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SEMANA REVISTA

Semana Revista 4

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Quarta edição da Semana Revista, produzida pela organização da 10ª Semana do Jornalismo, em 2011. Coordenação Editorial: Lucas Pasqual - Coordenação Gráfica: Luisa Pinheiro

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SEMANA

REVISTA

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Carta ao leitorA tradição está consolidada: a

quarta edição da Semana Revista é um compromisso firmado entre a equipe responsável pela publicação

e você, leitor. Foram meses de muito trabalho e incontáveis e-mails para

fechar as 64 páginas que servem como aperitivo para a 10ª Semana do

Jornalismo.Com matérias referentes aos temas

que serão discutidos durante o evento, procuramos escolher pautas

desafiadoras para os repórteres e prazerosas para o leitor. Entre os

textos produzidos pelos alunos do curso e colaboradores estão o

cotidiano de uma família que vive da agricultura e o estilo sinestésico do

jornalismo de Zé Hamilton Ribeiro. No aniversário de dez anos dos atentados

de 11 de Setembro, trazemos um artigo apontando o que mudou na

cobertura de terrorismo. Dois editores de arte comentam a relação entre

jornalistas e designers em redações. Acompanhe, também, um panorama

sobre o jornalismo colaborativo na internet e o perfil da revista piauí.

Baseados na experiência com as três edições anteriores, procuramos

agora diminuir os erros e melhorar a qualidade da revista.

Esperamos que a leitura seja tão gratificante quanto a produção. Por

isso, leitor, sinta-se à vontade: a Semana Revista foi feita para você.

Semana Revista3

Expediente

ReportagemBárbara LinoCamila GarciaDiego CardosoFelipe CostaGabriele DuarteHelena StürmerIngrid FagundezJennifer HartmannJéssica ButzgeJoice BalboaLaís SouzaLucas PasqualLuisa NucadaLuisa PinheiroMarilia LabesMilena Lumini

Rafael CanobaRafaella CouryRosielle MachadoThaine MachadoThiago MorenoThomé GranemannTulio Kruse

ColaboraçãoFelipe MachadoFlávia SchiochetGrazielle SchneiderLucas SampaioSamuel Lima

EdiçãoDiego CardosoJéssica ButzgeLucas Pasqual

Marilia LabesRafael CanobaThiago Moreno

DiagramaçãoJennifer HartmannLaís SouzaLuisa PinheiroRafaella Coury

RevisãoLucas PasqualRafaella Coury

IlustraçõesClóvis GeyerDharlan SilvanoFernando JellerJudá Andrade

Lucas AnghinoniMuriel MachadoJean Menezes Otávio Tersi

Coordenação EditorialLucas Pasqual

Coordenação GráficaLuisa Pinheiro

Tiragem: 1500 exemplares

Setembro de 2011

Universidade Federal de Santa Catarina www.semanadojornalismo.ufsc.br@semanadojor

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Semana Revista4

Sumário

Em cada canto do mundo: o trabalho dos correspondentes internacionais Em terras desconhecidas ....................................................................................... 08Passaporte para o mundo ........................................................................................10Violência no campo: a cobertura de conflitos na Amazônia Faroeste brasileiro em pauta ...................................................................................12Chimarrão na praia ....................................................................................................15Entre interação e informação: o jornalismo nas mídias sociais No virtual se faz, no real se paga ..........................................................................18Utilidade pública online ..........................................................................................20O twitter e o novo rádio ...........................................................................................2211/09: o Oriente Médio em pauta após os atentadosDez anos depois ......................................................................................................25“Guerra ao terrorismo”: notícia ou propaganda? ..........................................26TTBr: #OrienteMédio ...............................................................................................28Redação ou academia: possibilidades criadas com a pós-graduaçãoJornalistas e a pós-graduação ..............................................................................30Em busca do doutorado distante .......................................................................32Carreira de jornalista: diferentes caminhos para o focaMinha vida de foca ...................................................................................................34Rotina zero ...................................................................................................................36Imagem é informação: a importância do jornalismo visualUma questão de composição ................................................................................39A essência da imaginação ......................................................................................40Crise de identidade ....................................................................................................42PalestrasNa saúde, na doença e no arado .........................................................................45O sinestésico mundo de Zé Hamilton ...............................................................47Fragmentos de uma Redalidade ...........................................................................48Salada pop ...................................................................................................................50A boemia não para ....................................................................................................52Antigo e polêmico direito .......................................................................................54“Você vai ao escritório dos caras e eles dizem que vão te processar” .....56Ela atira para todos os lados.................................................................................59Emoção e arrependimento em P&B ..................................................................62

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Programação

10ª SEMANA DO JORNALISMO DA UFSC

13.0

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Local: Auditório do Centro de Comunicação e Expressão (CCE)

12 a 16 de setembro de 2011

9h - 12h: Minicursos15h: Exibição de documentários17h30: Mesa de discussão “Entre interação e informação: o jornalismo nas mídias sociais”. Convidados: Ana Brambilla, Tiago Dória e Rodrigo Martins20h: Cerveja Jornalística: Palestra no Chopp do Gus com Alexandre Matias

9h - 12h: Minicursos15h: Webconferência online com Sérgio Dávila, ex-correspondente nos Estados Unidos17h30: Debate “Violência no campo: a cobertura de conflitos na Amazônia”. Convidados: Felipe Milanez e Daniel Bramatti20h: Palestra de abertura com José Hamilton Ribeiro

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915h: Webconferência com Fabiano Maisonnave, correspondente na China17h30: Mesa de discussão “Imagem é informação: a importância do jornalismo visual”. Convidados: Luiz Iria, Anderson Schneider e Ludmila Curi20h: Palestra de encerramento com João Moreira Salles23h: Boa Noite!, festa de encerramento no 1007 Boite Chik

9h - 12h: Minicursos15h: Webconferência com Eduardo Castro, correspondente na África17h30: Mesa de discussão “11/09: o Oriente Médio em pauta após os atentados”. Convidados: Luiz Antônio Araújo, Samy Adghirni e Luciano Martins Costa20h: Sabatina com a Agência Pública de Jornalismo Investigativo

9h - 12h: Minicursos15h: Exibição de documentários17h30: Mesa de discussão “Redação ou academia: possibilidades criadas com a pós-graduação”. Convidados: Gislene Silva, Felipe Pontes e Alexandre Lenzi19h: Mesa de discussão “Carreira de jornalista: diferentes caminhos para o foca”. Convidados: Ana Estela de Sousa Pinto, Marques Casara, Patricia Marins e Maurício Oliveira

*Programação sujeita a alterações. Os minicursos acontecem nas dependências do Departamento de Jornalismo.

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O que resta da imagem glamorosa e romântica de um correspondente internacional? Para muitos jornalistas, um trabalhado solitário e generalista e uma rotina com fuso horário massacrante. Eles são os repórteres capazes de trazer um olhar nacional sobre o que acontece no mundo. É pensando nisso que a 10ª Semana traz a oportunidade de um diálogo ao vivo na internet com três correspondentes internacionais de continentes diferentes. Dias 12, 14 e 16 de setembro, sempre às 15h, com link no @semanadojor e cobertura pelo @websemana.

Eduardo Castro, correspondente da Record na África;Fabianno Maisonnave, correspondente da Folha em Pequim;

Sérgio Dávila, ex-correspondente em Nova York.

Em cada canto do mundo:

o trabalho dos correspondentes

internacionais

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Em terras desconhecidasCorrespondentes precisam se adaptar a novas culturas

Era a minha primeira vez no Egito. Eu cheguei no hotel de noite e não sabia onde estava direito. No dia seguinte abri as janelas e dei de

cara com as pirâmides”. Experiências de trabalho no exterior como esta do professor de Jornalismo da Universi-dade Federal de Santa Catarina e ex-corres pondente internacional Antônio Brasil são uma ambição de muitos jornalistas. Trazem esperança de boa remuneração e de adaptar-se a uma cultura diferente.

Para a editora chefe do jornal Notícias do Dia, Adriana Ferronato, o jornalista que pretende ser correspondente deve estar antenado a tudo e a todos, desde o balé russo até a guerra no Irã, e escrever sobre os dois com facilidade. O correspondente da Folha de S. Paulo em Pequim, Fabiano Maisonnave, comenta a necessidade de ser um pouco antropólogo e historiador, para poder conhecer a cultura local de forma mais aprofundada. “É preciso ainda um pouco de desapego com

relação à família, aos amigos e à dupla arroz-feijão”.

Autonomia e independên-cia devem acompanhar o cor-

respondente em sua estadia no exterior. O chefe não está na sala ao lado para tirar suas dúvidas ou orientá-lo em uma pauta. Adriana

destaca que o jornalista tem que ser capaz de resolver os imprevistos no

percurso, de comunicação, de estadia ou transmissão, afi nal foi selecionado pelo editor chefe, que tem total con-fi ança nas informações enviadas pelo repórter. “A exigência é a mesma. Ape-sar da distância, o correspondente é cobrado por sua produção, sua capa-cidade de criação e superação”.

A competição é um estímulo para o enviado especial. Antônio Brasil en-sina: “a disputa maior é entre corre-spondentes. As agências são fornece-doras de notícias, produzem conteúdo para o mundo inteiro, não competem com os jornalistas. Personalizar para o Brasil, esse é o trabalho do correspon-dente, que acaba usando informações e fotos das agências.” Com uma par-ticipação internacional brasileira mais ativa nos últimos dez anos, “a cober-tura de uma agenda específi ca, que as agências não cobrem, facilita o trab-alho jornalístico”, explica Maisonnave.

Outra difi culdade para um corres-pondente é o acesso às informações do governo. Maisonnave, por exem-plo, tem problemas com o regime autoritário chinês. “As pessoas têm medo de dar entrevista por medo de represálias. Ser brasileiro é algo exóti-co por aqui. Há uma preferência das fontes por meios da língua inglesa e de infl uência mundial, como BBC e NYT. E não são apenas os chineses, muitos especialistas estrangeiros se-quer respondem solicitações de ent-revista”.

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Carteira internacional de jornalistaA carteira internacional de jornalista da Fe-deração Internacional de Jornalistas (FIJ), emi-tida pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), é o documento de identifi cação do profi ssional no exterior. Junto com a carteira, o jornalista recebe uma relação das entidades fi liadas à FIJ no mundo. O titular do docu-mento tem acesso facilitado a essas insti-tuições, além dos benefícios no ingresso de cinema, museus e espetáculos, que variam de acordo com cada país.

Para começar na profi ssão, An-tônio Brasil sugere que se saia de casa. “Usando a internet, alguém competente consegue escrever uma notícia sobre um país sem nunca ter ido lá. Mas não é o ideal. Um jornalista tem que ter von-tade de ir para o estrangeiro, mesmo que como frila, para descobrir esse lo-cal novo.” Para o professor, quem fez intercâmbio já tem meio caminho an-dado. “Passar seis meses fora de casa e aguentar a saudade é uma vantagem. Para quem quer começar, vale fi car em contato com os orgãos que oferecem estágios lá fora, como a ONU. Vai custar dinheiro.”

“Hoje, correspondente internacional está extremamente ligado à economia.

Quem for seguir esta carreira deve investir muito em cultura geral, além de

dominar o idioma”

“Mudar-se para um país e depois tentar frilas é bastante arriscado. Meu

conselho é tentar trabalhar num meio de comunicação onde há a possibilidade de

transferência ao exterior”

Adriana Ferronato

Fabiano Maisonnave

Joice Balboa

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Com o objetivo de facilitar a vida dos recém-formados em Jornalismo e apaixonados por esporte, o programa “Passaporte SporTV”, vinculado ao canal de televisão da Rede Globo SporTV, foi criado em 2010.

O “Passaporte” surgiu como uma ideia de cobertura diferenciada da Copa do Mundo, que aconteceria na África do Sul. Seis meses antes da Copa, onze jovens repórteres foram enviados como correspondentes para cobrir o cotidiano e a expectativa de nove países que haviam conquistado vaga para o mundial: Sérvia, Coreia do Sul, Itália, Espanha, Portugal, Argentina, Uruguai, Estados Unidos e França. Além deles, dois repórteres permaneceram fazendo a cobertura no Brasil.“Nunca tinha visto nada assim”, comenta Felipe Santana, formado em

Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e repórter do “Fantástico”, da Globo. “Foi um jeito extraordinário

de começar, sendo correspondente internacional na Sérvia”.Apesar da oportunidade, os correspondentes enfrentaram

dificuldades. Todos trabalharam sozinhos, com uma câmera portátil e um notebook - cabia a eles produzir todo o conteúdo das matérias. “Era um aperto, muitas vezes você tinha que gerar

um arquivo para um programa que iria ao ar em 15 minutos. A internet não cooperava”, lembra o correspondente.

“Eles já foram escolhidos tendo em vista a capacidade de, sozinhos, apresentarem bons resultados”, conta a gerente de Desenvolvimento de Novos Projetos da Rede Globo, Vera Íris Paternostro.

Depois de 11 meses do fim do programa, apenas um dos selecionados não seguiu como empregado da Rede Globo. “O pessoal está trabalhando como repórter, produtor, editor... Cada um seguiu na área que mais gostava”, diz Santana.

Para os idealizadores do programa, o “Passaporte” foi um sucesso. “Eles fizeram diferença tanto

nas matérias pré-gravadas como em entradas ao vivo durante a Copa”, diz Vera Íris. Os resultados foram tão positivos que uma nova versão do projeto está sendo feita, para a

cobertura das Olimpíadas de 2012, em Londres. O processo de seleção já foi concluído, mas

ainda não foram divulgados os candidatos - até oito jovens devem ser escolhidos.

Passaporte para o mundoPrograma ajuda a conquistar espaço no jornalismo esportivo

Thomé Granemann

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Pela primeira vez a região norte é campeã de homicídios no Brasil, tendo quase 34 mortos por 100 mil habitantes em 2009. Em Marabá (PA), esse número chegou à média anual de 114 homicídios por 100 mil habitantes – superior ao de Honduras, o país mais violento do mundo. É nesse contexto que o debate vai abordar temas como o desmatamento ilegal e conflitos agrários. Para discutir sobre as diferenças entre a apuração feita pelos jornalistas da região amazônica, dos profissionais especializados no assunto, dos enviados especiais e de quem cobre à distância por meio das agências de notícias, o debate conta com:

Felipe Milanez, jornalista freelancer ;Daniel Bramatti, repórter do jornal O Estado de S. Paulo.

Violência no campo:

a cobertura de conflitos na Amazônia

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Em maio deste ano, o assassina-to de quatro ativistas ambien-tais no norte do país levou a

presidente Dilma Rousseff a convocar uma reunião de emergência. Nela foi estabelecido o envio ao Pará da For-ça Nacional de Segurança. No estado localizam-se as cidades que, junto com municípios de Mato Grosso, Ro-raima, Rondônia e Amapá, estão entre as que apresentam as maiores taxas de homicídio do país - entre 29 e 107 casos para cada 100 mil habitantes - de acordo com o Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros de 2011 do governo federal. As altas taxas dos cinco estados contribuem para a re-gião amazônica ter sido apelidada de “faroeste brasileiro”.

A razão desses crimes é a dispu-ta por terra. Grandes latifundiários, madeireiros, índios e ambientalistas lutam para defender seus interesses. No meio da batalha está a população, incluída nas listas de maiores taxas de analfabetismo e de número de casos de trabalho escravo do Brasil.

Os veículos de circulação nacional – em sua maioria localizados longe das zonas de conflito – vêm notician-do os casos de homicídios registrados nessa guerra. Mas como circula a in-formação na imprensa do “faroeste brasileiro”?

O jornal Correio do Tocantins, dis-tribuido três vezes por semana com tiragem de dez mil exemplares, é pro-duzido em Marabá, cidade paraense que poderá ser elevada a capital caso o plebiscito marcado para dezembro aprove a criação do estado de Cara-jás. Marabá é, também, a quarta cida-de mais violenta do Brasil segundo o Mapa da Violência. O diretor de reda-ção do Correio, Patrick Roberto, afirma que a questão agrária é sempre abor-dada nas matérias. “O tema interessa a toda a sociedade, uma vez que te-mos uma pecuária forte e alguns dos maiores fazendeiros do país, além de um dos maiores números de assenta-mentos, acampamentos e movimen-tos sociais.”

Com uma área maior que 5 milhões de km² para cobrir, os profissionais dos 57 jornais diários da região amazônica têm dificuldades durante a reporta-gem. “O Pará possui dimensões con-tinentais, o que acaba fazendo com que a notícia chegue às redações com certo atraso”, explica Evandro Correa, repórter do jornal O Liberal, diário com tiragem de 40 mil exemplares e circulação em todo o estado. Como exemplo, o jornalista cita o assassina-to da missionária Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005 na cidade de Anapu (PA), em que o caso só chegou aos jornais dois dias depois, já que o local onde a freira foi morta era de di-fícil acesso.

A internet tem ajudado a infor-mação a chegar ou sair da região de conflitos com mais rapidez. “Com o advento da internet mexendo com a

Faroeste brasileiro em pautaComo a informação circula na região amazônica

Semana Revista1 2

“Somos jornalistas em qualquer lugar do mundo. O que difere é o bom trabalho do

trabalho superficial”

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transparência e a imagem das em-presas, está mais tranquilo e mais evidente. Na dúvida, o leitor vai para o Google e compara” explica Luciano Vendrame, assessor de imprensa da Associação Comercial de Sinop, em Mato Grosso. (ver gráfico ao lado so-bre o número de pessoas com aces-so a internet na região)

“Uma matéria regional, que já foi publicada em jornais do estado, com certeza ganha mais peso e visibilida-de quando é aproveitada em gran-des veículos”, afirma Evandro. Contu-do, muitas vezes as notícias acabam sendo mal apuradas e distorcidas. “Isso traz sérios prejuízos para a re-gião. Depois que os crimes são es-clarecidos, os jornais não ‘cortam na carne’, corrigindo o erro.”

O empresário do norte de Mato Grosso Rodolpho Mello acredita que a imprensa de fora da região nem sem-pre compreende o que acontece ali. “Quando vem gente pra cá, vem com o clichê pronto”, garante. “O repórter sai de São Paulo para fazer a matéria sobre as dificuldades que os índios têm com suas terras invadidas. Ele vem com um interesse e um objetivo.”

Luciano tem uma posição diferente de Rodolpho nessa questão. Para ele, não há reações positivas ou negativas da população local em relação à co-bertura de jornais de fora da região. “Somos jornalistas em qualquer lugar do mundo e cobrimos para o mun-do. O que difere é o bom trabalho do trabalho superficial”. Luciano afirma que o repórter que não é habitan-te tem algo essencial ao jornalista: o olhar forasteiro. “O que fica chato é ter uma reportagem que aponte erros ambientais do presente em relação a nossa região, sem levar em conta os motivos que nos trouxeram para cá. Ninguém veio para a Amazônia para passar férias. No começo, vieram para

cá por necessidade e a convite do go-verno”.

O assessor se refere a uma cam-panha do governo federal lançada na década de 70 com o objetivo de ocu-par a porção norte de Mato Grosso e estados da região Norte como Pará e Amazonas. Sob o slogan “integrar para não entregar”, pretendia-se pro-teger as áreas de fronteira do país e impulsionar a economia da região. Para quem aceitasse a oferta e mi-grasse até a Amazônia, o governo es-tabelecia algumas regras. Entre elas, determinava a obrigação de abrir 50% da propriedade ocupada – ou seja, derrubar metade da floresta e utilizá-la para cultivo.

Atualmente, a legislação brasileira permite que se abra apenas 20% da área da propriedade nessa região da Amazônia. De acordo com Rodolpho, essa é uma das razões para os conflitos gerados entre os produtores da região e ativistas ambientais. “O governo tra-ta as pessoas que abriram 50% como regularizados e os ambientalistas os

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 (IBGE)* Foram considerados os estados da Região Norte e o Mato Grosso

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chamam de anistiados, como se fos-sem bandidos. Isso não é anistia, é ga-rantia. O governo está regularizando um direito adquirido.”

Como exemplo, o empresário cita Juína, cidade do noroeste mato-gros-sense com 40 mil habitantes. Da área total do município, 62% é composta por reservas indígenas. Restam 38% passíveis de exploração – mas é possí-vel abrir apenas 20% desse total, sem contar as áreas de preservação am-biental. “Que cidade sobrevive com tão pouco, ainda mais sem incentivos do governo, que não banca essa inati-vidade do município?”, indaga Rodol-pho.

Imparcialidade no faroestePara Paulo César Monteiro, repre-

sentante da Comissão da Pastoral da Terra (CPT) de Mato Grosso, a proximi-dade com os locais de conflito influen-

ciam na imparcialidade da matéria. “Quanto mais próximo do problema, mais comprometido com os poderes locais”. Ele destaca as coberturas te-levisivas dos conflitos agrários, muitas vezes mais completas que a mídia es-crita. “Os jornais locais poucas vezes oferecem coberturas satisfatórias.”

O repórter do jornal O Liberal Evandro Correa conta que, em 15 anos atuando como jornalista, deparou-se com tentativa de censura apenas uma vez por parte de empresas privadas. Foi em 2006, quando o Grupo Móvel do Ministério do Trabalho resgatou 1,2 mil trabalhadores dentro da Usina de Álcool Pagrisa, com sede em Ulia-nópolis, no sudeste do Pará. Os donos da empresa queriam evitar que o ma-terial saísse na imprensa e chegaram a procurar a editora do O Liberal, pe-dindo que a matéria não fosse publi-cada. “Felizmente, os editores nunca acataram esse tipo de argumento e a matéria foi publicada sem cortes.”

Em relação às fontes, o repórter lembra a importância de se cercar de pessoas confiáveis – principalmen-te delegados, peritos criminais e pa-rentes de vítimas. Algumas delas são inacessíveis, fator que acaba exigindo muito do jornalista. Um exemplo re-cente diz respeito ao caso dos extra-tivistas Cláudio Ribeiro da Silva e sua esposa Maria do Espírito Santo, assas-sinados em 24 de maio de 2011. O juiz da 4ª Vara Criminal de Marabá Murilo Lemos Leão decretou segredo de jus-tiça. De acordo com o juiz, tal medi-da foi adotada para não atrapalhar a captura e apreensão dos suspeitos. Evandro diz que o juiz “não concede entrevistas e está travando uma queda de braço com o Tribunal de Justiça do Pará. Ele se recusa a atender a Asses-soria de Imprensa do próprio TJE.”

Lucas Pasqual e Rafael Canoba Fonte: Associação Brasileira de Jornais - 2010

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No ponto em que os rios Tocan-tins e Itacaiúnas se encontram, numa espécie de “y” visto de

cima, Marabá se instalou como a principal cidade do sudeste paraen-se, com 250 mil habitantes. A própria geografia do local favorece: estradas federais e estaduais, ferrovias, rios, tudo conduz a Marabá. Seguindo es-ses caminhos, migrantes de todo o país, principalmente do Maranhão e de Goiás, foram para o municipio em busca de melhores condições de vida. Como consequência da instalação violenta dos setores do agronegócio e da agropecuária na área rural, Ma-rabá é marcada por conflitos agrários acirrados.

A miscigenação fez da cidade natal de Vitória Barros, fundadora da galeria de arte que leva seu nome, uma fon-te de matérias-primas para os artistas. “Marabá é um conjunto de coisas, circunstâncias e pessoas que agluti-nam costumes diferentes e evocam a memória de diversas partes do Brasil. Como um grupo de pessoas, acampa-dos na Praia de Tucunaré, que é um lugar de lazer para todas as classes sociais, tomando chimarrão, cerveja e caipirinha.”

Ademir Braz considera Marabá uma referência para sua poesia. O jornalis-ta e poeta morou em outros lugares e manteve uma relação obsessiva de ir embora e voltar até ficar de vez em 1986. Mesmo tendo escrito poemas inteiros sobre a cidade onde nasceu, inventa mais uma estrofe ao descrever

o seu bairro: “Nasci no Canto Verde, no que chamam hoje de Marabá Pio-neira, ali entre o Granito e a oficina, estaleiro do Mestre Leobaldo, à mar-gem do Itacayunas. Foi em 1947, me-ados do século XX, logo depois da 2ª. Guerra Mundial e de uma das maiores enchentes da nossa história.”

O poeta acompanhou as mutações sociais e urbanas da cidade desde 1965 - os migrantes causaram um au-mento populacional de 650% em Ma-rabá só nos últimos 30 anos. Braz viu a região saltar de uma quase Idade Mé-dia nos anos 60 para a mineração pre-datória e siderurgia incipiente. Junto com o crescimento desordenado, veio a concentração de renda, as contradi-ções sociais e a despreocupação com a natureza. Vitória Barros questiona: “O rio Itacaiúnas está doente de tan-

Chimarrão na praiaMesmo com o 4º maior índice de homicídios do país, Marabá pode ser uma cidade sossegada e inspiradora

Tudo conduz a Marabá: encontro dos rios Tocantins e Itacaiúnas

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ta negligência e falta de providência ecológica. Se corre tanto dinheiro, por que não há o mínimo de boa vontade em cuidar dessas coisas?” As casas de luxo flutuantes sobre o rio Tocantins, por exemplo, foram construídas de modo que dejetos são jogados dire-to na água. Ela ainda acrescenta que “Marabá tem tudo para ser uma cida-de modelo, mas está ‘crescendo’ com graves problemas”.

A violência da região é um “verda-deiro extermínio do futuro, perpetra-do pelo capitalismo sem rosto, exter-minador travestido de multinacionais mineradoras, madeireiras e fazendei-ros inescrupulosos, alpinistas sociais de toda espécie que se dão bem na política pela compra de votos dos mi-grantes desenraizados e, agora, com a Luisa Pinheiro

De cerveja a chimarrão, há lugar para todos na Praia de Tucunaré

praga dos traficantes de drogas”, criti-ca Ademir Braz, com jeito de poeta.

A marabaense e residente em me-dicina Edaiara Duarte ainda considera sua terra natal tranquila, mesmo de-pois de tantas transformações. “Toda cidade é violenta, mas nunca sofri ne-nhum ataque em Marabá. Lá podemos deixar os carros dormirem do lado de fora de casa, parar no sinal de trânsito com o vidro aberto sem preocupação e andar na rua com bolsas e jóias. Fui à São Paulo fazer internato de medi-cina e no primeiro dia fui assaltada e levaram meu carro. Para mim, isso é violência”.

Serena, embora entre as líderes no país quando o assunto é homicí-dios, Marabá tem hoje uma economia aquecida. Vitória Barros enaltece sua cidade dizendo que tudo lá é promis-sor e que há espaço para todos os nichos. Edaiara quer voltar para a sua cidade “maravilhosa, agradável para morar e cheia de oportunidades”.

A violência da região de Marabá é um “verdadeiro extermínio do futuro, perpetrado

pelo capitalismo sem rosto”

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Dez milhões de usuários já se cadastraram no Google+, mas são poucos os veículos de comunicação que se aventuram no novo serviço para divulgar suas notícias. A explicação é que o trabalho do editor de mídias sociais não se resume a apenas criar perfis nessas redes e postar links de notícias através de programas automáticos. Essas novas ferramentas ajudam na prática de uma das funções essenciais do jornalismo atual: ouvir quem está do outro lado. Participam da mesa de discussão:

Ana Brambilla, especialista em jornalismo digital ;Tiago Dória, pesquisador de mídia ;

Rodrigo Martins, editor de mídias sociais do @estadao.

Entre interação e informação:

o jornalismo nas mídias sociais

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Semana Revista Semana Revista1 8

No virtual se faz, no real se pagaO uso irracional das redes sociais pode causar incômodos

Uma postagem equivocada na internet pode “desmanchar no ar virtual sonhos e projetos”,

como lamentou o jornalista da revis-ta National Geographic Brasil Felipe Milanez, demitido em 2010 por fazer comentários considerados inapro-priados na sua conta pessoal no Twit-ter. Ele postou duas mensagens que criticavam a reportagem apresentada na mais recente edição da Veja, publi-cada pela Abril, a mesma editora do impresso no qual trabalhava. A revista havia sido acusada de fabricar decla-rações de um importante antropólo-go brasileiro em uma matéria contrá-ria à demarcação de terras indígenas no Brasil. As mensagens enviadas pelo jornalista referiram-se à reportagem como uma matéria “preconceituosa e racista com os índios” e custaram-lhe

o emprego de editor.Felipe conta que foi um momen-

to difícil para ele e para os colegas da National Geographic. Ele defende que os jornalistas devem buscar uma liberdade plena e responsável social-mente, dentro e fora das redações. “Denunciar racismo ou afrontas anti-humanitárias, para mim, é uma ques-tão de princípio da atividade jorna-lística”, pontua o jornalista, que hoje atua de forma independente. Além de demissões, postagens nas redes sociais também podem ocasionar em problemas como cancelamento de entrevistas e represália de editores.

Pelo menos um funcionário é de-mitido a cada semana por fazer co-mentários diretos na internet contra a companhia da qual faz parte ou contra colegas e chefes. O levantamento foi

feito por Alexandre Barbosa, execu-tivo da E.life, que faz o monitora-mento de redes sociais para empre-sas. Alexandre ainda informou ao portal R7 que existem muitos ou-tros casos que acabam sendo aba-fados pelos chefes. Em 2011, Alec Duarte e Carol Rocha, ambos jorna-listas da Folha de S. Paulo, também foram demitidos. Os repórteres trocaram impressões em suas con-tas particulares no Twitter sobre a cobertura jornalística da morte do vice-presidente José Alencar.

Alec Duarte: “Nunca um obitu-ário esteve tão pronto. É só apertar o botão.”

Carol Rocha: “Mas na Folha.com nada ainda… esqueceram de apertar o botão. rs”D

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Semana Revista Semana Revista

Alec Duarte: “Ah sim, a melhor orientação ever. O último a dar qual-quer morte. É o preço por um erro gra-víssimo.”

Casos como esse revelam empre-sas monitorando na internet as pági-nas pessoais de seus funcionários. A advogada especialista em direito digi-tal Vivian Pratti diz que o ideal é que empregadores e funcionários se en-tendam quando assuntos do trabalho vão parar na internet. “Recomenda-se primeiro que a empresa tenha um có-digo claro de conduta e até mesmo aplique uma advertência antes da de-missão”, argumenta. Para o ex-editor do portal Clic RBS Fabiano Melato, um jornalista que usa determinada ferramenta de comunicação de maneira equivo-cada já estaria demitido por outras razões.

O especialista em redes sociais que coordenou as mídias utiliza-das durante a campanha da presiden-te Dilma Rousseff, Marcelo Branco, também defende uma orientação aos funcionários sobre o uso eficiente das redes sociais. “A liberdade de expres-são deve ser garantida, mas isso não significa impunidade. Se ainda assim a pessoa quiser ter liberdade para falar o que pensa, deve colocar um aviso em seu perfil de que suas opiniões não re-presentam as da empresa”. A primeira dica do especialista é não postar co-mentários negativos sobre o trabalho ou a empresa. Além disso, defender o empregador em uma discussão online e comentar questões privadas da em-presa em fóruns públicos são ações não recomendadas.

Ainda que especialistas indiquem cuidados com mensagens na web,

Michael Arrington, comentarista do TechCrunch.com, pede mais opinião, conforme relatou em seu site. “Os jornalistas devem ter o direito de ex-pressar suas opiniões sobre os temas que cobrem. Mais importante ainda, acho que os leitores têm o direito de conhecer essas opiniões”. Para o Sin-dicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo, as regras emitidas por em-presas de comunicação sobre uso das redes sociais amordaçam os profissio-nais e assemelham-se à censura.

O próprio Felipe Milanez considera as redes sociais essenciais na difusão de informação. O jornalista divulgou no Twitter o assassinato do casal de líderes extrativistas do Pará José Cláu-

dio Ribeiro e Maria do Espí-rito Santo, em junho. “Assim que fui infor-mado do cri-me, comecei a postar no Twit-ter e através de alguns segui-

dores meus, influentes ambientalistas, a notícia chegou quase instantanea-mente ao Palácio do Planalto”.

O Twitter também já foi responsá-vel por divulgar notícias em primeira mão. O “furo” da morte do cantor Mi-chael Jackson, em 2009, foi postado pela conta do site de entretenimento TMZ no microblog. Passaram-se de-zoito minutos entre a confirmação do óbito pela polícia e o tuíte do site, que repercutiu por dias na mídia. Esses acontecimentos reforçam o potencial em difundir informação na web. Os episódios dos jornalistas demitidos servem de reflexão ao uso das redes de compartilhamento que se tecem na web e incorporam-se ao Jornalismo.

1 9

Gabriele Duarte

Pelo menos um funcionário é demitido a cada semana por fazer

comentários diretos na internet contra a companhia da qual faz parte ou contra colegas e chefes

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Semana Revista Semana Revista2 0

Utilidade pública onlineBlogs usam jornalismo colaborativo para retornar ao velho papel do jornalista: ajudar a população

“Acabei de passar na Uruguai, onde uma Pajero pegou fogo só no capô! Tdo tranquilo”. Três dias após

o início dos ataques incendiários que levariam à ocupação do Complexo do Alemão no Rio de Janeiro pela Polícia Militar, Civil e Forças Armadas, essa foi a primeira informação que Pablo Tavares tuitou pelo perfil @caosrj. Até então, os números na capital fluminense registravam 28 veículos incendiados, 15 suspeitos mortos, 31 presos e dois policiais feridos. Pablo sabia que aquele nível de violência estava acima do comum e, assim como a maioria da população, sentiu necessidade de buscar o que estava acontecendo.

A opção escolhida para a busca foi o Twitter, pela agilidade e rapidez com que era atualizado. Ao ter acesso às informações, Pablo, estudante de Jor-nalismo da Universidade Plínio Leite, em Niterói, percebeu que também seria interessante repassá-las, comu-nicando instantaneamente os acon-tecimentos locais. “Foi aí que surgiu a ideia de juntar estes relatos em um único canal, a conta @caosrj. Desta forma eu colheria informações rapida-mente e postaria para outras pessoas”, diz. O objetivo não era somente divul-gar links de notícias vindas de fontes oficiais, como o governo, a polícia ou jornais. A intenção era justamente tra-zer para o público as situações que os cidadãos daquelas comunidades do Complexo do Alemão estavam pre-senciando.

A diversidade de fontes fez com que a popularidade do @caosrj cres-cesse rápido: em menos de um dia ele conseguiu cerca de dois mil seguido-res. Fugindo dos habituais comentá-rios sobre “o que você está pensando agora?”, o perfil se consolidou como um canal de comunicação e de jorna-lismo colaborativo onde se comentava literalmente “o que está acontecendo agora”. A repercussão foi grande e chegou a ser mencionado pela jorna-lista americana Sara Holoubek em seu blog Aspiring Luminary, pela bloguei-ra Daniela Espírito Santo no site de notícias português Jornal de Notícias e por alguns sites brasileiros de no-tícias, como o do jornal O Estado de S. Paulo.

Quanto à apuração, não houve ocasião em que Pablo saísse de casa para verificar se algo era verdadeiro ou não. O seu método consistia em procurar um fato relatado no Twitter e os comentários existentes sobre ele. Quando três ou quatro usuários di-ferentes publicavam a mesma coisa, a informação era considerada verda-deira e então publicada no perfil. Se ainda assim ele acabava noticiando algo falso, a retificação era feita no próprio Twitter assim que o erro fosse identificado.

O professor de Jornalismo Online na Universidade do Texas Carlos Cas-tilhos concorda que, no jornalismo colaborativo, a veracidade da infor-mação é checada a partir da diver-sidade das fontes e das contradições existentes entre elas. Isso porque não se pode exigir de pessoas comuns o mes-mo treinamento de apuração que os repórteres profissionais recebem. Po-

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Semana Revista Semana Revista

rém, para ele, o público precisa mudar de atitude, pois vem consumindo as notícias com um baixo grau de crítica. “E no caso do jornalismo colaborati-vo, é indispensável um maior criticis-mo”, afirma.

Colaboração cidadãJornalismo Colaborativo, Cidadão

ou Open Source é a produção de con-teúdo informativo através da integra-ção entre jornalistas e cidadãos não formados na área da Comunicação. Além do @caosrj, o jornal Voz da Comunidade – em versão impressa e eletrônica - e o portal online Viva Fa-vela são outros exemplos deste tipo de interação, que cresceram devido à possibilidade de a internet ampliar a diversidade de pessoas envolvidas no processo. Segundo Castilhos, esse modo de fazer jornalismo é uma alter-nativa natural e inevitável para as em-presas de comunicação, uma vez que estão reduzindo cada vez mais o orça-mento. Porém, a parceria com os cida-dãos tira dos profissionais o controle total sobre a produção de notícias. “E isto muitos jornalistas não aceitam. Este é um dilema a ser superado.”

A respeito da pouca credibilidade que as notícias colaborativas podem acabar recebendo, Castilhos afirma: “Em 1995, o professor Scott Page comparou as performances de dois grupos: um formado só por PhDs e outro bem mais numeroso formado por pessoas comuns, selecionadas com base na cor da meia que estavam usando no restaurante da universida-de no dia da experiência. Foram pro-postos vários problemas para os dois grupos e o time das meias superou os PhDs em rapidez e eficiência em todos os testes. A razão do fenômeno está no fato de que a diversidade, desde que baseada na colaboração, consegue

superar até as mentes mais brilhantes agindo individualmente. O jornalismo colaborativo parte da colaboração en-tre pessoas diversas, por isto pode ser confiável.”

Da mesma forma, Pablo Tavares, do @caosrj, acredita que se não fosse pelas pessoas que contribuíram com a transmissão das informações, o per-fil não teria tido tanta relevância: “As pessoas agradeciam diariamente pelo serviço. Diziam que muitas vezes tra-çavam seus trajetos ou evitavam pas-sar por determinada região por terem visto alguma informação sobre violên-cia no perfil.”

O @caosrj não parou de funcionar depois que a “guerra civil” no Alemão terminou. No início do ano, as infor-mações sobre as chuvas na Região Serrana do Rio continuaram sendo divulgadas nos mesmos moldes da colaboração. Atualmente, o perfil con-tinua sendo atualizado diariamente com notícias sobre a segurança públi-ca na cidade.

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Helena Stürmer

Luca

s Ang

hino

niA popularidade do @caosrj

cresceu rápido: aproximadamente dois mil seguidores em menos de um dia

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Semana Revista Semana Revista2 2

O Twitter e o novo rádio

Instantaneidade, imediatismo, ra-pidez, oportunidade de interação e proximidade entre transmisso-

res e receptores são características das redes sociais, que se tornaram populares nos últimos anos por per-mitirem o compartilhamento de in-formações de todo tipo. Porém, um veículo de comunicação que teve seu auge na década de 40 também possui as mesmas capacidades. O rádio pode não ser hoje o meio mais popular, mas continua presente no cotidiano de mi-lhares de brasileiros. Suas semelhan-ças são o que fazem tanto dos sites de relacionamentos como das emissoras radiofônicas meios de comunicação populares na transmissão de notícias e interação entre público e transmis-sores.

No dia 19 de julho o Twitter come-morou cinco anos de existência e di-vulgou informações que demonstram o poder da internet. São 350 milhões de tuítes, as frases publicadas no mi-croblog, por dia, sendo 24 a cada se-gundo e 600 mil pessoas se inscreven-do diariamente. Grandes empresas, como os maiores portais de notícia do país, podem se beneficiar disso através de sua inserção nesse meio, mas com cautela, alerta Larissa Linha-res, coordenadora de comunicação corporativa do grupo RBS em Santa Catarina. “As redes sociais são efica-zes no estreitamento da relação com o público, mas tem que ser utilizadas de uma maneira inteligente. Muitas empresas criam páginas no Facebook

que acabam virando apenas um de-pósito de imagens.”

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), feita em 2009, comprova, porém, que outros meios de comunicação ainda têm espaço no cotidiano dos brasileiros. Segundo o estudo, quase 88% dos domicílios do país possuem um rádio, ou algum equipamento que agregue o apare-lho. Apenas a televisão e a geladeira superam este índice.

Desde 1922 no Brasil, o rádio trou-xe a proximidade com o ouvinte, infor-mando com uma maior rapidez e uma linguagem mais informal, direciona-da para o público alvo. A informação atinge o receptor de forma individual, o que proporciona um envolvimen-to emocional do público. Ao mesmo tempo, pode ser consumido enquan-to o ouvinte realiza outras atividades.

Informação especializadaA segmentação está presente tan-

to nas rádios quanto nas redes. Na primeira, cada emissora define seu público alvo baseado em idade e clas-se social. A internet, embora abranja todas as idades, com usuários princi-pais entre 18 e 50 anos, é mais global. Dentro de um site pode-se encontrar segmentos variados desde espor-tes até cultura e lazer. Larissa afirma que se deve usar cada ferramenta de forma inteligente. “A informação e os produtos na internet devem ser bem trabalhados. Quem souber trabalhar bem os públicos segmentados nesse meio vai receber um retorno maior.”

A web acabou também possibi-litando uma maior interação entre transmissores e ouvintes que antes

Redes sociais revolucionaram a forma com a qual lidamos com informação, assim como o rádio fez há 90 anos

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Semana Revista Semana Revista

ocorria principalmente através de te-lefonemas. Hoje o público pode en-viar sugestões via redes sociais para os programas radiofônicos. Essa inte-ração ocorre de forma diferente, por exemplo, no Twitter, onde interativi-dade acontece também entre os re-ceptores das informações, e não ape-nas com o transmissor.

Além da interatividade, rapidez e imediatismo são inerentes às duas formas de comunicação. O rádio tem uma utilidade pública que atualmente as redes também atingiram. “No Sul da Ilha, no trevo do Rio Tavares, o trânsito ainda é lento. À medida que segue para o trevo da seta fica melhor.” A frase retirada da conta do Twitter @aovivodc, que faz coberturas em tempo real de fatos importantes e muitas vezes do trânsito, lembra um estilo radiofônico de transmissão. Outros exemplos são o @transitozh e @bandtransitosp, este último com mais de 10 mil seguidores. O grupo Bandeirantes, o qual integra, detém a estação mais antiga do Brasil, com 70 anos de idade. A mobilidade que as redes conquistaram com a internet nos celulares também pode ser comparada ao rádio por estar

presente em vários locais e por trazer informações em tempo real para quem está, por exemplo, preso no trânsito.

O rádio continua sendo um meio de comunicação que transmite in-formações com uma linguagem mais simples e que utiliza a sensorialidade para atrair a atenção dos ouvintes. Para Larissa Linhares, “o rádio conti-nua sendo eficaz como meio de co-municação e tendo um retorno gran-de, mas tem um público específico. A especialização possibilita trabalhar em cima desse público.”

Para continuarem sendo efica-zes, um novo meio de transmissão foi agregado ao rádio. As webrádios trouxeram uma nova oportunidade para as emissoras, mudando as rela-ções dos ouvintes com o meio. Feitas especificamente para veicularem na internet ou sendo apenas uma plata-forma a mais das rádios já conhecidas, elas transmitem 24 horas a sua pro-

gramação para o mundo inteiro. Essa facilidade faz com que a

abrangência do rádio extrapo-le os limites locais, tornando-o um meio de comunicação ainda mais presente para a po-pulação.

Em tempos de convergên-cia dos meios, atrair os espec-tadores, seja na internet ou no antigo equipamento, é o que faz do rádio um meio de co-municação ainda popular, mes-mo em épocas de revolução na troca de informações.

2 3

Jennifer Hartmann Lucas Anghinoni

Em cinco anos, o Twitter contabiliza 350 milhões de tuítes, sendo 24 por

segundo, e 600 mil novas inscrições por dia

Luca

s Ang

hino

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Page 24: Semana Revista 4

O ano da 10ª Semana marca também o décimo aniversário da queda das torres gêmeas, talvez o maior atentado terrorista da história. Aproveitando a data, organizamos uma discussão sobre a cobertura do Oriente Médio após o ataque de 11 de Setembro. Como localizar o leitor e contextualizar a controversa história dos países árabes? Nesses casos em que é difícil mostrar os dois lados, é importante debatermos sobre como manter uma informação equilibrada. Para falar sobre reportagem em áreas de risco e em países tão diferentes, convidamos:

Luciano Martins Costa, colunista do Brasil Econômico ;Luiz Antônio Araújo, repórter especial do Zero Hora ;

Samy Adghirni, correspondente da Folha de S. Paulo.

11/09:o Oriente Médio em pauta após os atentados

Page 25: Semana Revista 4

Dez anos depoisA Semana Revista lembra da recuperação dos EUA após o ataque que matou mais de 2500

2001 – Na manhã do dia 11 de setembro, os Estados Unidos so-freram quatro ataques terroristas coordenados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qae-da: um avião caiu no Pentágono, dois atingiram as torres gêmeas do World Trade Center e o último, que estava a caminho de Washing-ton, em um campo na Pensilvânia. 2002 – A área do World Trade Center terminou de ser limpa em maio. Em novembro, Osama Bin Laden, um dos líderes da Al-Qa-eda, divulgou uma carta dizendo que o apoio dado pelos EUA a Is-rael foi um dos motivos do ataque.2003 – A estação PATH de metrô, destruída nos ataques, foi reinau-gurada temporariamente enquanto um projeto maior está sendo cons-truído, o World Trade Center Trans-portation Hub, previsto para 2014.2004 – Osama Bin Laden admitiu a responsabilidade da Al-Qaeda nos atentados em um vídeo. Ele falou da decisão de destruir as torres “depois de tanta injustiça e inflexibilidade na aliança entre os EUA e Israel.”2005 – Em fevereiro, a identi-ficação dos corpos das vítimas no local do atentado terminou.2006 – A emissora de televisão Al Jazeera transmitiu um vídeo no qual Bin Laden admite ter co-mandado os sequestradores dos aviões que atingiram os EUA.2007 – A construção de três tor-

Semana Revista2 5

res no local do atentado começou, com término previsto para 2012. O Escritório Examinador Médico de Nova York divulgou o número de mortos no atentado: 2993, in-cluindo os passageiros, os 19 ter-roristas da Al-Qaeda e pessoas que morreram devido a doenças pul-monares causadas pelo atentado.2008 – Em setembro, o Memorial do Pentágono, um parque com 184 bancos de frente para o local, foi inaugurado e aberto ao público.2009 - Em novembro, o Memorial Nacional do Voo 93 começou a ser construído no local da queda da aeronave na Pensivânia e a primei-ra fase deve ficar pronta em 2011. 2010 – A construção de uma mesquita e de um centro cultural islâmico no lugar de um prédio próximo ao World Trade Center foi aprovada, gerando polêmica no nono aniversário do atentado. 2011 – O Museu e Memorial Na-cional 11 de Setembro será inau-gurado em novembro. No projeto, há um pavilhão de aço cercado por duas piscinas que ocuparão o lo-cal das torres. O pavilhão terá um auditório, um café e sete andares subterrâneos, que fazem parte da construção original do World Trade Center. No subsolo, ficará o memorial com os restos mortais das vítimas não identificadas, de-sagradando seus parentes. A jor-nalista Gabriela Loureiro, que fez uma matéria sobre o Memorial para o portal da Veja, explica: “as famílias das vítimas vivem um luto diferente daquelas que perdem seus familiares de outras formas, porque o 11 de setembro é e sem-pre será lembrado, marcou a his-tória do país. É uma ferida aberta.”

Rafaella Coury

Page 26: Semana Revista 4

Semana Revista2 6

O que mudou na cobertura inter-nacional nos dez anos entre o ataque às Torres Gêmeas e a

execução de Osama Bin Laden? Tra-balhos recentes apontam para a emer-gência de uma censura de novo tipo e um sofisticado controle da informação pelo Estado.

No caso americano, isso tem a ver com a criação do Escritório de Comu-nicações Globais, vinculado ao Depar-tamento de Estado. Lá se concebeu um novo profissional, o “embedded journalist”:

Jornalista embarcado é um termo moderno. Aparentemente, foi usado pela primeira vez durante a invasão

do Iraque em 2003 e desde então se espalhou e se tornou corren-

te. Ele não aparece em nenhuma disposição do Direito Internacional Humanitário (DIH) e, até onde sei, não está claramente definido. (Ro-bin Geiss, do Comitê Internacional

da Cruz Vermelha)1

Diferente do antigo corresponden-

te de guerra, o embarcado cumpriu o papel de divulgador de pautas de uma fonte só. Vestir o uniforme das forças aliadas significou acessar informações com um único ponto de vista: o do in-vasor. Os sons e sinais dos primeiros

mísseis ouvidos no Iraque, na madru-gada de 20 de março de 2003, traziam fortemente essa mistura sofisticada de notícia e propaganda.

A jornalista Paula Fontenelle fez extensa pesquisa documental e en-trevistou 22 pessoas, entre jornalistas e militares ingleses que estiveram no front, para discutir o papel da imprensa inglesa e a qualidade da cobertura na “guerra” do Iraque2. No centro da es-tratégia de comunicação adotada pe-los EUA e Inglaterra, a figura do jorna-lista “enlistado” (termo usado por ela).

A autora revela, com base num re-lato de Tom Rounds, coordenador da operação de mídia do exército inglês, o que ambos os países esperavam dos enlistados ou embarcados:

Essa é a parte da relação que você espera ser construída entre o repórter e a unidade militar. Ele ou

ela passa a se identificar com os soldados que viram parte de sua

vida. A unidade os alimenta, toma conta deles e oferece segurança; ela

provê tudo que o jornalista precisa individualmente. Isso faz com que o repórter tenha empatia por tudo que acontece àquela tropa em par-ticular, no campo de batalha. Uma

espécie de Síndrome de Estocolmo.3

“Guerra ao terrorismo”:notícia ou propaganda?

1 Disponível em http://www.icrc.org/Web/por/sitepor0.nsf/html/protection-journalists-interview-2707102 FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Sapienza, 2004. O trabalho é resultado de sua dissertação de mestrado, na Universidade de Greenwich, Londres3 Fontenelle (cit., p. 92)

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O Centro de Informação e Imprensa no Campo (de batalha) oferecia tudo que um jornalista necessitava para de-sempenhar bem sua função, mas Paula aponta um problema grave: “Logo nos primeiros dias da guerra, os correspon-dentes se deram conta de que faltava, na Unidade, a principal matéria-prima para aquele tipo de cobertura: acesso imediato aos fatos” (cit., p. 51).

O jornalista James Meek, do The Guardian (que foi repórter indepen-dente e “enlistado”) revela o acerto dessa estratégia de domesticação: “O lado humano realmente fala mais alto. Você não quer dizer coisas horríveis dos amigos. Não quer dizer que estão matando pessoas sem necessidade” (cit., p. 91).

Cerca de 180 jornalistas “indepen-dentes” e 700 “embarcados” estavam em Bagdá, em 2003, no começo da invasão. Os independentes precisa-vam “peneirar o caminhão de mentiras do ministro da Informação iraniano”, como escreve o jornalista Sérgio Dá-vila4; os “enlistados” tinham o desafio de “se livrar da rede de seus hospedei-ros”. A cobertura produziu o que Caco Barcellos chamou de o maior dos pa-radoxos:

Nunca houve uma cobertura tão rica em imagens espetaculares da

ação militar dos poderosos ven-cedores. Mas por ignorar os mais

fracos, o jornalismo tecnológico chapa branca também produziu um

vexame histórico. Um ano depois [uma década, grifo meu], ninguém ainda havia divulgado quantos fo-

ram os civis iraquianos mortos pelas forças de ocupação.5

Um fato novo e ainda em processo

é a entrada em cena do WikiLeaks, que colocou no ar mais de 400 mil docu-mentos que expunham as ações milita-res dos Estados Unidos e seus aliados na OTAN, nas guerras do Afeganistão e Iraque, entre outros. O material foi transformado em reportagens, veicu-ladas em formato colaborativo com algumas das principais publicações do mundo: The New York Times (EUA), The Guardian (UK), El País (Espanha), Le Monde (França) e Der Spiegel (Alema-nha). A ver os desdobramentos da luta política desigual entre a organização de Julian Assange e o Departamento de Estado americano.

Semana Revista2 7

Samuel Lima é professor da Faculdade de Comunicação da UNB e professor visitante do Departamento de Jornalismo da UFSC

4 Prefácio à obra “Iraque: a guerra pelas mentes” (cit).5 Texto de apresentação de “Iraque: a guerra pelas mentes”, de Paula Fontenelle.

Soldado americano caminha junto a soldados afegãos em Khost

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Criada no Qatar, a TV Al Jazeera completa 15 anos divulgando informações do Oriente Médio

para o ocidente em 2011. A emissora ficou conhecida durante a cobertura da Guerra do Afeganistão e, hoje, con-ta com mais de 400 jornalistas de 60 países e um site com uma versão em árabe e outra em inglês. Embora esteja presente em tantos locais, o canal só chega ao Brasil através do Twitter.

A timeline da conta @AlJazeeraBrasil é atualizada de São Paulo pelo corres-pondente Gabriel Elizondo, que posta, em português, manchetes e links para as matérias publicadas na versão em língua inglesa do site. Além do Twitter, Elizondo escreve sobre o Brasil para um blog dedicado a notícias do conti-nente americano. Recentemente, ele e sua equipe foram indicados ao Prêmio Monte Carlo de Televisão pela repor-

tagem Teresopolis Mudslide Cemetery, que mostrava a superlotação do cemi-tério de Teresópolis após a catástrofe que atingiu a região serrana do Rio de Janeiro no início de 2011.

O Twitter não é a única rede social que o grupo de comunicação utiliza para difundir sua programação. O ca-nal Al Jazeera no YouTube possui apro-ximadamente 200 mil inscritos e já ob-teve mais de 280 milhões de exibições dos 20 mil vídeos disponíveis.

Com 65 escritórios em diferentes pontos do mundo, a Al Jazeera alcança cerca de 230 milhões de residências. De acordo com o diretor do canal, Al Anstey, a emissora chegará ao Brasil nos próximos meses.

Para o publicitário Carlos Eduardo Gonçalves, seguidor do @AlJazeera-Brasil, uma maior infiltração do canal no país acontecerá à medida que a rede ajude a desmistificar a cultu-ra árabe. “Só com a diversificação de canais e visões sobre as coisas pode-mos tirar nossas próprias conclusões e formar opiniões inteligentes, firmes e ponderadas”, afirma.

O crescimento da emissora é no-tado também no mundo esportivo. A Copa do Mundo de 2014 será trans-mitida pela TV Al Jazeera para 23 pa-íses do Oriente Médio e do norte da África. Além disso, a emissora do Qatar foi a primeira a comprar os direitos de transmissão dos jogos das Copas de 2018 e 2022, logo que as sedes dos fu-turos eventos foram anunciadas.

Semana Revista2 8

TTBr: #OrienteMédioApostando nas redes sociais, a emissora Al Jazeera quer aumentar sua presença na América Latina

Jennifer HartmannSepulturas de vítimas de deslizamento em Teresópolis

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Page 29: Semana Revista 4

Os cursos de pós-graduação em Comunicação do Brasil são pouco conhecidos por falta de divulgação e interesse. Ainda assim, são muito importantes para quem pretende lecionar ou fazer pesquisas na área. Foi por isso que a UFSC criou, em 2007, o Mestrado em Jornalismo, com o objetivo de consolidar a posição da universidade como referência na pesquisa em jornalismo no país e em toda a América Latina. Para falar sobre o funcionamento do curso e os caminhos a serem seguidos após sua conclusão, a mesa conta com os seguintes convidados:

Alexandre Lenzi, subeditor do Diário Catarinense ;Felipe Pontes, professor de Jornalismo na UFSC ;

Gislene Silva, coordenadora do mestrado em Jornalismo.

Redação ou academia:

possibilidades criadas com a pós-graduação

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Semana Revista Semana Revista3 0

Jornalistas e a pós-graduaçãoCursos de mestrado ganham espaço entre os profissionais

O jornalista e pesquisador Ben-Hur Demeneck lembra de Mil-lôr Fernandes ao explicar sua

decisão de fazer mestrado em Jorna-lismo. “Ele tem uma piada exemplar: como se conhece um jornalista numa roda de conversas? É só identificar aquele que está falando mal do jorna-lismo. Eu prefiro rir da piada a, depois, ser um jornalista que o Millôr não reconhecesse.” Vencedor do prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo de 2010, Demeneck faz parte dos mais de cinco mil mestres formados na área de Comunicação nos últimos 15 anos, segundo relató-rio do Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea).

A possibilidade do mestrado em Comunicação vem evoluindo e tor-nando-se uma opção mais acessível para os jornalistas. De acordo com da-dos da avaliação trienal 2010 da Coor-denação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), existem 39 cursos de pós-graduação na área, sen-do 24 apenas programas de mestrado e 15 de mestrado e doutorado. Esses números indicam um crescimento de 260% em relação à oferta dos cursos entre 2000 e 2010.

Apesar da evolução, ainda existe

preconceito entre mercado e acade-mia, afirma o jornalista e doutor em Ciência da Comunicação pela Univer-sidade de São Paulo (USP) Rogério Christofoletti. Atualmente, Christofo-letti é professor no único mestrado em Jornalismo do Brasil, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “As redações alimentam a ideia de que a academia só se prende a conheci-mentos inaplicáveis no cotidiano da reportagem, e a universidade, por sua vez, também mantém ideias equivo-cadas do mercado, pensando que as redações só agem por instinto”, diz o professor. Mas este abismo entre re-dações e escolas de comunicação está diminuindo, o que, nas palavras de Christofoletti, vai ajudar a melhorar as pesquisas sobre a prática profissional.

Aliar os estudos do mestrado à prática da profissão é um dos objeti-vos da jornalista Gabrielle Bittelbrun, repórter do jornal Diário Catarinense. Mestra em Jornalismo pela UFSC em 2011, Gabrielle reconhece que nem sempre é possível questionar o que se produz nos jornais - uma das críticas da academia ao trabalho nos meios de comunicação. Mesmo com pouco tempo de experiência nas redações, a jornalista passou por momentos em que pode usar a experiência adquirida no mestrado na cobertura das pau-tas. “Em uma matéria de 15 de julho deste ano, sobre a lei para conteúdo de educação midiática, lembrei de al-guns conceitos que estudei na UFSC e questionei os entrevistados sobre isso”, diz Gabrielle.

Existem 39 cursos de pós-graduação na área de

Comunicação, sendo 24 apenas programas de mestrado e 15 de

mestrado e doutorado

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Semana Revista Semana Revista 3 1

Thaine Machado

Ainda não existem estudos que in-diquem o número de jornalistas com pós-graduação. Para tentar mapear dados sobre os profissionais da área, o Departamento de Sociologia e Ci-ência Política da UFSC, com apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), iniciou um projeto de pes-quisa com o objetivo de quantificar os jornalistas brasileiros. O projeto pretende identificá-los para, futura-mente, traçar um novo perfil da cate-goria, apontando também a presença da pós-graduação entre os profissio-nais. Segundo o professor e jornalista Jacques Mick, coordenador dos estu-dos, a pesquisa ainda está num ponto inicial.

Além dos mestrados em comunicação ou jor-nalismo, alguns pro-fissionais optam por uma pós-graduação em outra área. É o caso de Gabriel Rosa, jornalista formado pela UFSC em 2011 e aluno do mestrado em Antropologia na mesma Universidade. O interesse surgiu no desenvolvimento de seu Trabalho de Conclusão de Curso. Ele usou estudos da antropologia na mo-nografia que fez sobre os andarilhos no Centro de Florianópolis. “Um mestrado em Jornalis-mo talvez seja menos útil para a profissão do jornalista do que um em outras áreas, como o Direito ou algo relacionado à Saúde, que podem ajudar num jornalismo mais segmentado”, afirma Rosa. O mestrando apon-

ta que a Antropologia e o Jornalismo cruzam-se em muitos pontos, com discussões parecidas sobre métodos de entrevista.

As vantagens dos cursos de pós-graduação vão além do campo aca-dêmico e podem ser aplicados na prática profissional. Para Christofolet-ti, um mestrado ajuda o jornalista a ser mais criterioso nas reportagens já que “a ciência e o jornalismo podem ter em comum esse rigor na apura-ção dos dados, a disciplina de checa-gem das informações e a busca pelo conhecimento (no caso do cientista) e da notícia (no caso do jornalista)”.

Mesmo que nem todos os estu-dos feitos na pós-graduação

possam ser aplicados à prática, eles permitem que se avance na pro-posição de soluções para a área. “É preci-

so ir além, pois só com pensamento crítico, com atuação

focada e compreen-são do seu papel é que se pode fazer um jornalismo realmente

transformador”, com-pleta o professor.

Para Ben-Hur, “os jornalistas que pen-

sam no futuro da profissão acom-panham o mes-trado com bas-

tantes expectativas”, afinal, numa roda de

conversa entre profissio-nais, mais do que reclamar da profissão, como diria Millôr Fernandes, é bom

saber do que se fala.

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Page 32: Semana Revista 4

Semana Revista Semana Revista

A falta de programas de pós-graduação que ofereçam as duas especializações stricto

sensu, mestrado e doutorado, pode ser mais do que um desfalque nos currículos de curso. É uma opção a menos para professores da própria universidade se especializarem. Quan-do não mudam de cidade ou estado, alguns escolhem uma especialização em outra área oferecida na mesma instituição de ensino.

Existem 1.616 cursos de doutorado reconhecidos no Brasil. Já os mestra-dos, entre profissionalizantes e acadê-

micos, somam mais de 3.100. As diferenças entre os pro-

gramas em cada região são díspa-res. Há mais que o dobro de cur-

sos oferecidos no sudeste do que em

qualquer outra região. No doutorado, por exemplo, são 915 cursos. Em segun-

do lugar, o sul tem apenas 311. Algumas especializa-ções são oferecidas ape-

nas em determinados estados, o que força a mudança. Apesar de alguns

professores prefe-rirem ficar nas esco-las onde lecionam, a prática não é muito bem vista.

A recomendação para que eles façam

especializações fora da própria insti-tuição é da Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Ensino Su-perior (CAPES). “A ideia de sair é para trazer ideias novas e também levar outro conhecimento para a instituição de destino. Mas não é proibido fazer pós-graduação no mesmo lugar, nem significa que ela será pior”, explica o professor José Antônio Bellini, diretor da Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catari-na (UFSC). De acordo com ele, alguns professores optam por manter-se na mesma universidade para evitar pro-blemas com a mudança da família.

Doutorados em Comunicação e Jornalismo

O número de doutorados na área de comunicação no Brasil é menor do que a metade de mestrados – 15 do primeiro e 40 do segundo. Oito dos 15 cursos de doutorado estão no su-deste. “Em termos de doutorado em comunicação, não há muitas opções no Brasil, então somos obrigados a ir para outra cidade”, comenta a coorde-nadora do Programa de Pós-Gradua-ção em Jornalismo da UFSC, Gislene Silva. Criado há quatro anos, é um dos 12 cursos da Universidade que ofere-cem apenas mestrado. Após a primeira avaliação da CAPES, em 2010, o curso atingiu conceito suficiente para ofere-cer doutorado e isso é planejado pela coordenação. Entre os 19 profissionais do curso que possuem título de dou-tor, oito não fizeram suas dissertações em comunicação. Eles optaram por estudar ciências sociais, história e até engenharia de produção.

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Em busca do doutorado distanteEscassez de programas de pós-graduação gera deslocamentos de professores

Tulio Kruse Mur

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Redações barulhentas, cinco pautas por dia e correria no fechamento não são as únicas oportunidades para um foca. Existem vários caminhos para seguir na carreira - trabalhando como assessor de imprensa; como freelancer, sem relações fixas com qualquer veículo; ou ainda na mídia alternativa, com enfoque nos Direitos Humanos; além, claro, da grande imprensa. Apresentando possibilidades da carreira em jornalismo, a mesa conta com:

Ana Estela Pinto, editora de treinamento da Folha de S. Paulo;Marques Casara, especialista em Direitos Humanos ;

Maurício Oliveira, freelancer e autor do livro Manual do Frila ; Patrícia Marins, diretora da agência Oficina da Palavra.

Carreira de jornalista:

diferentes caminhos para o foca

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Semana Revista3 4

Minha vida de cão focaEntre coletivas e rottweilers, jornalistas novatos relatam perrengues

Publicada, até parece fácilLucas Sampaio

Oito meses de alívioFlávia Schiochet

“Você consegue terminar a primeira versão do texto para eu editar antes das 18h?”, perguntou o redator de Cotidiano após eu voltar de uma pauta no aeroporto de Congonhas. “Ah, e vai ser capa do caderno. Parabéns.”Na mesma hora meu estômago começou a revirar e meus olhos brilharam. Não sabia se ficava feliz ou entrava em desespero.Eu tinha uma hora para escrever a matéria que seria capa de um dos cadernos mais importantes da Folha de S. Paulo e era apenas um trainee com menos de um mês no curso. Dava pra aguentar a pressão?O alívio veio meia hora depois, enquanto eu

ainda estava perdido em meio às anotações organizando o que tinha apurado. “A matéria ficou pra sábado”, disse o mesmo redator.Lembro de naquele dia ter ficado na redação até ser expulso, umas 22h, mesmo já tendo terminado o texto. Queria curtir aquele momento único. É daquelas sensações que a gente tem poucas vezes na vida.Mas o alívio se transformou em agonia quando a matéria não saiu nem no sábado, nem no domingo, nem na segunda. Saiu na terça, como capa do caderno e segunda maior chamada da capa. Vendo publicada, parece que é fácil.

Começo esse texto contando que não sou foca e não sei lidar com esperas. Neste exato mês em que a quarta edição da Semana Re-vista é lançada, eu completo quatro meses de diploma na mão; oito de alívio. Termi-nar a faculdade é passar por duas crises que parecem intermináveis (por natureza, para mim, qualquer aflição é elevada ao estado crítico): a apresentação do TCC e o mercado de trabalho. É bastante ansiedade pra quem não consegue nem esperar um bolo assar.A gente do Jornalismo da UFSC passa os quatro anos do curso vendo os veteranos congratularem os ex-colegas que passaram em trainees e vagas disputadíssimas em jornais e revistas no eixo Rio - São Paulo. Aí chegou minha vez – e, como boa ansiosa, já fui tentando desde 2009 tudo quanto é coisa que permitia minha inscrição – e não passei. Em nenhum. Acontece da gente desanimar, mas depois retoma, porque a teimosia é derivada da impaciência.Fui tentar outras coisas e acabei numa agência de publicidade. Ando trabalhando bas-tante, obrigada; sonhando com jobs e prazos; vendo cabelo em ovo e vírgula extra em slogan, e isso é bom. Quanto mais trabalho, menos inquietação.

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Semana Revista Semana Revista3 5

“É pra valer”, disse minha chefe, confirmando que a matéria seria publicada. Era a última semana do curso de trainees do Valor Econômico, na qual acompanharíamos o dia a dia da redação e ajudaríamos em reportagens. Ela me mandou cobrir uma coletiva on-line da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) sobre projeções e expectativas do mercado. O que eu não esperava é que eu seria o único repórter do jornal a assistir a tal da coletiva.Após os comentários do economista-chefe da entidade, falando em um economês fluente, eu tinha um punhado de dados. Inflação, juros, crédito, tudo o que o mercado está acostumado a olhar e ele a

divulgar. Fácil demais para um economista, nem tanto assim para um foca. Nessa hora, agradeci aos deuses do jornalismo por ter seguido o conselho dos professores, por vezes ignorado durante a faculdade, de ler bastante jornal.O Valor tinha dado uma manchete de capa, naquela semana, sobre metas de inflação. Se eu tivesse me contentado com as aulas de economia do curso de trainee, teria deixado muita coisa dessa entrevista passar. Deu até para fazer uma pergunta, cuja resposta foi aproveitada na matéria. E também na nota que um colega de profissão fez para o Estadão.

Ler, ler e ler para escreverFelipe Machado

A lama e o rottweilerGrazielle Schneider

Tenho uma história ótima de quando fui fazer uma matéria no trainee da Folha de S. Paulo sobre o lixo na represa da Guarapiranga.

Depois de apurarmos a matéria oficial, descobrimos (eu e uma colega) uma briga entre duas associações de moradores na Riviera Paulista, bairro rico ali do entorno,

e fomos checar a história. Parece que uma das associações queria asfaltar o local e a outra queria continuar vivendo no modelo interiorano rústico da estrada de terra. Ao

chegarmos ao local, descendo um morro gigantesco, descobrimos que há alguns dias as chuvas haviam causado um desmoronamento de terra e a lama havia invadido as

casas. Enquanto minha colega foi entrevistando as pessoas, comecei a fazer imagens na câmera portátil, pensando em um vídeo para a Folha.com.

Na ânsia de fazer uma bela imagem da lama nas casas com a represa ao fundo, decidi subir em um “montinho de terra” para ficar mais alta. Só que o montinho era, na

verdade, a lama que havia descido do morro. Assim que pisei, a terra afundou e atolei até a metade da coxa.

O taxista que tinha nos levado até lá teve que me “desatolar” e uma das moradoras, não bastando ter a casa invadida pela lama, teve que me emprestar o tanque. E o pior

foi que, enquanto eu esfregava a minha calça com as duas pernas dentro do tanque, um rottweiler latia logo atrás de mim, preso em um canil. Fiquei envergonhada e com

muito medo. No fim, o táxi não conseguia subir o morro de volta para ir embora, e tivemos que subi-lo caminhando para que o carro ficasse mais leve.

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Semana Revista3 6

Alguns têm também emprego fixo; outros fazem malabaris-mo para pagar as contas no

fim do mês. Vários se gabam de serem donos da própria rotina; uns tantos tra-balham mais do que em um expedien-te normal. Há os que fiquem felizes por não ter um chefe; a maioria atende te-lefonemas diários de dezenas de clien-tes. Eles têm o direito de recusar pau-tas, mas podem, sem mais nem menos, não ser mais chamados para trabalhos sem receber direito trabalhista algum. Frila que é frila está sempre correndo: seja atrás de um novo trabalho ou de clientes que atrasam os pagamentos.

Atualmente trabalhando para o jor-nal Folha de S. Paulo, o jornalista Mar-

celo Soares conhece bem essa correria. Para ele, é possível, sim, viver só como freelancer, mas o sucesso nessa carreira aparentemente sem rotina requer or-ganização. “Vivi assim por quatro anos e nem emagreci. Para alguns projetos você vai ter que trabalhar mais horas por dia do que num emprego fixo, e para tirar férias vai ter que trabalhar mais para guardar dinheiro”.

Para Marcelo, é bom ter liberdade para fazer as pautas que quiser. “Sen-do freelancer, você pode escolher os assuntos mais legais para cobrir. Não tem obrigação de cobrir coletivas, nem de fazer três pautas por dia. Mas preci-sa correr muito atrás.”

O ilustrador e chargista Frank Maia também conhece o lado bom e o ruim de trabalhar como frila. Para ele, o me-lhor - “além da grana, óbvio” - é po-der fazer coisas diferentes. “De vez em quando pinta um desafio, um trabalho de fôlego, com gente que nunca tinha trabalhado comigo.”

Rotina zeroFugindo da correria das redações, jornalistas precisam buscar clientes para sobreviverem como freelancers

Jean M

enezes

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Semana Revista3 7

Frank começou fazendo ilustrações para jornais de sindicatos e entrou para o jornalismo diário quando alguém viu suas charges e o chamou para ser fun-cionário. Hoje, ele trabalha no jornal A Notícia, de Joinville, e faz ilustrações como frila. Ele conta que os trabalhos surgem das maneiras mais inusitadas: “Não sei se o cara viu no jornal, na in-ternet, no Twitter, no Facebook. Sei que me acham.”

Os dois profissionais concordam que a vida de frila é cheia de histórias boas - e outras nem tanto. As ruins “ge-ralmente envolvem empresas que não pagam”, segundo Marcelo, que dessas prefere nem lembrar. Mas as histórias boas acabam compensando. Ele desta-ca uma reportagem investigativa que fez para o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos sobre contra-bando de cigarros na Tríplice Frontei-ra. “Tivemos apuração em três países, porque era a história de um contraban-dista brasileiro, poderoso no Paraguai, que foi preso nos Estados Unidos e sol-to sob fiança.” Bem diferente desse tra-balho, Marcelo passou dois meses es-crevendo sobre quadrinhos para o site de entretenimento Omelete. “Era algo completamente diferente de jornalis-mo investigativo, mas era divertidíssi-mo. Usar um pouco mais de humor era completamente bem-vindo.”

Para fugir dos calotes, os frilas têm seus macetes. Frank revela uma regra infalível: “quanto mais pressa tem o su-jeito, mais ele demora pra pagar.” Já a tática de Marcelo é outra: costuma tra-balhar apenas para empresas conheci-das e com tempo no mercado, mesmo que amigos indiquem iniciantes. Para essas, ele acha seguro pedir metade do dinheiro adiantado e não aceita a des-culpa de que essa atitude não é costu-me da empresa. “Mal está começando, como pode ter costume?”

Frank alerta também para os clien-

tes detalhistas demais. “Quanto mais desconto ele pede no preço, mais exi-gente se mostra no decorrer do tra-balho.” Para o desenhista, bom cliente é aquele que manda a pauta e confia no que o profissional pode criar. “Se ele gosta, eu fico radiante. Se ele não gosta, eu faço de novo, na maior boa vontade. Mas tendo meu espaço pra criar. Meu pesadelo é pauta fechadi-nha, toda detalhada.”

Em 2006, quando trabalhava em uma ONG de combate à corrupção e mantinha um blog com comentários sobre política, Marcelo começou a es-crever para o Los Angeles Times. O jor-nalista lembra que certa vez fez uma reportagem para o jornal citando os casos de corrupção do governo Lula. “Um ‘blogueiro progressista’ que lia meu blog teve acesso à reportagem e escreveu denunciando uma grande conspiração internacional que reunia a imprensa ianque e as ONGs golpistas brasileiras pra falar mal do presidente Lula. Nada: era só um jornalista fazen-do um bico. Simples assim.”

Marcelo conta que uma das difi-culdades de se trabalhar como frila é lidar com fontes que não entendem que você esteja escrevendo para um veículo e não use crachá. “Trabalhando para o Los Angeles Times, tive grandes dificuldades em obter entrevistas por meio das assessorias de imprensa, por-que eles aparentemente não entendem como é que um repórter de um jornal estrangeiro não se chama John Smith ou algo assim.”

Frila que é frila está sempre correndo: seja atrás de um novo trabalho ou de clientes

que atrasam os pagamentos

Bárbara Lino

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Desde que começou a ser utilizada nos jornais, a imagem sempre foi um atrativo para os leitores. A fotografia trouxe melhores dimensões para a descrição do acontecimento e o telejornalismo se impôs pela capacidade de relatar os fatos como se os espectadores estivessem presentes no local da ação. Mais que servir de descanso para os olhos, a imagem descreve com maior credibilidade e aproxima o consumidor de notícias para uma realidade desconhecida. Para explicar de que forma devemos transformar a imagem em informação de qualidade, convidamos:

Anderson Schneider, fotógrafo independente ;Ludmila Curi, videorrepórter do jornal O Globo ;

Luiz Iria, diretor de infografia da Abril.

Imagem é informação:

a importância do jornalismo visual

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Semana Revista3 9

Uma questão de composição

ma banca de jornal sobrepõe suas revistas em uma exposição amontoada. São muitos produ-

tos em pouco espaço. Como uma capa sobressai aos olhos do consumidor? Nesse caso, o mais versátil e chama-tivo elemento é a imagem. Um aconte-cimento importante será capa da maio-ria das publicações que fecharem suas edições em uma data próxima. Cabe ao diretor de arte e sua equipe fazer surgir uma interpretação iconográfi ca dife-rente do assunto comum.

A equipe Faz Caber da revista Época costuma criar capas diferenciadas. A Associação Nacional dos Editores de Revista elegeu a capa da edição 630, de junho do ano passado, como a melhor do ano. A reportagem fala sobre como afastar os jovens das drogas. No blog da equipe, eles descreveram a linha de pensamento usada para criar uma capa que fugisse de um jovem fumando. O diretor de arte, Marcos Marques, pen-sou em usar uma imagem de um vi-ciado de perto – com metade do rosto saudável e metade detonada, como se usasse crack. O ilustrador Sattu criou as deteriorações causadas pela droga com o Photoshop.

“A capa impactante não depende de uma imagem humana. Esse ano, por exemplo, a do Bin Laden é apenas um papel amassado com fundo preto. Outra capa que chamou a atenção foi sobre homofobia. Não tinha nenhum

rosto, mas a imagem de uma bandeira escor-rendo sangue é muito forte”, explica Marcos. Na opinião do diretor de arte, as capas conceituais são as que chamam mais atenção – e as mais difí-ceis de fazer.

Junto com as ima-gens trabalhadas pelos ilustradores, toda a composição da capa tem que ser organizada. A tipologia das chama-das não se diferencia muito da do logo da revista, mas pode ser alterada, au-xiliando o conteúdo. Na capa da edição 630, as palavras “das drogas” estão em vermelho e a tipologia é pesada, para dar um tom de alerta.

Encapando os tablets

Com o crescimento dos con-sumidores de iPads, várias publica-ções impressas começaram a criar as suas versões para os tablets. Marcos Marques enxerga esse mercado como um desafi o para os designers. “Tento fazer sempre alguma coisa diferente. No momento da criação da capa im-pressa já surgem as possibilidades para o iPad. Acredito que temos que dar algo a mais para os leitores de revistas em tablets. Essa possibilidade faz com que os designers tenham que apren-der novas ferramentas até então nunca imaginadas. Estamos fazendo cursos de edição de vídeos, 3D, efeitos especiais.”

Capas bem pensadas são responsáveis pelo destaque das revistas nas bancas

Laís Souza

U

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Semana Revista Semana Revista4 0

A essência da imaginação

Imagine um mundo sem imagens. Sem fotos, desenhos ou vídeos. Você acreditaria na chegada do

homem à Lua? Teria sentido a mesma dor pelos japoneses quando o tsuna-mi devastou suas cidades? Choraria com o os desabamentos no Rio de Janeiro? Provavelmente notícias como essas não causariam tanto impacto e nem tanta audiência.

Acredita-se que uma das primeiras formas de comunicação do homem foi o desenho. Na Pré-História, hábitos, experiências e len-das foram deixados em cavernas por meio de pinturas rupes-tres como forma de comunicação antes mesmo que se consolidasse uma linguagem verbal.

FotoPara os jornais impressos,

as fotos foram um grande avanço na transmissão de infor-mações. Considerado o pai do fo-tojornalismo, Henri Cartier-Bresson defendia que era preciso achar o mo-mento decisivo para revelar a síntese do fato, mas que a foto era apenas um indício da realidade. O professor de Design da Universidade Fede-ral de Santa Catarina (UFSC) Richard Perassi acredita que a fotografia tem um grande poder de elucidação. “In-dependentemente do seu critério de real, a foto esclarece e aumenta o

sentido de realidade mesmo que este não seja pleno.” Perassi acrescenta que as fotos coloridas fizeram crescer a quantidade de informação transmi-tida. “As cores proporcionaram uma impressão de realidade muito maior, embora as fotos em preto e branco também representem uma estilização de linguagem.”

Com o avanço da tecnologia e a in-venção das câmeras digitais, a discus-são sobre o que era real ou não ficou um pouco de lado. Programas de edi-ção e alteração de imagens possibili-taram a manipulação de acontecimen-tos. “Saímos de um momento onde a

realidade era vista como um discurso de comprova-

ção e aceitamos que a realidade é uma representação. Achamos a lin-guagem univer-sal: a binária. Ela

consegue repre-sentar tudo”, expli-

ca Perassi.Repórter e chefe de fo-

tografia do finado jornal O Estado, Orestes Araújo comandou a primeira equipe de fotojornalistas de Santa Ca-tarina. Segundo ele, o momento áureo foi na década de 70, quando o jornal impresso era a fonte do noticiário das rádios e também da televisão. “Nessa época os jornais começaram a usar as fotografias como verdadeiros tex-tos visuais. A gente se espelhava em alguns jornais do Sudeste e sempre tinha a preocupação de casar imagem e texto, porque assim as notícias fica-vam mais fortes. Antes disso, traba-lhava-se a foto apenas como ilustra-

São as imagens que dão ao jornalismo-e às pessoas - referências para entender a realidade

“Fotografar é colocar na mesma mira a cabeça,

o olho e o coração.”Cartier-Bresson

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Semana Revista Semana Revista

ção, que jamais pode ser confundida com fotojornalismo”.

TelevisãoA maioria dos historiadores con-

corda que o conflito entre o Vietnã e os Estados Unidos tornou-se a primei-ra guerra transmitida pela televisão. Durante o jantar, os norte-americanos se deparavam com cenas de destrui-ção no continente asiático. De 1965 a 1975, o horror da guerra chegou aos lares dos cidadãos dos EUA inspirando na opinião pública sentimentos ini-ciais de apoio total, substituídos de-pois por exaustão e repúdio. Sem as imagens de crueldade e terror, talvez a história fosse escrita de outra manei-ra. Para o cinegrafista da Rede Globo Fábio Brandão, a imagem é a essência da imaginação. “Esse é o DNA da te-levisão”.

Brandão faz parte da equipe do “Planeta Extremo”, um programa com um conceito ainda inédito em TV aberta no país. “O ‘Planeta Extremo’ usou e abusou de experiências au-diovisuais pra chamar a atenção das pessoas. Foi criado e idealizado para surpreender pelo aspecto jornalístico, pela fotografia, pelo texto e até pela montagem”. Ainda segundo ele, sem as imagens o público perderia a es-sência do conteúdo. “Se simplesmente apagássemos as luzes e mantivésse-mos o texto, para a maioria dos brasi-leiros os lugares por onde passamos e muito do que vimos e gravamos con-tinuariam desconhecidos. Agora, as imagens podem servir de referência para a imaginação do telespectador”. O tempo também auxiliou a equipe. Em um episódio sobre corrida no gelo foram mais de 80 horas de gravação. “O tempo de produção nos permitiu mais criatividade, mais ousadia. É esse tripé de imagem, criatividade e texto que mantêm o interesse do público

pela televisão”, com-pleta Brandão.

InfografiaA história da

infografia é mais antiga do que mui-tos pensam. No Brasil, por exemplo, há registro do uso de versões preliminares de infográficos muito antes do boom dos anos 90, já no século XIX. No mun-do, diz-se que a primeira infografia jornalística foi publicada em Londres, em 1806. Para a professo-ra de Jornalismo da UFSC Tattiana Teixeira, vivemos em uma época de maior va-lorização do que se chama de visualização de dados. “Há situações em que não se pode contar com a foto-grafia e aí, para o bem do leitor, produzir uma boa infogra-fia pode ser a solução”. Alguns bons exemplos são a cobertura de aciden-tes de carro ou de avião, onde o info-gráfico pode explicar o que houve e, se possível, o porquê. Também se tor-nam indispensáveis para esclarecer o funcionamento em detalhe de certas máquinas cujo interior não é possível fotografar.

Tattiana acredita que foto e info-gráfico são duas linguagens diferen-tes, mas nem por isso contrárias. “O mais importante é nunca colocar uma linguagem contra a outra. É como quase tudo no jornalismo. As escolhas de formatos, linguagens, gêneros, de-pendem de fatores mais complexos que a simples oposição direta entre eles”.

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Fernando Jeller

Jéssica Butzge

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Semana Revista4 2

Crise de Editores falam sobre a mistura de

Designer de informação, diagramador, infografi sta, jornalista visual... As defi nições para os profi ssionais que trabalham nas editorias de arte brasileiras crescem a cada ano. Mesmo com essa crise de identidade, eles são fundamentais para manter o equilíbrio visual e editorial nas publicações. A Semana Revista entrevistou dois editores de arte para mostrar a importância e os re quisitos necessários para atuar na parte gráfi ca de jornais e revistas.

Muitos nomes para o mesmo profi ssionalMario KannoEditor Adjunto de Arte da Folha de S. PauloEstúdio de comunicação visual Multi SP

Semana Revista: Na redação de um jornal grande, como a Folha, qual é a função de um designer? Mario Kanno: Na Folha o designer tem dois objetivos. O primeiro é industrial mesmo, diagramar, montar as páginas e manter os horários de fechamento. Nes-ta ótica, é mais importante uma página no horário do que uma página bonita. Se for o caso, podemos fazer trocas e melhorar a página nas edições seguintes. O segundo e mais importante é garantir que as imagens e textos trabalhem juntos. O designer não apenas trabalha com o jornalista, o designer É jornalista porque cria uma narrativa visual da notícia interferindo na maneira que o leitor vai rece-ber a informação.

SR: Alguns profi ssionais falam do “jornalista gráfi co”: quais as diferenças desse profi ssional para um designer?MK: Jornalista gráfi co, jornalista visual, designer, designer de informação, dia-gramador - são apenas nomes diferentes que vão mudando de acordo com as modas que aparecem. Até os anos 80, por exemplo, não existia a palavra “infográ-fi co“, mas o que chamamos de infográfi co existia desde os primeiros jornais. Não existem diferenças claras nestes termos. O importante é o objetivo claro de levar a informação ao leitor na melhor combinação possível de texto e imagem.

SR: Existe alguma rixa entre os jornalistas da publicação e a editoria de arte?MK: Já houve tempos piores. Hoje eles sabem quem manda (risos). Os jornalistas estão mais conscientes de que, se a reportagem não tiver um bom desenho de página, uma boa foto ou infográfi co, ela não vai ocupar os melhores lugares nas capas e altos de página. Atualmente, temos muitos jornalistas procurando a Edi-toria de Arte para obter melhores soluções gráfi cas para suas matérias.

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Semana Revista4 3

Identidadepro� ssionais nas editorias de arte

Designer de informação, diagramador, infografi sta, jornalista visual... As defi nições para os profi ssionais que trabalham nas editorias de arte brasileiras crescem a cada ano. Mesmo com essa crise de identidade, eles são fundamentais para manter o equilíbrio visual e editorial nas publicações. A Semana Revista entrevistou dois editores de arte para mostrar a importância e os re quisitos necessários para atuar na parte gráfi ca de jornais e revistas.

Todo mundo é designerRenata Steffen

Editora de Arte da SuperinteressantePassou pelas redações da Mundo Estranho e da Folha de S. Paulo

Semana Revista: Na redação, como se dá a relação do designer com o jor-nalista?Renata Steffen: Depende da direção da revista e do perfi l das pessoas. Aqui na Super a relação é bem próxima. O designer é quase um editor de arte, ajuda a escolher como fazer a matéria, como editar, como escolher fotos e ilustrações, como contar a história visualmente. Ele participa da reunião de pauta e de uma segunda reunião, tipo um brainstorming, e a partir da pauta ele decide o que fazer com a matéria: uma linha do tempo, apenas texto corrido com fotos, um infográfi co...

SR: Como se compõe a editoria de arte da Superinteressante?RS: Temos um diretor de arte, um editor de arte, três designers e um estagiário. Na verdade, todo mundo é designer, por causa das características da revista. Não temos infografi stas, os designers que resolvem. Às vezes chamamos frilas. Não precisa sa-ber desenhar, a gente contrata ilustradores de diversos estilos. Agora, com iPad, tem gente que sabe fazer vídeos.

SR: Quais as aptidões que um jornalista/designer precisa ter numa editoria de arte?RS: Precisa ser criativo, mas também ter noção de jornalismo e, principalmente, co-nhecer o leitor. Se é uma revista especializada, é um tipo de leitor; em jornal, é outro. O tom da revista não passa só pelo texto, mas também pela ilustração, pela foto... Revistas femininas, por exemplo, não usam fotos escrachadas. É preciso entender para quem você está falando. As outras exigências, mais técnicas, você faz um curso e aprende, pede dicas para quem já está na redação. O fundamental é entender para quem você está falando. Não é necessário dominar o software para ser contratado.

Diego Cardoso e Lucas Pasqual

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José Hamilton Ribeiro

Boas reportagens precisam tanto de apuração re� nada quanto de texto construído de forma atraente. Qualquer que seja o meio,

essas duas bases do jornalismo não podem ser suprimidas. Um jornalista experiente como José Hamilton Ribeiro sabe bem como

uni-las. Com sua narrativa cinematográ� ca e texto sinestésico, consegue tornar interessante muitos assuntos que, em geral, teriam pouco apelo. Isso sem perder a precisão dos fatos ou ser super� cial.

Zé Hamilton é nosso convidado para uma palestra sobre seu trabalho com reportagens em vários meios e sobre vários assuntos.

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Semana Revista4 5

Fragmentos de uma Realidade

osé Hamilton Ribeiro descreve as reuniões de pauta da revista Realidade para o professor José Salvador Faro, autor da tese “Realidade, 1966-1968”, como “um misto de trabalho, psicoterapia e curtição”. Noite adentro e com uísque

pra acompanhar, editores, repórteres, fotógrafos, secretárias e offi ce boys da redação sugeriam temas para completar o cardápio de assuntos da revista.

Nascida em novembro de 1965, tempos de efervescência sócio-cultural e política, a Realidade veio para quebrar tabus e falar de assuntos não tratados pela imprensa brasileira, mas que a sociedade ansiava por ler.

Quando Paulo Patarra, então editor chefe da Quatro Rodas, sugeriu uma nova revista de reportagens à Editora Abril, recrutou um grupo de jornalistas que dividiam as mesmas referências culturais e intelectuais. O entrosamento da equipe, que incluía Sérgio de Souza e Mylton Severiano, é um dos fatores responsáveis pelo sucesso da revista. O primeiro número de Realidade se esgotou em três dias. A tiragem foi crescendo mês a mês, até atingir o recorde de 505.300 exemplares em fevereiro de 1967.

Ancorados pela boa resposta do público, a redação adquiriu cada vez mais liberdade. Os textos tinham caráter de narrativa e recursos literários. Também preservavam o estilo do autor - ao invés de lapidar as reportagens, o editor assinalava os pontos problemáticos para o repórter reescrevê-los.

A originalidade era vista também grafi camente. Para Patarra, textos ousados deveriam se casar com fotos ousadas. As imagens ocupavam páginas inteiras e deveriam complementar a reportagem.

Tanta liberdade não duraria por muito tempo. O avanço da ditadura começou a pesar sobre a direção da Abril. Em 1968, Patarra foi afastado da revista, o que levou à demissão coletiva da equipe. Realidade ainda prosseguiu por mais oito anos, mas sem a veemência que fez dela um ícone na história do jornalismo brasileiro.

Para a jornalista e autora da dissertação “Realidade (re)vista”, Vaniucha de Moraes, difi cilmente uma publicação vai repetir o sucesso da Realidade. “A revista foi um produto de seu tempo e dos talentos de sua equipe inicial. O que pode existir são veículos que apresentem aquela mesma postura crítica e peso literário do jornalismo de Realidade”. Público para jornalismo de qualidade nesses moldes, certamente continuará existindo.

Milena Lumini

Publicação era in� uenciada pela efervescência dos anos 60

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Semana Revista4 6

uando se viaja até o campo, o tempo parece mudar. Fica mais preguiçoso, as horas se

arrastam e o dia, que há alguns quilô-metros passava na velocidade de um trem bala, agora dura os três meses do ciclo de colheita. Tudo na área ru-ral demora. O pão só chega a cada três manhãs no Fiorino do padeiro e uma alface plantada hoje só será co-lhida daqui a 28 dias. A internet até chega, mas mesmo ela se recusa a ser rápida. Para qualquer lado que se olhe, a paisagem é serena e quieta.

O silêncio foi a primeira coisa que incomodou Márcia Melcher ao sair de São Caetano, perto de São Paulo, para ir morar com seu marido Reguinald em São Bonifácio. Em 1998 ela mora-va na maior região metropolitana do país e, pouco mais de um ano depois, estava se aventurando nos 30 quilô-metros de estrada de terra que levam ao bairro de Rio do Poncho, onde nasceu e viveu o seu esposo. Depois de desenvolver sérios problemas de coluna ao trabalhar com carregamen-to de galões de leite, ele se mudou para a casa da tia tentando descan-sar. Foi ali, no elevador do prédio no qual morava com seus parentes, que conheceu a futura mulher. Depois do casamento, passaram um ano traba-lhando em Florianópolis, mas tiveram problemas com a cidade e decidiram

voltar para a terra natal de Reguinald para reorganizar a vida. A estadia que era para ser de alguns meses acabou se tornando uma nova vida que dura onze anos.

Todo dia, ao acordarem, conferem a temperatura e a possibilidade de cho-ver para decidir qual será o trabalho da manhã e da tarde. Na agricultura não dá para planejar com antecedên-cia porque é o clima que vai decidir se está na hora de arar, passar o tra-tor, plantar, regar ou colher. Naquele 16 de julho, o tempo dizia para pre-parar a terra. Márcia vestiu uma calça jeans, uma camiseta velha, uma bota preta e um boné da Associação Eco-vida, órgão que os fi scaliza e lhes dá o selo de plantação orgânica. Pegou o ancinho, um tipo de vassoura de plástico usada para recolher folhas, encostado na parede do depósito e foi até uma das hortas, que o marido limpava com a ajuda da roçadeira. O cheiro forte de grama cortada fez coçar o seu nariz. Começou a espalhar o capim, que o outro derrubava, para mais tarde passar o trator e misturar os nutrientes da planta com a terra. O som crespo do pisar na grama era o único barulho capaz de ser ouvido. O frescor de uma brisa constante ajuda-va a conter o calor do sol e balançava as folhas do repolho e da couve.

“Isso tudo que tá na mesa veio da-qui”, exibe Márcia, enquanto cozinha um pernil para o jantar. Ferve a água para o arroz e mexe a carne com a mes-ma determinação com a qual trabalha

Na saúde, na doença e no aradoDepois de onze anos de trabalho rural com o marido, Márcia só tem a reclamar é da ajuda do governo

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na roça. Mal dá para acreditar na for-ça do seu 1,60m de altura Os olhos, embora meio tortos, são os únicos que denunciam à primeira vista uma mulher forte. A pele envelhecida e o rosto rechonchudo tentam enga-nar de longe, mas em um minuto de conversa se percebe uma pessoa re-sistente. O cheiro ocre do porco na panela acusa que o jantar está pronto. Ao preparar a mesa e colocar os pra-tos, percebe a falta da salada. Uma grande ironia faltarem verduras na casa de quem tem quase 15 mil mu-das ali, há menos de 20 metros.

Márcia e Reguinald são trabalha-dores da agricultura familiar, tipo de produção que domina 87% dos es-tabelecimentos agrícolas em Santa Catarina. Eles não perdem a chance de militar pelo pequeno produtor e pela causa dos produtos orgânicos. São capazes de fi car horas explicando os malefícios dos agrotóxicos para a saúde, reclamando do preço abusivo dos mercados e mostrando como ajudam a criar uma rede regional de empregos e circulação de dinheiro. Só fecham a cara quando o assunto é a ajuda do governo. “Ninguém dá a importância que o campo merece”, lamentam. Sentem muita falta de um seguro para suas lavouras. Se existisse, poderiam evitar enormes prejuízos com geadas como a que acabara de acontecer uma semana antes. Acusam também a falta de mão de obra capaz de ajudar no trabalho pesado da fazenda. As universidades ensinam a mexer com máquinas e produtos, mas não a roçar e arar. A saída compulsiva dos jovens das áreas rurais agrava o problema e cria

dúvidas quanto ao futuro dos fi lhos do casal.

Renan, o mais velho, está com dezesseis anos e cursa eletrotécnica no Instituto Fed-eral de Santa Cata-rina (IFSC). É um fã da arte oculta da quiromancia e das ideias de Freud, mas agora só pensa em se formar em Engenharia Elétrica. Ele quer terminar os estudos, voltar para Rio do Poncho e reativar uma antiga hidrelétrica caseira que o avô construiu na metade do século pas-sado. Pâmela é a caçula e ainda não sabe direito o que fará ao sair do ensino médio. Muito tímida, ela tem habilidade e gosto pelo desenho, mas pensa mesmo é em enveredar pelas ciências químicas. “Deus me livre” é a resposta que ambos dão para quem lhes sugere mudar de cidade e trocar de vida. Eles gostam da liberdade e da calma que só o tempo no campo pode lhes oferecer.

Com o ancinho e a faca, Márcia prepara a terra

Thiago Moreno

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Quando uma pessoa inteligente ter-mina de ler uma boa reportagem, nasce no seu canto de boca um

aceno de sorriso. Um aceno de sorriso e um olhar vago, pensando no que acabou de usufruir.” A frase é de José Hamilton Ribeiro e descreve com exatidão a sen-sação de quem acaba de saborear um de seus textos. Como poucos, o jornalista com mais de 50 anos de profi ssão sabe tratar temas duros, de transplante renal a golpe militar, de forma agradável, gosto-sa de ler. Mais do que isso, suas reporta-gens são repletas de estímulos sensoriais.

No livro Repórteres, organizado por Audálio Dantas, José Hamilton ensina que ter os sentidos aguçados é condição absoluta para ser repórter. A lição é il-ustrada em Gota de Sol, pela fala de um provador de suco de laranja: “Primeiro a gente olha, depois cheira, daí ouve o barulhinho no chacoalhar do copo. Se

tudo estiver bem, aí degusta e analisa o resto.” A integração dos órgãos sensoriais permite apreender um fato, cena ou per-sonagem de forma completa. “José Ham-ilton tem uma capa-cidade sinestésica tal que consegue contaminar o leitor, a ponto de fazê-lo ter as mesmas percep-ções narradas”, afi rma Jorge Ijuim, professor do Departamento de

Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo ele, a cultura ocidental induz ao uso da lingua-gem audiovisual e acaba desprezando os outros sentidos.

Outra notável aptidão de José Hamil-ton é contextualizar a pauta e fazer liga-ções com outros temas. Ao moldar os fa-tos em formas simples, o jornalista traduz complexidades em textos prazerosos, sem perder a profundidade.

Em A cultura do ouvir, o pesquisa-dor em comunicação Norval Baitello Jr. defende que neste tempo de “imagens em reprodução infl acionária”, a tendên-cia é desenvolver uma cegueira para as conexões que se via com a cultura da audição. “Ouvir requer um tempo do fl uxo e o tempo do fl uxo é o tempo das relações dos sentidos e do sentir”. José Hamilton não só ouve como ouve de perto, se aproxima do entrevistado a ponto de atrapalhar o repórter cin-ematográfi co do programa Globo Rural Jorge dos Santos, que conta ter difi cul-dades em fazer um bom enquadramento na grande reportagem em vídeo José Hamilton Ribeiro: o repórter, produzida pelas ex-alunas de Jornalismo da UFSC Ludmilla Bolda e Sarah Espíndola.

É, portanto, na apuração que nasce o atributo sinestésico de José Hamil-ton, fruto de seu faro jornalístico e cu-riosidade. Sedento por sentir, ele busca percepções para então compartilhá-las e, através de suas linhas, é capaz até de levar o amargo da guerra à boca do leitor.

O sinestésico mundo de Zé Hamilton

Luisa Nucada

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A invenção da web rede� niu os caminhos pelos quais a cultura se propaga e introduziu novos fenômenos que, há 20 anos, não

fariam o menor sentido: o compartilhamento de conteúdos culturais em rede, a criação de bancos de dados enciclopédicos

como a Wikipedia e a viralização de vídeos com cantoras adolescentes ou pôneis malditos. Para falar sobre como a

internet mudou a forma de pensar das pessoas e debater o que os jornalistas têm a ver com tudo isso, recebemos Alexandre Matias,

blogueiro do Trabalho Sujo, em uma palestra no bar.

Alexandre Matias

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Semana Revista Semana Revista5 0

Salada pop De Rebecca Black a McLuhan, tudo cabe no Trabalho Sujo

São 4h20 da madrugada e há um novo post no Trabalho Sujo: um gráfico que analisa a música

“Friday”, de Rebecca Black. O respon-sável pelo blog, o editor do caderno Link do Estadão Alexandre Matias, ain-da está dormindo e só irá ligar o com-putador dali a duas horas para progra-mar as postagens do dia. É assim que o jornalista alimenta o site que come-çou como página de jornal e hoje con-tabiliza 15 anos, 20 mil acessos diários e uma salada de textos, links, vídeos, fotos, gifs, memes e entrevistas sobre assuntos tão variados quanto a cultura atual.

Coisas legais. É assim que Matias gosta de definir o que publica em seu blog. Não há tema fixo: nas dez ou 15 postagens diárias é possível encontrar desde uma entrevista com o filho de McLuhan até um vídeo de dança do

ventre indie, passando por teorias so-bre a série de TV “Fringe” e uma com-pilação de gritos de Arnold Schwarze-negger.

O resultado é um grande remix de temas relacionados à cultura. O jorna-lista já foi até chamado de “arqueólo-go digital” - apesar de preferir o ter-mo “explorador”. Seu trabalho (sujo) é basicamente varrer a internet atrás de novidades para compartilhar no blog. Suas maiores fontes de pepitas online são os sites que visita com frequência e o conteúdo enviado por leitores e amigos via e-mail, caixa de comentá-rios, Twitter ou Facebook.

Nem sempre foi assim. Em 1995, o Trabalho Sujo era uma coluna escri-ta, ilustrada e diagramada por Matias para o jornal Diário do Povo. Tratava principalmente de música. Assim que migrou para a web, o site começou

a ganhar mais colaborações e explorar novos assuntos à medida que mudava de en-dereço virtual. Primeiro hos-pedou-se no Geocities, nos idos tempos em que nem existia Blogger. Depois, em 2003, passou a fazer parte do portal Gardenal até que, em 2008, Alexandre Matias, Arnaldo Branco, Bruno Na-tal e Gustavo Mini criaram o www.oesquema.com.br, portal onde cada um man-

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Semana Revista Semana Revista5 1

- “Eu já vi Bilu, o ET brasileiro”: http://tinyurl.com/trabalhosujo1- Como dançar “Lotus Flower”: http://tinyurl.com/trabalhosujo2- Sheening la Vida Loka: http://tinyurl.com/trabalhosujo3- Mas que porra de Rebecca Black é essa? http://tinyurl.com/trabalhosujo4- Sou foda (versão acústica): http://tinyurl.com/trabalhosujo5- 12 crianças mortas com tiros na cabeça: http://tinyurl.com/trabalhosujo6- Sandy Devassa: http://tinyurl.com/trabalhosujo7- Terremoto no Japão: antes e depois: http://tinyurl.com/trabalhosujo8- A banda mais bonita da cidade e o Ecad: http://tinyurl.com/trabalhosujo9- Por que Osama Bin Laden foi morto em 2011: http://tinyurl.com/trabalhosujo10- Churrascão de gente diferenciada: http://tinyurl.com/trabalhosujo11- Todo o constrangimento de Kirsten Dunst enquan-to Lars Von Trier elogiava Hitler: http://tinyurl.com/trabalhosujo12- Marcha da maconha em São Paulo: http://tinyurl.com/trabalhosujo13- O Google +: http://tinyurl.com/trabalhosujo14- Os 25 melhores discos do primeiro semestre: http://tinyurl.com/trabalhosujo15

15 posts do Trabalho Sujo que resumem o primeiro semestre de 2011:

Rosielle Machado

tém seu próprio blog até hoje. Matias se considera tão jornalista no Link, es-crevendo sobre cultura di-gital, quanto no Trabalho Sujo, publicando o vídeo de uma banda de grunge polonês dos anos 1990. Ele acredita que, mesmo quando compartilha as coisas com as quais esbar-ra na internet, há um inevi-tável tom autoral em tudo que posta. “No jornal [o caderno Link, do Estadão] eu também quase não produzo material próprio. Mas quem me conhece, reconhece meu dedo ali. O mesmo acontece no Sujo, com a diferença que eu es-tou falando como pessoa física e não jurídica.”Diretamente, nem Ma-tias nem os demais in-tegrantes d´O Esquema ganham dinheiro com os blogs – ainda, dizem. Até arranjarem uma maneira de fazer fortuna, continu-am blogando por prazer. Mas mesmo que seja um hobby, o negócio é leva-do a sério. Para manter o caldeirão borbulhando, Matias dedica duas horas diárias ao Trabalho Sujo: “Ou 24 horas, se levar em consideração que eu estou pensando nele o tempo todo.”

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Semana Revista Semana Revista5 2

A boemia não paraEm algum lugar de Floripa, o álcool começou a rolar

U ma das definições dadas à palavra descrevem o “gonzo” como o últi-mo homem de pé após uma longa madrugada de bebedeira. Assim é Matheus Francislau Joffre, talvez nem tanto. Seria melhor classificá-lo

como o último homem caído no chão do bar.Como nenhum bêbado é objetivo, talvez seja o gonzo, estilo de narrativa

jornalística criado por Hunter S. Thompson, a melhor maneira de descrever o universo que é comum a qualquer um que gosta mesmo de encher a cara. O jornalismo gonzo é escrito sem pretensão de objetividade e frequentemente inclui o repórter como parte da história, através da escrita em primeira pessoa. O Matheus, ou Macaco, como é conhecido, não usou mescalina, éter, cocaína ou maconha como Thompson fazia. Ele se ateve ao álcool para dar ao seu texto aquilo que Thompson chamava de “faro subjetivo adicional”. É isso que nós vemos no livro-reportagem Vida boêmia.

A boemia de Florianópolis dos anos 2000 não é a boemia carioca do início do século XX. Os boêmios não criam arte e nem discutem política. Em Floripa os botecos do centro fecham à meia noite e os pseudo-boêmios madrugam, vez ou outra, em bares que cobram seis reais por cerveja. O Macaco foi atrás de quem gosta mesmo de viver a noite, não de quem encontra o escurecer por falsa necessidade de diversão. E nas 45 páginas de sua reportagem nota-se a sutil, ou gigante, diferença entre os tipos.

Não que o preço da cerveja seja o diferencial, afinal a noite pode ser muito melhor aproveitada por quem tem dinheiro. É que ser boêmio não é sair pra beber com os amigos numa sexta ou sábado apenas. É ir ao bar para, às vezes, encontrar alento, e não só festa. É sair para ficar sozinho e descobrir alguém

para conversar e lamentar.O Matheus faz parte desse estilo de vida, não só da reportagem que virou seu trabalho de conclusão de curso. Seria hipocrisia falar de

boemia sem incluí-lo na história. Talvez ele tenha exagerado na emoção o tanto quanto exagera na bebida, mas com certeza um relato objetivo não retrataria tão bem a des-crição sentimental que o Macaco fez sobre os dois perso-

nagens escolhidos. Se não estivesse envolvido e exposto, não conheceria a fundo o Seu Milton, um dentista aposentado, que já viúvo trocou os consultórios pela boemia e a solidão pela companhia de mulheres das quais ele não sabe o nome, só o preço. Também não conheceria Dulce, mãe de dois filhos, que, de tanto ir ao bar, criou uma relação quase que paternal com o

dono de um deles.Cada um vai para o bar por suas próprias razões. Só beben-do junto para descobrir quais são.

Felipe Costa

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Cos

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Apartidária, sem � ns lucrativos, cobrindo temas nacionais com repercussão global e parceira da organização WikiLeaks, a Pública é

uma agência independente de jornalismo investigativo com a proposta de fazer reportagens de fôlego, multimídia, com independência,

seriedade e profundidade. Tudo sob licença creative commons, de livre reprodução, visando à circulação de informações relevantes e

à quali� cação do debate democrático. Para uma palestra sobre os desa� os do jornalismo investigativo e independente, recebemos

Marina Amaral e Natalia Viana, responsáveis pela agência.

Agência Pública de Jornalismo Investigativo

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Antigo e polêmico direito

Constituição Federal de 1988 assegura que todos os ci-dadãos têm o direito de rece-

ber de órgãos do Estado informações “de seu interesse particular, coletivo ou ge-ral”, as quais devem ser disponibilizadas em um prazo estabelecido por lei, com exceção dos documentos protegidos por sigilo “imprescindível à segurança da sociedade”. A garantia constitucional, no entanto, não é sufi ciente. Segundo infor-mações do site Informação Pública, não há uma lei específi ca que regulamente o direito de acesso a informações do Es-tado, ou seja, um caminho institucional e facilitado de consulta de documentos pú-blicos. De acordo com o site, em termos de legislação, no país, há apenas textos que tratam do sigilo desses documentos. Para chegar a dados de seu interesse, o brasileiro deve recorrer a instrumentos como a ação civil pública, ação popular ou o mandado de segurança.

MudançasEstá em tramitação no Senado um

projeto que pretende diminuir a duração do sigilo de arquivos públicos. Aprovado no ano passado pela Câmara, com uma emenda que estabelece o segredo por no máximo 25 anos e renovável apenas uma vez, o projeto tenta combater o chamado “sigilo eterno”, em vigor no país. A lei atu-al, assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, determina que as in-

formações permaneçam inacessíveis ao público por 30 anos, com possibilidade de renovação infi nita do prazo.

Em discussão no Congresso, o texto vem provocando polêmicas dentro do governo. Pressões comandadas por políticos aliados e de oposição cau-saram mudanças de postura do Palácio do Planalto sobre o tema. Críticas feitas pelo senador Fernando Collor (PTB-AL) e pelo presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) à alteração do sigilo levaram a presidente Dilma Rousseff a defender uma mudança no projeto, mantendo a possibilidade de deixar documentos ofi -ciais inacessíveis por tempo indetermi-nado. A decisão logo provocou debates na base governista. Levando em conta os argumentos de Nelson Jobim, então ministro da Defesa, e Antonio Patriota, ministro das Relações Exteriores, Dilma decidiu não interferir nas negociações. A previsão é que o projeto seja aprovado até o fi nal deste ano.

AlternativasMesmo sem a passagem do projeto,

o país conta hoje com algumas ferra-mentas que tentam dar mais clareza aos arquivos. No Portal de Transparência, da-dos sobre a aplicação de recursos feita pelo governo estão reunidos para con-sulta pública.

Experiências como essa concretizam o direito do cidadão de ser informado sobre os assuntos do Estado. Para o jor-nalista Eugênio Bucci, esse direito nasceu no início da era moderna, junto à demo-cracia e à república. No artigo Liberdade

A

Brasil ainda não possui lei específi ca que regulamente o direito ao acesso de informações públicas

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de Imprensa e Regulação de Mídia, pu-blicado no site Observatório da Imprensa em junho de 2011, Bucci explica como isso aconteceu: “desde o início desta era as informações sobre o poder devem ser publicadas porque correspondem ao di-reito dos governados - não porque real-izam os interesses dos governantes”.

A democracia não foi apenas contem-porânea ao direito à informação, como se sustenta através dele. O advogado Vicen-te Figueiredo esclarece em seu artigo O direito de acesso às informações públicas e a cidadania que o conhecimento deste tipo de documento confere aos cidadãos a possibilidade de avaliar e interferir nas decisões dos governantes. Esse exercício de poder realizado pelos membros da sociedade seria uma das “regras do jogo” do sistema democrático.

O pleno exercício deste direito, no entanto, não é possível em todas as es-feras sociais. De acordo com Bucci, a imprensa seria um dos poucos espaços onde a liberdade de expressão e acesso à informação seriam exercidos sem os constrangimentos do poder. A democra-cia dependeria da imprensa livre, através da qual as pessoas se informam e deba-tem idéias para melhor fi scalizarem os governos.

Segundo o jornalista, a regulação da mídia deve ser democrática, de modo que o governo discipline apenas as regras do mercado dos meios de comunicação, e não o conteúdo publicado. Tal orienta-ção serviria também para outras orga-nizações da sociedade civil, como ONGs, e iniciativas online, como o WikiLeaks, site que divulgou mais de 500 mil pa-péis ofi ciais norte-americanos, entre eles 90 mil comunicados diplomáticos. Não por coincidência, o projeto prega o lema

“Mantenha-nos fortes, ajude o WikiLeaks a manter os governos transparentes”.

HistóricoMuito discutidas até hoje, as leis de

direito à informação pública existem há mais de duzentos anos. A primeira delas foi criada na Suécia, em 1776. Apesar da origem secular, grande parte das legisla-ções que efetivam, na prática, o acesso a informações surgiram há menos de duas décadas. Foi a partir dos anos 1990 que vários países assumiram o compromisso de adotar normas para assegurar esse direito.

Oito anos depois, 30 países do con-tinente americano já haviam assinado a Declaração de Chapultec - um conjunto de princípios que garante a liberdade de expressão, reconhecendo o direito à in-formação como fundamental. Adotada durante a Conferência Hemisférica sobre a Liberdade de Expressão, em 1994, a Declaração assegura que “as autoridades precisam ser obrigadas a disponibilizar de forma oportuna e razoável as infor-mações geradas pelo setor público”.

Ingrid Fagundez

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“Você vai ao escritório dos caras e eles dizem que vão te processar”

jornalista Felipe Pereira tinha apenas um ano de carreira quando cobriu uma das

maiores operações da Polícia Federal no estado de Santa Catarina. A Opera-ção Moeda Verde prendeu 19 pessoas da elite de Florianópolis no dia 3 de maio de 2007. Felipe conta como li-dou com a pressão de expor quem tem poder. Para ele, a apuração e a compro-vação de tudo o que é publicado em documentos ofi ciais são indispensáveis.

Semana Revista: Você cobriu a Opera ção Moeda Verde um ano de-pois de se formar em Jornalismo. Quando você começou a trabalhar no Diário Catarinense, já entrou de-cidido a fazer reportagens da edito-ria de Polícia?Felipe Pereira: Não. Eu fazia Geral e fi z em Polícia por acaso. Comecei no

plantão e acabei virando repórter de Polícia.

SR: Na sua participação na 9ª Se-mana do Jornalismo, você falou que conhecer algumas pessoas dentro da Polícia Federal foi fundamental para a cobertura da Operação Moeda Verde. Como você teve acesso a es-sas fontes?FP: No dia a dia. Todos os dias você vai lá e tem um caso legal. Mas eu evito ao máximo qualquer contato de in-timidade com os delegados. Tem gente que prefere ser amiguinho, fazer piada. Comigo não. Eu evito pra fi car isento e poder falar mal do delegado um dia, caso precise.

SR: Quais são os principais meios para conseguir as informações mais relevantes? Análise de documentos? Contatos de confi ança?FP Quando tem coisa importante sem-pre vaza. Sempre tem alguém que quer prejudicar o outro, ainda mais na Moe-da Verde, que envolve política. Eles vão lá e dizem qual é o problema. Só que o dizer apenas não adianta, tem que ter documento provando. Achar esse documento para provar o que eles dis-seram é o que pega. Sem documentos para provar, vai trabalhar o resto da vida para pagar indenizações em processos.

SR: Durante a cobertura vocês en

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OFelipe: não ter medo é essencial para a investigação

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trevistavam, analizavam dados dos relatórios e conviviam com a pressão diária de serem constan-temente abordados por envolvidos citados no jornal. Como alguém com tão pouca experiência lidou com a situação?FP: No começo foi bem difícil. A o peração foi numa quarta-feira. Na sexta-feira, fi z uma entrevista com a delegada. Eu já tinha os documentos, o relatório que justifi cava as prisões, as escutas, tudo. Mas fi camos re-ceosos em publicar porque eram documentos com sigilo de justiça. Na entrevista, a delegada disse tudo que havia no documento. Saiu a re-portagem. Na semana inteira, mui-tas pessoas me falaram que iriam me processar, advogados desqualifi -cando a Polícia Federal, dizendo que aquilo ali era falso, era exagero. Ter-minei de trabalhar na sexta-feira, às cinco horas da manhã, e achei que chegaria em casa e dormiria. Estava tão tenso que não consegui. Às seis horas eu deitei, as oito eu levantei e fui comprar o jornal para reler a ma-téria e ver se não tinha errado nada. É complicado, você vai ao escritório dos caras, onde a mobília é maior que o seu patrimônio inteiro e eles dizem que vão te processar por isso e aqui-lo. Mas como tudo que é pu blicado o (departamento) jurídico vê antes, não aconteceu nada.

SR: Depois de todo o trabalho, a falta de julgamentos e a perda de interesse do público não te deses-timulou um pouco?FP: Não. É chato, mas não tem como desestimular. Não foi perda de tem-

po. Qualquer jornalista quer fa zer grandes histórias, mesmo quando não há consequências, não perde a vontade de fazer jornalismo.

SR: Para quem está se formando e quer seguir carreira no jornalismo investigativo, o que você considera essencial?FP: Entender bastante de Direito porque vocês têm de conversar com os advogados e delegados na lin-guagem deles. Quanto mais você co nhece, mais eles te veem como al-guém que merece atenção. Quando eu estava na cobertura da Moeda Verde, havia recém-começado e tinha cara de “piá”. Acaba que às vezes eles não te dão atenção, não te levam a sério. O domínio de Direito também ajuda quando você tem que ler um processo: você já sabe onde procurar as informações.Sempre que for fazer uma matéria, faça ela direito. Se um dia você pu-blicar qualquer coisa que faça surgir uma dúvida na fonte que te passou, seja delegado, promotor ou juiz, você será riscado do caderno dele. Ele nun-ca mais confi ará em você. E a outra dica é não ter medo. Tem gente que pensa “ai, eu não vou publicar ma-téria contra fulano, ele nunca mais vai me dar entrevista”. Não acontece isso, pelo contrário, já cansei de fa-zer matéria contra de legado e o que acontece é que eles te respeitarem ainda mais. Atendem e te tratam bem porque eles sabem que você faz a coisa certa. O negócio é sempre fazer tudo certo.

Laís Souza

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Logo nas primeiras entrevistas sobre a piauí, João Moreira Salles tentava não falar sobre jornalismo. “Tenho pudor em falar sobre isso porque sou cristão novo, cheguei há muito pouco tempo. Ainda estou conhecendo a fé”, disse uma vez. O criador da revista que já está há cinco anos nas bancas é nosso convidado para encerrar a 10ª Semana do Jornalismo. Moreira Salles irá responder perguntas justamente sobre a prática dos jornalistas, sobre o jornalismo que é praticado na piauí e também sobre seu trabalho como documentarista.

João Moreira Salles

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Enquanto nadava, ele teve uma ideia. Como foi o primeiro nome que lhe ocorreu, tentou pensar em outros que fossem menos despropositados. Novas palavras apareceram então. Foram discutidas em equipe, aco-

lhidas por dias ou semanas. Mas esfriaram. Como um inseto que fica voando perto da orelha, indo e voltando, aquele primeiro pensamento acabou não deixando ninguém em paz. E assim piauí virou nome de revista.

Para João Moreira Salles, criador da publicação e homem que tem algumas ideias quando nada, a razão da escolha pode parecer banal. “Piauí é uma palavra cheia de vogais. E eu gosto das palavras que tem vogais.”* Além da preferência pessoal, Moreira Salles cita Gilberto Freyre na defesa das vogais. Associadas pelo sociólogo às línguas de países tropicais, elas seriam o moti-vo da maciez das ortografias, gramáticas e sotaques quentes. Principalmente quando em contraste com os países nórdicos, de línguas mais frias e conso-nantais.

Em outubro de 2006, a primeira piauí chegou às bancas. Os exemplares mensais da revista trazem um jornalismo sem lead, blocos de textos que ocu-pam sozinhos uma longa sequência de páginas, pequenas matérias sem as-sinatura ― coisas que um jornalista não aprende na faculdade. Este traço de anarquismo talvez seja a única característica que se possa fixar na revolucio-nária revista.

Ela não foi criada para competir com outras publicações. Nem para cobrir a agenda cultural, política ou econômica do país. João Moreira Salles e um grupo de amigos decidiram fazer uma revista boa de ler. Este é o objetivo da piauí: esgotar-se na leitura. “Gostaria que ela fosse de certa maneira inútil. No sentido de deleite”*, explica Moreira Salles.

Economista de formação, João acredita que nunca teve uma vocação mui-to clara. Começou a produzir documentários por um pedido de seu irmão, o cineasta Walter Salles, e não parou mais. Em uma entrevista para o projeto “Sempre um papo”, transmitido pela TV Câmara, foi questionado porque dei-xou um pouco de lado o cinema para fazer a revista. “Acho que aprendi a fazer documentário mais com coisas que li do que com coisas que vi”*, explicou. Foi aí que um leitor assíduo de revistas decidiu criar uma publicação que fizesse bom jornalismo.

Qualquer assunto encontra espaço na piauí. O que importa é que seja bem escrito e tratado de uma maneira não convencional. A revista é feita de tensão narrativa. Esta é a palavra escolhida por João Moreira Salles quando tenta caracterizar o tipo de textos que cabem ali. Há um apreço pelo equilíbrio, por uma combinação de assuntos e tons diferentes ao longo das aproximadas 70 páginas que compõem a publicação.

O criador costuma dizer que ela não foi feita para ser lida de cabo a rabo,

Semana Revista Semana Revista5 9

Ela atira para todos os ladosO jornalismo sem lead e sobre qualquer assunto da piauí

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Esse traço de anarquismo talvez seja a única característica que se possa

fixar na revolucionária revista

mas que cumpre seu papel se faz al-guém gostar de uma matéria extensa sobre um assunto que nunca havia achado interessante. “Acho muito difí-cil você abrir a piauí e não encontrar nada que te divirta. Mas também acho muito difícil você se divertir com tudo. Ela atira para todos os lados”*, com-pleta Moreira Salles.

Além da revista, em algumas edi-ções há o The piauí Herald – o diário mais elegante do Brasil. A diagrama-ção no estilo clássico é o único ele-mento jornalístico de verdade no satí-rico folhetim. No número 41 de piauí, o Herald se dedicou a ironizar as revis-tas de moda com o especial Military Fashion Week. A capa à la Vogue trazia uma foto de Nelson Jobim fardado e chamadas como “Nelson Jobim: über-sexy – da batalha das Termópilas à in-vasão do Iraque, o nosso ministro é o it-soldier do momento!” e “Fizemos o teste: organza e tafetá são super war-friendly”.

Na internet, The i-piauí Herald é a versão online do diário. O blog traz notícias como “Cientistas encontram explosões de supernova na barriga de Ronaldo” e “Ministério dos Transportes aprova rodízio de propinas”. Os textos são escritos na estrutura jornalística tradicional, mas as pautas trazem de-boches bem-humorados ligados a fa-tos ou a pessoas conhecidas.

“A piauí é uma revista que não é

sólida. É líquida, para não dizer vapo-rosa”*, compara João Moreira Salles. Sem editorias que dividem e amarram a publicação, há liberdade para não falar sobre política, por exemplo, du-rante quantos meses se achar melhor.

Na redação também não há reu-nião de pauta. As matérias surgem sem formalidade, de conversas entre os repórteres e o diretor de redação, Mario Sergio Conti. Jornalista expe-riente, Conti já dirigiu as redações de Veja e Jornal do Brasil. “Tudo passa pelo Mario, que discute as sugestões de pauta individualmente com cada um”, conta Paula Scarpin, repórter da piauí há três anos. “Levamos sempre uma lista. Muitas caem”, completa ela.

Como não se propôs a cobrir temas que já são tratados pelo noticiário, a revista pode simplesmente ignorar um fato importante e falar de algo como arqueologia. “Mas isso não significa que estejamos despregados do país. Cobrimos assuntos que interessam, mas sem pressa, publicando meses depois ou de forma diferente”, expli-ca Moreira Salles. A exigência com os repórteres não está na pauta que cada um irá cobrir, mas em como irão tratar o assunto. “Nenhuma matéria pode ser feita de casa”*, esclarece o criador.

E este talvez seja o maior diferen-cial da piauí em relação a outras pu-blicações nacionais. O repórter ganha o tempo que for preciso para apurar uma matéria. Ganha também quan-tas páginas forem necessárias para a transformar em texto. A revista não predetermina prazos para nada.

Quando pensou em uma pauta so-bre o Miss Brasil, Paula Scarpin que-ria fazer um apanhado do concurso.

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Semana Revista

Durante a apuração, descobriu Bruna Felisberto, a Miss do nariz sutil. A gaú-cha ganhou o Miss Rio Grande do Sul em 2009 e, seguindo os conselhos do “missólogo” Evandro Hazzy, submeteu-se a uma cirurgia plástica que quase fez seu nariz sumir. Paula teve liberda-de para mudar de pauta e “escrever o quanto quiser”, segundo seu editor. E Bruna virou matéria na piauí.

As pessoas comuns, que não deci-diram cursar Jornalismo e passar suas vidas contando histórias dos outros, também escrevem para a piauí. Todo mês, na seção Diário, alguém descre-ve uma semana de sua vida para a revista. “Queremos aproximar o leitor da intimidade de profissionais com os quais ele normalmente não teria contato”, explica João Moreira Salles. Geralmente, alguém da redação tem a ideia e convida a pessoa para escre-ver. Depois que o diário é aprovado, os jornalistas fazem a checagem dos da-

dos. Apesar de não serem crus, todos os textos carregam a visão que cada pessoa tem de seu mundo.

O que a piauí quer mostrar são his-tórias singulares. Os temas aparecem na revista através de personagens, não de tabelas, gráficos ou opiniões. Em outubro de 2008, o perfil de Francenil-do dos Santos Costa foi o meio que a publicação encontrou para falar sobre o Mensalão. Francenildo é o famoso caseiro que teve o sigilo bancário vio-lado ilegalmente durante as investiga-ções de corrupção. A realidade está nas páginas de piauí de uma maneira humanizada – às vezes leve, às vezes irônica, às vezes densa, às vezes bem humorada. Ou, como resume Moreira Salles, “a ideia é que as coisas sejam memoráveis”*.

Marilia Labes

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*As citações indicadas foram retiradas do programa “Sempre um papo”, da TV Câmara. Link para a entrevista na íntegra: http://tinyurl.com/entrevistasalles

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Santiago era um personagem único e João Moreira Salles sabia disso. Não há nada mais fasci-

nante para um jornalista/editor/cine-asta do que alguém desconhecido, mas extremamente culto e com histó-rias pra contar. Santiago é tudo isso, mas não só: ex-mordomo, esteve pre-sente nos 20 primeiros anos da vida de João, influenciando-o e participando de suas mais antigas lembranças.

O ponto que mais salta aos olhos, entretanto, é o fato de que João Mo-reira Salles errou: deixou a câmera desligada e recusou o depoimento do personagem sobre sua intimidade. Deu início às filmagens e desistiu de ir até o fim com o projeto porque, em suas próprias palavras “no papel, as ideias pareciam boas, mas na ilha de edição não funcionaram.”

Alguns anos mais tarde, contudo, João voltou atrás e retomou o projeto. “Tive vontade de retornar à casa e, por isso, retomei o filme”, diz, em determi-nado momento do documentário. Re-edita takes e refaz o roteiro pensando em Santiago e em como representá-lo da melhor forma, mas é assim que João se transforma em peça funda-mental de seu próprio filme.

João conta, usando imagens da casa vazia, histórias de sua infância como uma maneira de chegar até San-tiago. Um senhor de 80 anos, que mo-rava sozinho em um apartamento no

Leblon e que tinha escrito, ao longo da vida, mais de 30 mil páginas de história de grandes famílias.

Dentre os itens que fizeram de San-tiago um personagem tão marcante está sua excentricidade. Nascido na Argentina, ele fala espanhol, mas en-tende português perfeitamente; sabe rezar em latim, cantarola em italiano e é fluente também em inglês. Nos cinco dias de filmagem, nem uma vez sequer o protagonista apareceu com uma ca-misa lisa. Uma eterna luta travada en-tre a cultura e a estética.

Sem nenhum close, diretor e perso-nagem mantiveram-se mais distantes do que deveriam. João deixa transpa-recer, então, um pouco dos bastidores da produção. Falas da entrevistadora, seca e direta, cenas de desconforto e um único momento, filmado por aca-so, em que ele e Santiago aparecem juntos.

Santiago é o tipo de filme que se assiste fascinado e intrigado do início ao fim. Se João Moreira Salles não ti-vesse errado e guardado tanta emo-ção para usar mais tarde na narração, o resultado jamais teria chegado ao nível que chegou, tão cheio de emoções e arrependimentos.

O ex-mordomo morreu poucos anos depois das filmagens. E graças a “Joãozinho” dele restaram mais de 30 mil páginas e nove horas de material filmado. Da vida de Santiago, além das memórias da família Salles, restou também uma obra de arte.

Emoção e arrependimento em P&BDa vida de Santiago, além das memórias da família Salles, restou também uma obra de arte

Camila Garcia

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