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Semiologia Cardiovascular Ausculta Normal e Bulhas Fonese e Desdobramentos por Cássio Martins Ausculta Normal Introdução A ausculta cardíaca é parte fundamental não somente do exame cardiovascular, mas também do exame clínico geral. Através dela, é possível realizar o diagnóstico, e muitas vezes, avaliar a gravidade da enfermidade apresentada pelo paciente. Contudo, cabe a observação de que a ausculta somente é parte de um exame muito mais amplo, que engloba a anamnese e a avaliação dos diversos outros sistemas presentes no organismo humano. Através da ausculta do coração, pode-se indentificar sons originados do mesmo, que serão classificados de acordo comdiversos parâmetros, dentre os quais estão: frequência; localização no ciclo cardíaco; melhor foco de ausculta e irradiação; duração; etc. Para o reconhecimento e entendimento adequado desses sons, é preciso que médico e pacientes estejam em um ambiente adequado para o exame, que inclui um ambiente agradável (sem barulho; com privacidade para o paciente), uma posição confortável para o paciente e para o médico, e uma relação médico- paciente consistente. De maneira geral, a ausculta é realizada com o paciente em decúbito dorsal, mas isso é constantemente alterado de acordo com o objetivo do examinador, que poder realizar o exame como paciente sentado, em decúbito semi- lateral esquerdo e até de cócoras. Cada modificação de posição tem uma influência sobre determinados sons cardíacos, o que será abordado adiante. O Exame A ausculta será realizada após a devida inspeção e palpação do precórdio, os quais trarão muitas informações que auxiliarão o correto entendimento dos fenômenos auscultatórios. A ausculta pode ser feita de maneira direta, com o examinador posicionando o pavilhão auricular no tórax do paciente. Esse método é menos utilizado depois do advento do estetoscópio, através do qual se realiza a ausculta indireta. O estetoscópio possui três componentes básicos (mostrados na figura abaixo): peças auriculares; sistema de tubos; e as peças torácicas. Estas últimas se dividem em diafragma, útil para a ausculta de sons agudos (alta frequência), ou seja, da maioria dos sons cardíacos, e a outra parte é a campânula, usada para a ausculta dos sons mais graves (baixa frequência), representados pelas bulhas acessórias (B3 e B4) e o ruflar diatólico da estenose mitral.

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Semiologia Cardiovascular

Ausculta Normal e Bulhas – Fonese e Desdobramentos

por Cássio Martins

Ausculta Normal

Introdução

A ausculta cardíaca é parte fundamental não somente do exame

cardiovascular, mas também do exame clínico geral. Através dela, é possível realizar o

diagnóstico, e muitas vezes, avaliar a gravidade da enfermidade apresentada pelo

paciente. Contudo, cabe a observação de que a ausculta somente é parte de um

exame muito mais amplo, que engloba a anamnese e a avaliação dos diversos outros

sistemas presentes no organismo humano.

Através da ausculta do coração, pode-se indentificar sons originados do

mesmo, que serão classificados de acordo comdiversos parâmetros, dentre os quais

estão: frequência; localização no ciclo cardíaco; melhor foco de ausculta e irradiação;

duração; etc. Para o reconhecimento e entendimento adequado desses sons, é

preciso que médico e pacientes estejam em um ambiente adequado para o exame,

que inclui um ambiente agradável (sem barulho; com privacidade para o paciente),

uma posição confortável para o paciente e para o médico, e uma relação médico-

paciente consistente. De maneira geral, a ausculta é realizada com o paciente em

decúbito dorsal, mas isso é constantemente alterado de acordo com o objetivo do

examinador, que poder realizar o exame como paciente sentado, em decúbito semi-

lateral esquerdo e até de cócoras. Cada modificação de posição tem uma influência

sobre determinados sons cardíacos, o que será abordado adiante.

O Exame

A ausculta será realizada após a devida inspeção e palpação do precórdio, os

quais trarão muitas informações que auxiliarão o correto entendimento dos fenômenos

auscultatórios. A ausculta pode ser feita de maneira direta, com o examinador

posicionando o pavilhão auricular no tórax do paciente. Esse método é menos utilizado

depois do advento do estetoscópio, através do qual se realiza a ausculta indireta. O

estetoscópio possui três componentes básicos (mostrados na figura abaixo): peças

auriculares; sistema de tubos; e as peças torácicas. Estas últimas se dividem em

diafragma, útil para a ausculta de sons agudos (alta frequência), ou seja, da maioria

dos sons cardíacos, e a outra parte é a campânula, usada para a ausculta dos sons

mais graves (baixa frequência), representados pelas bulhas acessórias (B3 e B4) e o

ruflar diatólico da estenose mitral.

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Em posse do estetoscópio, pode-se começar a ausculta. Mas onde auscultar ?

Para direcionar o exame físico, existem áreas onde fenômenos originados de

determinadas estruturas do coração são melhor percebidas. Estes são os focos de

ausculta. Portanto, o foco aórtico é o local no precórdio onde os fenômenos originados

da valva aórtica são melhor auscultados, e isso se repete para os demais focos. O

focos clássicos estão mostrados na figura abaixo (juntos de outros), sendo eles:

Foco Aórtico (valva aórtica): segundo espaço intercostal na linha paraesternal

direita.

Foco Pulmonar (valva pulmonar): segundo espaço intercostal na linha

paraesternal esquerda.

Foco aórtico acessório (melhor local para ausculta da Insuficiência Aórtica):

terceiro espaço intercostalna linha paraesternal esquerda.

Foco tricúspide (valva tricúspide): borda esternal esquerda inferior

Foco mitral (valva mitral): quinto espaço intercostal na linha hemiclavicular

esquerda.

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Contudo, além desses focos clássicos, recomenda-se a ausculta de outras

áreas como o pescoço e a fúrcula esternal (irradiação do sopro da estenose aórtica),

as regiões infraclaviculares (sopro da Persintência do canal arterial), região axilar

(sopro de Colececil), entre outras. Além disso, pode e deve-se auscultar toda a área

próximo do foco de ausculta, pois devido a variações anatômicas indivíduais, os sons

cardíacos podem ser melhor audíveis nessas áreas.

Sabendo-se os locais onde posicionar o estetoscópio pode-se iniciar a

ausculta, e para evitar que o examinador se esqueça de algum dado do exame,

recomenda-se que o mesmo tenha uma rotina, que permita a avaliação das diversas

informações que o exame apresenta. A melhor rotina será aquela criada pelo próprio

examinador, contudo que não esqueça de nenhum passo.

A Metodologia do Exame

O examinador pode começar pelos focos da base do coração (aórtico e

pulmonar) ou pelos do ápice cardíaco (mitral e tricúspide), contanto que não deixe de

exminar nenhum dos focos. O primeiro passo após posicionar o estetoscópio no tórax

do paciente é identificar o que é a primeira bulha (fechamento da valvas

atrioventriculares) e o que é a segunda bulha (fechamento das semilunares). A melhor

forma para tal é palpar a artéria carótida do paciente ao mesmo tempo que ausculta-o.

A bulha que coincide com o pulso da artéria é a B1. Outra forma de fazer essa

diferenciação, que requer mais experiência por parte do examinador, é avaliar a

característica auscultatória de B1, que é um som mais suave e prolongado, como uma

batida de surdo (“Tum”), e de B2, que é um som mais seco (“Tá”). Após identificar

esses sons, pode-se identificar a sístole auscultatória, que é o período entre B1e B2, e

a diástole auscultatória, que compreende o espaço entre B2 e B1.

Realizado esse passo, o examinador está apto a localizar qualquer som dentro

do ciclo cardíaco, o que essencial para a correta compreensão do mesmo. A partir

desse momento o examinador deve-se perguntar:

1. O ritmo é regular ?

2. Como estão as Bulhas ? Hiper ou Hipofonéticas ? Desdobradas

? Apresenta B3 ou B4 ?

3. Como está a sístole ? Tem Sopro ? Click ? Atrito ?

4. Como está a diástole ? Tem Sopro ? Estalido ? Atrito ?

Importante lembrar que esse é um roteiro resumido do que o examinador pode

encontrar na ausculta cardíaca e funciona somente para o mesmo não deixar os

dados mais básicos passarem despercebidos. Além de que, como dito anteriormente,

a mehor rotina é aquela criada pelo próprio examinador, desde que ela não deixe de

contemplar nenhuma parte do exame.

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Manobras Auxiliares

Muitas vezes, o examinador ficará em dúvida ao auscultar um determinado

som cardíaco, de modo que não consiga diferencia-lo de um outro som, ou que seja

necessário amplificar esse som auscultado. Para tal, o profissional lança mão da

ausculta dinâmica, que se caracteriza pelo uso de diversas manobras como mudança

de posição ou respiração para melhorar a acurácia do exame. A principais manobras

são:

Inspiração profunda: quando o paciente inspira, a pressão intra-torácica

diminui, o que aumenta o retorno venoso e consequentemente aumenta o volume no

lado direito do coração, por isso, essa manobra amplifica os fenômenos oriundos

destas câmaras cardíacas, por exemplo na Insuficiência tricúspide.

Müller: uma variante da inspiração profunda, onde o paciente irá inspirar mas

com o dedo indicador de uma das mãos na boca e a outra mão “tapando”o nariz. Será

como se o paciente estivesse “chupando o dedo”. O resultado é o mesmo que o da

inspiração, com a vantagem de se eliminar os ruídos respiratórios. É particulamente

indicada nos pacientes com a respiração muito ruidosa.

Valsalva: é o contrário da inspriração profunda, onde o paciente fará uma

expiração com a glote fechada ou contra algum obstáculo que impeça a saída de ar

dos pulmões, como a mão do próprio paciente. Nesse caso, a pressão intratóracia

aumenta e diminui o retorno venoso, o que diminui o volume em todas a cavidades do

coração. Essa manobra diminui a intensidade de todos os sopros do coração, mas

aumenta o sopro da cardiomiopatia hipertrófica e antecipa o click e prolonga o sopro

do prolapso mitral. Essas alterações serão explicadas melhor nas aulas de Estenose

Aórtica e Insuficiência Mitral. Essa manobra é contra-indicada no paciente com

Síndrome coronariana ou Insuficiência Cardíaca.

Mudança de posição do paciente de deitado para ortostático ou de cócoras

para em pé: ambas as manobras reduzem o retorno venoso e portanto diminuem

todos o sopros do coração, com excessão do sopro da cardiomiopatia hipertrófica e do

prolapso mitral, que irão sofrer a mesma influência da manobra de Valsalva.

Mudança de posição do paciente de em pé para cócoras: causa aumento do

retorno venoso, aumentando o volume em todas as cavidades cardíacas, o que

acentua ou não altera todos os sopros do coração, mas diminui o sopro da

cardiomiopatia hipertrófica e atrasa o click e o sopro do prolapso mitral.

Elevação passiva dos membros inferiores do paciente: aumenta o retorno

venoso para o lado direito do coração, de modo que amplifica o fenômenos oriundos

dessas câmaras. Por aumentar o volume no ventrículo esquerdo, essa manobra causa

a diminuição no sopro da cardiomiopatia hipertrófica.

Exercício isométrico: caracterizado pelo handgrip; pede-se para o paciente

cerrar os punhos fortemente, isso aumenta a resistência vascular periférica, o que

aumenta os sopros gerados no lado esquerdo do coração, com excessão do sopro da

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estenose aórtica. Isso explica-se pelo fato do aumento da pré-carga, diminuir a saída

de sangue do ventrículo esquerdo, de modo que diminui a intensidade do sopro da

estenose aórtica. Está contra-indicado na doença coronariana.

Execício isotônico: caracterizado pela repetição de um exercício, como fazer

polichinelos; isso aumenta o fluxo sanguíneo, o que aumenta os sopros originados do

lado esquerdo do coração.

Utilização de drogas vasoativas: caracteriza-se pelo uso de drogas

vasoconstrictoras ou vasodilatadoras para estudo dos respectivos efeitos. Devido à

insegurança da administração dessas drogas nos paciente e pela efetividade dos

outros métodos, são muito pouco utilizadas.

Primeira Bulha

A primeira bulha (B1) é um som de curta duração originado do fechamento das

valvas atrioventriculares, mitral (M1) e tricúspide (T1). É melhor percebida com o

paciente em decúbito dorsal, com o diafragma do estetoscópio nos focos mitral e

tricúspide. Como dito anteriormente, é identificada por ser a bulha que coincide com o

pulso carotídeo.

Desdobramento Fisiológico de B1

Normalmente, a valva mitral fecha-se antes da valva tricúspide. Contudo esse

intervalo é muito pequeno e o ouvido humano não consegue perceber, de modo que

M1 e T1 geram um mesmo som, tipicamente representado como um “Tum”. Em

algumas pessoas, esse intervalo é um pouco maior e os dois componentes de B1

conseguem ser auscultados, gerando um som tipicamente representado por um

“Trum”. Isso não reflete morbidade, é somente uma variante do normal. Esse

desdobramento somente é auscultado no foco tricúspide, porque esse é o único foco

onde é possível ouvir T1, em todos os demais focos o som de M1, por ser muito mais

alto, ofusca T1.

Hiperfonese de B1

Quando a primeira bulha possui sua intensidade maior do que quando

auscultada normalmente, ou seja, quando ela está mais “alta”, diz-se que está

hiperfonética. As principais causas para da hiperfonese de B1 se dividem em causas

extra-cardíacas e causas cardíacas.

Extra-cardíacas: atuam facilitando a transmissão do som gerado no coração

até o tórax do paciente. Portanto se resumem basicamente ao diâmetro ântero-

posterior do tórax do doente. De modo que crianças e adultos muito magros podem ter

a primeira bulha aumentada ao exame físico.

Cardíacas: diversas são as causas cardíacas que levam à hiperfonese de B1,

dentre elas cabe destacar:

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Síndromes hipercinéticas: uma vez que os sons gerados no coração

são oriundos da aceleração e desaceleração do sangue e das

estruturas cardíacas, situações em que esses componentes estão

atuando com velocidade aumentada geram sons mais altos.

Basicamente, as vávulas AV fecham com uma velocidade muito grande

gerando uma B1 hiperfonética.

Sobrecarga de Pressão: situações em que o ventrículo está submetido

à uma pressão muito grande (Estenose aórtica e HAS de longa data)

fazem com que este responda se hipertrofiando, de modo a gerar uma

contração mais forte. Essa contratilidade aumentada faz com que a

valva se feche mais rápido e gera uma bulha hiperfonética.

Estenose mitral: a limitação do fluxo do átrio para o ventrículo gera um

acúmulo de sangue no primeiro, o que aumenta a pressão dentro do

mesmo. Dessa forma, na diástole, a pressão no átrio é muito maior do

que no ventrículo, deixando a valva mais aberta. Conforme a pressão

no ventrículo aumenta (pelo acúmulo de sangue e contração ventricular)

a valva atrioventricular, que deveria ir fechando em situações

fisiológicas, se mantém aberta porque a pressão no átrio é muito

grande. Dessa forma, quando o ventrículo finalmente supera a pressão

reinante no átrio, a valva ainda está muito aberta e fecha dessa posição

mais aberta, gerando um som mais intenso, que é uma B1

hiperfonética. Além disso, a valva anatomicamente alterada, por si só, é

fator que gera hiperfonese de B1. Conforme a doença progride e surge

calcificação, levando a imobilização da valva, essa intensidade diminui

podendo chegar até a hipofonese.

Intervalo PR curto: a valva atrioventricular não se fecha de uma posição

totalmente aberta para uma posição totalmente fechada. Conforme ela

fecha, no meio do caminho, ela dá uma “paradinha” e termina de se

fechar a partir dessa posição. Portanto, fisiologicamente, a valva se

fecha de uma posição menos aberta quando comparada com o início da

diástole. Nas situações com intervalo PR curto no eletrocardiograma,

como nas taquiarritmias, a contração do ventrículo é tão rápida que não

dará tempo de valva dar essa “paradinha” e ela fechará de uma posição

mais aberta, gerando uma B1 hiperfonética. Outro fato que contribui

para a hiperfonese, é que como o PR é curto, o ventrículo inicia a sua

contração no momento em que o átrio ainda está terminando a sua

contração, e portanto está mantendo essa valva atrioventricular mais

aberta.

Hipofonese de B1

Quando a primeira bulha encontra-se com sua intensidade menor do que o

normal, diz-se que ela está hipofonética. As causas de B1 hipofonética também se

dividem em cardíacas e extra-cardíacas.

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Extra-cardíacas: atuam dificultando a transmissão dos sons cardíacos para o

tórax do paciente. Os principais exemplos são o aumento do diâmetro ântero-posterior

do tórax, observado no DPOC, e o Derrame Pericárdico, onde o líquido no interior do

saco pericárdico atua como uma barreira para a transmissão dos sons gerados no

coração.

Cardíacos: Também são diversas as causas de hipofonese de B1, mas pode-

se destacar:

Insuficiência Cardíaca: conforme a função ventricular entra em falência,

a contratilidade fica menor e a velocidade de fechamento das valvas é

menor, gerando uma B1 hipofonética.

Síndrome Isquêmica: possui a mesma explicação que a anterior, ou

seja, menor contratilidade miocárdica.

Estenose mitral grave: quando a estenose mitral evolui para calcificação

dos folhetos valvares, ela gera uma imobilidade dos mesmos, que

passam a gerar uma B1 hipofonética. Isso é sinal de gravidade na

doença.

Intervalo PR longo: ao contrário do que acontece com o intervalo PR

curto, a valva atrioventricular tem tempo de sobra para dar a “paradinha”

e assumir uma posição mais fechada para fechar, de modo que irá

gerar uma B1 hipofonética. Além disso, o longo espaço entre a

contração atrial e a contração ventricular permite que o ventriculo se

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contraia quando o átrio já relaxou e diminui a pressão dentro dessa

cavidade, de modo a não segurar mais essa valva em uma posição

mais aberta.

Desdobramento Patológico de B1

O desdobramento de B1 é patológico quando o intervalo entre o fechamento de

T1 e M1 é muito grande e gera dois sons muito separados, além de estarem

associados à alguma morbidade por parte do paciente. O principal mecanismo que

gera o desdobramento de B1 é o atraso no fechamento de T1, sendo a principal causa

o Bloqueio de ramo direito do Feixe de Hiss. É fácil entender a razão, uma vez que

nessa patologia o estímulo demora mais para chegar ao ventrículo direito, que

começará sua contração mais tardiamente, ocasionando o fechamento mais tardio da

valva tricúspide. Outras causas são mecânicas, sendo possível citar a Comunicação

Interatrial e a Anomalia de Ebstein.

Diagnóstico diferencial

O desdobramento amplo de B1 pode ser confundido com outros sons que

acontecem no ciclo cardíaco próximo da primeira bulha. Dentre eles, pode-se destacar

a quarta bulha (B4) e o click de ejeção tanto da valva aórtica como da pulmonar. A

principais diferenças entre esses sons são destacadas no quadro abaixo.

Desdobramento de

B1

B4 Click de Ejeção

Palpável Não Sim Não

Peça do Estetoscópio Diafragma Campânula Diafragma

Foco de Ausculta FT FM FA ou FP

Resultado com a

posição ereta

Não se altera Diminui Aumenta

Lembrar de levar em consiração outros dados do exame clínico !!!

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Segunda Bulha

A segunda bulha cardíaca (B2) é um som de curta duração, que é gerado pelo

fechamento das valvas semilunares, aórtica (A2) e pulmonar (P2). É usualmente

examinada com o paciente em decúbito dorsal, mas muitas vezes precisa-se examiná-

la com o paciente sentado, por exemplo para avaliaçãode desdobramentos e do sopro

da insuficiência aórtica. Para o exame, usa-se o diafragma do estetoscópio

posicionado nos focos aórtco (A2) e pulmonar (P2). Ao exame, ela é a bulha que não

coincide como impulso do pulso carotídeo. Normalmente, a ausculta de B2 no foco

aórtico (A2) gera um som de maior intensidade do que quando ausculta-se B2 nofoco

pulmonar (P2), ou seja, o componente aórtico de B2 é normalmente mais intenso que

o componente pulmonar, daí retira-se a “regra” A2>P2. Isso se explica porque as

pressões que a valva aórtica suporta são muito maiores que aquelas presentes no

lado pulmonar. Quando no exame encontra-se P2>A2 significa que a circulação

pulmonar encontra-se com uma pressão muito aumentada, caracterizando um quadro

de Hipertensão Arterial Pulmonar.

Desdobramento Fisiológico de B2

A segunda bulha cardíaca normalmente encontra-se como um som seco e

único, tipicamente caracterizado como um “Tá”. Ele é único, porque apesar de a valva

aórtica fechar-se antes da pulmonar, esse intervalo não é captado pela audição

humana. Contudo, em algumas pessoas sem doença cardíaca, esse intervalo pode

estar um pouco aumentado, a ponto de ser possível auscultar ambos os componentes

de B2 no exame. Esse fenômeno recebe o nome de Desdobramento Fisiológico, e é

reconhecido tipicamente, na ausculta, como um “Tra”. O desdobramento fisiológico

possui uma característica própria, que é a de aparecer ou aumentar com a inspiração

e desaparecer ou diminuir com a expiração. Isso acontece porque na inspiração, a

pressão intratorácica diminui e leva à um aumento no retorno venoso, o que aumenta

o volume de sangue no ventrículo direito, levando o mesmo a demorar mais para

ejetar todo o seu débito, de modo a atrasar o fechamento da valva pulmonar, levando

ao aparecimento do desdobramento à ausculta. Portanto, tipicamente, o

desdobramento fisiológico é aquele que aparece com a inspiração e desaparece com

a expiração, podendo estar presente nessas duas fases. Mas quando coloca-se o

paciente sentado ou em pé, ele tipicamente desaparece na expiração. De modo que

um paciente com desdobramento de B2 que, quando deitado, aparece na expiração e,

quando sentado ou em pé, desaparece na expiração, pode-se dizer que ele tem um

desdobramento fisiológico. Por último, cabe dizer que a ausculta desse

desdobramento e dos demais desdobramentos que serão discutidos daqui pra frente

será realizada no foco pulmonar, pois esse é o único foco onde ausculta-se P2 , uma

vez que em todos os outros focos ausculta-se somente A2 em função de sua maior

intensidade.

Hiperfonese de B2

Quando a segunda bulha cardíaca encontra-se com intensidade aumentada,

diz-se que B2 está hiperfonética. As causas, assim como em B1, são de origem

cardíacas e extra-cardíacas.

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Extra-cardíacas: atuam, assim como em B1, facilitando a transmissão do som.

Representado pelo tórax de crianças e de indivíduos magras.

Cardíacas: são várias as causas, mas pode-se destacar:

Hipertensão Arterial Pulmonar: aumenta a intensidade de P2 por

aumento da pressão no interior do vaso gerando uma maior velocidade

no fechamento das valvas, levando à hiperfonese. Conforme descrito

anteriormente, o exame físico mostrará P2>A2.

Hipertensão Arterial Sistêmica: aumenta a intensidade de A2 pelo

mesmo mecanismo descrito acima. Podendo tambem contibuir o fato de

que uma hipertensão de longa data pode gerar algum grau de dilatação

da aorta, o que aproxima a artéria da parede torácica, contibuindo para

a hiperfonese.

Aneurisma de Aorta ascendente: independente da causa (endocardite,

sífilis, HAS, Marfan), o mecanismo é a aproximação da aorta da parede

torácica.

Estados Hipercinéticos: nesses estados o débito encontra-se muito

aumentado, o que gera um volume ejetado muito grande no vaso, que

passa a apresentar uma maior pressão no seu interior e se distende

mais, quando esse vaso regride, ele volta com uma velocidade muito

alta e leva à um fechamento mais rápido da valva, gerando uma

hiperfonese.

Hipofonese de B2

Quando a segunda bulha cardíaca encontra-se com sua intensidade diminuída,

diz que B2 está hipofonética. As causas também se dividem em cardíacas e extra-

cardíacas. Estas últimas são exatamente iguais àquelas comentadas no tópico

“Hipofonese de B1” e portanto não serão comentadas aqui.

Cardíacas: são diversas as causas, merecendo destaque:

Falência miocárdica: na insuficiência cardíaca sistólica, o débito

cardíaco encontra-se muito diminuído, de modo que menos sangue

chega a aorta, ocupando menos espaço, originando uma baixa pressão

no interior desse vaso, o que faz com que a valva aórtica se feche mais

lentamente e assim causa uma B2 hipofonética. O ventrículo em

falência tambem se relaxa mais lentamente, de modo que o sangue

volta mais lentamente para a fechar a valva aórtica, que se fecha mais

lentamente.

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Síndrome Isquêmica aguda: é basicamente o mesmo mecanismo do

descrito acima, causado pela isquemia que leva à uma disfunção

miocárdica.

Estenose Aórtica ou Pulmonar: a própria calcificação da valva em

função da doença pode levar à imobilidade da mesma, levando à

hipofonese. Além disso, a limitação da passagem do fluxo gera um

volume dentro do vaso menor, que contrinui para uma menor pressão e

fechamento mais lento da valva, levando à hipofonese.

Insuficiência Aórtica ou Pulmonar: B2 é oriunda do fechamento das

valvas semilunares, logo se elas não fecharem corretamente a B2 será

hipofonética.

Desdobramentos Patológicos

Como dito anteriormente, existem situações em que A2 e P2 fecham-se muito

distantes um do outro originando uma situação chamada de desdobramento. Este

pode ser fisiológico, como já discutimos anteriormente, e pode ser patológico e estar

associado à alguma patologia cardíaca. Vamos estudar os principais desdobramentos

patológicos.

Desdobramento Amplo de B2

Este ocorre por qualquer patologia que atrase o fechamento do componente

pulmonar ou adiante o fechamento do componente aórtico. Caracteriza-se por ser um

desdobramento presente tanto na inspiração (onde ele aumenta) como na expiração

(onde ele diminui), e não desaparece nem com o paciente sentado ou em pé, o que

auxilia muito na diferenciação do desdobramento fisiológico. Apresenta causas

elétricas, destacando-se o Bloqueio de Ramo Direito do Feixe de Hiss, que irá atrasar

a contração do ventrículo direito, atrasando o fechamento da valva pulmonar. Mas

também apresenta causas mecânicas, como a Insuficiência Mitral, que encurta a

sístole do VE, antecipando o fechamento da valva aórtica. Outras causas são

Estenose Pulmonar, Embolia Pulmonar e Insuficiência de VD, todas cursando com

prolongamento do tempo de ejeção do VD, atrasando o fechamento da valva

pulmonar.

Desdobramento Fixo de B2

Este desdobramento ocorre por um atraso no fechamento da valva pulmonar,

mas apresenta uma característica que o distingue de todos os outros que é o fato de

não se alterar com a respiração. Ele está tipicamente presente na Comunicação

Interatrial (CIA). Nessa situação, durante a inspiração ocorre aumento do retorno

venoso, levando a um maior volume no VD e consequentemente maior tempo de

ejeção. Na expiração, quando esse volume de VD deveria diminuir, ele se mantem

alto, porque agora o AD está recebendo sangue do AE, por um shunt esquerda-direita,

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o que mantem o volume do VD alto, mantendo o atraso de fechamento da valva

pulmonar.

Desdobramento Paradoxal de B2

Este desdobramento ocorre quando alguma doença cardíaca antecipa o

fechamento da valva pulmonar, ou atrasa o fechamento da valva aórtica. De modo

que, quando o paciente inspirar fundo, o componente pulmonar se atrasa (como já

explicado anteriormente) e se junta ao aórtico, levando o desdobramento à

desaparecer. Portanto, ele recebe esse nome, porque na inspiração, quando ele

deveria aumentar, ele diminui ou (mais comumente) desaparece. Apresenta causas

elétricas, como o Bloqueio de Ramo Esquerdo do Feixe de Hiss, que atrasa a

contração do VE, atrasando o fechamento da valva aórtica, ou a presença de Marca-

Passo de VD, que irá estimular antes o VD, levando ao fechamento precoce da valva

pulmonar. Mas também possui causas mecânicas, como a Estenose Aórtica, HAS com

comprometimento miocárdico e as demais cardiomiopatias, todas apresentando um

tempo de ejeção aumentado – seja por obstrução fluxo, seja por disfunção miocárdica-

o que atrasa o fechamento da valva aórtica.

Diagnóstico diferencial

Os desdobramentos de B2 podem ser confundidos com outros sons de curta

duração que acontecem no ciclo cardíaco próximos de B2, como a terciera bulha (B3)

e o estalido de abertura. Os principais elementos usados para a diferenciação entre

eles estão listados na tabela abaixo.

Desdobramento de

B2

B3 Estalido de abertura

Palpável Não Sim Pode ser

Foco de ausculta FP FM Difuso

Peça do estetoscópio Diafragma Campânula Diafragma

Inspiração Aparece ou acentua Não se altera Não se altera

Sonoridade Igual à B2 Suave e abafada Agudo, seco

Page 13: Semiologia Cardiovascular Ausculta Normal e Bulhas · PDF fileSemiologia Cardiovascular Ausculta Normal e Bulhas – Fonese e Desdobramentos por Cássio Martins Ausculta Normal Introdução

Bibliografia

• Semiologia Cardiovascular; Couto, A., A.; Nani, E.; Mesquita, E., T.; Pinheiro,

L., A., F.; Filho, L., J., M., R.; Bruno, W.; editora Atheneu

• Tratado de Semiologia Médica; Swartz, M., H.; editora Saunders elsevier

• Tratado de Doenças Cardiovasculares; Braunwald; oitava edição; editora

Saunders elsevier

• Medicina Interna; Harrison; décima sétima edição; editora Artmed

• Semiologia Médica; Mário Lopes; terceira edição; editora Atheneu