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EM REVISTA Volume1 Número2 Jan./Jun.1999 S E R V I Ç O S O C I A L Curso de Serviço Social Universidade Estadual de Londrina ISSN 1516 - 3091

Servi.o social v1 n2 - uel.br · A função básica do Estado de garantir a manutenção do modo capitalista de produção implica em que ele mistifique a realidade social para as

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EM REVISTA

Volume 1Número 2Jan./Jun. 1999

SERVIÇO

SOCIAL

Curso de Serviço SocialUniversidade Estadual de Londrina

ISSN 1516 - 3091

Publicação editada pela Editora daUniversidade Estadualde Londrina

ReitorJackson Proença Testa

Vice-ReitorMárcio José de Almeida

Conselho EditorialLeonardo Prota (Presidente)Ivan Frederico Lupiano DiasJosé Eduardo de SiqueiraJosé Vitor JankeviciusLucia Sadayo TakahashiMary Stela MüllerPaulo Cesar BoniRonaldo Baltar

Ficha CatalográficaElaborada por Ilza Almeida de Andrade CRB 9/882

Serviço Social em Revista / publicação do Departamento de Serviço Social, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Estadual de Londrina. – Vol. 1, n. 2 (Jan./Jun. 1999)- . – Londrina :

Ed. UEL, 1998- . v. : il. ; 21cm

Semestral

ISSN 1516-3091

1. Serviço social – Periódicos. 2. Serviço social – Estudo e ensino –Periódicos. 3. Serviço social – Pesquisa – Periódicos. 4. Serviço socialcomo profissão – Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina. Cen-tro de Estudos Sociais Aplicados. Departamento de Serviço social.

CDU 36(05)

Publicação semestral doDepartamento de Serviço SocialCentro de Estudos Sociais Aplicados

Comissão EditorialMaria Clementina Espiler Colito(Coord.)Ana Carolina Santini B. de AbreoMaria Angela Silveira Paulilo

Editorial ............................................................ 139

O valor do trabalho no Estado brasileiro................... 141Ednéia Maria Machado

Aspectos econômicos e políticos determinantesda política social brasileira .................................... 161Maria Luiza Amaral Rizotti

Participação Comunitária: uma proposta de avaliação .. 183Maria Angela Silveira Paulilo

O Serviço Social junto as promotorias de justiça dascomunidades de Londrina ..................................... 189Dione Lolis

Vagas em creches: demanda potencial e direito socialem Londrina ....................................................... 199Márcia PastorDione Lolis

Os impactos das dimensões societárias contemporânease o perfil do assistente social.................................. 227Ana Carolina Santini B. de Abreo et al

Conversando sobre as questões ambientais e o ServiçoSocial ............................................................... 243Maria Clementina Espiler ColitoAngela Maria de Melo Pagani

Nas veredas da velhice: a educação do idoso emComênio............................................................ 253Jane Cristina Franco de Lima

Informações para publicação de trabalhos ................. 265

SUMÁRIO

Serv. Soc. Rev. Londrina v. 1 n. 2 p. 139-264 jan./jun. 1999

EDITORIAL

A comemoração dos 25 anos do curso de ServiçoSocial da UEL nos deu inspiração para a criação desta revistae seu primeiro número veio a público como uma propostade sistematização de nossas reflexões teóricas, de nossasexperiências, de busca de respostas a questões que nosinquietam e de formulação de novas indagações. Seis mesespassados e nosso segundo número toma forma, dandocontinuidade à proposta inicial de colocar à disposição detoda a categoria profissional a possibilidade de expressar edifundir a diversidade e a riqueza de nossas práticas evivências.

Os artigos que integram este número trazem análisesteóricas sobre o mundo do trabalho e da política socialbrasileira, discutem o trabalho comunitário, apresentamdemandas locais, delineiam o perfil do Assistente Social nosdias atuais, levantam questões ambientais e debatem aquestão do envelhecimento.

Serviço Social em Revista surgiu como um desafio edesta forma prossegue. Contamos com a colaboração detodos os seus leitores para que sua proposta se consolide.

Maria Angela Silveira Paulilo

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O Estado, na sociedade capitalista, tem se constituído em objetoprivilegiado de análise – seja de intelectuais marxistas, liberais,neopositivistas, seja de setores organizados da sociedade – com vistas a,em melhor entendendo-o, melhor combatê-lo ou melhor mantê-lo.

O Estado já foi analisado e explicado como um poder acima dosdiferentes segmentos da população, ou classes sociais, tendo por papelser um árbitro dos conflitos, ou contradições, gerados no conjunto dasociedade; foi explicado, também, como instrumento da classe dominantepara manter seu poder enquanto classe detentora do capital, mas quemantém uma “autonomia relativa” em relação à classe dominante o quelhe possibilitaria atender algumas das reivindicações das classestrabalhadoras.

No decorrer da história, o Estado foi ganhando qualificativos –liberal, neo-liberal, assistencial, de bem-estar social, fascista, autoritário,ditatorial, democrático, etc. – que procuravam, ao lado de uma concepçãogeral do Estado colocar suas determinações conjunturais e históricasparticulares. Nos estudos mais consequentes, para além de consagrar oEstado como objeto teórico, sempre se centrou a análise no sentido demelhor compreendê-lo para melhor instrumentalizar as classestrabalhadoras na sua luta – seja pela melhor distribuição da riquezasocial, seja pela supressão do Estado. Nesse sentido, delimitar uma

O VALOR DO TRABALHO NO ESTADOBRASILEIRO

Ednéia Maria Machado*

RESUMO

O texto analisa o tratamento dispensado pelo Estado brasileiro à classetrabalhadora.

Palavras-chaves: Estado; trabalho; valor; política social.

Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 1, n. 2, p. 141-160, jan./jun. 1999

* Assistente Social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutoraem Serviço Social pela PUC-SP.

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concepção de Estado tem significado o entendimento da sociedadeburguesa e do movimento do capital, sem descolar o Estado da históriada sociedade.

Analisar o valor do trabalho para o Estado brasileiro implica,primeiramente, em estabelecermos uma delimitação conceitual-metodológica do Estado enquanto tal, para, a partir daí, situarmos asparticularidades do Estado brasileiro na sua relação com o trabalho.

1 O Estado

Para Ernst Mandel (1982, p. 133), o capitalismo atual é um“capitalismo tardio” :

Longe de corresponder a uma sociedade pós-industrial, o capitalismo tardio aparece assim comoo período em que, pela primeira vez, todos os ramosda economia se encontram plenamenteindustrializados ...

Assim, é que ele entende que o capitalismo se constitui em diversosperíodos de desenvolvimento que o caracterizam e o determinamhistoricamente. Em cada um desses períodos evolutivos do capitalismocorresponderá um tipo de Estado que, guardada sua função básica deem última instância ... representar os interesses da classe burguesa(Mandel, 1982, p. 385), passa por transformações e mudanças quemelhor adequem suas funções e papéis às necessidades do capital.

Pode-se afirmar, portanto, que o capitalismo impõe ao Estadofunções que respondam às suas necessidades de expansão, circulação eacumulação. Conceptualizar o Estado significa, então, resgata-lo noâmbito do movimento do capital. No capitalismo tardio , as principaisfunções do Estado são:

1. criar as condições gerais de produção que nãopodem ser asseguradas pelas atividades privadas dosmembros da classe dominante; 2. reprimir qualquerameaça das classes dominadas ou de fraçõesparticulares das classes dominantes ao modo de

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produção corrente através do Exército, da polícia, dosistema judiciário e penitenciário; 3. integrar as classesdominadas, garantir que a ideologia da sociedadecontinue sendo a da classe dominante e, emconsequência, que as classes exploradas aceitem suaprópria exploração sem o exercício direto da repressãocontra elas (porque acreditam que isso é inevitável,ou que é “dos males o menor”, ou a “vontadesuprema”, ou porque nem percebem a exploração)”.(Mandel, 1982, p. 333-334).

A função básica do Estado de garantir a manutenção domodo capitalista de produção implica em que ele mistifique a realidadesocial para as classes dominadas e concorde com as análises da realidadedas classes dominantes. Em outras palavras, o Estado não ignora acondição de exploração do trabalho, tanto não a ignora que desenvolvemecanismos eficazes para manter a reprodução da dominação; para,também, se colocar no papel do capitalista e explorar as classesdominadas de tal forma a ampliar e elevar a exploração da taxa demais-valia pelas classes detentoras do capital; para definir políticas delimitação dos salários em patamares “ótimos” para o capital; paradeixar “livres” os preços das mercadorias necessárias tanto àsobrevivência/subsistência das classes dominadas, quanto à acumulaçãocapitalista; para realizar investimentos em infra-estrutura e em obraspúblicas de interesses prioritários às classes capitalistas; para investirrecursos estatais em pesquisas não imediatamente lucrativas para ocapital; enfim, para se aperfeiçoar no papel de “capitalista total ideal”(Mandel, 1982, p. 336).

Para ser um “capitalista total ideal” é imprescindível garantirque o desenvolvimento capitalista esteja imune a crises; que a históriado capitalismo seja uma eterna ascensão; que as classes capitalistasampliem, cada vez mais, as possibilidades de acumulação e concentraçãode capital; que as classes dominadas aceitem ampliar, cada vez mais,suas possibilidades de produção e diminuir, cada vez mais, o valor de suareprodução. Mas, por que este papel tem que ser desempenhado peloEstado e não pelos capitalistas? Os capitalistas concorrem entre si:

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... o Estado burguês se distingue de todas as formasanteriores de dominação de classe por umapeculiaridade da sociedade burguesa que é inerenteao próprio modo de produção capitalista: o isolamentodas esferas pública e privada da sociedade, que éconsequência da generalização sem igual da produçãode mercadorias, da propriedade privada e daconcorrência de todos contra todos (Mandel, 1982,p. 336).

E, nessa concorrência a solidariedade entre as classes capitalistasé tão privada quanto a propriedade. Ou seja, existe o objetivo comum,entre as classes capitalistas, de manutenção do sistema e, ao mesmotempo, a luta dos capitalistas individuais para ampliar seu próprio podereconômico e político. Então, é no Estado que convergem os interessesdos capitalistas individuais e do capital em si. O Estado vai respondersempre aos interesses dos segmentos dominantes do capital:

A rigorosa utilização do Estado burguês como armados interesses de classe dos capitalistas é escondidatanto dos atores quanto dos observadores e vítimasdessa tragicomédia pela imagem mistificadora doEstado como árbitro entre as classes, representantedo interesse nacional, juiz neutro e benevolentedos méritos de todas as forças pluralistas (Mandel,1982, p. 347).

Mas, existem obstáculos ao desenvolvimento do capital que sãorepresentados, principalmente, pela classe trabalhadora, por segmentosdos próprios capitalistas e pelas fronteiras nacionais.

A organização da classe trabalhadora é um dos principaisobstáculos ao desenvolvimento do capital: a consciência da exploraçãoa que é submetida, as necessidades concretas de sua sobrevivência/subsistência não satisfeitas; ou seja, a situação concreta e real deexploração podem converter-se em barreira ao desenvolvimento docapital. Para transpor este obstáculo, ou impedir seus efeitos radicais, épapel do Estado limitar direitos de greve e de associação em sindicatos;minar a solidariedade de classes:

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O principal objetivo da política econômica burguesanão é mais anular os antagonismos sociais, mas simdescarregar sobre os assalariados os custos doreforçamento de cada indústria capitalista nacionalna luta concorrencial. O mito do pleno empregopermanente está se desvanecendo. Aquilo que asedução e a integração política não conseguiramrealizar efetiva-se agora pela reconstrução do exércitoindustrial de reserva e pelo cancelamento dasliberdades democráticas dos movimentos dostrabalhadores (entre outras, a repressão estatal à grevee ao direito de greve) (Mandel, 1982, p. 332).

Exerce papel fundamental na dominação da classe trabalhadoraa ideologia, função do Estado que tem o objetivo permanente de diluir aconsciência de classe do proletariado (Mandel, 1982, p. 171). É incutirna classe trabalhadora a idéia de “igualdade e liberdade” (Mandel, 1982,p. 336) e de responsabilidade de todos pelo desenvolvimento docapitalismo.

Numa situação de crise como a atual, o Estado desencadeiatodo um discurso e uma proposta para responsabilizar toda a sociedade.É a busca do consenso em torno da idéia de que, para que a situaçãoeconômica e social melhore, é necessária a união de toda a população.

O capitalismo já buscou diversas formas de justificar seusfracassos nas promessas que fazia à sociedade. É possível lembrar, porexemplo, quando o discurso ideológico era o da “responsabilidadeindividual”. Os indivíduos eram culpabilizados pelas suas carências –fosse por incapacidades físicas ou intelectuais ou, simplesmente, pelaordem natural, ou seja, alguns indivíduos eram superiores a outros poruma seleção natural da espécie.

Hoje, toda a sociedade não é mais considerada culpada, mas éconsiderada responsável pelas saídas da crise. Não se questionam ascausas da crise, mas o Estado busca que todos, independentemente desua situação, ajudem o capital a retomar fôlego para superar as situaçõesque ele próprio gerou.

O capital precisa da cumplicidade do trabalho na sua defesa, oumelhor, para a garantia de sua manutenção. Se, em determinados estágios

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do desenvolvimento capitalista bastava manter um exército industrial dereserva para funcionar como mecanismo de pressão sobre o trabalhadorassalariado, hoje o capital não pode mais ignorar a força organizada dostrabalhadores e tem que desenvolver formas mais sofisticadas de inserçãodo trabalhador no mundo do capital:

... o Estado desenvolve uma vasta maquinaria demanipulação ideológica para integrar o trabalhadorà sociedade capitalista tardia como consumidor,parceiro social ou cidadão (e, ipso facto,sustentáculo da ordem social vigente) ... (Mandel,1982, p. 341).

Mas, o fundamento desta inserção não está, efetivamente, naorganização dos trabalhadores em si; está na incapacidade que o capitaldemonstrou, no processo histórico, de garantir, de um lado, oenriquecimento de alguns e, de outro, as condições necessárias desobrevivência da maioria da população.

O sistema capitalista só tem conseguido atender às classesdominantes proprietárias do grande capital à custa do empobrecimentoalarmante de grande massa da população. Esta situação, dado seus altoscustos, é insustentável pelo sistema capitalista de produção, uma vezque pode tornar-se incompatível com a manutenção do poder. É evidente,portanto, que a classe trabalhadora e os desempregados são os únicosdestinatários do discurso ideológico do Estado.

O outro grande obstáculo ao desenvolvimento das forçasprodutivas é representado por segmentos dos próprios capitalistas e pelasfronteiras nacionais. Isto significa que os capitalistas individuaisnecessitam da intervenção do Estado nos rumos da economia,considerando que a concorrência os coloca uns contra os outros:

... a concorrência capitalista determina assim,inevitavelmente, uma tendência à autonomização doaparato estatal, de maneira que possa funcionar comoum capitalista total ideal, servindo aos interessesde proteção, consolidação e expansão do modo deprodução capitalista como um todo, acima e ao

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contrário dos interesses conflitantes do capital to-tal real constituído pelos muitos capitais do mun-do real” (Mandel, 1982, p. 336).

É ao Estado que compete buscar formas para que os capitaisindividuais não sejam corroídos pelas crises do sistema ou, em últimainstância, até para evitar a ocorrência de crises.

O Estado tem, então, uma função econômica direta e indireta.Direta quando, através dos investimentos estatais e do planejamentoeconômico, mantém a acumulação e concentração de capital – é de seobservar que nos momentos de crise acentua-se a intervenção do Estadona economia. Indireta por manter sob domínio e controle as classesdominadas que podem subverter a ordem vigente. A política estatalprioriza leis predominantemente voltadas para os interesses econômicosda classe burguesa. Ao Estado cabe arcar com os custos de produçãoque, embora necessários ao desenvolvimento do capitalismo, implicariamna diminuição da taxa de lucros do capital privado. Incluem-se, aí, obrasde infra-estrutura, investimentos em pesquisas, subvenções:

... há no Estado uma tendência de intervir sempre maisem esferas originalmente produtivas da economia, afim de criar condições de produção que já não podemser garantidas pelo capital privado. Essas condiçõesvão desde a infra-estrutura real e a esfera da educaçãoe administração, até certos ramos da produção dematérias primas, do sistema de transporte e mesmoaté ramos da produção que avançaram demaistecnologicamente (usinas de energia nuclear, porexemplo) (Mandel, 1982, p. 389).

A concorrência entre os capitalistas transcende os limitesterritoriais dos Estados nacionais. Para sua própria expansão o capitalnão pode reconhecer limites, sejam eles geográficos, culturais, políticosou sociais. Assim é que a organização de grandes firmas multinacionaisnão se subordinam a nenhum Estado nacional em particular, mas aopróprio movimento do capital em escala mundial:

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... nova fase de concentração e de centralização acele-radas de capital, que transformou a firma multinacionalna forma organizacional decisiva da empresa do capi-talismo tardio. O Estado burguês tardio tem muitomenos influência sobre essa forma organizacional doque sobre os trustes e monopólios nacionais do pe-ríodo anterior. Assim como o crescimento das forçasprodutivas sobrepuja o Estado nacional, também so-brepuja gradualmente o papel do Estado no controledo ciclo industrial e na promoção e no crescimento demelhorias econômicas (Mandel, 1982, p. 392).

A concorrência em âmbito internacional entre os capitalistassubordina os próprios Estados menos desenvolvidos aos Estados maisdesenvolvidos. O maior poder econômico das classes dominantes dospaíses metropolitanos, a busca incessante por aumentar sua taxa delucro, leva estes capitalistas a explorarem a mão-de-obra nos paísessubdesenvolvidos. Define-se, assim, uma exploração e concorrência entrepaíses onde os “mais pobres”, dadas suas necessidades de capital,submetem-se a diretrizes políticas e econômicas dos “mais ricos” paraque possam receber investimentos que possibilitem algum grau dedesenvolvimento de suas forças produtivas. Portanto, a ascensão docapital implica em diluir as fronteiras nacionais:

Sua conduta corresponde simplesmente à lógica deum modo de produção baseado na propriedade privadae na concorrência, e não numa soberania nacionalque em última instância deve subordinar-se aosinteresses globais do capital” (Mandel, 1982, p. 330-331).

O Estado é, então, no capitalismo tardio, um mediador dosinteresses dos vários capitais individuais, subordinando-se, sempre, aosinteresses dos grupos de capitalistas que detêm maior poder econômico,sejam eles locais ou internacionais.

2 O Valor do Trabalho no Estado Brasileiro

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Em todo Estado capitalista toda a riqueza produzida é umaprodução social – é fruto do trabalho –, mas é produção social de umaclasse específica – a classe trabalhadora. Ou seja, produção da classeque vende sua força de trabalho para manter sua vida, tendo, portanto,na venda de sua força de trabalho seu único meio de subsistência.Portanto,

... o valor da força de trabalho, ou, em termosmais populares, o valor do trabalho, é determinadopelo valor dos artigos de primeira necessidade ou pelaquantidade de trabalho necessária à sua produção.[...] Mas há certos traços peculiares que distinguem ovalor da força de trabalho dos valores de todas asdemais mercadorias. O valor da força de trabalho éformado por dois elementos, um dos quais puramentefísico, o outro de caráter histórico e social. (Marx,1978, p. 90-95)

Assim é que, nestes dois “elementos” que determinam o valor daforça de trabalho, o “elemento puramente físico” está sujeito ao “elementode caráter histórico e social”. Ou seja, o desenvolvimento das ciênciasbiológicas, das ciências da natureza, da tecnologia, etc., possibilitamnovas expectativas de vida física, cultural, social, política, que exigem doEstado e da sociedade ações que respondam a essas novas necessidadese interesses. Ações estas que estarão presentes, também, nas políticassociais, educacionais, culturais, de saúde etc., tendo, portanto, umasignificativa dimensão econômica. É o debate que se trava, por exemplo,em torno da aposentadoria do trabalhador, que tem por base, no Brasil,unicamente, o custo econômico do aposentado considerando o aumentode sua expectativa de vida.

É dentro desta perspectiva analítico-conceitual que nos épossível resgatar o valor do trabalho para o Estado Brasileiro.Em outras palavras, estamos desconsiderando, a princípio, o valor dotrabalho representado pelo salário percebido pelo trabalhador. O quenos interessa é o valor do trabalho representado pelo atendimentodispensado à classe trabalhadora, atendimento este presente nas

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legislações que regulam política, social e culturalmente a organização e odesenvolvimento do processo produtivo; atendimento este presente nascondições reais e concretas de vida da classe trabalhadora; atendimentoeste presente nas políticas sociais implementadas pelo Estado e nadestinação efetiva destas políticas. A legislação nacional é pródiga emamparar e valorizar o trabalhador. O trabalho é entendido como umdireito de todos:

Constituição Federal de 1937, Art. 113. “A todos cabeo direito de prover à própria subsistência e à de suafamília, mediante trabalho honesto. O poder públicodeve amparar, na forma da lei, os que estejam naindigência”; Constituição Federal de 1967: “Título III.Da Ordem Econômica e Social. Art. 160: A ordemeconômica e social tem por fim realizar odesenvolvimento nacional e a justiça social, com basenos seguintes princípios: ... II. valorização do trabalhocomo condição da dignidade humana”; ConstituiçãoFederal de 1988: “Da Ordem Econômica e Financeira- Capítulo I - Dos princípios gerais da atividadeeconômica. Art. 170. A ordem econômica, fundadana valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,tem por fim assegurar a todos existência digna,conforme os ditames da justiça social, observados osseguintes princípios: ... VIII - busca do plenoemprego...”.

O Estado também assegura uma remuneração mínima para otrabalho que, em 1937, de acordo com a Lei n. 185, deveria ... satisfazer,em determinada região do Paiz e em determinada época às suasnecessidades normaes de alimentação, habitação, vestuário, hygiene etransporte; sendo que, de acordo com o art. 6 do Decreto n. 24.637, de1934, Salário é, para os efeitos desta lei, a remuneração do trabalhopercebida, pelo empregado, em dinheiro, ou em quaesquer utilidades. AConsolidação das Leis do Trabalho de 1943 mantém o mesmo conceitode salário mínimo: Art. 76. Salário mínimo é a contraprestação devida epaga diretamente pelo empregador a todo trabalhador, inclusive ao tra-

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balhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço e capazde satisfazer, em determinada época e região do País, as suas necessida-des normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte.É de se observar que a educação não se constitui em um direito dotrabalhador, pelo menos não em um direito a ser coberto pelo saláriomínimo.

Podemos afirmar, então, que o valor do trabalho, legalmente,corresponde ao valor da dignidade humana, dignidade estacircunscrita pelos direitos à alimentação, habitação, vestuário, higiene etransporte. Os significados de “dignidade humana” e de “necessidadesnormais” do trabalhador a serem satisfeitas pelo salário mínimo nos serãodados pela condição real de vida da classe trabalhadora brasileira. AConstituição Federal de 1988, amplia sensivelmente os Direitos Sociais:Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, asegurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, aassistência aos desamparados ...; bem como amplia a cobertura do saláriomínimo aos trabalhadores: Art. 7. IV - salário mínimo, fixado em lei,nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitaisbásicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde,lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustesperiódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada suavinculação para qualquer fim.

Para além dos princípios legais já citados, temos todo umarcabouço de leis e decretos de “proteção” ao trabalhador, referentes aacidentes de trabalho, a maternidade, a férias, a jornada de trabalho, aotrabalho do menor, a descanso semanal, a demissão sem justa causa, etc.

Toda a legislação brasileira que trata da relação entre trabalhadorese patrões refere-se, de um lado, às relações contratuais de trabalho –onde podemos incluir a jornada de trabalho, as condições em que otrabalho deve ser exercido, os direitos e deveres de empregados eempregadores; e, de outro, à direitos sociais dos trabalhadores, onde seincluem previdência social, acidentes de trabalho, licenças,aposentadorias, pensões etc. É uma legislação que se alteraconstantemente, de tal forma a se adequar às conjunturas políticas eeconômicas existentes. O princípio norteador básico – de defesa dapropriedade privada, entendida enquanto propriedade privada da forçade trabalho, de um lado, e propriedade privada dos meios de produção,

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de outro – funda-se, portanto, na individualização do trabalho, enormatiza esta individualização, que estará presente, também, naestrutura sindical montada pelo Estado. Aqui, também, individualiza-seo trabalhador enquanto categoria profissional:

É lícita a associação para fins de estudo, defesa ecoordenação de seus interesses econômicos ouprofissionais de todos os que, como empregadores,empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ouprofissionais liberais, exerçam, respectivamente, amesma atividade ou profissão ou atividade ouprofissões similares ou conexas (Campanhole eCampanhole, 1991, p. 71).

Ou seja, os sindicatos só podem ser constituídos por membrosde uma mesma categoria econômica que é entendida como:

A solidariedade de interesses econômicos dos queempreendem atividades idênticas, similares ou conexas,constitui o vínculo social básico que se denominacategoria econômica (Campanhole e Campanhole,1991, p. 71).

Individualiza-se, ainda, territorialmente, quando se estabelece abase territorial de cada sindicato. A lei chega ao requinte de instituir asrepresentações estaduais e nacionais dos trabalhadores, ao criar asFederações e Confederações.

As organizações representativas dos trabalhadores definidas emlei – sindicatos, associações, federações e confederações – têm, desdesua criação, como função básica a função social. O imposto sindicalinstituído pelo governo possibilitou que estas organizações contassemcom uma grande massa de recursos, à qual o Estado, zelosamente, definiua aplicação:

A contribuição sindical, além das despesas vinculadasà sua arrecadação, recolhimento e controle, seráaplicada pelos sindicatos, na conformidade dosrespectivos estatutos visando os seguintes objetivos: I

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- Sindicato de empregadores e agentes autônomos: a)assistência técnica e jurídica, b) assistência médica,dentária, hospitalar e farmacêutica, c) realização deestudos econômicos e financeiros, d) agências decolocação, e) cooperativas, f) bibliotecas, g) creches,h) congressos e conferências, i) medidas de divulgaçãocomercial e industrial no País, no estrangeiro, bemcomo em outras tendentes a incentivar e aperfeiçoar aprodução nacional, j) feiras e exposições, l) prevençãode acidentes de trabalho, m) finalidades desportivas;II - Sindicatos de Empregados: a) assistência jurídica,b) assistência médica, dentária, hospitalar efarmacêutica, c) assistência à maternidade, d) agênciade colocação, e) cooperativas, f) bibliotecas, g)creches, h) congressos e conferências, i) auxílio-funeral,j) colônias de férias e centros de recreação, l) prevençãode acidentes de trabalho, m) finalidades desportivas esociais, n) educação e formação profissional, o) bolsasde estudo; III - Sindicatos de Profissionais Liberais:a) assistência jurídica, b) assistência médica, dentária,hospitalar e farmacêutica, c) assistência à maternidade,d) bolsas de estudo, e) cooperativas, f) bibliotecas, g)creches, h) congressos e conferências, i) auxílio-funeral,j) colônias de férias e centros de recreação, l) estudostécnicos e científicos, m) finalidades desportivas esociais, n) educação e formação profissional, o) prêmiopor trabalhos técnicos e científicos; IV - Sindicatos deTrabalhadores Autônomos: a) assistência técnica ejurídica, b) assistência médica, dentária, hospitalar efarmacêutica, c) assistência à maternidade, d) bolsasde estudo, e) cooperativas, f) bibliotecas, g) creches,h) congressos e conferências, i) auxílio-funeral, j)colônias de férias e centros de recreação, l) educaçãoe formação profissional, m) finalidades desportivas esociais. 1º. A aplicação prevista neste artigo ficará acritério de cada entidade, que, para tal fim, obedecerá,sempre, às peculiaridades do respectivo grupo oucategoria, facultado ao Ministro do Trabalho e da

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Previdência Social permitir a inclusão de novosprogramas, desde que assegurados os serviçosassistenciais fundamentais da entidade (Campanholee Campanhole, 1991, p. 77).

Outro princípio fundamental, e que na legislação existente oEstado denomina de “tutela do trabalho”, é, efetivamente, tutela doempregador. Isto é, ao normatizar e legislar até sobre minúcias das relaçõesde trabalho, o Estado protege o empregador contra as possíveisreivindicações dos trabalhadores, já que o limite dado pela lei estáclaramente definido como os “interesses nacionais”. E, obviamente, estesestão definidos pelas classes dominantes:

As idéias dominantes nada mais são do que a expressãoideal das relações materiais dominantes, as relaçõesmateriais dominantes concebidas como idéias;portanto, a expressão das relações que tornam umaclasse a classe dominante; portanto, as idéias de suadominação (Marx, 1986, p. 72).

Portanto, concomitantemente, o mesmo arcabouço legal seconfigura enquanto limitador da organização dos trabalhadores. Em1931, o Decreto n. 24.694, em seu artigo 2 estabelece:

Consideram-se os syndicatos como órgãos: a) dedefesa da respectiva profissão e dos direitos e interessesprofissionaes dos seus associados; b) de coordenaçãode direitos e deveres recíprocos, communs aempregadores e empregados, e decorrentes dascondições da sua actividade economica e social; c) decollaboração com o Estado, no estudo e solução dosproblemas que, directa ou indirectamente, serelacionarem com os interesses da profissão (Santos,1937, p. 11). Em 1943, a CLT define, em seu artigo518, que os estatutos sindicais deverão conter: c) aafirmação de que a associação agirá como órgão decolaboração com os poderes públicos e as demaisassociações no sentido da solidariedade social e da

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subordinação dos interesses econômicos ouprofissionais ao interêsse nacional (Dias, 1959, p. 85).Em 1991, mantém-se a responsabilidade sindical paracom o Estado: Art. 513. a) colaborar com o Estado,como órgãos técnicos e consultivos, no estudo esolução dos problemas que se relacionam com arespectiva categoria ou profissão liberal (Campanholee Campanhole, 1991, p. 72).

As ações sindicais têm, assim, nos interesses do Estado o limitelegal de sua ação reivindicatória coletiva. Outros artigos são claramentelimitadores das ações e direitos/deveres sindicais. Em 1937, o Decretono. 24.694 estabelece, em seu artigo 13:

São condições essenciais ao funcionamento dossyndicatos: c) abstenção, no seio da respectivaassociação, de toda e qualquer propaganda deideologias sectárias e de caracter político e religioso,bem como de candidaturas a cargos electivos estranhosà natureza e aos fins syndicaes (Santos, 1937, p. 16);e complementa, em seu artigo 37: Os syndicatos,uniões, federações e confederações reconhecidas nostermos do presente decreto não poderão fazer partede organisações internacionaes, salvo autorisaçãoexpressa do Ministério do Trabalho, Indústria eCommercio (Santos, 1937, p. 17). Na CLT de 1943 éprevisto: Art. 521. a) proibição de qualquer propagandade doutrinas incompatíveis com as instituições e osinteresses da Nação, bem como de candidaturas acargos eletivos estranhos ao sindicato (Dias, 1959, p.186); e, no seu art. 565: As entidades sindicaisreconhecidas nos têrmos desta lei não poderão filiar-se a organizações internacionais, nem com elas manterrelações, sem prévia licença concedida por decreto dopresidente da República (Dias, 1959, p. 207).

Entretanto, toda a repressão do Estado sobre a classe trabalha-

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dora oferece nuances conjunturais e estruturais, considerando o desen-volvimento das forças produtivas e as necessidades de expansão docapital.

Neste sentido, os períodos ditatoriais brasileiros sempre foramacompanhados de extrema violência contra a classe trabalhadora,especialmente nas décadas de 60 e 70. Nestes períodos, o valor da forçade trabalho aparece claramente como unicamente necessária para mantera acumulação capitalista. Ou seja, as organizações sindicais sãocompletamente ignoradas, e o Estado militarizado tem o poder total deintervenção sobre elas. É a transparência absoluta de que o trabalho éservo do capital, o trabalhador é servo da burguesia. A ditadura subjugatoda a sociedade e, em especial, a classe trabalhadora, retirando destatodo o instrumental de luta contra a exploração do capital, e todapossibilidade de mediação com o Estado:

Após a crise de 1964, com a derrocada do governoconstitucional de Goulart e das forças nacional-reformistas, erigiu-se um Estado de função ditatorialque reorganizou, intensificou e alargou o padrão deacumulação capitalista cujo setor mais dinâmico era oDepartamento produtor de bens de consumo duráveis.[..] A Lei no. 4.330, que regulamentou o direito degreve, impôs tamanhas restrições que praticamenteimpediu a deflagração de greves. Inúmeros sindicatossofreram intervenção e perderam o potencialreivindicatório, uma vez que o Estado efetivou-se comoresponsável pela definição dos índices de aumentossalariais (Antunes, 1994, p. 43).

Das diversas tentativas do movimento sindical brasileiro de seorganizar em uma entidade nacional, somente em 1981 é que começa ase consolidar um movimento forte dos trabalhadores, e que acaba porcriar centrais sindicais. Sem entrarmos nos detalhes do processo decriação destas Centrais, vale dizer que, atualmente, existem duasprincipais Centrais sindicais que colocam-se como interlocutoras dostrabalhadores junto ao Estado: a Força Sindical e a Central Única dosTrabalhadores (CUT).

A Força Sindical apresenta, nitidamente, uma postura política

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de adesão ao Estado, e apesar de ser uma central de trabalhadores,podemos afirmar que ela é uma interlocutora dos interesses do Estadojunto à classe trabalhadora.

A CUT, apesar de, desde a sua fundação, ter se consolidadocomo interlocutora dos interesses dos trabalhadores junto ao Estado,sendo a Central que congrega o maior número de sindicatos do país, ecom uma direção político-ideológica de combate ao capital; hoje, procurarestabelecer um projeto nítido de ação política que contemple tanto asnecessidades mais imediatas da classe trabalhadora, quanto ações maisgerais que atendam os interesses dos setores dominados.

Mas, como no Estado conjugam-se diversos interesses e diversossegmentos das classes dominantes; bem como, no interior das classesdominadas gestam-se movimentos de contestação; se há períodos emque a ultrapassagem de um período de crise do capitalismo só é possívelmediante a militarização do Estado, em outros, o desenvolvimento dasforças produtivas, a capacidade de organização da classe trabalhadora,as seqüelas econômicas e sociais do intenso processo de acumulação econcentração de capital (a pobreza de grande parcela da população, odesemprego, o aumento da marginalidade, os moradores de rua, adeterioração da saúde etc.), exigem outro tipo de ação das classesdominantes:

Nesta etapa de desenvolvimento, o controle do capitalsobre o trabalho não se dá pela coerção nem pelocontrole das resistências, mas, fundamentalmente, pelaobtenção do consentimento dos trabalhadores aossacrifícios que lhes são impostos (Fernandes, 1995,p.77).

Portanto, ao responsabilizar toda a sociedade pela crise, naverdade o que o Estado faz é dirigido unicamente à classe trabalhadora.Do discurso às ações concretas ás vítimas do sistema econômico sãoalçadas à condição de “sócias” do mesmo; ou seja, são chamadas aunirem-se ao grande capital para salva-lo, com o único argumento deque só assim é possível salvarem-se a si mesmas do desemprego e damiséria. É a união da sociedade para salvar o capital como capital e otrabalhador como força de trabalho disponível para o capital. Éa união do trabalho e do capital, união ideal na defesa do empresariado

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nacional, da grande indústria, das classes dominantes. Nesta sociedadeentre o capital e o trabalho, o Estado brasileiro conclama a todospara desenvolverem o “espírito de solidariedade”; espírito este que temduas conotações distintas. Para as classes dominantes, o Estado estápreocupado em:

Como fazer para reavivar essa responsabilidade socialdas elites [que] é um dos grandes desafios do nossotempo. O apelo por uma ética da solidariedade, aredefinição de valores nacionais e, principalmente, aluta contra a desigualdade, que as elites encaram hojecomo algo natural e até aceitável, são ideais quesomente a política, enquanto arte de construção deconsensos, pode equacionar (FHC ..., 21/02/96,p.1-6).

Para os trabalhadores, a defesa de uma nova legislação trabalhista,para permitir maior liberdade nas formas de contrato, para permitircontratação por tempo parcial, com menos garantias sociais (Presidente..., 12/01/96, p. 1-5), e, também, resultar em menores custos para acontratação de trabalhadores (FHC ..., 28/01/96, p. 1-8).

São significativas as medidas defendidas pelo presidente daRepública para o combate ao desemprego:

Do lado da demanda de mão-de-obra nossa ação seráconcentrada: a) na expansão econômica sustentadaatravés de políticas de crescimento conciliadas com aestabilização; b) no desenvolvimento de políticasespecíficas de geração de emprego, com a retomadade investimentos de porte nas áreas de infra-estruturae social (a área social, embora subestimada comogeradora de empregos, têm um enorme potencialempregador); c) no apoio técnico e financeiro a umamelhor capacitação dos setores intensivos de trabalho,como por exemplo, a construção civil, a agriculturafamiliar e o turismo; d) no incentivo fiscal, na melhoriadas condições de financiamento da produção e apoiotécnico às pequenas e médias empresas que são o

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maior empregador do país; e) no estímulo, viafinanciamento de bancos estatais de fomento, deprogramas que preservem e gerem empregos; e f) nadiminuição do custo do fator trabalho e nasnegociações entre o capital e o trabalho para alexibilização das relações trabalhistas, incluindomedidas que dêem maior autonomia aos sindicatospara a celebração de contratos coletivos de trabalho(FHC ..., 21/02/96, p. 1-6).

Portanto, reforça-se nas diretrizes governamentais a defesa dosinteresses das classes dominantes, e que é assimilada, até, pelo presidenteda Central Única dos Trabalhadores (CUT), quando afirma:

Temos que apresentar propostas para proteger aindústria do país, que produz riqueza e gera empregos,e ao mesmo tempo buscar mecanismos de assistênciaao desempregado de hoje (CUT ..., 16/03/96, p. 2-4).

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ABSTRACT

The article analyses the Brazilian Government actions concerning theworking class.

Key-words: State; work; value; social policy.

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ASPECTOS ECONÔMICOS E POLÍTICOSDETERMINANTES DA POLÍTICA SOCIAL

BRASILEIRA

Maria Luiza Amaral Rizotti*

RESUMO

O presente artigo aborda as políticas sociais no Brasil a partir dasdeterminações estruturais e históricas do modelo econômico e políticobrasileiro, definidas na relação entre Estado e sociedade civil.

Palavras-chaves: Política social; Estado brasileiro; Estado de Bem-Estar; Sociedade Civil.

As relações condicionantes entre o Estado Moderno e a produçãocapitalista foram reiteradamente abordadas pela tradição marxista. Jánas obras políticas de Marx e “n’O Capital” – a despeito do ponto noqual interrompe-se esta última obra – a análise aponta quatro funçõesbásicas que desempenha o Estado contemporâneo na produçãocapitalista. Em primeiro lugar, o Estado desempenha a função decapitalista coletivo ideal, segundo a qual atua na criação de condiçõesmateriais genéricas para a produção (isto é, a infra-estrutura necessáriaao desenvolvimento do capital em seus diferentes ramos – energia,transporte, comunicações, etc.). Essa função inicial do Estado pode serconstatada desde o período da acumulação primitiva do capital e, apósa existência de um curto período de capitalismo concorrencial, ganhaênfase novamente com o surgimento das condições monopolistas deprodução.

Em segundo lugar, o Estado contemporâneo desempenha naprodução a função de árbitro, através da criação e sustentação do sistemageral de leis, destinado a regulamentar as relações sociais fundadas na edestinadas à produção de mercadorias. Subsidiariamente, uma terceira

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* Assistente Social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutoraem Serviço Social pela PUC-SP.

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função agrega-se a esta última: o Estado regulamenta as relações entrecapital e trabalho assalariado, intervindo desde um ponto exterior noconflito de classes e completando o conjunto de condições internaspara a produção. Finalmente, uma última mas não menos importantefunção consiste na política comercial externa desempenhada pelosEstados contemporâneos, através da qual logram prover as condiçõesnecessárias à expansão do capital nacional total no mercado internacional.

Segundo a análise marxiana, portanto, o Estado realiza sua funçãoestratégica ao prover as condições necessárias e suficientes à formaçãodo capital social conjunto, propiciando a subsunção do capital comercialao industrial e das formas não-capitalistas de produção à formamercadoria. Nesse sentido é que pode ser definido como instrumentode opressão de classe sobre classe, através do qual a burguesia lograimpor um modo específico de dominação política e de exploraçãoeconômica na era capitalista.

O resultado essencial desse seu papel é que se produz asocialização dos custos de reprodução da força de trabalho e do capitalem geral, permanecendo subordinada à política econômica do Estado(em sua forma monetária, fiscal ou social) e aos setores monopolistas ecompetitivos da produção capitalista. Nesse processo, cujo ponto extremopode ser localizado na constituição e evolução das formas do capitalfinanceiro, duas lógicas antagônicas coexistem: a do capital,consubstanciada no caráter quantitativo do valor e na finalidade deprodução de mercadorias e a do Estado, expressa no caráter qualitativodas diferentes demandas públicas e na finalidade de produção de serviços.

A emergência do estágio monopolista de produção e dasubseqüente fase da acumulação flexível de capital, acentuaram aindamais as funções do aparelho político do Estado no processo de produçãocapitalista. Não obstante, o papel desempenhado na realização daacumulação primitiva do capital, as atribuições do Estado durante oprocesso normal de produção capitalista concorrencial deveriam resumir-se essencialmente à função de árbitro dos contratos e garantidor daforma mercadoria e de suas manifestações na produção. Mas astransformações ocorridas no modo de produção capitalista durante oúltimo século, tornaram essa função por si só insuficiente, ocasionandouma alteração-chave, que consistiu na conversão do Estado de árbitroda economia em interventor ativo no processo de acumulação do capital.

Paralelamente, essa nova condição provoca também

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transformações nas instituições políticas de nossa época, sintetizadasno esvaziamento do poder legislativo e das formas de representação queo Estado incorpora em favor de uma organização corporativa do podere na transição da fórmula clássica de lei geral para uma intervençãolegislativa ad hoc na vida social.

Com efeito, a organização e desenvolvimento do Estado de Bem-Estar no mundo ocidental expressa genuinamente essas transformaçõesdo aparelho político do Estado na sociedade capitalista contemporânea.Como resposta capitalista à crise econômica e social evidenciada com oepisódio da grande depressão americana e como reação política ao avançodo socialismo ocorrido desde o período entreguerras, o advento do Estadode Bem-Estar criou para as sociedades capitalistas, nas quais sedesenvolveu, uma nova realidade política, a saber: a de que a legitimidadedo poder do Estado, antes residente na forma racional-legal daorganização política democrática, encontrar-se-ia desde entãocondicionada ao grau de eficácia da ação do Estado na resposta à crisecapitalista, que de um lado expressava-se pelo perigo da estagnação naseconomias de mercado, de outro tomava a forma de aberta exclusãosocial.

Se, ademais, considerarmos o caráter de clara dependência fiscaldo aparelho político de Estado em relação à economia capitalista privada– dependência que se configura em sua forma cabal na contradiçãoentre a natureza do objeto fiscal e os vínculos de uma economiaconcorrencial de um lado e, de outro, no incremento incontrolável (doponto de vista das instâncias internas do aparelho do Estado) da demandade despesa pública – podemos então apreciar com relativa precisão oprocesso pelo qual a legitimidade do poder político resulta corroída nasnovas configurações da sociedade contemporânea.

À mudança nas formas de legitimidade do poder correspondeuma profunda transformação do aparelho político do Estado. A questãocentral, aqui, consiste na frágil possibilidade de coexistência das formasclássicas do Estado de Direito com os novos papéis desempenhadospelo Estado de Bem-Estar Social. E isto porque de um lado, não podemser livremente compatibilizados, sem prejuízo para qualquer dos lados,os direitos fundamentais de liberdade pessoal, política e econômica,constituídos a partir da ideologia liberal e da distribuição da riquezasocial produzida. De outro, extingue-se a cisão das esferas pública eprivada, originada da separação entre sociedade e Estado com a

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constituição daqueles direitos fundamentais, fundindo-se ambas numanova realidade, através da qual se processa a reprodução social capitalista.

Desse modo, faz-se necessário situar no universo detransformações políticas e econômicas do capitalismo contemporâneoe, nos condicionantes recíprocos que delas emergem, a análise queempreenderemos das políticas sociais no Brasil. Com isso, procuramoselucidar em que circunstâncias a apropriação da função pública porparte de setores do capital (cujo maior exemplo é certamente a unificaçãodos níveis organizacionais da burocracia e a coordenação negativa queas agências do Estado desempenham na planificação por projetos)apresenta-se na concepção, implementação e administração da políticasocial e, como ocorre – por força do contexto social de crise e exclusãoagudas – a conversão das funções de regulamentação da quantidade equalidade da força de trabalho nas novas formas de controle social epolítico.

Desde sua instalação o Estado de Bem-Estar foi constituído comdupla função, de um lado, o desaceleramento do desgaste da força detrabalho, através da implementação de políticas sociais sustentadas porlegislação social que garantisse alguns direitos sociais ao trabalhador esua família e, de outro, como capitalista coletivo ideal, sustentando aprópria acumulação capitalista, através de subsídios à produção, suportede infra-estrutura, fomento às pesquisas e investimento tecnológico. Éneste contexto que é constituído o fundo público moderno que, entreoutras finalidades, passa a financiar os gastos sociais.

Este financiamento público, cujas formas e contornos foram seconstituindo de acordo com a pressão exercida por grupos sociais epolíticos, garantiria tanto as políticas sociais quanto a própria acumulaçãocapitalista. Esta pressão tanto se desenvolveu a ponto de ser uma bandeirada social democracia, quanto obedeceu diferentes formatos de acordocom interesses de grupos empresariais diferenciados (burguesia urbanae oligarquia agrária).

O fundo público sustentou a passagem de uma competiçãoanárquica para uma competição mais segmentada. No primeiro caso, équando todos os competidores capitalistas têm chances razoavelmentesemelhantes de ganhos de mercado, imposição de preços e tarifas eoperam com uma taxa de lucro geral. Quanto à competição segmentada,os agentes econômicos estão virtualmente separados por volume decapital, oportunidade de conquista de mercado, facilidade ou dificuldade

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na imposição de preços tanto como compradores quanto comovendedores e operam com uma taxa de lucro extraordinária, gerada porforça de um oligopólio de mercados.

No caso do setor oligopolista o fundo público é fundamentalpara a formação da taxa de lucro. Os bens de serviço tiveram porfinalidade a instalação de “antimercadorias sociais” por não seremproduzidos conforme as leis da produção capitalista (concorrência entreprodutores, delimitação de seu valor pela quantidade de trabalhonecessário). Portanto, eles são capazes de realizar a reprodução da forçade trabalho sem comprometer a taxa de lucro. Adicionalmente a issodevemos lembrar ainda que parte do fundo público é composto porimpostos sobre salários (Oliveira, 1988).

Como todo processo histórico, devem-se considerar as duas facesreferentes aos aspectos econômicos e políticos. Neste sentido, a noçãode “esfera pública” possibilita apreender a presença da luta de classes nointerior do Estado. Quando há avanços dos interesses da classetrabalhadora estes resultam na diminuição dos graus de concentração eexclusão social. É sob a égide da construção, ampliação e reconstruçãoda esfera pública que se expressa a presença de diferentes sujeitos einteresses, e conseqüentemente, que pode se expressar a democraciarepresentativa.

A constituição de um Estado de classes não impede a construçãoe ampliação da esfera pública. Ao contrário, as classes sociais sãoconstitutivos inseparáveis, na medida em que precedem a constituiçãode políticas sociais e a existência de classes sociais. Segundo Oliveira(1988), a esfera pública pode significar avanços da democracia e apropriedade absoluta da burguesia sobre o Estado.

O que é fundamental na constituição da esferapública e na consolidação democrática que lhe ésimultânea é que esse mapeamento decorre doimbricamento do fundo público na reprodução socialem todos os sentidos, mas sobretudo criando medidasque medem o próprio imbricamento acima dasrelações privadas. A tarefa da esfera pública é, pois, ade criar medidas, tendo como pressuposto as diversasnecessidades da reprodução social (Oliveira, 1988,p.22).

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Com as atuais mudanças no mundo do trabalho, um novocomponente surge na relação das políticas sociais geradas pelo fundopúblico e reprodução da força de trabalho. A relação do capital com ofundo público direciona-se mais para o financiamento do avançotecnológico e menos para a reposição da força de trabalho, na mediadaem que a automação prevê substancial diminuição da mão-de-obra.

Para Castro (1991), a consolidação do Estado de Bem- EstarSocial do ponto de vista institucional vivenciou dois grandes momentos:nos anos pós 1930 com o desenvolvimento das políticas keynesianasque expressavam um certo compromisso entre o capitalismo e ademocracia e a crise fiscal dos anos de 1970 que atinge diferentes paísescom graus também diferentes, cujas conseqüências vão rebaterdiretamente no sistema de seguridade social. Essa perspectiva daperiodização contudo, se, por um lado, apresenta uma sistematizaçãoda evolução do Estado de Bem-Estar, por outro, não aborda uma análisedos determinantes políticos e econômicos da reconfiguração do papeldo Estado na constituição das políticas sociais.

As políticas adotadas nos governos Reagan e Thatcher, indicamuma limitação do Estado Social em que existe nítida tolerância das taxasde desemprego sob a égide de ser esta uma condição passageira para aretomada do crescimento econômico e social. A conseqüência disto é oacirramento das diferenças entre produção e distribuição. Nos últimosanos a tendência neoliberal passou a justificar a diminuição dos gastoscom bens e serviços sociais públicos, sob o pretexto de que ocasionavamuma diminuição dos recursos de investimento e crescimento, onerandodemasiadamente a carga fiscal nas economias capitalistas (Oliveira,1988).

Em economias onde o recurso público tinha de ser utilizado paraa reprodução do contingente total da força de trabalho, isso não apareciapara o capital como um gasto elevado. A partir do momento em que osganhos de produtividade do trabalho baseados no desenvolvimentotecnológico e novas técnicas de produção possibilitam liberar grandeparcela da força de trabalho, tornando-as desnecessárias para amanutenção de ciclos de reprodução do capital, os gastos em políticassociais aparecem ao capital como desnecessários, já que perderam suafunção estratégica na economia capitalista.

Nos casos dos países subdesenvolvidos, Cignolli (1985) salienta

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que desde o princípio a tecnologia utilizada caracterizou-se comopoupadora de mão-de-obra e, portanto, inexistiu o momento de amplareprodução da força de trabalho. Neste sentido, para estes países, aosolhos do capital sempre apareceu como um gasto excessivo.

Segundo Oliveira (1988), os verdadeiros motivos da crise doEstado de Bem-Estar Social podem estar associados à ultrapassagemdos limites nacionais da produção e à manutenção destes mesmos limitesno financiamento público de reprodução da mão-de-obra. Enquanto oscapitais convertem-se em transnacionais, os custos de reprodução daforça de trabalho permanecem nacionais, no sentido de serem bancadospelo fundo público estatal:

Nos limites nacionais de cada uma das principaispotências industriais desenvolvidas, a crise fiscal ou oque um ganha e outro perde, emergiu da deterioraçãodas receitas fiscais e para fiscais (previdência porexemplo), levando ao déficit público (Oliveira, 1988,p. 12).

A ofensiva neoliberal preconiza o Estado Mínimo, utilizando-sedos artifícios de dissolução de confrontos na esfera do fundo público,diminuindo os gastos sociais determinados para a manutenção dareprodução social e mantendo apenas a manutenção da taxa de lucro docapital. As propostas advindas da direita relativas à diminuição do Estado,não incluem a sua retirada em questões referentes às pesquisas detecnologia de ponta nem muito menos subsídios à produção.

Esta tendência pode indicar três caminhos que não sãoexcludentes: o primeiro, a mercantilização das políticas sociais, com asubstituição de sistemas públicos por privados em todos os campos,sobretudo na educação, saúde e previdência; o segundo, a retomada doassistencialismo na esfera social, deixando para a sociedade aresponsabilidade de solidarizar-se com a pobreza; e o terceiro, adespolitização da luta no campo do fundo público e, com isso, adesvinculação com os princípios de igualdade e democracia.

A questão do Estado de Bem-Estar Social e das políticas sociaisnão se circunscrevem apenas ao campo da economia ou da política, masno somatório de ambos. Porém, percebe-se imperativa a dominação dos

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interesses econômicos. A reversão desta tendência dependeria de umarecolocação nas agendas políticas da questão das políticas sociais,diretamente relacionada com a sobrevivência da democracia.

Além disso, esta discussão pressupõe a concepção de um Estadoque suporta a correlação de forças e a necessidade da conquista dehegemonia através da ação da sociedade civil, considerando a organizaçãopolítica dos vários grupos sociais. Dá-se neste contexto a discussão dosgraus de consciência (econômico-corporativo, a solidariedade entre osmembros de um grupo social e o grau que supera o círculo corporativo eincorpora interesses de grupos subordinados). Esta participação épossível por haver reivindicações e até mesmo reformas, mas semalterações na estrutura do Estado (Gramsci, 1991).

Na discussão sobre as políticas sociais na relação Estado esociedade civil, cabe destacar uma diferença crucial entre a perspectivaliberal e a crítica marxiana. Trata-se de pensar a origem da questão social,que para a filosofia política liberal são interpretadas como demandasindividuais. Para o marxismo, tais demandas são resultantes da relaçãode classes sociais e a luta entre estas se faz dentro do cenário político, noqual o elemento crucial será a discussão da democracia.

Sob esse ponto de vista, o carecimento originário da questãosocial surge não mais como resultado da experiência particular dosindivíduos, mas como carecimento de classe. A conseqüência políticadessa mudança de visão é que não cabe mais considerar a pobreza comonormal e necessária, entendimento que predominou durante o períodopré-industrial na Europa, sob a vigência da doutrina da utilidade dapobreza que se baseava no fato de que era esta condição que tornava asmassas laboriais (Gomes, 1979). Ao contrário, a pobreza surge aquicomo resultado da contradição fundamental entre capital e força detrabalho que impõe a esta última a geração de mais-valia, possuindodesta forma um caráter estrutural antes não mencionado pela perspectivaliberal. Nesse sentido, é que a abordagem sobre as políticas sociais, aolado de identificá-las como mecanismos de reprodução das condiçõesde acumulação capitalista, não pode furtar-se a analisá-las enquantoresultados, da luta de classes, cujas conquistas constituem o conjuntodos direitos sociais dos trabalhadores.

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1 O Caso Brasileiro

As explicações referentes à política social brasileira não podem enão devem ser fracionadas sobretudo no que se refere a determinanteseconômicas, políticas e ideológicas, se elas se constituem como partesde uma mesma organicidade explicativa. Neste sentido, faz-se necessárioarticular temas como o desenvolvimento do capitalismo no Brasil, aconstituição do Estado brasileiro, a participação da sociedade civil e ainfluência do pensamento social brasileiro nas explicações para a questãosocial no Brasil.

O conjunto destes aspectos só podem ser compreendidos econstituídos numa totalidade, se articulados do ponto de vista da críticae da história. Portanto, torna-se indispensável a discussão sobre odesenvolvimento econômico e as características do Estado brasileiro,tendo como elemento central da questão social no Brasil e da relaçãosociedade civil e Estado, as especificidades da burguesia nacionaldelineadas pela estrutura econômica dependente.

A particularidade da classe burguesa brasileira está associada aomodelo econômico que se desenvolve sob as marcas do neocolonialismoe das fortes determinações do capital externo. A análise do processo dedesenvolvimento econômico é feita através da passagem do padrãocolonial de crescimento econômico para o padrão de desenvolvimentocapitalista, o que não ocorreu linearmente, mas configurou-se muitomais na passagem do colonial para o neocolonial e, conseqüentemente,para o capitalismo dependente.

O período colonial brasileiro sofreu estagnação econômica e foidemarcado pelo contexto socioeconômico e político, sobretudo porquelhe impunha a característica de uma sociedade colonial. Um dos fortesaspectos desta economia é a sua tendência para a exportação de produtosnaturais – açúcar, tabaco, posteriormente ouro, diamante, etc. (PradoJunior, 1987).

A formação social é determinada de fora para dentro, e que tudodeveria corroborar para favorecer o mercado externo, desde asespeculações no campo produtivo e financeiro até o recrutamento demão-de-obra de índios e negros. O rompimento com este estatuto coloniale a criação de um Estado nacional constituíam-se e condição primordialpara mudanças na ordem econômica e social.

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Esse processo que demarcou a ruptura com o regime colonial,apesar de imbuído do espírito burguês, não tinha em pauta a defesa dedireitos sociais ou luta pela cidadania, mas somente livrar-se dos grilhõesda sociedade colonial marcada pela escravidão e pelo patrimonialismo.

Segundo Florestan Fernandes, duas etapas foram vividas nasociedade brasileira:

1º) a ruptura da homogeneidade da aristocraciaagrária; 2º) o aparecimento de novos tipos de agenteseconômicos sob a pressão da divisão do trabalho emescala local, regional ou nacional (Fernandes, 1975,p. 27).

As origens agrárias brasileiras impediram a noção decompetitividade, implicando na inexistência de um liberalismo genuíno.Este país apresentou-se como um Estado oligárquico que vai persistiraté a revolução de 1930.

A constituição da burguesia nacional nos interessa, sobretudoquanto ao fato de que a classe dominante brasileira, desde sua origem,nunca teve em seu ideário a luta e a garantia de cidadania e de democracia,pensada sob a luz de extensão de direitos sociais. Ao discutir o surgimentoda burguesia nacional, Fernandes (1975) faz referência ao movimentoabolicionista, localizando-o sobretudo como núcleos nos espaçosurbanos:

Por fim, destes núcleos é que partiu o impulso quetransformaria o antiescravismo e o abolicionismo numarevolução social dos brancos: combatia-se assim nãoa escravidão em si mesma, porém o que elarepresentava como anomalia, numa sociedade queextinguira o estatuto colonial, pretendia organizar-secomo nação e procurava, por todos os meios, expandirinternamente a economia de mercado (Fernandes,1975, p. 19).

O envolvimento da classe burguesa pelo fim do escravismo tevesua motivação na criação de condições políticas para a expansão da

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economia nacional e internacional, portanto não se tratava de umaconquista pelo ideário abolicionista.

A burguesia nacional sustentou-se e pôde adequar-se às novasdemandas econômicas por sua capacidade de readaptar-seestruturalmente. Esse processo de readequação que lhe permitiu superara própria crise do poder burguês, só foi possível por três aspectosexplicativos: a articulação com o mercado externo, a organização políticaprópria e o favorecimento do Estado na manutenção do poderioeconômico (Fernandes, 1975). Destas três, a última nos interessa maisde perto, por tratar-se do posicionamento do Estado em face damanutenção da ordem social vigente.

A possibilidade de converter o Estado em um eixopolítico de recomposição do poder econômico, sociale político da burguesia, estabelecendo-se uma conexãodireta entre dominação de classe, e livre utilização,pela burguesia, do poder político estatal daí resultante(Fernandes, 1975, p. 264).

As conseqüências disto são: a inexpressividade de forçasantagônicas com perspectivas de organizar-se sob a lógica decontraposição política e revolucionária e um rígido controle sob o processode organização das classes populares.

Características como a ausência de um projeto político nacional,fortalecimento externo das oligarquias regionais na organização políticae a repressão às formas de participação popular estão determinadas pelaforma como o Estado brasileiro organizou-se sob forte influência deuma burguesia frágil (sob a ótica de outros países), porém capaz deimprimir internamente uma força reguladora em relação aos interessesde outras classes sociais. A questão da repressão ou do enquadramentoe regulação é colocada no âmbito do controle senhorial:

Resguardava-se a sociedade do corrosivo espíritoburguês, fortalecendo-se os laços que prendiam oshomens aos seus níveis sociais aos correspondentescódigos de honra, e ao mito que o Brasil é sem a versãoautocrático parlamentarista do despotismo esclarecido(Fernandes, 1975, p. 165).

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A história brasileira foi demarcada pela separação entre a sociedadecivil e o Estado. Esta separação tem engenhosa ação da classe dominanteburguesa, que buscou identificar sua luta com o “direito naturalrevolucionário” (Fernandes, 1975, p. 302). E, também, com a capacidadede relacionar o conceito de nação a algo distante e abstrato do cotidianoda vida social, exceto apenas quando esta deve se interpor a favor deideário da minoria.

(...) a dominação burguesa não é só uma força sócio-econômica espontânea e uma força política regulativa.Ela polariza politicamente toda a rede de ação autodefensiva e repressiva, percorrida pelas instituiçõesligadas ao poder burguês, da empresa ao Estado,dando origem a uma formidável superestrutura deopressão e de bloqueio, a qual converte, relativamente,a própria dominação burguesa na única fonte de poderlegítimo (Fernandes, 1975, p. 303).

Ao apontar as características da burguesia nacional, o autor colocaque sua identidade com a modernidade e civilização era equacionadapor interesses particulares e, quando reclamado seu posicionamento afavor de outros grupos, responde de forma conservadora e reacionária:

que nos sirva de exemplo o tratamento das grevesoperárias da década de 1910, em São Paulo, com purasquestões de polícia; ou quase meio século depois arepressão às aspirações democráticas das massas(Fernandes, 1975, p. 206)1.

Cabe porém lembrar, que o mesmo autor considera a burguesia

1 A história oficial brasileira reserva pouco espaço para a ação dos movimentossociais que lutaram e expressaram necessidade de mudanças. Também fala-sepouco na forma de tratamento que as classes dominantes dispensavam a estasmanifestações, através de seu aparato repressivo. Apenas como exemplo valelembrar as lutas dos operários no período da velha república que, apesar de nãoter desenvolvido formas mais avançadas de organização, foram fortementereprimidas.

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brasileira como fruto de uma transmutação da oligarquia, chamada denova aristocracia, vulnerável e manipulável pela oligarquia conservadora.

A ênfase na caracterização nacional das classes dominantesjustifica-se pela intrínseca relação entre esta e o desenvolvimentocapitalista. No caso brasileiro, o comportamento particularista dos queconduziam o processo permitiu:

a continuidade da dominação imperialista externa; apermanente exclusão (total e parcial) do grosso dapopulação não possuidora do mercado e do sistemade produção especificamente capitalista; e dinamismoseconômicos débeis e oscilantes, aparentementeinsuficientes para alimentar a universalização efetiva(e não apenas legal) do trabalho livre, a integraçãonacional do mercado interno e do sistema de produçãoem bases genuinamente capitalistas, e aindustrialização autônoma (Fernandes, 1975, p. 223).

O potencial de luta, ou focos de tensão como são chamados porFlorestan Fernandes, era transmutado em relações de obediência e devercom os homens entre si e destes com seus senhores. Os instrumentos decooptação eram utilizados sob a forma de garantia de poder, riqueza eprestígio.

A competição continha alguma significaçãoestrutural e funcional apenas porque a dominaçãopatrimonialista-tradicional expunha os parentelos,como grupos ou através de seus chefes, uma constante

Del Roio em seu livro sobre a história dos movimentos sociais no Brasil coloca“Os primeiros anos do século assistiram a uma série de paralisações doproletariado, buscando melhores salários e, sobretudo, uma redução dalonguíssima jornada de trabalho. A parede dos tecelões na capital contou com25.000 adesões. Um número enorme para a época! Seguiram-se os sapateiros, osgráficos, os chapeleiros e os carroceiros (bloqueando a circulação). Também amarinha mercante parou em protesto contra o recrutamento forçado para amarinha de guerra, havendo embates em todos os portos. Entre derrotas e vitóriasparciais, quase sempre coibido o movimento avançava”(cf. Del Roio, 1986,p.41).

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emulação na luta pela preservação ou pelo aumentode riqueza, de prestígio social e poder. Mas ela não semanifestava como um processo diferenciado e socialpercebido ou valorizado como tal. Ao contrárioconstituía um componente estrutural e dinâmico dasobrigações sociais que ligavam os homens entre si eao senhor... através das tradições, do dever de mandoou de obediência e da solidariedade moral (Fernandes,1975, p. 152).

O autor está preocupado com a passagem para uma nova ordemcompetitiva no Brasil e no cerne desta discussão está a tradiçãopatrimonialista, na qual o equilíbrio social se faz por solidariedade gestadasob formas autocráticas. Em sua análise, complementa as explicaçõespondo em pauta não apenas questões ligadas à identidade nacional, masespecificamente a relação entre as características particulares dosestamentos ou classes, que detinham o poder na condução dodesenvolvimento capitalista no Brasil.

Além disto, apontou as suas conseqüências como determinantespara a existência de um sistema econômico dependente, onde a exclusãosocial passou a ser uma marca que se perpetuou em todas as suas etapas.Agrega-se a esta marca, a repressão aos movimentos populares queestampavam a necessidade de medidas governamentais nesta área. Oestudo da configuração econômica e política de tal forma imbricada,como apresenta Fernandes (1975), é difícil de ser superada. Porém valefazer menção aos contornos políticos que demarcaram a história doBrasil.

Tais contornos foram analisados por pesquisadores diferentessob marcos também diferenciados. Ianni (1971) realiza uma análise apartir das rupturas nas estruturas políticas e econômicas. Para o autor operíodo entre a Primeira Guerra Mundial e o Golpe de Estado de 1964,ocorreram fatos que demarcam tanto as rupturas, quanto astransformações institucionais importantes. Das citadas por Ianni, cabedestacar a relação entre o aceleramento da indústria com uma políticade massas. As décadas anteriores ao Golpe militar foram marcadas porforte populismo e, ao mesmo tempo, foram organizando-se os partidospolíticos de esquerda:

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Em conseqüência a nova organização do poder,característica da ação política, floresceram atividadespolíticas e culturais, criando uma cultura urbanadiferente e mais autenticamente nacional. Ao mesmotempo, desenvolveram contradições econômicas,políticas e sociais e criaram organizações políticas deesquerda (Ianni, 1971, p. 9).

No período posterior ao governo Getúlio Vargas, nos anos de 56a 60 governado por Juscelino Kubitschek, houve uma junção de interesseseconômicos dominados pelos ditames do capital externo com amanutenção de uma política de massas. Não mais de conotação nacional,este período foi importante para o fim da proposta de desenvolvimentode caráter nacionalista. Naturalmente a passagem de um projeto queinvocasse o nacionalismo foi sendo substituído em função deacontecimentos no campo internacional.

Segundo Ianni (1971), as principais causas foram: a possibilidadede o Brasil ser independente e ter ascendência sobre os países da AméricaLatina e a liderança norte americana sobre o mundo capitalista e, ainda,os acordos internacionais definirem sua liderança exclusiva sob a AméricaLatina. Do ponto de vista da política interna, um aspecto que punha emrisco a segurança do poderio econômico, foi a ascensão de movimentosde esquerda que ameaçavam a ordem e o poder burguês. A participaçãopopular após a década de 1940 foi se modificando motivada pela lutapolítica que exigiu tanto da direita como da esquerda novas estratégiasde luta pelo poder:

Embora o populismo ainda perdurasse muito alémde 1945, aceitando as pressões populares emanipulando seus anseios em nome da ordeminstituída, parece claro que as alianças partidáriasexperimentavam o impacto causado pela crescenteforça das reivindicações dos trabalhadores (Vieira,1987, p. 202).

2 No livro “Estado e Miséria Social no Brasil - de Getúlio a Geisel”, Evaldo Vieirafaz importantes associações entre aspectos econômicos e políticos no Brasil e ainstituição e implementação de políticas sociais.

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A relação entre Estado e sociedade civil foi tomando contornosdiferentes numa mescla de ditames econômicos e políticos externos,mudanças nos interesses da economia interna, sobretudo com a passagemdo modelo agro-exportador para o urbano industrial, a multiplicação deinstauração e ações de grupos políticos de esquerda e a organização dostrabalhadores urbanos. Desta forma, puderam-se ver no cenário nacionallutas políticas associadas a projetos de modernização exigidos pelodesenvolvimento urbano industrial e a constituição de um proletariadourbano que passam a apresentar, de forma mais pontual, suasreivindicações por melhores condições de vida e trabalho.

O Estado Militar, que teve início em abril de 1964, buscou aestabilização econômica com prevalência no investimento urbanoindustrial. Com ele, implantou-se um regime de repressão que acaboupor desagregar o nacional populismo que vigia até então. A análise deCelso Furtado recolocada por Cardoso, indica a reação dos atorespolíticos de então sobretudo das classes médias que passaram adesenvolver as seguintes ações:

a) luta pela retomada da democracia formal;b) tentativas, a partir da juventude, de mobilizaçãodas massas especialmente as rurais, para contrapor-seao Estado Militar;c) infiltração do estamento militar por ideologiasfavoráveis ao desenvolvimento autenticamentenacional, ideologias estas que também encontram baseem setores de classe média (Cardoso, 1993, p. 59).

Neste sentido, não apenas as formas de repressão e controle doEstado deram conta de conter as pressões, foram necessárias a inclusãode algumas forças sociais tais como: as classes médias e alguns setoresdas Forças Armadas. Caminharam de forma plasmada o projetoeconômico dependente associado3 e o processo político. O modelopolítico por um lado associava as classes médias com o projeto de umdesenvolvimentismo industrial dependente e, por outro, um sistema3 Ianni no livro “O Colapso do Populismo no Brasil” (1971) ao falar sobre os

modelos de desenvolvimento do Brasil denomina-os de exportador, substituição,associado. O modelo associado refere-se ao período da ditadura militar no qualhá a combinação de empresas brasileiras e estrangeiras.

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repressor que desativou organizações de classe com forte característicade uma sociedade politicamente fechada. Os instrumentos para isso,além da repressão militar, foram a centralização administrativa e aburocratização do Estado.

A abertura política e a reconstrução do Estado de Direito traz àtona a discussão da relação Estado e sociedade civil, agora dentro dasconformações da democracia. As características, que este novo momentopolítico vai ter, estão diretamente associadas a outros momentos devivência democrática no país.

Nas décadas de 1940 e 1950 a defesa da democracia tinha emseu cerne a preocupação de incorporar a classe trabalhadora ao processopolítico com o objetivo de controlar as pressões por elas exercidas sobreo Estado.

O período do populismo apresentou uma forma de relação entreo Estado e a população. A marca deste período era o trato direto com aslideranças populistas e as reivindicações de massa. Weffort (1978), aoanalisar o processo de democratização no Brasil, coloca a década de1940 como o período em que a democracia rompe com o simplesformalismo e vai tomando os contornos de uma participação popularefetiva.

O mesmo autor, porém, aponta para os limites desta forma deorganização, ressaltando o fato de o Estado apresentar-se multifacetadoe emaranhado de compromissos com os vários segmentos tanto da direitaquanto da esquerda. Um dos problemas deste tipo de organização oudesorganização participativa é que as massas ficam à mercê demanipulações de cunho clientelista, semelhantes aos utilizados pelocoronelismo, também difundidos nos espaços urbanos.

Para Furtado (1979), esta prática democrática pode ter sidodeterminada tanto pelo ritmo lento pelo qual se instituiu a democraciaformal no Brasil, quanto pela resistências em torno de uma organização,em que as chamadas massas populares pudessem expressar seusinteresses.

A defesa da democracia passou a ser bandeira dos mais diversosgrupos intelectuais4 e da classe dominante. Para estes últimos, a

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4 A relação dos intelectuais e a democracia foi tratado por Pécaut em seu livro “Osintelectuais e a Política no Brasil - Entre o Povo e a Nação” (1990). Ao analisaros anos 54-64 aponta para a pouca participação política partidária deste segmentoe a defesa da democracia real, identificando o povo à nação.

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democracia significava a possibilidade de melhorar as relações econômicasde domínio externo, portanto passaram a compor grupos organizadoscomo a Ação Democrática Popular – ADEP (Resende, 1996).

Alguns grupos de esquerda entendiam que o cerne da luta deveriaser a possibilidade de a população constituir-se em sujeitos políticos detransformação e a questão da democracia não compunha estes interesses,ao contrário, significava aspectos a serem superados para a constituiçãode um novo projeto nacional. A democracia passou a ser utilizada peladireita como instrumento de desarticulação e enfrentamento dos gruposopositores, chegando ao final da década de 1960 como proposiçãooposta à idéia de transformação social:

Por um lado, o regime militar e seu grupo de poderinsistiam em que suas medidas ditatoriais eram aexpressão da verdadeira democracia que convinha aopaís. Por outro, parte da esquerda mostrava-seempenhada numa transformação revolucionária e nãovia com bons olhos qualquer menção à palavrademocracia (Resende, 1996, p. 36).

A construção de uma sociedade democrática, que historicamentesempre foi frágil no Brasil, demandaria a participação efetiva da classetrabalhadora no processo político. Isto significaria a emergência dosmovimentos sociais o que foi intensificado a partir do final da década de1970 e nos anos 80. Sader (1988) destaca a importância dos movimentossociais organizados.

O destaque não foi apenas para a diversidade de sujeitos políticosque permitiu uma característica própria para o fim da ditadura militar,mas sobretudo a politização das lutas que foram de inicio mais pontuaiscomo o movimento sindical, as comunidades eclesiais de base, asassociações de moradores e foram transformando-se em lutas pelareconstrução do Estado de Direito no Brasil.5

Se por um lado, o processo que deu fim ao autoritarismo militarpode ser visto como uma concessão deste regime, gerando uma liberação

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5 Sader em seu livro “Quando os Novos Personagens Entram em Cena” (1988)cumpre um papel importante ao delinear a participação dos movimentos sociaisorganizados no processo de redemocratização do Brasil.

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controlada e negociada dentro do próprio Estado, por outro lado, aimportante reação da sociedade civil organizada, oportunizando suasforças adquiriu capacidade de resistir ao autoritarismo. Neste sentido, aabertura democrática significou um movimento dialético de confronto ecorrelação de forças.

Por se tratar de um processo de lutas e conquistas, a democraciano Brasil foi suscitando adjetivações como participativa, democraciacomo ação política, democracia social, indicando a necessidade dearticular as diversas dimensões institucionais, econômicas e políticas.

Estas dimensões estão postas por Chauí (1997) ao discutir ascondições sociais para a democracia. Mais do que a defesa da liberdade(bandeira dos liberais) ou da igualdade (bandeira das esquerdas) ademocracia deve ser entendida como uma forma de vida.

Se, na tradição do pensamento democrático,democracia significa: a) igualdade, b) soberaniapopular, c) preenchimento das exigênciasconstitucionais, d) reconhecimento da maioria e dosdireitos da minoria, e) liberdade, torna-se óbvia afragilidade democrática no capitalismo (Chauí, 1997,p. 141).

Segundo a autora, deve-se acrescentar a esta discussão pendularentre a igualdade e a liberdade, a questão da exploração de classe e opapel do Estado nela, o que necessariamente, remeteria a pensar aalienação e o Poder.

Três sujeitos estão postos nesta discussão: o Estado, a sociedadecivil e a sociedade política, cujo caminho para a democracia seria apossibilidade de uma atuação rumo à hegemonia das classes populares eà “vida social como coisa pública” (Chauí, 1997, p. 183). Está implícitanesta colocação a concepção de Estado pulsando a correlação de forçase expressando as lutas das minorias e seus movimentos mais amplos epopulares, superando o modelo de grupos de pressão que tinha vigoradoaté então no Brasil.

O estudo das políticas sociais no Brasil, mais especificamentedestas como resultado da relação Estado e sociedade civil, suscitou esterápido estudo sobre o Estado brasileiro, na sua constituição econômica

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e política. Se por um lado, a política social é uma invenção do modocapitalista de produção e do governo liberal, por outro, a história nosmostra a necessidade de existir sujeitos sociais que engendrem lutas econquistas para a constituição de direitos sociais. No caso brasileiro foinecessário plasmar a luta por liberdades democráticas e o aprimoramentode direitos políticos com a garantia de direitos sociais.

ABSTRACT

This article is concerned with the Brazilian social policies based on thehistorical and structural determinations of the Brazilian economic andpolitical model, defined by the relation between the State and the civilsociety.

Key-words: Social Policies; Brazilian State; Welfare State; Civil Society.

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Conceito de participação comunitária

A participação comunitária vem sendo defendida por diferentesgovernos como uma estratégia para enfrentar as mais diversas situações.No entanto, não existe um consenso claro sobre o significado daparticipação. A conotação ideológica que perpassa este conceito fazcom que haja diversas e mesmo contraditórias interpretações sobre seuspossíveis significados.

A participação pode se manifestar de diferentes formas: comopressão junto a instituições oficiais com o intuito de obter respostas parademandas localizadas; como consulta; como ação direta; comocontribuição em dinheiro ou em mão de obra; como aumento daorganização e da consciência política; como compartilhamento deresponsabilidades ou de informações (Batley, 1983, p. 7).

Apesar da diversidade de interpretações, uma distinçãoimportante pode ser feita entre aqueles que identificam participaçãocomo um meio e aqueles que a identificam como um fim.

Quando participação comunitária é interpretadacomo um meio, ela geralmente torna-se uma forma demobilização que visa um determinado objetivo.

PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIAUma Proposta de Avaliação

Maria Angela Silveira Paulilo*

RESUMO

Este artigo traz uma proposta de referencial teórico para análise daparticipação comunitária em projetos de desenvolvimento urbano,particularmente, projetos habitacionais.

Palavras-chaves: participação comunitária; habitação; avaliação.

* Assistente Social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutoraem Serviço Social pela PUC-SP.

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Quando participação é identificada como um fim, oobjetivo não é algo fixo e quantificável mas umprocesso cujo resultado é uma crescente e significativaparticipação no processo de desenvolvimento.[...] Naverdade, não é a avaliação da participação como ummeio ou como um fim que importa, mas a identificaçãodo processo através do qual participação como ummeio revela a capacidade de se desenvolver emparticipação como um fim (Moser, 1989, p. 84).

Esta discussão inclui, portanto, um componente de“empowerment”, que em uma tradução livre, poderia ser entendido comoaumento de poder. Inclui ainda um processo de tomada de decisão e asdiversas instâncias do exercício do poder. No entanto, uma vez que aparticipação encontra-se sempre relacionada à alguma ação, sua avaliaçãodeve estar estreitamente ligada aos canais através dos quais ela éimplementada, aos objetivos alcançados, à forma como é definida e aosinstrumentos através dos quais seus resultados podem ser mensurados.

A avaliação da participação comunitária em projetoshabitacionais

Uma questão freqüentemente colocada na análise daparticipação comunitária diz respeito à mensuração de seus alcances ede sua intensidade. As organizações comunitárias variam na forma atravésda qual trabalham, no nível de mobilização que alcançam, nos objetivosque estabelecem e na sua capacidade de redistribuir oportunidades erecursos em favor dos grupos que elas representam. Devido à diversidadede práticas de participação comunitária, torna-se difícil defini-la, analisá-la e, mais ainda, avaliá-la. No entanto, o estabelecimento de um referencialteórico para esta análise é fundamental.

Paul (1987) realizou um estudo sobre a experiência do BancoMundial em projetos nas áreas de habitação, saúde e nutrição e irrigação.Foi selecionada uma amostra de quarenta projetos que incluíam, deforma potencial, a possibilidade de participação comunitária. Nem todosos projetos, no entanto, incorporaram a participação comunitária emsuas estratégias e nem todos aqueles que a adotaram obtiveram resultados

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totalmente satisfatórios. Para os propósitos desse estudo, Paul propôsum referencial teórico cujo foco se voltou para os objetivos, a intensidadee os instrumentos da participação comunitária e para a inter-relaçãoentre estes componentes. É este referencial que apresentaremos a seguir.

De acordo com este autor, participação comunitária pode servista como um processo que serve a um ou mais dos seguintes objetivos:

a) Empowerment: em uma tradução livre, a palavra traz osignificado de aumento de poder, ou, em uma tradução literal, seria“empoderamento”. O alcance deste objetivo leva a uma distribuiçãoeqüitativa de poder e a um alto nível de consciência e de força política. Aparticipação comunitária seria, desta forma, um meio de habilitar pessoasa iniciar ações baseadas em sua própria iniciativa e organização e, assim,influenciar os processos e os resultados do desenvolvimento.

b) Capacity building: seria a capacidade de implementação ougerenciamento de um projeto. Este objetivo inclui o compartilhamentode tarefas relacionadas à administração do projeto, através da assunçãode responsabilidades operacionais, como, por exemplo, seumonitoramento ou sua sustentação.

c) Eficácia: a participação comunitária pode ainda resultar emum aumento da eficácia do projeto, ou seja, quando o envolvimento dosusuários contribui para um projeto mais adequado, um projeto no qualos serviços propostos correspondem e atendem as necessidades dosusuários.

d) Eficiência: ocorre quando a participação comunitária é utilizadapara facilitar o fluxo do projeto através da promoção de consenso, dabusca de cooperação e interação entre os usuários e entre eles e asinstituições responsáveis, com a finalidade de reduzir atrasos, minimizarcustos e manter metas e prazos estabelecidos.

e) Compartilhamento de custos: dá-se quando a participaçãocomunitária significa que os usuários deverão contribuir com dinheiroou mão de obra ou assumir a manutenção do projeto, visando obarateamento de seu custo.

Estes objetivos podem sobrepor-se em situações reais, uma vezque a participação comunitária pode ser utilizada para o alcance de umou de todos eles. Um objetivo como empowerment incorporanecessariamente alguns dos outros. Já a busca da eficiência não levanecessariamente a uma situação de empowerment. Os objetivos

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relacionam-se a outras dimensões de um projeto tais como intensidade einstrumentos.

Intensidade pode ser definida, um tanto vagamente, como osníveis de envolvimento dos usuários em um projeto particular ou emuma particular etapa de um projeto. Podem ser identificados quatroníveis de intensidade, em ordem crescente: compartilhamento deinformação, consulta, tomada de decisão e iniciativa de ação. Eles podemvariar de acordo com a natureza e o desenho do projeto e conforme ascaracterísticas dos usuários.

Instrumentos são aqui entendidos como agentes cujas funçõestêm por finalidade promover a organização e a manutenção daparticipação comunitária. Estes agentes podem ser agrupados em trêscategorias: trabalhadores da instituição responsável pelo projeto,trabalhadores comunitários e grupos de usuários.

A análise dos objetivos e dos resultados da participaçãocomunitária traz à tona a questão da possibilidade dela promover ou nãoa transferência de poder e alcançar melhorias reais nas condições de vidados usuários envolvidos. De acordo com Hall (1988) muitos são osobstáculos para o alcance da participação e alguns limites podem seridentificados e relacionados a aspectos operacionais ou estruturais.

Aqueles que compreendem a participação comunitária apenascomo meio para facilitar o fluxo de um projeto ao longo de linhaspreviamente estabelecidas, tendem a superestimar os limites operacionaisdemonstrando uma percepção essencialmente instrumental ou mecânicade participação. Aqueles que defendem que a verdadeira participaçãocontempla o compartilhamento do poder e a tomada de decisõesenfatizam os limites sócio-políticos ou estruturais. Estes obstáculosincluem um sistema desigual de posse de terra, uma distribuição desigualde renda e a prevalência de interesses que perpetuam as desigualdadessociais.

Tem-se, portanto, que a participação comunitária pode sempreapresentar, ainda que potencialmente, dimensões que vão além do acessoa benefícios materiais e do alcance de objetivos imediatos. Umaabordagem não dicotômica entre meios e fins e a ênfase na participaçãocomunitária em todas as fases do ciclo de um determinado projeto podedirecioná-la para a consecução de objetivos cada vez mais amplos e maiscomplexos.

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ABSTRACT

This essay outlines a theoretical framework on which communityparticipation analysis in urban development projects can be based,particularly, the housing ones.

Key-words: community participation, housing, evaluation.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATLEY, R. Participating in Urban Projects: meanings and possibilities.In: MOSER,C. (Ed.). Evaluating Community Participation in UrbanDevelopment Projects. Development Planning Unit Working Paper,London, n. 14, p. 7-11, 1983.

HALL, A. Community Participation and Development Policy: asociological perspective. In: HALL, A.; MIDGLEY, J. (Eds.)Development Policies: sociological perspectives. Manchester :Manchester University Press, 1988.

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PAUL, S. Community Participation in Development Projects - The WorldBank Experience. World Bank Discussion Paper, Washington, n. 6,1987.

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RESUMO

O presente relato pretende divulgar o trabalho do Serviço Social noProjeto de Extensão: “Atuação junto ao Programa Promotorias de Justiçadas Comunidades”, que tem como principais objetivos subsidiar oMinistério Público na delimitação dos problemas das comunidadesatendidas em Londrina e definir um novo campo de atuação para aprofissão.

Palavras-chaves: Serviço Social nas Promotorias de Justiça; garantiasconstitucionais; direitos sociais; cidadania; acesso à justiça.

O SERVIÇO SOCIAL JUNTO AS PROMOTORIASDE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES DE

LONDRINA*

Dione Lolis**

INTRODUÇÃO

A atuação do Serviço Social junto ao Ministério Público há doisanos atrás era inédita. Até então a instituição requisitava os serviços deprofissionais da área, vinculados às Secretarias de Justiça e prefeiturasdos municípios, para elaboração de pareceres que informassem osprocessos em andamento ou para compor equipe de investigação dedenúncias. Em 1998 o Ministério Público do Paraná passou a ter

* A experiência apresentada é o resultado do trabalho de seis estagiárias que atuamno Projeto de Extensão da UEL (Amanda X. J. A. Pina, Joana Antiszko, JulianaA. M. Ribeiro, Luciana Mano, Maria de Lourdes Koga e Nisa Vargas), deestagiárias que atuaram em anos anteriores (Ana Paula Botaro, Eliana V. B.Faria, Silvana C. de Oliveira, Sílvia Valéria C. de Mello e Soimar Gubert), daatual supervisora, Márcia Pastor, da supervisora que atuou no primeiro ano doProjeto, Mari Elaine L. Teixeira, e da coordenadora, Dione Lolis.

** Assistente Social/Professora Auxiliar do Departamento de Serviço Social daUEL. Mestranda em Serviço Social na PUC-SP. Coordenadora do Projeto deExtensão “Atuação Junto às Promotorias de Justiça das Comunidades” deLondrina.

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Assistentes Sociais em seu quadro de servidores em oito Promotorias deJustiça da capital, sendo uma delas a Promotoria de Justiça dasComunidades de Curitiba.

Anteriormente a essa atuação a Universidade Estadual deLondrina, através do Departamento de Serviço Social, apresentou oProjeto de Extensão: Atuação Junto às Promotorias de Justiçadas Comunidades, como um desafio à abertura de um novo campode exercício profissional frente às novas demandas que vem sendocolocadas na atualidade. O breve relato da intervenção realizada nosdois últimos anos nesse novo campo de atuação é o principal objetivodeste trabalho.

1 O Ministério Público e o Programa Promotorias deJustiça das Comunidades

Com a Constituição Federal de 1988 o Ministério Público sofreualterações significativas em relação às anteriores. Adquiriu liberdade,autonomia e independência funcional de seus órgãos para a defesa dosinteresses indisponíveis do indivíduo (em geral) e da sociedade, da defesada ordem jurídica e do próprio regime democrático, em detrimento dadefesa dos interesses individuais (secundários, da administração) oudos governantes. Ainda, o Ministério Público tem capítulo próprio, éindependente dos Três Poderes e alguns autores o consideram “quase”como um “quarto poder”.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, no caput doartigo 127, o Ministério Público tem a função de Defesa da ordem jurídica,do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.No Artigo 129, Inciso II, cabe a ele Zelar pelo efetivo respeito aos PoderesPúblicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados naConstituição (...)

Segundo Hugo Mazzili (1989, p. 21), no exercício de suas funçõeso Ministério Público deve chegar ao povo de forma mais ampla possível,para que saiba este o que não está fazendo mas deveria fazer, quais seusinstrumentos de trabalho, quais suas garantias, quais suas principais falhase qualidades, bem como suas mais prementes necessidades ereivindicações.

Representantes do Ministério Público passaram a preocupar-se

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em estabelecer essa aproximação entre a instituição e aquelascomunidades constituídas de pessoas com maior dificuldade de acessoà Justiça, proporcionando a adoção imediata de medidas administrativase judiciais destinadas à resolução dos conflitos individuais e coletivos.Medidas estas inseridas nas várias áreas de atuação institucional, bemcomo, de atendimento e orientação à população no sentido de informá-la sobre seus direitos e respectivos instrumentos de defesa, no exercícioda cidadania.

O Ministério Público, prioritariamente, busca atender nas áreas:criminal, cível, da criança e do adolescente, da saúde, da educação, daprevidência social, da assistência social, das pessoas portadoras dedeficiência, da família, do consumidor, do meio ambiente, da saúde dotrabalhador e da reparação do dano resultante de crime. Para efetivar areferida aproximação foi instituído o Programa Promotorias de Justiçadas Comunidades pelo então Procurador de Justiça do Estado do Paraná,Dr. Olympio de Sã Sotto Maior Neto, inicialmente em Curitiba, capitaldo Estado, em 1995, e depois em outras cinco cidades do interior, sendoa segunda implantada em Londrina, no mês de novembro de 1996(Paraná, 24/05/95).

Atuam no Programa Promotorias de Justiça das Comunidadesde Londrina doze Promotores de Justiça (de diversas Varas, tendo umcoordenador), dez estagiários do Curso de Direito da UEL (em convêniocom a Prefeitura do Município), um Advogado, cedido pelo Município,e a equipe de Serviço Social do Projeto de Extensão da UEL.

As ações do Programa desenvolvem-se através da realização deplantões de atendimento semanais, noturnos (das 19 às 22 horas), emtrês regiões da cidade. Locais estratégicos que concentram a populaçãocom os maiores índices de pobreza e dificuldades de acesso aosequipamentos sociais. São estas: Região Norte (com atendimento àsterças-feiras, na Escola Oficina do Conjunto João Paz); Região Sul (àsquartas-feiras, no CAIC do Jardim União da Vitória); Região Leste (àsquintas-feiras, no Centro Comunitário do Jardim Interlagos). A equipeque se desloca para estes plantões é composta de três estagiários docurso de Direito, um de Serviço Social e um Promotor. Os procedimentosdecorrentes das solicitações apresentadas acontecem em um escritóriocentral do Programa, próximo ao Fórum.

As maiores demandas atendidas nos plantões pela equipe doPrograma são individuais e as situações mais comuns são as seguintes:

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separação de casais, pensão alimentícia, documentação pessoal ebenefícios da previdência social.

2 O Trabalho do Serviço Social Junto as Promotorias deJustiça das Comunidades

Com a aprovação oficial do Projeto de Extensão: AtuaçãoJunto às Promotorias de Justiça das Comunidades, em maio de1997, o Serviço Social passa a desenvolver atividades nesse novo campoe conta desde o início com seis estagiárias (3 bolsistas do MinistérioPúblico e 1 da UEL), uma supervisora e uma coordenadora.

A atuação do Serviço Social, em consonância com as funções doPrograma coordenado pelo Ministério Público, tem como objetivosprincipais:

• subsidiar o Ministério Público na delimitação dosproblemas das comunidades;• promover ações conjuntas com dirigentesinstitucionais, conselheiros e lideranças dascomunidades no sentido de estimulá-los a exigir aefetivação das políticas públicas;• proporcionar campo de estágio aos alunos do cursoe a sistematização de conhecimentos na área.

Acrescentamos ainda que o Serviço Social, em conformidadecom a Lei de Exercício Profissional (Brasil, Lei Federal n. 8662/93), noartigo. 4o., estabelece entre suas várias competências que o AssistenteSocial deve atuar de forma a

V - Orientar indivíduos e grupos de diferentessegmentos sociais no sentido de identificar recursos ede fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesados direitos;

(...)IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos

sociais em matéria relacionada às políticas sociais, noexercício e na defesa dos direitos civis, políticos esociais da coletividade.

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Nas atribuições privativas do Assistente Social previstas no artigo5o. da mesma Lei consta:

XI - realizar vistorias, perícias técnicas, laudospericiais, informações e pareceres sobre a matéria deServiço Social.

A equipe de Serviço Social busca efetivar esses objetivos e funçõesrealizando desde o início os seguintes procedimentos metodológicos:elaboração de um banco de dados das lideranças, dos recursos e dosserviços disponíveis na comunidade de Londrina e região; triagem eatendimento da população nos plantões noturnos; realização deatendimento conjunto das solicitações de ordem jurídica (revisão deguarda, destituição de pátrio poder, etc.); organização de trabalhos desuporte às demandas apresentadas pelas lideranças das comunidades;tradução junto ao Ministério Público das demandas atendidas em áreascomo: saúde, assistência social, previdência social, educação, segurança,trabalho e lazer; elaboração do perfil das comunidades atendidas;disseminação das atividades do Programa e do Projeto junto àcomunidade externa e interna; e, por último, seleção e treinamento dosalunos interessados na temática em questão.

3 Demandas atendidas pelo Serviço Social

Entre as principais demandas atendidas pelo Serviço Social até omês de abril/99, quando o Projeto completou dois anos1, estão:Benefícios da Previdência Social (aposentadorias e pensões) e da LeiOrgânica de Assistência Social (Benefício de Prestação Continuada)representam 45,5% dos atendimentos; isenção de taxas e fotos paradocumentos pessoais 13,2%; cestas básicas de alimentos 6,7%;tratamento de usuários de substâncias entorpecentes 4,9%; vagas emcreche e escola 4,9%. Verifica-se ainda a presença de outros atendimentosmenos freqüentes dos quais citamos alguns: guarda e tutela de crianças;violência e maus tratos contra a pessoa; passe escolar; abandono depessoa doente mental, portadora de deficiência e idosa; cobrança de

1 Estamos solicitando junto à UEL a prorrogação do Projeto por mais doze meses,acrescentando a ele outras propostas de trabalho.

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mensalidade de creche; material escolar; medicamentos; problemasenvolvendo vizinhos; água potável em ocupações irregulares.

Tendo como referência os direitos e deveres individuais ecoletivos2, bem como os direitos sociais3, previstos na ConstituiçãoFederal de 1988, a demanda pode ser expressa por áreas, a saber:previdência e assistência social representa 45,5% dos atendimentos;criança e adolescente 13,7%; documentação pessoal 13,2%; e, saúde10,3%. Na maioria destes atendimentos as pessoas foram orientadas ouencaminhadas aos respectivos serviços existentes na cidade ou em outrosmunicípios.

Essas solicitações recebidas pelo Serviço Social e pelo Direito,em sua maioria, foram apresentadas individualmente pelos moradores.Mesmo com as constantes reuniões, visitas domiciliares e contatosrealizados pelo Serviço Social junto às comunidades e suas lideranças,um número muito pequeno de questões coletivas foram apresentadasnos plantões (muitas delas levadas diretamente ao Promotor, no Fórum).A equipe de Serviço Social, no entanto, buscou traduzir as demandasmais significativas, trazidas individualmente, como demandas coletivas.

Tendo em vista que a maior demanda apresentada ao ServiçoSocial refere-se aos benefícios previdenciários (aposentadoria, auxíliodoença) e de assistência social (benefício de prestação continuada aoidoso e a pessoas portadoras de deficiência), gerenciados pelo INSS,buscou-se a capacitação da própria equipe para responder de formamais rápida aos usuários através da orientação direta nos plantões(evitando deslocamentos desnecessários, buscando prestar informaçõesusando uma linguagem mais acessível), encaminhando, após triagem,somente os casos que atendiam à legislação.

No sentido de ampliar o acesso à informação a outras pessoas dacomunidade e lideranças, realizamos, em conjunto com técnicos do INSS,

2 Como direitos individuais e coletivos a Constituição Federal prevê, no CapítuloI, Artigo 5o, que Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquernatureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País ainviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e àpropriedade (...)

3 Como direitos sociais entendemos o que a Constituição Federal, no Capítulo II,Artigo 6o, prevê: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, asegurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistênciaaos desamparados, na forma desta Constituição.

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reuniões informativas sobre o conjunto dos direitos na área. De forma aavaliar a efetivação dos atendimentos àquelas pessoas encaminhadas aoINSS, efetuamos um levantamento junto às mesmas e verificamos que25,6% dos benefícios solicitados foram concedidos e 43,7% nãoconcedidos. Em 17,9% dos casos os solicitantes aguardavam o resultadodo recurso de revisão da não concessão e outros 12,8% desistiram, nãosouberam informar ou faleceram.

O quadro anteriormente apresentado e a avaliação das reuniõescom os interessados evidenciam a indignação da população quanto aosdireitos não efetivados. Não é nosso objetivo aqui realizar uma análisemais aprofundada desta situação.

Na área da criança e do adolescente as demandas foram diversas.A mais freqüente era a de serviços de creche. Esta reivindicação, trazidaindividualmente pelos moradores, passou a ser tratada de forma coletiva(além dos encaminhamentos individuais ) pela equipe de Serviço Social,que realizou uma pesquisa no segundo semestre de 1998 com o objetivode verificar a real necessidade do serviço no Município.

Os resultados e a análise da referida pesquisa subsidiaram acomunidade, através das suas representações, e o Ministério Público nosentido de acionar o órgão responsável pela execução da política na áreapara que se cumpra os direitos previstos na Constituição Federal e leiscomplementares (ECA, LDB, LOAS, Lei Orgânica Municipal). Damesma forma, no encaminhamento dos problemas apresentados emoutras áreas, buscou-se tratar as questões comuns de uma ou maiscomunidades de forma coletiva, informar e incentivar as lideranças aconhecer e enfrentar o descumprimento dos direitos sociais e individuaisem direção à construção da cidadania.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A atuação do Serviço Social junto ao “Programa Promotorias deJustiça das Comunidades” propiciou ganhos para a comunidade, para aprofissão e para a formação de alunos nessa área, que vem sendoapresentada como uma demanda emergente. Cabe aos profissionaisocupar e garantir esse novo espaço de atuação.

Como contribuição para as comunidades atendidas, através daconstatação e avaliação dos resultados pela equipe, pelas lideranças e

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população, verificamos ao longo da execução que o Projeto contribuipara o crescimento da demanda pelos serviços do Programa, para subsidiaras ações da comunidade junto ao Ministério Público. para maioraproximação da instituição junto a essa população e o exercício da defesados interesses sociais, individuais e indisponíveis. Garantindo o acesso àjustiça gratuita, à informação sobre os direitos sociais e individuais, bemcomo o acesso aos serviços sociais que estimulam a construção dacidadania.

Em relação à profissão, percebe-se o desenvolvimento de umareflexão teórica e prática em uma área que pode ampliar os espaços deatuação do Assistente Social. Pretende-se que essa experiência sejaamplamente disseminada no meio acadêmico e no interior da profissão.

Quanto à formação acadêmica, através do estágio no Projeto, omesmo contribui para a planificação da ação nesse campo de atuação e,inclusive, proporciona a observação e o conhecimento das práticasdesenvolvidas por profissionais de Serviço Social em outras áreas deatuação. Contribui, também, para o exercício da prática interdisciplinar,para o conhecimento e intervenção na real situação da população quevive em condições de pobreza e de extrema pobreza no município,favorecendo ainda o estudo de políticas sociais em diversas áreas.

Encontramos vários limites no desenvolvimento da ação nessecampo. É fundamental apontar aqui os dois principais. Um deles serefere ao nível de organização/mobilização das comunidades e arepresentação da população no processo de discussão e participaçãonas ações. Mesmo com os avanços já realizados, o maior envolvimentoda população e suas lideranças na construção da cidadania é um desafioque ainda se coloca para a profissão.

O outro principal limite encontra-se no interior do MinistérioPúblico e na “real” contribuição da instituição na constituição de direitose deveres dos sujeitos. De um lado, o descaso do poder público comseus munícipes e, de outro, a inércia da instituição, ainda presente, nosentido de usar os instrumentos de poder legal no sentido romper ostatus quo, de superar a pobreza e a injustiça social e promover certonível emancipatório para a maioria da população. Estes são os principaisdesafios para a disseminação de uma cidadania ainda distante nascomunidades atendidas.

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ABSTRACT

This report intends to disseminate the work carried out by the SocialWork in the research for the community project entitled “Performancetogether with the Public Prosecutor’s Offices of the delimitation of theproblems of the communities attended in Londrina as well as to define anew field of performance for the profession.

Key-words: Social Work in the Public Prosecutor’s Offices;constitutional guarantees; social rights; access to justice.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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RESUMO

O presente artigo refere-se a um levantamento realizado pelo Projeto deExtensão Universitária “Atuação Junto às Promotorias de Justiça dasComunidades”, cujo intuito foi identificar a demanda reprimida emcreches no município de Londrina e refletir sobre o direito de acesso aesta política de assistência.

Palavras-chaves: Promotoria de Justiça das Comunidades; direitossociais; creches; demanda por creches.

VAGAS EM CRECHESDemanda Potencial e Direito Social em Londrina-PR1

Márcia Pastor*

Dione Lolis*

INTRODUÇÃO

Com a Constituição Federal de 1988, determinou-se aoMinistério Público o papel de defensor dos interesses sociais e individuaisindisponíveis, bem como do regime democrático.

No intuito de atender a tal determinação, o Ministério Públicodo Estado do Paraná, através da Resolução 701/95, criou o ProgramaPromotoria de Justiça das Comunidades. A capital do Estado, Curitiba,foi a primeira a ver implementado tal Programa, seguida da cidade deLondrina, onde a Promotoria de Justiça das Comunidades foi instaladano mês de outubro de 1996.

* Professoras do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual deLondrina e responsáveis pelo Projeto de Extensão Universitária “Atuação juntoas Promotorias de Justiça das Comunidades".

1 Para o desenvolvimento da presente pesquisa contamos também com a colaboraçãoda Professora Marli da Silva Gomes e das estagiárias: Amanda X. J. A. Pina, AnaCristina de Oliveira, Joana Antizko, Juliana A. M. Ribeiro, Luciana Mano, Mariade Lourdes M. Koga, Nisa Vargas, Sílvia Valéria C. de Mello e Silvana Cordeirode Oliveira.

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O objetivo geral deste Programa é garantir a aplicabilidade dosdireitos sociais instituídos pela Constituição vigente, atuandoprioritariamente junto à população de baixos recursos que tem maioresdificuldades de acesso à justiça.

No caso de Londrina, a equipe de Serviço Social ingressou nestePrograma no primeiro semestre de 1997 através do Projeto de ExtensãoUniversitária “Atuação Junto às Promotorias de Justiça dasComunidades”, que vem sendo desenvolvido pelo Departamento deServiço Social da Universidade Estadual de Londrina – PR. Seu objetivoprincipal é assessorar o Ministério Público na delimitação dos problemasdas comunidades, incentivando-as a enfrentar o descumprimento daspolíticas públicas.

No intuito de concretizar este objetivo, a equipe de Serviço Socialque atua no projeto (composta por duas docentes e seis estagiárias)desenvolveu, dentre outras atividades, uma pesquisa para identificar ademanda por creches no município. O relato deste trabalho é o objetocentral deste artigo, que ora passamos a apresentar.

A NECESSIDADE DE VAGAS EM CRECHES: UMLEVANTAMENTO NA ÁREA URBANA DO MUNICÍPIODE LONDRINA

1 A motivação inicial e os procedimentos utilizados

O número de casos atendidos pelo Programa Promotoria deJustiça das Comunidades aumentou consideravelmente no decorrer de1998. Tal aumento da demanda também foi constatado pela equipe deServiço Social, que participa neste programa através do Projeto deExtensão Universitária “Atuação junto às Promotorias de Justiça dasComunidades”, coordenado pelo Departamento de Serviço Social daUniversidade Estadual de Londrina.

Até dezembro de 1998 foram realizados 694 atendimentos peloServiço Social, o que demonstra que este Programa já se tornou maisconhecido e requisitado pela população do município. Entretanto, taisdados refletem também o aumento das dificuldades enfrentadas pelapopulação, cada vez mais excluída de bens e serviços básicos necessáriosà sua sobrevivência.

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Dentre as diversas demandas dirigidas ao Serviço Social nodecorrer daquele ano, uma delas particularmente nos chamou a atenção:somente no 1º semestre, surgiram vinte e sete solicitações de vagas emcreches nas três regiões da cidade atendidas pelo Programa (a saber:zona norte, zona sul e zona leste).

Tendo em vista que tal solicitação está baseada em um dos direitossociais legalmente reconhecidos, a equipe do Projeto, buscando cumpriros objetivos supracitados, decidiu realizar um levantamento nas crechesdo município a fim de conhecer a demanda reprimida neste setor.

Sendo assim, a partir de agosto de 1998 iniciamos este trabalho,planejado inicialmente para as três regiões onde funciona o Programa.

Como instrumental para a coleta de dados, elaboramos umquestionário destinado às diretoras ou responsáveis pelas creches. Deleconstaram cinco perguntas que pretendia identificar: o número decrianças e a faixa etária atendida por cada creche, o número de criançasaguardando vaga, os critérios de atendimento e as principais dificuldadesenfrentadas por estas instituições.

O questionário foi acompanhado por uma carta informando seusobjetivos e foi entregue pessoalmente pelas estagiárias de Serviço Socialque puderam, assim, fornecer melhores explicações sobre o levantamento.Neste contato, marcou-se também um prazo para o recolhimento doquestionário (geralmente, em torno de 15 dias).

Na medida em que se estabelecia o contato com as instituiçõesde cada uma das três regiões, achamos por bem estender o levantamentotambém às regiões oeste e centro para que se pudesse conhecer aproblemática de falta de vagas no âmbito municipal. Além disto, nassolicitações recebidas durante os atendimentos nos plantões dos bairros,algumas mães demonstravam interesse também por vagas em creches daregião central da cidade, área que concentra grande número de empregos.

A coleta de dados nas cinco regiões do município se deu entreagosto e outubro/98, sendo necessária a prorrogação do prazo pararecolhimento dos questionários por várias vezes em algumas creches.

Os meses de outubro e novembro foram dedicados àsistematização e análise dos dados. Para esta tarefa, utilizamos as técnicasde comparação e de diferenciação das respostas fornecidas, além daconsulta aos dados censitários do município, ao Plano Municipal daAssistência Social para 1998, à legislação em vigor e a alguns textospertinentes à temática. Apesar do tempo escasso para uma análise mais

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aprofundada2, procuramos fazer uma reflexão crítica tendo por base oobjeto principal do estudo, qual seja, a demanda por vagas em crechesdo município.

Por fim, em dezembro/98 redigimos o Relatório Final dolevantamento, que foi encaminhado ao Coordenador do ProgramaPromotoria de Justiça das Comunidades e Promotor da Vara de Direitose Garantias Constitucionais da Comarca de Londrina.

A fase da comunicação dos resultados obtidos foi realizada nosprimeiros meses de 1999. Pretendíamos dar o retorno dos dados colhidosprincipalmente para aqueles que foram os informantes da pesquisa, ouseja, os dirigentes das creches.

Dada a impossibilidade da divulgação dos dados para cada umadas quarenta e seis instituições pesquisadas, optamos por fazer umaapresentação pública do Relatório Final do levantamento no “Fórumdas Entidades Assistenciais de Londrina”, organização que congregadiversas creches do município e tem representação no ConselhoMunicipal de Assistência Social. Neste espaço seria possível, além daprópria apresentação, a discussão dos resultados a que chegou o referidotrabalho, o que veio a ocorrer no mês de abril de 1999.

Os dados colhidos pelo levantamento, a reflexão sobre eles e suadiscussão no “Fórum de Entidades Assistenciais de Londrina” estãorelatados na seqüência deste trabalho.

2 A Realidade das creches pesquisadas

De acordo com o Perfil do Município de Londrina de 1997elaborado pela Secretaria de Planejamento e Fazenda – DPI/GPI,existem na área urbana desta cidade onze creches municipais3 e quarentae seis creches conveniadas4, totalizando cincoenta e sete instituiçõesdestinadas ao atendimento de crianças de 0 a 6 anos de idade5.

2 Cabe ressaltar que este trabalho foi desenvolvido concomitantemente aoatendimento realizado pelas estagiárias nos plantões e no escritório da Promotoria,além das demais atividades constantes do estágio curricular.

3 Mantidas e administradas exclusivamente pelo município.4 Administradas por organizações não-governamentais e mantidas com recursos

provenientes do município, do Estado e da comunidade.5 Na área rural do município existem mais duas creches, sendo uma municipal (no

distrito de Guaravera) e uma conveniada (no distrito de Irerê).

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Participaram do presente levantamento quarenta e seis creches6,dentre as municipais e conveniadas, assim distribuídas por região:

Gráfico 1 – Número de creches que participaram do levantamento

Portanto, este levantamento retrata a situação de 82,45% dascreches existentes no município, que estão a seguir relacionadas:

REGIÃO LESTE:Novo Amparo, Padre Domingos Rovedatti, Nossa Senhora de

Fátima, Santa Rita, Dr. Jorge Dib Abussafe, Marabá, Lar Anália Francode Londrina, Pindorama – NUSELON, São Pedro, Assistência LarEsperança/Estrelinha, Ida Garcia Pedriali – CEMIC, Associação Pais eMães do Conjunto Ernani Moura Lima, Tia Nelma – ABEM e SociedadeBeneficente Nossa Esperança (Guilherme Pires).

6 Na realidade, são 47 creches, pois a creche Maria Helena de Castro CostaGonzaga, da zona norte, possui 2 unidades (I e II). Porém, como foi respondidopelos responsáveis somente um questionário referente às duas unidades,computamos como uma creche.

0 2 2 02

6

10 912

5 4

40

05

10152025303540

CrechesMunicipais

CrechesConveniadas

Norte - 10

Sul - 11

Leste - 14

Oeste - 5

Centro - 6

TOTAL GERAL - 46

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REGIÃO SUL:Boa Esperança, Helena Ometto Jonnes, Centro Promocional e

Creche Aracy Soares Santos, Nísia Rocha Cabral, Associação Pró-Criança(Creche Jurema Neves Canziani), Lar Santo Antônio e Berçário MelvimJones, Imaculada Conceição, CAIC Dolly Jess Torresin, Iracema de BarrosMello, Padre Boaventura e Renascer (Antiga Arlete V. Richa).

REGIÃO NORTE:Lindalva da Silva Basseto, Débora Dias, Antonieta Trindade,

Regina Barros, Associação de Mães e Pais do Conj.Aquiles Stenghel/A.M.P.A.S., Menino Jesus, Escola Governador José Richa, Milton Gavetti,Associação Beneficente Amor e Paz /Pequeno Príncipe e Maria Helenade Castro Costa Januário – Unidades I e II.

REGIÃO CENTRO:Cidade da Criança, Branca de Neve, Quadrangular, Dom Geraldo

Fernandes, Creche Escola Rotary Haydée Colli Monteiro e Serviço deObras Sociais/ Creche Tia Maria Julia.

REGIÃO OESTE:Matilde Vicentini, Reverendo Jonas Dias Martins, Antônio

Augusto Farias, Escolinha Irmãs de Betânia e Núcleo de Amparo Cristão/Tia Dara7.

De acordo com o questionário aplicado, os dados coletadosreferentes à pergunta sobre o número de crianças atendidas demonstramque as quarenta e seis creches abordadas por este levantamento atendemum total de 4.884 crianças.

O número de atendimentos por região está assim constituído:

7 As instituições não retratadas pelo presente trabalho (por não terem devolvido osquestionários em tempo hábil ou por não terem sido contatadas em função dedúvidas quanto ao seu efetivo funcionamento) são as seguintes: na Zona Norte –Creche ABAC e Creche Guiomar Moreira (conveniadas); na Zona Sul – CrecheOuro Branco e Creche Metodista (Conveniadas); na Zona Leste – CrecheMunicipal Francisco Quesada Ortega, Creche Municipal Renascer da Esperançae Creche Municipal Santa Edwinges; na Zona Oeste – CAIC Jardim Santiago eCreche Benedita dos Santos (municipais); e no Centro – Creche Vitória MazettiDinardi (Conveniada).

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Gráfico 2 – Número de crianças atendidas nas creches por região

Estes dados revelam que as instituições conveniadas respondempela maior parte do atendimento às crianças (88,6%), enquanto que ascreches municipais cobrem somente 11,4% das vagas ofertadas.

A região sul, que não está entre as que têm maior número decreches, apresenta o maior índice de atendimento (1.312), seguida pelaregião leste (1.271) e norte (973).

Na zona norte o número de atendimento por creche varia de 60a 152 crianças. Há instituições que declaram atender além de suacapacidade, como a Creche Maria Helena C.C. Januário (Unidades I eII), que atende 127 crianças, mas tem capacidade para 120 crianças (ouseja, tem um excedente de sete atendimentos).

Há uma creche na zona sul que atende somente 30 crianças nafaixa de 0 a 3 anos (Creche Iracema de Barros Mello), mas a maioria dascreches desta região dão atendimento a um número superior a 100crianças, sendo as que apresentam maior capacidade a Creche NísiaRocha Cabral (com 196 crianças) e o CAIC Dolly J. Torresin (186crianças).

Das quatorze creches da zona leste, somente cinco atendem de118 a 130 crianças, enquanto que as outras nove atendem de 60 a 94crianças.

0

216102

0

240

973

1.0961169

608480

0

200

400

600

800

1000

1200

CrechesMunicipais

CrechesConveniadas

Norte - 973

Sul - 1.312

Leste - 1.271

Oeste - 608

Centro - 720

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Mesmo na região central da cidade as creches conveniadas dãoconta da maior parte do atendimento (480), enquanto que as crechesmunicipais registram menor número (240). Destacamos aqui a “Cidadeda Criança” (creche municipal, também conhecida como “Super-creche”),projetada para atender 500 crianças, que atende somente 180. A outracreche municipal (Branca de Neve) comporta apenas 60 crianças dafaixa etária de 03 a 06 anos.

As cinco creches conveniadas da região oeste atendem de 80 a160 crianças, sendo que a Creche Escolinha Irmãs de Betânia ofereceatendimento somente para a faixa etária de 03 a 06 anos.

Com isto, apresentamos também outra informação colhida poreste levantamento que diz respeito à faixa etária atendida, conformepodemos observar no gráfico abaixo:

Gráfico 3 – Faixa etária de atendimento pelas creches

FAIXA ETÁRIA DE ATENDIMENTO PELAS CRECHES

0 a 3 anos

0 a 7 anos

0 a 12 anos

3 meses a 9 anos

3 meses a 14 anos

2 a 7 anos

2 anos e 6 meses a 6anos3 anos a 6 anos

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Verificamos que 56,5% das creches corresponde à faixa etáriaproposta constitucionalmente (de 0 a 6 anos), mas outros 32,6%atendem somente crianças acima de 2 e 3 anos. Ressaltamos que uma

207

instituição oferece serviços apenas para crianças recém-nascidas e até 3anos de idade. Porém, outras quatro instituições dão atenção a criançase adolescentes maiores de 7 anos (até 9, 12 e 14 anos).

Outro dado importante que motivou a realização destelevantamento e que constou da terceira questão do questionário aplicadodiz respeito ao número de crianças aguardando vagas. Nas quarenta eseis creches, há um total de 2.454 crianças na lista de espera por umavaga, o que corresponde a 50% dos atendimentos oferecidos pelasmesmas.

A distribuição das solicitações de vagas por região apresentam-seda seguinte forma:

Gráfico 4 – Crianças aguardando vagas em creches por região

Consideramos que estes números representam apenas uma dasexpressões da demanda por vagas, pois acreditamos que a demanda realé muito maior que o índice levantado.

Vejamos alguns motivos que nos levam a esta ressalva:

0

247

98

0

347

568

360325

422

87

0100200300400500600

CrechesMunicipais

CrechesConveniadas

Norte - 568Sul - 607Leste - 423Oeste - 422Centro - 434

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• nem todas as mães deixam o nome de seus filhosna lista de espera, uma vez que não acreditam que umdia possam realmente ser atendidas devido ao númerode crianças que já estão aguardando vaga;• nem todas as creches fazem lista de espera ealgumas, como o Lar Anália Franco (Zona Leste),declaram encaminhar novas solicitações ao ConselhoTutelar;• provavelmente deve existir mais crianças na listade espera nas 10 creches que não participaram destelevantamento; e• a quantidade de crianças de 0 a 6 anos cujas famíliasse encontram na condição de “extrema pobreza” (comrenda até 1 salário mínimo mensal, conforme iremosdiscorrer posteriormente) e que possivelmentenecessitariam de creches, perfazem um total de 10.540crianças.

Mesmo assim, alguns elementos referentes a esta questão de faltade vagas merecem ser explicitados.

Na região sul, que apresenta o maior número de solicitações(607), a principal demanda está centralizada somente em um bairro, oJardim “União da Vitória”: 360 requisições de vagas são do CAIC DollyJ. Torresin e da Creche Imaculada Conceição, ambas localizadas nestebairro.

A “Cidade da Criança”, na área central da cidade, que atende 180crianças, tem outras 332 aguardando vaga.

Para exemplificar as ressalvas supra-citadas, utilizamos ainformação fornecida pela Creche Escola Governador José Richa, dazona norte da cidade. De acordo com esta instituição, há 100 criançasna lista de espera, mas só no Conjunto Violim (bairro em que a crecheestá situada) há 450 crianças que precisam de creche e escola.

Nas diversas regiões, várias creches têm uma lista de espera maiordo que a capacidade atual de atendimento, como por exemplo: a CrecheImaculada Conceição (zona sul), que recebe 130 crianças, tem mais150 na lista de espera; a Creche Antônio Augusto Farias e Reverendo

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Jonas Dias (zona oeste) atendem 128 e 160 crianças tem respectivamenteno aguardo de vagas, uma 153 e a outra 180 crianças; a creche SãoPedro (zona leste), que atende 60, tem outras 83 na lista de espera. Nazona norte, as creches AMP Conjunto Aquiles Stenghel e PequenoPríncipe recebem o maior índice de solicitações (145 e 150respectivamente), o que também equivale a mais que o dobro de suaspróprias vagas.

Ou seja, os dados demonstram que a falta de vagas em crechesdo município de Londrina é um problema gritante e requer ações maiseficazes por parte do Poder Público.

Este problema se agrava se compararmos esta solicitação de 2.454novas vagas com outra informação colhida por este levantamento, quese refere aos critérios de atendimento utilizados pelas creches.

Diversas instituições valem-se de mais de um critério paraselecionar novos atendimentos, que foram por nós sistematizados emcinco grandes itens, a saber:

Gráfico 5 - Critérios de atendimento utilizados pelas creches

39

32

11

7

11

Filhos de pais quetrabalham

Famílias com baixosrecursos financeiros

Crianças em condiçõesfamiliares, sociais efísicas comprometidas

Idade apropriada,necessidade e interessepela vaga

Localização eCondições de moradia

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No item “filhos de pais que trabalham fora” estão incluídos tantomães quanto pais que estejam trabalhando e não tem com quem deixaros filhos, nem condições de pagar uma creche particular.

O segundo critério abarca famílias com baixa renda familiar, sejade pais desempregados, de pais carentes, com renda per capita inferior a½ salário mínimo, seja de pais que apresentem renda familiar de até trêssalários mínimos.

Uma diversidade de condições de crianças em situação de risco:que necessitam de alimentos, filhos de mães solteiras, de pais separados,de pais presidiários, órfãos, ou cujas mães não trabalham devido aproblemas de saúde física e mental, compõem o terceiro critério.

Como quarto critério surgem os inscritos na lista de espera, osque já têm irmãos na creche, que pertençam à faixa etária de atendimentoe os que “necessitam de vaga”.

Por fim, o último critério considera crianças que moram em favelas,no bairro ou na região em que se localiza a creche.

Reconhecemos a necessidade de as creches estabeleceremcritérios para selecionar candidatos a novas vagas. Porém, diante daatual situação de pobreza em que mal sobrevivem grande parte dapopulação, entendemos que muitas das crianças que aguardam vagaspreenchem vários (senão todos) critérios pré-estabelecidos. Sabemos,portanto, que não é o fato de “preencher os critérios” que dá o acesso àvaga – se assim fosse, provavelmente as duas mil crianças em lista deespera já estariam dentro das creches. É somente quando se “abre” umavaga (quando a criança completa a idade máxima ou por motivo demudança da família para outra localidade) que se tem garantido o realacesso de uma nova criança à creche.

Diversas entidades pesquisadas informaram que gostariam deatender um número maior de crianças, mas que não podem fazê-lo poruma série de motivos que estão expressos na quinta e última pergunta doinstrumental utilizado como as principais dificuldades enfrentadas pelasinstituições.

A necessidade de recursos materiais, humanos e financeiros foienfaticamente ressaltada, conforme podemos notar na tabela que sesegue:

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A falta de conservação e ampliação do espaço físico, bem comoa falta de materiais (que vão de giz a colchonetes) foi apontada por82,6% das creches pesquisadas.

Algumas delas alegam que já vêm fazendo estes pedidos há tempo,como por exemplo a Creche Aracy Soares Santos, da região sul, queinforma ter a área necessária e um projeto pronto (planta do espaço a serampliado), mas que não consegue o investimento para a execução.

É importante notar que as instituições reconhecem a necessidade

Em Relação à Manutenção Física e Recursos MateriaisFalta de: manutenção, reforma, ampliação da estrutura física, móveis eutensílios (bancos, colchonetes, giz, quadro negro, mesa, tv)

Em Relação aos Recursos HumanosFalta de: Psicólogos, Assistentes Sociais, Pedagogos, Dentistas,Acompanhamento técnico, Área de saúde, Pessoal interno (atendentes,cozinheiras, serviços gerais), Recursos Humanos Capacitados,Qualificação dos funcionários, Baixos salários e mão-de-obraespecializada

Em Relação aos Recursos Financeiros NecessáriosAtraso de recursos financeiros, Recursos financeiros insuficientes,Mão-de-obra cara; Falta de colaboração da sociedade

Em relação à demanda X Vagas OfertadasVagas insuficientes em face da demanda

Em Relação à Administração PúblicaMorosidade nos casos de justiça, Morosidade da Administração Pública(Município, Estado e União), Falta de Apoio do Poder Público,Falta de isenção de taxas (água, luz e encargos sociais)

Em Relação às Famílias das Crianças AtendidasPouca compreensão por parte dos pais e responsáveis, Mães que nãocuidamda higiene dos filhos, Mães itinerantes

TOTAL

38

25

21

05

04

03

96

Tabela 1 - Principais dificuldades apontadas

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de contar, em seu quadro de funcionários, com profissionais de níveluniversitário (psicólogos, assistentes sociais, pedagogos, etc.) para ummelhor desempenho técnico. Esta preocupação com a qualidade doserviço a ser prestado também está demonstrada na solicitação dequalificação e capacitação dos funcionários, incluindo os de nível auxiliar.

No terceiro bloco podemos observar que o atraso no repasse deverbas públicas e a dotação orçamentária de diversas creches sãoinsuficientes para suas necessidades. Entidades conveniadas tambémapontam a falta de contribuição efetiva (financeira) por parte dasociedade civil.

Para exemplificar o problema da demanda x vagas ofertadas,reproduzimos a informação prestada pela Creche Maria Helena de CastroC. Januário (Unidades I e II), da zona norte da cidade, que atende nasduas unidades 127 crianças. Segundo a diretoria, só a “Unidade I (ChefeNewton) abrange uma área geográfica com nove conjuntos habitacionaise no assentamento São Jorge (terreno da Codel) serão construídas 753casas. Hoje lá está um grande assentamento e a procura para o início doano, quando as famílias tiverem posse do seu lote, será impossível de seratendida”.

Reclamações específicas quanto à morosidade e quanto à faltade apoio do Poder Público também foram pontuadas, como podemosobservar no quinto bloco. É em relação a este que se dirige também amaioria das solicitações apresentadas nos itens anteriores, embora nãode forma explícita.

Note-se que somente três casos foram considerados comodificuldades em relação às famílias das crianças atendidas, um índicequase irrisório se comparado à totalidade das outras dificuldadesapresentadas pelas creches pesquisadas.

Esperamos que esta sistematização dos dados colhidos possaajudar a elucidar o quadro da demanda reprimida nas creches domunicípio de Londrina e que sirva para sensibilizar os órgãos competentesdo Poder Público para ações de caráter emergencial diante daproblemática apresentada.

Afinal, o atendimento preferencial às necessidades das crianças,e principalmente das crianças em situação de pobreza não é e não deveser concebido como objeto da filantropia mas sim um direito legalmenteconstituído, como veremos a seguir.

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3. Reflexões sobre a demanda potencial por creches nomunicípio de Londrina

A pesquisa realizada pelo Projeto “Atuação junto às Promotoriasde Justiça das Comunidades” durante os meses de agosto a dezembrode 1998 demonstrou que as quarenta e seis creches do município deLondrina cuidam de um total de 4.884 crianças, sendo que 88,6% desteatendimento é feito pelas entidades conveniadas e 11,4% pelas crechesmunicipais.

Pelos critérios de atendimento adotados por estas instituições,subentendemos que as crianças são provenientes de famílias que recebemde 0 a 3 salários mínimos mensais.

Entretanto, se considerarmos os dados censitários do município,verificaremos que este índice está muito aquém da demanda potencialexistente pelo serviço de creche.

O Mapa da Pobreza do Paraná elaborado pelo IPARDES em1997 toma como referência o censo do IBGE realizado em 1991 (umnovo censo está previsto somente para o ano 2000).

De acordo com estes dados, existem na área urbana de Londrinaum total de 364.627 pessoas, o que equivale a 94.720 famílias residentesna área urbana da cidade.

Gráfico 6 - População urbana do município e total de criançasde 0 a 6 anos

TOTAL DA POPULAÇÃO URBANA: 364.627 TOTAL DE CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS: 54.549

85%

15%

POPULAÇÃO DAÁREA URBANA

TOTAL DECRIANÇAS DE 0 a6 ANOS

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Desta população total de 364.627 pessoas, estima-se que 54.549sejam de crianças de 0 a 6 anos de idade, ou seja, 14,96% da populaçãolondrinense encontra-se na faixa etária que universalmente necessitariade serviços de creche.

Sabemos, entretanto, que muitas destas 54.549 criançaspertencem a famílias que possuem considerável renda familiar, que podempagar creches e escolinhas particulares, ou cujas mães não precisamtrabalhar para auxiliar no orçamento doméstico.

Queremos esclarecer que, quando falamos em demanda porcreches, nos referimos principalmente às famílias de baixos recursos,que necessitam legitimamente dos serviços prestados pelas políticassociais públicas.

Recorrendo novamente ao Mapa da Pobreza do Paraná, queadota critérios das “Dimensões das Carências Sociais dos MunicípiosBrasileiros”, desenvolvido pelo IPEA/IBGE, reproduzimos aqui oscritérios utilizados para o entendimento de famílias em situação depobreza.

A linha da pobreza é definida quando a condição social do“chefe” do domicílio equivale à renda de até 2 salários mínimos e cujonível de instrução corresponde ao 1º grau incompleto. Temos em Londrina44.246 famílias na linha de pobreza (o que representa 46,71% do totalde famílias) e nestas encontram-se 24.279 crianças de 0 a 6 anos deidade.

Gráfico 7 – Número de crianças na linha da pobreza em Londrina

54.549

24.279 TOTAL DECRIANÇAS DE 0 A6 ANOS: CRIANÇAS NALINHA DAPOBREZA:

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Outro critério utilizado para selecionar ainda mais as carênciassociais é o da definição de extrema pobreza, que diz respeito às famíliasque ganham até 1 salário mínimo por mês. Nesta condição, estão inseridas10.450 crianças de 0 a 6 anos, um número assustador que equivale a19,2% do total de crianças nesta faixa etária.

Gráfico 8 – Número de crianças na linha de extrema pobrezaem Londrina

Se compararmos os dados quantitativos de crianças atendidasem creches apontados por este levantamento (4.884 crianças), com onúmero de crianças de 0 a 6 anos na linha da pobreza (24.279 crianças)e na linha de extrema pobreza (10.450 crianças), verificamos que háenorme defasagem neste tipo de serviço.

O número de crianças na linha de pobreza excluídas doatendimento em creches seria de 19.395 (ou 80%), enquanto que nafaixa de extrema pobreza ainda ficam excluídas 5.566 crianças (53,3%do total de crianças nesta condição)8.

54.549

10.450 TOTAL DECRIANÇAS DE 0 A 6ANOS:

CRIANÇAS DE 0 a 6ANOS NA LINHA DEEXTREMA POBREZA:

8 Se considerarmos os dados oficiais constantes do Perfil do Município de Londrina,as 57 creches cadastradas na Prefeitura oferecem atendimento a 5.574 crianças.Tomando este número por base, o déficit de atendimento em creches não seriatão diferenciado, uma vez que 77,04% de crianças da linha de pobreza continuamexcluídas, o mesmo ocorrendo com 46,6% de crianças na condição de extremapobreza.

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Há que se ressaltar, novamente, que as crianças já atendidaspossivelmente são oriundas de famílias que ganham até 3 salários mínimosmensais ou mais, conforme os critérios utilizados por cada creche.

Outro fator que também pode explicitar a demanda por vagas é ofator “mulheres chefes de família”. Recorrendo novamente aos dadosconstantes do Mapa da Pobreza do Paraná, verificamos que existem emLondrina 7.254 mulheres chefes de família que recebem até 1 saláriomínimo e possuem filhos de até 14 anos de idade.

Além das condições de “linha de pobreza”, de “extrema pobreza”e de “mulheres chefes de família”, podemos destacar também comocarentes as famílias residentes em assentamentos e ocupações domunicípio.

De acordo com os dados da própria COHAB–LD incluídos noPerfil do Município de Londrina em 1997, existiam 33.435 pessoasmorando nos assentamentos e ocupações das cinco regiões urbanas dacidade.

Se considerarmos a porcentagem arredondada de 15% do totalda população que compõe a faixa de 0 a 6 anos, teríamos uma estimativade 5.015 crianças nos assentamentos, que também constituiriam umademanda emergencial por vagas em creches.

Todos estes dados vêm demonstrar a demanda reprimida porvagas em creches do município e reforçam a necessidade de que talproblemática seja assumida como prioridade pelo Poder Público e pelasociedade civil.

Vale a pena, portanto, resgatar alguns elementos constantes doPlano Municipal de Assistência Social de 1998 para verificarmos aspropostas apresentadas para este exercício.

No que se refere ao atendimento à criança e adolescente, estePlano tinha como diretrizes garantir a defesa dos direitos da criança e doadolescente conforme as definições do ECA, assim como pautar a ofertados serviços na real necessidade e com vistas à superação da perspectivatradicional de cunho institucionalizador.

Com relação específica às creches, a proposta apresentava comometa a ampliação do número de atendimentos com a abertura de 720novas vagas. Isto ocorreria através do projeto de construção de cinconovas creches que ofertariam 400 novas vagas, e através da reforma e

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ampliação de quatro creches comunitárias, as quais elevariam o númerode atendimentos para 320 crianças9.

Além disto, dentre outras propostas, tinha-se como indicativo definanciamento para a área da criança e adolescente:

• a construção de equipamentos sociais;• a ampliação e reforma de unidades que atendessema crianças e adolescentes portadores de deficiência;• a construção de uma unidade de internamento paraos usuários de droga;• a construção de mais uma casa-abrigo para criançase adolescentes de rua.

Diante do exposto, seria necessário que se verificasse quaispropostas foram efetivamente concretizadas e como a sociedade civiltem acompanhado e fiscalizado o cumprimento destas metas e diretrizes.

Finalmente, cabe tecermos algumas considerações a respeito dalegislação existente em nosso país no que se refere à criança e aoadolescente.

Em primeiro lugar, destacamos a Constituição Federal, que emseu artigo 227 trata-os como prioridade absoluta:

É dever da família, da sociedade e do Estadoassegurar à criança e ao adolescente, com absolutaprioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária, além de colocá-los a salvo detoda forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.

Outro destaque da Constituição, no artigo 208 (Da Educação),se refere explicitamente à garantia do atendimento às crianças de 0 a 6anos em creches e pré-escolas, como segue:

9 Conforme Prefeitura do Município de Londrina – Plano Municipal de AssistênciaSocial para 1998, pág. 60.

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O dever do Estado com a educação será efetivadomediante a garantia de:

(...)IV – atendimento em creche e pré-escola às

crianças de zero a seis anos de idade.

A responsabilidade pela garantia do direito à educação (comodireito de todos), segundo a lei soberana, é do Estado e da família, coma colaboração da sociedade.

Para assegurar estes e outros direitos sociais estabelecidos pelanova Carta Magna, fizeram-se necessárias leis complementares queregulamentassem a aplicação destes direitos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069/90),promulgado em 1990, foi uma delas. Trata-se de um instrumento degarantia à prioridade absoluta não só pela nova concepção a respeitodas crianças e adolescentes brasileiros mas, principalmente, pela propostade envolvimento da sociedade civil com a população infanto-juvenil epelo reordenamento político institucional.

Entretanto, nele ficam claramente estabelecidas asresponsabilidades do Poder Público em diversas áreas e particularmentena que se constitui o objeto deste estudo (o direito à creche), como sepode verificar no artigo 54 do referido Estatuto.

O não-oferecimento ou a oferta irregular deste tipo de serviço épassível de ação cível pública, conforme dispõe o artigo 208, inciso III,deste mesmo Estatuto.

Com a aprovação da Lei de Diretrizes de Base da Educação (Lein. 9394), a atenção à criança de zero a seis anos passa a ser consideradacomo área da educação infantil (e não mais como área da assistênciasocial), tal como consta de seu artigo 29:

A educação infantil, primeira etapa da educaçãobásica, tem como finalidade o desenvolvimentointegral da criança até seis anos de idade, em seusaspectos físico, psicológico, intelectual e social,complementando a ação da família e da comunidade.

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O artigo 30 da mesma lei regulamenta que a educação infantilserá oferecida em:

I – creches, ou entidades equivalentes, paracrianças até três anos de idade;

II – pré-escolas para crianças de quatro a seis anosde idade.10

Da mesma forma a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n.8.742), publicada de 1993, adota as garantias sociais previstas naConstituição Federal e leva a reconhecer que todas as crianças eadolescentes são sujeitos de uma gama de direitos a seremconvenientemente atendidos, no sentido de garantir as necessidadesbásicas de sua sobrevivência.

Consta de seu segundo artigo:

A Assistência Social tem por objetivos:I – a proteção à família, à maternidade, à infância,

à adolescência e à velhice;II – o amparo às crianças e adolescentes carentes

(...).

É, porém, em um artigo posterior que se revela a prioridade quedevem merecer as crianças e os adolescentes:

Artigo 23. – Entendem-se por serviços assistenciaisas atividades continuadas que visem à melhoria devida da população e cujas ações, voltadas asnecessidades básicas, observem os objetivos, princípiose diretrizes estabelecidas nesta Lei.

Parágrafo único. Na organização dos serviços serádada prioridade à infância e à adolescência em situação

10 Note-se que a partir desta recente legislação, creche passa a compreender a faixaetária de zero a três anos (e não mais de zero a seis anos) e a pré-escola a faixa dequatro a seis anos, sendo que ambas são consideradas como básicas para o ensinofundamental.

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de risco pessoal e social, objetivando cumprir odisposto no art. 227 da Constituição Federal e na Lein. 8.069, de 13 de julho de 1990).

Com base nestes instrumentos legais e tendo presente a realidadedas creches demonstrada nesta pesquisa, comprova-se a insuficiênciadas instituições prestadoras de serviços à criança, bem como a parcialausência do poder local em priorizar as crianças que vivem nestemunicípio, mesmo aquelas que se encontram em situação de carênciamais aguda: 24.279 crianças na linha da pobreza e 10.450 crianças emsituação de extrema pobreza.

Se a primazia do atendimento a estas crianças carentes ainda nãoé efetivada, a universalização dos direitos, uma das diretrizes da LOAS,que pretende a extensão dos benefícios a todos que deles necessitarem,também não se concretiza como um fato.

O maior número de creches conveniadas dentre outros aspectosdiagnosticados através deste levantamento mostra a defasagem dosserviços públicos para o atendimento da população infanto-juvenil.

A compreensão da ação do município para viabilizar os direitosda criança e do adolescente no âmbito da políticas públicas é defundamental importância, porquanto

... nesta etapa de desemprego em massa e de privaçõesilimitadas, a intervenção estatal é imprescindívelpara concretizar os direitos sociais contidosna Constituição de 1988 (Vieira, 1997, p. 73 –grifos do autor).

A Universidade, vista geralmente como local de ensino, temtambém a função de produzir e de socializar conhecimentos sobre arealidade na qual estamos inseridos. O Projeto de Extensão Universitária“Atuação junto à Promotoria de Justiça das Comunidades”, através destetrabalho, procurou dar sua contribuição neste sentido.

Cabe agora a todos os sujeitos – sociedade civil, comunidades,Estado e Universidade – envidarem esforços para que os direitos sociaisinscritos na Constituição Federal e nas legislações complementares nãose transformem em “letra morta”, mas sim em efetivação da cidadania

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principalmente para aqueles setores da população mais ameaçados pelamiséria social que assola nossas cidades.

4 Apresentação dos resultados do levantamento junto aoFórum das Entidades Assistenciais de Londrina

Ao término da elaboração do Relatório Final do presentelevantamento, em dezembro/98, o mesmo foi encaminhado prontamenteao Promotor da Vara de Direitos Constitucionais da Comarca de Londrina,que também coordena o Programa Promotorias de Justiça dasComunidades em nível local. Posteriormente, este representante doMinistério Público remeteu o referido relatório, acrescido dequestionamentos próprios, ao Prefeito Municipal.

Em 13 de abril de 1999, os dados constantes do levantamentoforam apresentados e debatidos publicamente no Fórum de EntidadesAssistenciais de Londrina, órgão que congrega, dentre outras instituições,as creches existentes no município, muitas das quais constituíram a fonteprivilegiada de onde foram colhidas as informações para esta pesquisa.Das entidades presentes neste Fórum, vinte e uma haviam participadodiretamente do levantamento.

O evento contou também com a presença da Promotora da Varada Infância e da Juventude da Comarca de Londrina e teve cobertura daimprensa local.

No debate que se seguiu à apresentação dos resultados dapesquisa, os participantes daquele Fórum afirmaram que, de acordocom os dados utilizados pelo Conselho Municipal de Assistência Social,seriam necessárias mais cem creches para atender a demanda reprimidaneste setor. Entretanto, questionaram também que não bastasimplesmente a construção de novas unidades: é necessário equipá-las,contratar e treinar funcionários 11. Como alternativa mais ágil e de menorcusto aos cofres públicos, foi proposta a ampliação e reforma das crechesjá existentes, o que possibilitaria a abertura de novas vagas em um prazomuito mais curto.

11 Este e os demais trechos em destaque neste ítem foram extraídos do Relatório daReunião do Fórum das Entidades Assistenciais de Londrina de 13/04/99, elaboradopela equipe de Serviço Social da Promotoria de Justiça das Comunidades deLondrina.

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Questionou-se também a real implementação das propostaselencadas no Plano Municipal de Assistência Social, bem como atransparência da destinação das verbas no Orçamento Municipal que,na avaliação dos participantes, tem demonstrado que a atual gestão nãotem de fato dado prioridade à criança e ao adolescente, conformepreconiza a própria Constituição Federal.

O papel das creches no atendimento às crianças foi tambémobjeto de discussão. Diante dos altos índices de miséria, enfatizou-seque

dentre outros serviços prestados, a creche é o localonde elas se alimentam (...) porque em casa as criançasnão têm o que comer no final de semana e chegam nacreche famintas. Assim, a creche torna-se também umapossibilidade de cuidar da saúde da criança e de evitarque ela adoeça.

Além deste cuidado imediato e prioritário, os representantes dasentidades também têm consciência da perspectiva mais ampla que devenortear suas ações:

(...) na questão da criança e do adolescente, não é sóa falta de interesse político, é também uma questãocultural. (...) A visão de creche como um ‘depósito decrianças’ tem que ser mudada para ser um espaço ‘deformação para a vida’, mas para isso é necessária amobilização de toda a comunidade. Afinal, é até osseis anos de idade que as habilidades do ser humanosão desenvolvidas.

Os dados apresentados pela pesquisa foram comprovados cominúmeros exemplos fornecidos pelos participantes do evento, tanto éque as propostas de encaminhamento surgidas durante o debatereferiram-se diretamente às principais dificuldades apontadas nesteestudo.

As propostas encaminhadas pelo Fórum foram:

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Os participantes do Fórum das Entidades Assistenciais deLondrina solicitaram a colaboração do Ministério Público no sentido decobrar da administração municipal os direitos das crianças eadolescentes, pois no entendimento deles, os dados apresentados poresta pesquisa não podem ficar só no papel.

Por fim, cabe mencionar também o destaque que os meios decomunicação locais deram à apresentação dos resultados da pesquisa, oque demonstra, a nosso ver, que a problemática abordada constitui-seum tema de relevância para a sociedade12.

Conclusão

O déficit de vagas em creches não é um problema recente. Aoiniciarmos a pesquisa no segundo semestre de 1998, tínhamos certezade que iríamos encontrar na lista de espera das creches um númeromuito superior às vinte e sete solicitações que nos chegaram através dosplantões de atendimento da Promotoria de Justiça das Comunidades deLondrina.

Não só a quantidade de crianças aguardando vagas nosimpressionou (2.454), como também o pequeno número de criançasatendidas pelas creches investigadas (4.884), se comparadas com apopulação de zero a seis anos existentes no município (54.549) e querepresentam 15% da população total da área urbana.

12 Deram cobertura ao evento de apresentação do Relatório Final da pesquisa asrádios Brasil Sul, Universidade FM, CBN, Rádio Londrina e Rádio Paiquerê; aTV Londrina e os jornais Folha de Londrina e Jornal de Londrina.

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1. Priorizar a ampliação, reforma e estruturação dascreches já existentes, antes de se construirem outrasnovas.

2. Cobrar transparência na destinação orçamentáriamunicipal. É preciso saber onde os recursos estãosendo investidos e qual está sendo realmente aprioridade da administração.

3. Efetivo apoio técnico às creches, através dacontratação de técnicos e profissionais habilitadose do oferecimento de cursos de capacitação.

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Entretanto, o que mais salta aos olhos de quem quer que seproponha a conhecer a situação de carências sociais é o alarmante índicede crianças que se encontram na linha da pobreza (24.279) e em condiçãode extrema pobreza (10.450).

Sabemos que não é pelo fato de se terem inscrito na Carta Magnado país direitos sociais imprescindíveis que estes serão automaticamenteimplementados. Os direitos só são aplicados se seguidos de políticaspúblicas que os promovam e da mobilização da sociedade civil paraacompanhar e participar da sua concretização.

A responsabilidade do Poder Público, em suas diversas esferas,não pode porém ser dissimulada. Nas legislações complementares àConstituição Federal fica explícita a primazia do Estado na viabilizaçãodos direitos sociais.

Por isto, chamamos a atenção para o pequeno número de crechesmunicipais existentes em Londrina: de acordo com a pesquisa realizada,verificamos que 88,6% do atendimento é prestado pela rede de crechesconveniadas. Por mais que a administração municipal continuesubvencionando estas entidades, é mister que se amplie a oferta deserviços públicos neste setor.

Até o presente momento, a assistência social municipal respondepela política de atendimento das creches. Porém, diante da atualdeterminação constante da Lei de Diretrizes de Base da Educação, ascreches deverão integrar o setor de educação infantil e vincular-se àpolítica de educação, inclusive com dotação orçamentária previstanesta área já para o próximo exercício, pois como define o artigo 89desta lei

As creches e pré-escolas existentes ou que venhama ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contarda publicação desta Lei, integrar-se ao respectivosistema de ensino.

A transferência das creches para a esfera da educação, com orespectivo reordenamento em pré-escolas de acordo com a faixa etária,deve ser refletida não só a partir dos serviços já prestados e do atendimentoà demanda reprimida que esta pesquisa explicitou mas, principalmente,sob a ótica da inclusão de toda a população de zero a seis anos de idade.

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ABSTRACT

This article presents a research carried out by Project “Social Work in thePromotorias de Justiça das Comunidades”. Its aim was to point out tothe gap between children’s entitlement and real access to nurseries in thecity of Londrina .

Key-words: Promotoria de Justiça das Comunidades; human rights;nurseries.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Afinal, o acesso à creche deve ser tão universal quanto o acesso à educaçãoe também garantido pelo Estado, em suas específicas esferas de governo.

Que esta perspectiva concreta, propiciada pela LDB, se constituano município de Londrina em uma forma de garantir o acesso de tantascrianças excluídas aos direitos sociais constitucionalmente reconhecidos.

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Os contornos neoliberais que se dão no auge da crise global deexpansão do capitalismo, permeiam a prática do assistente social epromovem o delineamento de um novo perfil profissional.

Nos últimos anos, com a promessa de crescimento econômico,ocorrem rearranjos políticos e, segundo Almeida,

nos anos noventa, sob a imposição do FMI/BancoMundial, os governos latino-americanos vêmexecutando sistematicamente o receituário neoliberal.(...) As conseqüências deste processo podem ser

RESUMO

Este texto é produto de reflexões ocorridas no interior da pesquisa “AsQuestões Sociais Contemporâneas e as Demandas da Profissão Frenteà Reconstrução do Projeto de Formação do Assistente Social” e estávoltado para análise das caracteristicas essenciais do perfil profissionalcapaz de atender as demandas do mercado de trabalho que estão sendopostas para o Serviço Social na atualidade.

Palavras-chaves: Serviço Social; Perfil Profissional; Conhecimentose Habilidades; Questões Contemporâneas.

OS IMPACTOS DAS DIMENSÕES SOCIETÁRIASCONTEMPORÂNEAS E O PERFIL DO

ASSISTENTE SOCIAL

Drª Ana Carolina Santini B. de Abreo*

Adriana de Oliveira**

Alysson A. Lima Desan**

Elisângela A. Cóis Ferreira**

Renata Mendes Ribeiro**

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* Assistente Social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutoraem Serviço Social pela PUC-SP, coordenadora da pesquisa.

** Estagiárias bolsistas PIBIC/CNPq/UEL.

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comprovadas no aumento da pobreza e miséria,evidenciadas na massa de excluídos que se adensafrente a uma política que conjuga uma perversadistribuição de renda, a redução do salário real edeterioração dos serviços sociais (Almeida e Alencar,1995, p. 278).

Neste contexto mediatizado por alterações políticas, sociais eeconômicas se encontra o Serviço Social como profissão inserido nesteprocesso de mudanças que estão ocorrendo na América Latina e nomundo, pois o Brasil, é profundamente atingido pelas transformaçõesoriginadas pela globalização dos mercados e o avanço do neoliberalismo,que proclama a redução dos encargos do Estado para minimizar oscustos, dentre eles os recursos destinados a implementação das políticassociais. Portanto, há cada vez mais uma redução maior dasresponsabilidades do Estado sobre a Seguridade Social e os DireitosSociais da população.

Conforme Raquel Gentilli:

No momento em que vivemos manifestaçõesparticularmente desconcertantes de uma novarealidade mundial que se avizinha, anunciando oestraçalhamento dos padrões societários herdados dopós-Segunda guerra Mundial, resta-nos muitasperguntas e perplexidades em face aos sinais destanova ordem, sobretudo em relação aos segmentos maispauperizados e excluídos da população brasileira emrelação ao acesso a padrões dignos de seguridade social(1998, p. 9).

Estas transformações societárias vêm implicando, não só naemergência de novas demandas para o Serviço Social, como nanecessidade premente de redimensionar a formação profissional a partirde procedimentos investigativos que tomem como objeto as mudançasdo espaço ocupacional do Assistente Social

Ademais, é preciso pensar a formação profissional sob a égidecurricular, considerando que é em suas escolas, que o Serviço Social

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estimula e efetiva elementos constitutivos à formação acadêmica eprofissional dos futuros assistentes sociais.

Desta forma, a Universidade Estadual de Londrina,especificamente o Departamento de Serviço Social, e o corpo de seusprofessores tem estudado e debatido a Reformulação Curricular em cursodesde 1996. Portanto, os dados a serem apresentados sobre o perfilprofissional neste artigo são o resultado da pesquisa que foi desenvolvidanos dois últimos anos com vistas a contribuir com o processo de RevisãoCurricular, focalizando as alterações e as demandas manifestas pelosAssistentes Sociais das regiões Norte, Noroeste e Oeste do Estado doParaná e nos Diversos Estados Brasileiros na prática do Assistente Socialno âmago da crise capitalista do final do século 20.

Perfil Profissional de Serviço Social dos anos 90

O Serviço Social, na efervescência dos anos 90, traz comoprioridade a busca pela qualidade dos serviços prestados, coloca emevidência a ética da profissão, engloba toda uma dimensão política,econômica e social que vem determinando a condição de vida do“homem”, e tem influência direta na prática profissional do AssistenteSocial, bem delineando assim um novo perfil profissional.

O projeto neoliberal que se preconiza acaba por alijar qualquerpossibilidade de superação da situação em que se encontram milhões debrasileiros. Temos um Estado voltado para o setor econômico,globalizado e descentralizado, onde se faz o mínimo para as necessidadessociais reais e se aniquila qualquer horizonte que altere o grau dedesemprego e miserabilidade que se instalou no Brasil, onde os direitossão escamoteados, impera a política do favor e da ajuda, ao mesmotempo que os serviços sociais públicos são rechaçados.

Esta realidade leva o Serviço Social a procurar novos rumos, ouseja, o Assistente Social tem que ultrapassar as tarefas terminaisburocráticas trazendo para si maiores responsabilidades, através dacriação e otimização de novas propostas de atuação que traga respostasconcretas às demandas onde o Assistente Social deve ser um profissionalpropositor e não só executor.

Verifica-se aqui novas determinações da esfera de trabalho doAssistente Social, que requer, segundo Iamamoto:

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Um profissional qualificado, que reforce e ampliea sua competência crítica, não só executiva, mas quepossa analisar, pesquisar e decifrar a realidade.Alimentado por uma atitude investigativa, o exercícioprofissional cotidiano tem ampliado as possibilidadesde vislumbrar novas alternativas de trabalho nessemomento de profundas alterações na vida emsociedade (Iamamoto, 1997, p. 31).

Nesta perspectiva, busca-se um profissional sintonizado com astransformações pelas quais passa a sociedade e que consiga visualizar asrelações estabelecidas entre os homens frente a este modo de produçãono qual se inserem. É mister notar que

a base organizacional do exercício profissional,dependente das organizações públicas e privadasatuantes no campo das políticas sociais, está sofrendomudanças de forma. Mudança esta decorrente dasorientações privatistas da esfera estatal, casadas àsnovas formas de gestão e controle da força de trabalho,requeridas pelas mudanças tecnológicas e daorganização do trabalho no processo produtivo(Iamamoto, 1995, p. 15).

Este processo de reestruturação do trabalho e advento derestrições de recursos e benefícios estatais para área social além denovos aparatos tecnológicos, constituem-se como fatores desencadeantesdas mutações nas atividades tradicionalmente atribuídas ao AssistenteSocial.

Na realidade com o advento de tantas mudanças ocorridas nasrelações de trabalho no mundo, o Assistente Social vem se deparandocom novas estratégias de intervenção que exigem mais qualificações doprofissional e maior intimidade com as novas formas de gerenciamento,não restringindo sua prática somente aos escassos benefíciosassistenciais.

Contudo, para delinear as nuanças do perfil profissional naatualidade, o universo da pesquisa buscou em seu processo investigativo

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reconhecer o perfil profissional de diversas regiões, adotandoprocedimentos que garantissem a representatividade dos sujeitosescolhidos e uma amostra probabilística que possibilitasse estender asanálises à categoria profissional.

A pesquisa focalizou em sua área de abrangência as regiões norte,noroeste, oeste paranaense e diversos Estados nacionais (Via On Line).Entretanto, observou-se que apesar das diversidades regionais, não háum distanciamento temporal e consideráveis alterações do perfilprofissional atual, o que permite debater as multidimensões dacontemporaneidade.

Perfil Profissional de Serviço Social do Norte do Paraná

A pesquisa sobre o perfil profissional da região Norte do Paranáprocurou abranger algumas das diversas áreas onde atua o Serviço Social.Levamos em conta que sua prática cotidiana apresenta nuançasdiferenciadas e, por conseqüência, revela distintas caracterizações doser, e do fazer da profissão.

A partir dos resultados obtidos, verificou-se que na quasetotalidade das respostas dos assistentes sociais entrevistados (73.1%)houve uma preocupação salutar com a ética e (61.5%) com acompetência técnica e profissional permeando as ações do cotidiano.Para 53.8% dos sujeitos, o Assistente Social deve estar sempre em buscade novos conhecimentos.

Como ressalta um Asssistente Social,

O profissional precisa ter uma competência críticadas questões que permeiam sua realidade, do usuário,das questões sociais em nível regional e municipal,respaldado de uma postura ou trabalho constituídaatravés da interdisciplinariedade, com muita éticaprofissional e domínio de conhecimento objetivandodecifrar a realidade para construção de propostas detrabalho preservando os direitos do cidadão e o seucomo parte do coletivo.

A competência política é enfatizada por 42.3% das opiniões,e o compromisso profissional é valorizado por 30.7% das opiniões.

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Questões como: conhecimento teórico-prático; posi-cionamento profissional; e relacionamento interpessoal sãocitados entre 19.2% e 11.5% das respostas, ou seja, estão em menorfreqüência, embora encontrados nas diversas áreas da pesquisa comoAssistência e Saúde.

É revelada também, a necessidade de o profissional compreendera organização de serviços, grupos e comunidades. Se tratando do ServiçoSocial de empresa, é fundamental que o Assistente Social conheça apolítica interna da organização. Estes quesitos foram inferidos pelosprofissionais da saúde, assistência e empresa, eqüivalendo a 7.6% dototal.

O profissional tem que ser ágil, tem que saberfundamentar suas propostas de trabalho e tem que serperspicaz para perceber o clima organizacional(profissional entrevistado).

A interdisciplinariedade; o conhecimento sobre aspolíticas sociais vigentes; a valorização de parceiros; acompetência social; a inteligência emocional; o trabalhocom a 3ª idade; o conhecimento sobre informática; e aoperacionalização de técnicas, somaram 3.8%, ou seja, emborasejam assuntos atuais não foram abordados com muita intensidade, eforam observados entre profissionais que atuam com crianças eadolescentes, na penitenciária, nas empresas privadas e públicas e nosórgãos de Assistência Social.

Com respeito às habilidades apontadas como relevantes poresses mesmos profissionais, temos a informática, as habilidadespara relacionamento interpessoal, a alusão aos conhecimentosteóricos, fazendo-se primaz a proficiência em línguas estrangeirase a capacidade para trabalhar com recursos humanos.

Contudo, constatamos que os Assistentes Sociais não podemmais se restringir em executar apenas as atividades que sãotradicionalmente postas, porque o atual mercado de trabalho exige umprofissional polivalente, em virtude das grandes mudanças societáriasque vem ocorrendo em nosso país decorrente principalmente daglobalização, da terceirização e ao avanço do neoliberalismo.

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Perfil Profissional de Serviço Social da Região Noroeste

Com relação aos diversos campos onde a pesquisa foi efetuada,verifica-se algumas diferenças quanto aos conhecimentos necessáriospara a atuação do Assistente Social. Por exemplo: na área da AssistênciaSocial, valoriza-se o conhecimento das políticas sociais e o trabalho deplanejamento, envolvendo a elaboração e implantação de projetos. Paraisso o profissional deve contar com competência técnica, postura política,criatividade, liderança e espírito investigativo, entre outros predicadosque venham contribuir para uma atuação mais dinâmica e eficiente. Naárea da saúde, dinamismo, competência técnica e ética devem estarpresentes na ação profissional. No campo dos portadores de necessidadesespeciais valoriza-se a competência técnica, o conhecimento em outrasáreas e a interdisciplinariedade, uma vez que este trabalho deve serrealizado com outros profissionais.

Neste ponto, o campo pode ser comparado ao da assistência,onde a inter e multidisciplinariedade são enfatizadas.

Quanto à atuação com crianças e adolescentes, e também aoServiço Social de comunidade ¾ apontam para vários pontos em comum,como a competência técnica, busca de novos conhecimentos, posturapolítica e ética, confirmando o compromisso profissional em ampliar asáreas de atuação.

O Profissional deve estar em constante processode atualização e reciclagem profissional, posturapolítica e ideológica definida, devendo atender osinteresses da população alvo com a qual trabalha, nãoser alienado ao empregador por questão decomodismo, ou por medo de perder o emprego (Sujeitoda Pesquisa).

Para o Serviço Social de empresa, lhe é peculiar a necessidade deatender as necessidades de seu público e de sua área de interesse.1

1 Em outras palavras, “o Assistente Social tem que conhecer a população usuáriados seus serviços, e seus modos de vida, formas de luta: deve compreender ouniverso cultural dessa população e as formas de demonstrar seus anseios,necessidades e aspirações ...” (Guerra, 1997, p. 23).

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Embora não tenham sido citadas em outras áreas, questões como estaestão subentendida, pois o Assistente Social está inserido em umacomplexa relação de forças que lhe exigem posicionamento e decisão, eo usuário deve ser atendido em suas necessidades, pois ele é o objetivomaior de sua atuação.

Embora a pesquisa tenha abrangido duas regiões e diversoscampos de atuação, vários pontos foram comuns em todas as respostas,demonstrando maturidade e vontade profissional em estaracompanhando a evolução pelo qual a profissão vem passando,tornando-a mais abrangente em seus aspectos interventivos e exigindomaior capacitação do Assistente Social.

É clara a preocupação com a questão das técnicase sua aplicação para o exercício profissional, fato quenos leva a questionar o caráter marcadamente práticoe interventivo da profissão. Trata-se de uma questãorelevante que ainda gera grandes discussões dosintelectuais do Serviço Social (Assistente Socialentrevistado).

Entendemos que a Ética é muito valorizada, pois desenvolvemosuma prática voltada para o ser humano na qual deve haver respeito esigilo em relação à sua história de vida, principalmente quando vivemossob e égide de uma sociedade que freqüentemente desrespeita a Éticaem todos os momentos. Com certeza é tempo de analisarmos comoconduzimos nossa ação e em que estamos pautando nossas normas evalores morais.

A busca por novos conhecimentos responde a necessidade dopróprio mercado, que exige cada vez mais qualificação ao profissional.Exige visão ampliada dos problemas sociais, da tecnologia que desponta,das novas formas de gerenciamento de serviços, e criatividade para lidarcom problemas afins e recursos escassos. Ou seja, procura-se oprofissional que ofereça planos, sugestões, soluções, alternativas e, maisque isso, que os concretizem, que os efetive, saia do discurso e indiquecaminhos e possibilidades a serem seguidos. Os profissionais alvo dapesquisa consideram que é necessário ter conhecimentos e habilidadesrelevantes para a atuação profissional frente às novas exigências domercado de trabalho. Nesse sentido, um sujeito da pesquisa aponta:

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É preciso que a categoria profissional tenhaconhecimento do processo de globalização, domíniode pelo menos uma língua estrangeira, preparosuficiente para prestar um serviço enquanto propositore não apenas um executor de tarefas (Sujeito dapesquisa).

Deve ainda o profissional estar sintonizado com as políticas sociais,pois são elas as atuais norteadoras das ações do Serviço Social. Conhecê-las é fundamental. Viabilizar parcerias e apresentar argumentoscondensados complementa estas políticas. Portanto, conhecer aconjuntura e sua dinâmica enriquece a luta por conquistas.

É necessário buscar constantemente oaprimoramento em diversas áreas do conhecimentohumano, ser ágil e ter a habilidade de prever, deperceber as novas exigências do mercado de trabalho(Profissional).

Finalizando esta análise, indicamos o seguinte perfil profissional,geral às regiões Norte e Noroeste do Paraná:

• Ética Profissional;• Competência Técnico Profissional;• Busca por Novos Conhecimentos;• Postura Política;• Interdisciplinariedade;• Compromisso Profissional.

Perfil Profissional de Serviço Social da Região Oeste

Ao dissertar sobre o perfil profissional, 60% dos entrevistados,descreveram que é preciso ter um conjunto de competências: técnico-política e ética para a atuação frente à realidade. Foram assinaladostambém a necessidade de aumentar os conhecimentos teóricosdestacando a importância do cumprimento do código de ética.Entretanto, 80% considera outros fatores que conformariam o perfil

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profissional na atualidade, sendo subdivididos e quantificados da seguintemaneira:

• Maior embasamento teórico-metodológico - (20%)• Incrementar os conhecimentos sobre Planejamento - (20%)• Desenvolver a Iniciativa e criatividade - (20%) e• Conhecimento mais atualizado das políticas sociais - (20%).

É preciso ter conhecimentos referente à informáticae principalmente estar se atualizando teoricamentepara que sua prática não se torne rotineira. Ressaltaainda um outro sujeito da pesquisa: O embasamentoteórico e metodológico e um bom conhecimento sobreas políticas sociais, planejamento e reciclagem,iniciativa e criatividade.

Perfil Profissional de Serviço Social de Diversos EstadosBrasileiros

Na opinião de um segmento importante de profissionais, oAssistente Social deve ter conhecimentos básicos das grandes teoriassociais aliadas a capacidade de pensar a realidade de forma crítica esaber apresentar propostas estratégicas.

O profissional tem que corresponder ás exigênciasde um mundo de economia globalizada, com umavanço tecnológico descomunal e uma competiçãointensa. O Serviço Social não está fora dessa dinâmicamaior. O Assistente Social tem que se preparar, manter– se atualizado e competitivo (Participante dapesquisa).

Entretanto na visão dos assistentes sociais, para que o profissionalde Serviço Social possa atender as demandas de uma sociedadeglobalizada, ele precisa antes de tudo, ter uma consciência política econhecimento da estrutura da sociedade como um todo. Essa posturapolítica tem que ser clara e apartidária. Já o conhecimento e a competência

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técnica devem andar juntos e não devem ser dissociados, onde oconhecimento deve estar atrelado há uma visão histórica, percebendotodas as fases da sociedade e dos indivíduos.

Não podemos em Serviço Social perceber oindivíduo separado de seu contexto social e histórico(Participante da pesquisa).

A competência técnica, citada por 8.3% dos profissionais, deveestar aliado a uma postura ética (11.1%) e política( 22.2%).

O perfil profissional adequado é de um AssistenteSocial dinâmico cuja rapidez de pensamento permitaque sugira ações em igualdade de condições com osdemais profissionais. Precisamos não apenas decompetência técnica, mas também de uma auto –confiança. Os novos conhecimentos são voltados paraa nova dinâmica do mundo do trabalho, e umatendimento de documentos estatísticos de modo aque possamos entender as análises que circulam nestesmeios (Participante da pesquisa).

O Assistente Social deve ser atualizado (5.5%), criativo (5.5%) esobretudo equilibrado emocionalmente (2.75%). Ele deve ser crítico(22.5%) pois o contexto o exige; de outra maneira ele continuará tendouma postura “neutra” que no seu discurso ele tanto critica, mas que naprática lhe é tão difícil esquecer.

Atualmente todas as profissões exigem pessoas maiscapacitadas polivalentes e dispostas a “vestir a camisa”do empreendimento a que estão ligados. O AssistenteSocial em minha opinião necessita de uma especialcompreensão das políticas sociais e mecanismos parasua formulação e execução, antes de qualquer tomadade partido político ou partidário (Participante dapesquisa).

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Através desta pesquisa, detectamos que os profissionais sentemna prática a necessidade de ter qualificação e habilidades diversificadascomo: conhecimento de línguas estrangeiras; conhecimento sobreinformática; conhecimento sobre direito; capacidade para trabalhar comprogramas de qualidade total; domínio sobre as políticas sociais; e osassistentes sociais que trabalham em organizações privadas ressaltarama necessidade de ter domínio sobre conhecimentos de recursos humanos,pois se não o fazem, acabam perdendo espaço para outros profissionais.

Em suma as opiniões colhidas junto aos profissionais de diversasregiões do Brasil, permitiram tecer estas considerações sobre as mudançasque estão acontecendo no espaço profissional de Serviço Social. e dizemrespeito as novas formulações das competências, conhecimentos ehabilidades que delineiam o novo perfil profissional almejado.

Este contexto acaba por demandar aos Assistentes Sociaissegundo Marilda Iamamoto, 1995:

... sua inserção em equipes interdisciplinares, o seudesempenho no âmbito de formulação de políticaspúblicas, impulsionadas pelo seu processo demunicipalização; o trato com o mundo da informática,a intimidade com as novas técnicas e discursosgerenciais – entre muitos aspectos – o que muitasvezes tem sido lido, enviesadamente, como,“desprofissionalização”, “perda de espaços”, restriçãode suas possibilidades ocupacionais.

Reflexões Finais

Faltando quase 200 dias para o próximo milênio, é importanteque o Serviço Social como profissão, reconheça as profundas alteraçõesque estão acontecendo. Estas transformações societárias vemimplicando, não só a emergência de novas demandas para o ServiçoSocial, como na necessidade premente de redimensionar a formaçãoprofissional a partir de procedimentos investigativos que tomem comoobjeto as mudanças do espaço ocupacional do Assistente Social.

Desenvolvemos um estudo de caráter quantitativo e qualitativo,com as Assistente Sociais da região de Londrina, de Maringá e Toledo,

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caracterizando as regiões: Norte, Noroeste e Oeste do Estado, onde seconcentra um maior numero de Assistentes Sociais inseridos nosmercados de trabalho regionais. Também foi realizada uma pesquisa viaRede Internet que atingiu diversos estados brasileiros.

De acordo com os resultados podemos salientar que ainda nãotem ocorrido uma redução global de demandas de Assistentes Sociais,encontramos sim, uma sensível diminuição de postos de trabalho noEstado, (vagas que já não são mais preenchidas) e também cortes dosrecursos orçamentários para as políticas sociais e um aumento detrabalhadores voluntários e de terceirização dos serviços.

Se bem a maioria dos assistentes sociais trabalham em órgãospúblicos, federais, estaduais ou municipais, nesses espaços tambémencontramos modificações nas tarefas desenvolvidas pelos assistentessociais. Exige-se, cada vez mais que o Assistente Social integre equipesinterdisciplinares, que atue no âmbito da formulação de políticas sociais,impulsadas pelo processo de municipalização ; que tenha contato como mundo da informática e conheça as novas tecnologias e as formas degestão administrativa – entre outros aspectos.

Quanto aos conhecimentos e habilidades relevantes para aatuação profissional frente as novas demandas do mercado de trabalho:os profissionais apontam que no setor público, ainda que a atuaçãoprofissional seja determinada pelas diretrizes políticas vigentes, qualquerque seja a área na qual o profissional esteja atuando – saúde, assistência,crianças e adolescentes, idosos, portadores de necessidades especiais –se faz necessário que o profissional procure manter-se informado sobreo debate envolvendo o Estado e as políticas públicas.

Segundo os dados da pesquisa é importante que o profissionalde Serviço Social tenha uma boa formação teórico metodológica o quefavoreceria também a criatividade e a flexibilidade exigidas pelo mercado,alem de uma gama de conhecimentos sobre: administração, políticaspúblicas, e planejamento. Portanto, o Assistente Social deve aprofundarseu entendimento em relação ao comportamento do mercado de trabalho,pois só assim as ações propostas terão efetividade

Em suma na opinião da maioria dos assistentes sociais osprofissionais de Serviço Social devem conhecer o processo dedesenvolvimento do Neoliberalismo, da Globalização. ter criatividade,ter consciência crítica, formação continuada (participar de cursos de

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especialização, congressos, etc.) e ser versátil para que assim ele nãoperca espaço para profissionais de outras áreas.

A crescente invasão das novas tecnologias de computação einformação em nosso cotidiano, também causam mudanças significativasno papel, na quantidade, na qualidade e na velocidade da troca deinformações entre os seres humanos alem das nações. A velocidade dainformação é devido ao fato de estarmos envolvidos com a presença deum projeto de globalização das sociedades. Neste contexto, podemosobservar que um seguimento importante dos participantes da pesquisaafirmam que a Internet é um espaço de comunicação eficaz, amplo eveloz, que permite a troca de informações dos mais diversos assuntosnas mais diversas localidades, e os conhecimentos sobre informática,são fundamentais no momento atual.

Entretanto na visão dos assistentes sociais, para que o profissionalde Serviço Social possa atender as demandas de uma sociedadeglobalizada, ele precisa antes de tudo, ter uma consciência política econhecimento da estrutura da sociedade como um todo. Já oconhecimento e a competência técnica devem percorrer o mesmocaminho, não devem ser dissociados, ou seja um referencial teórico-crítico com uma visão histórica, que oriente as finalidades profissionaise permita aos profissionais a escolha de procedimentos técnicos e ético-políticos mais adequados a realidade atual.

O perfil profissional adequado é, segundo os profissionais, deum Assistente Social dinâmico cuja rapidez de pensamento permita quesugira ações em igualdade de condições com os demais profissionais.Precisamos não apenas de competência técnica, mas também de umaautoconfiança e uma postura ética. Os novos conhecimentos são voltadospara a nova dinâmica do mundo do trabalho, e para desenvolver umacompreensão para interpretar os dados que surgem da economia , comoa interpretação de documentos estatísticos de modo a que possamosentender as análises que circulam tanto nos meios profissionais, comonos meios de comunicação de massas. Atualmente todas as profissõesexigem pessoas mais capacitadas e polivalentes, mas especificamente nocaso do profissional de Serviço Social, este deve ter uma especialcompreensão das políticas sociais e os mecanismos para sua formulaçãoe execução. Portanto, o profissional de Serviço Social deve ser capaz derepensar não só a realidade social mas também a profissão, tendo uma

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ABSTRACTThis article is concerned with the analysis of the main characteristics ofthe professional profile to attend the Social Work new demands.

Key-words: Social Work; Professional Profile; Knowledge; Abilities;Contemporaneous Issues.

visão da totalidade que favoreça sua intervenção mas também seucrescimento profissional.

Levando em consideração os resultados da pesquisa apreocupação que é mais saliente refere-se ao Serviço Social comoprofissão, e a premência de delinear um perfil que deve ir de encontro auma nova realidade, pois existe o perigo latente do Serviço Social vir atornar-se uma pratica residual. O desafio profissional radica portanto emnão fechar-se em si mesmo e ampliar os horizontes, procurandocompreender as mudanças que estão acontecendo. Em quanto a esteproblema, sustentamos que é possível e necessário que a profissão comoum todo inicie um debate e participe ativamente na definição de suabase de sustentação ocupacional, pudendo assim os assistentes sociaisconverter-se em atores desse processo .

Ainda com referência ao processo que desenvolvemos nestapesquisa que relatamos, é de suma importância destacar o papel doConselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq, dando-nos um valioso suporte, assim como todos os profissionais de ServiçoSocial de diversos estados brasileiros que fizeram possível ampliar osconhecimentos entorno as questões sociais contemporâneas e seurebatimento no Serviço Social para o aprimoramento da formaçãoprofissional.

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APRESENTAÇÃO

Este trabalho parte do princípio de que o Serviço Social tem,junto as questões ambientais, um espaço tão privilegiado como aquelespermitidos por outras questões mais familiares à sua prática profissional.Pretendemos neste artigo, tecer algumas considerações a partir dasreflexões sobre a prática que vimos desenvolvendo e da bibliografia quea fundamenta, com vistas a extrair contribuições para a clarificaçãopreliminar das seguintes questões:

♦ Que relações existem entre as questões ambientaise o Serviço Social? O que justifica a prática doassistente social nesse espaço?♦ Que papel cabe ao Serviço Social junto a equipeinterdisciplinar de pesquisa em projetos voltados parao meio ambiente?

RESUMO

Reflexões sobre a atuação do Serviço Social em projetos voltados para oestudo de impactos ambientais causados pela construção de UsinasHidrelétricas.

Palavras-chaves: Serviço Social; questões ambientais; pesquisa.

* Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual deLondrina, membro da equipe da pesquisa “Estudo dos Fundamentos dosImpactos Ambientais na Construção de Barragens na porção inferior da baciahidrográfica do Rio Tibagi: área de Jataizinho e Cebolão”.

** Aluna colaboradora e bolsista do PIBIC / CNPq / UEL.

CONVERSANDO SOBRE AS QUESTÕESAMBIENTAIS E O SERVIÇO SOCIAL

Maria Clementina Espiler Colito*

Angela Maria de Melo Pagani**

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1 As questões ambientais e o contexto social

O título acima parece sugerir uma linha divisória entre as questõesambientais e o contexto social de onde essas questões emergem, contudoé necessário lembrar que quando falamos em questões ambientais falamosem meio ambiente e ao falarmos em meio ambiente estamos nos referindoao contexto social e vice-versa, pois meio ambiente numa linguagemsimplificada “é tudo o que nos rodeia”. Não só o verde das matas ouárvores, jardins, animais, insetos, rios, mares, a atmosfera, a nossa casa,nós, o nosso derredor – mas tudo o que faz parte do tecido da vida, sejaela animal ou vegetal, mineral deve ser considerado meio ambiente. Mas,nem todos tem claro esse conceito e a sua extensão. Até os técnicos queprojetam os grandes empreendimentos como a construção de UsinasHidrelétricas parecem ter uma visão unilateral do meio ambiente, poisao planejarem essas obras pensam todos os detalhes; a escolha do localpara a localização da barragem, a prospecção do terreno até os kilowatesde energia que se produzirá e o seu destino final. Mas, mas como dizScherer Warren (1993) ao planejarem tais obras, a vontade políticadecisória deriva tão somente do Estado em comum acordo com osdiversos segmentos interessados no capital a ser gerado pelodesenvolvimento de tais projetos. “É por essa razão que pouco ou nadase avalia sobre os custos sociais inerentes à reprodução das populaçõesatendidas” conforme Camargo (1985) citado pela autora acima.

Os estudos de viabilidade realizados antes de tais construçõesfazem levantamentos extraordinários dos recursos existentes na área eos relatórios de impactos ambientais (RIMA), instrumentos obrigatóriospara permitir a aprovação da obra junto aos organismos que tem a funçãode cuidar do meio ambiente, tratam mais diretamente das conseqüênciasque esses empreendimentos poderão causar na paisagem, na fauna, naflora, mas não tratam dos impactos sociais, ou seja, das conseqüênciassociais que vão resultar de tais empreendimentos e que tem o homemcomo alvo maior a ser atingido; quando lembrados, o fazem de maneirasuperficial. E é esse não reconhecimento que também concorre para aemergência das questões ambientais frente as quais o Serviço Social,assim como outras áreas do conhecimento, vão intervir.

O trabalho, ou seja a intervenção, a partir daí poderá ter comoalvo as comunidades rurais e urbanas que sofrerão os impactos de forma

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direta ou indireta tendo-se como referência que, tanto o rural quanto ourbano, são espaços de moradia e como tais, produzem condições parao desenvolvimento de inúmeros processos sociais, entre os quais as açõesdas políticas públicas, voltados para essas populações. (Souza, 1991)

No caso das construções de Usinas Hidrelétricas, o objetivo é ode incrementar as ações que vão possibilitar o desenvolvimento da políticaenergética através de maior geração de eletricidade justificada pelanecessidade de atender a demanda causada pelo desenvolvimentoeconômico regional. Diante dessa justificativa as empresas estataisdesapropriam terras, desalojam populações e criam situações de conflitoem diferentes momentos: antes da construção, durante e após o términodo empreendimento.

2 O problema que justifica a intervenção

Os fatores que justificam a intervenção são justamente as novassituações que são geradas não só pelo confronto que passa a existir entrea população, na condição de expropriados e a concessionária, mas tambémpelos efeitos causados pelo empreendimento. Esses confrontos poderãosurgir em virtude do remanejamento das famílias, o tamanho dos lotesonde deverão ser reassentadas, o preço da terra e benfeitorias a ser pagoatravés da ação indenizatória, a cobertura real dos prejuízos, as novasmoradias tipo de construção, tamanho, material, etc. o traçado das novasestradas vicinais, as novas pontes que devem ser construídas e outros.

Os mecanismos burocráticos estabelecidos para a compensaçãodessas perdas sociais não oferecem alternativas condizentes com a vidaque a população tem atualmente, daí criam subsistemas de manutençãoda miséria.

O objeto da ação interventiva do Serviço Social será pois asituação criada pela proposição do empreendimento que gerará novascondições de vida para a população, a que Scherer Warren (1993),utilizando a classificação de KOWARICK, cita como os expropriados,os espoliados e os explorados. Entendendo-se como os expropriadosurbanos e rurais os diretamente atingidos (lavradores e índios) que sãoremovidos compulsoriamente de suas terras ou moradias, para dar lugara construção; os espoliados urbanos – aqueles indiretamente atingidostanto na zona rural como na urbana e que sofrerão não só os efeitos

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ambientais como também esses efeitos sobre o seu sistema de produção;e na zona urbana cujos efeitos serão sentidos na infraestrutura de serviçosexistentes no local de moradia; e por fim os explorados – representadospelos trabalhadores não qualificados que são recrutados para o trabalhonos canteiros de obras e que terminada a construção, se vêemdesempregados.

Como vemos, o homem é a principal vítima desse processo. Todosesses efeitos que o atingem diretamente não são levados em conta, epodemos ver que esses são bastante significativos e emergem emdiferentes momentos*:

antes da construção: a tensão da população face a incerteza dofuturo que desorganiza a vida social e particularmente, a atividadeprodutiva, as migrações para a região em busca de futuros empregos,transformações nos setores de serviços e recursos públicos paraatendimentos das novas demandas, o que pode significar a exclusão deum maior número de pessoas menos favorecidas, o desemprego, a quebrade produção rural, etc;

durante a obra: os efeitos mais importantes são decorrentes dadesapropriação de terras e deslocamento de populações que se refletena sobrecarga sobre a rede de serviços e infraestrutura ( transporte, saúde,segurança, lazer), o aparecimento de doenças estranhas à região;

no final da construção: o desemprego, a migração, ocrescimento da marginalidade urbana, o aumento das favelas e a quedadas atividades comerciais e de serviços causados pelo esvaziamentoeconômico da região;

após a obra: a concentração, das impurezas dos esgotosdomésticos e industriais, na água da represa, a toxidade da água trazidapelo não desmatamento da

área inundada que passa a ser transmissora de doenças, além depor fim a vida animal na água, acabando com a possibilidade de pesca.Além desses, a paisagem no trecho abaixo da barragem tende a semodificar, pois as curvas do rio surgem e desaparecem e o conhecimentodos moradores das margens do rio é perdido. (CRAB, 1995)

A estratégia a ser utilizada pelo Serviço Social para intervir junto

* Segundo CRAB (1995) – Cadernos de Estudos Básicos II, p. 7 e 8.

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a essas novas situações, geradas por essas construções, será a dedesenvolver um processo metodológico de ação para:

– primeiro: elaborar um diagnóstico socioeconômico dessascomunidades;

– segundo: capacitá-la para o enfrentamento das questõesemergentes.

Como?Através do repasse das informações técnicas sobre os efeitos do

empreendimento na vida da comunidade e da geração futura; a formaçãode lideranças para garantir o movimento, em defesa de seus direitos einteresses e posteriormente levá-lo a buscar articulações com outrosparceiros, como o Movimento dos Atingido por Barragens (MAB),Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB), a ComissãoPastoral da Terra (CPT), ONGs e a Igreja através das suas outras pastorais,além de outros, como os movimentos ambientalistas.

Esse processo encontra contudo algumas dificuldades de saídaque passam:

– primeiro: pelo desconhecimento dos fundamentos relativos àsquestões ambientais.

Se formos rever o processo de formação dos Assistentes Sociais,vamos constatar que dificilmente são abordados assuntos que dizemrespeito ao meio ambiente;

– segundo: o “desinteresse” da categoria por projetos que tenhamcomo alvo as questões ambientais, causado justamente pelodesconhecimento da grande importância que tem o meio ambiente nacontinuidade da vida de todos nós.

Devemos nos lembrar que ao colocarmos como objeto deintervenção a questão social, as questões ambientais estão ali contidas;são expressões dela. Se formos privilegiar as políticas sociais veremosque a política pública com vistas à geração de energia, gera sériasconseqüências que clamam por políticas sociais adequadas para oatendimento das populações que se vêem atingidas.

Como vemos não existem diferenças entre questões ambientais equestão social tida como alvo da intervenção do Serviço Social.

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3 O Assistente Social enquanto pesquisador do meioambiente

O Serviço Social poderá, como qualquer outra área doconhecimento estudar os impactos ambientais causados pela construçãode Usinas Hidrelétricas ou vir a compor uma equipe de pesquisadoresque tem como objetivo o estudo dos impactos causados no meioambiente por essas Usinas. Enquanto membro da equipe depesquisadores o Assistente Social não vai “intervir”. Mas o seu processode formação o torna capaz de realizar o diagnóstico sócio econômico deforma detalhada pois se trata de instrumento que lhe dá subsidios para aintervenção. Cabe a ele, então, a tarefa de realizar enquanto pesquisador,levantamentos que lhe possibilite a elaboração de um diagnóstico sócioeconômico ou um “inventário” da zona urbana e rural. Esse estudo érealizado com vistas a conhecer os recursos existentes na região a seratingida e suas reais potencialidades. É necessário e importante porquevai demonstrar a capacidade dos recursos e serviços que estão postos adisposição da população e a capacidade que os mesmos possuem paraatender a demanda diferenciada que deve ocorrer com a chegada de umcontingente formado por milhares de trabalhadores que serão envolvidosnas diferentes fases da construção.

Esse estudo deverá pois, oferecer subsídios para que o governoda cidade possa preparar-se para esse atendimento.

Ao Assistente Social cabe ainda realizar o estudo das comunidadesque estão situadas ao longo das margens do rio e que são constituídaspor agrupamentos de famílias de pequenos proprietários ou arrendatáriose de trabalhadores rurais. Essas comunidades se formaram na regiãoentorno do local onde será erguida a barragem que vai represar as águasdo rio. Também esse atribuição do Assistente Social uma vez que duranteos anos do curso ele foi preparado através de disciplinas específicas parao trabalho em comunidades.

O estudo que se fará dessas comunidades poderá ter comoreferência o modelo proposto por Caroline Ware (1960) que apesar denão recente, continua atual pois permite um verdadeiro “rastreamento”dessas comunidades através do levantamento de todas as suascaracterísticas. Tal estudo encontra as razões nas palavras da própriaautora pois quando se pretende estudar comunidades deve-se ter por

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base não os agricultores ou trabalhadores rurais consideradosindividualmente, mas a comunidade e seus determinantes, ou seja, osfatores geográficos, históricos, culturais, políticos, sociais e econômicosresponsáveis por suas diferentes manifestações. Devemos portanto, fixar-nos em todas as características dos indivíduos que afloram no grupocomo conseqüência de seu contato com o ambiente e, também, emtodas as mudanças que neste produz o grupo e diríamoscomplementando, e vice-versa.

Os estudos de nivelamento teórico conceitual, obrigatório a quemvai compor uma equipe, permite-nos conhecer teoricamente esses efeitos,mas era necessário conhecê-los na realidade, para que houvesse aapreensão da totalidade desse real era necessário que não nosrestringíssemos a pesquisa aos aspectos objetivos ou particulares dessarealidade, para que pudéssemos senti-la na sua totalidade através dessaprática interdisciplinar.

A pesquisa deve envolver, como lembra Pinto (1993), também asubjetividade, as representações dos sujeitos, não só os aspectos racionais,mas também como sujeitos de emoções, sentimentos, valorações e aforma de como tudo isso é pensado, simbolizado. Diz esse autor ainda,que devemos adotar uma postura dialética para sair do imediato e entendera realidade dinâmica, contraditória dos processos sociais. Ao adotar essapostura devemos ter claro os perigos que tráz a uniformização, odogmatismo e o desprezo da subjetividade.

4 A vivência na equipe de pesquisa

Os estudos de nivelamento teórico conceitual foi o primeiromomento da participação da autora na equipe da pesquisa “Estudosdos fundamentos dos impactos ambientais na construção de barragensna porção inferior da bacia do rio Tibagi: Jataizinho e Cebolão”. Issoobrigou-nos a conhecer e utilizar a linguagem comum à equipe, o quepressupõe muitos estudos, pois, como já dissemos o processo deformação profissional dificilmente inclui ou não particulariza as questõesambientais e é necessário compreender a totalidade desses efeitos esuas conseqüências no meio ambiente. Como dizia Pinto (1993)anteriormente, é necessário que a pesquisa não se restrinja aos aspectosobjetivos ou particulares dessa realidade, mas que possa senti-la na sua

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toalidade através de práticas interdisciplinares. Dessa feita, não bastaconhecer a dimensão social nela contida.

A prática que vem sendo vivenciada no momento subsequentecom os trabalhos de campo tem oportunizado experiências significativas,pois tem permitido conhecer de perto o inúmeros processo sociais quetem por base as comunidades rurais e que se formaram às margem do rioTibagi, no entorno do local onde será construída a barragem Foi nosdado conhecer a importância do estudo de viabilidade sócio-política doempreendimento; os problemas decorrentes da falta absoluta decomunicação entre empresa concessionária (COPEL) e populaçãoatingida; os surgimentos de grupos que procuram explorar a situação deincerteza e de possíveis ganhos com as indenizações; os problemas deordem política entre os municípios vizinhos de Jataízinho, decorrentesdo estabelecimento de marcos limítrofes incorretos que não condizemcom os limites estabelecidos quando da criação do município, peloGoverno do Estado em 1942. Foi nos dado conhecer sobretudo a extremamiséria que vivem aqueles que lavram a terra, por culpa das políticasagrícolas inadequadas, incertas, que regem a produção do homem docampo. (Colito, 1998)

Como podemos ver são inúmeras as situações que emergemdessa prática e se constituem em objetos de estudo não só do ServiçoSocial, mas de todas as áreas.

CONCLUSÕES

O Serviço Social tem junto às questões ambientais um espaçoque vale a pena ser ocupado, pela inúmeras possibilidades de estudosinterdisciplinares que apresentam, não só, frente as questões ligadas àconstrução de Usinas, como ficou evidenciado nas reflexões aquiapresentadas. Mas também pela importância de que se revestem essasquestões, que oportunizam inúmeras condições de intervenção ao ServiçoSocial, em ações de mobilização, organização das populações quandoameaçadas com a degradação do seu meio ambiente ou de educaçãodessa mesma população para sua preservação.

É bom lembrar que quando falamos do meio ambiente estamosfalando das questões ligadas ao tecido da vida, pois se não for pelacontinuidade da vida, pelo que iremos lutar?

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ABSTRACT

This essay is concerned with the practice of Social Work on environmentalimpacts caused by hydroelectric plants.

Key-words: Social Work; environment; research.

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1 O FENÔMENO “VELHICE” NO SÉCULO 20

O crescente aumento mundial da população idosa, tem se tornadouma das maiores preocupações do final do século 20. A redução da taxade fecundidade (número menores de filhos) e o aumento da vida médiados indivíduos (em torno de 70 anos), fruto dos avanços da medicina,contribuíram para que o índice da população idosa mundial se elevasserapidamente. A expectativa é de que em 30 anos, de 1970 ao ano 2000,este índice atingirá o patamar de 603 milhões de pessoas idosas, o queequivale ao dobro existente em 1970, 300 milhões de idosos.

Face a esta progressão desmedida, a velhice passou a ser vistapela sociedade como um fenômeno social de difícil resolução, tornando-se, inclusive, um dos maiores problemas da denominada questão social.

RESUMO

Este artigo tem por objetivo identificar a proposta de educação para avelhice efetuada pelo pedagogo Comênio no século 17, levando emconsideração que a educação para esta faixa etária é a alternativa maisviável para o enfrentamento dos problemas sociais, decorrentes doenvelhecimento humano. Compete aos profissionais, inclusive oAssistente Social, que desenvolve trabalhos com este segmento, analisaras propostas de educação efetuadas em outros momentos históricos,para ampliar os horizontes do conhecimento e propor novas formas deintervenção diante das demandas colocadas.

Palavras-chaves: Velhice; idoso; educação; história.

Nas Veredas da VelhiceA EDUCAÇÃO DO IDOSO EM COMÊNIO

Jane Cristina Franco de Lima*

* Aluna do Mestrado em Fundamentos da Educação, da Universidade Estadual deMaringá-PR.

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No Brasil, à partir da década de 80 algumas alternativas foram propostaspelo Estado e pela Sociedade Civil, como forma de enfrentamento desteproblema, tais como: clubes de terceira idade, grupos de idososvinculados ou não a igrejas, organizações não governamentais eUniversidades Abertas à Terceira Idade. Estas instituições apresentaramprogramas que visavam o redimensionamento do universo social doidoso, onde a ocupação do seu tempo com práticas educativas,possibilitaria um maior desenvolvimento intelectual, social e físico. Nestecontexto, a convivência e a participação social do idoso seria defundamental importância. Os intelectuais contemporâneos são unânimesem afirmar que a educação do idoso é a alternativa mais viável para asolução do problema do envelhecimento.

Apesar de não ser caracterizada em outros séculos como umfenômeno social, a velhice e seus problemas sociais não se encontravamausentes. Para cada momento histórico, formas de intervençãodiferenciadas foram propostas. Neste sentido, a educação permanentedefendida pela atual intelectualidade encontra seu precursor no século17. João Amós Comênio entendia que os indivíduos deviam serpreparados para a velhice, o que significava a redução dos problemassociais advindos da velhice.

O aprofundamento do pensamento do pedagogo Comênio,permite compreender que o envelhecimento do homem do século 20não se encontra isolado do envelhecimento do homem nos séculosanteriores. Este homem é fruto de transformações históricas e sociaispresentes no século 17 e apresentadas por Comênio. Portanto, voltar notempo e resgatar a proposta efetuada por este intelectual, significa ampliaros horizontes no que diz respeito à compreensão da velhice para alémdo século 20, bem como, visualizar que somente a educação do homempara o processo de envelhecimento pode, de fato, minimizar os problemassociais produzidos pelo despreparo da família e da sociedade paraenfrentar o envelhecimento humano.

2 A “ESCOLA DA VELHICE” NO SÉCULO 17

João Amós Comênio nasceu em 28 de março de 1592 em UherskyBrod na Morávia (República Tcheca e Eslovaca). Em 1611 concluiu osestudos secundários em sua pátria, e, tendo em vista o ministério

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eclesiástico, foi enviado para Alemanha onde se matriculou naUniversidade Calvinista de Herborn, em Nassau. Seu pensamento foimarcado fortemente por Andrea, Campanella e Vives, e, sobretudo, pelaslições do teólogo calvinista João Henrique Alsted, preocupado comreformas educacionais. Esse pensador incutiu profundamente emComênio o enciclopedismo, expresso mais tarde em suas obraspedagógicas. Neste período, Comênio tomou conhecimento dosprincípios defendidos por Ratke sobre as reformas do ensino. Conheceu,outrossim, o avançado sistema de educação da Holanda, que naqueleperíodo era o centro cultural mas avançado da Europa.

Em 1613, Comênio transferiu-se de Herborn para a Universidadede Heidelberg, onde continuou seus estudos. Nessa universidade, entrouem contato e assistiu conferências de célebres professores diretamenteligados ao Eleitor Palatino, Frederico V. Em 1614, Comênio retornou àsua pátria, assumindo a função de professor na escola latina de Prerov.Dividia as atividades docentes das tarefas religiosas junto aos Irmãos.Tornou-se pastor da Unidade dos Irmãos em 1616, e reitor das escolasdos Irmãos em Fulnek, em 1618. As disputas constantes entreprotestantes e católicos levaram Comênio para o exílio em 1620, ondeterminou os seus dias.

Por ter nascido e convivido com o meio protestante, Comêniorecebeu desde criança forte influência dos valores cristãos e bíblicos, oque contribuiu sobremaneira para a formação de sua personalidade. AUnidade dos Irmãos Boêmios1, igreja que frequentava, considerava aeducação um dos instrumentos mais eficazes para garantir a unidade desua instituição.

Esta influência forneceu-lhe os princípios religiosos necessáriospara seu sacerdócio, bem como, para sua vocação para a pedagogia.

Os irmãos Boêmios assumiram a educação comoum problema de toda a sua comunidade. Nesta linhaprosseguiu Comênio, para quem os problemas daUnidade dos Irmãos e da educação popular se

1 Congregação religiosa com muita força e expressão social na Boêmia. Originou-se no movimento religioso na Boêmia do início do século 15. Os Irmãos Boêmiospossuíam uma elevada publicação e se destacavam pela tradução das SagradasEscrituras. Em toda a Europa, suas escolas eram consideradas as melhores.

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fundiam com os problemas de sua nação. Ele transferiuos ideais da Unidade, especialmente nos anos de exílio,para os objetivos e conteúdos da reforma de toda ahumanidade (Gasparin, 1994, p. 30-31).

Preocupado com as questões de seu tempo, Comênio não seomitiu em dedicar à velhice um capítulo especial em uma de suas obrasmais importantes, a “Deliberação Universal acerca da reforma das coisashumanas”. Subdividida em sete partes, foi na Pampaedia (EducaçãoUniversal), concluída em 1645, que Comênio lançou um olhardiferenciado para a velhice. Por se tratar de um educador, não se absteveem enquadrar a velhice como uma fase de extrema importância daexistência humana,

onde se fala do ponto mais alto da sabedoria humana,do modo de atingir felizmente o termo da vida mortale do feliz ingresso na vida imortal – ou seja, da fruiçãoda vida. (Comênio, 1971, p. 333).

Comênio procurou indicar no capítulo XIV da Pampaedia,intitulado A Escola da Velhice, como os velhos deveriam se comportarnesta fase da vida, demonstrando que a existência humana não seesgotaria nela. Esta fase da vida humana exigiria regras de condutapróprias e específicas.

Ao olhar para um indivíduo e uma sociedade que desprezava avelhice, Comênio procurou conceituá-la nos seguintes termos:

A velhice é a última parte da vida humana, aquelaque vai declinando e se avizinha da morte. Quetambém a velhice é uma escola e que os velhos devemser sujeitos às leis da disciplina, mostram-no asseguintes razões: Em primeiro lugar, porque toda avida presente é uma escola propedêutica, onde nospreparamos para a Academia eterna. Ora, a velhice éuma parte desta vida presente; portanto, é uma parteda escola; portanto, é uma escola. (1971, p. 333)

Para Comênio a vida humana era uma escola, e, se a velhice fazia

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parte da vida humana, esta deveria também ser uma escola. Os indivíduosteriam que aprender com ela e se preparar para nela entrar. A disciplinapara os velhos, iria garantir uma melhor convivência humana entre osindivíduos da mesma ou com outras faixas etárias. O aprendizadonecessariamente teria que estar presente nesta fase da vida para que oindivíduo desfrutasse dela sem dor e nem pesar.

Ao afirmar que a velhice é “(...) uma parte da vida humana(...)”, deixou explícito que dela não se poderia escapar e nem ao menosnegá-la. Ao fazer parte da existência humana, o homem proposto porComênio deixaria de ser fragmentado, passando a ser um homem integral,composto por três fases: a infantil, a adulta e a madura. O amadurecimentodo homem se daria em cada fase da sua existência, sendo a fase davelhice o ápice deste amadurecimento.

Segundo Comênio, a educação do homem na velhice se daria àpartir de uma série de elementos, os quais garantiriam a existência deuma infra-estrutura para não deixar este velho na ociosidade.

Por consequência, é necessário que tenha os seuspreceptores, as suas regras, as suas tarefas, os seusestudos e a sua disciplina, para que, também para osvelhos, continuar a viver seja progredir (...). Ora, avelhice é a mais débil das idades. Logo, não deve serabandonada e privada de sustentáculos (Comênio,1971, p. 333).

Percebe-se que tal qual a criança, o velho também deveria ter oseu preceptor e dar continuidade aos estudos. Não poderia significar ofim de tudo, mas, um momento em que o homem

iria “[...] precaver-se a tempo para que as ações detoda a vida se não tornem inúteis” (Comênio, 1971,p.333).

Esta deveria significar continuidade e progressão, livre daociosidade e da falta de ocupação. Para isso, a educação do idosoocorreria à partir de metas, meios e método para atingi-la. Quanto àsmetas,

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de uma maneira mais explícita, direi: na escola davelhice, deve ensinar-se aos velhos, e estes devemaprender, qual o modo como possam, saibam equeiram:

I. Fruir retamente da vida já vivida.II. Continuar a agir retamente durante o resto da

vida.III. Rematar retamente toda a vida mortal e entrar

alegremente na vida eterna” (Comênio, 1971, p. 335).

Este homem que estava se fazendo, exigia um novo ensinamentoe um novo aprendizado para a sua velhice. Comênio via os homens e asociedade à sua volta sofrerem por causa de uma velhice constantementenegada, por isso, a sua proposta de educação incluía mudança na formade encarar a sí mesmo e a vida2. Era necessário continuar a viver, mesmona velhice, para encontrar um significado para a vida.

Preocupado com as diferenças existentes nesta fase da vida,Comênio procurou distinguí-la em três classes:

Ao dividir a velhice em momentos diferenciados, Comêniodemonstrou que a velhice possuia etapas diferenciadas, cujocomportamento e atitude eram diferentes. Não seria possível vê-lo comoum ser totalmente homogêneo, mas, passível de se transformar ao longode sua vida.

2 Convém ressaltar que Comênio escreve a Pampaedia na metade do século 17,momento este em que ainda havia um forte predomínio da crença religiosa. Deum lado está uma interpretação divina da vida e, de outro, uma humanização dahistória. Em função deste fato, a vida eterna é caracterizada como o alvo a seralcançado pelos velhos.

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a) Velhice robusta: aqueles que ultrapassaram os umbrais davelhice e foram capazes de analisar e avaliar sua vida,identificando o que ainda poderiam realizar;

b) Velhice avançada: aqueles que entraram na velhice madura.Para estes restariam executar o que ainda não fizeram;

c) Velhice decrépita: aqueles que já são decrépitos. Para estesrestaria apenas a morte. Esta classe deveria refletir sobre amorte com todo esmero e carinho, pois, estaria muito próximadela.

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Os meios para atingir a educação dos velhos, são

(...) os mesmos que nas outras escolas: os exemplos,os preceitos e a prática constante, mas no seu maiselevado e último grau (Comênio, 1971, p. 338).

Homens que chegaram à velhice e souberam desfrutar da mesmacom toda maestria, os preceitos e admoestações, quer da Bíblia, de outroslivros ou de outras pessoas mais próximas e o exercício prático constante,seriam os melhores exemplos para aqueles que se encontrassem navelhice. Ou seja, buscar ultrapassar os limites individuais e olhar para ooutro, buscando uma identificação, foi o que sugeriu Comênio.Evidentemente, que este passo só poderia ser dado num momento deamadurecimento da nova sociedade que se constituía (sociedadeburguesa), onde o outro passava a ser referência. O outro torna-se aqueleque se convive.

(...) É preciso antes de mais nada, ensinar aconviver, isto é, ensinar os indivíduos a tornarem-sepúblicos, a viverem permanentemente em contato comos outros. Mas esta consideração pelo “outro” é algotambém novo. Quem é o “outro” a quem se deverespeitar? Paulatinamente, nos textos e, sobretudo,na realidade, o “outro” se universaliza até transformar-se em todos com que se convive (Figueira, 1998, p.5).

Para cada classe distinta, deveria ser adotado um métodoespecífico. E foi justamente no método que Comênio dedicou-se commais afinco. Para ele o método seria infalível se não fosse confuso, bemadequado e dominado completamente para cada coisa.3 (Gasparin, 1994,p. 144)

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3 Esta postura diante do método não foi uma criação exclusiva de Comênio. Asociedade passou a ser ordenada pelo “fazer a ti mesmo” e por “aquilo queconquistares”, requerendo novos projetos para formação do indivíduo. O métododeixou de ser um caminho a ser percorrido para lograr um determinado resultado.Tornou-se subordinado ao objetivo que se queria alcançar. Por conseguinte, aopção por um ou outro método estava subordinado à concepção de homem emundo do autor.

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Neste sentido, a velhice robusta deveria se dedicar à gozar osfrutos da vida passada. O método a ser seguido deveria ser:

Quanto à velhice robusta, deveria esta dedicar-se a empregar oseu tempo na religião, na gravidade dos costumes e a cultivar bonspensamentos.

Ora, todo o homem, sobretudo se for fiel e piedosoe sensato e velho, tendo já compreendido e desprezadoas vaidades do mundo, persuadido de que está tambémna condição de um Imperador, desejará morrer de pé(...) (Comênio, 1971, p.345).

Nesta fase caberia ao homem saber virtuosamente (reconhecer eemendar os erros da vida), falar virtuosamente (instruir os outros nosbons conselhos) e agir virtuosamente (fazer somente o que convêm).

Tudo o que for feito deveria ser na base da seriedade, ou seja,pensar apenas em coisas santas.

Por isso, no lugar do espírito crítico, colocará a fé;no lugar do conhecimento de muitas e variadas coisas,colocará a ignorância da maior parte dessas coisas; nolugar da prudência, colocará a simplicidade; no lugarda eloquência, colocará o silêncio (Comênio, 1971,p. 346).

Uma vez tomadas estas precauções, caberia ao velho dedicar-seexclusivamente a Deus, movimentando-se em meio as suas criaturas.

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1. Efetuar um balanço de sua vida, alegrando-se pelas coisasboas e reparando aquelas que não foram bem feitas;

2. Olhar para o presente e alegrar-se com o fim de sua vida;3. Realizar imediatamente o que ainda falta fazer;4. Afastar com orações as desgraças que poderiam ainda lhe

acometer; e5. Procurar levar uma vida mais regrada, para evitar doenças e

outros achaques. (Comênio, 1971, p. 340)

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Por isso, a hora de aquietar se aproximou. Foi a partir deste parâmetroque Comênio determinou uma cisão na vida deste indivíduo velho. Jánão deveria mais dedicar-se às coisas terrenas ou depender dos homense das opiniões humanas4.

A última classe, a dos decrépitos, restaria a tarefa de acolher amorte e entrar na vida imortal. Para que isto acontecesse com maiortranquilidade, o indivíduo não deveria temer a morte, na mesma medidaem que não temeu a vida. Para estes, a melhor indicação seria utilizarilustrações que os lembrassem de crânios de mortos, sepultura ousepulcros. Estas imagens os fariam recordar que este seria o seu fim.Estariam eles aprendendo a morrer bem, isentos das marcas do pecado.

Nesta fase, só restaria ao homem velar pela sua vida, que aospoucos estaria se esvaindo. A morte deixaria de ser um fantasma, para setornar a companheira mais fiel do velho decrépito. Ao se encontrar nestafase da velhice, o próprio homem estaria esperando pela morte de umaforma satisfatória.

3 ASPECTOS CONCLUSIVOS

A proposta efetuada por Comênio no século 17, é muito parecidacom a proposta apresentada no século 20 pelos intelectuaiscontemporâneos. A diferença principal situa-se no fato de que Comêniodefende o desenvolvimento da espiritualidade como a questão central.Independente desta incompatibilidade, tanto Comênio, quanto osintelectuais contemporâneos, dividem a mesma opinião no tocante aeducação dos idosos. Esta seria a varinha de condão para a conquista deuma velhice feliz, onde

o envelhecimento dos valores, das atitudes e doscomportamentos, provoca o retraimento daparticipação, a não solicitação a desempenhar papéisnas diversas atividades da comunidade. E para aatualização permanente desses valores, atitudes einformações não existe outro meio que o da educação,concebida como um processo de socialização

4 Nota-se aí a influência do humanismo sobre o seu pensamento, já que admitia asopiniões humanas.

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permanente através dos meios de comunicação, daparticipação nas atividades culturais, de lazer, na co-educação com outras idades e, até mesmo, na escola(Pereira, 1980, p. 10).

A educação permanente reverteria o quadro colocado até então,pois, a sociedade tinha a tendência de

... concentrar o estudo na primeira parte da vida, otrabalho na segunda e o lazer na terceira. Essaatividade se opõe ao princípio básico dedesenvolvimento que pressupõe um processo deeducação permanente, no qual o equilíbrio social e ocrescimento intelectual são pontos importantes(Salgado, 1977, p. 21).

As propostas efetuadas por Comênio não extrapolam o caráterindividual, este é o limite de seu momento histórico. A educação doidoso seria feita à partir da conduta de cada indivíduo, pois, a sociedadedo seu tempo ainda não estava madura o suficiente para assumir trabalhoscoletivos com esta faixa etária. Todavia, a contribuição de Comênio àcompreensão da velhice é inegável. Ao incluir na Pampaedia um capítulosobre a velhice, deixou evidente que a educação não poderia deixar delado os indivíduos velhos. Esta deveria ser também uma preocupação dasociedade burguesa que estava se consolidando, e, principalmente dospróprios idosos. Este capítulo da Escola da Velhice, como o própriotítulo sugere, é um momento da vida em que o indivíduo deve adotarcomportamentos, atitudes e valores que são próprios desta idade, e, que,esta idade merece uma atenção especial por parte da sociedade.

Comênio, que parece estar tão distante, deixou as suas marcas aose preocupar com a velhice. O século 17 que vivenciava oamadurecimento da sociedade burguesa, ainda não estava pronto paraenquadrar esta faixa etária em seu movimento histórico. Foi necessáriomais dois séculos, quando a velhice se tornou uma questão social, paraque a educação dos idosos tornasse uma realidade, e, que se encontraainda em amadurecimento.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BERNAL, J. D. História Social de La Ciencia. La Ciencia en La História.Barcelona : Ediciones Península, 1979. v. I

COMÊNIO, J. A. Pampaedia - Educação Universal. Trad. JoaquimFerreira Gomes. Coimbra : Faculdade de Letras da Universidadede Coimbra, 1971.

FIGUEIRA, F. G. Erasmo. De Pueris. Apresentação. Revista InterMeio.Encarte Especial. Número 3, 1998.

GASPARIN, J. L. Comênio ou da Arte de Ensinar Tudo a Todos.Campinas : Papirus, 1994.

GASPARIN, J. L. Comênio. A emergência da modernidade na educação.São Paulo : Vozes, 1997.

PEREIRA, J. V. Educação para a participação. In: Cadernos da TerceiraIdade. São Paulo : SESC, p. 10, 1980.

ABSTRACT

The objective of this article is to identify the educational purpose for theelderly as presented by professor Comênio in the 17th century, takinginto consideration that educating this age level is the most viablealternative for facing the social problems that are the result of the agingprocess. It is the responsabilty of professionals, including social workes,to develop programs for the eldery, analysing the educational programspresented in other historical periods, in order to enlarge the horizons ofknowledge and present new forms of intervention in view of the demandspresented.

Key-words: Aging; elderly; education; history.

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SALGADO, M. A. Escola Aberta para Idosos. Uma Abordagem sócio-educativa. Cadernos da Terceira Idade, v. 1, n. 1, p. 19-24, abr.1977.

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