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Sexta Turma

Sexta Turma...Jurisprudência da SEXTA TURMA RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 625 4. Embora a pena corporal não alcance 08 (oito) anos de reclusão, as peculiaridades

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HABEAS CORPUS N. 136.334-MG (2009/0092679-9)

Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

Advogado: Wiliam Riccaldone Abreu - defensor público

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Paciente: Wanderson Glauber Eduardo Alves Camargo

EMENTA

Habeas corpus. Tráfico de drogas. Art. 33, § 4º, da Lei n.

11.343/2006. Participação em atividades e organizações criminosas.

Exigência de sentença condenatória transitada em julgado.

Impossibilidade.

1. Mostra-se correta a negativa de aplicação da causa de

diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 se,

conforme afi rmado no acórdão impetrado, o paciente se dedicava “à

prática criminosa”, sendo o chefe do tráfi co na comunidade conhecida

como “Favela da Luz”.

2. Nos termos expressos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006,

para fazer jus à aplicação da causa de diminuição, o réu deve ser

primário, de bons antecedentes, além de não se dedicar a atividades

criminosas nem integrar organização criminosa.

3. Embora os dois primeiros requisitos (primariedade e bons

antecedentes) exijam sentença condenatória transitada em julgado,

a aferição da dedicação à atividade criminosa ou da participação em

organização de igual natureza pode ser extraída pelo julgador a partir

de outros elementos de prova constantes dos autos.

4. Para desconstituir as premissas fáticas estabelecidas pelas

instâncias ordinárias, seria necessário o revolvimento do acervo

probatório, providência descabida em habeas corpus.

5. Ordem denegada.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador

convocado do TJ-RS), Maria Th ereza de Assis Moura e Og Fernandes votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator

DJe 17.10.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de habeas corpus impetrado

em favor de Wanderson Glauber Eduardo Alves Camargo, em que é apontado

como órgão coator o Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Consta dos autos que o Juízo de Direito da 3ª Vara de Tóxicos de Belo

Horizonte-MG condenou o paciente à pena de 06 anos de reclusão e 600

dias-multa, como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Autos n.

024.07.673.398-9). A defesa recorreu e o Tribunal a quo proveu parcialmente

o recurso a fi m de diminuir a reprimenda para 05 anos de reclusão e 500

dias-multa, mantido o regime de cumprimento fi xado na sentença (Apelação

Criminal n. 1.0024.07.673398-9/001 - fl . 05):

Tráfico de entorpecentes. Preliminar. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Mérito. Materialidade e autoria comprovadas. Aplicação da pena. Reconhecimento de atenuante. Redução. Recurso provido parcialmente. Inexiste cerceamento de defesa se o juiz entendeu não haver dúvida sobre a integridade mental do acusado, deixando de instaurar incidente de sanidade mental. - São sufi cientes para a caracterização do crime de tráfi co de entorpecentes as circunstâncias da apreensão da droga, precedida de atos de mercancia testemunhados por policiais militares, os quais não têm a credibilidade diminuída em razão de tal condição. - O agente menor de 21 (vinte e um) anos na época dos fatos faz jus à atenuante da menoridade prevista do art. 65, I, do CP.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 623

Alega o impetrante que o paciente preencheria os requisitos para fazer jus

à aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.

11.343/2006.

Sustenta que a reincidência, os maus antecedentes e a participação em

atividades ou organizações criminosas podem ser considerados tão somente se

houver sentença transitada em julgado afi rmando tais fatos.

Pede a concessão da ordem para que seja aplicada a minorante.

Sem pedido liminar e dispensadas as informações, o Ministério Público

Federal opina pela denegação da ordem (fl s. 67-71).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Busca-se, na presente

impetração, a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.

Colhe-se da sentença o seguinte excerto (fl . 16):

[...]

O local onde ocorreu os fatos é conhecido pelos policiais como ponto de venda de drogas. Sendo do conhecimento dos mesmos que o acusado Wanderson, vulgo “Gordinho” vendia drogas, e era o líder do tráfi co na Favela da Luz. Ressalte-se, ainda, que os milicianos já abordaram, por diversas vezes, usuários de drogas nas imediações do local e que estes confessaram ter adquirido a substância entorpecente para saciar seu vício através de Wanderson. Portanto, o acusado nunca demonstrou nenhuma debilidade mental, visto que, era administrador e chefe da quadrilha que perpetrava o tráfi co no local.

[...]

Por sua vez, disse o acórdão impetrado ao se manifestar sobre o tema (fl . 76):

[...]

No que se refere à causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33, da Lei n. 11.343/2006, há que se analisar a ocorrência das condições legais para sua aplicação, quais sejam: 1) primariedade; 2) bons antecedentes; 3) não ser o agente dedicado a práticas criminosas; e 4) não integrar o agente organização criminosa.

Faltando qualquer um desses requisitos, a diminuição da pena, que pode ser de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), não deverá ser aplicada. Cuida-se de

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dispositivo que visa benefi ciar o pequeno e eventual trafi cante. O profi ssional do tráfi co e o que teima em delinqüir não merece atenuação da pena.

Conforme bem colocado na sentença, não comporta a aplicação da redutora o caso vertente, no qual sobressaem circunstâncias indicativas de dedicação à prática criminosa. É claro que esta dedicação ao crime não deve ser extraída tão-somente da certidão de antecedentes criminais, porquanto para isso a lei determinou a apreciação da primariedade e boa antecedência. Não se repetem os requisitos, por óbvio.

In casu, verifica-se que o apelante é conhecido como líder da “gangue do gordinho” - nome derivado de sua alcunha - e chefe do tráfi co de drogas na Favela da Luz, consoante testemunho policial (fl s. 25-25v, 106-107 e 108). Pesa, ainda, em seu desfavor, o fato de não ter comprovado atividade lícita e mesmo assim ter condições de adquirir signifi cativa quantidade de drogas e tê-las acondicionado em forma própria para a venda.

Assim, entendo que estes elementos, indicativos de que o apelante se dedica à prática criminosa, eclipsam a aplicação da redutora em comento.

[...]

Mostra-se correta a negativa de aplicação da causa de diminuição prevista

no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 se, conforme afi rmado no acórdão, o

paciente se dedicava “à prática criminosa”, sendo o chefe do tráfi co na comunidade

conhecida como “Favela da Luz”.

A propósito:

Habeas corpus. Tráfico de drogas. Dedicação a atividades criminosas. Não aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Constrangimento ilegal não evidenciado.

1. Segundo o § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, nos crimes de tráfi co ilícito de entorpecentes, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, de bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

2. No caso, o Tribunal de origem afastou a incidência da mencionada minorante em virtude do não preenchimento de requisito nela previsto, asseverando que o proceder do paciente evidencia sua experiência e habitualidade no tráfico, pois conhece precisamente os mecanismos aptos a conferir maior rendimento à droga, de modo a obter mais lucro e enganar seus consumidores – visto que acrescia ao entorpecente fermento conhecido como Pó Royal –, práticas estas somente atribuíveis a pessoas afetas à condutas criminosas.

3. Ademais, reconhecida a dedicação a atividades criminosas, qualquer conclusão diversa necessitaria de incursão no conjunto fático-probatório, providência esta incompatível com a via estreita do writ. Precedentes do STJ.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 625

4. Embora a pena corporal não alcance 08 (oito) anos de reclusão, as peculiaridades da causa autorizam a manutenção do regime prisional fechado. Isso porque, concluiu o Tribunal a quo ser o paciente pessoa experiente e habitual na prática do tráfi co, circunstâncias que evidenciam a necessidade de maior rigor no apenamento.

5. Diante das mesmas balizas, não se apresenta recomendável a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos.

6. Ordem denegada.

(HC n. 174.161-SP, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 04.04.2011 - grifo nosso).

Habeas corpus. Tráfi co. Causa de diminuição da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Inaplicabilidade. Paciente que, de acordo com as instâncias de mérito, se dedica a atividades criminosas. Ordem denegada.

1. Nos termos do artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, nos delitos defi nidos no caput e no § 1º daquele artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

2. Não incide a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando as instâncias de mérito, com base nos elementos probatórios constantes dos autos - tais como interceptações telefônicas autorizadas judicialmente e depoimentos prestados sob o crime do contraditório e da ampla defesa -, concluíram que a paciente, juntamente outro corréu, se dedica ao comércio de tráfi co de drogas “de modo reiterado, organizado e habitual e faziam do tráfi co seu meio de vida”.

3. Para se chegar a conclusão diversa, ademais, seria imprescindível o reexame de fatos e provas que permeiam a lide, ao que não se presta o procedimento sumário e documental do habeas corpus. Precedentes.

4. Ordem denegada.

(HC n. 126.707-SP, Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Sexta Turma, DJe 05.04.2010 - grifo nosso).

Nos termos expressos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, para fazer

jus à aplicação da causa de diminuição, o réu deve ser primário, de bons

antecedentes, além de não se dedicar a atividades criminosas nem integrar

organização de igual natureza.

Embora os dois primeiros requisitos (primariedade e bons antecedentes)

exijam sentença condenatória transitada em julgado, a aferição da dedicação à

atividade criminosa ou da participação em organização de igual natureza pode ser

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extraída pelo julgador a partir de outros elementos de prova constantes dos autos. Na

verdade, entender de maneira diversa seria tornar letra morta os dois últimos

requisitos previstos no dispositivo.

Destarte, se fosse o caso de o réu ter contra si sentença transitada em

julgado, já não faria jus à minorante, pela reincidência ou pelos antecedentes.

Por outro lado, se fosse primário e de bons antecedentes, seria impossível o

reconhecimento da dedicação à atividade criminosa ou da participação em

organização criminosa, caso se exigisse a existência de sentença condenatória

defi nitiva para sua caracterização.

A propósito, transcreve-se ementa de julgado que, não obstante a

primariedade e os bons antecedentes, reconheceu que a dedicação a atividades

criminosas impediria a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n.

11.343/2006:

Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes. Dosimetria. Pena-base. Fixação acima do mínimo legal. Ações penais sem certifi cação do trânsito em julgado. Sopesamento na primeira etapa da dosimetria como maus antecedentes e má conduta social. Impossibilidade. Precedentes. Súmula n. 444-STJ. Mitigação devida. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.

1. Consoante orientação sedimentada nesta Corte Superior, inquéritos policiais ou ações penais sem certifi cação do trânsito em julgado não podem ser levados à consideração de maus antecedentes ou de má conduta social para a elevação da pena-base, em obediência ao princípio da presunção de não-culpabilidade. Exegese da Súmula n. 444 deste STJ.

Aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006. Primariedade. Paciente que se dedica a atividades criminosas. Análise fática. Impossibilidade de incidência da minorante. Constrangimento ilegal não evidenciado.

1. Embora tecnicamente primário, infere-se que o acórdão combatido negou a aplicação da causa especial de diminuição em comento por considerar que o sentenciado se dedicaria a prática do crime de tráfico de entorpecentes, tendo sido, inclusive, condenado pelo cometimento desse delito em concurso de agentes. Ressaltou, além disso, estar o paciente respondendo a outros processos criminais por fatos semelhantes, o que demonstra, desse modo, não ser merecedor da benesse ora almejada.

2. Para concluir-se que o condenado não se dedicava a atividades ilícitas, necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório, o que é incabível na via estreita do remédio constitucional.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

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3. Habeas corpus concedido em parte apenas para restabelecer a sentença de primeiro grau no ponto em que fixou a reprimenda-base do paciente no mínimo legal, aumentando-a em 1/6 (um sexto), nos termos do art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006, tornando a sua sanção defi nitiva em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, mantido, no mais, o acórdão objurgado.

(HC n. 145.254-RJ, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 08.10.2010 - grifo nosso).

Ademais, para desconstituir as premissas fáticas estabelecidas pelas

instâncias ordinárias, seria necessário o revolvimento do acervo probatório,

providência descabida em habeas corpus.

A esse respeito:

Processual Penal. Habeas corpus. Flagrante preparado e desclassificação. Tipicidade. Alteração. Matérias probatórias. Via inadequada. Diminuição de pena e regime inicial. Prejudicialidade.

1. Aferir se há fl agrante preparado ou esperado, ou se os fatos se subsumem ao delito de extorsão ou de concussão, são matérias que demandam revolvimento fático-probatório não condizente com o habeas corpus, via angusta por excelência. Precedentes.

2. Já operada, na origem, a pretendida diminuição da pena-base, que inclusive fi cou no mínimo legal, não há mais nada a fazer neste particular.

3. Encontrando-se o paciente em livramento condicional, fi ca sem sentido o pleito de alteração do regime inicial para aberto, como também a pretensão de substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos.

4. Habeas corpus prejudicado em relação à diminuição da pena, ao regime inicial e à substituição da privativa de liberdade por restritivas e não conhecido quanto ao mais.

(HC n. 87.791-RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 23.08.2010 - grifo nosso).

Penal. Habeas corpus. Extorsão mediante seqüestro. Desclassificação para concussão. Impossibilidade. Tráfico ilícito de entorpecentes e roubo circunstanciado. Absolvição por insufi ciência de provas. Reexame do conjunto fático-probatório. Impropriedade da via eleita. Ordem denegada.

1. Para a eventual desclassifi cação da conduta de extorsão mediante seqüestro para concussão, bem como para a pretensa absolvição do paciente das imputações de tráfi co ilícito de entorpecentes e roubo circunstanciado, necessário seria o exame de questões que, para seu deslinde, demandam aprofundado exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de conhecimento.

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2. Dessa forma, inviável é a utilização do habeas corpus, remédio jurídico-processual, de índole constitucional, marcado por cognição sumária e rito célere, que tem como escopo resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, o que não se verifi ca na espécie.

3. Ordem denegada.

(HC n. 47.749-RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 05.11.2007 - grifo nosso).

Ante o exposto, denego a ordem.

HABEAS CORPUS N. 172.105-SP (2010/0084574-0)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Ana Cláudia Ribeiro Tavares (assistência judiciária)

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Paciente: Marcelo Barros dos Santos (preso)

EMENTA

Execução penal. Habeas corpus. Falta disciplinar de natureza

grave. Interrupção do lapso temporal para a concessão de benefícios.

Impossibilidade. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal.

Ordem concedida.

1. Fere o princípio da legalidade a interrupção do lapso temporal

para a concessão de benefícios, em razão do cometimento de falta

disciplinar de natureza grave, diante da ausência de previsão legal para

tanto.

2. Ordem concedida a fi m de afastar a interrupção da contagem

do lapso temporal para a concessão de benefícios inerentes à execução

penal, ante a perpetração de falta grave, cabendo ao Juízo da Execução

a análise dos demais requisitos objetivos e subjetivos, nos termos do

disposto no art. 112 da LEP.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do

voto da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião

Reis Júnior e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS)

votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 04 de outubro de 2011 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 17.10.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de habeas corpus,

sem pedido de liminar, impetrado em favor de Marcelo Barros dos Santos,

apontando como autoridade coatora a 9ª Câmara de Direito Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Agravo de Execução Penal n.

990.09.186014-0).

Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Penais reconheceu

a prática de falta disciplinar de natureza grave pelo paciente e determinou o

reinício da contagem do lapso temporal para a obtenção de benefícios.

Irresignada, a Defesa interpôs agravo em execução perante o Tribunal de

origem, o qual negou provimento ao recurso. O acórdão restou assim sumariado,

no que interessa (fl . 58):

(...)

Não obstante os doutos fundamentos do recurso, o certo é que o agravo não comporta provimento.

O agravante, conforme folha de antecedentes que determinei a juntada, cumpre pena roubo qualifi cado e tráfi co de entorpecentes, num total de treze anos e três meses de reclusão, com término do cumprimento previsto para 1º.04.2018.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Em 03.11.2008, o agravante cometeu falta grave consistente em posse de entorpecentes (fl s. 16).

O cometimento da falta grave interrompe a contagem para a obtenção de qualquer benefi cio, reiniciando-se. Anoto que, consoante vinhamos decidindo nesta colenda Câmara, só alcançará o tempo exigido, caso não haja motivo interruptivo do tempo, em 25.05.2011, acolhendo-se o lapso temporal estabelecido na Lei n. 11.464/2007, de forma que não atingiu o requisito objetivo.

Convém ressaltar que o novo ordenamento afastou de forma definitiva o óbice à progressão, mas estabeleceu, no § 2º do art. 2º, da Lei n. 8.072/1990, com a redação dada pela Lei n. 11.464/2007 que a progressão de regime, no caso dos condenados pelos crimes previstos naquele artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente.

A legislação atual é mais benéfi ca ao permitir a progressão antes vedada. Todavia, o prazo estabelecido na lei nova é que deve prevalecer e não o previsto na antiga, quando não era permitida a progressão de regime.

Hoje, essa questão fi cou superada com a edição da Súmula Vinculante n. 30. mas é certo que ela não tem aplicação in casu em razão do que consta da Súmula Vinculante n. 9:

O disposto 110 artigo 127 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recibo pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58.

Observo que o agravante tem longa pena a cumprir, praticou crimes gravíssimos, demonstra tratar-se de pessoa corrompida pelo submundo do crime e nociva à comunidade. Somente quando demonstrar, com acentuada clarividência, que possui mérito pessoal para ser agraciado com qualquer benefi cio é que este poderá ser deferido.

Se for concedido ao sentenciado algum benefício de forma prematura, certamente será incentivo à fuga ou possível retorno à delinqüência, vez que cometeu diversos crimes, ai incluído de natureza hedionda.

De qualquer forma, o que se discute aqui e o requisito temporal que efetivamente não foi cumprido. Quando a execução das penas estava em andamento, o sentenciado praticou falta grave, de modo que foi interrompido esse prazo, devendo ser reiniciado a partir de então. A regressão não poderia ocorrer porque ele já se encontrava no regime mais severo, mas a interrupção do prazo de cumprimento não pode deixar de ser aplicada.

Isso foi bem evidenciado nos autos pelos dignos representantes do Ministério Púbico de ambas as instâncias, que fi cam fazendo parte integrante do presente.

Posto isso, nego provimento ao agravo.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 631

Daí o presente mandamus, no qual o impetrante alega, em síntese, que o

Código Penal, bem como a LEP, não prevêem hipótese de interrupção do prazo

exigido para a obtenção de benefícios no curso da execução e que o princípio da

legalidade impede que, por via interpretativa, se crie uma restrição não prevista

em lei.

Requer a cassação do acórdão proferido pelo Tribunal de origem para

restabelecer a data-base original.

Sem pedido liminar, foram solicitadas informações, prestadas às fl s. 24-28

e 27-28.

O Ministério Público Federal opinou, em parecer da lavra do

Subprocurador-Geral da República Humberto Jacques de Mederiros, pela

denegação da ordem (fl s. 44-46).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura (Relatora): A princípio,

mister salientar que a jurisprudência dominante neste Superior Tribunal de

Justiça, e em particular nesta Sexta Turma, era no sentido de que a prática de

falta grave interrompia a contagem do lapso temporal para fi ns de progressão de

regime:

Execução penal. Habeas corpus. Falta grave cometida pelo apenado. Interrupção do prazo para progressão de regime prisional. Adoção do parecer do Ministério Público como razões de decidir. Inocorrência de nulidade.

(...)

II - Em caso de cometimento de falta grave pelo condenado, será interrompido o cômputo do interstício exigido para a concessão do benefício da progressão de regime prisional, qual seja, o cumprimento de pelo menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso).

III - O que o art. 83, I, do CP, exige, para fi ns de atendimento de requisito objetivo para obtenção do benefício do livramento condicional, é o cumprimento de mais de um terço da pena total imposta ao sentenciado. Entender-se que a prática de falta grave obriga o sentenciado ao cumprimento de mais de um terço da pena restante para fi ns de concessão do livramento condicional é criar requisito objetivo não previsto em lei, razão pela qual, nesta parte, o writ merece concessão.

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Ordem parcialmente concedida (HC n. 110.940-RS, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 04.12.2008, DJe 09.02.2009).

Habeas corpus. Execução penal. Falta grave. Interrupção na contagem do lapso temporal para a concessão de benefício de progressão de regime prisional. Entendimento do Tribunal a quo em consonância com a jurisprudência desta Corte. Livramento condicional e comutação das penas. Interrupção do prazo para obtenção do benefício pelo condenado. Ilegalidade. Ausência de previsão legal. Precedentes.

1. O cometimento de falta grave, embora interrompa o prazo para a obtenção dos benefícios da progressão de regime, não o faz para fi ns de concessão dos benefícios de livramento condicional e comutação da pena, por ausência de previsão legal.

2. Ordem parcialmente concedida apenas para afastar a interrupção do lapso temporal para a concessão do livramento condicional e da comutação da pena, mantendo no mais o acórdão impugnado (HC n. 116.130-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 02.12.2008, DJe 19.12.2008).

Penal. Habeas corpus. Homicídio qualifi cado tentado. Roubos qualifi cados. Furtos qualifi cados. Estelionato. Execução penal.

Progressão de regime. Falta grave. Fuga. Interrupção. Lapso temporal. Exame criminológico. Dispensa. Juízo da Vara de Execuções Criminais. Tribunal a quo. Exigência. Matéria prejudicada.

1. Esta Corte fi rmou entendimento no sentido de que o cometimento de falta grave não apenas autoriza a regressão de regime e a perda dos dias remidos, mas também interrompe a contagem do prazo para obtenção de benefícios.

2. Não preenchido o requisito objetivo para a concessão de progressão de regime, ante a interrupção da contagem de tempo de cumprimento de pena, resta prejudicada a análise da prescindibilidade da realização do exame criminológico.

3. Ordem denegada (HC n. 107.712-SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18.11.2008, DJe 19.12.2008).

Habeas corpus. Execução penal. Falta grave. Perda dos dias remidos.

Reinício da contagem do lapso temporal para a progressão de regime.

Impossibilidade de interrupção do lapso temporal para a aquisição de livramento condicional, indulto e comutação face ao princípio da legalidade. Ordem parcialmente concedida.

1. O Juízo da Execução deve declarar a perda dos dias remidos pelo trabalho quando restar comprovado o cometimento de falta grave pelo condenado durante o cumprimento da pena.

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2. O cometimento de falta grave também acarreta o reinício da contagem do lapso temporal para a concessão da progressão de regime.

3. Para a aquisição do livramento condicional não pode ocorrer a interrupção, por ausência de expressa previsão legal.

4. O magistrado só poderá considerar interrompido o prazo de cumprimento da pena para fi ns de comutação de pena ou indulto quando houver previsão no decreto de concessão, sob pena de afronta ao princípio da legalidade.

5. Ordem parcialmente concedida para determinar o reinício da contagem do prazo de cumprimento da pena somente para fi ns de progressão de regime, mantendo-se a perda dos dias remidos (HC n. 108.438-SP, Rel. Ministra Jane Silva, Desembargadora convocada do TJ-MG, Sexta Turma, julgado em 16.10.2008, DJe 17.11.2008).

Porém, o entendimento mudou a partir do julgamento do HC n. 123.451-

RS, de relatoria do eminente Ministro Nilson Naves, em que a Sexta Turma, por

maioria, concedeu a ordem para o fi m de que a falta grave não fosse considerada

como marco interruptivo da contagem dos prazos dos benefícios da execução

penal. Ei-lo:

Execução da pena (benefícios). Falta grave (ocorrência). Período aquisitivo (contagem). Interrupção (descabimento).

1. Um dos objetivos da execução é, sem dúvida, proporcionar condições para a integração social do condenado. A história da humanidade sempre teve compromisso com a reeducação do condenado e com sua reinserção social. Para isso, a Lei de Execução Penal prevê vários benefícios.

2. No caso, o cometimento de falta grave pelo apenado não há de importar a interrupção da contagem do prazo para a aquisição de benefícios na execução da pena. Ilícita, portanto, é a exigência de requisito objetivo não previsto em lei.

3. Ordem concedida.

(HC n. 123.451-RS, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 17.02.2009, DJe 03.08.2009).

O assunto foi novamente discutido pela Turma no HC n. 117.064, de

minha relatoria, no qual, por maioria, concedeu-se a ordem. O referido acórdão

possui a seguinte ementa:

Habeas corpus. Execução penal. Writ originário não conhecido. Impropriedade da via eleita. Matéria exclusivamente de direito. Conhecimento. Possibilidade. Falta disciplinar de natureza grave. Interrupção do lapso temporal para a progressão de regime e livramento condicional. Impossibilidade. Ausência de

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previsão legal. Constrangimento ilegal. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício.

1. Inobstante a previsão de recurso específi co, tratando os autos de matéria exclusivamente de direito, não há nenhum óbice à sua apreciação por meio do remédio heróico. Precedentes.

2. Fere o princípio da legalidade a interrupção do lapso temporal para progressão de regime e livramento condicional no curso da execução penal em razão do cometimento de falta disciplinar de natureza grave, diante da ausência de previsão legal para tanto.

3. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para tornar sem efeito a decisão do Juízo da execução, na parte em que determinou a elaboração de novo cálculo de liquidação, fazendo constar nova data para fi ns de progressão de regime e livramento condicional (HC n. 117.064, de minha relatoria, DJe de 30.03.2009).

Trago, assim, minhas refl exões a respeito do tema. Estabelece o art. 112 da

Lei de Execução Penal:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

Dispõe, ainda, o art. 57, parágrafo único, do mencionado diploma legal que “nas faltas graves, aplicam-se as sanções previstas nos incisos II a V do art. 53 desta Lei”, quais sejam, “a suspensão ou restrição de direitos; o isolamento na própria cela, ou em local adequado, nos estabelecimentos que possuam alojamento coletivo; a inclusão no regime disciplinar diferenciado”.

Verifi ca-se, pois, que, relativamente à progressão, tal qual ocorre com o livramento condicional, a Lei de Execução Penal não estabelece qualquer forma de interrupção do cumprimento da pena, para o fi m de se alcançar o lapso temporal exigido como requisito objetivo.

É certo que o art. 127 da LEP dispõe que o condenado, punido pelo cometimento de falta grave, perderá o direito ao tempo remido, começando o novo período a partir da data da infração disciplinar, prevendo o art. 128 que o tempo remido será computado somente para a concessão de livramento condicional e indulto, mas não para a progressão.

Entendo, porém, que o fato da lei dispor que o cometimento de falta

grave implica a perda do tempo remido (disposição essa, aliás, que a meu ver

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merece leitura diversa da que tem sido dada pela jurisprudência dominante,

conforme sempre sustentei neste Superior Tribunal de Justiça) não autoriza

que se conclua, em verdadeira aplicação analógica em malam partem, que uma

vez praticada falta grave a contagem do lapso temporal deva ser interrompido

para fi ns de progressão. Uma coisa é afi rmar que o trabalho não poderá ser

computado como efetivo cumprimento da pena em virtude da prática de falta

grave. Outra, bem diversa, é considerar interrompido o cumprimento do lapso

temporal exigido pela lei para a progressão.

De fato, a Lei de Execução Penal não estabelece, em nenhum dos seus

dispositivos, que o cometimento de falta grave interrompe o lapso temporal para

fi ns de progressão. E, creio, nem poderia, porque tal previsão fugiria totalmente

ao espírito da lei, que é o da reintegração harmônica do condenado na sociedade,

de forma paulatina, progredindo do regime mais rigoroso para o menos rígido,

após o cumprimento do lapso temporal exigido e exibir boa conduta carcerária.

Como conseqüência, a prática de falta grave pode revelar má conduta

carcerária, impedindo, assim, o preenchimento do requisito subjetivo para a

progressão. Mas não pode estar vinculado ao requisito temporal, objetivo. A

execução se faz de forma progressiva e, se for o caso, de forma regressiva, mas o

preenchimento do requisito objetivo se dá pelo cumprimento do lapso temporal,

conforme estatui o Código Penal e a Lei de Execução Penal. Lapso temporal é

um, e não se pode recomeçar a contar o cumprimento de pena.

Portanto, entendo que o paciente pode não possuir boa conduta para a

progressão, ou seja, não preencher o requisito subjetivo, mas, cumprido o lapso

temporal previsto na lei, não há que se falar em ausência do requisito objetivo.

Em suma, penso que fere o princípio da legalidade interromper-se a

contagem do lapso temporal para a progressão de regime, tal como ocorre com o

livramento condicional.

Com efeito, em relação ao livramento condicional, a não interrupção do

prazo ante a falta de natureza grave é, inclusive, matéria objeto de súmula desta

Corte. Ei-la:

A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional. (Súmula n. 441).

É evidente que, na época própria, caberá ao Juízo da execução analisar a

presença dos requisitos objetivo e subjetivo para a progressão, momento em

que a prática da falta grave deverá devidamente ser objeto de consideração

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para o preenchimento do requisito subjetivos, nos termos do disposto no art.

112 da LEP.

Relativamente à comutação e ao indulto, dúvidas não há de que a prática

da falta grave não acarreta a interrupção do lapso temporal para a concessão

dos benefícios, desde que atendidos os requisitos previstos no decreto que

fundamenta o pedido.

Note-se, inclusive, que não é cabível ao magistrado inovar elecando

requisitos não previstos no decreto em questão, ante a observância ao princípio

da legalidade.

Sobre o tema, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte:

Habeas corpus. Comutação de penas. Decreto-Presidencial n. 5.620/2005. Requisitos objetivos preenchidos. Rol taxativo. Falta grave cometida há mais de doze meses. Réu reincidente. Falta disciplinar que não interrompe a contagem do lapso temporal de 1/3 da pena. Restrição não contemplada pelo legislador. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.

1. O Decreto n. 5.620/2005 apenas estabeleceu dois requisitos para a obtenção do benefício da comutação das penas pelo preso reincidente, quais sejam, o cumprimento de 1/3 da reprimenda, bem como a ausência de cometimento de falta grave nos últimos doze meses de desconto da sanção a ele imposta.

2. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, a contagem de prazo para a concessão do benefício da comutação não é interrompida pelo cometimento de falta disciplinar, pois o decreto não estabelece a exigência de o condenado cumprir, a partir do cometimento de falta grave, 1/3 da pena restante.

3. Sendo da competência discricionária do Presidente da República o estabelecimento dos requisitos necessários para a obtenção da benesse, não cabe ao Judiciário restringir a concessão do indulto parcial, criando novos requisitos além dos previstos no rol taxativo do Decreto n. 5.620/2005.

4. Evidenciado o preenchimento pelo paciente dos requisitos necessários para a obtenção do benefício da comutação da pena, deve ser reconhecida a ocorrência de constrangimento ilegal, passível de ser sanado na via do writ.

5. Ordem concedida para cassar o acórdão recorrido, bem como a decisão monocrática por ele confi rmada, e reconhecer o direito do paciente à comutação de 1/5 da pena, nos termos do Decreto n. 5.620/2005.

(HC n. 81.616-SP, Relatora Min. Jane Silva, DJ 15.10.2007).

Habeas corpus. Execução penal. Pedido de comutação da pena indeferido pelo juiz da VEC e pelo Tribunal a quo. Preenchimento dos requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo Decreto n. 5.295/2004. Cometimento de falta grave em

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08.03.2003. Interrupção do prazo para a concessão do benefício. Impossibilidade. Ausência de previsão legal. Constrangimento ilegal confi gurado. Precedentes. Parecer do MPF pela concessão da ordem. Ordem concedida, para deferir ao paciente o direito à comutação da pena.

1. O Decreto n. 5.295/2004 exige, para fins de obtenção do benefício da comutação das penas, que o condenado reincidente preencha dois requisitos, quais sejam: 1) cumprimento de 1/4 da sanção, se primário, e 1/3, se reincidente, até a data de 25 de dezembro de 2004, 2) não cometimento de falta grave nos últimos doze meses de cumprimento da pena, contados retroativamente à publicação do referido Decreto.

2. Ofende o princípio da legalidade a decisão que determina a interrupção do prazo para aquisição da referida benesse, uma vez que acaba por criar requisito objetivo não previsto em lei. Precedentes do STJ.

3. Parecer do MPF pela concessão do writ.

4. Ordem concedida.

(HC n. 113.513-SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 25.05.2009).

Comutação da pena (requisitos). Falta grave (ocorrência). Período aquisitivo (contagem). Interrupção (descabimento).

1. A comutação da pena poderá ser concedida ao condenado a pena privativa de liberdade, desde que se verifi quem as condições estabelecidas no Decreto n. 5.993/2006.

2. O cometimento de falta grave não há de importar a interrupção da contagem do prazo para a concessão da comutação da pena. Uma vez preenchidos os requisitos previstos, não hão de ser impostos novos obstáculos.

3. O entendimento de que o paciente, em razão do cometimento de falta grave, não havia preenchido requisito objetivo para a concessão do benefício – na espécie, fato reconhecido pelo Tribunal de origem, não pelo Juízo da execução – deve ser afastado.

4. Ordem concedida.

(HC n. 124.353-SP, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 17.02.2009, DJe 23.03.2009).

Isso posto, concedo a ordem a fi m de afastar a interrupção da contagem do

lapso temporal para a concessão de benefícios inerentes à execução penal, ante

a perpetração de falta grave, cabendo ao Juízo da Execução a análise dos demais

requisitos objetivos e subjetivos, nos termos do disposto no art. 112 da LEP.

É como voto.

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HABEAS CORPUS N. 202.200-RJ (2011/0071465-8)

Relator: Ministro Og Fernandes

Impetrante: Luiz Carlos da Silva Neto e outros

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 2ª Região

Paciente: Joel Sodré Bessil (preso)

EMENTA

Habeas corpus. Contrabando, corrupção ativa, posse ilegal de arma de fogo e formação de quadrilha armada. Alegação de excesso de prazo. Improcedência. Princípio da razoabilidade. Grave estado de saúde do acusado. Prisão domiciliar para tratamento. Possibilidade.

1. O prazo para o encerramento da instrução processual não é tratado, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, como de natureza fatal. Vale dizer, cuidando-se de réu preso, circunstância que, não se discute, merece especial relevo, impõe-se atentar para o princípio da razoabilidade. Considerado o seu caráter excepcional, a prisão processual não deve perdurar além do tempo necessário para a apuração dos fatos em juízo (res in iudicium deducta).

2. Admite-se, contudo, a dilação dos prazos previstos em lei em virtude dos meandros que permeiam o curso do processo, desde que tal alargamento não ofenda a dignidade da pessoa humana, isto é, que o acusado não permaneça preso, sem sentença defi nitiva, por tempo excessivo.

3. Estando o preso provisório em grave estado de saúde e o estabelecimento prisional em que se encontra não presta a devida assistência médica, é possível a concessão da prisão domiciliar para tratamento.

8. Ordem concedida em parte a fim de substituir a prisão preventiva por prisão domiciliar.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

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unanimidade, conceder parcialmente a ordem de habeas corpus, nos termos do

voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco

Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS), Haroldo Rodrigues

(Desembargador convocado do TJ-CE) e Maria Thereza de Assis Moura

votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 21 de junho de 2011 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 24.08.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de habeas corpus, impetrado em

favor de Joel Sodré Bessil, apontando como autoridade coatora o Tribunal

Regional Federal da 2ª Região, que concedeu parcialmente a ordem lá impetrada,

nos termos desta ementa (fl s. 769-770):

Habeas corpus. Inovação no pleito da Tribuna. Questão de saúde urgente. Conhecimento excepcional da matéria à luz de provas igualmente produzidas da Tribuna. Art. 14, § 2º da Lei de Execuções Penais. Ordem concedida em parte.

I - O pedido, em regra, não comporta inovação no curso do julgamento, nem inclusão de questões não abordadas na inicial como causa de pedir da ordem. Todavia, em situações excepcionais, onde haja alteração urgente e grave do quadro fático, como as que dizem respeito à saúde ou integridade física do preso; ou ainda questões de vida e morte, devem incidir princípios da economia processual e da celeridade para permitir o conhecimento de tais questões quando levantadas da Tribuna, sendo então decididas à vista de elementos probatórios de plano do direito alegado que também se tenham apresentado da Tribuna.

II - A possibilidade excepcional de que se possa conhecer dessas questões apresentadas da Tribuna está igualmente acompanhada do ônus de demonstrar também da Tribuna, com força de prova pré-constituída, as razões e acertamento do pedido. Prova documental que aponta questão de saúde urgente dentro da excepcionalidade que admite conhecer da matéria inovada da Tribuna.

III - Documentos que atestam a necessidade de tratamento radioterápico fora do estabelecimento prisional e necessidade de medicação não encontrada atualmente no sistema. Prova que não demonstra, por outro lado, que tais medicamentos não possam ser fornecidos particularmente pela própria família

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do preso nem que o tratamento não possa ser efetuado dentro de regras concernentes e compatíveis com o disposto no art. 14, § 2º da Lei n. 7.210/1984.

IV - ordem concedida em parte, sob condições.

Consta dos autos que o paciente foi preso em 13.04.2010 sendo denunciado pela suposta prática de contrabando, descaminho e formação de quadrilha.

Alegam os impetrantes, em síntese: a ocorrência de excesso de prazo, pois o paciente se encontra preso há dez meses, sem que tenha se encerrado a instrução criminal; que o paciente é portador de doença grave e que depende de tratamento médico que não pode ser ministrado no estabelecimento prisional em que se encontra acautelado.

Buscam, diante disso, que o paciente seja colocado em liberdade ou, subsidiariamente, a sua inserção em regime domiciliar enquanto o seu estado de saúde assim o exigir.

Indeferida a liminar e prestadas as informações, foram os autos ao Ministério Público Federal que se manifestou pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Com o objetivo de que seja

concedida liberdade ao paciente ou, subsidiariamente, que lhe seja concedido

a prisão domiciliar, alegam os impetrantes dois aspectos: I) excesso de prazo e

II) estado de saúde grave que depende de tratamento médico que não pode ser

ministrado no estabelecimento prisional em que se encontra acautelado.

I) Excesso de prazo

O caso trata da já conhecida ação penal instaurada contra pessoas

envolvidas em extensa quadrilha conhecida pela exploração de caça-níqueis.

Consoante salientei em algumas oportunidades (v.g. HC n. 174.312-RJ e HC

n. 176.394-RJ, entre outros), a peça acusatória ajuizada na 4ª Vara Federal de

Niterói narra a existência de uma quadrilha que vinha atuando nos Municípios

de Niterói e São Gonçalo, no Rio de Janeiro, pelo menos desde 2008, quando se

deram as primeiras apreensões de máquinas caça-níqueis.

Trinta e oito pessoas foram denunciadas no referido processo, por infrações

diversas, entre elas, formação de quadrilha armada (art. 288, parágrafo único,

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CP), extorsão (art. 158 do CP), concussão (art. 316 do CP), corrupção passiva

(art. 317 do CP), corrupção ativa (art. 333 do CP), utilização de material de

importação proibida (art. 334, § 1º, c, do CP) e crimes contra a economia

popular (Lei n. 1.521/1951).

Convém, mais uma vez, rememorar o modo sofi sticado e complexo de agir

da organização.

Diz a denúncia que, no topo da pirâmide da quadrilha, estão os “bicheiros”,

os quais mantêm a administração de outra espécie mais antiga de jogo: o jogo

do bicho.

Arrendam determinada área, abrindo a oportunidade a empresários,

chamados “maquineiros”, para a exploração de máquinas caça-níqueis, desde

que seja paga vultosa quantia mensal pela “autorização”, comprovada mediante a

aposição de um selo afi xado nos equipamentos.

O acusado Wilson Vieira Alves, vulgo “Moisés”, é o primeiro denunciado,

indicado como representante da “banca”, espécie de associação de pessoas que

exploram o jogo ilegal.

Destaca a peça acusatória um esquema criminoso baseado na

arregimentação de membros e aliciamento de policiais.

Vinculados ao “bicheiro”, há os funcionários que recolhem dos

“maquineiros” os valores pagos pelos “selos”, depositando-os no chamado

“escritório”.

Todos aqueles que se aventuram a explorar o ramo de caça-níqueis sem

a autorização do “bicheiro”, através do “escritório”, estão sujeitos a terem suas

máquinas apreendidas e ainda perder o ponto para outro “maquineiro”, através

da fi scalização feita pelo policiais cooptados pela quadrilha.

Segundo o Ministério Público, cinco núcleos de “maquineiros” eram

subordinados ao escritório de “Moisés”.

Cada grupo proprietário de máquinas caça-níqueis passou a explorar o

jogo de azar numa área, a partir da aquisição do selo autorizativo, pagando

constantemente propinas a policiais civis e militares para deixarem de

apreender máquinas, efetuarem prisões em fl agrante e repassarem informações

privilegiadas.

Tais “maquineiros” contavam com o auxílio de recolhedores, de técnicos e

montadores das máquinas.

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Na base da organização estão os comerciantes, que permitem a alocação

de máquinas em seus estabelecimentos, recebendo, em regra, de dez a vinte por

cento dos lucros auferidos.

O paciente, segundo narra a denúncia, teria contato direto com a cúpula da

quadrilha, desempenhando papel de relevância na medida em que até procurou

expandir seus negócios ilícitos para além da divisa do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a

confi guração de excesso de prazo na instrução não decorre de soma aritmética

de prazos legais. A questão deve ser aferida segundo critérios de razoabilidade,

tendo em vista as peculiaridades de cada caso.

Na hipótese, verifi co que o excesso de prazo ocorrido – o paciente encontra-

se preso desde 13.04.2010 – é razoável, tendo em vista que a instrução criminal, no

caso, contém complexidade extremada, isso levando em consideração, por exemplo,

o grande número de denunciados - são 38 (trinta e oito) - e a própria sofi sticação e

aparato logístico da quadrilha, que difi culta - e muito - a célere condução do feito.

Segundo consta das informações prestadas, houve atraso na apresentação

das defesas preliminares, sendo que alguns réus sequer foram encontrados, e

outros postularam a realização de diligência probatória.

O magistrado proferiu decisão, em 13.07.2010, determinando a adoção de

diversas providências, tais como o desmembramento dos autos em relação aos réus que

estavam foragidos; a requisição, atendendo a requerimento das defesas, de novas

cópias das interceptações telefônicas à Polícia Federal, com arquivos contendo

a transcrição dos diálogos considerados relevantes, e de cópias gravadas dos

relatórios de investigação.

Atendendo à referida determinação, os DVDs foram encaminhados

pela Polícia Federal ao Juízo, tendo este proferido despacho, em 31.08.2010,

intimando as defesas a comparecerem à Secretaria para retirá-los. A publicação

do provimento ocorreu em 1º.09.2010, e, a partir daí, abriu-se novo prazo aos

réus para o oferecimento de resposta à acusação.

Registre-se, por oportuno, que foram opostas exceções de incompetência

por três corréus. O Juiz Federal lançou decisão, em 22.07.2010, reafi rmando a

sua competência.

No dia 21.09.2010 o magistrado de primeiro grau proferiu decisão, ao que

parece, de 566 laudas, analisando o acervo cognitivo.

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Enfrentou matérias, tais como, a razoabilidade da acusação, o cabimento

ou não de absolvição sumária de cada um dos 30 réus, os requerimentos de

produção de prova (testemunhal, documental, pericial de vários tipos) e uma

expressiva gama de questões processuais suscitadas, segundo consta das suas

informações prestadas no presente writ.

Ainda foram apresentadas exceções de suspeição por sete denunciados, as

quais restaram rejeitadas.

O sumário de acusação foi realizado entre os dias 04 e 18 de outubro de

2010, quando foram ouvidas aproximadamente 31 testemunhas.

A oitiva das testemunhas de defesa iniciou-se em 08.11.2010, com

encerramento no último dia 02.02.2011.

Impende salientar que, em 26.11.2010, o Juízo Federal, em razão da

omissão das defesas de alguns denunciados, determinou, novamente, que fossem

dirimidas as dúvidas levantadas pelo Juízo quanto à pertinência de algumas

provas requeridas, esclarecimentos estes que “deveriam ter sido prestados até

1º.10.2010”.

Leia-se o seguinte trecho das informações prestadas pelo Juiz de primeiro

grau, no qual procura retratar a complexidade da causa (fl s. 1.010-1.012):

Sem esforço algum, é possível concluir que:

1) o caso é operacionalmente complexo, em virtude: i) do agigantado número de réus (30) e de advogados constituídos; ii) do volumoso acervo documental produzido (aproximadamente 82 volumes); iii) dos procedimentos paralelos, tais como três exceções de competência e duas de suspeição; iv) da prática de centenas de atos cartoriais, incluindo diária de expedição de variados mandados e ofícios; v) da contínua prestação de informações em habeas corpus, recurso em habeas corpus e mandado de segurança; vi) do notável número de testemunhas arroladas e das diligências necessárias para intimá-las; vii) da expedição de carta precatória para a oitiva de testemunha em outro Estado da Federação; viii) das diligências probatórias requeridas pelas partes; ix) da necessidade de deslocamento do Magistrado e dos servidores para outro Município a fi m de realizar as audiências; x) dos desmembramentos decorrentes da existência de réus foragidos ou que não apresentaram reposta à acusação tempestiva;

2) o caso é juridicamente complexo, pois impõe a este Juízo Federal a solução diária de pendência e controvérsias de toda espécie - análise de alegações, argumentos intrincados, requerimentos de produção de prova sofisticada, requerimentos de substituição de testemunhas, requerimentos de transferência de presídio e de exames médicos, pedidos de soltura, exceções de incompetência e suspeição, etc.

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3) este Juízo Federal vem conduzindo de maneira apropriada o feito, sem dilações indevidas nem manifestações desarrazoadas;

4) ainda que se pudesse vislumbrar algum atraso, seria claramente atribuível à complexidade do processo, à extensa prova testemunhal, à complexa produção de prova pericial e à requisição de documentos requeridos por algumas defesas, à existência de réus foragidos que não constituíram defensor (antes dos desmembramentos) e à estratégia das defesas, que deixaram de apresentar as respostas à acusação - ou as apresentaram com atraso - e formularam prematura ou desnecessariamente uma série de requerimentos de prova a cuja apreciação este Juízo Federal acabou sendo compelido por razões eminentemente práticas.

5) ao intem anterior agrega-se a demora das defesas dos réus Wilson Vieira Alves, José Alfredo Vilas Boas Filho, Jerônimo Pinheiro Borges, Raphael Rocha de Campos Freire, Wagner Goulart Quevedo, Wagner Alves Coimbra em prestar os esclarecimentos tidos por este Juízo Federal como necessários para a análise dos requerimentos de prova - só em dezembro de 2010 as defesas o fi zeram.

Diante desse quadro, considero inexistente o constrangimento ilegal

baseado na alegação de excesso de prazo injustifi cado para encerramento da

instrução criminal.

II) Grave estado de saúde do paciente

No que tange ao alegado estado de saúde do paciente, grave e que depende

de tratamento médico incompatível de ser ministrado no estabelecimento

prisional em que se encontra acautelado, convém fazer algumas considerações.

A primeira delas diz respeito à saúde do acusado que, comprovadamente

encontra-se comprometida. Há informações - documento de fl s. 726-754, além de

ser reconhecido pelo acórdão - de que ele foi submetido a cirurgia para retirada

de câncer de próstata e que em razão disso necessita submeter-se a tratamento

radioterápico sob risco de morte, além de precisar ingerir medicamentos

específi cos.

A segunda delas se relaciona com a debilidade da Administração

Penitenciária - isso também foi registrado pelo acórdão - ao reconhecer e

afi rmar categoricamente que não possui ou dispõe de medicação de uso diário

do paciente.

Diante dessas circunstâncias, entendeu o Tribunal Regional Federal da 2ª

Região de conceder ao paciente o direito de receber diretamente de seus parentes

ou terceiros por ele designados, sob supervisão da direção do estabelecimento

penitenciário, a medicação necessária. A Corte autorizou a saída do paciente

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para a realização das sessões de radioterapia, preferencialmente pela manhã,

com retorno no fi nal da tarde.

Mesmo diante dessa decisão, vem a defesa alega o seguinte (fl . 24):

Contudo, o v. acórdão combatido não antevê que o tratamento a que se submete o paciente gera uma série de efeitos deletérios, não sendo minimamente razoável que o paciente saia de Bangu pela manhã, se desloque até outro Município, o de Niterói, aonde é ministrado o tratamento, e ainda retorne para Bangu até as 17 hs, olvidando-se que esse trajeto é feito em média com o tempo de duração de 3 horas, principalmente em sua volta, o que se afi gura extremamente danoso para o estado de saúde do paciente.

Como se não bastasse, o referido tratamento é feito diariamente, e sua duração dependerá ainda da reação do paciente aos seus efeitos.

Diante de todo esse quadro - efetivo comprometimento da saúde do paciente e ausência de condições da Administração Penitenciária de zelar pela sua integridade física -, estive a me perguntar se a solução dada pelo Tribunal a

quo, no caso, atenderia à necessária observância pelo Estado de alguns princípios de ordem constitucional, como por exemplo o principal deles, que é o da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado democrático de direito (ex

vi art. 1º, III, da Constituição Federal).

Todos sabemos que se uma pessoa se submete a uma cirurgia para extração de um câncer e, logo após, inicia um tratamento radiológico, sua saúde fi ca inexoravelmente comprometida e necessita de cuidados especiais.

O cenário de idas e vindas do paciente das sessões de radioterapia para o estabelecimento prisional (ao que parece o hospital não fi ca tão perto do presídio), além da necessidade de que parentes levem seus medicamentos, convenceram-me de que a sua manutenção naquele estabelecimento é prejudicial para sua saúde, o que não signifi ca dizer que a prisão cautelar não é necessária.

A constrição é adequada pelos próprios fundamentos lançados pelo magistrado de primeiro grau e que foram exaustivamente examinados por esta Corte, nos diversos outros habeas corpus impetrados.

Entretanto, não há como negar-lhe o direito de um tratamento digno, em estrita observância aos preceitos constitucionais. Essa é a hipótese dos autos, por diversos motivos dos quais limito-me a destacar dois.

O primeiro diz respeito à natureza da prisão. Veja-se que a própria Lei de Execuções Penais prevê, em seu art. 117, inciso II, que o condenado terá direito

ao regime aberto em residência particular quando acometido de doença grave.

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Ora, se aquela pessoa que reconhecidamente cometeu de um delito – já

que estamos falando da Lei de Execuções Penais – tem direito a ser tratado

em sua residência, quando acometido de grave doença, com igual razão terá

direito a prisão domiciliar aquele que ainda não possui contra si título judicial

condenatório: o presente caso trata de prisão cautelar.

Há, nesta Corte, alguns precedentes já reconhecendo – sempre na via

da excepcionalidade – a possibilidade de se conceder ao preso provisório o

benefício da prisão domiciliar, quando demonstrado que seu estado de saúde é

grave e que o estabelecimento prisional em que se encontra não presta a devida

assistência médica. Nesse particular, destaco os seguintes arestos:

Habeas corpus. Prisão preventiva. Homicídio duplamente qualificado. Manutenção em sede de pronúncia. Estado de saúde do agente. Gravidade não comprovada. Possibilidade de tratamento no estabelecimento prisional. Negativa de prisão domiciliar justificada. Excepcionalidade não evidenciada. Paciente que fugiu do hospital em que estava internado. Constrangimento ilegal não demonstrado.

1. A prisão domiciliar é prevista na Lei de Execução Penal para os condenados que estejam cumprindo pena no regime aberto, desde que atendam a alguns requisitos, expressamente elencados no artigo 117 do aludido diploma legal, dentre os quais encontra-se estar o condenado acometido de doença grave.

2. Para a excepcionalidade da colocação do preso provisório em prisão domiciliar, necessário estar devidamente comprovado que o recluso é portador de doença grave cujo tratamento não possa ser ministrado no próprio estabelecimento prisional em que esteja recolhido, ou que o tratamento médico ali prestado é inefi ciente ou inadequado.

3. Não comprovada a gravidade da enfermidade e asseguradas todas as garantias para que o paciente tivesse atendidas suas necessidades de saúde, física e mental, inviável sua colocação em prisão domiciliar, especialmente em se considerando que empreendeu espetacular fuga do nosocômio onde fora internado por ordem judicial.

4. Ordem denegada.

(HC n. 121.258-SE, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 15.12.2009).

Constitucional. Processo Penal. Recurso em habeas corpus. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Conveniência da instrução criminal. Meras conjecturas. Inviabilidade. Resguardo da ordem pública. Periculosidade do agente, revelada pelo modus operandi com o qual teria agido. Antecedentes em crimes contra a pessoa. Manutenção da medida. Manutenção da custódia na decisão de pronúncia. Ausência de mudança do contexto fático. Desnecessidade

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de nova fundamentação. Debilidade do estado de saúde do recorrente. Prisão domiciliar. Possibilidade. Recurso parcialmente provido.

(...)

4. Ainda que não satisfeitos os requisitos específicos do artigo 117 da Lei de Execução Penal, a prisão domiciliar também pode ser concedida a preso provisório cujo estado de saúde esteja débil a ponto de não resistir ao cárcere, em respeito à dignidade da pessoa humana. Precedentes.

5. Nessa hipótese, o benefício deve perdurar apenas enquanto a saúde do agente assim o exigir, cabendo ao Juízo de 1º Grau a fiscalização periódica dessa circunstância, o mesmo podendo ocorrer na hipótese de os hospitais credenciados ao sistema penal virem a oferecer os serviços de saúde dos quais necessitam o agente.

6. Recurso parcialmente provido.

(RHC n. 22.537-RJ, Rel. Desembargadora convocada Jane Silva, DJe 12.05.2008).

O segundo é que a própria constrição em domicílio; a debilidade da saúde;

e a necessidade de tratamento médico intensivo do paciente fazem as vezes da

cautelaridade exigida pela decisão que decretou a prisão.

Sob esse prisma, veio-me à lembrança de que em julho do corrente ano,

vigorará a Lei n. 12.403/2011, que altera dispositivos do Código de Processo

Penal relacionados à prisão processual, fi ança e liberdade provisória.

O novel diploma legal prevê, dentre outras hipóteses, a possibilidade de

adoção, pelo magistrado, de medidas cautelares substitutivas e diversas da prisão

preventiva, sempre que tais medidas forem sufi cientes para que o processo tenha

seu curso regular ou seja sufi ciente para garantir a ordem pública.

Prevê a nova redação que será dada aos arts. 282, inciso II e 318 do Código

de Processo Penal, o seguinte:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

(...)

II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado;

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

(...)

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;

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Assim, a Lei que entrará em vigor daqui a alguns dias já permite – diga-se

de passagem, na linha da jurisprudência que vinha sendo adotada por esta Corte

– a possibilidade, em caso de doença grave, de se substituir a prisão preventiva

por domiciliar.

Por todo o exposto, concedo em parte a ordem a fi m de, atendendo o pedido

subsidiário dos impetrantes, substituir a prisão preventiva pela domiciliar para

tratamento. Caberá ao Juiz do feito a sua implementação, inclusive autorização

do deslocamento para terapia, bem como adotar providências em caso de

descumprimento dessa decisão.

Comunique-se com urgência.

É o voto.

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Sra. Presidente, acompanho o

voto do Sr. Ministro Relator, entendendo que realmente existe essa situação

excepcional, que autoriza a prisão domiciliar.

Concedo parcialmente a ordem de habeas corpus.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Sra. Presidente, o eminente Relator foi muito feliz ao trazer a julgamento a

lei que está entrando em vigor, considerando o caso concreto.

Acompanho o voto do Sr. Ministro Relator, concedendo parcialmente a

ordem de habeas corpus.

HABEAS CORPUS N. 205.666-SP (2011/0100655-7)

Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS)

Impetrante: Defensoria Pública da União

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

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Advogado: Heloísa Elaine Pigatto - Defensoria Pública da União

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

Paciente: Anderson Carvalho de Santana

Paciente: Clécio Roberto Furlan

EMENTA

Habeas corpus. Uso de documento falso - Art. 304 do Código

Penal. Não-apresentação aos agentes policiais. Incursão no contexto

fático-probatório dos autos. Impossibilidade. Autodefesa. Atipicidade

da conduta. Impossibilidade. Incompetência da Justiça Federal.

Questão prejudicada. Ordem denegada.

1. A apresentação, ou não, de documentos falsos aos agentes

policiais é circunstância que não pode ser revista, pois demanda

incursão no acervo fático-probatório dos autos, medida inviável em

sede de habeas corpus.

2. A utilização de documento falso para escamotear a condição

de foragido, não descaracteriza o delito de uso de documento falso -

art. 304 do CP. Inaplicável nestas circunstâncias a tese de autodefesa

cuja utilização restringe-se ao delito previsto no art. 307 do Código

Penal. Precedentes do STF.

3. Incompetência da Justiça Federal. Questão prejudicada.

4. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente

da ordem de habeas corpus e, nesta parte, a denegou, nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Haroldo Rodrigues (Desembargador

convocado do TJ-CE), Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e

Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 23 de agosto de 2011 (data do julgamento).

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Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),

Relator

DJe 08.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor

de Anderson Carvalho de Santana e Clécio Roberto Furlan, contra acórdão do

Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que prover parcialmente a Apelação

Criminal n. 00063497120064036181, para reconhecer a incidência da atenuante

da confi ssão espontânea na dosimetria da pena do segundo paciente.

Noticia a impetrante que os pacientes estão submetidos a constrangimento

ilegal, pois os agentes não apresentaram documentos falsos, sendo a conduta

imputada a eles desprovida de dolo.

Defende que, do acervo probatório dos autos, verifi ca-se que “os pacientes

não chegaram nem ao menos a apresentar os documentos falsos, tendo sido

apenas apreendidos durante a diligência dos Agentes Federais” (fl . 03).

Sustenta que os documentos jamais foram utilizados pelos sentenciados,

mas apenas adquiridos por estes, sendo a apreensão das carteiras falsas ocorrido

em diligência na casa em que se encontravam.

Alega que, se típica, a ação praticada se amoldaria a prevista no art. 307 do

Código Penal.

Enfatiza, que mesmo assim, a conduta não merece ser punida, uma vez

que “a fi nalidade dos pacientes era a de impedir que as autoridades policiais

descobrissem algo sobre suas extensas fichas criminais e dos respectivos

mandados de prisão expedidos em seu desfavor” (sic) (fl . 05).

Invoca jurisprudência desta Corte Superior, a fim de destacar que a

imputação de identidade falsa pelo agente é conduta atípica, pois se afi gura

exercício regular de direito.

Aponta que o Superior Tribunal de Justiça entende que atribuição de falsa

identidade mediante apresentação de documento falso, durante abordagem

policial, quando o agente teme ser preso ou ser descoberto algum delito, constitui

autodefesa, logo não há se falar em tipicidade da conduta.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

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Aduz ser incompetente a Justiça Federal para examinar os fatos imputados

aos acusados, visto que não existindo conduta típica referente ao uso de

documento falso, não há mais competência dessa justiça especializada.

Requer a concessão da ordem a fi m de anular o acórdão objurgado e afastar

as condenações pelo uso de documento falso e, por conseguinte, a envio dos

autos à Justiça Estadual.

Liminar indeferida (fl s. 100 e 101).

Informações prestadas a fl s. 110 a 116.

O Ministério Público Federal, por meio do Subprocurador-Geral da

República Antônio Fonseca, manifestou-se pelo não conhecimento da ordem

(fl s. 123 a 126).

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS) (Relator): Busca-se o reconhecimento da atipicidade das condutas,

tendo em vista o não uso de carteiras de habilitação falsas ou, subsidiariamente,

pelo emprego de identidade falsa, com fi nalidade de se evadir de ação policial,

fundando-se a defesa, nesta última linha argumentativa, que a apresentação

de documento falso constitui autodefesa. Defende-se, ainda, que, em razão da

atipicidade dos fatos, a incompetência da Justiça Federal para examinar o feito.

Narra a denúncia que:

[...]

1. No dia primeiro de junho de 2006, por volta das 7:00 hs, da manhã (fl s. 07), dando cumprimento a mandado judicial de busca e apreensão expedido pela 4ª (quarta) Vara da Justiça Federal de Minas Gerais (fl s. 73 do IPL), uma equipe conjunta de Policiais Federais de Minas Gerais e São Paulo adentrou na Rua Baianópolis, n. 18, Bairro Jardim Angélica, São Paulo-SP, com o fi m de prender o réu Anderson, havendo notícia de que ele é autor de vários outros roubos à agência da Caixa Econômica Federal no Estado das Minas Gerais.

2. No interior deste imóvel, após serem rendidos, os réus apresentaram documentos falsos aos policiais. Anderson apresentou uma Carteira Nacional de Habilitação em nome de Rômulo Gonçalves de Souza enquanto Clécio apresentou uma Carteira Nacional de Hbilitação em nome de Roberto Vargas de Souza

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(cópias as fl s. 16 do IPL). Assim, os réus praticaram o crime tipifi cado no art. 304 do Código Penal.

[...] (fl s. 80 e 81).

Posteriormente, o édito condenatório considerou que a conduta dos

pacientes amoldava-se à fi gura típica do art. 304 do Código Penal, tendo em

vista a utilização de documentos falsos, a fi m de se esquivarem de ordem de

prisão, verbis:

[...]

A negativa de que tenham usado os documentos quando foram abordados pelos policiais federais não é sufi ciente para infi rmar a acusação. Isto porque os depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão em flagrante dos réus são consistentes e consentâneos com as demais provas e as circunstâncias em que houve essa prisão. Do depoimento do APF Carlos Satoshi Ishigai, extraio o seguinte trecho:

(...) Confi rma que o acusado Anderson apresentou uma carteira nacional de habilitação em nome de outra pessoa, não se recordando, neste mesmo, do nome utilizado. Anderson justifi cou tal atitude dizendo que era procurado pela Justiça. O outro rapaz, Clécio, também apresentou uma CNH em nome de outra pessoa, tendo dito, posteriormente, que fez isso porque tinha medo, pois estava sendo procurado pela Polícia por um roubo que ele havia praticado. Não houve resistência à prisão. (...)

Com efeito, tratando-se de réus foragidos da Justiça e estando os policiais em diligências de cumprimento de mandado de busca e apreensão expedido pela 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, é compreensível que os réus se utilizassem de documento falso para identifi carem-se aos policiais, procurando mostrar ser quem não eram.

[...]

O egrégio Tribunal a quo, por sua vez, confi rmando a materialidade e

autoria do delito previsto no art. 304 do Código Penal, asseverou que as carteiras

de habilitação foram apresentadas pelos réus aos policiais, com a fi nalidade de se

livrarem da ação dos agentes estatais, conforme de dessume do seguinte excerto:

[...]

A autoria do crime é inconteste para ambos os apelantes. Assim, não prospera a alegação da defesa de que os acusados não teriam apresentados as CNH falsas aos policiais federais.

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No conjunto probatório presente nos autos a versão dos réus não se sustenta. O testemunho dos policiais federais que efetuaram as diligências foram consistentes tanto em sede policial quanto em juízo.

[...]

Ademais as companheiras dos acusados confirmaram em depoimento prestado na fase inquisitorial o relato dos policiais.

Lilian de Campos Martins (fl s. 11-12):

que em princípio os dois autuados declinaram aos policiais tratarem-se de Rômulo e Roberto, sendo que momentos depois afi rmaram que estavam com documentos falsos; que ambos utilizavam esses documentos por serem fugitivos da polícia (...).

Priscila Gonçalves de Oliveira (fl s. 13-14):

que os dois ofertaram aos policiais documentos em nome de Rômulo e Roberto; (...) que ambos se utilizaram desses documentos por serem fugitivos da polícia (...).

Por sua vez, a materialidade do delito restou comprovada pelo laudo de exame documentoscópico de fl s. 358-364, que confi rmou serem falsas as informações contidas das Carteiras de Habilitação apresentadas pelos réus Anderson e Clécio.

Portanto, não resta dúvida de que a conduta de Anderson Carvalho de Santana e Clécio Roberto Furlan subsume-se ao artigo 304 do Código Penal.

[...] (fl s. 66 a 68).

Inicialmente, verifi ca-se que se mostra insubsistente a argumentação de

que os pacientes não apresentaram documentos falsos aos agentes da policia

federal, porquanto o procedimento adotado pelos réus restou perfeitamente

caracterizado nas instâncias ordinárias, motivo pelo qual se mostra inviável rever

o entendimento a quo, sem que seja necessário incursão no conjunto fático-

probatório dos autos. Desse modo, tal aspecto da impetração não merece ser

conhecido.

De outro lado, no que se refere ao exercício da autodefesa e, por conseguinte,

a atipicidade da conduta, tendo em vista o uso de documento falso, a fi m de

ocultar a verdadeira identidade do cidadão submetido à persecução penal, há

precedentes desta Corte Superior reconhecendo a aplicabilidade da tese.

Confi ram-se:

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Habeas corpus. Penal. Delitos de associação para o tráfi co e uso de documento falso. Ordem impetrada para obter processamento de recurso especial inadmitido na origem. Não cabimento. Absolvição. Necessidade de exame aprofundado de provas. Inviabilidade na via eleita. Uso de documento falso para ocultar a condição de foragido. Exercício de autodefesa. Atipicidade da conduta.

1. Não é cabível a impetração de habeas corpus para se obter o processamento de recurso especial cujo seguimento foi negado pelo Tribunal a quo, uma vez que há recurso próprio para tal fi m, qual seja, o agravo de instrumento. Precedentes do STJ.

2. A alegação de insufi ciência de provas para a condenação pelo delito do art. 14 da Lei n. 6.368/1976, associação para o tráfi co, esbarra na necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, providência de todo incompatível com a via estreita do habeas corpus, consoante iterativa jurisprudência desta Corte. Além disso, o Tribunal de origem apontou objetivamente, com base nas provas constantes nos autos, as razões de convencimento que o levaram a concluir pelo acerto da condenação.

3. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que a atribuição de falsa identidade, visando ocultar antecedentes criminais, constitui exercício do direito de autodefesa.

4. No caso, ao ser abordado por policiais, o paciente apresentou documento falso, buscando ocultar a condição de foragido e evitar sua recaptura.

5. Embora o delito previsto no art. 304 do Código Penal seja apenado mais severamente que o elencado no art. 307 da mesma norma, a orientação já fi rmada pode se estender ao ora paciente, pois a conduta por ele praticada se compatibiliza com o exercício da ampla defesa.

6. Ordem parcialmente concedida para, afastando a condenação referente ao crime de uso de documento falso, reduzir a pena recaída sobre o paciente de 08 (oito) anos para 05 (cinco) anos, mantido, no mais, o acórdão de apelação (HC n. 148.479-MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 16.03.2010, DJe 05.04.2010).

Penal. Recurso especial. Uso de documento falso. Art. 304 do Código Penal. Atipicidade da conduta. Autodefesa. Ordem concedida.

1. A conduta do acusado que apresenta documento falso no momento da prisão em fl agrante não se subsume ao tipo previsto no art. 304 do Código Penal, pois tal atitude tem natureza de autodefesa, garantida pelo art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal. Precedentes do STJ.

2. Ordem concedida para absolver o paciente do delito tipifi cado no art. 304 do Código Penal, pela atipicidade da conduta (HC n. 99.179-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 23.02.2010, DJe 13.12.2010).

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 655

Todavia, no que pese o brilhantismo dos argumentos esposados pelos que entendem que a utilização de documento falso, com intuito de ocultar da autoridade policial a condição de foragido, de modo a se livrar dos efeitos da persecução penal, é medida que caracteriza o exercício da ampla defesa, considero que tal posicionamento não se coaduna com os princípios e as fi nalidades do Direito Penal.

O delito previsto no art. 304 do Código Penal - Uso de documento falso - tem por fi nalidade a proteção de elemento essencial para existência de uma sociedade organizada - a fé pública.

Esse sentimento de credibilidade depositados nos símbolos e instrumentos representativos merece ser tutelado com rigor pelo Estado, haja vista a impossibilidade de se manter qualquer estrutura social, política e econômica em um ambiente de completa desconfi ança, em que os signos ou os instrumentos de vontade não gozam de qualquer crédito perante os cidadãos e as instituições.

Nesse sentido, o Direito Penal, como instrumento de proteção aos bens jurídicos mais caros à sociedade, tem papel fundamental para manutenção da fé pública, tendo vista que sancionar com maior desvalor ético ações que minem a credibilidade dos documentos públicos ou particulares, inexoravelmente, contribui para diminuição de ações dessa jaez.

Assim, a redução da abrangência da incidência do art. 304 do Código Penal, em razão da aplicação da tese da autodefesa, tolhe o Direito Penal em sua missão de proteção à fé pública, primeiro, por deixar descoberto situação que merece ser reprimida, segundo, por inspirar comportamentos que deveriam ser combatidos.

Em outras palavras, entendo que o uso de documento falso para se evadir de ação policial não caracteriza exercício de ampla defesa. Aquele que tem ciência de que está sendo procurado pela Justiça, raciocinará que, se portar um documento falso e o utilizar quando abordado por agentes do Estado, poderá se livrar da prisão, uma vez que é possível que obtenha êxito em enganar os policiais e, caso não alcance o desiderato ludibrioso, a sua conduta não será punida, visto que será tida como autodefesa.

Inegavelmente, se mostra vantajoso a utilização de documento falso para aqueles que fazem do crime o seu modus vivendi, pois ter em mãos um instrumento de identifi cação inverídico só lhe trará benefício, nunca um prejuízo.

Cumpre destacar que não se está aqui a negar a existência da autodefesa,

como desdobramento do direito à ampla defesa, pois é comum ou humano, e

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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portanto compreensível, o falseamento de identidade em situação de iminente

perigo à liberdade ou à vida.

Contudo, o emprego de inverídica identifi cação, para fi ns de autodefesa,

deve fi car adstrito a simples atribuição de falsa identidade, nos termos da

jurisprudência deste Sodalício:

Habeas corpus. Falsa identidade (artigo 307 do Código Penal). Agente que fornece nome falso perante a autoridade policial. Conduta atípica. Ordem concedida.

1. Não comete o delito previsto no artigo 307 do Código Penal o agente que declina nome falso à autoridade policial, com o intuito de esconder antecedentes criminais.

2. A conduta da paciente não caracteriza o crime de falsa identidade, porque ela, ao declinar nome falso durante a lavratura do fl agrante, exerceu o direito da autodefesa, garantido pelo artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal.

3. Ordem concedida, para absolver Erika Regina Baia das penas do artigo 307 do Código Penal, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (HC n. 145.261-MG, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ-SP), Sexta Turma, julgado em 08.02.2011, DJe 28.02.2011).

Habeas corpus liberatório. Penal. Paciente condenado por falsa identidade. Atipicidade da conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial, quando perpetrada como instrumento de autodefesa. Precedentes do STJ. Parecer do MPF pela denegação da ordem. Ordem concedida, no entanto, para absolver o paciente da imputação do crime de falsa identidade.

1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não comete o delito previsto no art. 307 do CPB o réu que, diante da autoridade policial, atribui-se falsa identidade, em atitude de autodefesa, porque amparado pela garantia constitucional de permanecer calado, ex vi do art. 5º, LXIII da CF/1988.

2. Ordem concedida para absolver o paciente da imputação do crime de falsa identidade, não obstante o parecer ministerial em contrário. Prejudicados os demais pedidos (HC n. 162.576-SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 09.08.2010).

Destarte, ao meu ver, a tese de autodefesa não deve ser aplicada para

quando há utilização de documento falso, visto que esta conduta carrega em si

denotada ofensividade ao bem jurídico protegido, seja pelo simples uso do falso,

seja pelo próprio estímulo à contrafação.

Neste sentido, destaca-se o voto proferido, no HC n. 56.824-SP, DJe

05.10.2009, da lavra da Excelentíssima Senhora Maria Th ereza de Assis Moura,

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que com a argúcia que lhe é própria, destacou que a utilização de documento

falso, a fim de se livrar de prisão ou sanção administrativa, não pode ser

considerada como exercício de autodefesa e constitui infração penal prevista no

art. 304 do Código Penal:

[...]

Todavia, é de se verifi car que, no caso concreto ora sob análise, vejo algumas peculiaridades que me fazem não aplicar o entendimento fi rmado por esta Corte. É apenas por esta razão que resolvo não adotar a posição tranqüila desta Casa, ainda que individualmente pense de modo distinto.

É que a adoção da tese da atipicidade da conduta é voltada, a princípio, ao artigo 307 do Código Penal, cuja redação é “atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem”. Voltam-se os julgados já citados, ademais, à situação em que há falsa atribuição de identidade no momento do interrogatório policial, quando acusado de determinado crime, o interrogado dá nome falso na intenção de se furtar a eventual condenação.

Penso que esta mesma interpretação adotada por este Sodalício poderia alcançar também a conduta do artigo 304 do Código Penal, não fosse o fato de que o paciente não fez uso do referido documento falso no exercício de sua auto-defesa, já que não estava diante da autoridade policial, e tampouco estava sendo interrogado pelo cometimento de qualquer crime.

Não há como afi rmar-se que o paciente optou por entregar o documento falso que trazia consigo quando exigida a identifi cação visando eximir-se de acusação por determinado crime, já que não estava sendo acusado ou não havia cometido qualquer crime no momento da abordagem policial. Visava provavelmente não sofrer sanção administrativa ou não ser novamente recolhido à prisão, quando então seria submetido a procedimento administrativo disciplinar.

Ante o exposto, denego a ordem.

É como voto.

Outrossim, o Pretório Excelso tem entendido que a tese da autodefesa não

se aplica ao delito previsto no art. 304 do Código Penal.

Vejam-se:

Habeas corpus. Direito Penal. Agente que se utiliza de documento falso para ocultar sua condição de foragido. Conduta que se amolda ao delito descrito no art. 304 do CP. Ordem denegada.

1. A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido do agente não descaracteriza o delito de uso de documento falso (art. 304 do CP).

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2. Não se confunde o uso de documento falso com o crime de falsa identidade (art. 307 do CP), posto que neste não há apresentação de qualquer documento, mas tão-só a alegação falsa quanto à identidade.

3. O princípio da autodefesa tem sido aplicado nos casos de crime de falsa identidade, em que o indiciado identifica-se como outra pessoa perante a autoridade policial para ocultar sua condição de condenado ou foragido.

4. Writ denegado (HC n. 103.314, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 24.05.2011, DJe-109 Divulg 07.06.2011 Public 08.06.2011 Ement Vol-02539-01 PP-00091).

Ementa: Habeas corpus. Penal. Uso de documento falso. Atipicidade. Inocorrência. O fato de o paciente ter apresentado à polícia identidade com sua foto e assinatura, porém com impressão digital de outrem, confi gura o crime do art. 304 do Código Penal. Havendo adequação entre a conduta e a figura típica concernente ao uso de documento falso, não cabe cogitar de que a atribuição de identidade falsa para esconder antecedentes criminais consubstancia autodefesa. Ordem denegada (HC n. 92.763, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 12.02.2008, DJe-074 Divulg 24.04.2008 Public 25.04.2008 Ement Vol-02316-06 PP-01186).

Portanto, pedindo vênia aos Eminentes Ministros que entendem de forma

contrária, sustento que a tese da autodefesa não é aplicável ao art. 304 do

Código Penal.

Prejudicada a questão da incompetência da Justiça Federal.

Ante o exposto, conheço parcialmente da impetração e, nesta extensão,

denego a ordem.

É como voto.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Sra. Presidente, quero modifi car o meu

posicionamento sobre a matéria.

Já havia conversado e estou com alguns processos no gabinete sobre esse

tema. É um tema bem tratado pelo Rogério Greco.

Convenci-me de que não se insere no rol da autodefesa – embora não

temos a característica do Direito norte americano, de tipifi car o perjúrio; isso

aqui, no Brasil, não existe –, mas ela não implica o pretenso direito de uso de

documentação falsa para elidir a possibilidade da prisão aqui.

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RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 659

Revejo o meu posicionamento sobre a matéria e tenho a satisfação de

acompanhar o Sr. Ministro Relator nesse sentido.

Conheço em parte do pedido de habeas corpus, mas, nessa parte, denego a

ordem.

HABEAS CORPUS N. 209.333-RJ (2011/0132665-1)

Relator: Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS)

Impetrante: Ana Maria Mauro e outros

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Carlos Henrique Babsky Neves

Paciente: Ivan Honorato Carvalho

EMENTA

Habeas corpus. Explosão. Modalidade culposa. Lesão corporal

culposa. Denúncia inepta. Ausência de descrição do cuidado objetivo

a ser respeitado. Detalhamento da conduta adotada pelos pacientes.

Omissão da exordial acusatória. Ordem concedida.

1. O Direito Penal, valendo-se do imperativo ético de que, no

convívio social, todos os indivíduos devem portar-se de maneira a

evitar que suas ações ou omissões causem danos aos bens jurídicos

de outrem, conceitua que a inobservância deste cuidado objetivo,

ao resultar em prejuízo a bens jurídicos penalmente tutelados,

caracterizará a ocorrência de crime na modalidade culposa, resguardada

a excepcionalidade de sua previsão, conforme a subsidiariedade e

fragmentariedade da ultima ratio.

2. Atividades potencialmente lesivas. A observância de

regulamentos, normas técnicas ou o comportamento prudente e

responsável na prática das referidas atividades indicam que o dever de

cuidado objetivo encontra-se-á atendido.

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3. In casu, a atividade desenvolvida pelos pacientes é potencialmente

lesiva, haja vista que a exploração de pedreira envolve a utilização de

material explosivo e, por conseguinte, a projeção de seixos.

4. A exordial acusatória não descreveu a regra técnica não

observada ou a conduta esperada dos pacientes que restou desatendida,

mas restringiu-se a dizer, simplesmente, que os acusados foram

imperitos. A menção genérica de conduta imperita não atende aos

reclames do moderno Direito Penal e Processual Penal, pois difi culta,

sobremaneiramente, o exercício do direito à ampla defesa.

5. A discriminação pormenorizada dos fatos é ônus que recai sobre

a acusação, pois, no Estado Democrático de Direito, a especifi cidade

daquilo que é imputado ao réu mostra-se imprescindível para o

exercício de sua ampla defesa, visto que, de modo contrário, não é

possível ao cidadão refutar a acusação, haja vista a largueza e a fl uidez

que pode assumir a imputação criminosa. O processo penal moderno,

instrumento racional de formação da culpa, compromissado com a

obtenção da verdade real, não pode admitir em sua estrutura atos

vagos, imprecisos, ou cujo conteúdo possa dá azo ao arbítrio.

6. No crimes de autoria coletiva está a se desconsiderar a

necessidade da descrição individual da conduta de cada acusado,

bastando a demonstração de vínculo entre os réus e o crime a eles

imputado. Contudo, não se abre mão da descrição de conduta

tipicamente criminosa, isto é, a denúncia deve expor de modo claro

e preciso a conduta que o Órgão Ministerial entende ser típica,

antijurídica e culpável.

7. Na hipótese em apreço, a acusação não se desincumbiu de seu

ônus, visto que não há referência à violação de qualquer norma técnica

ou menção a comportamento descuidado dos pacientes, mas apenas a

imputação vaga de ação imperita.

8. Ordem concedida, a fi m de trancar a ação penal, sem prejuízo

do oferecimento de outra, que atenda aos requisitos legais.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de

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habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Og

Fernandes e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília (DF), 15 de setembro de 2011 (data do julgamento).

Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS),

Relator

DJe 26.09.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do

TJ-RS): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor

de Carlos Henrique Babsky Neves e Ivan Honorato Carvalho, contra acórdão do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou a ordem no Writ

n. 001149811201181900, para manter o recebimento de denúncia que apura

a ocorrência de delitos previstos nos arts. 251, § 3º, 129, § 6º, c.c. 70, todos do

Código Penal.

Noticiam os impetrantes que os pacientes estão submetidos a

constrangimento ilegal, pois a exordial acusatória não contém os elementos

mínimos de admissibilidade.

Alegam que a denúncia não individualizou as condutas.

Sustentam que a regra técnica a ser observada não foi descrita na peça

acusatória.

Afi rmam que não houve realização de perícia no local da explosão, logo

não há o mínimo de suporte fático para a acusação.

Defendem que “a denúncia viola frontalmente o disposto no art. 41 do

CPP, pois que não pode, em se tratando de crime culposo, limitar-se a dizer

que o denunciado agiu por imperícia, pura e simplesmente, sem dizer em que

consistiu a falta de dever objetivo de cuidado revelador da modalidade de culpa

preconizada. Da mesma forma, quanto à regra técnica que se diz inobservada,

pois que é imperioso seja ela revelada” (fl . 06).

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Apontam que a culpa não pode ser tida como um dever genérico, mas

deve ser corretamente individualizada pela demonstração da regra de cuidado

inobservada na hipótese em análise.

Enfatizam que “a denúncia, além de não revelar o que incumbia a cada um

dos ora pacientes, sequer descreve qual teria sido a ação ou omissão de cada um

deles para o resultado explosão e lesão corporal, que atribui genericamente a

ambos” (fl . 08).

Obtemperam que “imperícia e inobservância de regra técnica não são

sinônimos. Além de se impor a defi nição da conduta imperita, quando se fala

em inobservância de regra técnica de ofício e profi ssão, também é imperioso

que se diga qual regra técnica foi inobservada, e a acusação não articulou um

narrativa factual, sobre a qual se projetassem aquelas fórmulas e termos legais”

(fl . 09).

Salientam, ainda, que “dizer que se trata de assunto técnico a ser discutido

no curso do processo estaria correto, desde que a denúncia tivesse enunciado

uma conduta que se revelasse imperita ou negligente. Aí, sim, ter-se-ía uma

proposta acusatória a ser apurada na instrução. Do contrário, subverte-se o

devido processo legal, admitindo-se uma denúncia que menciona uma mera

fórmula abstrata ‘agindo com imperícia’, impedindo, por completo, o exercício

do direito de defesa” (fl . 10).

Declaram que a atividade desenvolvida pelos acusados é de risco, mas

permitida em lei, razão pela qual se faz necessário a existência de laudo pericial

que esclareça qual o regramento inobservado in casu.

Aduzem que “o estabelecimento do nexo de causalidade no crime culposo

está na relação direta entre um atuar descuidado do agente e o resultado

produzido. Por óbvio, que não se pode partir tão somente do resultado

naturalístico para estabelecer uma relação causal” (fl . 11).

Anunciam que a confecção de laudo pericial é necessária para se aferir qual

a conduta geradora do delito, exame que não pode ser relegado aos ulteriores

termos do processo, mas aferido de forma clara na inicial, para que haja o

correto direito à ampla defesa.

Requerem a concessão da ordem, a fi m de que seja extinta a ação penal, em

razão da inépcia da denúncia, ou pela ausência de justa causa.

A liminar foi indeferida (fl s. 300 e 301).

Informações a fl s. 305 a 309; 311 a 316; 318 a 323; 326 a 344.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 663

Segundo o Juízo de Direito da comarca de Itaguaí, a audiência de instrução

e julgamento será realizada no dia 04.10.2011 (fl . 321).

O Ministério Público Federal, por meio do Subprocurador-Geral da

República Eitel Santiago de Brito Pereira, manifestou-se pela concessão da

ordem, a fi m de que a ação penal seja trancada, em face da inépcia da denúncia

(fl s. 347 a 350).

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS) (Relator): Busca-se reconhecer a inépcia da exordial acusatória, que imputa

aos pacientes a prática dos delitos previstos nos arts. 251, § 3º, 129, § 6º, c.c. 70,

todos do Código Penal.

Narra a denúncia a condutas delitiva do seguinte modo:

[...]

No dia 20 de fevereiro de 2008, por volta das 12:00hs, na Pedreira Sepetiba Ltda., situada na Rua Pedro Rafael Quirino, n. 65, Ilha da Madeira, nesta Comarca, os denunciados, agindo com imperícia, inobservando regra técnica de ofício e profi ssão, expuseram a periga a vida, a integridade física e o patrimônio de Geson dos Santos Costa, Márcia Modesto da Silva, Benedita de Castilho Lopes e Nilda Alves de Oliveira, mediante explosão em rocha que arremessou dezenas de fragmentos rochosos sobre casas de vila vizinha à referida pedreira.

Na mesma circunstância de tempo e local, os denunciados, agindo com imperícia, por inobservarem regra técnica de ofício e profi ssão, ofenderam a integridade corporal da vítima Nilda Alves de Oliveira Ferreira, mediante queda ao solo causado por arremesso de pedras provenientes de explosão na Pedreira Sepetiba Ltda. Tais agressões foram a causa efi ciente das lesões descritas no BAM que virá oportunamente aos autos, passando a fazer parte integrante desta denúncia.

Assim agindo, estão os denunciados incursos nas penas do artigo 251, § 3º e 129, § 6º, na forma do artigo 70, todos do Código Penal.

Por essa razão, requer o Ministério Público seja a presente peça acusatória recebida por esse Juízo com a conseqüente citação do denunciado para responder aos termos da presente ação penal, a fi m de que, após a instrução criminal, seja comprovada a prática da conduta delituosa pelo mesmo praticada e condenado nas penas da lei.

[...] (fl s. 42 e 43).

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Com fi to de trancar a ação penal, a Defesa impetrou perante o Conselho

Recursal dos Juizados Especiais Criminais o Habeas Corpus n. 001829-

31.2010.8.190000. Todavia, a ordem foi denegada neste termos:

[...]

Compulsando as peças do procedimento policial em apreço tem-se que o aprofundamento da investigação tendente a apurar as circunstâncias da explosão constitui dever da autoridade policial, ante à notícia de danos causados pelo evento, inclusive comprovado o fato por laudo pericial (fl . 75) e declarações dos envolvidos, destacando-se as de fl s. 19-20 e 28-29.

Daí, não há que se falar em ausência de justa causa detectável pela estreita via mandamental, na medida em que, a origem do Inquérito encontra-se plenamente justifi cada.

Seu eventual arquivamento deverá importar em avaliação dos elementos indiciários colhidos na instrução inquisitorial. Certo é que a dilação e análise probatórias desbordam os limites do objeto do Habeas Corpus, invadindo o próprio mérito da causa. Sendo assim, não há que se trancar o presente procedimento policial pelas razões suscitadas pelo impetrante.

Nesta perspectiva, voto no sentido de denegar a ordem.

[...] (fl . 197).

Inconformada com esta decisão, mais uma vez socorreu-se a Defesa do remédio heróico, agora impetrado perante o Tribunal de Justiça Fluminense, tomando sob o número 0011498-11.2011.8.19.0000. A mandamus foi negado pela Corte a quo, ao fundamento de que a peça acusatória reúne os elementos necessários para o desenvolvimento válido da relação processual, visto que a inobservância de regra técnica será apurada no curso do processo, bem como, se tratando de crime de autoria coletiva, dispensada está a descrição pormenorizada das condutas dos agentes na inicial incriminatória, verbis:

[...]

2. O alegado constrangimento ilegal, segundo se infere dos autos, não restou demonstrado eis que a peça inaugural apresenta os elementos aptos à propositura da ação penal.

Indica a existência da materialidade, os indícios de autoria, descreve as circunstâncias, classifica os crimes, tudo de forma a permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa. A imperícia apontada na inicial, consubstanciada na inobservância de regra técnica de ofício e profi ssão é sufi ciente para se delinear a imperícia. Trata-se de assunto técnico, cujas provas devem ser discutidas com precisão da ampla defesa, devendo esclarecer que agiram dentro dos ditames técnicos inerentes à hipótese.

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Saliente-se que o despacho que recebeu a denúncia, de natureza ordinatório, encerra mero juízo de admissibilidade da acusação.

Uma das teses utilizadas para rechaçar a peça inicial já foi fartamente discutida. Decerto, a jurisprudência já fi rmou entendimento de que é prescindível a descrição detalhada da conduta individual de cada um dos agentes nos crimes de autoria coletiva.

3. Inobservância de vício capaz de ensejar o trancamento da ação penal.

4. As questões relativas ao mérito, trazidas para fundamentar as premissas, deverão ser apreciadas ao longo da instrução criminal, não comportando a via estreita do habeas corpus tal exame,

5. Consigne-se que há Audiência de Instrução e Julgamento designado para o dia 1º.06.2011.

6. Assim, não há qualquer constrangimento ilegal a ser sanado. Voto pela denegação da ordem (fl s. 284 e 285).

Daí, a presente impetração.

O Direito Penal, valendo-se do imperativo ético de que, no convívio

social, todos os indivíduos devem portar-se de maneira a evitar que suas ações

ou omissões causem danos aos bens jurídicos de outrem, conceitua que a

inobservância deste cuidado objetivo, ao resultar em prejuízo a bens jurídicos

penalmente tutelados, caracterizará a ocorrência de crime na modalidade culposa,

resguardada a excepcionalidade de sua previsão, conforme a subsidiariedade e

fragmentariedade da ultima ratio.

De modo consuetudinário, a ciência jurídica afi rma que a violação do dever

de cuidado objetivo dá-se quando a conduta do agente é tida como imprudente,

negligente ou imperita.

A fi m de aclarar tais expressões, para que se atenda a objetividade ínsita

a matéria penal, convém mencionar trecho da obra do ilustre professor Julio

Fabbrini Mirabete, no seu Manual de Direito Penal:

[...]

As modalidades de culpa, ou formas de manifestação da falta do cuidado objetivo, estão descriminadas no art. 18, inciso II: imprudência, negligência ou imperícia.

A imprudência é um atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seu poderes inibidores. Exemplos: manejar ou limpar arma carregada próximo a outras pessoas; caçar em

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local de excursões; dirigir sem óculos quando há defeito na visão, fatigado, com sono, em velocidade incompatível com o local e as condições atmosféricas etc.

A negligência é inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. Exemplos: não colocar avisos junto a valetas abertas para um reparo na via pública; não deixar freiado automóvel quando estacionado; deixar substância tóxica ao alcance de crianças etc.

A imperícia é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos no exercício de arte ou profi ssão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber. Exemplos: não saber dirigir um veículo, não estar habilitado para uma cirurgia que exija conhecimentos apurados etc. A imperícia pressupõe sempre a qualidade de habilitação legal para a arte (motorista amador, por exemplo) ou profi ssão (motorista profi ssional, médico, engenheiro etc.) Havendo inabilidade para o desempenho da atividade fora da profissão (motorista sem carta de habilitação, médico não diplomado etc.), a culpa é imputada ao agente por imprudência ou negligência, conforme o caso. São imprudentes o motorista não habilitado legalmente que não sabe dirigir, o curandeiro que pratica intervenção médica etc.

[...] (MIRABETE, Julio Fabbrini, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral; arts. 1º a 120 do CP. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, v. 1, p. 135 e 136).

Por outo lado, atividades potencialmente lesivas são desenvolvidas

hodiernamente, v.g., o transporte aéreo, a manipulação de materiais radioativos

de aplicação médica ou agrícola, a extração de petróleo em águas profundas,

etc. Contudo, tais atividades não são proscritas da sociedade, em razão de seu

nível de periculosidade, mas, pelo contrário, em função de seu alto grau de

comodidade, efi ciência e essencialidade, mostram-se plenamente difundidas.

Nessa senda, não se cogita a completa obliteração das atividades

potencialmente lesivas, entretanto a consecução das mesmas deve ater-se a

determinados padrões, a fi m de que o risco seja diminuto. Assim, a observância

de regulamentos, normas técnicas ou o comportamento prudente e responsável

na prática das referidas atividades indicam que o dever de cuidado objetivo

encontra-se-á atendido.

Sob este prisma, considero oportuna, mais uma vez, a lição do ilustre

professor Julio Fabbrini Mirabete:

[...]

Como muitas das atividades humanas podem provocar perigo para os bens jurídicos, sendo inerente a elas um risco que não pode ser suprimido

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inteiramente sob pena de serem totalmente proibidas (dirigir um veículo, operar um maquinismo, lidar com substâncias tóxicas etc.), procura a lei estabelecer quais os deveres e cuidados que o agente deve ter quando desempenha certas atividades (velocidade máxima permitida nas ruas e estradas, utilização de equipamento próprio em atividades industriais, exigência de autorização para exercer determinadas profi ssões etc.). É impossível, porém, uma regulamentação jurídica que esgote todas as possíveis violações de cuidados nas atividades humanas. Além disso, às vezes a violação de uma norma jurídica não signifi ca que o agente tenha agido sem as cautelas exigíveis no caso concreto. Quando não se pode distinguir pelas normas jurídicas se, em determinado fato lesivo a um bem jurídico, foram obedecidas as cautelas exigíveis, somente se poderá verifi car o âmbito do cuidado exigido no caso concreto se forem considerados os aspectos particulares relacionados com a ocorrência. Essa verifi cação inclui a indagação a respeito da possibilidade de reconhecimento do riso de causar um lesão e da forma que o agente se coloca diante dessa possibilidade. Deve-se confrontar a conduta do agente que causou o resultado lesivo com aquela que teria um homem razoável e prudente em lugar do autor. Se o agente não cumpriu com o dever de diligência que aquele teria observado, a conduta é típica, e o causador do resultado terá atuado com imprudência, negligência ou imperícia (item 3.8.7). É proibida e, pois, típica, a conduta que, desatendendo ao cuidado, a diligência ou à perícia exigíveis nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provoca o resultado. A inobservância do cuidado objetivo exigível conduz à antijuricidade.

[...] (MIRABETE, Julio Fabbrini, Renato N. Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral; arts. 1º a 120 do CP. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, v. 1, p. 132 e 133).

In casu, a atividade prática pelos pacientes é potencialmente lesiva, haja

vista que a exploração de pedreira envolve a utilização de material explosivo

e, por conseguinte, a projeção de seixos. Desse modo, a conduta, em tela,

deve observar as regras de cuidado, para que não sobrevenham consequências

negativas do ato, ou que estas sejam minoradas.

Nesse contexto, exsurge a controvérsia dos autos, pois afi rma a Defesa

que a exordial acusatória é inepta, visto que não descreve o cuidado objetivo a

ser observado, bem como omite-se em detalhar o procedimento adotado pelos

pacientes que, segundo o juízo da acusação, infringiu o padrão de conduta

desejável.

Razão assiste à Defesa, visto que a denúncia limitou-se a afi rmar que “os

denunciados, agindo com imperícia, inobservando regra técnica de ofício e profi ssão,

expuseram a periga a vida, a integridade física e o patrimônio” e que “agindo

com imperícia, por inobservarem regra técnica de ofício e profi ssão, ofenderam a

integridade corporal da vítima”.

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Assim, percebe-se que em nenhum momento a exordial acusatória descreve

a regra técnica não observada ou a conduta esperada dos pacientes que restou

desatendida, mas restringe-se a dizer, simplesmente, que os acusados foram

imperitos.

Ora, a exploração de pedreira é atividade de risco, motivo pelo qual

devem ser respeitados determinados padrões. Todavia, a denúncia afi rma que a

explosão expôs a perigo a vida e o patrimônio alheio, bem como gerou ofensa

a integridade corporal de outrem, mas o faz sem descrever quais os padrões

foram inobservados, quais os atos praticados pelos réus que indicam a ausência

de cuidado objetivo, ou em que circunstâncias as ações e omissões dos acusados

infringiram a norma técnica.

Portanto, vislumbra-se que a inicial acusatória carece de elementos

necessários de validade, uma vez que a menção genérica de conduta imperita

não atende aos reclames do moderno Direito Penal e Processual Penal, pois

difi culta, sobremaneiramente, o exercício do direito à ampla defesa.

Cumpre registrar que a discriminação pormenorizada dos fatos é ônus que

recai sobre a acusação, pois, no Estado Democrático de Direito, a especifi cidade

daquilo que é imputado ao réu mostra-se imprescindível para o exercício de sua

ampla defesa, visto que, de modo contrário, não é possível ao cidadão refutar

a acusação, haja vista a largueza e a fl uidez que pode assumir a imputação

criminosa.

Outrossim, o processo penal moderno, instrumento racional de formação

da culpa, compromissado com a obtenção da verdade real, não pode admitir em

sua estrutura atos vagos, imprecisos, ou cujo conteúdo possa dá azo ao arbítrio.

Dessarte, a denúncia, peça inaugural da pretensão punitiva do Estado, deve

primar pela objetividade, clareza e precisão, para que, de modo racional, seja

possibilitado à Defesa refutar a tese ali exposta.

Só assim, o princípio do devido processo penal, em todas as suas matizes,

encontrar-se-á atendido, uma vez que o réu tomará ciência de forma clara

daquilo que lhe é imputado, evitando-se a supressa e alvedrio no curso da

persecução penal.

Importa destacar, ainda, que a descrição detalhada dos fatos na exordial

acusatória é medida essencial, para que o processo penal não seja acionado

como instrumento de perseguição político-social, como outrora já visto, pois a

acusação vaga e imprecisa dá azo ao arbítrio e retira a eticidade da persecução

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penal, porquanto confere, por meio desta, aparente legitimidade a atos de força,

ao justifi car o seu produto - a sentença condenatória - com supedâneo em

alegada observância do rito legal, mas que se encontra eivado ab initio.

A propósito, confi ram-se os seguintes precedentes:

Habeas corpus. Direito Processual Penal. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Ocorrência. Ordem concedida.

1. A denúncia, à luz do disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, deve conter a descrição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a defi nição da conduta do autor, sua qualifi cação ou esclarecimentos capazes de identifi cá-lo, bem como, quando necessário, o rol de testemunhas.

2. Não se ajusta a seu estatuto de validade (Código de Processo Penal, artigo 41), a denúncia que imputa a prática de homicídio culposo de operário que deixou de utilizar os equipamentos de segurança em canteiro de obras, sem expor as razões pelas quais o acusado se investia da qualidade de garante (artigo 13 do Código Penal), a evitar o evento morte.

3. Ordem concedida (HC n. 52.000-MT, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 06.12.2007, DJe 22.04.2008).

Homicídio culposo (imputação). Acidente de trabalho (caso). Denúncia (concurso de pessoas). Individualização das condutas (ausência).

Argüição de inépcia (procedência).

1. Conforme as melhores lições, da denúncia – peça narrativa e demonstrativa – exigem-se informações precisas sobre quem praticou o fato (quis) e sobre os meios empregados (quibus auxiliis).

2. Tratando-se de acidente de trabalho com resultado morte, não se admite denúncia que dela não conste descrição das diversas condutas atribuídas aos sócios da empresa.

3. Caso em que, por faltar descrição de elementos de convicção que a ampare, a denúncia não reúne, em torno de si, as exigências legais, estando, portanto, formalmente inepta.

4. Habeas corpus concedido (HC n. 51.837-PA, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 29.11.2007, DJe 14.04.2008).

Habeas corpus. Homicídio culposo. Inobservância do dever objetivo de cuidado. Negligência. Fato imputado a diretor responsável pela unidade fabril. Trancamento da ação penal. Estreita via do writ. Medida excepcional. Inépcia da denúncia. Ausência de justa causa. Inexistência. Responsabilidade penal objetiva. Não caracterizada. Aditamento da exordial que bem individualizou a conduta do paciente. Ordem denegada.

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1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentaram a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade, circunstâncias não evidenciadas no caso em apreço.

2. A denúncia não é inepta, pois descreve, com todos os elementos indispensáveis, a existência do crime de homicídio culposo, demonstra o dever objetivo de cuidado não observado pelo acusado e sua relação com a morte da vítima, com indícios sufi cientes para a defl agração da persecução penal.

3. Sobretudo após o aditamento, a exordial acusatória permite ao Acusado, sem qualquer difi culdade, ter ciência da conduta ilícita que lhe foi atribuída, inexistindo, na hipótese, qualquer resquício de responsabilidade penal objetiva.

4. O Paciente não foi denunciado pelo simples fato de ser diretor da empresa. Ao contrário, a atribuição de responsabilidade se deu após a análise de informação encaminhada pela própria indústria, que deu conta da responsabilidade do Réu pela manutenção e supervisão da segurança industrial no local dos fatos, tanto assim que os demais diretores do grupo foram excluídos do pólo passivo da ação penal, a pedido do próprio Parquet.

5. Ordem denegada (HC n. 119.348-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 28.06.2011, DJe 1º.08.2011).

Habeas corpus. Corrupção passiva (artigo 317, § 1º, do Código Penal). Servidora pública estadual que trabalhava no setor de enfermagem de presídio. Tentativa de ingresso na penitenciária com carregador de aparelho celular. Ausência de descrição de como e de que modo teria ocorrido o recebimento ou a aceitação de vantagem ou de promessa de vantagem. Impossibilidade de defesa. Inépcia da inicial. Pedidos referentes ao reconhecimento de coação moral irresistível, desclassifi cação da imputação e redução da pena prejudicados. Concessão da ordem.

1. Consoante o art. 41 do Código de Processo Penal, a denúncia deve contar a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualifi cação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identifi cá-lo, a classifi cação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

2. Se a inicial acusatória não descreve minimamente as condutas supostamente delituosas, ela é considerada inepta, pois impede o exercício da ampla defesa pelo acusado, que deve se defender dos fatos narrados, ainda que sucintamente, na exordial.

3. No caso dos autos, na vestibular ofertada contra a paciente, acusada do delito de corrupção passiva, não existe qualquer descrição de como teria sido solicitada, recebida ou aceita vantagem ou promessa de vantagem pecuniária, tampouco em que consistiria o citado proveito.

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4. Reconhecida a inépcia da peça vestibular, resta prejudicado o exame dos demais pedidos constantes da impetração, quais sejam, o reconhecimento da ocorrência de excludente de culpabilidade, a desclassifi cação da imputação, e a redução da pena imposta à paciente.

5. Ordem concedida, determinando-se a anulação da ação penal desde o recebimento da denúncia, inclusive, em razão da inépcia da exordial, sem prejuízo do oferecimento de outra, que atenda aos requisitos legais (HC n. 154.307-SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 22.06.2010, DJe 02.08.2010).

Habeas corpus. Processual Penal. Crime de desobediência. Pedido de trancamento da ação penal. Denúncia. Atipicidade manifesta. Descrição de crime culposo. Ausência de imputação a título de dolo. Inépcia. Precedente do STJ.

1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é uma medida excepcional, somente cabível em situações, nas quais, de plano, seja perceptível o constrangimento ilegal.

2. Reputa-se inepta a denúncia que não trata do elemento volitivo necessário à configuração do delito de desobediência, qual seja, o dolo, limitando-se à narrativa de uma conduta eminente culposa, decorrente de obstáculos burocráticos, e da negligência de funcionários subordinados.

3. Ordem concedida (HC n. 82.589-MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 09.10.2007, DJ 19.11.2007, p. 257).

Por fi m, o delito de autoria coletiva, como é cediço, não exige a descrição

pormenorizada da conduta de todos os acusados na exordial acusatória, mas,

sim, a demonstração de um liame entre o agir dos pacientes e a suposta prática

delituosa, estabelecendo a plausibilidade da imputação e possibilitando o

exercício da ampla defesa.

Na verdade, no crimes de autoria coletiva está a se desconsiderar a

necessidade da descrição individual da conduta de cada acusado, bastando a

demonstração de vínculo entre os réus e o crime a eles imputado. Contudo, não

se abre mão da descrição de conduta tipicamente criminosa, isto é, a denúncia

deve expor de modo claro e preciso a conduta que o Órgão Ministerial entende

ser típica, antijurídica e culpável.

Na hipótese em apreço, a acusação não se desincumbiu de seu ônus,

visto que não há referência à violação de qualquer norma técnica ou menção a

comportamento descuidado dos pacientes, mas apenas a imputação vaga de ação

imperita.

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Ante o exposto, concedo a ordem, a fi m de trancar a ação penal, sem prejuízo

do oferecimento de outra, que atenda aos requisitos legais.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 216.123-RJ (2011/0195578-0)

Relatora: Ministra Maria Th ereza de Assis Moura

Impetrante: Katia Varela Mello - defensora pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: Gilson Santos Vieira (preso)

EMENTA

Penal e Processo Penal. Habeas corpus. Visitas periódicas ao lar.

Artigo 123, III, da Lei n. 7.210/1984. Indeferimento pelo juízo das

execuções. Fundamentação. Existência. Constrangimento ilegal. Não

ocorrência. Ordem denegada.

1. A progressão ao regime semiaberto não traz como consequência

automática o deferimento da benesse relativa às visitas periódicas ao

lar, necessitando, para tanto, que o apenado satisfaça os requisitos

elencados no artigo 123 da Lei n. 7.210/1984. In casu, o Juízo das

execuções indeferiu o pleito fundamentadamente, eis que entendeu

incompatível a benesse com os objetivos da reprimenda, em atenção

ao inciso III do mencionado dispositivo legal.

2. Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A

Turma, por unanimidade, denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do voto

da Sra. Ministra Relatora.” Os Srs. Ministros Og Fernandes, Sebastião Reis

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Júnior e Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS) votaram

com a Sra. Ministra Relatora.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 04 de outubro de 2011 (data do julgamento).

Ministra Maria Th ereza de Assis Moura, Relatora

DJe 17.10.2011

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura: Trata-se de habeas corpus,

com pedido liminar, impetrado em favor de Gilson Santos Vieira, apontando

como autoridade coatora a Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro (HC n. 0034288-86.2011.8.19.0000).

Consta dos autos que foi formulado em favor do paciente pedido de visita

periódica ao lar, que restou indeferido, na data de 16.06.2011, sob o seguinte

fundamento (fl s. 22-24):

(...)

Verifi co que assiste razão ao Ministério Público em sua percuciente análise do caso concreto, na medida em que há que se relevar na apreciação do pleito de visita periódica ao lar o atendimento ao requisito erigido pelo inciso III do artigo 123 da LEP, que preceitua a necessidade de análise da compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Sabidamente, a reprimenda penal possui como objetivo precípuo, além do caráter de prevenção geral e repressão à prática de crimes a ressocialização do indivíduo visando torná-lo adaptado ao convívio em sociedade, dissuadindo-o da prática de condutas perniciosas a terceiros e aos bens relevantes juridicamente tutelados na esfera penal (Princípio da Intervenção Mínima ou ultima ratio).

Não é outra a razão de a Lei de Execução Penal ter adotado o sistema da progressividade, que objetiva favorecer o apenado que apresenta bom comportamento carcerário, inserindo-o em um regime menos rigoroso, com maior amplitude de saídas extramuros, e sancionar aquele que persevera em condutas graves, regredindo-o para um regime mais severo.

Portanto, em consonância com o próprio sistema progressivo da pena a submissão do apenado a situação mais benéfi ca, com maior liberdade e contato com a família e a sociedade em geral deve ser gradual, de forma a assegurar que o apenado vá se adaptando à nova realidade pulatinamente, até que logre atingir

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a liberdade condicional e, fi nalmente, a plenitude da liberdade com o término da pena ou extinção da punibilidade.

No caso em tela, o apenado obteve a progressão de regime do fechado para o semiaberto há pouco.

Por outro lado, o indeferimento do requerimento de VPL não representa a transformação do regime semiaberto em fechado, porquanto é da própria essência do semiaberto o menor rigor da Unidade Prisional em que o apenado se encontra encarcerado, em contraponto ao regime fechado em que os apenados, não raro, fi cam confi nados em suas celas, não tendo a possibilidade de transitarem nas áreas dentro do próprio presídio.

Assim, a própria progressão de regime, de per si, constitui um benefício ao apenado independentemente da concessão da saída extramuros ora requerida.

Constato, destarte, que a concessão no presente momento da saída extramuros do apenado para visitar sua família não se coaduna com o objetivo da pena, servindo, inclusive, de estímulo para eventual evasão, como bem ressaltado pelo ilustre parquet, razão pela qual indefi ro o pleito de visita periódica ao lar, ao menos no presente momento.

Inconformada, a defesa impetrou prévio writ, cuja ordem foi denegada

pelo Tribunal de origem. Eis o teor do decisum (fl s. 30-33):

Aduz a impetrante, em síntese, estar sofrendo o paciente constrangimento ilegal por parte da autoridade dita coatora. Que se encontram presentes os requisitos para a concessão do benefício de visita periódica à família e que teria direito líquido e certo à obtenção de tal benefício, sendo entretanto, indeferido o seu pedido.

Pelas informações prestadas pela autoridade coatora, verifi ca-se que o paciente possui em trâmite na VEP, a Carta de Sentença n. 2008/107377, no qual restou condenado à pena de 14 anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 121, § 2º, IV, do CP e a Carta de Sentença n. 0046314-50.2010.8.19.0001, na qual restou condenado à pena de 05 meses de detenção, em regime aberto, por infração ao art. 129, § 9º e ou § 11, § 9º do art. 329, n/f do art. 69 do CP.

Informou, ainda, que presentes os requisitos legais, concedeu ao ora paciente o benefício de progressão de regime e que a Defesa Técnica, em 06.04.2011, requereu o benefício de visita periódica ao lar, restando o mesmo indeferido.

(...)

Com efeito, assim dispõe o dispositivo legal referente à matéria em questão:

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária, e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

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RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 675

I - comportamento adequado;

II - cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente;

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Portanto verifi ca-se que nenhum constrangimento está sendo praticado em relação ao paciente.

Correta a atitude do Julgador monocrático. Cabe ao Juiz da VEP a verifi cação dos requisitos objetivos e subjetivos para a concessão do benefício, não sendo recomendando a concessão da ordem, que importaria em indesejável supressão de instância.

E como bem ressaltou a d. Procuradoria de Justiça em seu parecer:

(...) Como bem asseverou o Juízo da Execução, diversamente do sustentado pela impetrante, há que se lembrar que o indeferimento do requerimento de visita periódica ao lar (VPL ou VPF) não representa a transformação do regime semiaberto em fechado. É do próprio cerne do regime semiaberto o menor rigor da unidade prisional, em que o apenado/paciente se encontra custodiado, em contraponto com a unidade prisional de regime fechado. Nessa, os apenados geralmente fi cam confi nados em suas celas – lotadas – não podendo transitar nas áreas dentro do próprio presídio –. Ora, a necessidade de um maior tempo de aferição no regime semiaberto para a concessão de qualquer benesse prevista em lei advém da prática em execução penal e do conhecimento médio do ser humano.

Portanto, prudente a decisão que indica a necessidade de cumprimento maior de pena para autorização de saída (VPL), sobretudo porque é do próprio sistema progressivo de execução de pena a idéia de que os benefícios sejam deferidos paulatinamente, à medida em que se verifi ca cada vez mais o senso de responsabilidade do apenado.

E compete somente à Vara de Execuções Penais apreciar o pedido, sob pena de se ver suprimida uma instância, eis que dependendo de apreciação dos requisitos subjetivos, refoge ao âmbito do habeas corpus.

Portanto, não vislumbro constrangimento a ser sanado pelo presente remédio heróico.

Voto pela denegação da ordem.

Daí o presente mandamus, no qual a impetrante alega, em síntese, que os

requisitos necessários para a obtenção da visita periódica ao lar encontram-se

na LEP, sendo que ao julgador cabe avaliar somente se os elementos legais

fi guram-se presentes, não devendo, pois, exercer a função de legislador, criando

novos requisitos.

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Destaca que não foi declinada fundamentação concreta para o

indeferimento da benesse, posto que “o prazo de término da pena e o tempo de

ingresso do paciente no regime semiaberto (em 23.09.2010) não foram erigidos

pelo legislador como requisitos” (fl . 05).

Assere que não se pode presumir eventual evasão do paciente.

Requer, liminarmente e no mérito, seja autorizado o benefício da visita

periódica ao lar para o apenado ou seja anulada “a decisão de primeiro grau,

determinando seja outra proferida com base apenas nos requisitos objetivos e

subjetivos exigidos em lei” (fl . 10).

O pedido liminar foi indeferido (fl s. 40-43), oportunidade em que foram

solicitadas informações à autoridade apontada como coatora, prestadas às fl s.

60-91, e ao Juízo da execução, trazidas às fl s. 50-58.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou, em parecer da

lavra do Subprocurador-Geral da República Wallace de Oliveira Bastos (fl s. 94-

101), pela denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): Busca a

presente impetração a concessão ao Paciente do direito à visita periódica ao

lar, ao argumento de que a decisão que indeferiu o benefício seria carente de

fundamentação.

Passa-se à análise da questão posta no presente mandamus.

Sobre a benesse das visitas periódicas ao lar e os pressupostos para a

sua obtenção, confi ram-se os requisitos estipulados no artigo 123 da Lei n.

7.210/1984, o qual aborda o tema acerca das saídas temporárias, in verbis:

Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:

I - comportamento adequado;

II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;

III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

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Nesse âmbito, convém trazer à baila o dito pelo Juízo das Execuções ao

indeferir o pleito. Eis o decisum (fl s. 22-24):

(...)

Verifi co que assiste razão ao Ministério Público em sua percuciente análise do caso concreto, na medida em que há que se relevar na apreciação do pleito de visita periódica ao lar o atendimento ao requisito erigido pelo inciso III do artigo 123 da LEP, que preceitua a necessidade de análise da compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Sabidamente, a reprimenda penal possui como objetivo precípuo, além do caráter de prevenção geral e repressão à prática de crimes a ressocialização do indivíduo visando torná-lo adaptado ao convívio em sociedade, dissuadindo-o da prática de condutas perniciosas a terceiros e aos bens relevantes juridicamente tutelados na esfera penal (Princípio da Intervenção Mínima ou ultima ratio).

Não é outra a razão de a Lei de Execução Penal ter adotado o sistema da progressividade, que objetiva favorecer o apenado que apresenta bom comportamento carcerário, inserindo-o em um regime menos rigoroso, com maior amplitude de saídas extramuros, e sancionar aquele que persevera em condutas graves, regredindo-o para um regime mais severo.

Portanto, em consonância com o próprio sistema progressivo da pena a submissão do apenado a situação mais benéfi ca, com maior liberdade e contato com a família e a sociedade em geral deve ser gradual, de forma a assegurar que o apenado vá se adaptando à nova realidade pulatinamente, até que logre atingir a liberdade condicional e, fi nalmente, a plenitude da liberdade com o término da pena ou extinção da punibilidade.

No caso em tela, o apenado obteve a progressão de regime do fechado para o semiaberto há pouco.

Por outro lado, o indeferimento do requerimento de VPL não representa a transformação do regime semiaberto em fechado, porquanto é da própria essência do semiaberto o menor rigor da Unidade Prisional em que o apenado se encontra encarcerado, em contraponto ao regime fechado em que os apenados, não raro, fi cam confi nados em suas celas, não tendo a possibilidade de transitarem nas áreas dentro do próprio presídio.

Assim, a própria progressão de regime, de per si, constitui um benefício ao apenado independentemente da concessão da saída extramuros ora requerida.

Constato, destarte, que a concessão no presente momento da saída extramuros do apenado para visitar sua família não se coaduna com o objetivo da pena, servindo, inclusive, de estímulo para eventual evasão, como bem ressaltado pelo ilustre parquet, razão pela qual indefi ro o pleito de visita periódica ao lar, ao menos no presente momento.

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As benesses inerentes à execução penal somente são deferidas de forma

progressiva, comungando do mesmo escopo dos regimes carcerários. Ao

magistrado a quo cabe a análise da aptidão do apenado para a concessão de um

dado benefício.

Desse modo, a visita periódica ao lar não deve ser deferida de forma

automática, conjuntamente com a progressão ao regime semiaberto. Necessário

se faz o exame acerca do preenchimento, por parte do apenado, dos pressupostos

previstos em lei, atentando-se para a razão maior das benesses na execução

criminal, que consiste na readaptação do condenado à vida em sociedade.

No caso, verifi ca-se que o Juízo da execução indeferiu a visita periódica

ao lar fundamentando adequadamente o decisum no requisito estipulado no

inciso III do artigo 123 da Lei de Execuções Penais, visto que não constatou a

compatibilidade de tal deferimento com o objetivo da reprimenda. A mim me

parece, portanto, correta a decisão de primeiro grau.

Nesse sentido, vejam-se os seguintes precedentes desta Corte:

Habeas corpus. Visitas periódicas ao lar. Progressão para regime semiaberto. Não preenchimento dos requisitos do art. 123, III, da Lei n. 7.210/1984. Análise fundamentada pelo Juízo da Vara de Execuções Penais. Constrangimento ilegal não confi gurado.

1. Paciente ainda não preenche o requisito previsto no art. 123, III, da Lei n. 7.210/1984, sendo irrelevante para a concessão de visitas periódicas ao lar a progressão ao regime semiaberto, quando ausentes outras exigências.

2. Decisão do Juízo da Vara de Execuções Penais sufi cientemente motivada, entendendo corretamente acerca da incompatibilidade do benefício com os objetivos da pena, uma vez que as benesses devem ser concedidas de forma progressiva à medida que o apenado vá demonstrando estar apto à concessão de benefícios.

3. Ordem denegada.

(HC n. 143.409-RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15.12.2009, DJe 22.02.2010).

Penal. Progressão de regime. Fechado para semi-aberto. Saídas e trabalho externo. Verifi cação de requisitos objetivos e subjetivos da conduta do apenado.

1 - O deferimento de progressão do regime fechado para o semi-aberto não determina, automaticamente, sejam asseguradas ao apenado regalias como visitas ao lar e trabalho externo, pois são benefícios que demandam análise de requisitos objetivos e subjetivos da sua conduta, não aferíveis, aliás, em sede de habeas corpus.

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2 - Ordem denegada.

(HC n. 15.502-RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Sexta Turma, julgado em 03.05.2001, DJ 04.06.2001 p. 259).

À vista disso, denego a ordem.

É como voto.

RECURSO EM HABEAS CORPUS N. 28.822-AL (2010/0135575-2)

Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior

Recorrente: Célio Fernando de Sousa Rodrigues

Advogado: Jadson Coutinho de Lima

Recorrido: Ministério Público do Estado de Alagoas

EMENTA

Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Ameaça. Extinção

da punibilidade. Sentença. Termo de recebimento pelo escrivão.

Inexistência. Consideração do primeiro ato subsequente como data

da publicação. Prescrição da pretensão punitiva consumada entre o

recebimento da denúncia e a publicidade da sentença.

1. Esta Corte tem entendimento fi rmado de que a interrupção da

prescrição ocorre na data em que a sentença condenatória é entregue

ao escrivão, e não quando a acusação ou a defesa dela tomam ciência,

ou mesmo na data de publicação no órgão ofi cial.

2. Contudo, na omissão da lavratura do termo de recebimento

pelo escrivão, previsto no art. 389 do Código de Processo Penal, a

sentença deve ser considerada publicada na data da prática do ato

subsequente que, de maneira inequívoca, demonstre a publicidade do

decreto condenatório. Precedente do Supremo Tribunal Federal.

3. No caso, o primeiro ato que demonstrou, de maneira

inequívoca, a publicidade da sentença, foi o ciente que o Ministério

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Público nela apôs, devendo esta data, portanto, ser considerada como

sendo a efetiva publicação.

4. Se imposta ao paciente a pena de 06 meses de detenção por

sentença transitada em julgado, em razão de delito praticado antes

da vigência da Lei n. 12.234/2010, uma vez transcorridos mais de

02 anos entre a data do recebimento da denúncia e a publicação da

sentença, houve a consumação da prescrição da pretensão punitiva.

5. Recurso ordinário provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por maioria, dar provimento ao recurso ordinário nos termos do voto do

Sr. Ministro Relator, vencida a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura. Os

Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-RS) e

Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ-CE) votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 22 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator

DJe 13.10.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior: Trata-se de recurso ordinário em

habeas corpus interposto por Célio Fernando de Sousa Rodrigues contra acórdão do

Tribunal de Justiça de Alagoas.

Consta dos autos que o recorrente foi denunciado pela suposta prática

do delito previsto no art. 147 do Código Penal, c.c. a Lei n. 11.340/2006.

Em 04.06.2007, o Juízo de Direito da 10ª Vara Criminal de Maceió-AL

recebeu a peça acusatória (fl . 14). Instalado o juizado especializado em violência

doméstica, foram os autos a ele encaminhados e, por meio de sentença datada

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de 03.06.2009, o Juízo de Direito do 4º Juizado de Violência Doméstica e

Familiar condenou-o à pena de 06 meses de detenção, em regime inicial aberto,

substituída por restritiva de direitos e pagamento de prestação pecuniária. Não

houve recurso da acusação, e a apelação da defesa foi julgada intempestiva.

Impetrou-se, então, habeas corpus perante o Tribunal de Justiça alagoano,

sustentando-se que, entre o recebimento da denúncia, em 04.06.2007, e a

data em que a defesa foi intimada da sentença, 16.06.2009, teria transcorrido

prazo superior a 02 anos, o que caracterizaria a extinção da punibilidade pela

prescrição da pretensão punitiva.

A Corte de origem denegou a ordem (fl . 68):

Penal. Processual Penal. Habeas corpus. Alegada prescrição retroativa. Não ocorrência. Publicação da sentença. Causa interruptiva. Ordem denegada.

I - Impetrante alega que sentença condenatória transitada em julgado não reconheceu prescrição retroativa. Publicação da sentença configura-se como causa interruptiva. Prescrição não reconhecida.

II - Ordem denegada.

Interpôs-se, então, o presente recurso ordinário, no qual é reiterada a tese

de ter havido a consumação da prescrição.

Afi rma-se que, não havendo nenhum ato do escrivão formalizando a data

em que houve a publicação da sentença em cartório, deve ser considerado o

primeiro ato inequívoco desse fato, consistente na ciência do Ministério Público

acerca do decreto condenatório, ocorrida em 08.06.2009.

Pede-se o provimento do recurso, com a extinção da punibilidade do

paciente.

Devidamente processado, subiram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso ordinário

(fl . 152):

Prescrição da pretensão punitiva com base na pena em concreto: ocorrência.

O crime de ameaça atribuído ao paciente ocorreu em 28.01.2007, a denúncia foi recebida em 04.06.2007. A sentença condenatória - pela qual o acusado foi condenado à pena privativa de liberdade no total de 06 meses de detenção - foi publicada em 09.07.2009. Apenas ele interpôs recurso, verifi cando-se, pois, o trânsito em julgado da sentença para a acusação. Sendo de 06 meses de detenção a pena cominada ao réu/paciente, cujo prazo de prescrição é de 02 anos (inciso VI

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do art. 109 do CP), transcorreu o prazo prescricional entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença.

Parecer no sentido de ser concedida a ordem requerida, para que seja declarada a extinção da punibilidade do réu/paciente, pela prescrição da ação penal, com base na pena em concreto.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior (Relator): Busca-se, na presente

impetração, seja declarada a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa.

Defende o recorrente que, tendo sido condenado à pena de 06 meses de

detenção, teria transcorrido o prazo prescricional de 02 anos entre o recebimento

da denúncia, em 04.06.2007, e a publicação da sentença, em 08.06.2009 (art.

109, VI, do CP, em sua redação original).

Extrai-se das informações prestadas pelo Juízo de 1º grau ao Tribunal a quo

o seguinte relato (fl s. 108-109 - grifo nosso):

[...]

Recebido o inquérito policial devidamente instruído com a oitiva de testemunhas (fl s. 17-18) e interrogatório do então investigado (fl s. 27-28), o Juízo da 10ª Vara Criminal da Capital, abriu vista ao Órgão Ministerial que ofereceu a denúncia pertinente em 29 de maio de 2007, sendo esta recebida em 04 de junho de 2007.

Desta feita, passou-se à instrução dos autos, inicialmente com habilitação do procurador da vítima como assistente de acusação, assim como aquele que procederia à defesa do acusado.

Após várias tentativas do Ofi cial de Justiça, o réu foi citado para interrogatório, tendo este acontecido aos 17 de setembro de 2007, ocasião em que relatou os fatos ocorridos no dia da prática do suposto crime, como também juntou defesa prévia e cópia do pedido de revisão das medidas protetivas de urgência então decretadas (fl s. 51-58).

Foi requerida pelo assistente de acusação, a remessa dos autos ao Juizado de Violência Doméstica competente, pedido este acontecido aos 17 de setembro de 2007, ocasião em que relatou os fatos ocorridos no dia da prática do suposto crime, como também juntou defesa prévia e cópia do pedido de revisão das medida protetivas de urgência então decretadas (fl s. 51-58).

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

RSTJ, a. 23, (224): 619-693, outubro/dezembro 2011 683

Foi requerida pelo assistente de acusação, a remessa dos autos ao Juizado de Violência Doméstica competente, pedido este indeferido, vez que, como constatado pelo Ministério Público (fl s. 64) e Juízo (fl s. 64-verso), à época, ainda não havia sido criado este Juizado.

Além disso, na mesma decisão que indeferiu o pedido supra, foi designada audiência para oitiva das testemunhas do Ministério Público, tendo esta acontecido no dia 13 de fevereiro de 2008, em que a Sra. Lisiane Madeiro Campos de Sousa era a vítima, a Sra. Maria Quitéria da Silva Santos, a empregada doméstica e testemunha ocular, e a Sra. Lenise Alves Madeiro, irmã da vítima.

Criado, então, este Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, os autos foram remetidos em 10 de julho de 2007 e aqui se concluiu sua instrução, havendo designação da audiência de oitiva das testemunhas de defesa para 17 de fevereiro de 2009.

Tal audiência, no entanto, não pode ocorrer, visto que em razão de um equívoco da Secretaria deste Juízo, não foram intimados, a vítima e seu procurador, assistente de acusação, sendo portanto, remarcada para o dia 04 de maio de 2009.

Das 08 (oito) testemunhas arroladas, 04 (quatro) foram ouvidas, face à dispensa feita in loco pela defesa do acusado (fl s. 97-104). Há de se ressaltar que, estas, pouco contribuíram para o deslinde da ação penal, vez que não presenciaram o fato, fazendo referência, apenas, acerca do caráter e conduta do denunciado. Ao fi nal, foi aberto vista as partes, para que requeressem as diligências necessárias, assim como, foram juntados aos autos, recibos que comprovavam os gastos pela vítima, em razão de tratamento psicológico, ao qual se submeteu, em razão da suposta agressão sofrida.

Abstendo-se as outras partes de requerer diligências, o assistente de acusação, por sua vez, pugnou pela oitiva da Sra. Maria Quitéria da Silva Santos, empregada doméstica e testemunha ocular, a fi m de que as dúvidas que ainda pudessem pairar acerca da ocorrência ou não da ameaça em sede de violência doméstica, fossem dirimidas.

Deferida, portanto, a solicitação feita, a audiência foi realizada aos 02 de junho de 2009 (fl s. 120-124), ocasião esta em que as partes apresentaram alegações fi nais, o que corrobora com a modifi cação ocorrida no Processo Penal em 2008, deixando, esta Juíza, para prolatar a sentença, no prazo que lhe é por lei conferido, em razão da complexidade do caso e do adiantado da hora.

Assim, aos 03 de junho de 2009, a sentença condenatória foi prolatada (fl s. 129-132), havendo a Douta Representante do Ministério Público, dela se cientifi cado em 08 de junho de 2009, e o novo advogado do réu, em 16 de junho de 2009, ocasião em que requereu a juntada nos autos da procuração que lhe outorgava poderes para atuar no caso (fl s. 133-134), bem como, também, iniciava-se a contagem do prazo para impetração de recurso pertinente no dia 17.

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Tendo em vista o fato do Judiciário ter entrado em recesso no dia 22 de junho de 2009, retornando suas atividades, somente em 02 de julho de 2009, em que pese tenha entrado com o recurso que não era cabível, vez que o art. 41 da Lei n. 11.340/2006 afasta a incidência da Lei n. 9.099/1995 em sede de violência doméstica, o mesmo foi recebido como direcionado ao Tribuna de Justiça, porém, como somente foi protocolado neste Juizado em 06 de julho de 2009, esta Juíza em substituição reconheceu nele o vício da intempestividade (fl s. 259).

[...]

Outrossim, em informações complementares prestadas diretamente a

este Tribunal Superior, em atendimento à diligência requerida pelo Ministério

Público Federal, disse o Juiz de 1º grau (fl . 149):

[...]

Cumprimentando-o, venho informar a Vossa Excelência que, atendendo a diligência sobre “a publicação da sentença, nos moldes previstos no art. 389 do CPP, ou por meio da imprensa, ao Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas”, relativamente ao paciente Célio Fernando de Sousa Rodrigues, destinatário do Habeas corpus acima destacado, a sentença condenatória proferida em 03 de junho de 2009, tendo o advogado do Réu tomado ciência em cartório no dia 16.06.2009 e a sentença foi publicada no Diário Ofi cial do Estado em 09.07.2009, conforme consta nos autos - fl s. 129-132 e 258.

[...]

O art. 389 do Código de Processo Penal assim estabelece:

A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fi m.

A partir da análise do referido dispositivo, esta Corte tem entendimento

fi rmado de que a interrupção da prescrição ocorre na data em que a sentença

condenatória é entregue ao escrivão, e não quando a acusação ou a defesa dela

tomam ciência, ou mesmo na data de publicação no órgão ofi cial.

A propósito:

Habeas corpus. Direito Penal e Direito Processual Penal. Roubo majorado tentado. Prescrição. Inocorrência. Execução provisória. Incabimento.

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme em que a interrupção do curso da prescrição se dá com a publicação da sentença condenatória em cartório, que em nada se confunde com a intimação das partes, pessoalmente ou por intermédio do órgão de imprensa ofi cial.

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Jurisprudência da SEXTA TURMA

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2. Fundando-se a prisão do paciente exclusivamente no fato do exaurimento da instância recursal ordinária e, não, na concreta necessidade da sua prisão cautelar, contrapõe-se à lei e à Constituição Federal, de rigor a concessão do habeas corpus para superação do constrangimento ilegal.

3. Ordem parcialmente concedida.

(HC n. 81.669-SC, Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJe 22.10.2007).

Recurso especial. Penal. Estelionato em continuidade delitiva. Pena-base: 03 anos de reclusão. Pena total: 04 anos e 06 meses de reclusão. Regime inicial semiaberto. Prescrição inocorrente. Interrupção do prazo prescricional que ocorre com a data do registro da sentença condenatória em cartório (art. 389 do CPP). Precedentes. Fixação da pena-base acima do mínimo legal justifi cada. Maioria das circunstâncias judiciais desfavoráveis. Primariedade que, sozinha, não obriga à fi xação da pena-base no mínimo legal. Obediência ao critério trifásico. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Parecer do MPF pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso. Recurso especial.

[...]

2. Conforme orientação firmada nesta Corte Superior, um dos marcos interruptivos da prescrição da pretensão punitiva é a publicação da sentença em cartório (art. 389 do CPP), que se dá com a entrega do decisum ao Escrivão, e não na data de sua publicação na imprensa ofi cial; dessa forma, considerando que os fatos remontam a 1991, a denúncia foi recebida em 23.11.1995 e a sentença publicada em cartório em 18.11.2003, não ultrapassado o lapso de 08 anos previsto em lei (art. 109, IV do CPB).

[...]

8. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp n. 1.154.383-MG, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, DJe 03.11.2010).

A situação versada nos presentes autos, entretanto, traz uma peculiaridade.

Destarte, na situação concreta, embora a sentença seja datada de

03.06.2009, último dia antes da consumação do prazo prescricional, não se sabe,

ao certo, a data em que houve a sua entrega em mão do escrivão, uma vez que este, em

descumprimento ao disposto no art. 389 do Código de Processo Penal, não lavrou o

respectivo termo de recebimento.

Nem as informações complementares prestadas pelo Juízo a quo

esclareceram tal fato (fl . 149).

Na verdade, no caso, o primeiro ato que demonstrou, de maneira inequívoca,

a publicidade da sentença, foi o ciente que o Ministério Público nela apôs, em

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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08.06.2010, devendo esta data, portanto, ser considerada como sendo a efetiva

publicação.

Nesse sentido, menciona-se precedente do Supremo Tribunal Federal:

Habeas-corpus. Homicídio qualificado. Interrupção da prescrição pela publicação da sentença de pronuncia. Publicação e intimação da sentença de pronuncia (CPP, arts. 389 e 414). 1. A publicação da sentença ocorre quando o escrivão a recebe do Juiz (CPP, art. 389), independentemente de qualquer outra formalidade: a não lavratura de termo nos autos implica em se considerar como data da publicação a do primeiro ato subsequente; o registro no livro próprio e formalidade que se destina a sua conservação, não comprometendo a validade da sentença. 2. A publicação da sentença de pronuncia, tal como prevista no art. 389 do CPP, e que não se confunde com a intimação das partes, interrompe a prescrição (CP, art. 117, II). 3. A intimação pessoal do pronunciado (CPP, art. 414) não e condição para a interrupção da prescrição; tem outra finalidade, relacionada com o prosseguimento do processo (CPP, art. 413, caput). 4. Habeas-corpus conhecido, mas indeferido.

(HC n. 73.242-GO, Ministro Maurício Correa, Segunda Turma, DJ 24.05.1996).

O que não se admite é que, na solução da dúvida decorrente da omissão

cartorária, adote-se a solução mais prejudicial ao réu, ou seja, presuma-se que a

publicação da sentença em mão do escrivão ocorreu na mesma data da sua

prolação, segundo fez o acórdão recorrido.

Nesse contexto, se imposta ao paciente a pena de 06 meses de detenção por

sentença transitada em julgado, em razão de delito praticado antes da vigência

da Lei n. 12.234/2010, uma vez transcorridos mais de 02 anos entre a data do

recebimento da denúncia e a publicação da sentença, houve a consumação do

prescrição da pretensão punitiva.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para declarar extinta a

punibilidade do paciente pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos

do art. 107, IV, c.c. o art. 110, caput, do Código Penal, tornando sem efeito a

condenação proferida nos Autos n. 001.07.056501-6, do 4º Juizado de Violência

Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Maceió-AL.

VOTO

O Sr. Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ-

RS): Sra. Presidente, depois desses levantamentos todos, e tendo em vista aquela

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decisão do Supremo Tribunal Federal, que é um precedente, acompanho o voto

do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso em habeas corpus.

RECURSO ESPECIAL N. 1.003.816-MG (2007/0272812-8)

Relator: Ministro Og Fernandes

Recorrente: CNA-Comercial Ltda.

Advogado: Alexandre Antônio Nascentes Coelho e outro(s)

Recorrente: Santa Maria Companhia Nacional de Aplicações

Advogado: Rachel Barcelos Pereira e outro(s)

Recorrido: Os mesmos

EMENTA

Direito Civil e Processual Civil. Ação renovatória de locação comercial. Carência. Efeitos em relação ao pedido de despejo postulado na contestação. Fixação de prazo pelo juiz. Lei do Inquilinato. Dissídio demonstrado.

1. A teor do disposto na Lei do Inquilinato, é irrelevante, nos domínios da ação renovatória, que a sentença seja de improcedência do pleito ou de carência de ação, na medida em que os seus efeitos, quanto à desocupação do imóvel, são os mesmos.

2. Em qualquer hipótese, improcedência do pleito ou extinção do feito, sem resolução de mérito, havendo pedido formulado na contestação, o juiz deverá fi xar prazo para a desocupação do imóvel, o qual começará a fl uir a partir do trânsito em julgado da sentença.

3. Nesse sentido, já decidiu esta Colenda Sexta Turma, ao pontuar que: “(...) o caráter dúplice da ação [renovatória] admite o acolhimento do pedido de desocupação do prédio, no caso de a demanda não vingar, seja por improcedência, seja por carência, seja ainda por desistência.” (REsp n. 64.839-SP, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 22.06.1998).

4. Recurso especial a que se dá provimento, a fi m de estabelecer

ao locatário o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação do imóvel,

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a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, na forma da Lei

do Inquilinato em vigor.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr.

Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Vasco Della Giustina

(Desembargador convocado do TJ-RS), Haroldo Rodrigues (Desembargador

convocado do TJ-CE) e Maria Th ereza de Assis Moura votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Th ereza de Assis Moura.

Brasília (DF), 09 de agosto de 2011 (data do julgamento).

Ministro Og Fernandes, Relator

DJe 29.08.2011

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Og Fernandes: Trata-se de recurso especial interposto por

Santa Maria Companhia Nacional de Aplicações, com base nas alíneas a e c do

permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado de Minas Gerais, assim ementado:

Ação renovatória. Requisitos do art. 71 da Lei do Inquilinato. Não-atendimento. Prova de cumprimento do contrato. Pagamento das prestações locatícias. Fiador. Idoneidade fi nanceira. Diminuição. Interesse de agir. Necessidade. Adequação. Carência de ação.

Para que tenha curso a ação renovatória, necessário que sejam atendidos, no momento de seu ajuizamento, os requisitos previstos no art. 71 da Lei do Inquilinato. No que concerne à prova de exato cumprimento do contrato, requisito previsto no inc. II do art. 71 da Lei n. 8.245/1991, imprescindível a comprovação de que o locatário está em dia com o pagamento dos aluguéis. Quando no contrato a renovar houver fi ador, é, nos termos do art. 71, inciso V, necessário que a demanda renovatória apresente garantidor com idoneidade fi nanceira para arcar com o encargo. Devem também ser mantidas as condições da primeira fiança, não podendo ser aceita a diminuição do número de

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fiadores, principalmente se o novo fiador for impugnado pelo locador. Não estando presentes todos os requisitos necessários à propositura da renovatória, carecerá o autor de interesse de agir, pois, tomando esta condição pelo binômio necessidade-adequação, percebe-se prima facie a inadequação da demanda para prestar a tutela jurisdicional pretendida pelo autor (fl . 3.237).

Embargos de declaração opostos e rejeitados.

Sustenta a recorrente violação do art. 74 da Lei n. 8.245/1991, além da

existência de dissídio jurisprudencial.

Aduz, em síntese, que, não sendo renovada a locação, competia ao Tribunal

a quo fi xar prazo para a desocupação do imóvel, tanto mais quando, como ocorre

no caso, embora o processo tenha sido extinto, sem resolução de mérito, o

requisito estabelecido pelo art. 71, inc. II, da Lei do Inquilinato afi gura-se como

matéria de fundo.

Assevera, ainda, a impossibilidade de ajuizamento de nova ação renovatória,

em face da decadência do direito, como se infere do cotejo entre as disposições

contidas no art. 51, § 5º, da mencionada lei e a data do ajuizamento da presente

renovatória.

Oferecidas as contrarrazões (fl s. 3.344), o recurso foi admitido na origem,

subindo os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Sra. Presidente, cinge-se a

controvérsia em saber se, extinto o processamento da ação renovatória de

aluguel, sem resolução de mérito, caberia a fi xação, pelo Juízo, de prazo para a

desocupação do imóvel, nos termos do art. 74 da Lei n. 8.245/1991.

Ao que se extrai dos autos, CNA Comércio Ltda. ajuizou ação renovatória

de locação comercial contra Santa Maria - CIA. Nacional de Aplicações, visando à

renovação do contrato de aluguel de parte do imóvel identifi cado como “Bahia

Shopping”, situado na R. Espírito Santo n. 1.009, com entrada também pela R.

Bahia n. 1.022, nas mesmas condições em que realizado o pacto inaugural entre

as partes.

Ao contestar o feito (fl s. 186-236), a ré, ora recorrente, arguiu, dentre

outras questões, a carência de ação, por não haver a autora demonstrado os

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requisitos para a propositura da demanda, pleiteando, ao fi nal, a desocupação do

imóvel no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do art. 74 da Lei n. 8.245/1991

(fl . 234).

O MM. Juiz de Direito houve por bem rejeitar as preliminares aduzidas

pela ré, o que ensejou a interposição de agravo de instrumento para o Tribunal

de Justiça do Estado de Minas Gerais.

A Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal mineiro, por unanimidade

de votos, deu provimento ao agravo, para extinguir o feito, sem resolução de

mérito, com esteio no disposto no art. 267, VI, do CPC (fl s. 3.237-3.248).

Contudo, ao julgar embargos de declaração contra o referido aresto, aquele

Órgão Julgador indeferiu o pedido de retomada do imóvel pelo proprietário,

ao entendimento de que a decisão que extinguiu o processamento da ação

renovatória não fez coisa julgada entre as partes.

Como o pleito de desocupação do imóvel tem força executiva, entendeu

a referida Corte que tal pretensão seria inconciliável com a decisão que não

adentrou no mérito da demanda (fl s. 3.264-3.270).

Nas razões do recurso especial, a recorrente aponta negativa de vigência do

art. 74 da Lei n. 8.245/1991, bem assim dissídio jurisprudencial em relação ao

tema.

Quando ajuizada a ação, em 2005, preceituava o art. 74 da Lei n.

8.245/1991, in verbis:

Art 74. Não sendo renovada a locação, o Juiz fi xará o prazo de até seis meses após o trânsito em julgado da sentença para desocupação, se houver pedido na contestação. - grifos acrescidos

Com as alterações introduzidas pela Lei n. 12.112/2009, tal dispositivo

passou a ter a seguinte redação:

Art. 74. Não sendo renovada a locação, o juiz determinará a expedição de mandado de despejo, que conterá o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, se houver pedido de contestação. - grifos acrescidos

Conforme referido anteriormente, a ora recorrente requereu, expressamente,

em sua contestação (fl . 234) a fi xação de prazo para a desocupação do imóvel

objeto da renovatória. Com efeito, a decisão que extinguiu o feito, ainda que sem o

conhecimento de mérito, evidentemente, não renovou o contrato de locação.

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Assim, cumpria ao Tribunal a quo fi xar prazo para a desocupação do

imóvel, nos moldes do dispositivo supramencionado.

Sobre a matéria, leciona o civilista Sílvio de Salvo Venosa:

Essa lei terminou com a infi ndável polêmica trazida pelo art. 360 do antigo Código de Processo Civil, e anteriormente pela própria Lei de Luvas. Qualquer que seja a decisão que não determine a renovação da locação, seja ela de extinção do processo com ou sem julgamento do mérito, pode ser determinado o despejo. Para isto é necessário que tenha havido pedido neste sentido na contestação, em corolário à duplicidade da ação renovatória. Não se discute mais se o decreto de carência autoriza a desocupação, como fi zeram tantos julgados. Não renovado o contrato e não requerido o despejo na contestação, somente em ação autônoma poderá fazê-lo o locador, obedecendo aos requisitos exigidos para as locações não residenciais. Não se afasta a priori a possibilidade de embargos à execução, mormente os embargos de retenção por benfeitorias, nesse despejo, aplicando-se o que foi dito a respeito no exame das ações de despejo e, geral. O termo inicial para a desocupação é o do trânsito em julgado da sentença. Não se admite aqui execução provisória do despejo, pois a disposição tem cunho especial. A execução desse despejo, por outro lado, independe da execução dos consectários da sucumbência.

A modificação introduzida pela Lei n. 12.112/2009, reduzindo o prazo de desocupação para trinta dias, é importante e de há muito vinha sendo reclamada pelos locadores desses imóveis não residenciais. Geralmente, as ações renovatórias já são por si demoradas, não se justifi cando mais o prazo de seis meses de permanência do locatário no imóvel. Nessa altura da desocupação, o inquilino teve tempo de sobra para tratar de sua mudança.

(Lei do Inquilinato Comentada, 10ª Edição, Editora Atlas S/A - 2010, p. 353-354).

Em igual sentido, comenta Sylvio Capanema de Souza:

Uma das mais profundas alterações introduzidas no procedimento da ação renovatória está contida no artigo 74, que dá margens a estimulantes digressões doutrinárias.

O novo dispositivo encerrou uma velha polêmica, quanto aos efeitos da sentença que julgava improcedente o pedido e da que concluía pela carência acionária.

No antigo regime, se a sentença julgava improcedente a pretensão renovatória, como, por exemplo, quando acolhia o pedido de retomada para uso próprio, deduzido pelo réu, na contestação, o juiz decretava a desocupação do imóvel, fi xando o prazo de seis meses para que ela ocorresse.

(...)

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Mas se o juiz julgava o autor da renovatória carecedor da ação, como, por exemplo, quando reconhecia a ocorrência da decadência, ou não satisfação das condições indispensáveis ao seu exercício, não poderia impor ao locatário a desocupação do imóvel, porque o artigo 360 do Código de Processo Civil de 1939, que continuava regulando a matéria, aludia, apenas, a julgamento de improcedência, e não de carência, que é hipótese complemente diversa.

Transitada em julgado a sentença que decretava a carência acionária, o locador só poderia recuperar a posse do imóvel através de ação de despejo por denúncia imotivada, com fulcro no art. 5º da Lei n. 6.649/1979, o que representava imensa perda de tempo.

(...)

Agora é irrelevante que a sentença seja de improcedência, ou de carência, já que os seus efeitos, quanto à desocupação do imóvel, são os mesmos.

E isto se depreende porque o art. 74, ora comentado, ao aludir a “não sendo renovada a locação”, não faz qualquer distinção à causa do não acolhimento da pretensão, não sendo lícito ao julgador distinguir onde a lei não o faz.

Tanto na hipótese de improcedência quanto na de carência acionária, o juiz fi xará prazo de até seis meses para a desocupação do imóvel, e que começará a fl uir do trânsito em julgado da sentença.

Fica, assim, muito favorecido o locador, que não mais precisará ajuizar ação de despejo, para recuperar o imóvel, na hipótese de carência acionária.

Mais uma vez fi ca evidente a preocupação da lei em abreviar a composição do litígio, evitando demandas inúteis.

É importante frisar que o juiz só poderá decretar a desocupação do imóvel caso haja pedido na contestação.

(...)

(A Nova Lei do Inquilinato Comentada - Editora Forense - 1ª Edição 1993, p. 340-341).

De se destacar, ainda, que a jurisprudência deste Superior Tribunal de

Justiça já vinha se inclinando a esse entendimento, pois, quando do julgamento

do Recurso Especial n. 4.679/1990, a eg. Quarta Turma, seguindo o voto

proferido pelo Exmo. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, entendeu que, “negada

a renovatória, com ou sem julgamento do mérito, o prazo para a desocupação é

de seis meses”.

Confi ra-se:

Locação. Lei de Luvas. Renovatória inacolhida. Carência. Desocupação. Prazo de seis meses. Vigência do art. 360 do CPC anterior. Recurso não conhecido.

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I - Negada a renovatória, com ou sem julgamento do mérito, o prazo de desocupação do imóvel é de seis meses.

II - Por força do art. 1.218, III, do Código de Processo Civil, aplicável a norma do art. 360 do Diploma Processual pretérito.

(REsp n. 4.679-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, julgado em 18.09.1990, DJ 09.10.1990).

Nessa mesma linha de direção, tem-se, ainda, o Recurso Especial n. 64.839-

SP, Rel. Min. Anselmo Santiago, Sexta Turma, que, ao adotar os fundamentos do

acórdão recorrido, entendeu, na altura, que: “não há qualquer incompatibilidade

entre a desistência da renovatória e a ordem de desocupação, desde que o

senhorio tenha postulado essa providência, tal como aqui ocorreu. Isso porque o

caráter dúplice da ação admite o acolhimento do pedido de desocupação do prédio, no

caso da demanda não vingar, seja por improcedência, seja por carência, seja ainda por

desistência” (DJ 22.06.1998) - grifos acrescidos.

Sendo assim, não tendo o acórdão recorrido fi xado prazo para o desalijo,

após o decreto de extinção do feito renovatório, contrariando, inclusive, o

pedido do locador formulado na contestação, tenho por violado o art. 74 da Lei

n. 8.245/1991.

Registro, ainda, que tenho por comprovado o dissídio interpretativo com a

Apelação Cível n. 778.260-0/8, oriunda do antigo Tribunal de Alçada Civil do

Estado de São Paulo, julgada em 20.04.2004, assim também com a Apelação n.

2001.001.22523, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, julgada

em 12.03.2002.

Ante o exposto, conheço do recurso especial, por ambas as alíneas do

permissivo constitucional, e dou-lhe provimento, para estabelecer o prazo de 30

(trinta) dias para a desocupação do imóvel, a contar do trânsito em julgado do

presente acórdão.

É como voto.

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