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1 XIV Seminario Internacional de la RII Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Territorio. Monterrey, outubro de 2016 Segregação socioespacial e fragmentação: notas a partir do estudo sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte, Brasil Jupira Gomes de Mendonça * Luciana Teixeira de Andrade ** Alexandre Magno Alves Diniz *** ¿Cómo podrían darse discontinuidades absolutas sin continuidades subyacentes, sin apoyatura ni proceso que le sea proprio? Y, recíprocamente, ¿cómo podría darse continuidad sin crisis, sin la aparición de factores o relaciones inéditas? (Henri Lefebvre, La Revolución Urbana) Se a atual ordem socioespacial, compreendida como uma reorganização do capitalismo, aponta para continuidades, aponta também para mudanças, reveladas inclusive pela necessidade de uma nova forma de denominá-la - globalização. Em que pesem as críticas e a sua vinculação às atuais formas hegemônicas de dominação, o termo globalização tem sido largamente usado como uma denominação que indica mudanças. Excetuando os processos revolucionários, as análises das sociedades complexas ao longo do tempo evidenciam tanto mudanças quanto permanências. Entender essas dinâmicas de forma que as forças da mudança ou da permanência não ganhem proeminência a ponto de sombrear ou mesmo esconder uma ou outra é um desafio das análises das dinâmicas socioespaciais contemporâneas. O estudo que a equipe do Observatório das Metrópoles/Núcleo MG realizou sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) nas décadas de 1980 a 2010, tendo como uma das referências centrais os censos demográficos, identificou continuidades e mudanças. Essa conclusão pode parecer banal, mas as análises dos processos socioespaciais enfrenta o desafio de compreender de forma equilibrada tanto as mudanças, quanto as permanências, assim como identificar o que há de realmente novo em ambas. Se a mudança for a expressão, por exemplo, de um processo de contínua adaptação ou * Professora do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do CNPq. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles/INCT-CNPq. E-mail: [email protected] ** Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisadora do CNPq. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles/INCT-CNPq. E-mail: [email protected] *** Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisador do Observatório das Metrópoles/INCT- CNPq. E-mail: alexandre[email protected]

Segregação socioespacial e fragmentação: notas a partir do … · O estudo que a equipe do Observatório das Metrópoles/Núcleo MG realizou sobre a Região Metropolitana de Belo

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XIV Seminario Internacional de la RII –

Red Iberoamericana de Investigadores sobre Globalización y Territorio. Monterrey, outubro de 2016

Segregação socioespacial e fragmentação: notas a partir do estudo sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte, Brasil

Jupira Gomes de Mendonça*

Luciana Teixeira de Andrade**

Alexandre Magno Alves Diniz***

¿Cómo podrían darse discontinuidades absolutas sin continuidades subyacentes, sin apoyatura ni proceso que le sea proprio? Y, recíprocamente, ¿cómo podría darse continuidad sin crisis, sin la aparición de factores o relaciones inéditas? (Henri Lefebvre, La Revolución Urbana)

Se a atual ordem socioespacial, compreendida como uma reorganização do capitalismo, aponta para continuidades, aponta também para mudanças, reveladas inclusive pela necessidade de uma nova forma de denominá-la - globalização. Em que pesem as críticas e a sua vinculação às atuais formas hegemônicas de dominação, o termo globalização tem sido largamente usado como uma denominação que indica mudanças. Excetuando os processos revolucionários, as análises das sociedades complexas ao longo do tempo evidenciam tanto mudanças quanto permanências. Entender essas dinâmicas de forma que as forças da mudança ou da permanência não ganhem proeminência a ponto de sombrear ou mesmo esconder uma ou outra é um desafio das análises das dinâmicas socioespaciais contemporâneas.

O estudo que a equipe do Observatório das Metrópoles/Núcleo MG realizou sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) nas décadas de 1980 a 2010, tendo como uma das referências centrais os censos demográficos, identificou continuidades e mudanças. Essa conclusão pode parecer banal, mas as análises dos processos socioespaciais enfrenta o desafio de compreender de forma equilibrada tanto as mudanças, quanto as permanências, assim como identificar o que há de realmente novo em ambas. Se a mudança for a expressão, por exemplo, de um processo de contínua adaptação ou

* Professora do Departamento de Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do CNPq. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles/INCT-CNPq. E-mail: [email protected]

** Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisadora do CNPq. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles/INCT-CNPq. E-mail: [email protected]

*** Professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisador do Observatório das Metrópoles/INCT-CNPq. E-mail: [email protected]

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submissão às forças externas ela pode vir a se revelar como apenas uma aparência de transformação. Já uma permanência pode ser uma novidade quando, por exemplo, estiver na contracorrente de uma tendência hegemônica. Analisar sob esse prisma o que ocorreu na RMBH nesses últimos trinta anos em relação às desigualdades socioespaciais é o objetivo deste artigo.

O estudo da estrutura socioterritorial metropolitana tem tido como pano de fundo as concepções sobre o modelo centro-periferia e as mudanças nele produzidas em decorrência da chamada globalização.

Uma ampla literatura vem discutindo este modelo, desde os anos de 1950, inicialmente para comparar o desenvolvimento econômico entre nações e, posteriormente, para analisar regiões dentro da mesma nação e, ainda, para pensar as configurações urbanas. A reestruturação produtiva em nível mundial, assim como as mudanças socioculturais e as políticas públicas trouxeram novos elementos para análise, ao impactar de novas formas os países, as regiões e as cidades. De um modo geral, a literatura mais recente tem colocado para o debate as seguintes questões:

• A organização econômica e social inerente às metrópoles contemporâneas é marcada por múltiplas realidades espaciais, que estão passando por significativas transformações em função da crescente inserção das cidades no mundo globalizado.

• As metrópoles vêm experimentando forte processo de desconcentração produtiva e populacional e uma contínua expansão do tecido urbano (Jain e Courvisanos, 2009; Partridge et al. 2010).

• Por sua vez, movimentos pendulares entre locais de residência e locais de emprego ou estudo têm se intensificado, figurando no cerne da integração metropolitana. A acessibilidade e a distância entre comunidades periféricas e o centro, bem como o tamanho e hierarquia urbana dessas comunidades são elementos determinantes da mobilidade pendular (Partridge et al. 2010).

• Observa-se também a transformação da estrutura física das regiões metropolitanas de uma condição mono para polinuclear, com o surgimento de centros especializados, inclusive nas periferias. No entanto, nem sempre esses núcleos periféricos são autossuficientes, fato que intensifica os movimentos pendulares (Firman, 1998; Jain e Courvisanos (2009).

• O papel do centro varia de acordo com a realidade analisada. Algumas experiências confirmam que a área core continua vibrante, representando o motor do crescimento das aglomerações urbanas, exercendo papel crucial e positivo no futuro da periferia (Partridge et al. 2008), constituindo-se, ainda, em centro de inovação, comunicação e transporte globais, com fortes conexões externas (Maki, 1992). Por outro lado, outros autores mostram-se céticos em relação ao papel cumprido pelas áreas centrais e os subúrbios adjacentes diante dos recentes desdobramentos da evolução urbana, que legaram às áreas centrais, comparativamente às periferias, níveis inferiores de crescimento populacional, geração de empregos, evasão de atividades econômicas, fazendo com que perdessem a vitalidade de outrora (Tuppen, 1986).

• A constatação da diversificação contemporânea das periferias coloca em xeque a dicotomia centro-periferia, convidando alguns pesquisadores a uma revisão dessa concepção de modo a relativizá-. Como sugerem Lewin et al. (2006) a perspectiva centro-periferia, em que pese ser muito instrutiva, não dá conta de captar a diversidade e a complexidade de regiões maiores e mais dinâmicas. Afinal, os anéis externos das aglomerações urbanas apresentam grande diferenciação interna, reforçando a

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perspectiva de Friedmann (1966) de que as regiões periféricas são várias. Neste sentido, alguns pesquisadores adotam uma estrutura interpretativa mais intricada, com destaque para Partridge et al. (2010), que concebem as metrópoles canadenses como sendo compostas por uma área central ou core, subúrbios internos, subúrbios externos e uma área periurbana (exurban), marcadas por distintas intensidades de movimentos pendulares; Tuppen (1986), que fraciona a metrópole de Lion em três zonas concêntricas: core, anel suburbano interno e anel suburbano externo; e Maki (1992) que entende a estrutura interna das metrópoles como sendo composta por uma parte central, as vizinhanças no entorno da cidade central, encaradas como uma extensão da cidade central, e a ex-suburbia, que figura além do segundo anel de subúrbios.

• Mudanças nos modos de vida e nos valores dos grupos sociais, decorrentes de fatores como a insegurança, novos arranjos familiares, entre vários outros, também afetam a distribuição espacial dos grupos pelos espaços metropolitanos. O mesmo ocorre em relação às políticas públicas urbanas. A forma como os governos atuam sobre o território, com maior ou menor controle dos interesses privados, em especial os do mercado imobiliário, afeta significativamente a ordem espacial metropolitana.

No caso brasileiro, a configuração centro-periférica, constituinte de nossa formação urbana, é o resultado socioespacial da forma de organização do processo industrial-capitalista. Historicamente, o centro é o lugar da riqueza, sob a forma de espaços físicos bem estruturados, legalizados e bem equipados, onde vivem as classes médias e os grupos dirigentes. A periferia é o lugar dos pobres, precária, mal estruturada, marcada pela autoconstrução e, muitas vezes, pela ilegalidade ou irregularidade urbanística. Há, em certa medida, uma relação de distância física entre centro e periferia. Enquanto conceito, no entanto, a distância é principalmente social. E a presença no território central da realidade periférica – as favelas – é uma constante nas médias e grandes cidades.

No urbano centro-periférico, o custo de reprodução da força de trabalho não inclui o custo da mercadoria habitação, ou seja, “a favela ou o lote ilegal [e também o lote popular, na periferia distante, podemos acrescentar] combinado à autoconstrução foram partes integrantes do crescimento urbano sob a égide da industrialização” (MARICATO, 2000, p.155). Se, por um lado, essa forma de construção do urbano-industrial significava o barateamento da força de trabalho, por outro, a ilegalidade na provisão da moradia era também funcional “para um mercado imobiliário [restrito e] especulativo (ao qual correspondem relações de trabalho atrasadas na construção), que se sustenta sobre a estrutura fundiária arcaica” (MARICATO, op.cit. p.148) – o “atrasado” alimentando e promovendo o crescimento do “moderno”, “em simbiose” (OLIVEIRA, 1972).

Na metrópole liberal-periférica da nova ordem econômica mundial, a configuração socioespacial urbana apresenta mudanças. A cidade global tem sido colocada como referência para a análise das diferentes realidades, em que pesem alguns textos críticos à hegemonização dessa referência. Em comum, o fato de que a cidade, valor de uso complexo necessário à realização do capital, ganha, ademais, a condição de insumo do próprio processo produtivo, através do circuito de acumulação urbana produzido pela aliança entre os proprietários fundiários, os capitais promotor e produtivo imobiliários e o Estado.

Na América Latina, a dinâmica imobiliária vai promover transformações na escala geográfica da segregação, como mostram Sabatini et. al (2004). Os autores propõem duas dimensões objetivas da segregação: “i) a tendência dos grupos sociais se concentrarem em algumas

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áreas específicas da cidade; 1 ii) a conformação de áreas ou bairros socialmente homogêneos (p. 64)”. 2 Esses processos ocorrem em diferentes escalas geográficas, podendo haver concentrações de grupos sociais em uma microescala, de forma dispersa pelo território (situação de menor segregação) ou, ao contrário, uma grande concentração de determinado grupo social, considerando a escala macro da cidade. Segundo Sabatini,

tanto as cidades chilenas quanto as latinoamericanas são conhecidas por apresentar uma segregação em ‘grande escala’. O que caracteriza estas cidades são extensas zonas de pobreza e uma notória aglomeração de grupos de alta renda em uma zona principal de crescimento [...] (p.65).

No Brasil, a permanente segregação dos pobres em grandes áreas precárias se mantém, ao lado da autossegregação dos ricos, nos enclaves residenciais. Nos anos 2000, a intensa atividade imobiliária promoveu novas mudanças na escala geográfica da segregação: i) grandes empreendimentos de luxo criaram novos nichos, com tendência crescentemente homogênea; ii) aumentou a escala das áreas de concentração de classes médias e grupos de alta renda, dividindo o espaço com outros grupos sociais; iii) cresceram também em escala as áreas periféricas homogeneamente pobres, acrescidas de grandes investimentos privados para grupos de baixa renda, com financiamento público (em especial através do Programa Minha Casa Minha Vida, a partir de 2009); iv) adensaram-se as favelas das áreas centrais, muitas delas agora verticalizadas, ao mesmo tempo em são ocupadas, sem propriedade, novas áreas na periferia da malha urbana.

Em resumo, assiste-se a uma diversificação dos espaços, tais como centros, periferias, favelas, subcentros, espaços pericentrais, não como espaços independentes, mas como parte de uma mesma ordem espacial com diferentes tipos de interações.

1. As mudanças recentes na metrópole belo-horizontina

Na esfera econômica, a RMBH apresentou, na última década, resultados positivos em relação ao crescimento econômico, aos investimentos públicos e privados, à formalização do trabalho, à queda do desemprego e o impulso aos serviços especializados, mudanças, aliás, não circunscritas a esta região metropolitana, mas compartilhadas por outras metrópoles. Apesar disso, não se pode dizer que a economia tenha realmente se transformado, até porque não se observaram mudanças na pauta produtiva, que se manteve concentrada no complexo minerometalomecânico. Aliás, a continuidade da exportação de commodities minerais e, portanto, da dependência do mercado externo, revela um retorno à estrutura produtiva anterior a 1930 e até mesmo a continuidade de um passado colonial (Tonucci Filho et al, 2015). Ainda que esse processo possa estar vinculado à globalização da economia, principalmente ao desenvolvimento chinês, trata-se da inserção da RMBH na economia global em uma condição periférica. Acrescem-se ainda duas outras questões: a mineração, que ocorre em diferentes regiões do estado, reúne as suas atividades mais avançadas na capital, reforçando a excessiva concentração econômica no polo, responsável

1 Segundo os autores, as áreas centrais onde se concentram as elites também são locais de residência de outros grupos sociais.

2 Uma terceira dimensão, subjetiva, está relacionada à percepção que os moradores têm da segregação objetiva: “Para o caso de pessoas e famílias pobres a dimensão subjetiva da segregação consiste no sentimento de marginalidade e de ‘estar sobrando’” (p. 64).

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por 42% do PIB da RMBH.3 Já nas áreas onde a mineração ocorre, seus habitantes vivem o dilema da oferta de trabalhos mal remunerados e com baixas exigências de qualificação, além dos danos ambientais inerentes à atividade minerária, agravados pelo enorme consumo de água (o que pode se tornar um drama em tempos de crise hídrica no país). Ademais, a atividade mineradora, nos moldes em que é desenvolvida na RMBH, coloca em risco as vidas de trabalhadores e moradores de áreas adjacentes em função de acidentes como o rompimento de barragens de rejeitos. 4 Observa-se, portanto, um processo de inserção periférica na economia global induzido externamente, em concomitância com a ausência, por parte do Estado, de um projeto alternativo de desenvolvimento econômico. Desse modo, se avaliarmos essa inserção em relação aos seus efeitos sobre as desigualdades socioespaciais, pode-se dizer que o baixo grau de mudança na economia terminou por reforçar as desigualdades socioespaciais, concentrando o PIB e os melhores empregos nos municípios mais industrializados e no polo metropolitano.

Do ponto de vista da geração de empregos, assiste-se a uma espécie de modernização conservadora. Conservadora, por ser marcada pela reprimarização da economia, pelo reforço do complexo minerometalomecânico, pela forte atuação do Estado na indução do desenvolvimento e pelo fato de a evolução do setor produtivo não ter gerado transformações sociais e econômicas substantivas. E modernizadora, pela expansão do setor automotivo e pelas novidades que se anunciam no Vetor Norte da RMBH, a partir dos investimentos estatais em infraestrutura logística (Tonucci Filho et al., op. cit.), buscando atração de capitais vinculados ao terciário avançado e à indústria de novas tecnologias, 5 cujos resultados, em grande parte, ainda estão por vir.

Assim, apesar das notórias melhorias no poder de compra do salário mínimo, acompanhadas de certa redução das desigualdades de renda na última década, dados recentes indicam a permanência da polarização espacial, uma vez que as áreas mais vulneráveis permanecem no entorno de Belo Horizonte, ao norte e nas áreas periféricas de Contagem e Betim, e sua extensão a oeste e noroeste, enquanto as áreas mais ricas e menos vulneráveis estão vinculadas às porções centrais de Belo Horizonte, Contagem e Betim, além de Nova Lima, que se localiza na extensão sul (Figura 1).

3 Se a ele se juntam os municípios de Betim e Contagem, esse valor chega a 83,53%. Essa mesma concentração pode ser verificada em relação ao emprego formal, ou seja, os benefícios continuam concentrados na capital e sua extensão a oeste (Tonucci Filho et al, 2015).

4 Vide o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, no Município de Mariana, ocorrida em novembro de 2015.

5 Destacam-se, entre os investimentos estatais, o Aeroporto Industrial de Confins, a chamada Linha Verde, que liga esse aeroporto ao Centro de Belo Horizonte, e a nova sede administrativa do Governo do Estado, denominada Cidade Administrativa.

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Figura 1

Fonte: Tonucci Filho et. al. (op. cit.), p. 82

Na estrutura ocupacional, algumas mudanças, ainda que sutis, são perceptíveis. Primeiramente, destaca-se o fato de que a participação dos trabalhadores manuais vem diminuindo, apesar de essa categoria ainda representar quase dois terços do total da população ocupada. Percebe-se, ainda, a diminuição de trabalhadores menos qualificados, enquanto os profissionais de nível superior tiveram substantivo aumento, de forma bem distribuída no território, em relação ao total da população ocupada.. Esses dados mostram os efeitos da maior escolarização e qualificação da mão de obra, assim como das mudanças na organização da produção.6

Ainda que significativas, as mudanças observadas na última década se fizeram acompanhar do imobilismo, ou mesmo retrocesso em outras esferas, não sendo, portanto, suficientes para alterar, de forma expressiva, a estrutura socioespacial característica das décadas anteriores. Os grupos sociais superiores permanecem fortemente concentrados nos espaços centrais do município-polo e na sua extensão sul. A sua expansão sobre o município de Nova Lima era uma novidade já detectada nas duas décadas anteriores, e se intensifica nos anos 2000. A formação de enclaves de população de alta renda vivendo em espaços protegidos por segurança privada, como são os condomínios, conforma um espaço muito homogêneo internamente, ainda que esse movimento dos grupos superiores tenha atraído também grupos populares em função das novas oportunidades de trabalho nas

6 Em relação aos profissionais de nível superior, é surpreendente o seu crescimento, passando de 7% para 11% na última década. As políticas públicas que permitiram maior acesso dos mais pobres às universidades, assim como a expansão numérica e no território do ensino privado, podem ter contribuído para a distribuição mais ampliada desses profissionais no espaço metropolitano.

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residências (ANDRADE; MENDONÇA, 2010 e MENDONÇA; PERPÉTUO, 2006). Trata-se, com certeza, de uma nova estruturação do espaço, que se desenvolveu a partir da década de 1980 e que se intensificou nas décadas seguinte.

Os tradicionais espaços periféricos, por sua vez, continuam a apresentar composição social predominantemente popular. Observa-se, ainda, o contínuo espraiamento dos grupos médios e, em parte, dos superiores pelos espaços pericentrais de Belo Horizonte e a intensificação da mescla de grupos médios e operários no eixo industrial, juntamente com a consolidação dos espaços populares na periferia norte.

Há que se ressaltar a estabilização das favelas nas áreas centrais. Nos anos de 1980, as políticas de remoção foram perdendo força para as políticas de urbanização, que se intensificaram a partir da década de 1990. Essas políticas reforçaram o reconhecimento do direito de moradia, o que, na perspectiva das desigualdades socioespaciais, significa a existência de enclaves socialmente homogêneos, assim como os condomínios. A diferença é que se trata agora de um território popular em uma área cercada pelos estratos superiores. A existência dessas favelas no município de Belo Horizonte não é uma novidade, algumas delas são tão antigas quanto a própria cidade. A diferença é a garantia da sua permanência, não mais pela via exclusiva do clientelismo político, mas pelo seu reconhecimnto pelas políticas públicas, em função da pressão exercida pelos movimentos sociais.

1.1 Mudanças e continuidades

Se a economia da RMBH em muitos aspectos não avançou e até retrocedeu, quando comparada a outras regiões metropolitanas de mesmo porte e semelhante inserção na hierarquia metropolitana, a estrutura socioespacial se manteve em alguns aspectos macro, mas diversificou-se internamente, como acabamos de mostrar. Outra mudança que merece destaque ocorreu no campo das políticas urbanas e sociais, nas esferas municipais e estadual, com impactos relevantes na organização do território. Parte delas favoreceu os grupos de menor renda, enquanto outra parte continuou a reservar as áreas com melhor infraestrutura para os grupos de alta renda, assim como abriu novos eixos de investimento para o capital imobiliário. A composição política dos governos municipais e estaduais tem influenciado as políticas públicas urbanas e, por conseguinte, a distribuição espacial dos grupos sociais.

A capital, Belo Horizonte, viveu uma experiência relativamente exitosa de governos municipais de centro-esquerda (PT em aliança com o PSB) durante 16 anos.7 Foi um momento de expansão das políticas sociais e de incentivo a maior participação política popular. São desse período as políticas de controle de áreas de risco – que em todas as épocas de chuva terminavam em tragédias com perdas de vida e patrimônio; a urbanização de favelas com melhoria na infraestrutura urbana e, em menor grau, com titularidade e o orçamento participativo, com a descentralização dos recursos, inversão de prioridades e maior participação popular na definição dos investimentos públicos. Estes são alguns exemplos de políticas sociais que incidiram positivamente sobre as populações mais vulneráveis garantindo-lhes melhores condições de vida.8 Ao mesmo tempo, a promulgação

7 Patrus Ananias (1993-1996), Célio de Castro (1997-2001), Fernando Pimentel (2001-2008).

8 Em 2008, a política municipal sofreu um revés. Aécio Neves (PSDB), em aliança com o prefeito Fernando Pimentel (PT), lançou a candidatura de Márcio Lacerda (PSB) para a prefeitura. Quando da sua reeleição, em 2012, Márcio Lacerda e o então senador Aécio Neves rejeitaram a coligação

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de uma nova legislação urbanística (em 1996), com expansão de potenciais construtivos para fora da área central e sua periferia imediata, abrangendo grandes áreas da cidade, entre outros fatores, contribuiu para a democratização relativa do acesso à moradia para novos segmentos sociais, na forma da ampliação do mercado empresarial de edifícios de apartamentos.9 Por outro lado, a legislação possibilitou a concentração do mercado de monopólio na região central (a chamada zona sul), ao manter potenciais construtivos relativamente altos, além de determinados parâmetros favoráveis a esse segmento de mercado.

No âmbito metropolitano, permaneceu o movimento de periferização da pobreza. 10 A expansão da produção capitalista de moradia no polo metropolitano parece estar associada à contínua expulsão de grupos populacionais de baixa renda para fora da cidade – o crescimento populacional foi mais alto em municípios que apresentam grande precariedade de infraestrutura urbana, e parte deste crescimento é resultado da mobilidade residencial de trabalhadores com origem em Belo Horizonte (MENDONÇA, 2008).

Na esfera do governo estadual, projetos implementados a partir dos anos 2000, incluindo investimentos em infraestrutura e logística voltados para potencializar o desenvolvimento econômico do Vetor Norte da RMBH, buscam atrair e criar polos de alta tecnologia em aeronáutica, microeletrônica, semicondutores e saúde. A implementação desses projetos em um contexto historicamente marcado por áreas periféricas e precárias pode resultar pode resultar na produção de novos espaços diferenciados social e espacialmente ainda que próximos. Tais projetos têm o potencial de acirrar as desigualdades e a exclusão, na medida em que reforçam processos históricos de concentração nas áreas centrais e ao longo dos principais eixos viários, haja vista os recentes empreendimentos imobiliários na região, de estrutura diversificada, destinados a segmentos de média e alta renda, como enclaves residenciais.

A expansão territorial, em sua organização socioespacial, apresenta algumas diferenças notáveis. Os municípios situados a oeste receberam volumes significativos de empreendimentos habitacionais destinados às camadas de renda média da população, além dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) para faixas de renda mais baixa. Trata-se de uma região dinâmica e diversificada em termos de atividades e de moradia de distintas categorias sócio-ocupacionais. Na última década, áreas de tipo operário tomaram o lugar de áreas de tipo operário-popular, evidenciando um movimento de diferenciação social do território. Esse movimento foi corroborado por uma segunda transformação expressiva, qual seja, a transformação de espaços centrais dessa região, com o surgimento do tipo médio-superior-operário, caracterizado por concentração significativa de grandes empregadores (20% acima da média metropolitana dessa categoria), bem como de profissionais de nível superior, além da concentração de

proporcional com o PT. Se na primeira gestão (2009-2012) já se notava um enfraquecimento das políticas sociais e da participação popular, na segunda gestão (2013 até atualmente) a guinada para o planejamento estratégico marcadamente privatista e empresarial ficou ainda mais evidente.

9 Ver, entre outros, Mol (2004).

10 No âmbito metropolitano, foi elaborado, no final da década de 2000, o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (contratado pelo Governo do Estado à UFMG, que trabalhou em parceria com a PUC-Minas e a UEMG), que colocou em discussão pública a urgência de políticas capazes de superar as grandes desigualdades sociais e territoriais na região. Em que pese o esforço desenvolvido pelos pesquisadores, projetos de desenvolvimento territorial eram desenvolvidos em outras esferas de governo, em especial na Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Social, particularmete para as novas áreas de investimento no chamado Vetor Norte, incluindo as áreas no entorno do Aeroporto Industrial de Confins.

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trabalhadores de ocupações médias e também de trabalhadores industriais, indicando um processo de aburguesamento de área historicamente industrial e operária.11

Por sua vez, nas áreas situadas ao sul, a valorização imobiliária encontra-se vinculada a segmentos de renda média-alta e alta, com o derramamento da porção zona sul de Belo Horizonte, de alta renda, em direção aos municípios de Nova Lima e, em certa medida, Rio Acima e Brumadinho. Conspiram favoravelmente para essa valorização imobiliária os atributos ambientais e paisagísticos da região (MENDONÇA et. al. 2015). Somam-se à expansão das moradias, a expansão também de comércio e serviços sofisticados voltados para o público de alta renda, além dos serviços educacionais e de saúde, e escritórios de empresas, estes últimos localizados na fronteira do município de Nova Lima com Belo Horizonte, na região conhecida como Seis Pistas. Tudo isso contribuiu para a intensificação do fluxo de pessoas e mercadorias entre a capital e o Município de Nova Lima, com a formação de uma centralidade na fronteira entre os dois municípios, com características de terciário superior, incluindo sedes de empresa e escritórios de consultoria.12

O chamado Vetor Norte, como vimos, vem sendo marcado pela instalação de empreendimentos de grande diversificação e complexidade, resultantes de importantes investimentos públicos. Nessa região, destacam-se, de um lado, processos de ocupação ainda bastante horizontal em parcelamentos com carência de infraestrutura e, de outro, produção habitacional verticalizada nos municípios mais próximos de Belo Horizonte, nas áreas mais bem servidas de infraestrutura e mais próximas da Cidade Administrativa de Minas Gerais, sede do governo do estado ali instalada nos anos 2000, destinada a estratos de renda média-baixa. Já é possível observar nesse vetor de expansão a intensificação da dinâmica metropolitana, inclusive com enclaves residenciais de alta renda, especialmente nos municípios de Confins, Lagoa Santa, Jaboticatubas e Vespasiano.

Apesar da inequívoca expansão do mercado imobiliário nos setores de renda média e alta, observou-se também o crescimento do número de moradias em aglomerados subnormais em toda a RMBH. No seu conjunto, 11,6% dos novos domicílios foram construídos em aglomerados subnormais, sendo que, em municípios como Belo Horizonte, Santa Luzia e Vespasiano, essa proporção foi ainda maior (MENDONÇA et. al. 2015).

Essas alterações e permanências intensificaram o processo de metropolização, culminando em níveis de integração metropolitana cada vez maiores. Se, em 2000, do conjunto de 34 municípios que hoje compõem a RMBH, 16 apresentavam níveis de integração metropolitana entre médio e muito alto, em 2010, esse número sobe para 25 (DINIZ; ANDRADE, 2015). Nesse contexto, observou-se a expansão da dinâmica abrangida pelo conjunto de municípios que exibiam altos níveis de integração metropolitana, historicamente composto pelo polo, eixo industrial e a cidade dormitório de Ribeirão das Neves, passando a incorporar três novos municípios (Nova Lima, Ibirité e Vespasiano). Esses são os municípios onde o número de indivíduos engajados em viagens pendulares por motivo de trabalho é maior (DINIZ; ANDRADE. op. cit.).

Um dos efeitos das mudanças descritas é a diminuição da participação de Belo Horizonte no crescimento populacional da RMBH de forma ainda mais acentuada na última década. O Censo de 2010 revela que, pela primeira vez na história, a população dos demais municípios da região metropolitana superou a população da capital. Ao longo das últimas décadas, Belo Horizonte tem apresentado trocas migratórias líquidas negativas com os demais municípios metropolitanos, com destaque para aqueles situados a oeste (eixo

11 Para mais detalhes acerca desse processo, ver Mendonça; Marinho (2015).

12 Para detalhamento sobre a formação deste processo, ver também COSTA, 2006.

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industrial) e as periferias norte (FERNANDES; CANETTIERI, 2015). Tais processos estão diretamente associados à expansão do mercado imobiliário em Belo Horizonte, marcado por substantiva valorização, o que acabou por expulsar segmentos de mais baixa renda para regiões periféricas.

O movimento populacional tem uma correspondência com a mobilidade pendular, bem como com a distribuição geográfica dos empregos, que têm implicado a intensificação dos processos de metropolização. Como os empregos continuam fortemente concentrados em Belo Horizonte, Contagem e Betim, a migração intrametropolitana terminou por intensificar os movimentos pendulares casa-trabalho. Nota-se que a região oeste da RMBH apresenta-se como a mais dinâmica, constituindo-se, tanto como origem, quanto como destino de grande número de viagens casa-trabalho. Em segundo plano, destacam-se as periferias norte (Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano), compostas por um conjunto de cidades-dormitório, que opera muito mais como origem do que como destino para os movimentos casa-trabalho (SOUZA, 2015; LEIVA, 2015). Nesse contexto, deve-se ressaltar que são exatamente essas as regiões que guardam níveis de integração mais fortes com o polo metropolitano (DINIZ; ANDRADE, 2015). Em síntese, como determinantes da intensificação da mobilidade casa-trabalho, destacam-se a relativa desconcentração populacional, crescimento populacional diversificado nas periferias metropolitanas, melhoria nas condições socioeconômicas da população, relativo aumento na oferta e acesso ao sistema de transportes e concentração das atividades econômicas e dos equipamentos públicos em Belo Horizonte e no eixo industrial clássico.

Ao crescimento populacional periférico correspondeu a expansão territorial da provisão de moradias, guardando relação direta com a distribuição e qualidade de empregos e com os movimentos migratórios e pendulares discutidos acima. Houve substantiva expansão na oferta ao longo das últimas décadas, especialmente sob a forma de apartamentos, em grande parte da região metropolitana. Destaque-se, nesse sentido, certa ruptura com a histórica vinculação dessa forma de moradia a espaços superiores e médio-superiores, passando a contemplar, nos últimos anos, espaços de tipo médio-operário e operário-popular. O mesmo ocorreu também, ainda que em menor escala, nos processos de urbanização das favelas. Parte das moradias foi substituída por apartamentos, principalmente como resultado dos programas públicos de urbanização (MENDONÇA et. al, 2015).

Outra evidente transformação pode ser observada na composição das famílias da RMBH, quando se comparam os resultados dos Censos de 2000 e de 2010. Os casamentos são agora menos duradouros; cresceu o número de divórcios, caiu o casamento civil e religioso (quando realizado conjuntamente), cresceu o casamento só no civil e caiu o casamento só no religioso. Significativo foi o aumento das uniões consensuais - 3,5% (CASTRO; LACERDA; KNUP, 2015. p. 272).13 A hipótese para esse crescimento seria a união de pessoas já divorciadas ou viúvas. Além disso, houve uma drástica redução no número de filhos, cuja média era 1,65 em 2000 e passou para 0,61 em 2010. Verificou-se também um aumento no número de casais sem filhos. Uma novidade do Censo de 2010 foi a variável “cônjuge ou companheiro(a) do mesmo sexo”. Eles representavam, na RMBH, 0,2% dos responsáveis dos domicílios com cônjuges. Do ponto de vista das desigualdades socioespaciais, nota-se uma mudança também muito significativa. Se há algumas décadas era nítida a diferença nos arranjos familiares entre os espaços mais urbanizados, como é o caso da cidade polo, e os municípios menos urbanizados, em 2010 essa distância quase desapareceu. As diferenças entre os grupos sociais também diminuíram significativamente.

13 Essa mudança foi calculada de acordo com a seguinte fórmula: porcentagem de pessoas segundo a natureza da união em 2010 menos a porcentagem de pessoas segundo a mesma natureza da união em 2000.

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Ou seja, as mudanças acima apontadas, não se restringem mais ao universo dos grupos sociais de mais alta renda, com alto nível educacional e mais urbanizados.

2. Considerações finais

Em linhas gerais, o exame da evolução recente da Região Metropolitana de Belo Horizonte dá conta de que as transformações e permanências observadas ao longo das últimas décadas guardam relação parcial com os padrões identificados nos estudos metropolitanos que adotaram como referência o modelo centro-periferia.

Corroborando tendências internacionais, observa-se na RMBH um intenso processo de expansão urbana, no qual forças centrífugas emanadas do core metropolitano estendem os limites das cidades, formando conurbações cada vez mais complexas e interdependentes. Na esteira dessa expansão urbana multiplicam-se as centralidades no tecido metropolitano, organizadas segundo ordens hierárquicas distintas, cumprindo diversas funções urbanas.

Note-se ainda que, a exemplo do que foi constatado em outras metrópoles de países periféricos, os avanços recentes no plano social e econômico observados na RMBH coexistem com problemas urbanos históricos (Firman,1998). Na RMBH, a falta de infraestrutura urbana e a expansão de moradias precárias seguem como um problema concreto, juntamente com o crescente congestionamento de trânsito, a poluição, os riscos ambientais e a violência urbana.

Essa expansão urbana, por sua vez, é marcada pela formação de um intrincado mosaico socioespacial, composto por áreas dinâmicas, ao lado de áreas marcadas por transformações menos evidentes, com baixo dinamismo econômico, acirrando as diferenças internas às periferias. Em que pese a concentração dos grupos sociais superiores nos espaços centrais de Belo Horizonte e de sua expansão sul e o predomínio de grupos populares nas auréolas da RMBH, observa-se o espraiamento de grupos médios pelos espaços pericentrais e a mescla de grupos médios e operários no eixo industrial. Por outro lado, na periferia norte, expandiram-se os enclaves residenciais de camadas mais afluentes, bem como atividades econômicas de grande complexidade e cunho tecnológico, fato que tem ampliado a diferenciação socioespacial naquele segmento da RMBH. Este padrão, portanto, confirma tendências internacionais e nacionais atestando a variada natureza das áreas periféricas, em oposição ao dicotômico padrão centro-periferia de interpretação da estrutura e organização metropolitanas.

Contrariando algumas tendências internacionais, no entanto, não se assiste no contexto da RMBH à instituição de um modelo de desenvolvimento claramente pós-industrial, embalado pela economia da informação e a expansão do terciário superior. Pelo contrário, a força motriz do desenvolvimento econômico permanece calcada no complexo minerometalomecânico, onde a exploração mineral, a indústria pesada e a de bens de consumo duráveis dominam a geração de riquezas, evidenciando o caráter conservador da economia na região. Não se constata, tampouco, extensos processos de desconcentração produtiva, uma vez que a expansão urbana observada nas últimas décadas foi acompanhada pela forte concentração da oferta de empregos formais na área core e seu eixo industrial, formado pelas municipalidades de Contagem e Betim e sua expansão a sudoeste, em que pese a formação de novas centralidades pontuais, particularmente vinculadas à prestação de serviços.

Note-se que o choque entre as forças centrípetas e centrífugas exercidas pela área core terminaram por intensificar movimentos pendulares entre o centro e a periferia, catalisando o processo de integração metropolitana. Neste contexto, as forças centrípetas do core-

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metropolitano encontram-se vinculadas ao dinamismo econômico e à forte concentração na oferta de empregos, enquanto as forças centrífugas, comandadas pela valorização do mercado imobiliário na área central expulsou trabalhadores de baixa renda para os municípios das periferias imediatas, em um primeiro momento, e para os mais distantes em períodos mais recentes.

Os resultados do conjunto de pesquisas realizadas pelos pesquisadores vinculados ao Observatório das Metrópoles/ Núcleo Minas Gerais sugerem que a área core da RMBH, caracterizada pelo dinamismo econômico, pela oferta de melhores condições de trabalho e renda e pela presença de estratos sociais médios e superiores, expandiu-se ao longo das últimas décadas, beneficiando excepcionalmente certas áreas adjacentes ao município de Belo Horizonte, sobretudo aquelas no contato direto com Nova Lima, a sul, e ao longo das áreas centrais do eixo industrial, formado por Contagem e Betim, a oeste. Essa conformação sugere a presença de efeitos do tipo spread operando seletivamente no espaço metropolitano, onde a distância física de Belo Horizonte, a matriz produtiva e o mercado imobiliário têm papel preponderante, confirmando tendências observadas em outras metrópoles.

As periferias, em especial aquelas mais imediatamente vizinhas às áreas mais dinâmicas, por sua vez, têm se tornado cada vez mais diversas socialmente, sendo possível identificar, em grandes linhas, do ponto de vista da integração metropolitana, das funções desempenhadas pelas cidades e da composição socioespacial, pelos menos dois anéis periféricos em torno da área core expandida, identificada no parágrafo anterior.

Existe um anel mais externo, mais distante e mais homogêneo, formado por um conjunto de unidades com significativas populações rurais, expressiva proporção de trabalho agrícola e baixos níveis de integração metropolitana, formado pelos municípios de Baldim, Jaboticatubas, Taquaraçu de Minas, Nova União, Rio Manso, Itaguara, Itatiaiuçu, Mateus Leme, Florestal, Esmeraldas, Capim Branco e Matozinhos.

Em contato direto com a área core, portanto dele recebendo estímulos diversos, encontra-se um anel periférico intermediário, extremamente complexo, onde figuram cidades-dormitório, centros de extração mineral, áreas industriais, empreendimentos imobiliários de alta complexidade, equipamentos de transporte e vasta diversidade social. É neste anel que as transformações sociais e econômicas mais intensas são observadas, tais como a expansão na oferta de moradias, o crescimento populacional, sobretudo em função da emigração a partir da área core, a intensificação de movimentos pendulares e os níveis mais elevados de integração metropolitana. Internamente a estes anéis, observam-se mudanças, consolidadas em maior ou menor grau, algumas dadas como tendências.

Em síntese, a dinâmica de estruturação socioespacial da RMBH, suas alterações e permanências, decorrentes da sua formação histórica, bem como da forma específica de sua inserção na economia mundial e na rede urbana nacional e, ainda, das políticas públicas resultantes das coalizões políticas estabelecidas nas distintas porções do seu território consolidaram uma configuração centro-periférica na escala macro e, simultaneamente, produziram diferentes formas de agrupamentos sociais. Se os grupos dirigentes e a chamada elite intelectual se concentraram nos espaços centrais do polo metropolitano e em sua expansão sul, parte desse grupo social se dispersou pelos espaços pericentrais e oeste, alcançando territórios tipicamente operários, configurando situações de menor segregação. A coalizão política hegemônica a partir de 1993 (e pelo menos até o final da primeira década deste século) consolidou a posse e a urbanização de grandes aglomerados de favelas na região mais central. Por outro lado, investimentos governamentais associados à promoção imobiliária produziram a expansão de enclaves residenciais de alta renda em áreas periféricas, não apenas na expansão sul, mas também nos tradicionais territórios das periferias precárias, a norte, embora estes últimos se

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configurem principalmente como tendência. As periferias precárias se expandiram no território, alcançando lugares mais distantes, promovendo a urbanização de espaços rurais e a maior integração dos municípios periféricos à dinâmica metropolitana.

A expansão metropolitana tem, pois, resultado na diversificação das periferias, em parte gerando espaços em que prevalece a mescla social, em parte configurando espaços diferenciados socialmente, em que prevalece a autossegregação dos grupos sociais de alta renda e alta qualificação. Ao mesmo tempo, nos espaços centrais, a densificação desses grupos superiores é simultânea à consolidação de grandes aglomerados, homogeneamente pobres,em que à proximidade física corresponde enorme distância social. Embora ainda se mantenha, no nível macro, uma configuração centro-periférica, esta já não constitui o padrão de estruturação socioespacial metropolitano em Belo Horizonte.

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