral – Publicações
L. Archer, J. Biscaia, W. Osswald, 1996
Bioética
Editorial Verbo
L. Archer, J. Biscaia, W. Osswald, M. Renaud, 2001Novos Desafios à Bioética
Porto Editora
M. Alberto Borges de Sousa, 1998
Tese de Mestrado
Medicinas Complementares e o seu Desenvolvimento no Contexto Económico e Social:
Importância do Enquadramento destas Medicinas no Serviço Nacional de Saúde Português
Edição Intituto de Técnicas de Saúde
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8. Webgrafia
Centro de Estudos de Bioética
http://www.ceb.com.pt/
Direcção Geral da Saúde
http://www.dgs.pt/
Entidade Reguladora da Saúde
http://www.ers.pt/
Federação Portuguesa de Osteopatas
http://www.fposteopatas.pt/
Forum for Osteopathic Regulation in Europehttp://www.forewards.eu
Organização Mundial da Saúde
http://www.who.int/
Organização Mundial de Saúde Osteopatica
http://www.woho.org
Osteopatia em Portugal
http://www.osteopatiaemportugal.com.pt/
Portal da Saúde
http://www.portaldasaude.pt/
Portal de Saúde Pública
http://www.saudepublica.web.pt/
Portal da Saúde da União Europeia
http://ec.europa.eu/health-eu/index_pt.htm
Secretaria Geral do Ministério da Saúde
http://www.sg.min-saude.pt/
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9. Anexos – Lista de Anexos
AnexosAnexo I Código de Nuremberg
Anexo II Declaração Universal dos Direitos Humanos
Anexo III Comissões de Ética do Sistema de Saúde
Anexo IV Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto
Anexo V Código Penal Português
Anexo VI Constituição da República Portuguesa
Anexo VII Lei Orgânica do Ministério da Saúde
Anexo VIII Lei de Bases da Saúde
Anexo IX Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes
Anexo X Avaliação do Modelo de Celebração de Convenções pelo SNS
Anexo XI Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado
Anexo XII Lei 67/98
Anexo XIII Lei 12/2005
Anexo XIV Lei 46/2007
Anexo XV Lei 109-1991