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o SETOR AGROPECUÁRIO: CHAVE DO DESENVOLVIMENTO LA TINO-AMERICANO JULIO CESAR FUNES "As relormas agráries raramente torem outorgadas por senhores do-tados de espírito público, por sua própria iniciativa benevolente, mas loram iorçedes pela insatisfação dos camponeses ávidos de terra." - GUNNAR MYRDAL. o que nos motivou a escrever êste artigo foi a necessidade de modernização de nosso continente e da reformulação de seus quadros políticos, sociais e econômicos. A existên- da de países mais desenvolvidos do que outros sempre se colocou ao longo da história, o que criava povos líderes, que se colocavam na dianteira dos demais. Mas foi apenas ao final da Segunda Guerra Mundial que pudemos sentir uma preocupação generalizada para se eliminar o atraso que assolava as comunidades menos privilegiadas. Que razões influíram para que tal processo se desencadeasse? À guisa de fundamentação para o de- senvolvimento de nosso artigo listaremos os seguintes: 1) Uma têrça parte da população mundial, onde encon- tramos os Estados Unidos da América, a União Soviética, a Europa Ocidental, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelân- dia, a Checoslcváquia, o Japão e a União Sul-Africana, constituem uma classe alta de nações que alcançaram elevados níveis de renda média real por habitante e aden- traram, ou se encontram em condições de adentrar sem JULIO CÉSAR FUNES - Professor contratado de Desenvolvimento Econômico da Universidade de Tucumán (Argentina) e da Universidade del Zulia (Venezuela) .

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o SETOR AGROPECUÁRIO:CHAVE DO DESENVOLVIMENTO

LA TINO-AMERICANOJULIO CESAR FUNES

"As relormas agráries raramente torem outorgadaspor senhores do-tados de espírito público, por suaprópria iniciativa benevolente, mas loram iorçedespela insatisfação dos camponeses ávidos de terra."- GUNNAR MYRDAL.

o que nos motivou a escrever êste artigo foi a necessidadede modernização de nosso continente e da reformulaçãode seus quadros políticos, sociais e econômicos. A existên-da de países mais desenvolvidos do que outros semprese colocou ao longo da história, o que criava povos líderes,que se colocavam na dianteira dos demais.

Mas foi apenas ao final da Segunda Guerra Mundial quepudemos sentir uma preocupação generalizada para seeliminar o atraso que assolava as comunidades menosprivilegiadas. Que razões influíram para que tal processose desencadeasse? À guisa de fundamentação para o de-senvolvimento de nosso artigo listaremos os seguintes:

1) Uma têrça parte da população mundial, onde encon-tramos os Estados Unidos da América, a União Soviética,a Europa Ocidental, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelân-dia, a Checoslcváquia, o Japão e a União Sul-Africana,constituem uma classe alta de nações que alcançaramelevados níveis de renda média real por habitante e aden-traram, ou se encontram em condições de adentrar sem

JULIO CÉSAR FUNES - Professor contratado de Desenvolvimento Econômicoda Universidade de Tucumán (Argentina) e da Universidade del Zulia(Venezuela) .

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maiores obstáculos, o que se convencionou chamar de "aera do elevado consumo", em que os melhoramentos obti-dos com o desenvolvimento se transformam em benefíciospara tôda a população, e não se reduzem mais a umaestreita faixa minoritária.

As duas restantes têrças partes da população mundial éformada por uma classe baixa de nações, em que a caracte-rística mais importante, mas não a única, é a de que umapequena fração da população desfruta da maior parte darenda nacional, enquanto a maioria dos habitantes per-manece marginalizada econômica e socialmente. Nestemundo submerso encontram-se os países latino-ame-ricanos, africanos e asiáticos, exc1usive a União Soviética,e alguns países europeus.

A classe alta de' nações, que é a mais industrializada, tendea melhorar constantemente sua situação, como conseqüên-cia de seus elevados níveis de poupança, seu elevado de-senvolvimento tecnológico e a posse de' um potencialhumano treinado para as tarefas de uma economia mo-dernizada.

A classe baixa de nações, que se defronta com uma senede entraves ainda não solucionados, debate-se em meio àignorância, à miséria e à insalubridade, fazendo com queaumente cada vez mais a distância que as separa dasnações do primeiro grupo. ,As cifras do QUADRO 1justificam nossas afirmações porqueos Estados Unidos da América, com um Produto NacionalBruto por habitante de 2 790 dólares em têrmos reais,encabeça a lista do grupo de países privilegiados, onde po-demos encontrar igualmente países com economias de!tipo capitalista e socialista, a demonstrar que ambos ossistemas foram capazes de tirar da miséria e do atrasoum certo!número de países. A União Soviética, país que,na década dos vinte, apresentava-se ao mundo comosubdesenvolvido, passou desde então a desenvolver-se, atéque se alçou ao nível da "elite", com um Produto NacionalBruto de 986 dólares por habitante em têrmos reais.

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R.A.E.;22 SETOR AGROPECUÁRIÓ 49o mesmo quadro nos dá uma idéia de qual é a situaçãono mundo submerso, no qual infelizmente se encontra onosso continente, da mesma forma que os países do gruposocialista e capitalista. Entre êstes poderíamos apontaros países asiáticos com 154 dólares de PNB em têrmosreais por habitante e entre os socialistas a China Conti-nental com 167 dólares.

2) A esta situação, até aqui caracterizada em têrmospuramente econômicos, veio adicionar-se outro fator, denatureza estritamente social, a revolução das expectativas,para auxiliar no esclarecimento do problema. Seu traçodistintivo é o despertar das consciências por intermédiodo conhecimento das tremendas desigualdades da situaçãode injustiça e de urgência em prol de uma melhoriaimediata.

3) Finalmente, o derradeiro elemento a ser mencionadodiz respeito às possibilidades. O desenvolvimento tecno-lógico alcançado em nossos tempos, e que tem uma dimen-são jamais conhecida em outro período da história, nospermite afirmar que a revolução das expectativas está fun-damentada em possibilidades realmente existentes na mo-derna ciência e na técnica de nossos dias para tornar reali-dade o abandono da miséria e a eliminação do atraso paradois terços da população mundial. Isto explica porqueaquilo que no passado era quase inacessível para amaioria, pode ser hoje uma realidade tangível para todos.

Sem dúvida, não é possível acreditar que a utilização dasinovações tecnológicas para consecução do desenvolvi-mento econômico e social seja tarefa fácil. Os países atra-sados apresentam uma série de falhas estruturais de na-tureza política, econômica, .social e, em alguns casos, atéespiritual, que estão obstaculizando a melhoria da atualsituação.

Para o caso específico da América Latina, tais obstáculostambém são de vários tipos: desequilíbrio na distribuiçãoda riqueza, estratificação social, sistemas educacionais de-ficientes, desperdício de nossas já escassas possibilidades

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de investir por exagerados padrões de consumo, queatingem a categoria do luxo e da ostentação, abandono dosetor agropecuário para busca de uma industrializaçãoque não se concretiza, etc., além dos fatôres externos, sôbreos quais nessas possibilidades de contrôle, até o momentotêm se mestrado modestas.

o SETOR AGROPECUÁRIO

Neste artigo nos deteremos no setor agropecuário porquenos parece aquêle em que encontramos um complexo decondições que atribuímos a falhas estruturais e que exigemuma reforma para que se obtenha um desenvolvimentoeconômico e social autêntico.

A partir dêstes pressupostos tentaremos demonstrar queo setor agropecuário constitui a chave para o desenvolvi-mento econômico latino-americano.

Várias razões contribuíram para que nos ocupássemos doContinente como um todo:

• O tema abrange, embora em graus diferentes, todosos países da América Latina.

• A solução deve ser enfrentada por todos ou pelamaioria para que possa lograr êxito.

• A idéia, tão em moda, de constituir um MercadoComum Latino-Americano exige soluções novas que nãodeixem de lado o problema agropecuário. .~

• O ponto de vista pessoal, fundamentado na experiênciado autor que visitou nestes últimos anos quase todos ospaíses da América Latina e se convenceu de que os pro-blemas principais que afligem a Argentina, são semelhan-tes aos encontradiços no Brasil, Colômbia ou Venezuela,pelo menos no que diz respeito ao setor agropecuário.

Dos diversos setores componentes da atividades econômicao que mais cresceu foi o da Mineração e Atividades Extra-tivas, isto é, 7,3% e 4,470 respectivamente, e o de menorcrescimento, utilizando-se as duas formas de medição

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foi O agropecuário com 3,5 % e 0,770. Se considerarmoso período mais extenso, 1936-40 e 1955-60, as conclusõesserão semelhantes. Na verdade o que representa uma taxade crescimento anual de 0,7% para o setor agropecuário?

QUADRO 2

América Latina'ienâêncies do Crescimento Setorial para o Periodo 1945-49 a 1955-60

(Taxas de Crescimento Anual)

Crescimento \ Crescimento totalTotal por por Habitante

__________ -,----' __ --=H=ab=.:i.t=a:.:n:.:t=-e(exclusive (Argentina)

Agricultura, gado, caça e pesca 3.5 0.7 4.0 1.1

Mineração e atividades extrativas 7.3 4.4 7.4 4.3

Manufaturas 6.1 3.2 8.0 4.8

Construção 4.9 2.0 6.6 3.5

Transportes e Comunicações 5.7 2.7 7.1 4.2

Ccmércio e Finanças 5.2 2.3 6.2 3.2

Govêrno 4.2 1.3 4.4 1.6

Outros Serviços 4.6 1.7 4.8 1.9

Todos os Setores 5.0 2.0 5.8 2.7

FONTE: Estatísticas nacionais elaboradas pela CEPAL.

Se considerarmos que a Renda Nacional cresceu nestemesmo período a uma taxa de 2,3% ano, obteremos umaelasticidade de crescimento da produção de 0,370, quandoa relacionamos à Renda Nacional. Com efeito:

0,7

2,30,3.

Como a elasticidade-renda da demanda de produtos agro-pecuários para consumo final e intermediário de nosso con-tinente é de aproxidamente 0,5, chegamos a uma primeirae grave conclusão: o setor mais importante, em têrmos deabsorção de mão-de-obra, não apresentou poder de reação

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suficiente sequer para crescer de acôrdo com as necessi-dades que lhe foram impostas.por um modesto crescimentoda Renda Nacional.

O problema encontrou solução através de dois caminhos,ou por uma combinação de ambos: pela diminuição doquantum de exportações para recondução ao mercadointerno que crescia sem que se desse um aumento sufi-ciente da oferta; ou incrementando as importações dosprodutos carentes.

A fim de possibilitar um melhor entendimento do proble-ma, devemos observar que nos últimos anos temos im-portado produtos de outras áreas de origem agropecuáriaa um valor equivalente a 600 milhões de dólares anuais.

No ano de 1960, a despeito de vigoroso processo de urba-nização, 54% da população do continente vivia em zonasrurais. Em conformidade com as estimativas das Organi-zações Internacionais, no ano de 1975,46% da populaçãolatino-americana continuará vivendo na zona rural.

Partindo dêstes fatos e observando o QUADRO 3, particular-mente os vários setores, concluiremos mais uma vez que osetor agropecuário é o de índice mais baixo. Enquantoo valor médio para todos os setores é de 816 dólares portrabalhador, na mineração atinge a cifra mais elevada de3.667 dólares e na agricultura e na pecuária a cifra maisbaixa com 382 dólares' de produto gerado por trabalhador.

QUADRO 3

América Latina: Produto por Trabalhador e por Setor1955 (em dólares de 1950)

Agricultura 382Mineração 3.687Manufatura 1.057Construção 955Serviços 1.313

Todos os setores 816

FQNn; CEPAL, "EstudQ sôbrel mão-de-obra na Amórica I.atina",

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Tomando por base êstes dados do passado, levantemos aquestão das perspectivas para o futuro.

Iniciaremos pelos dados referentes ao crescimento popu-lacional. A densidade demográfica de nosso continentenos coloca entre as regiões subpovoadas. Em 1960 tínha-mos 11 habitantes por quilômetro quadrado, enquanto aÁsia tinha 62 e a Europa 86. Mas se nos detivermos naanálise do aumento populacional do mundo nos últimosanos, verificaremos que a América Latina apresenta o maiselevado índice anual de crescimento, como pode ser obser-vado no QUADRO 4. Este índice apresenta tendência cres-cente, podendo aumentar ainda mais no futuro.

QUADRO 4

Taxas de Creecimento Populacional no Mundo eDensidade Demo~ráJica (1950-1960)

AumentoAnual

%

Habitantespor km2

em 1960

África

AMÉRICA LATINA

2

1.8

(2.8)

1.9

0.8

2.4

1.71.8

8

9

(11)

6286

2

10

22

América do Norte

Ásia

Europa

Oceania

URSS

TOTAL MUNDIAL

FONTE: Organização das Nações Unidas.

Nosso continente assiste ao fenômeno da explosão demo-gráfica que nos permite afirmar que o grau de crescimentopopulacional desde 1950 até nossos dias alcançou a maiselevada taxa até hoje conhecida. Sendo mais explícito:entre 1925 e 1935 a população aumentou em 20 milhõesde habitantes a uma taxa anual de crescimento de 2% .Entre 1935 e 1.945o aumento.foi de 25 milhões à mesma

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taxa de 270. Entre 1945 e 1955 a população aumentoude 40 milhões a uma taxa de crescimento anual cumula-tivo de 2,6%. Para o qüinqüênio 1955-1960 esta taxaelevou-se a 2,970.Em 1960 éramos 206 milhões de habitantes; em 1975seremos 315 milhões e em 1980 o continente terá 360milhões de habitantes. Entre 1960 e 1980, a AméricaLatina terá que alimentar, vestir, prover moradia e tra-balho para 150 milhões de pessoas adicionais, o que repre-senta 70% a mais do que a população existente em 1960.

Retomando as cifras do QUADRO 4, veremos que o decênio1950-60 apresenta para a América Latina uma taxa anualde crescimento da ordem de 2,8%. A mesma é superioraos demais continentes, inclusive a Ásia e a África com1,9% e 2,0% respectivamente.

Os economistas calcularam o nível de investimentos ne...,cessários na América Latina, apenas para manter o atualnível de vida da população, a fim de que o crescimentopopulacional não produza uma deterioração sôbre a situa-ção imediatamente anterior ao aumento. Para a efetuaçãode tal cálculo foi utilizada uma fórmula simples:

br=

a

onde r é a taxa de crescimento populacional, sob a formade porcentagem anual; b a porcentagem da Renda Na-ciona1líquida que deve ser poupada anualmente e a a re-lação capital-produto, que para nosso continente se estimaao redor de 2,5.

A partir dêstes dados obteremos:

?2,9 = -.-'-.

2,5

Efetuando as operações conclui-se que a porcentagem daRenda Nacional líquida que deve -destinar-se .afnvesti-

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mentos iguala a 7,25 % . Se atentarmos para o fato deque o coeficiente líquido de investimentos nestes últimosanos é igual a 10% do PNB, tomando-se por base umcoeficiente bruto de 15,5, veremos que quase três quartaspartes de nosso esfôrço de poupança, e conseqüentementede investimentos, se destina simplesmente ao acompanha-mento do crescimento populacional, restando uma quartaparte para aumento da produtividade e da renda porhabitante.Em face desta "explosão demográfica", qual o comporta-mento do setor agropecuário no passado e que possibi-lidades nos poderá oferecer no futuro?

O estudo de vinte e quatro produtos principais, queocupam aproximadamente 50% da superfície total culti-vada, demonstrou que o seu aumento de produção nosúltimos vinte anos, foi de 6070, obtidos da seguinte forma:38% por simples extensão da área cultivada e apenas16% pela elevação dos rendimentos (aumento de produ-tividade), o que significa 0,7% anuais.

A fim de realizar as projeções suponhamos que, por ora,a renda por habitante aumente a uma taxa anual cumu-lativa de 2,5 % (objetivo mínimo da Aliança para o Pro-gresso); que se mantenha não eqüitativa a distribuiçãoda renda entre a população e ainda, que a população con-tinue crescendo a uma taxa cumulativa de 2,9% ao anoaté 1980. Nestas condições ao considerar-se para os pro-dutos a elasticidade-renda, o consumo atual, a tendênciahistórica etc., poderemos estimar a: demanda internafutura.

No QUADRO 5, encontramos o consumo médio anual para1957-59 e se projeta a demanda para 1980 de quatro pro-dutos agrícolas e um pecuário: trigo, milho, arroz, feijãoe carne bovina, pois todos têm uma participação impor-tante na composição da dieta habitual em nosso continente.

A inevitável conclusão que se depreende ao observar-se aporcentagem de aumento em duas décadas é de 160%para milho, 158% para carne bovina, 150% para arroz

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QUADRO 5

América Latina: Consumo Médio Anual para o Periodo1957-59 e Demanda Projetada para 1980

% doAumento

Em Milhões de Toneladas

1957-59 1980

Trigo 11,4 24,6 116

Milho 20,6 53,5 160

Arroz 4,6 11,5 150

Feijão 2,6 5,3 104

Carne bovina 4,8 12,4 158

FONTE: JACQUES CHONCOL, "Reforma Agrária en América Latina".

etc., O que implica na impossibilidade prática de o setoragropecuário atingir suas metas, com base no seu com-portamento histórico.Essa possíbílidade.explíca-se pelo fato de que a forma decrescimento tradicional, isto é, a expansão da fronteirageográfica não será viável para a maioria dos países queestão aproveitando 'com produções extensivas tôdas asterras aráveis disponíveis. Isto implica num aumento desuperfícies marginais que exigirão um esfôrço de capital.muito maior àquele tradicionalmente destinado ao setore sua produtividade será inevitàvelmente mais baixa.

A fim de quantificar as necessidades adicionais de terrasaráveis, tomemos por base que os quatro produtos agro-pecuários, que em 1957-59 exigiam 35 milhões de hec-tares. passarão a ocupar, para a produção projetada de1980, 72,5 milhões de hectares e que o número de cabeçasde gado vacum, que em 1957-59 era de 186 milhões(produzindo 29,9 quilos de carne por animal) teria deaumentar .em 1980 para 387 milhões de cabeças, supon-do-se que a produção por animal aumente para 31,9 qui-los, em conformidade com a tendência verificada nosúltimos anos. I ;

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Qual seria a solução possível? Se o setor agropecuanocontinuar com os atuais índices de crescimento, a respostaé clara: devemos baixar o nível de consumo. A possi-bilidade de importar o equivalente ~ diferença entre ademanda e a oferta interna deverá ser Iprontamente aban-donada, uma iez que a situação de possas balanços depagamentos jamais. o permitiriam. .

Ao abordar o problema de nosso balanço de pagamentosconvém advertir da conveniência de adicionar dois pontosque nos indicam uma perspectiva ainda de mais difícilsolução, se nos decidirmos pela manutenção da atualsituação.

Primeiramente cumpre ressaltar que não foram levadosem consideração, para efeito de nossos cálculos, os aumen-tos de produção do setor agropecuário destinados àexportação. É evidente que para muitos países latino--americanos, dentre êles a Argentina é o exemplo maissignificativo, os bens do setor agropecuário (e para aAmérica Latina como um todo, os bens de origem nosetor primário em geral), continuarão por alguns anossendo decisivos para obtenção das divisas necessárias aserem investidas para que se possa atingir um desenvol-vimento econômico e social autêntico. O "grande impulso"(take-off) necessário para arrancar-nos do atraso, exigirábens e serviços externos que deverão ser pagos pelas nos-sas exportações. Todavia já é suficientemente conhecidoo fato de que as exportações de tipo primário das zonassubdesenvolvidas apresentam um crescimento muito bai-xo, devido a uma série de fatôres que influem na pautade consumo dos países desenvolvidos, e que enumerare-mos brevemente:

• À medida que se eleva o nível de renda, a demandapor alimentos tende a crescer num ritmo inferior ao doaumento desta mesma renda. Em outras palavras, a elas-ticidade-renda da demanda de alimentos é menor do que L

• Com a elevação da renda se produz uma mudança nogôsto dos consumidores, que aumentam suas despesas na

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aquisição de alguns itens da alimentação (carne, frutas,verduras, e legumes etc.) e diminuem suas despesas comoutros itens alimentares (cereais é um caso típico).

• O desenvolvimento tecnológico permite o desenvolvi-mento de um número sempre crescente de materiais sin-téticos em substituição às matérias;..primas tradicionais.

• A maior eficácia da tecnologia exige quantidades cadavez menores de matérias-primas. Os Estados Unidos ne-cessitavam em 1899 3,2 quilos de carvão para produzirum quilowatt-hora de eletricidade e em 1950 a necessi-dade de carvão baixou para 0,5 quilo por quilowatt-hora.

• A política dos países desenvolvidos para atingir auto--suficiência no abastecimento de alguns prcdutos primá-rios, o que lhes permite aumentar o consumo sem ter delançar mão de importações adicionais.

Em conseqüência do que foi acima exposto as exportaçõesde produtos primários, exclusão feita do petróleo, cres-ceram entre 1928 e 1955-7 de 14%, enquanto as expor-tações de produtos manufaturados aumentaram, nestemesmo período, de 103%. Portanto, devemos aproveitarao máximo as possibilidades que se nos apresentam comofavoráveis dos produtos tradicionais, mas incorreríamosem risco se não completássemos nossa estratégia com ou-tras medidas:• Diversificando nosso mercado tradicional de expor-tações em tôdas as áreas em que possamos obter vanta-gens, inclusive incrementando o comércio com os paísessocialistas, porque em alguns dêles a elasticidade-renda dademanda de produtos alimentícios, vestuário e outras ne-cessidades primárias é bastante elevada.

• Diversificando as exportações através da inclusão deprodutos manufaturados onde possamos obter vantagens,dadas as características de nossa dotação de recursos.

• Concretizando o Mercado Comum Latino-Americano,com o que não será necessário importar os produtos agro-pecuários por parte de alguns países, pôsto que o con-

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tinente pode auto-abastecer-se dos mesmos. Cumpre ob-servar que nos últimos anos a América Latina importoude outras áreas produtos agropecuários num total de 600milhões de dólares.

Podemos concluir que é contraproducente uma políticaque tente cobrir a demanda interna de produtos agro-pecuária nas formas acima referidas, ou seja, importan-do mais ou diminuindo. nossas exportações dêstes mesmosprodutos para colocá-los no mercado interno, uma vezque os balanços de pagamentos, para diminuição dapressão deficitária, exigem outras decisões e o Desenvol-vimento Econômico impõe importações novas para a trans-formação que possibilite novas exportações.

Em segundo lugar partimos do pressuposto de que serámantido o atual padrão de distribuição injusta da renda.

Uma melhor distribuição da renda significaria um aumen-to imediato dos módulos de consumo por parte daquelapopulação que se encontra a nível de subsistência e querequereria maiores quantidades de produtos agropecuários.

Na verdade, o QUADRO 6 nos mostra que a metade dapopulação de nosso continente tem níveis de renda infe-riores ao que se estima como renda média da populaçãotribal africana ou dos países asiáticos (exclusive a UniãoSoviética) .

QUADRO 6

América Latina: Distribuição da Renda entre a População _ 196~

Categoria % % da Renda I Renda porPcpulação Total Habitarite (US$)

I 50 16 12011 45 51 -,JC~ 400

IJI 3 14 1.750IV 2 1!l 3.500

TOTAL 100 100 370

FONTE: CEP AL - "O Desenvolvimento Econômico da América LatinaPôs-Guerra",

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A renda média da América Latina para o ano de 1962era de 370 dólares e na sua distribuição constatava-seque 50% da população absorvia apenas 1670 da rendatotal, atingindo a uma média por habitante de 120 dó-lares. Um segundo grupo, constituído por cêrca de 45%.da população, mereceria a classificação de "classe médiaespecial", absorvendo 51% da renda total, com uma ren-da média de 400 dólares por habitante. Os restantes5% da população foram subdivididos em dois grupos echegamos à seguinte conclusão: 370 absorvendo 14%da renda total com uma média de 1.750 dólares e 2%absorvendo 19% do total, atingindo uma média por ha-bitante de 3.500 dólares. Isto demonstra que 2% dapopulação latino-americana absorve uma parte maior darenda nacional do que os 50% que constituem o grupomenos privilegiado, realidade que nos permite confirmara proposição anterior, isto é, que a metade da populaçãolatino-americana encontra-se em nível de subsistência equalquer política de Desenvolvimento Econômico e So-cial que se propuser deverá levar em consideração umaforma de se conseguir uma desigualdade menor na dis-tribuição da renda nacional.

As evidências levantadas até o momento permitem-noschegar à conclusão de que o setor agropecuário será mui-to menos capaz de reagir favoràvelmente às necessidadesdo futuro se fôr mantida à estrutura atual.

I

Os esforços destinados a aumentar a Renda Nacional e asua melhor distribuição, exige inovações nos processosprodutivos, que uma vez implementados geram o proble-ma de aumento do desemprêgo. Isto se deve ao fato deque os processos tradicionais, embora ineficazes absor-vem um certo quantum de mão-de-obra. A inovação tec-nológica, aumenta indiscutivelmente a produtividade, mastorna supérflua a mão-de-obra outrora empregada queentão aflui em busca de novas colocações para o mercadode trabalho. Quando se considera a explosão demográ-fica e as imensas necessidades de investimento para queela possa obter' colocação, é fàcilmente inteligível o nú-

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mero de desempregados, ou o desemprêgo disfarçado nospaíses latino-americanos.

A mão-de-obra rural, por fôrça de inovações introduzidasnos processos agrícolas, particularmente a mecanização, E!devido à estagnação generalizada reinante neste setor daeconomia, desloca-se para as cidades. Pelo fato da ativi-dade industrial não ser capaz de absorver a totalidade damão-de-obra emigrada das zonas rurais, conseqüência deum processo de urbanização descontrolado, esta acaba pordirigir-se para atividades de prcdutividade muito baixa,como o serviço público, vendedores de baixa categoriaetc., o que configura uma nova forma de desemprêgo par-cial ou disfarçado. De nossa parte é suficiente que seobserve qualquer capital ou cidade de maior importânciano. continente para constatar a existência de distritos in-teiros onde tal população se acha aglomerada. Isto de-monstra que a questão social mais importante de nossocontinente, ou seja, a eliminação do marginalismo, exigea criação de trabalhos produtivos que permitam a ocupa-ção plena do fator de produção mais importante, ou seja,a mão-de-obra.

o processo desenvolvido nos últimos vinte anos estêvebàsicamente dirigido para que se conseguisse o Desen-volvimento Econômico e Social através da industrializa-ção, Mas foi esquecido um dado fundamental, presentenos países hoje desenvolvidos quando êstes iniciavam oseu processo de industrialização, ou seja, o crescimento dosetor agropecuário com uma produtividade por trabalha-dor que era cada vez maior, e com a possibilidade deabsorção, por parte de uma indústria nascente, da mão--de-obra que era eliminada pelo setor primário. Destamaneira, o processo migratório interno do campo para acidade, não apenas foi normal, mas imprescindível parao próprio processo de desenvolvimento. A elevação daprodutividade no setor agropecuário além de requereruma quantidade menor de mão-de-obra por unidade deprodução, tinha o poder de reação necessário para ali-mentar, vestir, dar moradia etc., aos indivíduos que se

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dirigiam para as cidades e que estavam ávidas por mão--de-obra adicional a fim de que se pudesse iniciar o pro-cesso de expansão industrial. Juntamente com a expan-são industrial, tínhamos o crescimento paralelo do setorde serviços.

As economias dos atuais países desenvolvidos evidenciamnossa afirmação. Tomemos por exemplo os Estados Uni-dos em 1950 e veremos qual a divisão porcentual da ati-vidade econômica pelos vários setores.

ESTADOS UNIDOS: Bstrutum Porcentual do PNB por Setores Econômicos~L

Primário . . . . . . . . . . . 7%Secundário (Industrial) 38%11erciário (Serviços). 55%

Total...... 100%

Por outro. lado, em ncssos países o processo tem lugar demaneira totalmente distorcida. Pretendeu-se a indústria-lização a qualquer custo, descurando-se do setor agro-pecuário que acabou por atrofiar-se, dando lugar a umaurbanização descontrolada, pelo abandono do campo porparte de milhões de trabalhadores, que não foi conseqüên-cia do aumento de produtividade, mas de uma secularfalta de oportunidades. Era lógico, então, que a industria-lização não pudesse assumir as mesmas característicasque possui nos países desenvolvidos, e a maioria dosimigrantes, sem a educação e o treinamento necessários,acabassem por dirigir-se aos empregos mais baixamenteremunerados.

A fim de corroborar nossas afirmações com relação aonosso continente tomemos o exemplo de Honduras e ve-remos como se apresenta a sua conformação pelos prin-cipais setores:

HONDURAS: Estruturas Porcentual do PNB, por Setores Econômicos

Primário .. . . . . . . . . . . 53%Secundário (Industrial) 13%Terciário (Seeviços) . 34%

Total .... 100%

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Se representarmos gràficamente as economias hondure-nha e norte-americana, poderemos observar nitidamentea figura truncada para Honduras no que diz respeito aosetor secundário.

Se a metade da população de nosso continente, que sãoos consumidores potenciais de produtos industriais, seencontra a nível de subsistência, vemo-nos ante uma im-possibilidade prática para o crescimento do setor indus-trial.

A existência de um mercado potencial de 80 milhôrn dehabitantes no Brasil continuará apenas como possibili-dade, enquanto êsses milhões de indivíduos não dispuse-rem de poder aquisitivo para influenciar a demanda deprodutos industriais. Completaremos nossas reflexõessôbre o processo de industrialização a fim de locar demaneira precisa o setor chave na estratégia do desenvol-vimento.

A industrialização de nossos países, especialmente a par-tir de 1945 (na Argentina, México e Brasil o processoiniciou-se pouco antes), realizou-se preferencialmentepela substituição das importações de produtos de pequenacomplexidade de fabricação, iniciando-se pelos bens de

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consumo não duráveis e posteriormente passando-se paraos bens de consumo duráveis, do qual constituem excelen-te exemplo os eletrodomésticos.

Um grande. número de países - Argentina, Brasil, Mé-xico e Uruguai entre outros - já completaram o pro-cesso de substituição dos itens fáceis.

A próxima etapa será mais complexa e mais dispendiosa.Mais complexa porque produzirá bens que envolvem pro-cessos mais elaborados e mais dispendiosa porque as ne-cessidades de capital para implantar tal tipo de indústriaexigem investimentos muito superiores àquelas que até omomento foram exigidos pela indústria de bens de fácilsubstituição. Uma siderurgia ou um conjunto petroquí-mico necessita de mais capital, mão-de-obra mais quali-ficada e um mercado mais amplo do que os exigidos paraa fabricação de fogões elétricos, para citar apenas umexemplo.

Sem levar em consideração as sérias falhas que ocorre-ram ao longo do processo de industrialização de nossospaíses, uma vez que para listá-las seria necessário umespaço que um artigo desta natureza não comportaria,deixamos registradas nossas dúvidas sôbre a possibilidadede êxito de uma política que se contente em cuidar tão-sõmente do setor industrial. A tecnologia da industriali-zação nos países desenvolvidos se realiza mediante aten-dimento à constelação de seus recursos produtivos. Nes-tes países, devido ao alto nível de renda, pode contar-secom uma elevada dotação de capitais e ainda com o fatorde escassez da mão-de-obra. É evidente que a tecnologiaque mais se recomenda é exatamente aquela que absorvegrandes montantes de capital e seja capaz de pouparmão-de-obra.

Mas acabamos de constatar que em nossos países ocorreexatamente o inverso. O baixo nível de renda nos per-mite poupança e investimentos bastante baixos e por ou-tro lado contamos com mão-de-obra em abundância. Por-tanto, a importação. pura e simples de tecnologia não re-

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solve o problema da ocupação plena de nosso fator hu-mano e exige capitais que não possuímos dentro de nossasfronteiras. Não resta dúvida de que a falta de investiga-ções científicas em nosso continente nos obrigam ao usode técnicas oriundas de outros países.

Um exemplo contundente a respeito será de grande uti-lidade para nosso ponto de vista. No livro People, [obsand Economic Development, A. J. JAFFE refere-se, entreoutras coisas, à incidência que teve sôbre o nível de em-prêgo o desenvolvimento econômico do Estado LivreAssociado de Pôrto Rico. Entre 1947 e 1956 o ProdutoNacional Bruto por habitante passou de 327 a 513 dó-lares anuais. As grandes inversões de capitais norte-ame-ricanos permitiram que se implantasse um processo deindustrialização muito rápido e o crescimento do PNB foide 56%. Isto todavia não impediu que a mão-de-obraefetivamente ccupada passasse no Estado em questão de543 000 em 1947 para 533 600 em 1956, o que demons-tra que o processo de transformação industrial represen-tou uma quantidade menor de empregos apesar do au-mento do Produto Nacional Bruto.

Pôrto Rico pôde solucionar fàcilmente o seu problema porfôrça da emigração maciça de trabalhadores para os Es-tados Unidos (cêrca de 418000 pessoas entre 1947 e1956) e o desemprêgo não chegou, portanto, a consti-tuir um problema. Mas os países latino-americanos nãosão Estados Associados e uma experiência similar pode-ria criar tensões sociais ainda maiores do que as existentes.

Do que foi dito até o momento, pode-se perceber a com-plexidade e as dificuldades que devemos enfrentar paralograr o Desenvolvimento Econômico e Social. Mas comoresultado podemos constatar que algumas coisas ficarammais claras.

Apenas através de mudanças estruturais que eliminem oupelo menos atenuem as injustiças poderemos vencer oatraso em que nos encontramos.

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A REFORMA AGRÁRIA

Dentre essas mudanças estruturais destaca-se uma, de es-pecial significação para o êxito do processo, ou seja, a mo-dificação do setor agropecuário. Apenas pelo aumento daprodutividade por homem efetivamente ocupado, serápossível eliminar um grande número de obstáculos. Aexploração intensiva deverá substituir a extensiva queatualmente se pratica, com a adoção de uma política quesignifique a utilização de uma tecnologia adequada e quecomplemente o trabalho para o aumento da produtivida-de e não realize a substituição em grande escala da mão--de-obra pela mecanização. Isto implicará na adoção deadubos, inseticidas, melhores sementes etc., juntamentecom a educação dos camponeses para que possam assimi-lar os ensinamentos que lhes forem ministrados.

A seriedade dos fatos apontados nos leva a afirmar queapenas com a Reforma Agrária, será possível superar osobstáculos do setor agropecuário.

As condições dessa Reforma Agrária foram bem expostaspelo economista e agrônomo latino-americano ]ACQUESCHONCOL.1Cuidaremos aqui de apresentar um resumode suas conclusões acompanhado de alguns comentários.

1) A Reforma Agrária necessária na América Latinanão é nem a colonização, nem um plano de desenvolvi-mento agrário. O ponto de partida encontra-se na redis-tribuição da terra e dos recursos hidrográficos imprescin-díveis à produção, o que implicará na redistribuição darenda originada no setor em bases justas. O exemploargentino mostra claramente que na década dos cinqüen-

1) Citamos nos parágrafos anteriores algumas opimoes e cifras apresen-tadas pelo Professor JACQUES CHONCOLnuma brilhante conferência pro-nunciada num curso sôbre "Problemas Econômicos da América Latina",que se encontrava sob minha responsabiltdade na Escola de Estud'osEconômicos Latino-Americanos para 'portadores de grau universitário emSantiago do Chile, durante o ano de 1962. A conferência foi publicadana revista Panorama Econômico, n.? 232-33, Santiago do Chile, julho de1962 e também no livro EI DewuroIlo de América Latina y Ia ReformaA,raria, Santiago do Chile, Editorial deI Pacífico S. A. J ACQUESCHONCOL.

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ta 63% das terras cultivadas eram ocupadas por arren-datários e outras modalidades de trabalhadores sem terra,enquanto os 37% restantes trabalham em suas proprie-dades, cabendo observar que mesmo nestes casos verifi-ca-se uma porcentagem muito elevada de minifundiários,que criam um problema tão grave ou talvez ainda maissério do que o latifúndio. Na maioria dos demais paíseslatino-americanos, a posse da propriedade agrária é aindamais injusta.

Juntamente com a redistribuição será necessário iniciaruma política de desenvolvimento agrícola que leve emconsideração o que fôr necessário para a transformaçãocom o aumento da produtividade, tais como, política depreços, assistência técnica, créditos, treinamento de cam-poneses, desenvolvimento de técnicos de mercadização etc.

2) O processo de redistribuição da terra deve ser com-pleto, rápido e drástico. Em outras palavras, o processodeve abarcar milhões de trabalhadores rurais e a maiorextensão possível de terras.

3) Conseguir o máximo apoio político para o processo,tanto da parte dos homens de govêrno, como das fôrçaspolíticas e por parte do povo. A Reforma Agrária só serealizará quando os homens de govêrno estiverem con-vencidos de sua inadiável necessidade e quando o povoa apoiar.

4) As propriedades expropriadas pela Reforma Agráriadevem ser pagas a prazo e por preços mínimos. Se sepretender pagar os preços de mercado e à vista, não exis-tirão fundos suficientes nem para o início da transformação.

5) Incorporar integralmente à comunidade nacional ostrabalhadores agrários, arrancando-os do analfabetismo edo nível de pura subsistência a fim de ensinar-lhes novastécnicas. Com o aumento de sua renda, obtida pela ven-da de sua produção, estarão capacitados para compras debens manufaturados.

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Essa é uma das tarefas mais audaciosas que se apresen-tam à geração hodierna, pois trata-se de subtrair ao atra-so e à miséria uma comunidade secularmente submersa.

6) Uma das maneiras mais favoráveis para tornar exe-qüível uma Reforma Agrária é a organização do campo-nês em cooperativas de produção, de comercialização, deaproveitamento mecânico etc..

Não há dúvida que a transformação aqui esboçada exi-girá equipamentos e uma tecnologia apropriada. Tãologo se obtenha o aumento de produtividade, os lucrosque se conseguirem poderão ser aproveitados pelos pró-prios camponeses, se forem suficientemente. unidos no pro-cesso de comercialização de seus produtos. As duas con-quistas podem ser logradas com menores inconvenientes,se estiverem organizados em forma de cooperativas. Esta,todavia, não é a única alternativa, mas parece a maisconveniente, pelo menos na fase inicial do processo.

7) Criação de um organismo estatal específico, que de-tenha a função de planejamento do processo, pôsto queo Estado desempenha a função mais difícil e por isso de-cisiva para o êxito ou para o fracasso da Reforma. Talorganismo deve descentralizar-se a níveis regionais, per-mitindo que os responsáveis respectivos tenham autori-dade suficiente para decidir sôbre os problemas locais.

A experiência boliviana de Reforma Agrária teve inícioem 1953. Os organismos encarregados da mesma eramo Ministério da Agricultura, o Serviço Agrícola Interame-ricano, o Ministério de Assuntos Rurais, o Banco AgrícolaBoliviano, a Corporação de Fomento, o Ministério da De-fesa e o Conselho Nacional de Cooperativas.

Como conseqüência do grande número de organismosatuantes e da ausência de um que exercesse a função decoordenação, foram desperdiçados esforços e não apenasse deixou de trabalhar com a unidade que se fazia neces-sária, mas também acabou-se por paralisar a ação dosorganismos responsáveis pela implementação do processo,

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pois se anulavam mutuamente através de ações contra-ditórias.

8) "'A Reforma Agrária deve ser feita pelos camponeses,com a ajuda decisiva do Estado, que é o responsável pelaorientação em direção ao bem-comum através da criaçãode estruturas que concretizem as aspirações das massascamponesas e que estejam a serviço da comunidade na-cional e não seja o instrumento de uma oligarquia quedetém o contrôle do poder no Estado."

Estas foram as palavras finais de CHONCOLque transcre-vemos com o intuito de' manifestar nossa total adesão aoseu pensamento.

CONCLUSÃO

Considerando-se que os povos da América Latina estãointeressados em conseguir o Desenvolvimento Econômicoe Social num período de tempo que seja o mais brevepossível, juntamente com uma diminuição da lacuna nadistribuição social da renda, devemos afastar como inútila alternativa da manutenção da situação atual. Nossoponto de vista é coincidente com o de um velho estadistalatino-americano que se referindo aos problemas políticosdo "Plano da Aliança para o Progresso" afirmava: "Seo destino da América Latina fôr permanecer estagnada ouadotar uma cultura pagã, então os povos latino-america-nos que contribuíram com grandes sacrifícios em prol dosistema democrático, devem cessar os seus sacrifícios emtroca de uma civilização desfrutada pelo norte (EstadosUnidos e Canadá) e à qual o sul simplesmente aspira."

Usando nossas próprias palavras: o problema se colocacomo um dilema entre as duas seguintes alternativas: ouo sistema político atual realiza as mudanças estruturaisnecessárias para atender as exigências populares, ou ospovos varrerão a situação de injustiça vigente, prescin-dindo de valôres quel até o momento, foram considera-dos intocáveis.