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SETEJABI^O I f l S Fj O A. ±885 glorias da sciencia não são morgado de fami- ia alguma, nem património de nenhum par tido : pertencem ao seu paiz, são da humani dade inteira. A luz que d’esses astros se expande não póde ser cir- cumscripta no seu poder il- luminante, e apenas encon tra reflexo na posteridade que os celebra e os applau de. Essa—a posteridade— ia-se agora approximando com todas as suas glorias, mas tambem com todas as dôres que a precedem, de um dos vultos mais honrosos do par tido legitimista, de um dos membros mais venerandos , da nossa aristocracia, de um dos luminares da nossa lit- teratura, no rigor da inves tigação histórica, e no valor e tenacidade do trabalho. A doença, porém, foi ven cida, e nós hoje justamente nos regosijamos dó poder apresentar a biographia d’a- quelle homem, que é nosso correligionário, nosso amigo e nosso mestre, ainda em vi da d’elle, e debaixo d’aquel- le tríplice aspecto de políti co, de fidalgo e de sabio. A uma outra gloria d’este partido, que tantas conta, apresentava o nosso celebrado Malhão, n’uma das mais brilhantes coroas da sua preciosissima vida oratoria, debaixo de tres pontos de vista: como fidalgo, como soldado, como homem retirado das scenas do mundo. E se o Conde de Barbacena merecia do grande ora dor a applicação do justumãeãuxit Dominus per vias rec- tas, considerado sob qualquer d’aquelles aspectos, não menos a merece o nosso illustre biographado, fidalgo como aquelle, e das mais nobres tradicçoes; soldado das lettras, como elle o foi das armas; e como elle re tirado das scenas do mundo, bastante mesquinho para conter um homem do seu va lor e bastante néscio para o levar a retirar-se de suas vergonhosas scenas. João Antonio de Lemos Pereira de Lacerda, 2.° vis conde e2.°alcaide-mórde Ju- romenha, 15.° senhor do mor gado de Yalformoso, com mendador da ordem de S. Bento d’Aviz e socio da Aca demia Real das Sciencias, nasceu em Lisboa, na rua de S. Domingos, á Lapa, no dia 25 de maio de 1807, filho dos viscondes de Juromenha, o tenente general dos reaes exercitos, Antonio de Lemos Pereira de Lacerda, e de D. Maria da Luz Willoughby da Silveira. Os, primeiros annos da vi • da do illustre septagenario foram passados no Collegio de S. Pedro e S. Paulo, vul go Ingleeirihos, d’onde pas sou para o Real Collegio dos Nobres, de que era reitor, ao tempo, o sabio dr. Ricar do de Sá Nogueira, gover nador do reino durante a ausência do Senhor D. João VI, e onde recebeu, con junctamente com muitos que depois ennobreceram es te paiz, e que a morte tem ceifado, uns apoz outros, as primeiras sementes d’aquelle saber, com que mais tar de havia de florir e fructificar, em brilho e proveito

SETEJABI^O Ifl S Fj O A. ±885

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glorias da sciencia não são morgado de fami- ia alguma, nem patrim ónio de nenhum par­

tido : pertencem ao seu paiz, são da hum ani­dade inteira.

A luz que d’esses astros se expande não póde ser cir- cumscripta no seu poder il- luminante, e apenas encon­tra reflexo na posteridade que os celebra e os applau­de.

Essa—a posteridade— ia-se agora approximando com todas as suas glorias, mas tambem com todas as dôres que a precedem, de um dos vultos mais honrosos do par­tido legitim ista, de um dos membros mais venerandos , da nossa aristocracia, de um dos luminares da nossa lit- teratura, no rigor da inves­tigação histórica, e no valor e tenacidade do trabalho.

A doença, porém, foi ven­cida, e nós hoje justam ente nos regosijamos dó poder apresentar a biographia d’a- quelle homem, que é nosso correligionário, nosso amigo e nosso mestre, ainda em v i­da d’elle, e debaixo d’aquel- le tríplice aspecto de políti­co, de fidalgo e de sabio.

A uma outra gloria d’este partido, que tantas conta, apresentava o nosso celebrado Malhão, n ’uma das mais brilhantes coroas da sua preciosissima vida oratoria, debaixo de tres pontos de vista: como fidalgo, como soldado, como homem retirado das scenas do mundo.

E se o Conde de Barbacena merecia do grande ora­

dor a applicação do justumãeãuxit Dominus per vias rec- tas, considerado sob qualquer d’aquelles aspectos, não menos a merece o nosso illustre biographado, fidalgo como aquelle, e das mais nobres tradicçoes; soldado das lettras, como elle o foi das armas; e como elle re­

tirado das scenas do mundo, bastante mesquinho para conter um homem do seu va­lor e bastante néscio para o levar a retirar-se de suas vergonhosas scenas.

João Antonio de Lemos Pereira de Lacerda, 2.° vis­conde e2.°alcaide-mórde Ju - romenha, 15.° senhor do mor­gado de Yalformoso, com­mendador da ordem de S. Bento d’Aviz e socio da Aca­demia Real das Sciencias, nasceu em Lisboa, na rua de S. Domingos, á Lapa, no dia 25 de maio de 1807, filho dos viscondes de Jurom enha, o tenente general dos reaes exercitos, Antonio de Lemos Pereira de Lacerda, e de D. Maria da Luz W illoughby da Silveira.

Os, primeiros annos da vi • da do illustre septagenario foram passados no Collegio de S. Pedro e S. Paulo, vu l­go Ingleeirihos, d ’onde pas­sou para o Real Collegio dos Nobres, de que era reitor, ao tempo, o sabio dr. R icar­do de Sá Nogueira, gover­nador do reino durante a

ausência do Senhor D. João VI, e onde recebeu, con­junctamente com muitos que depois ennobreceram es­te paiz, e que a morte tem ceifado, uns apoz outros, as primeiras sementes d’aquelle saber, com que mais ta r ­de havia de florir e fructificar, em brilho e proveito

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2 ALBUM LEGITIMISTA

para a nosssa litte ratu ra liistorica. Passou depois a Coimbra, sendo seu mestre o celebre arcebispo d’Evo- ra, .F r . Fortunato de S. Boaventura, com destino a doutora^-se nos cursos mathematico e philosophico; mas aqui surgio, para desgraça do paiz e de tantos que lhe foram victimas, a triste guerra civil, que a r­m ava irmãos contra irmãos, condiscipulos contra con- discipulos, portuguezes contra portuguezes, e que ta n ­tos preclaros engenhos mallogrou, arrebatando-os em suas luctas fratricidas.

Abre-se então um parenthesis na vida litte raria do nosso biographado, parenthesis honrosamente prehen- ebido pela sua curta carreira militar, inicio da sua exem­plar vida politica. Entre a mão, que havia de m anejar a penna com singular saber, e aquella que se apoiava com fidelidade nos copos da espada estava um coração im­maculado que não esquecia os preceitos da justiça e os dictâmes do direito, antes palpitava de enthusiasmo pela legitim idade do throno e das instituições.

Quando o Sr. B. Miguel descia de Santarém, para cortar os vôos á revolução, o Visconde, com seu pae, corre a reunir-se ao sr. Infante, a quem encontrou no Cartaxo. Depois sentou praça de cadete no 4 de caval­laria para defender a causa da legitim idade das insti­tuições, onde teve por companheiros a muitos m an­cebos da nobreza que então se alistaram no exercito para o mesmo fim.

E quando o paiz pela vóz quasi unanim e dos seus filhos, pelas representações dos seus munícipes, pelas manifestações de toda a ordem e de todas as classes, saudava como Bei o inquebrantável Principe que re ­gressava do exilio, a que a intrigante e covarde revo­lução o condemnára, foi o Visconde de Jurom enha o iniciador e promotor da representação, por muitos mo­tivos brilhante, que áquelle Augusto Senhor foi d i­rigida, pedindo a sua acclam ação; foi elle que procu­rou o arcebispo de Lacedemonia, como membro do clero, e o Duque de Lafões, como membro da nobre­za, para que pozessem a sua influencia ao serviço de tão alevantada idéa, e os seus nomes respeitáveis no alto d’essa mensagem.

Nem adm ira que em tão verdes annos manifestas­se com tal ardor o sentimento politico, quem já reve­lara sisudez e prudeneia em subido gráu, pedindo a um dos vultos mais influentes d’essa epocha que se dirigisse ao sr. D. Miguel e o aconselhasse a que dês­se a am nistia politica aos liberaes, pedido esse que, tendo-se realisado, talvez houvesse salvado da queda o throno legitimo.

E esta dedicação pela dynastia já vinha dos seus maiores, e tanto que o sr. D. João vi agraciou o nos­so biographado, ainda em vida de seu pae, com a so­brevivência do titulo de Visconde, da commenda de Jurom enha da ordem de S. Bento de Aviz, em cuja ordem professou no mosteiro das coinmendadeiras da Encarnação, e alcaidaria mór da mesma villa.

O Visconde, por si. e como representante de seu pae. tomou tambem parte n ’aquella luzida e im portante reunião, em que se discutiu e deliberou sobre_ a ques­tão da legitim idade dynastica, reunião que foi, e será sempre, o mais elevado protesto contra as accusações de ambição de poder n ’um Bei, que não se declarou tal, sem que a nação se pronunciasse primeiro; e que foi, é, e será o mais estável argumento a favor da li- gitim idade d esse Bei.

O Visconde de Jurom enha foi, pois, um dos 78 titu ­lares que assignou o eloquente assento do braço da nobreza, dos quaes poucos restam.

Devia sem duvida tem er as consequencias de se­guir tão aberta e claramente a causa que, convicto, protegia, quem presenciáva o modo pirque eram tratados, pelos que vinham em nome da uberdade, os que defendiam as nossas verdadeiras liierdades tra- dicionaes; e por isso foi que, em seguidt á derrota de

Cacilhas, o Visconde, que ali sustentára, em quanto poude, com a espada, a causa da legitimidade, teve de homisiar-se em casa do vice-consul de França, M. Pichon, de onde emigrou para esse paiz, attenta a impossibilidade e perigos de se jun ta r novam ente ao exercito fiel, depois da entrada de Terceira em Lisboa.

Era o exilio que principiava; era a emigração levan­do agora para o estrangeiro os legitim istas, como já levára os liberaes; era o partido trium phante in ti­mando aos vencidos o silencio para quando mais tarde, fortes com a victoria, lançassem ás faces d’estes as suas tyrannias de quando governo; era-ainda um tris­te conjuncto de circumstancias restituindo o soldado á litteratura, era a guerra restituindo-o aos livros, de que ella propria o arrancára.

Em França, onde residiu sua ex.mas mãe e irmãs que , tambem se exilaram por igual motivo, tra ­vou conhecimento cOm muitos homens emminentes, e bebeu nos riquissimos mananciaes de suas inst.iuctivas bibliothecas aquelles conhecimentos, e aauelles estudos que lhe haviam de trazer as prim eiras cans.

J á por esse tempo elle esboçára uma obra para es­tudo, seguindo a inspiração e systema de Chateau­briand no Gênie du Cliristianisme, e que intitulava “Influencia da Beligião Catholica nos costumes, en­grandecim entos, litteratu ra e bellas-artes entre os "portuguezes,,, e que, como muitas das obras do illus­trado escriptor, é ainda desconhecida, pelo fatal moti­vo de uma modéstia extrema, que nos homens da p la­na do Visconde de Jurom enha, quasi attinge as propor­ções de’ um crime contra a humanidade, privada assim dos seus talentos.

Serenados mais os ânimos no paiz, entendeu o Viscon­de poder voltar a Portugal em fins de 1834; e desde esse dia começou a applicar-se com todo o vigor da sua vontade inquebrantável aos estudos históricos, pro­curando e investigando nos archivos publicos os factos que lhe poderiam ser guia para os trabalhos que a sua grande intelligencia já delineara. A aptidão do Viscon­de em pouco se tornou conhecida pelos homens de le­tras notáveis d’aquella epocha. Almeida G arrett, Ale­xandre Herculano e todos quantos então cultivavam as letras procuraram as relações do illustre fidalgo, apesar da diversidade de idéas políticas. E em breve se estabeleceram entre o Visconde e aquelles ligações de cordealissima amisade: nem outra cousa podia suc­ceder attentas as qualidades distinctissimas do nosso biographado.

Eram-lhe enlevo os trabalhos assíduos das letras, mas nem por isso olvidava as luctas políticas. Vigo­rosos lidaadores eram Manuel e Josè Passos, Almeida G arrett Alexandre Herculano, e com estes amigavel­mente sustentou o Visconde animadas discussões, nas quaes não poucas vezes levava a melhor aos seus va­lentes adversarios. E n ’essas pugnas da palavra gran­des serviços fazia á causa que convictoj urára.

Quantas vezes o Visconde imporia áquelles b rilhan ­tes espiritos a luz que esclarece e illnmina?

Quantas vezes aquelles soldados do campo liberal se teriam compenetrado da justiça e verdade da cau­sa que o caudilho da legitim idade advogava? A ami­sade d’esses homens pelo Visconde o attesta.

E de quanto foi sincera e leal a amisade entre os illustres paladinos de campos diversos é prova a con­vivência intima em que passavam, convivência tão in ­tim a que causou a admiração a um general hespa- nhol ao presencear aquelle fraternal trato.

Com o regresso á patria, term ina o periodo m i­litante da vida politica do Visconde, que se recolhe á sua mesa de trabalho, sempre povoada de innumeros manuscriptos, e preciosos livros, e onde apezard’isso o foram muitas vezes desassocegar as vistas da politica adversa. L iga depois a sua existencia á do um a vir­

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ÁLBUM LEGIMISTA B

tuosa senhora, a ex.raa sr.a D. Carlota Em ilia F erreua Sarmento, filha do conselheiro Manuel José Sarmanto, e da Ex.ma Sr.a D. M arianna Baym unda Ferreira da Silva Leitão, que a de outubro de 1857 o deixou na viuvez.

Por mais de uma vez se lhe fizeram iortes insistên­cias para que acceitasse Um emprego do paço ou, do estado, indicando-se mesmo, o de guarda-mór da Torre do Tombo.

Tudo, porem, regeitou aquelle vulto spartano, nascido para o estudo e para o sacrifício, que não conseguem derrubal-o. Caem-lhe na sepultura,, uns apoz outros, os parentes e os amigos; desfazem-se-lhe á força de inves­tigação histórica as calumnías com que rodearam a Lu- crecia Borgia, e a lenda em que envolveram o nosso Grão Vasco; mas nada anniquila aquella compleição, fraca na apparencia, forte na realidade.

B ehabilita a memória de Lucrecia, reduz ás verda­deiras proporções a lenda do celebrado pintor, cuja certidão de. baptismo conhece; e segue no aturado es­tudo de quanto respeita ao grande e imm ortal cantor de nossas glorias.

O Visconde de Jurom enha é, incontestavelmente, o primeiro camoneano, permitta-se-nos o termo Foi elle, por isso, o escolhido e eleito para presidir ás celebra­das festas do 0/ ntenario de Camões, mas tanto o hon­rou a nomeação, que lhe era homenagem da imprensa de todo o paiz, como a sua demissão, quando presen- tio que alguma cousa ía de envolta com o fim prim or­dial cbesse centenário.

L ’ de grande valor litterario o seu conhecido livro Obras de Luiz de Camões, cuja critica não nos compete a nós fazel-a, nem o espaço nol-o p e rm ittir ia ; mas já antes publicára outro de bastante interesse, e que foi o seu baptismo litterario — Cintra Pinturesca, revista por Alexandre Herculano, com quem tomára conheci­mento por intermedio do talentoso escriptor, Ignacio Pizarro de Moraes Sarmento.

Quando 0 exercito italiano entrou em Poma, o seu coração de puríssimo catholico palpitou vehemente, e de sua penna saiu um Submisso Protesto de Portuguez Ca­tholico ao Santíssimo Padre Pio IX .

Afora estas obras, que a modéstia do seu auctor não privou de publicação, como aos trabalhos já feitos— Lucrecia Borgia, Resposta ao sr. Latino Coelho a propo­sito do seu livro “Camòes„, Engelberg — descripção de via­gem, feita pelo Visconde á Allemanha, onde foi assis­tir, em 1873, ao casamento da Augusta Irm ã de Dom Miguel II, a archiduqueza d’Áustria Dona Maria The­reza, Onde estava a liberdade?, valiosissimo e instructi- vo estudo comparativo a favor das nossas antigas ins­tituições, e varias biographias de poetas clássicos sobre novos documentos; afora tudo isso, que a exaggerada e m elindrosa modéstia do ^ isconde tem com invencí­vel tenacidade privado da publicação, apenas exis­tem dois pequenos folhetos, um jocoso e conhecido — O Leão e 0 Burro, dirigido ao general Leone, em defeza do livro Camões; e outro impresso, inflamado de patriotismo e vehemencia contra 0 facto de não estar­mos representados na abertura do Isthmo de Suez, in­titulado O Isthmo de Suez e os Portuguezes.

Pelos jornaes legitimistas andam espalhados muitos e valiosos artigos seus, e tanto 0 Jornal de Bellas Ár- tes, como a Revista Critica trazem preciosas deseripções feitas por seu punho, e com a sua aturada investiga­ção de muitas das nossas obras artísticas._ O conhecido conde de Baezynski, ministro da Prus-

sia, mereceu-lhe especial collaboração no seu diccio- nario Historico-artitisque du Portugal, onde a pag. 123 se lê esta nota: “je dois avouer à propos de cet arti- cle (Orand Vasco) que sans M. le vicomte de Jurom e­nha je ne serais jam ais parvenu à débrouiller laques- 'io n de Grand-Vasco et que sans lui mon ouvrage se- ra it bien plus incomplèt qu’il ne l ’est pas.„

E assim, trabalhando sempre, e sempre escondido, vive ainda hoje, restituido aos seus livros, os maiores amigos que no mundo tem o nosso biographado, que tantos affeiçoados conta, pelo seu bondosíssimo cara­cter, pelo seu talento, pela sym pathia que inspira.

Vemol-o fidalgo, e soldado das lettras, retirado das scenas do mundo, como veterano d’esta inexpugnável fortaleza da legitimidade, animado sempre d’uma con­vicção fortíssima, sempre esperançoso do resurgim en- to da sua patria, sempre conciliador e affavel para to­dos, amigos e adversarios, legitim istas e liberaes.

E ’ 0 cerebro illustrado que na noite, que vamos atravessando, illum ina o passado, restituindo- á ver­dade histórica, e guia 0 presente, dando-lhe exemplo, e instruindo-o.

O J v L I N H O

Solo d’enlêvos, onde a vida abraça,Com terna graça, o castanheiro em flor! Abre-me o seio, em que um vergel se apinha, O’ patria m inha de encantado amor!

Quero cantar-te, como a rôla, ausente,Canta, plangente, os africanos ceus,Como ella aspira ao seu distante ninho,Aspiro, ó Minho, aos attractivos teus.

Amo os teus campos com perfumes varios, Verdes sacrarios de um constante abril;Amo os teus montes collossaes d’altura,E a luz, tão pura, do teu ceu d’anii.

Veias de prata, em ten fecundo seio,Passam-te em meio rios, não caudaes,E d’entre as flores, que 0 teu chão guarnecem, Cidades crescem, que não teem rivaes.

Braga, a princeza de rem ota era,V irtude austera ainda conserva e a fé;E eleva ás nuvens em padrões de gloria,A nobre historia, de que herdeira ó.

Assenta o throno de entrançado arbusto,No monte augusto do seu Bom Jesus,E tem por corôa de opulência tanta,A Virgem Santa do Sameiro, e a Cruz.

Amares veste laranjaes floridos,Faustos vestidos, com doirado veu;E solta as tranças, de verdura infinda,Na espadua linda, ás virações do ceu.

E ’ Guimarães uma fidalga edos 1Bica e orgulhosa, em seus gentis mameis,Que diz ao mundo, em derredor disperso “Eu fui 0 berço do maior dos reis.,,

Caminha é a joven m arinheira bella,Em pé na ourella do espumoso mar.Monsão envolta nas senis muralhas,Conta as batalhas que logrou ganhar.

Villa dos Arcos, que a sorrir desatas D’entre cascatas, que delicias dão.Barcellos, lyrio, adormecido em sombras Sobre as alfombras do virente chão.

P inha de flores, que a frescura anima,Ponte do Lima, que ideal tu és;Finges o cysne, a re tra ta r a face N’agua, que nasce, e que te corre aos pés.

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4 ÁLBUM LEGITIM TA

■Vianna.. . foge ao incessante beijo,Que o Lima, vejo a lhe tentar depôr;E da m ontanha na, m aterna encosta,Lá se recosta com gentil pudôr.

Eu sou suspeito, porque sou teu filho,'E assim teu brilho não direi jamais,Que o diga quem, ao respirar-te os ares,Te entrou nos lares e passeou teu caes.

Solo d’enlêvo, onde a vida abraça,Com terna graça, o castanheiro em ftôr !Abr e-me o seio, em que um vergel se apinha, O’ patria m inha de encantado amor!

S e b a stiã o P e r e ir a da C uxh a .

V o s s a , m e r c ê e ncuo u o s s êO dr. Joaquim Saneies Semedo foi o ultimo juiz de

fóra da comarca d’Elvas, no antigo regimen.Era um magistrado intelligente, sobremaneira zelo­

so do serviço publico, de presença magestosa, polido e ameno trato.

Recolheu-se, depois da convenção d’Evora Monte, á sua casa de Alcains, no concelho de Castello B ranco ; foi, porém, logo obiigado a abandonal-a.

Refugiou-se em Lisboa, mas nem aqui se julgou se­guro, e, quando poude, emigrou para a Italia, fixando depois a sua residência em 1'alermo.

C a q u i o chamou El-R ei a Roma, para o incum bir de uma missão im portante em Paris.

Foi a missão, que menciona a paginas 46, 73 e 116 a obra in titu lada Discussão e Votação da Associação dos Advogados áe Lisboa, etc. ha pouco publicada.

Desempenhada esta missão, foi o dr. Semedo á em­baixada do governo portuguez ifiaquella côrte, para se lhe visar o passaporte, e depois retirou-se.

Tres vezes foi áquella repartição, e tres vezes se lhe recusou, sob fúteis pretextos, preencher aquella forma­lidade de expediente ordinário.

Rão era o dr. Semedo homem, que Soffresse pacien­te e impassivel qualquer vexame.

Dirigiu-se ao ministro dos negocios estrangeiros de França; queixou-se da violencia, que lhe fizera o em­baixador portuguez, obrigando-o a permanecer, contra sua vontade, em Paris, com offensa do governo de França, sob cuja proteccão se achava como estrangei­ro. Pedia, por isso, que por aquelle ministerio lhe fos­se visado o passaporte, para sem mais demora regres­sar a Roma.

Ouviu-o com a proverbial cortezia franceza o m inis­tro, e convidou-o a voltar á embaixada em hora apra- sada.

E ra então embaixador do governo portuguez em Pa­ris Luiz Antonio de Abreu e Lima, depois visconde o oonde da Carreira, cavalheiro bem nascido e reputado, geralmente, um fidalgo em toda a extensão da pala­vra.

Resentido do lembrete do minisiro francez, appare­ceu, logo que se lhe annunciou a chegada do queixo­so, e dirigiu-se-lhe com assomos e sobrecenho de irr i­tado :

— “Estes senhores emigrados trazem sempre o rei na b a rr ig a ...

— “O que quer vossê?— “ Prim eiro que tudo, respondeu com serenidade

im perturbavel o dr. Semedo, quero se me dê o tra ta ­mento que me compete por lei.,,

— “ Sou membro da antiga m agistratura portugue-ZBi-

“Tenho um vossa mercê e não um vossê.,,Pareceu fulminado Abreu e Lima com tão inespe­

rada resposta, e aprum ada sentença do emigrado.

Esteve calado alguns in stan tes. . .Pediu desculpa dos seus termos inconvenientes, e

procedimento arrebatado, e mandou immediatamente visar o passaporte.

Ouvimos esta anedocta, referida substancialmente como fica escripta, ao nosso excellente e saudoso am i­go dr. Semedo, que, ao contai-a, ainda se m aravilha­va da extraordinária impressão, que produziram suas palavras em um diplom ata costumado, em sua longa carreira, a tra ta r negocios publicos xariados.

F. A. R o d r ig u es d e G usm ão .

A e s m o la ,

Bôm é o jejum, mas melhor é a esmola; se pelo je ­jum se afflige e macera a carne propria, com a esmola se recreia e restaura a alheia. Bom ó orar, mas m elhor é esmolar, porque tambem ora o que dá esmola, e m e­lhor é o orar das obras, que o das palavras, diz Inno­cencio. Santo Agostinho affirma que m elhor é esmolar, que jejuar, porque fazer esmola basta a quem não pó­de jejuar, não bastando o jejum sem esmola a quem póde dar por amor de Deus um púcaro de agua fria.

O’ quem fôra como Job, pae de orphãos, medico de enfermos, vista de cegos, pés de côxos, capa de nús, porta aberta para peregrinos, e consolação a descon­solados !

Q H A ^ A D J Í

Um partido por mim se tem marcado./ 9Ra Franceza Ração, e seu Congresso; iRa terra aonde entrei altivo e irado I ^Batido sahi e mui veloz regresso; i .Bem, que por longas éras ignorado,Me dão hoje as Rações mui alto apreço,Depois que em mim, com gloria edeficaramNovo imperio, qac tanto sublimaram.

Explicação das charadas e logogripho do numero antecedente:

Logogripho — Legitimidade.Charada — Socego.

EXPEDI ~ !=

A administração do Álbum Legitimista,. previne os seus assignantes, que ainda não satisfizeram a importancia das assignaturas, e a quem roga o obséquio de as satisfazer com brevidade, que mantém a declaração do seu programma, não enviando o numero seguin­te a quem não tiver satisfeito pelo menos a importancia da primeira serie.

xO Á lb u m J L e g i í im í s ía , assigna-se, e vende-s», em Lisboa, na

rua dos Fanqueiros 235, 2.% paia onde deve ser dirigida toda a corres­pondencia.

XI.ISBOA=Mez (ou numero,), 100 réis, pagos no acto da entrega.PROVIXCIAS=Cada série de 3 nutner s, 300 réis, pagos adiantado.NUMERO AVULSO—120 réis.

PROPRIETARIOS!). João Pacheco Pereira Coutinho— 11. M .lu p s to da Silva Rruschy

PH OT. R. P. M. BASTOSCalçada do Duque, 25

Typ. Gutierres—R. do iSorte, 104