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Serenidade - Heidegger

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Serenidade - Heidegger

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SERENIDADE

MARTIN HEIDEGGER

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P ]W DISCUSSÃO DA SERENIDADE

De uma conversa sobre o pensamento,que teve lugar num caminho de campo*

* Cf. Referendas, página 73

SERENIDADE

Título original:Gelassenlieit

Autor:Martin Heidegger

Colecção:Pensamento e Filosofia

Direcção de António Oliveira Cruz

Tradução:Maria Madalena Andrade e Olga Santos

Revisão científica:João Carlos Sousa Paz

Capa:Dorindo Carvalho

© Verlag Gúnther Neske Pfullingen, 1959Direitos reservados para a língua portuguesa:INSTITUTO PIAGETAv. João Paulo n, lote 544,2.°-1900-726 LisboaTelef.218371725

E-mail:[email protected]

Paginação, montagem, impressão e acabamento:Gráfica Manuel Barbosa & Filltos, Lda.

Depósito legal n.° 146 024/00ISBN-972-771-142-1

Nenhum) parle desta publicaçío pode ser reproduzidaou transmitida por qualquer processo electrónico,mecânico ou fotográfico, incluindo fotocópia, xcrocópia

SERENIDADE.,

PARA DISCUSSÃO DA SERENIDADE 29De tuna conversa sobre o pensamento, que teve lugar

num caminho de campo 29

REFERÊNCIAS . 71

A primeira palavra que me permito dizer publi-camente, na minha terra natal, só pode ser umapalavra de agradecimento.

Agradeço a esta terra tudo aquilo que me deu eque me acompanhou durante um longo caminho.Tentei exprimir no que consiste esta dádiva aolongo das breves páginas que apareceram ,pelaprimeira vez na publicação comemorativa do cen-tenário da morte de Conradin Kreutzer, no anode 1949, intitulada «Der Feldweg (O caminho decampo)». Agradeço ao Sr. Schúhle, presidente dacâmara municipal, a sua cordial saudação. Agradeçoainda., em especial, a gratificante missão que me foiconfiada de proferir um discurso comemorativonesta homenagem que hoje se realiza.

PWZdDÂASSISTÊNCIA!CAROS C^NTERMNEQS!

: • *

Encontrarno-nos reunidos numa cerimóniacomemorativa do compositor Conradm Kreutzer,nosso conterrâneo. Se queremos homenagear umdesses homens predestinados à criação artísticaimpõe-se, em primeiro lugar, honrar condigna-mente a sua obra. No caso de urn músico, tal acon-tece dando a ouvir as suas obras.

Neste jbreciso momento soam canções e coros,música ât, ópera e música de câmara extraídos daobra de C;>nradin Kreutzer. Nestes sons está o pró-prio artisia, pois a presença do mestre na obra é aúnica que"é autênticaJQuanto maior é um..niesjbne''mais coimletamente a sua pessoa desaparece por j

«•i»-—.T^in, * •mi- Jt _ _ , . ^^. f,-ímavf*v-<tji^iai'» •„.,.•» »w.i™*" j

Os músicos e os cantores que participam nascelebrações deste dia concedem-nos a audição daobra de Cpnradin Kreutzer nesçe preciso momento.

Será, ríp entanto, por isso a festa urna comemo-ração? Pa;i;a que haja comemoração (Gedenkfeier) é

^ ' necessário», que pensemos (denkeri). Mas o que pensare dizer per ocasião de uma comemoração ern honrade um coi:ipositor?_Naose distingue a música^ pelofacto de «íalar» através dõ~mero ressoar das suasnotas e dejnão necessitar dallnguagem corrente, da

.linguagem das pajavras? Diz-se que sim. E, noentanto, subsiste a questão: Será a celebração atra-' ' ' lerpretação musical e do canto já uma

lação, que envolve o acto de pensar?vês da incomemoi

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E pouco provável. Ppr isso, os organizadores intro-1 duzirarn no programa um jidiscurso comemora-tivo» cuja função é Ajudar-nos expressamente apensar no compositor homenageado e na sua obrâTTaLevocaçãòX/fofifez&w) torna-se viva quando vol-tamos" "à relatar a biografia de Conradin Kreutzer,a enumerar e a descrever as suas obras. Por meio deurna tal narração tomamos conhecimento de alegriase de tristezas, de aspectos edificantes e de acçõesexemplares. Mas, no fundo, limitamo-nos a serentretidos por um discurso. JNãp é de modonenhum necessário pensar enquanto ouvimos^anarração, isto éJmedifârJf^fj/^w^z) sobrê~ãI5õ que,

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na_sua essência, diz respeito afeada um de nós,directa e continuanienteTEpor isso que nem umdiscurso comemorativo garante que pensemosdurante a comemoração.

Não nos iludamos. Todos nós, rnesmo aquelesoue pensam por dever profissional, somos muitas

mentos om demasiada .faciidade. A ausência-de-"-pensamentos é u|ci hóspede sinistro que, "nomundo actual, entra e sai em toda a parte. Pois,hoje toma-se conhecimento de tudo pelo caminhomais rápido e mais económico e, no mesmo ins-tante e com -a inesmá rapidez, tudo se esquece. Domesmo modo, os actos festivos sucedem-se uns aosoutros. As comemorações tornarn-se cada vezmais P_obr^Sj^ejm^ejisamento|. Comemorações eausência-de-pensamentos andam intimamenteassociadas.

Contud'), mesmo quando estamos sem-pensa-mehtos não renunciamos à nossa capacidade depensar. Ter?os até unia necessidade absoluta dela,de urn mod :> especial, sem dúvida, de tal forma que,na. ausênci; -de-pensamentos, deixamos improdu-tiva a noss.: capacidade de pensar. Não obstante,só pode fie;;: improdutivo aguiJo que contém em sium solo (Gnmd) onde algo possa crescer, como porexemplo um campo agrícola. Uma auto-estrada, naqual nada cresce, nunca se pode transformar numbaldio. Do mesmo modo que só podemos ficar sur-dos pelo farto de ouvirmos e envelhecer pelo factode termos «ido jovens, só podemos tornarmo-nospobres-em pensamentos ou mesmo sem-pensa-mentos ern virtude de o homem possuir, no fundo(Grund) da sua essência, a capacidade de pensar,.«o espírito e a razão», e em virtude de estar destinadoa pensar. Só podemos perder ou, melhor, deixar deter aquilo'que, consciente ou inconscientemente,possuímos, «t

A crescei.te ausência-de-pensamentos assenta, porisso, num processo que corrói o âmago mais profundodo Homem actual:! O Homem actual <^stá em fuga /«,do pensamento»,'{Esta, fugã-aós-jpensamentos é a "rgzãó da ai^sência-de^pejisamentos.^/fuga ao persamento deriva do facto de o Homem /não querer ver nern reconhecer essa mesmaruga. O Hdmem actual negará mesmo, redonda-mente, esta.; fuga ao pensamento.^ Afirmará o con-trário./ Dirá. >~ e com pleno direito - que em época \alguma se realizaram planos tão avançados, se reali-

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jzaram tantas pesquisas, se praticaram investigaçõesde fornia tão apaixonada, como actualmente. Comtoda a certeza. Esse dispêndio de sagacidade e refle-xão foi de extrema utilidade. Um tal pensamentoserá sempre indispensável. Mas convém precisarque será sempre^m^en^amento'deJurn' tipo especial j

^A^ua^áíScularidade consiste no facto de que,guando concebemos um plano, investigamos ou

/ organizamos uma empresa, [contamos sempre comí condições prévias que .consideramos ern função do. objectivo que preten-clemos atingirá Cantamos,| antecipadamente, corri determinados resultados.l Este cálculo caracteriza todo o pensamento planifi-i cador e investigador. Este pensamentc^cQn_tinu-a,a

ser um cjíkujp,jmesmoj_.que. nãp_ppere_cpni_núnier

fõs7~ríem recorra à máquina de calcolar,jn£mj_jamj

dispositivo jgara gyandes ,cálculos.^p pensamento

: cálculos com possiolíidades continuamente novas,sempre com maiores perspectivas e simultanea-mente mais económicas. O pensamento que calcula

/ corre de oportunidade em oportunidade. O pensa-/ mento que calcula nunca pára, nunca chega a medi- ;Har.jÓ pensamento que calcula não é uni pensamento /

besinnliches Denken), não e uni jfêflêctêTwíic^w^í) sobre_o sen- '•'?»l'*''»*fra jla*W*^^ .,X

-tido que reina ern tuaõ~õ~ que existe.__irftfwrft--rs^^i.jy">»'y««»™*iu«^ -

l ' Existem, portanto, dois tojpjjs" de pensamento,l sendo ambos à sua mânwrã^^espectívãmente,/ IPmtlTTlrt** f* flPPPÇÇííT*!O1** wl nPTTJiíTTl/^TT/ iw^iuiiiwj^ y/i.4^^y l 4 j. ^

/' <á_reflexão (Nacbdenkeri) queniedltà>

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H aj^sta_reflexão_que nos referimos quando dize-injM_qi>g_o_Homein actuai foge do pensamento.Objectar-se-á, no entanto, que a_pura reflexão nãose apercebe que paira sobre a. realidade, que elaperde b contacto com o solo, não serve gara darconta dos assuntos correntes, não contribui emnada para levar 'a cabo

E, pbr fim, diz-se que a pura reflexão, a medita-ção persistente, é demasiado «elevada» para oentendi :nento cornum. Nesta desculpa a única coisacorrect . é que é verdade que um pensamento quemedita ,surge tão pouco espontaneamente quantoo pens.imento que calcula. O pensamento quemedita ;:":xige, por vezes, um grande esforço. Requerum treno demorado. Carece de cuidados aindamais delicados do que qualquer outro verdadeiroofício.. Contudo, tal como o lavrador, tambémtem de,' saber aguardar que a semente desponte eamadureça.

Por'butro lado, qualquer pessoa pode seguir oscaminhos da reflexão à sua maneira e dentro dosseus limites. Porquê? Porque o Homei^.é^sLjg.r(Wesen)!gue pmsa, ou seja, que insdita (sinnendé). Nãoprecisamos portanto, 3e moHo algum, de nos ele-varmos às «regiões superiores» quando reflectimos.Basta djgmorarmp-nps (z^r^w/^junto^do que estáperto e meditarmos so^e^gjque^es^rnais próximo:aquilo ^ue diz respeito. ja...,çada um de nós, aqui eagoira; squi, neste pedaço de terra natal; agôrá7 napresente hora universal.

O que nos sugere esta celebração, se estivermosdispostos a meditai'? Neste caso, atentamos que, dosolo da terra natal, medrou (gediehen) uma obrade arte. Se reflectirmos sobre este simples facto,teremos imediatamente que nos lembrar que o soloda Suábia produziu grandes poetas e pensadoresno século passador naquele que o precedeu. Secontinuarmos nesta linha de pensamento verifi-camos que a Alemanha Central possui urn soloigualmente fértil, bem corno a Prússia Oriental, aSilésia e a Boémia.

Somos levados a reflectir e perguntamos: nãofaz parte do êxito (Geddhen) de uma obra de sucessoo enraizamento no solo de uma terra natal? JohannPeter Hebel escreveu um dia: «Nós somos plantasquji — quer nos agrade confessar quer não —,apoiadas nas raízes, jêrn_de^ romper o solo a fimde poder florescer no Éter e dar frutos» (Obras, ed.ÃTtweggin,314).

O poeta quer dizer: onde deve medrar uma obrahumana verdadeiramente alegre e salutar, oHomem tem dte gode£_brafâr dasjpjrojfcndbzasjdo^jsolo natal, elevando-se em direcção ao Éter. Étersignifica aqui: ojir livre das alturas do céu, a esfera" ~ "

«^»*Stí(a irasífefrí|e. ,.Somos levados ? reflectir e perguntamos: aquilo

que Johann Peter Hebel diz ainda se aplica nos diasde hoje? Existe etínda esse habitar tranquilo doHomem entre a terra e_o_cCTrt) espírito que mg-^dita (sinnendè) reina ainda no paísFExiste ainda uma"terra natal, de raízçs fortes no solo (Boden), na qual

o Homem se encontra permanentemente (stãndigsteht) j quer dizer, onde o Homem está enraizado(boda Istãndig isífi •*

Muitos alemães-perderam a sua terra natal, tive-ram de abandonar as suas aldeias e cidades, foramexpulJos do solo natal. Inúmeros outros, aos quaisfoi pç upada a sua terra natal e que, mesmo assim, adeixa, .ara, são'apanhados no turbilhão das grandescidades, têm de se estabelecer no deserto daszonas industriais. Tornam-se estranhos à velha terranatal. E os^que nela ficaram? Multas vezes estãoainda mais desenraizados (Keimatíoser) do que~aq"uê-Jes que foram expulsos. A cada hora e a cada diaestão presos à rádio e à televisão. O cinema trans-

~põrtã^ps~ semanalmente para os domínios invulga-res, frequentemente apenas vulgares, da representa-ção qiie simula um inundo que não_o é. Por todaa parte têm acesso ao «Illustrierte Zeitung»*. Tudoaquilo com que, de hora a hora, os meios de infor-

jtnacjo. actuais excitam, surpreendem, e^mulam_aimaginação do Homem - tudo isso está hoje mais

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próximo do Homem do que o próprio campo àvolta .a quinta, dò~ que o céu sobre a terra, do quepjjjass.ar das horãTdodla e da noite, do que os usose costumes da _aldêíã7~3o que a Herança do mundoda terra natal.

' Revisi i de carácter mais lúdico do que informativo, com publi-cação geralmente semanal, que contém artigos de interesse geral,ilustra j os com imagens. (N. T,)

j_

Somos levados a reflectir e perguntamos: o quese passa aqui com os expulsos da terra natal, bemcomo com aqueles que nela ficaram? Resposta:O enraizamentoJdh Bodenstãndigkeit) do Homemâ^rn^r^stajimea^jd^^a^sua mais íntima essência.Mais: a perda do enraizamento não é provocada

. somenfè"^pc71nrcunstâncias externas e fatalidadesdo destinò7nemTo efeito da negligência e 'domÒdcTde vida'"supérfícial dos Homens. A perda, . . ... jT , . v ;• r - - , -«grasí»*-.

djpv enr^ipn^ntp jprovem do .espirito da ejooca,no quajjt^òg^s^sci^ps. *"'Continuamos a ser levados a reflectir e pergun-

tamos: sendo assim podem ainda4, no futuro, oHomem ou a obra humana medrar do solo da terranatal e crescer enf direcção ao Éter, ou seja, emdirecção à extensa!) (Weité) do céu e do espírito?Ou cairá tudo nas tenazes do planeamento e docálculo, da organização e da automatização?

Se durante a celebração de hoje1 reflectirmosí sobre o que ela nos'sugere, verificamos quejajnossa

f j época é ameaçada pela perda do enraizamento'.f Ê perguntamos: o que está realmente a acontecer

no nosso tempo? O que caracteriza o nosso tempo?Chamou-se recentemente à época que agora

se inicia a era atómica. A sua característicamais atormentadora é a bomba atómica. Masesse traço é meramente superficial, pois logo sereconheceu que a energia atómica também pode serutilizada para fins pacíficos. Por isso, a FísicaAtómica e os seus técnicos estão hoje empenhados,em toda a parte, em concretizar a utilização pacífica

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da ene ;gia atómica em projectos de longo alcance.Os grs lides consórcios industriais dos países maisdesenvolvidos, com a* Inglaterra à cabeça, já calcula-ram qvie a energia atómica pode tornar-se umnegócio gigantesco. Vislumbra-se no negócio ató-mico a 'nova felicidade. A ciência atómica não semanter:t afastada. Ela anuncia publicamente, estafelicidaíie. Por isso, em Julho deste ano, 18 nobeli-zados declararam textualmente num manifesto,na ilha de Mainau* «A Ciência - ou "seja",""neste\

í caso, a'moderna Ciência da Natureza - é um carni-y,\ nho pa^a uma vida rnais feliz do Homem»y^~" -/s' f

"^ O qiie significa esta afirmação? Resulta de urnameditarão? Reflecte sobre o sentido da era ató-mica? í; 2 ficarmos satisfeitos ©m a referida afirma-ção da ciência, permaneceremos o mais longe pos-sível de uma meditação sobre a era actual. Porquê?Porqu ; nos esquecemos de reflectir. Porque nosesc uec imos de perguntar: em que assenta o factode a te :nica científica ter podido descobrir e liber-tar novas energias na natureza?

Assenta no facto de estar ern curso há algunsséculoí uma reviravolta de todas as representaçõesdomin.íntes. O Homem é, assim, transposto parauma outra realidade. Esta revolução radical da visãodo mu,ido é consumada na filosofia moderna. Daíresulta uma posição totalmente nova do Homemno mibdo e em relação ao mundo. Qjmindo

'Ilha si juada no Lago de Úberlingen (parte noroeste dolago di: Constança). (N. T.)

aparece agora como umobj^^sarnento que calcula investe, nada mais devendo

tesco, numa fonte de^slolcííeTbastecimento gigan-

^tnajnoderaasjEsr^ fundamentalmente(fecHcT^oTrlômem com o todo do mundo surgiupela primeira vez no século XVII, na_Epropa e uni-jsgmentejna, Europa.fPermaneceu descormecíHa dasrestantes partes daíèrra durante longo tempo. Eratotalmente estranha às épocas precedentes e aosdestinos dos povos de então.

O poder oculto na tép.ai.ç,a,jcjc^tem2prâneadetermina á relação" cío Homem com_^iquilo"queeSsfèrDomina a Terra inteira. O Homem cõníeçajá a sair da Terra em direcção ao espaço cósmico.Porém, só há duas décadas se tornaram conhecidas,com. a energia atómica, fontes de energia tão enor-mes que as necessidades mundiais de energia detodo o tipo estarão, em breve, cobertas para sem-pre. Dentro em breve, a produção imediata dasnovas energias deixará de estar restrita a determina-dos países e continentes, como a produção de ener-gia a partir de carvão, do petróleo e das madeirasdas florestas. Proximamente poderão ser construí-das centrais nucleares em qualquer local da terra.' A questão fundamental ida ciência e da técnica

contemporâneas já não é: de onde obteremos asquantidades suficiente de combustível? A questãodecisiva é agora a seguinte: de que modo podemosdomar e controlar as inimaginavelmente grandes

energ ;as atómicas e, assim, assegurar à humanidadeque t ..is energias colossais, subitamente, em qual-quer parte - mesmo sern acções bélicas -, nãofogen, ao nosso controlo, não «tomam o freio nosdente;» e aniquilam tudo?

Qrando se tiver conseguido o domínio da ener-gia a' ómica, e isso será conseguido, começaráum desenvolvimento totalmente novo do mundotécnic:>. As técnicas que hoje conhecemos como docinere a e da televisão, dos transportes, particular-mente do transporte aéreo, da informação, daraedic ina e da alimentação representam provavel-menti apenas um grosseiro estádio inicial.Ninguém poderá prever as revoluções que se apro-xirnam. Entretanto a evolução da técnica decorrerácada i fez mais rapidamente e não será possível detê--la em parte alguma. Em todos os domínios da exis-tência as forças dos equipamentos técnicos e dosautómatos apertarão cada vez mais o cerco. Ospoderes que, sob a forma de quaisquer equipamen-tóTTie 'construções técnicos' solicitam,, .prendem,arrastim e afligem o Homem, em.toda .a parte e atoda ri. hora, já há muito tempp__qu_e_supiexar.ama vontade e a capacidade de decisão do Homemporque não são feitos por ele.

Porém, também faz parte da novidade domundo técnico o facto de as suas realizaçõessereir' o mais rapidamente possível conhecidas eadrnrndas publicamente. Assim, todos podemos lerhoje :m qualquer revista, habilmente dirigida,ou pu';ir na rádio, o que este discurso refere sobre

o mundo técnico. Contudo, uma coisa é ter-mos ouvido ou lido algo, isto e, termos tornadocohEêcimèntQ dis.s,p, outra é. conhecermos, istoé, reflectirmos (bedenkeri) sobre o que ouvimose lemos.

Neste Verão de 1955, ern Lindau*, teve nova-mente lugar o encontro interriacional dos nobeliza- .dos. Disse o químico americano Stanley, por essaocasião, o seguinte: «Está próxima a hora em que avida será posta na mão dos químicos, que irãodecompor, reconstituir e modificar a substânciaviva como lhes aprouver.» Tomamos conhecimentode uma tal declaração. Até admiramos a ousadia dainvestigação científica e não pensamos mais nada.Não reflectimos que se prepare aqui, com os meiostecnológicos, uma agressão à vida e à naturezahumana, comparada com a qual a bomba de hidro-génio pouco significa. Pois mesmo se as bombas dehidrogénio não explodirem e a vida humana perma-necer sobre a terra, com a era atómica 'aproxima-seuma modificação incjuietante do mundo.

No entanto, aquilo que é verdadeiramenteinquietante não é o1 facto de o mundo se tornarcadaj^ejLB^^ o 'factp^de^o Homem hão~"estar preparado para estatransformação do múndcf,"é o Facto dê rios~ainda

"HoIíxêaáãmê'n to quêcom. aquilo quê,"iiêsta

"*"era, está realmente a emer$r:7

* Jlha situada na parte este do lago de Constança. (N, T.)

Ne; ihurn indivíduo, nenhum grupo de homens,ne ihu. [ia comissão, mesmo de estadistas, investiga-dores -.: técnicos, pbr mais importantes que sejam,nenhu na conferência de figuras de proa ,da econo-mia e da indústria podem travar ou dirigir o decursohistórico da era atómica. Nenhuma organizaçãomeramente humana está em condições de alcançaro domínio da era.

O Homem da era atómica^estaria^assim entre-gue,"^ forma indefesre3esamparada^A.prepotên-cia (Ubermachf) irnparável da técnica. Seria efectiva-mente assim se o Hornern de hoje renunciasse acontrapor ao rneró pensamento que calcula o pen-samento que medita para o campo do jogo decisivo.Mas se o pensamento que medita despertar, a refle-xão teih de estar a trabalhar ininterruptamente e namínima oportunidade; portanto também aqui eagora'e justamente durante esta cerimónia come-morar'vá, pois ela oferece-nos motivo para reflectir(beden, '.en) sobre algo que na era atómica está parti-cularriente ameaçado: o enraizamento das obrashumanas.

Po:' isso, perguntamos agora: já que o anteriorenraiz imento (Bodenstãndigkeif) se perde, não pode-ria sei restituído ao Homem um novo solo (Grundund Bi den}} no qual a natureza humana e toda a suaobra yudessern medrar de urna maneira nova,rnesm > na era atómica?,. ..Qv,.al seria o solo de uni futuro enraizamento?

j Talve'2- aquilo que procuramos com esta pergunta se \lencori :re muito próximo; tão próximo que muito

• facilmente o não vemos. Porque o caminho para oque está próximo é para nós, homens, sempreo rnáislongo e, por isso, ò mais difícil. Este caminhoé"' ' - ,. , ..-- ,."—£-- J' "'"""""rt '" nt X-V * I '"* '" ' ' l ?>'"-« •"">•*' ' • !»>.• '«•

um caminho de reflexão. O pensamento que. >»te-«-*f^—-'v,,,.-- .- •wfta .jiVi.j^w' "j, J,' '• ».-;-rfwf».w.,.^'-« A *

medita exige de nos que não fiquemos unilateral-mente presos a uma representação, que não conti-nuemos a correr em sentido 'único na direcção deuma representação! O pensamento que meditaexige que nos ocupemos daquilo que, à primeiravista, parece inconciliável.

1Façamos^a experiência. Para todos nós os equi-pamentos, aparelhos e máquinas do inundo técnicosão hoje imprescindíveis, para uns em maior e paraoutros ern menor grau. Seria insensato investir àscegas contra o mundo técnico. Seria ter vistas cur-tas querer condenar o inundo técnico como umaobra do diabo. Estamos dependentes dos objectostécnicos que até nos desafiam a uni sempre cres-cente aperfeiçoamento. Contudo, sem nos darmosconta, estamos de tal modo apegados aos objectostécnicos que nos tornamos seus escravos.

Porém, também podemos proceder de outromodo. Podemos utilizar os objectos técnicos e,-noentanto, ao utilizá-los normalmente, permanecerao mesmo tempo livres deles, de tal rnodo que os

"possamos a qualquer momento largar. Podemosutilizar os objectos técnicos tal como eles têm deser utilizados. Mas podemos, simultaneamente,deixar esses objectos repousar em. si mesmoscomo algo que não interessa àquilo que temos demais íntimo e de mais próprio. Podemos dizer

*li

«sim».à utilização inevitável dos objectos técnicos epodemos ao mesmo tempo dizer «não», impedindoque nos absorvam*, desse rnodo, verguem, con-fu:idam e, por fim, esgotem a nossa natureza(Weseii).

•••"' Se. no entanto, dissermos desta maneira, simul-taneamente «sim» e «não» aos objectos técnicos,não se cornará-a nossa relação com o mundo técnicoárnbíj;ua e incerta?'Muito gejp contrario.A -nos;a relação com o mundo... técnico torna-semaravilhosamente simples e tranquila. Deixamos osobject is técnicos entrar no nosso mundo quotidianoe ao i.yesmo tempo deixamo-los for% isto é, dei-xamo- ,os repousar em si mesmos como coisas quenão Sí-o algo de absoluto, mas que dependem elas _próprhs de algo superior. Gostaria de"dési^iar estai'atitud') do sim e do não simultâneos em relação ao ;niund j técnico com uma palavra antiga: a serenidade ; •

* ... . -'— * -~ * • -- • • - - l*/ • «tfiBMgg riSrtiarir* !'' -.-'*'''-''1 -''

£O'!^™&L£e/ ^^^Ne >ta atitude já não vemos as coisas apenas do

ponto de vista da técnica. Tessanio-nos clarividen-tes e ' 'enricamos que o fabrico e a utilização demáquinas exigem de nós, na realidade, uma outrarelaçãi i com as coisas que, não obstante, não é sem--sentií. o (sinn-los). Assim, por exemplo, a lavoura e aagricultura transformam-se em indústria alimentarmotorizada. Não restam dúvidas que aqui - bemcomo noutros domínios - se está a operar umatransfc jonação profunda na relação do Horriern coma Natureza e com o mundo. O sentido que rege estatransformação permanece, todavia, obscuro.

Deste modo reina em todos os processos técni-cos um sentido que reclama o fazer e o deixar estar(Tun und Lassen) do Homern,'um sentido que•o Homem não inventou e produziu primeiro. Nãosabemos o que reside no sentido do domíniocrescente da técnica atómica, cada vez mais inquie-

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tante/Õ sentido do mundo técnico 'õai/fã^se^Porém, seatentarmos agora,~p~articulãr e constantemente, queem todo o mundo técnico deparamos corn urn sen-•tido oculto, então encontramo-nos imediatamentena esfera do que se oculta de nós e se oculta precisa-mente ao vir ao nosso encontro. O que, deste modo,..j..»- "-*^»,. _ t ^ „....„„ -...—«-- •' ' * V f

/se mostra e simúltãnelâmente se retira é o traço run-(damental daquilo a que chamamos o mistério.

(V.. ^* * i •ejnFi!<»«»i«v«i>.™ ^

Denomino ã atitude em virtude da qual nos" MãHté-imos abertos ao sentido oculto no mundo técnico a

i abertura ao mistério .(die Qffmheit fíir das Geheimms),.'. /Msf!S7»SSí**^ ' N - 7- -™^ Í~-^^^^?^~^n^:^ 4^rcnjdaae_ernrelação'as-coi^Fa^D^rrjuTa^ao^>-§ÊgíM0 |çynjej3aHveis. ,Cpncedem-nos a possibili-"'Hãde de estormos" nb'níundo de um rnodo completa-mente diferente. Prornetern-nos um novo solo sobreo qual nos possamos manter e subsistir (stebenzmdbertej^m), e sem perigo, no seio do mundo técnico.

_,,-~A serêm3a"de"em:"relação"is coisas e a abeitura^b,/ mistério dão-nos a perspectiva dejim novo enraiza-y.mento./Que"úm"ãiapóflíerá mesmo conseguirrecordar, de urna nova fornia, o velho enraizamento,'que agora se desvanece rapidamente.

Porém, entretanto - não sabemos por quantotempo -, o Homem encontra-se sobre esta terranurna situação perigosa. Porquê? Apenas porque,

inespe radamente, poderá rebentar uma terceiraguerr . mundial que ceria como consequênciao tota' aniquilamento da humanidade e a destrui-ção d;; terra? Não.lJm outro perigo muito maiorameaç i a era atómica que se inicia - precisamentequanto o perigo de uma terceira guerra mun-dial está afastado. Uma estranha afirmação.Estranha, sim, mas apenas enquanto não reflec-timos,- .

Em que medida é válida a frase que se acabou deprofei ir? É válida na medida em que a revolução datécnica que se está a processar na era atómica pode~t

ria prender, enfeitiçar, ofuscar e deslumbrar o\Homem de rral modo que, um dia, o pensamento lque calcula viesse a ser o único ..pensamento admi-/..tido e exercido. •

Então, que grande perigo se aproxima? Então amáxima e mais eficaz sagacidade do planeamento eda invenção que calculam andaria a par da indife-rença para com a reflexão, para corn a ausênciatotal de pensamentos. £ então? Então o Homemteria renegado e rejeitado aquilo que tem de rnaispróprio, ou seja, o facto de ser um ser que reflecte.Por .':;so o importante; é__salvar essa essência doht>m':m. Por isso o importante"^"manter desperta a•. _ „ • • ••••——«-•••••»•*—*••«««—•.»««•».•.<•.reile: :ao.

P irem - a serenidade para com as coisas e aaberi ura ao mistério nunca nos caem do céu. Nãosão íirutos do acaso (nichts Zu-falliges). Ambasmed; am apenas de um pensamento determinado eiriint irrupto.

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Talvez a cerimónia comemorativa de hojeconstitua um impulso nesse sentido. Ao cedermos aeste impulso pensamos em Coriradin Kreutzer, aopensarmos na origem da sua obra, nas forças dasraízes (Wurzelkríifte) na terra natal de Heuberg.E somos nós quem assim pensamos, nós quando nossabemos aqui e agora como homens, que temosde encontrar e preparar o oarninho para, e através de,a era atómica.

Quando a serenidade para com as coisas e aabertura ao mistério despertarem em nós, devería-mos alcançar um caminho que conduza a um novosolo. Neste solo a criação de obras imortais poderialançar novas raízes.

Assim, de uma outra forma e numa outra era,seria novamente verdadeira a afirmação de JohannPeter Hebel:

«Nós somos plantas que - quer nos agradeconfessar quer.não -, apoiadas nas raízes,têm de romper o solo, a fim de poderflorescer no Éter e dar frutos.»