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SHIRLEY MESCHKE MENDES FRANKLIN DE OLIVEIRA
A INTERNACIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA E SEUS REFLEXOS N A
RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRADORES DAS
SOCIEDADES ANÔNIMAS
Dissertação de mestrado apresentada ao
Departamento de Direito Comercial, da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como requisito parcial para obtenção do título
de Mestre em Direito Comercial.
Orientador: Professor Doutor Fabio Ulhoa
Coelho
FACULDADE DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE
SÃO PAULO – 2007
BANCA EXAMINADORA
________________________
________________________
________________________
Agradecimentos
Ao Professor Fabio Ulhoa Coelho pelo suporte
e orientação.
Aos meus pais, Silvino Lopes Mendes e Luzia
Meschke Mendes, por terem me dado a
oportunidade.
Ao meu marido, Marcio Rodrigues Franklin de
Oliveira, pela paciência, apoio e compreensão
pelo tempo que lhe roubei.
RESUMO
Discutem-se neste trabalho os reflexos da globalização na responsabilidade civil
dos administradores das sociedades anônimas.
O enfoque parte da evolução do capitalismo até a criação da nova ordem
econômica mundial. Passa-se então a analisar um dos mais importantes efeitos
do desenvolvimento do Comércio Internacional: a competição entre as empresas
nacionais e internacionais.
Com isso, destaca-se a procura de novos mercados pelas empresas e a
preocupação com o custo de seus investimentos. Pondera-se a respeito da
abertura do capital social como forma de ganhar força na competição acirrada,
e, portanto, do crescimento do mercado de capitais. Diante disso, estuda-se a
evolução do mercado de capitais e das sociedades.
Buscamos demonstrar que os investidores e os terceiros com o tempo foram se
tornando mais conscientes e exigindo garantias, como segurança e
transparência na condução dos negócios. Surge então um movimento conhecido
como governança corporativa, que institui deveres, obrigações e acima de tudo
responsabilidades aos administradores.
Por fim, trataremos dos deveres dos administradores e da evolução da
responsabilidade civil, procurando sempre demonstrar que as alterações da
legislação foram reflexos da internacionalização das economias.
ABSTRACT
This dissertation addresses the effects of globalization on the civil liability of
directors & officers of joint-stock companies.
Starting with the evolution of capitalization until the consolidation of a new world
economic order, this work elaborates on one of the most relevant effects of the
latest developments in international trade: the competition among domestic and
international companies.
Within this context, the pursuit of new markets by global companies and their
concern with investment costs have stood out. Going public as a means of
surviving fierce competition is analyzed, followed by an overview of the capital
market and its recent growth. To that end, the evolution of the capital market and
of companies is given due consideration.
It is thus shown that investors and stakeholders have become increasingly
knowledgeable and demanding in terms of greater business security and
transparency. This growing awareness has evolved into the so-called corporate
governance, which instituted duties, obligations and – above all – the liability of
directors & officers.
As this dissertation develops, it will also focus on the duties of directors & officers
and on the evolution of civil liability, always demonstrating that legal changes
have come in the sway of the globalization of economies.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................... 1
CAPÍTULO I – GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL
I.1. Definição e sua origem................................................................. 7
I.2. Nova Ordem Econômica Mundial................................................. 11
I.2.1. Características da Nova Ordem Mundial do Comércio..... 16
I.2.2. Negociações tarifárias – formação dos grandes blocos.... 17
I.2.2.1. União Européia................................................. 18
I.2.2.2. NAFTA............................................................... 21
I.2.2.3. Bloco Asiático.................................................... 21
I.2.2.4. Mercosul............................................................ 22
I.2.3. Os Impactos do desenvolvimento da economia mundial nas
economias e empresas nacionais.............................................. 23
CAPÍTULO II – AS SOCIEDADES ANÔNIMAS
II.1. O desenvolvimento das sociedades anônimas........................... 27
II.2. Estrutura organizacional das sociedades anônimas................... 35
II.2.1. Assembléia Geral ............................................................ 35
II.2.2. Administradores................................................................37
II.2.2.1. Conselho de Administração............................. 42
II.2.2.2. Diretoria........................................................... 52
II.2.3. Conselho fiscal ............................................................... 54
II.3. Teorias relativas à natureza jurídica da relação entre os
Administradores da sociedade........................................................... 58
CAPÍTULO VI – RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ADMINISTRA DORES
VI.1. Responsabilidade Civil – Evolução, conceito e elementos........ 140
VI.2. Sistemas de Responsabilidade Civil.......................................... 149
VI.2.1. Responsabilidade subjetiva do tipo clássico.................. 150
VI.2.2. Responsabilidade subjetiva com inversão do ônus da
prova (culpa presumida)............................................................ 150
VI.2.3. Responsabilidade objetiva............................................. 153
VI.2.4. Responsabilidade objetiva pura..................................... 154
VI.3. Fontes de Responsabilidade: atos culposos ou dolosos e
atos violadores da lei ou estatuto...................................................... 158
VI.3.1. Atos culposos ou dolosos.............................................. 158
VI.3.2. Atos violadores da lei e do estatuto............................... 162
VI.4. Limites da Responsabilidade Civil ........................................... 170
VI.4.1. Solidariedade................................................................. 170
VI.4.1.1. Solidariedade do terceiro............................... 173
VI.5. Excludentes da responsabilidade civil...................................... 175
VI.6. Medidas judiciais...................................................................... 179
VI.6.1. Impedimento do administrador...................................... 183
VI.6.2. A responsabilidade do administrador ante acionistas
e terceiros......................................................................................... 183
CAPÍTULO VII – CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................... ........................ 194
1
INTRODUÇÃO
Esta dissertação propõe-se a analisar os impactos relevantes da
globalização nas sociedades anônimas, especificamente na responsabilização
civil dos seus administradores.
Iniciaremos este estudo a partir da verificação do surgimento do
capitalismo e da nova ordem econômica e comercial mundial. Em seguida,
trataremos da evolução das sociedades anônimas, das formas de
administração e do mercado de capitais. Veremos que, quando da criação das
primeiras sociedades, os administradores eram os próprios acionistas, pois
havia uma preocupação enorme com a delegação de poderes. A
responsabilidade dos administradores não estava bem definida, gozando eles
de amplos poderes e privilégios pessoais. E em relação ao mercado de
capitais, não havia maiores requisitos para a abertura do capital e uma
fiscalização efetiva das operações realizadas em bolsa.
A globalização foi responsável pelo estreitamento das relações entre os
países, as pessoas e as sociedades. Com isso surgiu a necessidade de
internacionalização das sociedades, com o objetivo de se tornarem mais
competitivas. A adaptação a este novo cenário se deu através da constituição
de novas sociedades e sucursais em outros países e também da realização
de parcerias com sociedades estrangeiras. Os benefícios econômico-
comerciais eram grandes e atraíam as sociedades a optarem pela
internacionalização. Com isso, foi necessário delegar poderes a terceiros para
administrar o novo empreendimento, pois os acionistas das sociedades
interessadas na internacionalização não poderiam gerenciar de perto as
atividades de todas as sociedades afiliadas. Por esta razão, os acionistas
optavam por investir em países que possuíam normas reguladoras das
atividades dos administradores.
2
Podemos concluir que a projeção econômica, a normatização de certas
condutas e a transparência das ações de cada um dos envolvidos em
negócios jurídicos, especialmente os administradores, passou a ser essencial
para o alcance do sucesso nas relações empresárias.
Os países que não tinham em seus ordenamentos regras claras a
respeito da responsabilidade dos administradores, para que pudessem atrair e
manter os investimentos estrangeiros, passaram por processos de alteração
legislativa e adaptação das normas já existentes ao novo contexto e
exigências internacionais. Além das alterações promovidas pelo direito, a
criação de programas internos nas próprias sociedades, também reflexo da
intensificação das relações empresariais, contribuiu para a ampliação e
definição criteriosa da responsabilidade dos administradores.
A adaptação ao novo cenário através da instituição de regras claras
relativas à responsabilidade dos administradores era uma exigência dos
acionistas das sociedades interessadas na internacionalização de seus
negócios, haja vista a delegação da administração de seus negócios a
terceiros. Ou seja, a atribuição de normas especiais de regulação das
atividades da administração com o estabelecimento de punições severas às
práticas ilegais ou causadoras de danos conferia certo conforto e segurança
aos acionistas.
A preocupação dos acionistas era legítima, considerando o poder de
decisão sobre o andamento dos negócios da sociedade detido pelo
administrador, poder este concedido pela sociedade e pela lei. Embora o
exercício do referido poder pelo administrador tivesse de respeitar os
interesses dos acionistas, da sociedade e a legislação aplicável, a capacidade
e possibilidade de punir qualquer conduta contrariam a tais interesses e a lei
era fundamental.
3
Verificaremos em que momento surgiu a preocupação por parte das
autoridades e da própria sociedade em estabelecer regras de conduta com o
objetivo de punir práticas consideradas alheias aos interesses dos acionistas
e das sociedades por eles administradas e práticas que afetam de modo
negativo a ordem econômica do país, contribuindo negativamente com o
interesse do investidor de ingressar no mercado de capitais.
Recentemente tivemos a constatação da relevância do tema da
responsabilidade dos administradores e dos seus reflexos na economia de um
modo geral. Diversos escândalos com envolvimento direto de administradores
foram divulgados pelos meios de comunicação e afetaram de forma
significativa as economias mundiais, afinal vivemos a globalização, e os
reflexos de qualquer acontecimento podem ser identificados em todos os
países integrados (ex.: Enron, WorldCom). Veremos neste estudo que tais
acontecimentos também contribuíram para a adaptação das sociedades ao
novo cenário.
Temos de reconhecer que a globalização é um fenômeno irreversível, de
modo que as sociedades multinacionais e nacionais, sejam estas de pequeno
ou médio porte, trafegam necessariamente neste novo ambiente e precisam
se adaptar a ele.
Se analisarmos o fenômeno da globalização sob o ponto de vista das
empresas multinacionais, concluiremos que estas se encontram mais
preparadas para aproveitar as novas oportunidades. Todavia, para os
empresários e administradores das empresas nacionais e multinacionais, a
globalização altera de modo significativo as funções de gestão, devido à
velocidade das mudanças e ampliação dos mercados de atuação. O aumento
da competição pelos mercados resulta na necessidade de reavaliação pelas
empresas nacionais das práticas de seus administradores, objetivando
sobreviver no novo ambiente econômico.
4
Veremos durante o desenrolar deste estudo as inovações e mudanças
nas regras relativas à responsabilidade dos empresários e administradores, as
quais afetaram diretamente a forma de gestão e a condução dos negócios, e
as principais medidas e estratégias adotadas pelas empresas multinacionais e
nacionais para lidar com a nova realidade. Ou seja, identificaremos a
intervenção do direito nas relações empresariais, especificamente na
responsabilidade da administração, permitindo a sustentação de tais relações,
a sobrevivência das próprias sociedades e a proteção das partes
interessadas, como credores, investidores, empregados, dentre outros.
Conforme expõe Eduardo Bassi1, qualquer sistema econômico baseia-se
num conjunto de premissas sobre o comportamento das principais variáveis:
relação capital/trabalho; tecnologia; concorrência; comportamento e
necessidades dos consumidores. E o gerenciamento das empresas é
realizado considerando que tais premissas continuem estáveis ao longo de
um período de tempo. Considerando as grandes mudanças provocadas pelo
fenômeno da globalização nas referidas variáveis, conclui-se que o sistema
econômico internacional foi drasticamente alterado.
O processo de globalização das sociedades em termos gerais provocou
impactos sociais, políticos, ambientais e legais como já mencionamos acima.
O que se pretende é demonstrar como este fenômeno alterou a forma de
administração das sociedades empresárias e como o legislador reagiu à
referida alteração, ou seja, quais foram os meios por ele utilizados para
preservar as relações empresárias e as próprias sociedades. A intensificação
das relações empresárias, a realização de acordos extraterritoriais, a
internacionalização das sociedades mediante constituição de outras
sociedades, sucursais, escritórios de representação no exterior, requer do
1 Empresas locais e globalização . Guia de oportunidades estratégicas para o dirigente nacional.1ª ed., São Paulo: Editora Cultura/Editores Associados, 2000. p. 38.
5
legislador regulamentação e fiscalização. É o que se pretende demonstrar, a
reação do legislador e das sociedades à ação do fenômeno da globalização.
Em verdade, o processo de globalização outorga aos legisladores e às
sociedades um dever prioritário: o estabelecimento de regras que devem
reger as relações empresariais. À semelhança de todos os esforços, já
realizados por vários países, como veremos durante este estudo, visando à
obtenção de relações empresariais edificadas sobre os princípios da lealdade
e da boa-fé, os legisladores e as sociedades em geral devem assumir a
responsabilidade de zelar pelo futuro das relações empresariais, afinal é
fundamental a adequação dos mercados às novas demandas da economia
globalizada.
Arnold Wald comenta que
os efeitos da globalização se equiparam aos das correntes marítimas,dos vendavais e dos terremotos. Em certos casos, podemos discutir odeterminismo no setor econômico e tentar evitar os malefícios daglobalização, impedindo-os previamente, ou precavendo-nos contra osseus efeitos, do mesmo modo que construímos diques contra asinundações e exigimos maior solidez nos prédios situados em regiõesperigosas sujeitas a terremotos2.
Como bem afirma Calixto Salomão Filho,
Nada há o que se possa fazer contra a globalização. É necessárioadaptar-se. Talvez a criação mais genial de marketing de todos ostempos, essa palavra traveste velhas idéias com nova roupagem. Traduzfilosofias ultrapassadas e dogmaticamente equivocadas, reunidas sob aalcunha de neoliberalismo. Essas idéias passaram do campo econômicopara o das ciências sociais, chegando finalmente a influenciar o direito3.
2 Alguns aspectos jurídicos da globalização financeira. In: Aspectos atuais do direito do mercadofinanceiro e de capitais . Roberto Quiroga Mosquera (Coord.). São Paulo: Dialética, 1999. p. 11.3 Calixto Salomão Filho, O novo direito societário . 2ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p.15.
6
Espera-se que esta dissertação contribua, ainda que minimamente, para
um debate mais refletido sobre o tema e suas implicações para os
administradores de sociedades anônimas.
7
CAPÍTULO I – GLOBALIZAÇÃO DA ECONOMIA MUNDIAL
A globalização alterou e continua alterando profundamente o ambiente
social, político, econômico, ambiental e cultural da humanidade. Alguns de
seus importantes impactos são o aumento no comércio e nos investimentos
internacionais, afetando os mercados e as empresas, bem como as crises
financeiras internacionais, em decorrência da criação de blocos econômicos,
da realização de fusões, aquisições, inovações tecnológicas, entre outras. A
conquista de novos mercados passou a ser um grande desafio para aumentar
as vendas e o lucro das empresas, haja vista a saturação e a concorrência no
mercado nacional, e para enfrentar este desafio as empresas passaram a
concentrar seus negócios (core business), realizar operações societárias e
desenvolver produtos mundiais.
Compreender a globalização, em especial a sua evolução, é fundamental
para identificar seus reflexos, e o que se pretende fazer a seguir.
I.1. Definição e sua Origem
O processo de globalização iniciou-se com o surgimento do capitalismo e
solidificou-se com a criação da nova ordem econômica e comercial mundial.
Por esta razão, requer algumas referências sobre a origem e a evolução do
capitalismo até a criação da nova ordem mundial.
O desenvolvimento do capitalismo se classifica numa série de estágios.
No entanto, definir o marco inicial de seu desenvolvimento depende do
conceito que se atribui ao capitalismo.
8
Max Weber usa a expressão “espírito do capitalismo” para descrever a
atitude que busca o lucro, racional e sistematicamente4.
Werner Sombart, no mesmo sentido, buscou a essência do capitalismo
na totalidade dos aspectos representados no Gueist ou espírito que tem
inspirado a vida de toda uma época. Tal espírito seria uma síntese de
empreendimento ou aventura com o “espírito burguês”, de prudência e
racionalidade. Para Sombart, o capitalismo originou-se do desenvolvimento de
estados de espírito e de comportamentos humanos5.
Segundo a Escola Histórica Alemã (Bücher) o capitalismo se identifica
com a organização da produção para um mercado distante. Ou seja, o
capitalismo nasce a partir do instante em que os atos de produzir e vender a
varejo se separam no espaço e tempo através da intervenção de um
comerciante atacadista que adiantava dinheiro para a compra dos produtos
com o objetivo de vender posteriormente com lucro. Nesse sentido, Earl
Hamilton descreve capitalismo como o “sistema em que a riqueza outra que
não a terra é usada com o fito definido de conseguir uma venda”. Pirenne
também aplica o termo a qualquer uso aquisitivo do dinheiro e declara que as
fontes medievais situam a existência do capitalismo no século XII6.
Outro significado é o conferido por Marx, que não buscava a essência do
capitalismo num espírito de empresa nem no uso da moeda para financiar
uma série de trocas com o objetivo de obter lucro, mas sim em determinado
modo de produção. Por modo de produção Marx entende a maneira pela qual
se definia a propriedade dos meios de produção e as relações sociais entre os
homens que resultaram de suas ligações com o processo de produção. Não
4 Maurice Hebert Dobb, A Evolução do Capitalismo . Tradução de Manuel do Rego Braga.Revisão de Antonio Monteiro Guimarães Filho, Sérgio Góes de Paula. Publicado sob licença deRoutledge & Kegan Paul Ltd., Inglaterra e Zahar Editores S.A. Rio de Janeiro. Tradução publicadasob licença de Zahar Editores S.A. Rio de Janeiro: Editor Victor Civita, 1983. p. 6.5 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 5-6.6 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 7.
9
era apenas um sistema de produção para o mercado, mas um sistema sob o
qual a força de trabalho se tornara uma mercadoria, sendo comprada e
vendida no mercado como qualquer objeto de troca. Ou seja, os meios de
produção e a propriedade estavam concentrados em mãos de uma classe
composta de pequena parte da sociedade e outra classe que consistia em
todos destituídos de propriedade, para os quais a venda da sua força de
trabalho era a única forma de subsistência. A atividade produtiva, portanto,
era suprida pela última classe com base em contrato de trabalho.
Maurice Dobb, ao indicar falhas nas definições do capitalismo realizadas
por Sombart e pela Escola Alemã, demonstra afinidade com o pensamento de
Marx. Afirma ser insuficientemente restritiva a definição de Sombart para
confinar o termo a qualquer época da História, o que parece concluir que
todos os períodos da história foram capitalistas. Portanto, se o espírito
capitalista for ele próprio um produto histórico, o que causou seu
aparecimento e quando?7
Adotemos a concepção desenvolvida por Marx, pois se tivermos de
considerar o conceito do capitalismo como sendo um sistema comercial e
aquele que versa sobre o emprego lucrativo do dinheiro, teremos de concluir
que o capitalismo deve ter estado presente na maior parte da história escrita.
Isso porque a produção para um mercado era muito comum nos tempos
medievais. O uso lucrativo do dinheiro, da mesma forma, não é
exclusivamente moderno. A compra de escravos na antiguidade era um
7 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 8-9:, “Tanto a concepção de Sombart do espírito capitalistaquanto uma concepção de capitalismo como sendo primariamente um sistema comercialcompartilham o defeito, em comum com as concepções que focalizam a atenção no fato de umainversão lucrativa de dinheiro, de serem insuficientemente restritivas para confinar o termo aqualquer época da história, e de parecerem levar inexoravelmente à conclusão de que quase todosos períodos da história têm sido capitalistas, pelo menos em certo grau.” “Outra dificuldade, que serelaciona com a concepção idealista de Sombart, Weber e sua escola, é a de que, se o capitalismocomo forma econômica é a criação do espírito capitalista, a gênese deste último terá de serexplicada antes de podermos explicar a origem do capitalismo. Se tal espírito capitalista for, elepróprio, um produto histórico, o que causou seu aparecimento no cenário histórico?”
10
emprego lucrativo de dinheiro, tanto quanto o contrato de trabalhadores
assalariados hoje.
De acordo com Marx devemos situar a fase inicial do capitalismo na
Inglaterra, não no século XII como faz Pirenne (que pensa principalmente na
Holanda), nem mesmo no século XIV com seu comércio urbano e ligas
artesanais como fazem outros, mas na segunda metade do século XVI e início
do século XVII, quando o capital começou a penetrar na produção em
proporções consideráveis, na forma de uma relação bem amadurecida entre
capitalistas e assalariados e também na forma de subordinação dos artesãos
domésticos, que trabalhavam em seus próprios lares para um capitalista.
Não se pode negar que antes disso já podem ser encontrados exemplos
de uma situação transitória em que o artesão perdera grande parte de sua
independência, em face da dívida ou monopólio dos comerciantes
atacadistas, e apresentava relações de alguma dependência com um
mercado, dono de capital. Além disso, no século XIV já existiam camponeses
com um bom padrão de vida na aldeia, comerciantes locais e trabalhadores
proprietários nos artesanatos urbanos que já empregavam trabalho
assalariado. Todavia tais casos foram pouco numerosos, de modo que não
justifica situar a fase inicial do capitalismo8.
Qualquer que seja a forma de relação entre um modo capitalista de
produção e uma classe particular de capitalistas, estes, até as décadas finais
da era dos Tudor, não alcançaram importância decisiva como influência sobre
o desenvolvimento social e econômico. A partir desta década, dois momentos
são decisivos: (a) século XVII, com suas transformações políticas e sociais,
inclusive a luta dentro das corporações privilegiadas e a luta parlamentar
contra o monopólio; (b) final do século XVIII e primeira metade do século XIX,
com a Revolução Industrial, que representou a transição de um estágio inicial
8 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 15.
11
do capitalismo para um estágio em que o capitalismo atingira seu próprio
processo de produção baseado na unidade de produção em grande escala e
coletiva da fábrica, representando o fim da participação do produtor com os
meios de produção e estabelecendo uma relação simples e direta entre
capitalista e assalariados.9
Durante a Primeira Guerra Mundial, tendências do capitalismo de Estado
começaram a se manifestar em uma série de países europeus, inclusive na
Grã-Bretanha e na Itália, entre as guerras e especialmente na década de
1930. Uma conseqüência da crise econômica de 1929-31 foi o surgimento,
nos Estados Unidos, do New Deal (Plano Novo/ Nova Política)10, de Franklin
Delano Roosevelt, com suas medidas de intervenção naquilo que era
predominantemente uma “economia de mercado livre”. Com o fim da Segunda
Guerra Mundial verificou-se uma extensão marcante na América e na Europa
ocidental das atividades econômicas do Estado, o que resultou na ampliação
considerável das despesas do Estado.
A sede de mercados do capitalismo impulsionou a criação da nova
ordem econômica e comercial, acelerando todo o processo de integralização
das economias.
I.2. Nova Ordem Econômica Mundial
Uma nova ordem econômica mundial passa a ser estruturada depois da
crise de 1929 e da Segunda Guerra Mundial, diante de enormes dificuldades
econômicas que afetavam todo o sistema financeiro e comercial mundial. Com
o objetivo de evitar um colapso econômico e ampliar as relações comerciais
9 Maurice Hebert Dobb, op. cit., p. 15.10 Expressão que significa “Nova Política” e que designa o programa de bem-estar público adotadonos Estados Unidos, a partir de 1933, pelo então presidente Franklin D. Roosevelt. Teve o objetivode atenuar a crise econômica no país decorrente da grande depressão mundial. Definição extraídado livro de Joseph E. Stiglitz (Prêmio Nobel de Economia de 2001), A Globalização e seus
12
entre os países, os chefes de governo decidiram se reunir e iniciar
negociações para a redução de tarifas.
Nesse sentido, em 1944 em Bretton Woods reuniram-se representantes
de quarenta e cinco Estados e Governos, com o objetivo de promover uma
nova ordem econômica mundial. Decidiu-se pela criação de um Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird, ou Banco Mundial),
que teria como missão assuntos microeconômicos, ou seja, tratar de questões
estruturais ligadas ao mercado de trabalho, a políticas comerciais, gastos do
governo, às instituições financeiras do país, conceder empréstimos de capital
a longo prazo para os países urgentemente necessitados e por uma nova
instituição financeira, o Fundo Monetário Internacional (FMI), tendo como
objetivo promover a estabilidade econômica mundial, cuidando, portanto, de
questões macroeconômicas ao lidar com o país, por exemplo, o déficit do
orçamento do governo, sua política monetária, inflação, bem como a
concessão de créditos de curto prazo em condições que permitissem superar
dificuldades temporárias de balança de pagamentos e que ajudassem a
estabilizar as taxas de câmbio e o déficit comercial. Estava formado, portanto,
o novo sistema financeiro mundial que permitiu uma transição para uma
economia internacional mais aberta, liberal e multilateral11.
O Acordo de Bretton Woods exigia uma terceira organização econômica
internacional para controlar as relações comerciais internacionais, função
semelhante àquela que o FMI exercia no tocante às relações financeiras
internacionais12. Foi então firmado, em 1947, em Genebra, Suíça, o Acordo
Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), com o intuito de
regulamentar as relações comerciais internacionais e contribuir para
malefícios – A promessa não-cumprida de benefícios globais. Trad. Bazán Tecnologia eLingüística. 3. ed., São Paulo: Editora Futura, 2002.11 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus Malefícios – A promessa não-c umprida debenefícios globais, cit.12 Joseph E. Stiglitz, op. cit., p. 42.
13
intensificação do comércio internacional, mediante redução das tarifas
aplicadas aos bens comercializados.
O GATT baseava-se em seis princípios: (a) Não-Discriminação: proíbe a
discriminação de países no comércio internacional; (b) Transparência: as
barreiras protecionistas impostas pelos países devem ser divulgadas e
compreensíveis; (c) Concorrência Leal: coíbe o dumping e a concessão de
subsídios que podem afetar o mercado internacional e acarretar a
concorrência desleal entre os países; (d) Base Estável para o Comércio:
busca criar uma base estável de comércio, garantindo maior segurança para
os países investidores; (e) Proibições de Restrições Quantitativas a
Importações: proíbe limitar a quantidade que ingressará no país de
determinado produto; (f) Tratamento Especial para Países em
Desenvolvimento: obriga os países desenvolvidos a dispensar tratamento
mais favorável e a prestar assistência aos países em desenvolvimento ou
menos desenvolvidos13.
Com a explosão da dívida federal norte-americana, o crescente déficit da
balança comercial, decorrente do intercâmbio com as economias japonesa e
alemã, e a obsolescência das normas regulatórias de intercâmbio econômico
e comercial levaram ao avanço da internacionalização financeira e abriram
caminho para uma ampla revisão estrutural e conceitual do FMI, do Banco
Mundial e do GATT.
Outros fatores também foram responsáveis por esta transformação,
como a crise do padrão monetário mundial, com o fim do “gold exchange
standard”, em 1971, com a insustentabilidade da paridade dólar-ouro e com a
subseqüente erosão do dólar como moeda-reserva internacional estável, que
13 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), Direito do Comércio Internacional – AspectosFundamentais. Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo. Comissão de ComércioExterior e Relações Internacionais. São Paulo: Lex Editora S.A. – Legal e Regulatória. Aduaneiras
14
levou à flutuação do câmbio e resultou na desorganização do sistema de
regulação criado pelo acordo de Bretton Woods e possibilitou a abertura dos
mercados internos das economias desenvolvidas aos produtos
industrializados oriundos do Terceiro Mundo. Outro fator foram os choques do
petróleo de 1973/1974 e 1978/1979, que resultaram no aumento do barril e
desnivelaram por conseqüente os preços relativos aos bens e serviços,
provocando uma crise generalizada de lucratividade, acentuando os
desequilíbrios comerciais, instabilidade das taxas de câmbio e de juros,
descontrole dos balanços de pagamentos, o que agravou o endividamento
externo dos países em desenvolvimento, gerou aumento de inflação nas
economias industrializadas, diminuição do ritmo de crescimento dos países
desenvolvidos e paralisação temporária dos mercados.
Diante da estagnação econômica, iniciou-se um processo de
desregulamentação dos mercados financeiros, de revogação dos monopólios
estatais e de abertura no comércio mundial de serviços e informação,
denominado Consenso de Washington. Austeridade fiscal, a privatização e a
liberalização de mercado foram os três pilares das recomendações do
Consenso de Washington durante as décadas de 1980 e 199014.
Em face do cenário acima apresentado, o GATT encontrava-se defasado
e não mais era capacitado para reger as relações comerciais da época, afinal
o comércio internacional tinha se tornado muito mais complexo e importante
do que era ao tempo do surgimento do GATT, além de os investimentos
internacionais e o mercado de serviços, não cobertos por ele, terem se
tornado interesse principal de diversos países e essenciais para o mercado
internacional. Além disso, o avanço tecnológico e a evolução econômica
acabaram por forçar a incorporação de setores, até então deixados de lado
– Informação sem Fronteiras, 2004. Capítulo 2 – Negociações Multilaterais de Comércio, oProcesso de Integração Econômica e a Formação de Blocos Regionais, p. 70-1.14 Joseph E. Stiglitz, op. cit., p. 85.
15
por serem inexpressivos para o GATT, como comércio de serviços,
transferência de tecnologia, agricultura, têxteis, propriedade intelectual,
medidas de investimentos relacionadas ao comércio15.
Diante deste cenário, decidiram criar uma organização capaz de
regulamentar o comércio e que tivesse grande capacidade de adaptação.
Foi então que em 1995 surgiu a Organização Mundial do Comércio
(OMC) como sucessora do GATT e com o objetivo de levar os países a uma
nova era de cooperação econômica mundial, refletindo o grande desejo de
negociar em um sistema multilateral de comércio mais justo e amplo.
Outra resposta de fundamental importância à crise monetária
internacional e aos choques do petróleo foi a racionalização das estruturas
organizacionais dos procedimentos decisórios e das atividades produtivas,
através de processos de incorporação, cisão, fusão, aquisições, transferência
de ativos, formação de joint ventures, criação de holdings e constituição de
16
intelectual, interceptação de informações, proteção do meio ambiente,
formação de cartéis.
I.2.1. Características da Nova Ordem Mundial do Com ércio
Como vimos no item anterior, a OMC representou o início de uma nova
era de cooperação econômica mundial. Em termos gerais, a OMC é o
principal órgão internacional do comércio e, por meio de negociações
multilaterais, almeja a evolução do comércio, tendo como objetivo a
liberalização do comércio mundial, feita em bases seguras, contribuindo para
o crescimento e o desenvolvimento econômico.
A OMC regula as relações comerciais através do cumprimento de seus
Acordos, os quais podem ser de duas formas: multilaterais e plurilaterais. Os
acordos multilaterais são aqueles diretamente vinculados à OMC, de modo
que, se um país pretende tornar-se membro da OMC, deve aceitar todos os
termos desses acordos. Já os acordos plurilaterais são facultativos. São
exemplos de acordos multilaterais: GATT; Acordo sobre Aspectos do Direito
de Propriedade Intelectual; Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços;
Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio; Acordo sobre Agricultura etc.;
e de plurilaterais: Acordo sobre Comércio de Aeronaves Civis; Acordo sobre
Compras Governamentais; Acordo Internacional sobre Laticínios; Acordo
Internacional sobre Carne Bovina.
Enfim, tais acordos permitiram o intercâmbio de reduções tarifárias entre
a maior parte dos países.
Podemos dizer que as diferenças de desenvolvimento tecnológico, ou
seja, a busca pelo valor agregado e capacidade de inovação de um país para
outro e de uma empresa para outra, surgem como fator essencial de
vantagem comparativa entre nações. Os investimentos diretos seguem,
17
igualmente, este fluxo de vantagens entre concorrentes, conduzindo a uma
marginalização crescente das economias menos desenvolvidas.
As tendências de multilateralismo e vantagens comparativas resultam na
emergência de novos espaços geoeconômicos, ou seja, as nações passaram
a se associar para aumentar as suas vantagens comparativas em relação a
terceiros e aproveitar os benefícios alfandegários disponíveis, reduzindo
custos sociais e econômicos, bem como propiciar uma defesa eficaz contra a
especulação financeira e os fluxos de capitais. Tais espaços foram
denominados zonas econômicas preferenciais, seja de estrutura relativamente
simples, como as áreas de livre-comércio, seja sob formas mais elaboradas,
como os mercados comuns. Referida regionalização da economia foi o fator
precursor da formação dos grandes blocos, os quais serão comentados a
seguir.
I.2.2. Negociações tarifárias – formação dos grande s blocos
São cinco as fases de integração econômica entre os países, a saber: (a)
Zona de Livre Comércio; (b) União Aduaneira; (c) Mercado Comum; (d) União
Monetária; e (e) União Política.
Na Zona de Livre Comércio os países associados concordam em
eliminar, progressiva e reciprocamente, os gravames e obstáculos incidentes
sobre os produtos negociados entre si. Porém, cada país-membro possui
ampla liberdade no que se refere à política interna e à política comercial com
os países não associados. Contudo, não há de se falar em Tarifa Externa
Comum. Alguns exemplos são: EFTA (Inglaterra/Portugal/Países Nórdicos);
Nafta; ALCSA (Área de Livre Comércio de Sul América); AFTA (Asean Free
Trade Agreement); EEE (Espaço Econômico Europeu): Comunidade
Econômica Européia.
18
Na União Aduaneira, os Estados-membros, além da eliminação recíproca
de gravames (como na zona de livre comércio), passam a adotar uma política
comercial uniforme em relação aos países exteriores à união. Na união
aduaneira vigora uma pauta aduaneira comum, idêntica em todos os países
associados, para as importações provenientes de terceiros países. Além
disso, há a criação de um Órgão de Política Aduaneira e de um Órgão de
Política de Comércio Exterior. Os exemplos são a Comunidade Econômica
Européia e o Mercosul.
Além de o Mercado Comum possuir as características acima apontadas,
faz-se necessário um ajuste das legislações dos países membros, propiciando
entre outros, a livre circulação de pessoas, a criação de órgãos
supranacionais e o estabelecimento de políticas comuns.
A União Econômica é a fase em que é associada a supressão de
restrições sobre movimentos de mercadorias e fatores com certo grau de
harmonização das políticas econômicas nacionais, de forma que sejam
abolidas as discriminações resultantes de disparidades existentes entre essas
políticas, tornando-as o mais semelhantes possível.
E na Integração Econômica/União Monetária Total passa-se a adotar
uma política monetária, fiscal e social uniforme, bem como se delega a uma
autoridade supranacional poderes para elaborar e aplicar essas políticas,
sendo que as decisões dessa autoridade devem ser acatadas por todos os
Estados-membros.
I.2.2.1. União Européia
O processo de formação da Comunidade Econômica Européia (CEE)
começou logo após a Segunda Guerra Mundial e foi concluído em 1957
através do Tratado de Roma.
19
Em 1948, foi criada a Organização Européia de Cooperação Econômica,
e em 1949, o Conselho da Europa. As duas instituições seguiam o modelo da
cooperação sem qualquer impacto sobre a soberania nacional16.
O Conselho foi inicialmente composto por Alemanha, França, Holanda,
Itália, Bélgica e Luxemburgo, obtendo em 1972 a adesão de Reino Unido,
Dinamarca e Irlanda. Em 1979 a Grécia aderiu e em 1985 Portugal e
Espanha. Em 1995 aderiram Áustria, Finlândia e Suécia. No dia 1º de maio de
2004, a União Européia sofreu outra histórica ampliação: dez países do centro
da Europa e do Mediterrâneo passaram a integrar esse grupo, a saber:
República Tcheca, Hungria, Polônia, Eslováquia, Eslovênia – países do Leste
Europeu que integravam o antigo bloco soviético; Estônia, Letônia e Lituânia –
que faziam parte da antiga União Soviética; Malta e Chipre. Com essa união,
o número de países-membros do bloco passou de quinze para vinte e cinco.
Antes da assinatura do Tratado de Roma, outros movimentos e acordos
já acenavam uma futura integração entre alguns países europeus. Em 1951
foi assinado o Tratado que instituiu a Comunidade Européia do Carvão e do
Aço (CECA), com a intenção de criar um mercado comum de carvão e aço e
possibilitar assim o desenvolvimento e a exploração comum destas matérias-
primas e seus respectivos produtos. Esta Comunidade foi muito significativa,
uma vez que os Estados iriam abdicando de parte de sua soberania para a
instituição comunitária e criando bases comuns de desenvolvimento para
diversos setores econômicos, além de contribuir com o aumento do emprego
e do nível de vida, com um mercado comum.
Em 1955, na Conferência de Ministros dos Negócios Estrangeiros da
CECA, firmou-se o tratado que instituiu a Comunidade Européia da Energia
Atômica (Euratom), com o objetivo de coordenar o desenvolvimento da
indústria nuclear, e a Comunidade Econômica Européia.
16 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), op. cit., p. 89.
20
Portanto, eram três organizações que compunham a Comunidade
Européia na sua gestação histórica, e que se fundiram em 1967, com a
assinatura do Tratado de Bruxelas, que instituiu um Conselho de Ministros e
uma Comissão Européia Única das Comunidades.
Em 1970 foi criado o Plano Werner, que especificava os passos para
associar à realização do mercado comum uma política econômica e monetária
comum, de forma que estabelecesse uma União Econômica e Monetária.
Entretanto, as disparidades entre as diversas políticas econômicas e de
integração européia, bem como a evolução da crise nos Estados-membros,
impediram que houvesse uma coordenação adequada das políticas
econômicas e monetárias e que se implantasse um sistema de taxas de
câmbio fixas. A luta contra a inflação resultou numa certa harmonização das
políticas econômica e monetária, contribuindo para a instalação do Sistema
Monetário Europeu, cujo objetivo principal consistia em manter as taxas de
câmbio de suas respectivas moedas dentro de margens limitadas de flutuação
em benefício das economias dos Estados-Membros e reduzir a inflação.
Um dos marcos mais importantes do processo de integração foi a
aprovação em 1986 do Ato Único Europeu, que visava a realização do
mercado interno comunitário, já prevista nos tratados constitutivos da
Comunidade. Referido ato complementou o Tratado de Roma com uma série
de objetivos precisos, os quais se traduziam nas quatro liberdades
fundamentais – livre circulação de pessoas, de bens, de capitais e de
serviços17.
O Tratado da União Européia, assinado em Maastricht, em 1992,
constituiu uma reforma global do Tratado de Roma, facilitando a conquista da
União Econômica e Monetária,e definiu elementos de regulação
17 Antonio Carlos Rodrigues do Amaral (Coord.), op. cit., p. 90.
21
intergovernamental e a convergência das comunidades para uma estrutura
comum, a União Européia.
I.2.2.2. NAFTA
Preliminarmente, surgiu o FTA (“Free Trade Agreement”), que começou a
ser negociado em 1985 entre os EUA e o Canadá, sendo assinado somente
em 1988. A idéia era instituir uma Zona de Livre Comércio. Posteriormente, foi
ampliado com a associação do México, passando, em 1991, a ser
denominado “North American Free Trade Area”, visando eliminar barreiras do
comércio, aumentar oportunidades de investimentos, assegurar direitos de
propriedade intelectual e a cooperação entre as Nações. Esse acordo criou
uma área comum de livre comércio apenas com a circulação de bens e
serviços. Estabeleceu as condições e os critérios para a coordenação de
políticas comerciais conjuntas, para a liberalização nas áreas de
investimentos e propriedade intelectual e para a harmonização das
legislações nacionais em matéria de meio ambiente, direitos trabalhistas e
padrões sociais.
I.2.2.3. Bloco Asiático
Após décadas de competição intensa e muita desconfiança recíproca, foi
constituída uma área bastante dinâmica de cooperação econômica e
comercial no Sudeste Asiático e no Pacífico – a Asia Pacific Economic
Cooperation (Apec), com dezoito países (como China, Hong Kong, Japão,
Coréia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia), além dos países que
compõem o NAFTA e a Association of South East Asian Nations (Asean),
composta por sete países (Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia,
Brunei e Vietnã). É importante observar que a integração regional asiática é
orientada por meio de decisões comuns dos agentes econômicos, em
questões de investimentos, tecnologia e exportações, diferente da União
22
Européia e do Nafta, que são experiências condicionadas por uma vontade
política, deflagradas por decisões governamentais e implementadas por
políticas públicas.
I.2.2.4. Mercosul
Pouco depois do surgimento, na Europa, da Comunidade do Carvão e do
Aço e da Comunidade Econômica Européia (1957), os países da América
Latina já estudavam a possibilidade de uma integração regional. Assim, em
1960, foi assinado o Tratado de Montevidéu, que instituiu a Associação
Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), prevendo a criação de uma
zona de livre comércio e a constituição de um mercado comum em um prazo
de doze anos, mediante negociações periódicas entre seus membros.
Em substituição à ALALC, em 1980 foi criada a Associação Latino-
Americana de Integração (ALADI), a qual adotou mecanismos diferentes,
visando também a integração entre os Estados-membros. Em vez de uma
zona livre de comércio, conforme previa o ALALC, foi estabelecida uma zona
de preferências econômicas, criando condições favoráveis a iniciativas
bilaterais. Neste sistema, Brasil e Argentina firmaram, em 1986, protocolos
comerciais, dando o primeiro passo concreto em direção a uma aproximação
que já havia sido iniciada com a Declaração de Iguaçu, em 1985. Como
complemento dos acordos anteriores, o Brasil e a Argentina assinaram, em
1988, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, no qual já se
previa a criação de um mercado comum entre os dois países, no prazo de dez
anos, com a eliminação gradativa dos obstáculos tarifários. Referido acordo
estava aberto aos demais Estados da região. Com a adesão do Paraguai e do
Uruguai, assinou-se um novo tratado entre os quatro países, em 26 de março
de 1991, na cidade de Assunção, no Paraguai, criando-se entre eles um
mercado comum, denominado Mercado Comum do Sul, ou Mercosul.
23
O Tratado de Assunção tem por objetivos (a) a inserção competitiva dos
quatro países num mundo caracterizado pela formação de blocos regionais de
comércio, onde a capacitação tecnológica é cada vez mais importante para o
progresso econômico e social; (b) a viabilização de economias de escala,
permitindo a cada um dos países membros ganhos de produtividade; (c) a
ampliação das correntes de investimentos com o resto do mundo, bem como
a promoção da abertura econômica regional.
O Mercosul, por sua vez, tem como finalidade (a) a livre circulação de
bens, serviços e fatores produtivos entre os quatro países membros, através,
entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e das restrições não
tarifárias à circulação de mercadorias, ou qualquer outra medida de efeito
equivalente; (b) o estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC) e a
adoção de uma política comercial comum, em relação a terceiros Estados ou
agrupamentos de Estados, e a coordenação de posições em foros econômico-
comerciais, regionais e internacionais; (c) a coordenação de políticas
macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de comércio exterior,
agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de serviços,
alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem – a fim
de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes;
(d) o compromisso dos Estados Partes de harmonizarem suas legislações nas
áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
I.2.3. Os impactos do desenvolvimento da economia m undial nas
economias e empresas nacionais
Como visto, a Globalização é um fenômeno complexo que envolve a
integração de economias, culturas, orientações de governo e movimentos
políticos em todo o mundo. Ao longo dos séculos os investimentos entre
países e o comércio tornaram as economias mundiais interdependentes. O
que agora tratamos de “globalização” é uma aceleração deste processo de
24
integração. O fato é que foram inúmeras as conseqüências deste fenômeno
nas economias e empresas nacionais.
As conseqüências nas economias nacionais foram a descentralização e
fragmentação do poder ao integrar mercados e propiciar uma intensificação
da circulação de bens, tecnologias, capitais, serviços, informações e culturas;
a delimitação da capacidade de regulamentação dos governos, principalmente
em relação à tributação de certas operações; transformação de investimentos
em ciência, tecnologia e informação em fatores privilegiados de produtividade
e competitividade; multiplicação do fluxo de idéias, conhecimento, bens,
serviços e problemas sociais; geração de diversas situações sociais e
exigência de novos padrões de responsabilidade, controle e segurança.
Em relação às empresas nacionais, cujo resultado de seus negócios
interfere diretamente na economia nacional, tem-se o aumento considerável
das exportações e importações, de investimentos diretos e do nível
tecnológico, o ingresso no sistema de produção internacional, a aquisição de
novas vantagens competitivas em determinados setores, maior poder de
competição global em face dos programas de fomento do governo à
produtividade da empresa nacional.
As megaempresas passaram a organizar suas atividades produtivas em
escala mundial. Cada uma das etapas da cadeia produtiva, desde o
desenvolvimento, a pesquisa, até o processamento da matéria-prima, da
produção de peças e marketing do produto, é realizada no local
geograficamente mais vantajoso.
Como não poderia deixar de ser, os setores tecnologicamente avançados
pressionam o Estado a ampliar as condições de competitividade através da
eliminação dos entraves que impedem a abertura comercial, defendem a
regulamentação dos mercados e a desestatização. Por outro lado, os setores
25
defasados tecnologicamente, sem condições competitivas em nível mundial,
lutam por um mercado local reservado, haja vista necessitarem de algum grau
de proteção por parte do Estado, através da criação e manutenção de
obstáculos jurídicos, administrativos, tarifários e alfandegários à entrada de
mercadorias e serviços estrangeiros.
Como já mencionado, a abertura do comércio internacional ajudou vários
países a crescer muito mais rapidamente do que teriam crescido se a referida
abertura não tivesse acontecido. O comércio internacional de fato ajuda no
desenvolvimento econômico à medida que as exportações de um país, por
exemplo, impulsionam o crescimento econômico. Entretanto, para muitos
países em desenvolvimento a globalização não trouxe os benefícios
econômicos prometidos, isso porque os países ricos do Ocidente mantiveram
as suas barreiras comerciais e forçaram as nações pobres a eliminá-las,
impedindo que tais países em desenvolvimento exportassem seus produtos
agrícolas, e, portanto, privando-os da renda obtida por meio de exportações18.
Os prejuízos causados pela globalização começaram a ficar claros com a
crise financeira da Ásia, que, em 1997, abalou as economias de vários países.
Seu lado desumano e injusto foi revelado quando da divulgação pela ONU em
1999 de relatório mostrando que, paralelamente à abertura do comércio
internacional e o aumento do fluxo de capitais, estava a ampliação do fosso
entre as nações ricas e pobres.
Por estas e outras razões é que as organizações internacionais
tornaram-se alvo de inúmeras críticas e protestos em todas as partes do
mundo.
18 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus malefícios . A promessa não-cumprida de benefíciosglobais. 3. ed. Trad. Brazán Tecnoligia e Lingüística. São Paulo: Editora Futura, 2002. p. 33.
26
O problema foi que a concessão de poder econômico a organismos
globais e instituições internacionais foi mais rápida que a criação de estruturas
políticas globais adequadas ao exercício desse poder.
Feitas tais considerações a respeito do fenômeno da Globalização,
estudaremos os seus reflexos na responsabilidade civil dos administradores
de sociedades anônimas. Obviamente tais reflexos decorrem das profundas
mudanças na economia que brevemente comentaremos. Trataremos
inicialmente da evolução das sociedades anônimas, em seguida, do mercado
de capitais, e por fim da responsabilidade civil.
27
CAPÍTULO II – AS SOCIEDADES ANÔNIMAS
II.1. O Desenvolvimento das Sociedades Anônimas
Conforme observa João Eunápio Borges, não há consenso entre os
autores a respeito da origem e dos antecedentes históricos da moderna
sociedade por ações19. Alguns imaginam terem sido originadas quando da
criação de poderosas organizações em Roma. Essas organizações pagavam
tributos ao Estado, eram fornecedoras de produtos ao povo e ao exército e
responsáveis pela construção de obras públicas. Segundo Antonio Brunetti,
referenciado por João Eunápio Borges e por Waldirio Bulgarelli20, tais
sociedades eram dotadas de personalidade jurídica e os títulos de
participação eram transferíveis a terceiros, por isso sua importância, mas não
deviam ser confundidas com as sociedades anônimas.
Paul Rehme e Goldschmidt, também referenciados por João Eunápio
Borges, ensinam, no entanto, que o surgimento das sociedades por ações
ocorrera com a instituição do Banco ou Casa de San Giorgio (Casa de São
Jorge), em Gênova (1407). A República de Gênova cedia a seus credores
para garantia de seu reembolso o direito à percepção de determinados
tributos. Da reunião de tais credores do Estado surgiu a referida instituição21.
Aproximava-se também da estrutura de uma sociedade por ações a
corporação dos mineradores na Alemanha, em que a propriedade das minas
ou jazidas era dividida em partes, as quais eram negociáveis e divisíveis.
Não obstante as analogias entre as entidades acima indicadas e a
sociedade por ações, pode-se relacionar a moderna sociedade por ações
19 Curso de Direito Comercial Terrestre. 5.ed., 3. tir. Rio de Janeiro: Forense, 1976.20 Manual das Sociedades Anônimas. 9. ed., São Paulo: Atlas, 1997. p. 59.21 Curso de Direito Comercial Terrestre , cit., p. 469.
28
diretamente às grandes companhias coloniais constituídas para a exploração
de seus domínios ultramarinos, nos séculos XVII e XVIII, na Holanda –
Companhia das Índias Orientais e Ocidentais (20.03.1602 e 03.06.1621), em
Portugal – Companhia de Comércio da Índia (1624); na Inglaterra – “East
Índia Company (1600), na França – Companhia da Índia Oriental//“Compagnie
du Nord” (1664) e no Brasil – Companhia Geral do Comércio do Brasil (1650).
As sociedades formadas no interesse do Estado eram constituídas por
força de um privilégio, ou seja, eram a princípio instituições de direito público.
Comenta Rubens Requião que através dessas sociedades poderosas o
príncipe exercia a dura política mercantilista, com interesses colonialistas,
diminuindo os obstáculos impostos pelo jogo diplomático nas cortes
européias22. As sociedades anônimas sugiram assim da conjunção de capitais
públicos e particulares.
Nas companhias coloniais a responsabilidade dos administradores não
estava bem definida, gozando estes de amplos poderes, além de vários
privilégios pessoais, o que se explica pela sua origem estatal, na época, o
poder real. A responsabilidade, portanto, não era propriamente voltada aos
acionistas, mas essencialmente ao soberano.
No Brasil, em 12.10.1808, foi constituído por iniciativa governamental, no
regime primitivo do privilégio, mediante Alvará do Príncipe Regente, o primeiro
Banco do Brasil na forma de sociedade anônima. Até 1848 outras sociedades
também foram criadas sob o regime do privilégio.
Com a Revolução Industrial e a conseqüente supremacia dos interesses
individualistas, o capitalismo se apropriou do sistema do privilégio com o
objetivo de concentrar capital e expandir-se. As sociedades então se
22 Rubens Requião, Aspectos Modernos de Direito Comercial (Estudos e pareceres). São Paulo:Saraiva, 1977. p. 86.
29
desprendem da rígida tutela estatal, deixando de ser sociedades privilegiadas,
fruto de concessão dada pelo Estado através de lei especial e passando para
o sistema de autorização ou concessão.
Os reflexos destas mudanças foram percebidos no Brasil e, em 1849,
com o advento do Decreto nº 575, de 10 de janeiro de 1849, o governo
estabeleceu regras para a incorporação das sociedades anônimas,
introduzindo no ordenamento jurídico brasileiro o sistema previsto no Código
Francês de 1807, o da autorização ou concessão, devendo o governo
autorizar a constituição das sociedades aprovando os seus estatutos sociais,
o que, segundo José Xavier Carvalho de Mendonça, visava prevenir,
especialmente, os abusos das sociedades bancárias, que começavam a surgir
no Rio de Janeiro e nas capitais de algumas províncias23. No código
comercial brasileiro de 1850 o sistema da autorização ou concessão foi
mantido.
Posteriormente, com o advento das idéias do liberalismo jurídico o
sistema foi novamente alterado, passando a ser um sistema de
regulamentação positiva, ou seja, passou a ser livre a constituição de
sociedades por ações, devendo apenas ser observadas as normas
regulamentares da constituição. Além disso, passou a haver separação entre
a administração e os acionistas. O regime de plena liberdade iniciou-se na
Inglaterra, depois na França (1867), refletindo no Brasil em 1882, com a
edição da Lei 3.150 de 04.11.1882 (regulamentada pelo Decreto 8.821, de 30
de dezembro de 1882). Foi consagrado o princípio da liberdade de
constituição das sociedades por ações, exceto da constituição de sociedades
estrangeiras e nacionais destinadas à exploração de determinadas atividades.
Segundo conta José Xavier Carvalho de Mendonça, o membro do Parlamento
brasileiro Afonso Celso comentou a respeito da alteração durante a sessão do
23 José Xavier Carvalho de Mendonça, Tratado de Direito Comercial Brasileiro. 1. ed.Atualizado por Ricardo Negrão. Campinas: Editora Bookseller, 2000. V. I, Livro I. p. 91-92.
30
Senado de 24 de abril de 1882: “Nessa trilogia, liberdade, publicidade e
responsabilidade, resume-se a missão da lei quanto às sociedades anônimas;
fora daí e além daí não há senão restrições injustificáveis ao direito
individual”24. Em 1940 foi promulgado o Decreto-lei n. 2.627, de 26 de
setembro25.
Arnoldo Wald comenta que foi após a crise econômica de 1930, e
especialmente após a Segunda Guerra Mundial, que a sociedade anônima
passou a sofrer uma completa renovação, em particular nos Estados Unidos,
passando a ser o grande instrumento do capitalismo. A Abertura do capital
das sociedades e a constituição dos grandes grupos permitiram a realização
do que Peter Drücker denominou “a revolução invisível”, que ocorreu à
medida que os fundos de pensão permitiram aos empregados o acesso à
propriedade das ações das companhias (sistema de stock option e a
participação acionária dos empregados)26.
24 José Xavier Carvalho de Mendonça, op. cit., p. 122.25 José Xavier Carvalho de Mendonça, op, cit., p. 197-198. Sociedades Anônimas: Decreto doGoverno Provisório n. 164, de 17 de janeiro de 1890, que no art. 43 declarou revogada a Lei 3.150,de 4 de novembro de 1882; Decreto n. 850, de 13 de outubro de 1890; Decreto n. 997, de 11 denovembro de 1890; Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro de 1891, que no art. 13 dispôs: “Em tudoquanto não esteja alterado por este decreto n. 8.821, de 30 do mesmo mês e ano, e o Decreto n.164, de 17 de janeiro de 1890”; Decreto n. 1.362, de 14 de fevereiro do mesmo ano. O Decreto n.434, de 4 de julho de 1891, consolidou as disposições legislativas e regulamentares sobre associedades anônimas. O Decreto n. 603, de 20 de outubro de 1891, aprovou e mandou executar oregulamento das companhias ou sociedades anônimas. Esse decreto instituiu uma comissão,nomeada pelo Governo e composta de três jurisconsultos, dos presidentes da Junta Comercial, daJunta dos Corretores e da Associação Comercial na Capital Federal e de três comerciantes, para,durante os dois primeiros anos de vigência do regulamento, receber as representações memoriais,relatórios, reclamações e quaisquer observações relativamente às lacunas ou defeitos do mesmoregulamento e à solução das dificuldades que se pudessem dar na sua execução. O Decreto n.698, de 22 de dezembro de 1891, revogou o Decreto n. 603, de 20 de outubro do mesmo ano, porexceder os limites da atribuição conferida ao Poder Executivo no art. 48, n. 1 da Constituição,consagrando disposições de caráter legislativo. Prevalece, e é hoje geralmente invocado, oDecreto n. 434, de 4 de julho de 1891, que condensou todas as disposições sobre sociedadesanônimas esparsas em tantos decretos. Nota. Ações Preferenciais – Decreto n. 21.535, de 15 dejunho de 1932. Decreto n. 23.324, de 6 de novembro de 1933 – substitui os arts. 137 e 138 doDecreto n. 434, de julho de 1891. Rege, hoje, as sociedades anônimas o Decreto-lei 2.627, desetembro de 1940.26 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas. In: Jorge Lobo (Coord.). A Reforma da lei dasSociedades Anônimas: Os Direitos dos Minoritários n a Nova Lei das S.A . 2. ed., Rio deJaneiro: Forense, 2002, p. 220.
31
As sociedades que predominavam até 1960 no Brasil eram quase
exclusivamente familiares e os seus conflitos se resolviam de maneira
doméstica. Somente com o início da industrialização após a Segunda Guerra
Mundial e as primeiras manifestações do capitalismo financeiro, o legislador
começou a se preocupar com a proteção do acionista minoritário e do
acionista preferencialista.
Com o advento da Lei n. 6.404/76, o legislador garantiu certo equilíbrio
entre os direitos e deveres do controlador. Segundo Arnoldo Wald,
“tecnicamente excelente e com uma visão prospectiva e didática, a Lei n.
6.404/76 constituiu um passo importante para a criação de um mercado
moderno de capitais no Brasil”27. O Estado acabou com a ampla liberdade
que tinham os acionistas de definirem a estrutura e o funcionamento das
sociedades, uma vez que regulou de forma quase que exaustiva as questões
inerentes a esse tipo de sociedade, ou seja, definiu a sua estrutura interna de
forma clara e precisa.
A abertura da economia brasileira, influenciada pela liberalização de
mercado (um dos pilares do Consenso de Washington), cria um novo contexto
para o direito societário a partir da década de 1990, em virtude (a) do ingresso
do capital estrangeiro no mercado de capitais, (b) do aumento da presença
em nosso país das multinacionais, não só norte-americanas como também
européias; (c) dos processos de reestruturação societária (fusões e
incorporações); (d) da transformação das antigas estatais e empresas
concessionárias; e (e) do fortalecimento dos fundos de pensão. O Brasil saiu,
portanto, de uma economia em grande parte dominada pelo capitalismo de
Estado para uma economia de mercado.
Nas palavras de João Luiz Coelho da Rocha,
27 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, op. cit., p. 223.
32
Na medida em que a abertura econômica vai abrindo as portas deempreendimentos brasileiros a investidores externos a estruturacapitalista do país vai ganhando melhor peso específico, pois esse influxotraz consigo o componente cultural de sistemas mais evoluídos, onde seprestigia a abertura e a democratização de capitais28.
Nesse sentido, Joseph E. Stiglitz comenta que, de acordo com o
Consenso de Washington, o crescimento ocorre por meio da liberalização,
com a libertação dos mercados. Segundo ele, a privatização, a liberalização e
a macroestabilidade supostamente criam um clima que atrai investimentos,
incluindo os provenientes do exterior. Tais investimentos geram crescimento.
Além disso as empresas estrangeiras trazem consigo especialização técnica e
acesso a mercados estrangeiros, gerando novas oportunidades de emprego.29
Diante das privatizações, assim entendidas como a transformação das
indústrias e empresas estatais em indústrias e empresas privadas, o Estado
propôs modificações à Lei n. 6.404/76. Algumas alterações beneficiaram
exclusivamente os controladores, como, por exemplo, a eliminação da cisão
como causa do direito de recesso, a exclusão da incorporação, fusão e
participação em grupo de sociedade como causa do direito de recesso para os
titulares de ações. Tais operações passaram a ser realizadas sem a
necessidade de pagar o valor de reembolso aos minoritários dissidentes, ou
seja, os controladores podiam se apropriar integralmente de prêmio
decorrente da alienação de controle das companhias abertas, sem ter que
dividi-la com os minoritários.
Em contrapartida, algumas alterações beneficiaram os minoritários
preferencialistas, como a atribuição do direito ao recebimento de dividendos
sempre superiores aos pagos aos titulares de ações ordinárias, a atribuição
de maior consistência aos direitos políticos dos minoritários, a permissão aos
33
minoritários do exercício de uma fiscalização mais eficaz sobre as contas da
sociedade e o fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”)
como entidade responsável pela fiscalização das sociedades.
No início de ano 2000, o mercado de capitais no Brasil estava abalado,
principalmente por aspectos fiscais (com a criação da Contribuição Provisória
sobre Movimentações Financeiras – CPMF) e pela migração das ações para o
exterior (American Depositary Receipts – ADRs) e também pela necessidade
de uma reformulação na legislação societária. Diante deste cenário, a lei das
sociedades anônimas foi reformada pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de
2001, visando a proteção dos acionistas minoritários.
Em síntese sobre os reflexos da evolução das sociedades anônimas,
Rubens Requião acentua que as sociedades anônimas surgiram como
instrumento poderoso da economia capitalista privada. As três etapas –
privilégio, autorização e liberdade – não resultaram na extinção do sistema
anterior. No sistema atual persiste o regime de privilégio e autorização, pois
algumas sociedades ainda necessitam de carta de autorização (sociedades
estrangeiras, bancárias, de capitalização, de investimento) concedida pelo
poder público e outras são constituídas por lei, como as que exploram os
serviços públicos ou de comunicações e transportes e minas, em que se
fazem certas exigências de natureza nacionalista30.
Nas companhias coloniais não havia uma separação muito clara entre os
administradores e o grupo de acionistas. Informa Waldirio Bulgarelli que na
Companhia das Índias Ocidentais (holandesa) a assembléia de acionistas era
constituída por um número fixo de vinte administradores, e mais nove
nomeados pelos Estados Gerais. Somente com o advento do liberalismo,
quando as sociedades anônimas foram se tornando independentes do Estado,
30 Rubens Requião, Aspectos Modernos do Direito Comercial, cit., p. 87. Conforme disposto noartigo 300 da Lei n. 6.404/76, os artigos 59 a 73 do Decreto-Lei n. 2.627, de 1940, que tratam dascompanhias dependentes de autorização governamental, permanecem vigentes.
34
especificamente com a lei francesa de 24 de julho de 1867, instituiu-se a
separação entre a administração e os acionistas, criando-se a Assembléia
Geral, com função deliberativa, a Administração, com função executiva e o
Conselho Fiscal, com função de fiscalização31.
Como vimos, o liberalismo resultou em mudanças profundas na
economia, e, como reflexo disso, as sociedades evoluíram e as normas
regulamentares foram sendo adaptadas. A expansão dos negócios em nível
internacional exigiu das sociedades interessadas na sua sobrevivência
mudanças na forma de administração, afinal os acionistas não teriam mais
condições de administrar seus negócios pessoalmente. Os acionistas
passaram então a conduzir seus negócios através da atribuição de funções
administrativas a terceiros (não sócios da sociedade), assumindo uma posição
de controle. Ou seja, a gerência deixou de ser exercida por quem detinha a
propriedade. A legislação, ao promover a separação da assembléia geral e
dos administradores e do conselho fiscal, permitiu a individualização das
funções, poderes e responsabilidades, facilitando o funcionamento interno e
externo das sociedades anônimas.
Apesar das alterações dos sistemas de constituição das sociedades
anônimas, em termos gerais, as sociedades anônimas modernas apresentam
as características que possuíam quando originadas, quais sejam: a)
personalidade jurídica, com patrimônio distinto em relação aos acionistas; b)
responsabilidade dos acionistas limitada à contribuição feita ao capital da
sociedade; c) capital dividido em ações e sua livre transferência. Durante sua
evolução outras características foram sendo introduzidas, entre elas
destacamos as de maior relevância diante do tema em estudo: a forma de
administração, a disciplina da responsabilidade dos administradores e as
normas visando a proteção dos acionistas minoritários.
31 Waldirio Bulgarelli, Manual das Sociedades Anônimas , cit., p.168.
35
Veremos a seguir a estrutura organizacional das sociedades anônimas,
esclarecendo desde já que é através da atuação dos órgãos sociais que a
sociedade se manifesta.
II.2. Estrutura Organizacional das Sociedades Anôni mas
II.2.1. Assembléia Geral
A Assembléia Geral é o órgão de deliberação da sociedade que reúne
todos os acionistas, com ou sem direito a voto, revestido de poderes para
decidir amplamente todos os negócios relativos ao objeto da sociedade e para
tomar as decisões necessárias ao desenvolvimento de suas operações. Nas
palavras de João Eunápio Borges, “A assembléia são os acionistas...”32.
A competência de referido órgão foi consagrada pela Lei n. 6.404/76 (Lei
das Sociedades Anônimas/LSA), no artigo 121, que assim dispõe:
A assembléia geral, convocada e instalada de acordo com a lei e oestatuto, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao objetoda companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à suadefesa e desenvolvimento.
Diante do dispositivo legal acima, a assembléia geral somente adquire os
poderes indicados se convocada e instalada de acordo com a lei e o estatuto
social. Waldemar Ferreira a esse respeito comenta33:
É de suma importância a providência convocatória da assembléiageral. Não há como admitir esta sem aquela. Se os acionistas, ainda querepresentando a totalidade do capital, em dado momento, se juntam,ocasional ou intencionalmente; e, aproveitando-se do ensejo, deliberamsobre interesses sociais, isso não é assembléia geral. É ajuntamento. Etudo quanto se resolva é como se resolvido não fosse, mercê de suanulidade absoluta.
32 Curso de Direito Comercial Terrestre, cit., p. 469.
36
Além dos poderes amplos mencionados, a assembléia geral também
possui poderes específicos, que conhecemos como “competência privativa”,
ou seja, somente este órgão pode deliberar sobre certas matérias, sendo
proibida a sua delegação. Tais matérias foram relacionadas de modo
exaustivo no artigo 122 da Lei n. 6.404/76.34
As assembléias ordinárias devem ser realizadas anualmente, nos quatro
primeiros meses após o término do exercício social para apreciar as seguintes
matérias: a) tomar as contas dos administradores, analisar, discutir e votar as
demonstrações financeiras; b) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do
exercício e a distribuição de dividendos (artigo 132). As demais matérias não
previstas no referido artigo são objeto de assembléia geral extraordinária
(artigo 131).
Quanto à eleição dos administradores e os membros do Conselho Fiscal,
matérias relacionadas no artigo 132, não são típicas de sessão ordinária da
assembléia, porque também em assembléia extraordinária é possível
deliberar sobre ela. Fabio Ulhoa Coelho esclarece que certas matérias como a
substituição de um membro do conselho de administração que renuncia ou
33 O Estatuto do Comerciante e da Sociedade Mercantil. In: Instituições de Direito Comercial.Terceira edição comemorativa do centenário do Código Comercial do Império do Brasil. Rio deJaneiro: Livraria Freitas Bastos S.A., 1951. p. 365. v. I.34 “Art. 122. Compete privativamente à assembléia-geral:I - reformar o estatuto social;II - eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado odisposto no inciso II do art. 142;III - tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstraçõesfinanceiras por eles apresentadas;IV - autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto no § 1o do art. 59;V - suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120);VI - deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capitalsocial;VII - autorizar a emissão de partes beneficiárias;VIII - deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução eliquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; eIX - autorizar os administradores a confessar falência e pedir concordata.Parágrafo único. Em caso de urgência, a confissão de falência ou o pedido de concordata poderáser formulado pelos administradores, com a concordância do acionista controlador, se houver,convocando-se imediatamente a assembléia-geral, para manifestar-se sobre a matéria.”
37
falece e a instalação do conselho fiscal a qualquer tempo podem ser de
apreciação de qualquer uma das espécies de assembléia.35
É possível a realização de uma assembléia geral, que seja ao mesmo
tempo ordinária e extraordinária. Uma vez preenchido o quórum exigido para
ambas, os acionistas podem deliberar sobre a matéria de competência da
assembléia ordinária e, em seguida, sobre a matéria constante da ordem do
dia da assembléia extraordinária. Na hipótese de não ser atingido quórum
para instalação de ambas, realiza-se apenas a assembléia que alcançou o
quórum para instalação e publica-se nova convocação para tratar das
matérias constantes da ordem do dia da assembléia que não pode ser
instalada.
A obrigatoriedade da realização da Assembléia Geral Ordinária após o
término do exercício social, para fins de aprovação das contas da
administração, também está prevista na legislação espanhola, portuguesa,
argentina, mexicana, equatoriana, francesa, italiana e alemã.
II.2.2. Administradores
Na esfera da administração das companhias, os sistemas adotados
universalmente são, basicamente, dois: (a) o unitário, tradicional,
correspondente a um estágio menos desenvolvido, que possui apenas um
órgão diretivo; (b) o bipartido, de certo modo recente, que distribui o exercício
da administração entre dois órgãos (conselho de administração e diretoria).
Fabio Ulhoa Coelho refere-se a Luís Brito Correia, que comenta ser a
tentação inicial tomar-se por monista o sistema em que a lei concentra a
administração da companhia num único órgão, e por dualista aquele em que
35 Curso de Direito Comercial. 8ª ed., São Paulo: Saraiva. 2005. v. 2, p. 197.
38
os encargos administrativos são distribuídos entre dois. Neste sentido,
segundo o autor Fabio Ulhoa Coelho, o correto
é deslocar o foco do número de órgãos administrativos para o de órgãoscom competência para fiscalização e supervisão da administração: se éesta privativa da assembléia geral, o sistema é monista; se concorrentecom outro órgão, dualista36.
Paulo Fernando Campos Salles de Toledo ensina que o sistema dualista
puro, caracterizado pela divisão bem definida das funções de cada órgão,
encontra-se na Alemanha, introduzido em 1937 e aperfeiçoado em 1965. Na
França, desde 1940, o sistema previa a instituição de um conselho de
administração apenas e, em 1966, distinguiu as funções de supervisão e as
diretivas, apesar de não ter reduzido os poderes da assembléia geral como
aconteceu na Alemanha. A legislação italiana por sua vez adota o sistema
unitário no plano formal, permitindo, no entanto, que sejam criados
organismos distintos, um com função supervisional e outro com função
executiva. No modelo norte-americano, a estrutura da administração é
basicamente dualística, conforme explica o autor “... o board of directors,
embora potencialmente dotado de funções Executivas, não as exerce,
delegando-as aos officers, que, de fato e de direito, gerem a sociedade”37.
Em relação ao modelo norte-americano, observa-se que em pequenas e
grandes sociedades, a estrutura de organização da administração acima
referida não reflete a realidade. Nesse sentido, transcrevemos abaixo os
ensinamentos de Steven L. Emanuel38:
1. The statutory scheme. The statutory scheme may be
summarized as follows:
36 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa. 10ª ed., São Paulo: Saraiva. 2007. p. 236.37 Fernando Campos Salles de Toledo, O Conselho de Administração na Sociedade Anônima .2ª ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 15 a 18 e 22/23.38 Steven L. Emanuel, Corporations. 5ª ed., EUA: Editora Aspen, 2005. p. 54.
39
a) Shareholders. The shareholders act principally through two
mechanisms (1) electing and removing directors, and (2) approving or
disapproving fundamental or non-ordinary changes (e.g., mergers)
b) Directors. The directors manage the corporations business.
That is, they formulate policy, and appoint officers to carry out that policy.
c) Officers The corporations. officers administer the day-to-
day affairs of the corporation, under the supervision of the board.
2. Inappropriate structure for very large or very small corporations
For very large or very small corporations, this statutory scheme does not
reflect reality. For instance, a small closely-held corporation generally
does not have its affairs managed by the board of directors – the
shareholders usually do not act as a body of directors, and the controlling
shareholders often disregard any non-shareholder directors). At the other
end of the spectrum, a very large publicly-held company is really run by its
officers, and the board of directors frequently serves as little more than a
rubber stamp to approve decisions made by officers.
Na Espanha, apenas a Assembléia Geral (“Junta General”) detém
poderes de fiscalização. A representação das sociedades, em juízo ou fora
dele, corresponde aos administradores, sendo que quando a administração é
concedida a mais de uma pessoa, constitui-se o Conselho de Administração
(artigos 95 e 128 da Lei n. 1.564/1989).
Em Portugal, a administração e a fiscalização da sociedade podem ser
estruturadas segundo uma das seguintes modalidades: (a) Conselho de
Administração e Conselho Fiscal; (b) Direção, Conselho Geral e Revisor
Oficial de Contas; e, em determinadas situações, (c) um administrador e um
fiscal único (o fiscal único tem sempre um suplente). O fiscal único e o
suplente ou, no caso de existência de conselho fiscal, um membro efetivo e
um dos suplentes, têm de ser revisores oficiais de contas ou sociedades de
revisores oficiais de contas e não podem ser acionistas. Os demais membros
do conselho fiscal podem igualmente não ser acionistas, mas devem ser
pessoas físicas com capacidade jurídica plena, exceto se forem sociedades
40
de advogados ou sociedades de revisores oficiais de contas. A Assembléia
Geral também tem a competência de fiscalizar a administração da sociedade,
de modo que podemos concluir ter sido adotado pela legislação societária
portuguesa o sistema dualista (artigos 278, 390 e 413 do Decreto-Lei n.
262/86).
No Equador, a fiscalização da sociedade é atribuição dos acionistas e
também do chamado “comisario” (eleitos pela Assembléia Geral – “Junta
General”), ou ainda do órgão ou pessoa definida pelo estatuto social da
sociedade. Tais pessoas, que podem ser acionistas ou não, têm direito
ilimitado de inspeção e vigilância sobre todas as operações sociais, sem
qualquer dependência da administração, no interesse da sociedade. Os
administradores da sociedade são nomeados pela Assembléia Geral. Quando
a administração é conferida conjuntamente a várias pessoas, estas
constituirão o conselho de administração. Pode também o estatuto social
atribuir a gerentes e diretores (não membros do conselho de administração)
poderes de representação da sociedade. (artigos 251 a 274 da Lei de
Companhias – Registro Oficial N° 312 / 5 de novembr o de 1999).
Na Argentina o sistema também é dualista. A Assembléia Geral (de
Acionistas) é o órgão de governo da sociedade. O órgão da administração e
representação é o “directorio”. Referido órgão pode ser unipessoal ou plural.
No caso do directorio plural, se não indicada a obrigação de atuação conjunta,
entende-se que os seus membros podem atuar indistintamente. Neste caso,
podem-se estabelecer as funções de cada membro, o que é importante para a
delimitação da sua responsabilidade. Ainda assim, a atuação do directorio
pode ser colegiada, neste caso as decisões serão adotadas de forma
colegiada e por maioria. Em relação à fiscalização da sociedade, a legislação
faculta a criação de um órgão de fiscalização, denominado sindicatura ou
conselho de vigilância, integrado necessariamente por contadores ou
advogados diplomados em universidades argentinas. Sua existência é
41
optativa, no entanto, caso se decida não constituí-lo, a Assembléia Geral
deverá nomear diretores suplentes (artigo 256 da Lei n. 19.550/84).
No México, a administração da sociedade anônima é exercida por um ou
vários mandatários, sendo que, quando forem nomeados mais de dois
administradores, será formado o Conselho de Administração. A assembléia
geral, o administrador ou o Conselho de Administração pode nomear um ou
vários Gerentes Gerais ou Especiais. A fiscalização da sociedade é exercida
por um ou vários comissários, os quais podem ser acionistas ou pessoas
estranhas à sociedade (artigos 142, 143, 145 e 164 da Lei Geral de
Sociedades Mercantis, publicada no Diário Oficial da Federação Mexicana em
04 de agosto de 1934).
No Brasil, na vigência da lei de 1940, a administração das sociedades
era exercida pela Diretoria (“sistema unitário”), sendo que cada membro era
responsável pessoal e solidariamente pelos atos de gestão praticados. O
conselho de administração foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro
com a edição da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que instituiu o
Sistema Financeiro Nacional (Reforma bancária). Suas funções restringiam-se
à elaboração da política da companhia e à apresentação de relatório à
assembléia geral39.
Com a edição da Lei n. 6.404/76, acompanhando a tendência das
modernas legislações européias, instituiu-se a obrigatoriedade de constituição
de um conselho de administração, órgão societário independente e autônomo,
decisório e colegiado, situado entre a assembléia geral de acionistas e a
diretoria nas sociedades anônimas. Conforme observa Fabio Ulhoa Coelho,
39 “Art. 34. É vedado às instituições financeiras conceder empréstimos ou adiantamentos: I - A seus diretores e membros dos conselhos consultivos ou administrativo, fiscais esemelhantes, bem como aos respectivos cônjuges.”
42
somente com o advento da Lei n. 6.404/76 é que o conselho de administração
ganha funções de fiscalização, supervisão e controle da diretoria40.
É importante observar que a duplicidade de órgãos é obrigatória apenas
nas sociedades de economia mista, nas companhias abertas e nas
companhias com capital autorizado, não sendo, portanto, obrigatória para as
companhias fechadas. Por esta razão, pode-se afirmar que convivem, entre
nós, os dois sistemas41.
Segundo Modesto Carvalhosa, a razão efetiva da adoção do sistema
dualista no Brasil pode ser encontrada no perfil empresarial e no projeto do
governo de acelerar a economia de escala na esfera privada de produção de
bens e serviços, mediante a criação de conglomerados globais liderados pelos
grandes bancos. Na formação de joint ventures entre grupos nacionais e
estrangeiros, o conselho era o órgão executor e fiscalizador do cumprimento
dos acordos de acionistas, ou seja, era o órgão de execução dos acordos de
acionistas42.
II.2.2.1. Conselho de Administração
O conselho de administração é um órgão de deliberação colegiada43 e
fiscalizador, todavia com certa conotação política, tanto que é eleito pelos
acionistas e só pode fazer parte dele quem seja acionista pessoa natural44. O
40 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa , cit., p. 238.41 Fabio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 238.42 Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas . SãoPaulo: Saraiva, 1997. p. 7, v. 3.43 “Deliberação é modo de decidir, ou seja, processo em que a formação e manifestação davontade de um órgão necessariamente se dá mediante a reunião de seus membros regularmenteconvocados e com um quorum mínimo de instalação, decidindo o órgão por votação majoritáriados presentes, que livremente manifestam e trocam, para tanto, suas opiniões individuais”(Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, op. cit., p. 10).44 João Luiz Coelho da Rocha lamenta a lei brasileira ter restringido os membros do conselho aacionistas pessoas físicas. “É pena que a lei brasileira – por emenda legislativa, pois que decertonão era essa a vocação originada dos renomados autores do anteprojeto – restringiu (art. 146) aacionistas e pessoas físicas os assentos no Conselho, seguindo a orientação estreita da lei alemã
43
número de conselheiros deve ser fixado pelo estatuto, sendo no mínimo três.
Devem ser eleitos pela assembléia geral, com prazo de gestão máximo de
três anos.
Como vimos, sua existência é obrigatória apenas nas sociedades de
economia mista, nas companhias abertas e nas companhias com capital
autorizado. Todavia, o Código de Melhores Práticas de Governança
Corporativa, editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa,
recomenda que as sociedades de capital fechado tenham conselho de
administração45.
de 1965, ao contrário das tendências mais modernas albergadas no Direito norte-americano ondeas pessoas jurídicas, acionistas freqüentes, podem ir ao conselho por um “presentante” (apudPontes de Miranda) seu. Nos bons estudos do Direito italiano sobre a matéria (Ettore Gliozzi,“Societa di capitali”, Riv. Delle Societá, 1968, p. 93) e que refletem a vertente em proibir-sepresença de pessoas jurídicas no Conselho, fala-se nas dificuldades de se atribuir asresponsabilizações de ofício ao ente moral, imaterial.” Particularidades do Conselho deAdministração das Sociedades Anônimas, cit., p. 61.45 Código de Melhores Práticas de Governaça Corporativa. Disponível em htttp://www.cvm.gov.br.Item 2.01. “independente de sua forma societária e de ser aberta ou fechada, a empresa deve terconselho de administração”.O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa é uma entidade sem fins lucrativos fundada em1995. É o primeiro órgão criado no Brasil com foco específico em Governança Corporativa. No siteé possível conhecermos um pouco da sua história. A primeira denominação adotada foi InstitutoBrasileiro de Conselheiros de Administração – IBCA –, com foco no Conselho de Administração.No entanto, com a ampliação de suas preocupações, para abranger também a propriedade, aDiretoria, o Conselho Fiscal e a Auditoria Independente, no início de 1999 a entidade passou adenominar-se Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. O primeiro princípio degovernança do Instituto é seguir o Código Brasileiro das Melhores Práticas de GovernançaCorporativa, mantendo a coerência com aquilo que prega. Desde sua fundação, o IBGC, atravésde seu corpo diretivo e de associados, acompanha de perto e de maneira independente diversasentidades estrangeiras afins, mantendo-se dessa forma atualizado e integrado com o que ocorrenos demais países. Algumas das entidades a que está ligado são:* Nos Estados Unidos, a National Association of Corporate Directors, a Harvard Business School, aWharton School, o Family Firm Institute e o Global Corporate Governance Research Center;*Na Inglaterra, o Institute of Directors e o International Corporate Governance Network;* Na Suécia, a StyrelseAkademien;* Na Espanha, o Instituto de Estudios Superiores de la Empresa;* Na Suíça, o Family Business Network.Resultado desse trabalho é o reconhecimento internacional do IBGC como entidade representativada Governança Corporativa no Brasil. O IBGC também mantém ligações com o Banco Mundial e aOrganização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, com os quais organizou aprimeira edição da "The Latin American Corporate Governance Roundtable", realizada em SãoPaulo, em Abril de 2.000. Seus objetivos são basicamente:
• Ser o Brasil um importante centro de debates sobre assuntos relativos à governançacorporativa;
• Formar profissionais qualificados para atuação em conselhos de administração, fiscal,consultivo e outros;
44
É importante ressaltar a existência de situações em que há impedimento
legal quanto à companhia ter conselho de administração, como são os casos
de: (a) subsidiária integral, haja vista possuir apenas um acionista (caput do
artigo 251 da Lei societária), o que impede a constituição de um órgão
colegiado; (b) sociedades com apenas dois sócios, uma vez que no mínimo
três acionistas devem compor o conselho de administração; (c) sociedades
em comandita por ações (artigo 284)46.
Conforme já mencionado, o conselho de administração é um órgão
colegiado com competência decisória. Por ser um órgão colegiado, as
deliberações dos conselheiros somente são válidas se originadas de reunião
devidamente convocada e instalada, ou seja, todo ato individual de qualquer
dos membros do conselho de administração não tem validade e, portanto, é
ineficaz. Não obstante esta característica do conselho de administração, cada
um de seus membros está autorizado a questionar individualmente os atos de
gestão dos diretores, como objetivo de controle da legitimidade de tais atos,
• Estimular a capacitação profissional de acionistas, sócios quotistas, diretores,
administradores, auditores, membros de conselhos de administração, fiscal, consultivo eoutros, de forma que os mesmos aprimorem as práticas de governança corporativa desuas empresas;
• Treinar e orientar as atividades de conselhos de administração, fiscal, consultivo e outrosde empresas e instituições que pretendam implantar sistemas de excelência emgovernança corporativa;
• Divulgar e debater idéias e conceitos de governança corporativa, acompanhando eparticipando, com independência, de instituições que tenham propósitos afins, em âmbitonacional e internacional;
• Promover pesquisas sobre a governança corporativa;• Contribuir para que as empresas adotem transparência, prestação de contas
(accountability) e eqüidade como diretrizes fundamentais ao seu sucesso e continuidade.
46 Lei n. 6.404/76. “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendocomo único acionista sociedade brasileira.”; “Art. 284. Não se aplica à sociedade em comandita porações o disposto nesta Lei sobre conselho de administração, autorização estatutária de aumentode capital e emissão de bônus de subscrição.”
45
bem como a eficácia da administração e sua consonância com as diretrizes,
normas e resoluções tomadas pelo Conselho47.
Note que se aplica ao conselho de administração a mesma regra de
competência que a lei prevê para os membros do conselho fiscal, como
veremos a seguir. Os membros do conselho de administração são, portanto,
competentes para diligenciar, junto aos diretores, as informações que
entenderem necessárias ao conhecimento do conselho.
A Lei societária atribui algumas competências originalmente conferidas à
assembléia geral, visando tornar mais rápido o processo de tomada de
decisão e, por conseqüência, o funcionamento da sociedade. Na forma do
artigo 142 da Lei das Sociedades Anônimas, sem prejuízo de outras funções
que lhe sejam atribuídas pelo estatuto social, o conselho tem a seguinte
competência:
(a) fixar a orientação geral dos negócios da companhia;
(b) eleger e destituir os diretores, estabelecendo-lhes as atribuições;
(c) supervisionar e fiscalizar os atos de gestão da Diretoria;
(d) examinar e aprovar as contas e o relatório da administração, bem
como os contratos de maior relevância;
(e) deliberar sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição,
quando autorizado pelo estatuto;
(f) autorizar a alienação de bens do ativo permanente, a constituição de
ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros (a não ser
que o estatuto atribua esta competência à assembléia geral);
(g) escolher e destituir os auditores independentes.
47 Modesto Carvalhosa, e Nilton Latorraca, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, cit., p.46.
46
O conselho de administração pode deliberar sobre outras matérias do
interesse da companhia, exceto aquelas de competência privativa da
assembléia geral.
O Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa assim dispõe
a respeito da missão do conselho de administração.
2.02. Missão do conselho de administração. A missão do conselhode administração é proteger o patrimônio e maximizar o retorno doinvestimento dos proprietários, agregando valor ao empreendimento. Oconselho de administração deve zelar pela manutenção dos valores daempresa, crenças e propósitos dos proprietários, discutidos, aprovados erevistos em reunião do conselho de administração.
Cabe ao estatuto social estabelecer as regras referentes ao
funcionamento do conselho de administração, prevendo o número de
conselheiros, o método de escolha e substituição do presidente do órgão, a
forma de substituição dos conselheiros, o prazo de gestão observando-se o
limite máximo de três anos e as normas a respeito da convocação, instalação
e funcionamento do conselho (artigo 140 da Lei das Sociedades Anônimas). O
estatuto social pode ainda prever a elaboração de um regimento interno, com
o objetivo de estabelecer claramente as responsabilidades e atribuições deste
órgão, evitando situações de conflitos com a diretoria executiva, notadamente
como o Executivo Principal (CEO)48.
O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa ainda prevê
que o conselho de administração deve estimular a criação formal de um
47
A eleição dos conselheiros pode ocorrer por votação majoritária (por
chapa ou por candidatura isolada) ou mediante votação proporcional,
conforme previsto no estatuto social. Diante da omissão, cabe à mesa diretora
da assembléia escolher a modalidade de votação.
A legislação societária ainda prevê o voto múltiplo e a eleição em
separado. Na modalidade de voto múltiplo, cada ação dispõe de tantos votos
quantos sejam os cargos a preencher, permitindo aos acionistas a distribuição
dos votos entre os candidatos existentes ou a concentração em um único
candidato. A eleição em separado de um membro do conselho é facultada
aos acionistas minoritários de companhias abertas, titulares de ações com
direito de voto e de acionistas preferenciais sem direito de voto ou com voto
restrito49. O estatuto social pode ainda prever a participação de
representantes de empregados, escolhidos por voto destes (artigo 140,
parágrafo único, da Lei das Sociedades Anônimas).
A legislação societária determina que a escolha e a destituição do auditor
independente ficam sujeitas a veto, devidamente fundamentado, dos
conselheiros eleitos pelos minoritários, assegurando com isso maior
participação aos minoritários no conselho (art. 142, parágrafo segundo).
48 INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Código das Melhores Práticasde Governança Corporativa. Rio de Janeiro, abr. 2001. Disponível em http://www.ibgc.org.br.Acesso em 26 de dezembro de 2006.49 Art. 141 da Lei n. 6.404/76. “Na eleição dos conselheiros, é facultado aos acionistas querepresentem, no mínimo, 0,1 (um décimo) do capital social com direito a voto, esteja ou nãoprevisto no estatuto, requerer a adoção do processo de voto múltiplo, atribuindo-se a cada açãotantos votos quantos sejam os membros do conselho, e reconhecido ao acionista o direito decumular os votos num só candidato ou distribuí-los entre vários.
§ 4o Terão direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho deadministração, em votação em separado na assembléia-geral, excluído o acionista controlador, amaioria dos titulares, respectivamente:
I - de ações de emissão de companhia aberta com direito a voto, que representem, pelomenos, 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto; e
II - de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito de emissão de companhiaaberta, que representem, no mínimo, 10% (dez por cento) do capital social, que não houveremexercido o direito previsto no estatuto, em conformidade com o art. 18.”
48
Por exercerem cargo de confiança da assembléia geral, os conselheiros
podem ser destituídos a qualquer tempo pela maioria dos votos dos acionistas
nela presentes. O mandato pode ser interrompido sem motivação50.
De acordo com a legislação societária, somente podem ser membros do
conselho de administração pessoas naturais residentes no País e acionistas
da sociedade, conforme já mencionado acima. São inelegíveis para o cargo
de administrador (artigo 147 da Lei das Sociedades Anônimas): (a) as
pessoas impedidas por lei especial, ou condenadas por crime falimentar, de
prevaricação, peita ou suborno, concussão, peculato, contra a economia
popular, a fé pública ou a propriedade, ou a pena c
49
ocupem cargos (de administrador, fiscal, membro de órgão consultivo ou
qualquer outro, mesmo sob o regime trabalhista) em sociedades concorrentes
e tenham interesse conflitante com os da companhia, caso a Assembléia não
se oponha. Os impedimentos e incompatibilidades legais prevalecem tanto
para a eleição como para a destituição dos administradores52.
Ainda em relação à qualificação dos membros do conselho de
administração, o Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa
editado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa assim dispõe 53:
2.10. Qualificação do conselheiro:
O conselheiro deve ter:• integridade pessoal• capacidade de ler e entender relatórios financeiros• ausência de conflitos de interesse• disponibilidade de tempo• motivação• alinhamento com os valores da empresa• conhecimento das melhores práticas de governança
corporativa.
Na composição do conselho devem estar presentes entre osmembros as seguintes experiências ou conhecimentos:
• experiência de participação em bons conselhos deadministração, ou seja, os reconhecidos por sua excelência
• experiências como Executivo Principal• experiências em administrar crises• conhecimentos de finanças• conhecimentos contábeis• conhecimentos do ramo da empresa• conhecimentos do mercado internacional• visão estratégica• contatos de interesse da empresa
A maioria do conselho deve ser formada por conselheirosindependentes.
I- diretores e sócios-gerentes em exercício; II- ex-administradores que tenham exercido cargos de diretor ou sócio-gerente eminstituições do Sistema Financeiro Nacional por mais de cinco anos, exceto em cooperativas decrédito; III - pretendentes a cargos em cooperativas de crédito e em sociedades de crédito aomicroempreendedor.”52 Modesto Carvalhosa e Nilton Latorraca, op. cit., p. 147.53 Lançado no dia 06.05.1999.
50
O conselho, como um todo, deve reunir diversidade deconhecimentos e experiências.
A Cartilha de melhores práticas de Governança Corporativa, editada pela
CVM assim comenta a respeito das atribuições e dos objetivos do conselho de
administração.
II.1. O conselho de administração deve atuar de forma a proteger opatrimônio da companhia, perseguir a consecução de seu objeto social eorientar a diretoria a fim de maximizar o retorno do investimento,agregando valor ao empreendimento. O conselho de administração deveter de cinco a nove membros tecnicamente qualificados, com pelo menosdois membros com experiência em finanças e responsabilidade deacompanhar mais detalhadamente as práticas contábeis adotadas. Oconselho deve ter o maior número possível de membros independentesda administração da companhia. Para companhias com controlecompartilhado, pode se justificar um número superior a nove membros. Omandato de todos os conselheiros deve ser unificado, com prazo degestão de um ano, permitida a reeleição.” 54
Portanto, de acordo com o artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas,
os administradores devem exercer suas funções para alcançar os fins e no
interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função
social da empresa. Os administradores têm inclusive responsabilidades
sociais com os empregados e para com a comunidade em que a companhia
por eles administrada atua. Conforme comenta Norma Parente “os
administradores recebem da lei incumbências que ultrapassam a simples
54 Consta do código das melhores práticas de governança corporativa a seguinte definição deindependência: “2.12. O conselheiro independente se caracteriza por:- Não ter qualquer vínculo com a sociedade, exceto eventual participação de capital;- Não ser acionista controlador, membro do grupo de controle, cônjuge ou parente até segundograu destes, ou ser vinculado a organizações relacionadas ao acionista controlador;- Não ter sido empregado ou diretor da sociedade ou de alguma de suas subsidiárias;- Não estar fornecendo ou comprando, direta ou indiretamente, serviços e/ou produtos àsociedade;- Não ser funcionário ou diretor de entidade que esteja oferecendo serviços e/ou produtos àsociedade;- Não ser cônjuge ou parente até segundo grau de algum diretor ou gerente da sociedade; e- Não receber outra remuneração da sociedade além dos honorários de conselheiro (dividendosoriundos de eventual participação no capital estão excluídos desta restrição).”
51
gestão da empresa para atuarem como coadjuvantes do Estado no seu
processo de satisfazer o bem público55.
Nas companhias abertas, a obrigatoriedade do Conselho de
Administração fundamenta-se formalmente na necessidade de conciliar os
interesses dos acionistas controladores e da comunidade minoritária de
investidores de mercado.
Outro motivo seria a necessidade de especialização e profissionalização
da Diretoria, donde cabe melhor aos controladores atuação no Conselho de
Administração, deixando aos profissionais de administração empresarial as
funções executivas na condução da companhia.
Questiona-se, contudo, a real serventia do Conselho de Administração
nos últimos anos, uma vez que no Brasil ele acaba por ser considerado um
órgão meramente homologatório, havendo determinados profissionais que
cumulam a presença em numerosos conselhos, sem o preparo técnico
adequado ao exercício das funções de administrador.
Alguns argumentam que seria devido ao fato de o Conselho de
Administração ser órgão de execução de acordos de acionistas, o qual
posiciona, em termos de privilégios, determinados grupos influentes de
acionistas minoritários nas joint ventures e nos conglomerados.
Na atualidade, entende-se que o poder efetivo de administração está nas
mãos dos diretores, constituindo o Conselho um órgão meramente
homologatório dos atos praticados por aqueles.
55 Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, Jorge Lobo (Coord.), Principais InovaçõesIntroduzidas pela Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, à Lei de Sociedades por Ações, cit., p.31.
52
Não obstante, e diferentemente de outros países, o Conselho de
Administração representa apenas o fator capital na sociedade anônima, na
medida em que somente os acionistas podem fazer parte do órgão.
Nos Estados Unidos cada vez mais se separam as funções da
presidência do conselho e do presidente da companhia. De acordo com a
legislação, ao conselho de administração competem duas atividades básicas:
a definição de políticas para a empresa e a fiscalização dos diretores. A
diretoria é o órgão de execução das atividades, sendo conflitante, em tese, a
presença de uma mesma pessoa nos dois órgãos de decisão, principalmente
na presidência de ambos56.
A existência do Conselho de Administração não altera em nada as
funções, encargos e responsabilidade dos diretores, a não ser pelo fato de
que serão, nessa hipótese, eleitos por aquele colegiado e não pela
Assembléia Geral, conforme veremos a seguir.
II.2.2.2. Diretoria
Os diretores integram um órgão não colegiado, diferentemente do
conselho de administração, exceto se previsto no Estatuto a tomada de
decisão de forma colegiada. É um órgão obrigatório em todas as companhias,
sendo que as funções estatutárias devem ser individualmente cumpridas, com
total responsabilidade pessoal pelos atos praticados no exercício das funções,
como veremos no capítulo que trata das responsabilidades dos
administradores.
56 Arnoldo Wald, Luiza Rangel de Moraes, Alguns Aspectos do Controle e da Gestão deCompanhias no Projeto de Reforma da Lei das Sociedades por Ações – Considerações Gerais.Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, v. 8, ano 3,p. 23-24, abr.-jun. de 2000. Editora Revista dos Tribunais.
53
Cada diretor, nos limites de suas funções, manifesta unilateralmente a
vontade social. Tem essa vontade individual efeitos jurídicos externos, já que
cabe a cada diretor, por lei e na forma do estatuto, a representação orgânica
da sociedade.
Embora não seja um órgão colegiado, a legislação societária não impede
que o estatuto estabeleça que determinadas decisões sejam tomadas em
reunião (artigo 143). Tais deliberações não desnaturam a responsabilidade
individual dos diretores57.
A representação legal da companhia cabe exclusivamente aos diretores
(artigo 138), não podendo ser atribuída a qualquer outro órgão da sociedade.
O estatuto social pode estabelecer regras específicas de representação,
determinando quando será ela exercida em conjunto ou isoladamente, em
decorrência de negócios jurídicos envolvidos e de sua alçada. Todavia, se o
estatuto for omisso e inexistindo deliberação a este respeito do conselho de
administração, competirá a qualquer diretor a representação da companhia
(artigo 144).
A diretoria deve ser composta de duas ou mais pessoas físicas
residentes no País, acionistas ou não (artigo 146), sendo que apenas 1/3 dos
membros do conselho de administração podem ser eleitos para cargos de
diretoria.
Cabe ao estatuto social dispor a respeito do número de diretores (mínimo
e máximo), do modo de substituição, do prazo de gestão, o qual não poderá
ser superior a três anos, sendo permitida a reeleição, e das atribuições e
poderes de cada diretor. São inelegíveis as pessoas mencionadas no item
II.2.2.1 acima. Podem ser destituídos pelo conselho de administração (no
57 Modesto Carvalhosa, Comentários , cit., p. 11.
54
caso de administração bipartida) ou pela assembléia geral (no caso de
administração unitária).
Em relação às atribuições e poderes dos diretores, o estatuto deve defini-
los de forma clara, haja vista que a responsabilidade do administrador será
julgada sempre nos limites de suas atribuições.
Os poderes e as atribuições dos diretores são indelegáveis, não podendo
transferi-los a outro órgão (art. 139), todavia não estão eles impedidos de
constituir mandatários da companhia para a prática de atos específicos de
administração. Observe que não há delegação de poderes, na realidade a
própria companhia é que outorga o mandato e não os diretores (art. 144,
parágrafo único).
II.2.3. Conselho fiscal
Diante da impossibilidade de os acionistas fiscalizarem de modo
permanente e eficaz o desenrolar das atividades das sociedades, a legislação
instituiu o Conselho Fiscal. No Brasil, o Decreto-Lei n. 2.627 de 1940 instituiu
este órgão incumbindo-lhe a função de “examinar, em qualquer tempo, pelo
menos de três em três meses, os livros e papéis da sociedade, o estado de
caixa e da carteira, devendo os diretores ou liquidantes fornecer-lhes as
informações solicitadas”.
A Lei n. 6.404/76 reforçou os poderes do órgão fiscalizador estendendo
suas funções e conseqüentemente suas responsabilidades, passando a ter as
seguintes atribuições: fiscalizar os administradores da companhia, opinar
sobre propostas e sobre o relatório anual da administração, bem como
denunciar aos órgãos de administração e à assembléia geral (quando a
55
administração não tomar providências) os erros, fraudes ou crimes
descobertos.
Podemos dizer que de certo modo o conselho fiscal substitui e
representa os acionistas na sua função de controle junto à administração da
sociedade. Fabio Ulhoa Coelho define o conselho fiscal como “órgão de
assessoramento da assembléia geral na votação das matérias atinentes à
regularidade dos atos de administração da companhia”58.
João Eunápio Borges entende que as atribuições do conselho fiscal
podem ser equiparadas, em importância e responsabilidade, às da diretoria,
haja vista ser o conselho fiscal responsável pela fiscalização da diretoria, a
qual foi eleita pelos próprios acionistas. Assim comenta:
Se se pudesse falar, legal e teoricamente, em predominânciahierárquica de um órgão sobre o outro, seria a diretoria o órgão de menorimportância, porque subordinado, de certo modo, ao conselho fiscal, querepresenta e substitui, perante os diretores, a assembléia geral de quedependem e da qual recebem os poderes que exercem59.
João Eunápio Borges, no entanto, enfatiza que na prática é a diretoria,
diante do controle que exerce sobre a assembléia, que escolhe os seus
fiscais, de modo que o conselho fiscal transformou-se em órgão decorativo.
Essa prática pode ser verificada em outros países como Portugal,
Equador, México e Argentina, onde muitas vezes os conselheiros fiscais
atuam em parceria com os administradores, informando-os sobre os aspectos
relevantes apontados, evitando assim que os acionistas conheçam os erros
praticados pelos administradores, o que distorce a real função e finalidade dos
fiscais. Isso ocorre, obviamente, quando nenhum dos fiscais é acionista.
58 Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa , cit., p. 230.59 Curso de Direito Terrestre cit., p. 499.
56
Enfim, os conselheiros fiscais devem não somente atender aos
interesses daqueles que os elegeram, mas também aos interesses públicos,
afinal a lei deu-lhes por incumbência denunciar os erros, fraudes ou crimes60.
Suas atribuições e poderes, conferidos pela lei, não podem ser outorgados a
outro órgão da sociedade (art. 163, parágrafo 7).
É importante observar que a Lei n. 6.404/76 confere ao conselho de
administração poderes de fiscalização (art. 142, inciso III), todavia as
fiscalizações exercidas pelos conselhos fiscal e de administração são
distintas, conforme dispõe Fabio Ulhoa Coelho.
(...) o conselho de administração, ao fiscalizar os diretores, exercecompetência não limitada à legalidade ou adequabilidade contábil dosatos praticados, mas também abrangente da sua economicidade,conveniência, oportunidade e quaisquer outros aspectos que tomar porrelevantes. Ao conselho fiscal não cabe entrar no mérito da decisãoadotada pelos diretores na condução dos negócios sociais, porque elenão os pode substituir na administração da empresa. Já o conselho deadministração, ao fiscalizar a diretoria, tem poderes para questionarqualquer ato praticado, na forma ou no conteúdo, bem como determinaras correções possíveis, se entender pertinente, ou sustar providênciasem andamento. Convém recordar, a propósito, que, no Brasil, o conselhode administração, embora detenha poderes para tanto, não costumaingerir-se nos assuntos da diretoria61.
O Conselho Fiscal é um órgão colegiado da companhia, ou seja, os atos
por ele praticados derivam de deliberação majoritária tomada em reunião
apesar de a Lei n. 6.404/76 prever o poder individual de diligência a cada um
de seus membros, nos seus incisos I e IV do artigo 163 e no parágrafo único
do artigo 164, nos quais foi acrescentada, à redação original, a expressão “(...)
por qualquer um dos seus membros”62.
60 Waldemar Martins Ferreira. cit., p. 377.61 Curso de Direito Comercial , cit., p. 235.62 Lei n. 6.404/76. ”Art. 163. Compete ao conselho fiscal: I. – fiscalizar, por qualquer de seusmembros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais eestatutários; (...) IV – denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de administração e, seestes não tomarem as providências necessárias para a proteção dos interesses da companhia, àassembléia-geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis àcompanhia.” “Art. 164. (...) parágrafo único. Os pareceres e representações do conselho fiscal, oude qualquer um de seus membros, poderão ser apresentados e lidos na assembléia-geral,independentemente de publicação e ainda que a matéria não conste da ordem do dia.”
57
Embora a legislação tenha previsto a possibilidade de atuação individual
dos conselheiros apenas no exercício das atividades previstas nos incisos
acima citados, Cunha Peixoto, referenciado por Modesto Carvalhosa e Nelson
Eizirik, entende que sempre que possível deve ser deliberado conjuntamente,
mas, havendo qualquer divergência entre os membros deste órgão, estes
passam a atuar individualmente em todas as atribuições legais concedidas ao
Conselho63.
O Conselho Fiscal é composto por, no mínimo, três e, no máximo, cinco
membros titulares e suplentes em igual número, acionistas ou não (art. 161,
parágrafo primeiro), sendo que somente podem ser eleitos pessoas naturais,
residentes no Brasil, com curso de nível universitário ou experiência mínima
de três anos no cargo de administrador de empresa ou de conselheiro fiscal.
Sua constituição deve observar o disposto no artigo 164, parágrafo 4, abaixo
transcrito:
Art. 164. parágrafo 4. Na constituição do conselho fiscal serãoobservadas as seguintes normas:
a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, oucom voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1(um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistasminoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento)ou mais das ações com direito a voto;
b) ressalvado o disposto na alínea anterior, os demaisacionistas com direito a voto poderão eleger os membros efetivos esuplentes que, em qualquer caso, serão em número igual ao dos eleitosnos termos da alínea a, mais um.
Sua existência é obrigatória, mas o seu funcionamento é facultativo.
Quando o funcionamento do conselho fiscal não for permanente, será
instalado pela assembléia geral, ordinária ou extraordinária, a pedido de
acionistas que representem no mínimo um décimo das ações com direito a
63 Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik, A Nova Lei das S.A. São Paulo: Saraiva, 2000. p.389.
58
voto ou cinco por cento das ações sem direito a voto (art. 161, parágrafo
segundo).
II.3. Teorias Relativas à Natureza Jurídica da Rela ção entre os
Administradores e a Sociedade
Inúmeras teorias procuram explicar a natureza jurídica dos poderes de
administração nas sociedades anônimas, a saber: (a) teoria contratualista; (b)
teoria institucionalista; (c) teoria organicista; e (d) teoria do “trust”.
II.3.1. Teoria contratualista
No início da evolução histórica das sociedades por ações admitia-se a
possibilidade de a administração da sociedade ser reservada aos
incorporadores ou a alguns acionistas, posteriormente, a sociedade por ações
passou a democratizar-se, frisando o princípio de serem os diretores
“mandatários” da sociedade (teoria contratualista)64.
A concepção contratualista prevaleceu por muito tempo no direito
continental, como pode se verificar no artigo 121 do ab-rogado Código
Comercial italiano de 1882, o qual dispunha que a sociedade anônima seria
administrada por um ou mais mandatários, temporários, demissíveis,
acionistas ou não, e no artigo 32 do Código de Comércio napoleônico de
1867, que dispunha que os diretores e administradores não seriam
responsáveis senão pela execução de seu mandato. O administrador,
64 Ecio Perin Junior, A Lei 10.303/2001 e a Proteção do Acionista Minorit ário. São Paulo:Saraiva, 2004. p. 11.
59
portanto, era qualificado como mandatário e responsável em caso de violação
do mandato65.
De acordo com a teoria contratualista, a relação entre a administração e
a sociedade é de natureza nitidamente convencional, expressa por mandato
ou locação de serviços, sendo que os poderes de gestão e de representação
da sociedade efetivavam-se pelo mandato, ou seja, eram delegados e não
próprios.
Como mandatários, os administradores eram nomeados pelos acionistas
e por eles demissíveis ad nutum. E, por não possuírem poderes próprios,
agiam sempre em nome e por conta dos acionistas66.
No Brasil, os artigos 97 e 98 do Decreto n. 434/1891 definiam os
diretores como mandatários. Na vigência de referido decreto, Carvalho de
Mendonça assim ensinava67:
Não obstante os textos legais falarem do mandato dosadministradores, estes não são mandatários por força da convenção ouda lei; não exercem simples mandato. Os administradores agem, naqualidade de órgãos da manifestação externa da sociedade, personificamesta. Eles, ao mesmo tempo que põem a sociedade em contacto com osterceiros, tutelam os interesses da mesma sociedade, dos acionistas e deterceiros; fiscalizam a observância da lei e dos estatutos; obram, como sevê, motu próprio. Ora, não se daria isso se fossem simples mandatários.O mandato é livremente conferido pelo mandante, o qual tambémlivremente fixa a extensão dos poderes. Aqui não existe esta duplaliberdade. A sociedade é obrigada a nomear os seus administradores ehá um mínimo de poderes dos quais estes não podem ser privados.Muitos princípios e normas legais sobre o mandato mercantil são,entretanto, aplicáveis aos administradores, pela grande analogia queexiste entre o mandato e a administração.
65 José Alexandre Tavares Guerreiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico ,Financeiro. v. 20. n. 42. p. 71. Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das SociedadesAnônimas , p. 17.66 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, p. 17.67 Wilson de Souza Campos Batalha, Sociedades Anônimas e Mercado de Capitais . Rio deJaneiro: Forense, 1973. p. 635, v. II.
60
A principal crítica à referida teoria é que não se pode falar em mandato,
em se tratando de uma função sem a qual a própria sociedade não poderia
existir. Nesse sentido, Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto afirma que a
administração é “elemento essencial na existência da própria sociedade”68.
Não se pode falar em mandato quando há imperatividade da existência de
administradores.
Outra crítica seria o fato de não ter a assembléia poderes de gestão e de
representação, próprios dos administradores, o que impede falar-se em
mandato, pois não pode haver mandatários com mais poderes que o
mandante69.
Ademais, o mandato exige dois sujeitos, o que tecnicamente não se
verifica na pessoa jurídica, conforme ressalta Trajano de Miranda Valverde70:
Temos, pois, que, se a idéia de administração envolve,necessariamente, a existência de um patrimônio, ou, pelo menos, decertos bens, em regra pertencentes a terceiro, já que a administração dospróprios bens é uma conseqüência normal da capacidade reconhecida àspessoas, ela, todavia, não compreende, necessariamente, a idéia ou aexistência de mandato ou de representação, quer legal, quer voluntária.Em ambas essas figuras, há sempre dois sujeitos: o mandante e omandatário, o representante e o representado. É o que, tecnicamente,não se verifica na organização das pessoas jurídicas. Estas nascem comos órgãos indispensáveis à sua vida de relação. São partes integrantesdelas. O funcionamento desses órgãos é que depende de pessoasnaturais. Elas são designadas para fazer funcionar os órgãos de direçãoe de fiscalização, segundo a finalidade deles, e tanto atuam externacomo internamente.
Além disso, a função administrativa é indelegável, diferente do contrato
de mandato que admite a delegação de poderes71.
68 Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Sociedades por Ações. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 3, v.4.69 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 18.70 Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações. 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1959. p.285-286, v. 2.
62
De acordo com esta teoria, não há relação entre os órgãos e, portanto,
entre a administração e a própria sociedade. A crítica está no fato de que não
se pode negar que existe uma relação entre a companhia e as pessoas que
ocupam os cargos nos órgãos de administração74.
II.3.3. Teoria organicista
Foi a lei acionária alemã de 1937 que dissociou a administração
societária das concepções tradicionais, através da introdução da figura do
gestor de sociedade anônima como titular de uma posição orgânica75.
A teoria organicista foi adotada por diversas legislações. O Códice Civile
Italiano, de 1942, por exemplo, abandonou a concepção do administrador
como mandatário da sociedade previsto no Código de Comércio anterior,
reconhecendo as críticas doutrinárias. Giancarlo Frè afirma ser o órgão
administrativo um elemento fundamental da sociedade, haja vista que sua
constituição é imposta pela lei e sua existência indispensável para o
desenvolvimento das atividades da sociedade, considerando que representa a
sociedade.
Neste sentido, Jean Pierre Berdah esclarece que “la représentation est
64
o foro, cujo regime no sistema da culpa aquiliana pode ser diverso daquele
contratual (CPC, art. 100, V, a)80.
Diante do exposto, conclui-se que as conseqüências da recepção da
Teoria Organicista foram: (a) a cessação dos vínculos contratuais (de
mandato) com a sociedade; (b) a representação deixou de ser contratual para
ser orgânica; (c) a responsabilidade do administrador deixa de ser contratual e
passa a ser aquiliana (plano dos ilícitos civis); e (d) abandono do parâmetro
do mandatário (bonus pater familias), substituindo-o por parâmetro ligado ao
exercício da atividade – capacidade profissional (peritia artis). Trataremos
desta última conseqüência mencionada no capítulo relativo aos deveres dos
administradores.
II.3.4. A teoria do “trust”
Na legislação norte-americana a função do administrador de sociedades
era identificada como a função de um “trustee”, pessoa que assume uma
obrigação (“trust”) de administrar o patrimônio de terceiro, que lhe é
transferido fiduciariamente. Conforme ressalta Modesto Carvalhosa, esta
figura foi idealizada por Berle e Means na tentativa de explicar a natureza das
funções dos administradores. Esta explicação passou a ser rejeitada pelos
tribunais por dois aspectos: primeiro, de que a propriedade social não é
transferida aos administradores, como ocorre no caso do trust; segundo,
porque terceiros têm conhecimento de que os administradores agem em
nome da sociedade, da qual são meros representantes81.
80 Responsabilidade Civil. Coordenador Yussef Said Cahali. Editora Saraiva. 1984. São Paulo.“Responsabilidade dos Administradores”. Pág. 439.Código de Processo Civil, Art. 100, inciso V: “Art. 100. É competente o foro: V - do lugar do ato oufato: a) para a ação de reparação do dano; b) para a ação em que for réu o administrador ou gestorde negócios alheios.”81 Modesto Carvalhosa, Comentários , p. 21.
66
corrente se aproxima da concepção organicista, uma vez que os poderes do
conselho não são conferidos pela companhia, mas pela lei83.
II.3.5. A teoria adotada pelo Direito brasileiro
Desde a edição do Decreto-lei n. 2.627/1940, adotou-se a teoria
organicista da administração, prevalecendo o entendimento doutrinário de que
o vínculo existente entre o administrador e a sociedade é baseado na
representação orgânica e da competência privativa da assembléia para alguns
assuntos.
Cunha Peixoto entendia que a representação não se adequava ao
relacionamento entre o administrador e a sociedade, ressaltando que “os
administradores não agem em nome da sociedade, mas apenas por
intermédio seu é que ela manifesta sua vontade”84.
Trajano de Miranda Valverde repelia qualquer relação contratual,
fortemente influenciado pelo direito público. A seguir reproduzimos as suas
afirmações85:
O exercício das funções de diretor ou administrador de umasociedade anônima não estabelece relações contratuais, ou de mandato,ou de locação de serviços, entre o administrador ou diretor e asociedade. Certamente que, na ausência de regras especiais sobre osdireitos e as obrigações de ambos, há de se recorrer aos princípios quedisciplinam o mandato ou a locação de serviços, conforme a hipótese,mas isso por analogia. O administrador ou diretor eleito pela assembléiageral, ou indicado por quem tenha autoridade para tanto, como nassociedades anônimas de economia mista, não contrata com a sociedadeo exercício das funções. Se o nomeado aceita o cargo, deverá exercê-lona conformidade das prescrições legais e estatutárias que presidem aofuncionamento da pessoa jurídica. Adquire uma qualidade, uma situaçãojurídica dentro do grupo ou corporação, a qual lhe impõe deveres e exigeo desenvolvimento de certa atividade a bem dos interesses coletivos. Oadministrador ou diretor presta, inquestionavelmente, serviços.
83 Modesto Carvalhosa, Comentários, cit., p. 22.84 Sociedades por ações, cit., p. 75.85 Waldirio Bulgarelli, Responsabilidade Civil, Yussef Said Cahali (coord.), cit., p. 435-436.
67
A afirmação contrária reduziria a quase-totalidade das relações a essasfiguras jurídicas. Nela viriam, na verdade, fundir-se, não somente ocontrato de mandato, o de comissão, o de depósito, senão ainda todasaquelas relações de trabalho que surgem em virtude do cargo ou ofício,que alguém exercita dentro de uma organização, aparelhamento, quadroou sistema, público ou particular. E, para tanto, teríamos que começarpor afirmar, no campo do direito público, que o chefe do Estado, odeputado, o juiz são contratados para prestar serviços remunerados ànação.
Egberto Lacerda Teixeira e Tavares Guerreiro afirmam que “os
administradores são órgãos da sociedade, ou seja, qualificam-se como
elementos integrantes da própria estrutura da sociedade, necessários a que
esta possa manifestar sua vontade perante terceiros”.
Nesse sentido, Pontes de Miranda esclarece que os órgãos de
administração não representam a pessoa jurídica, mas presentam:
Quando o órgão da pessoa jurídica pratica o ato, que há de entrarno mundo jurídico como ato da pessoa jurídica, não há representação,mas presentação. O ato do órgão não entra no mundo jurídico, como atoda pessoa, que é órgão, ou das pessoas que compõem o órgão. Entra nomundo jurídico como ato da pessoa jurídica, porque o ato do órgão é atoseu.
Diante do exposto, os administradores são representantes orgânicos da
sociedade, sendo que esta condição deriva de ato jurídico unilateral de
nomeação. Observa Orlando Gomes que, embora a eficácia da nomeação
esteja condicionada à aceitação do cargo por parte do administrador
nomeado, a relação deste com a sociedade não pode ser contratual, a
aceitação do cargo é mera condição de eficácia do ato jurídico de
nomeação86.
68
II.4. O Governo da Empresa e o Poder dos Administra dores 87
Até 1930, nos EUA os acionistas majoritários comandavam a sociedade
como se fosse sua propriedade privada. Nesta época, a doutrina norte-
americana distinguiu adequadamente a propriedade de ações do exercício do
poder nas sociedades anônimas, separando a gestão da titularidade das
ações, reconhecendo então a sociedade anônima como entidade autônoma,
que se distingue das pessoas dos acionistas.
Naquela época vigorava a teoria contratualista, segundo a qual o
interesse da sociedade confundia-se com o interesse do grupo de acionistas,
de modo que os administradores de tais sociedades deviam atuar sempre
visando os interesses dos acionistas, sem observar os interesses dos
empregados, da comunidade local ou da nação.
Em oposição à teoria contratualista teve origem após a Primeira Guerra
Mundial a teoria institucionalista, através de Walter Rathenau, economista
alemão que em período de crise econômica concebeu a grande sociedade
como um instrumento para o renascimento econômico do país. Para
Rathenau, as sociedades existem e se desenvolvem não para atender aos
acionistas, mas sim para servir ao interesse público. Diante disso, a
assembléia geral de acionistas é desvalorizada em favor do órgão de
administração, que deve considerar os interesses externos dos acionistas88.
86 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , cit., p. 11-12.87 Governo da empresa na definição dada por Arnold Wald significa “o estabelecimento do Estadode Direito na sociedade anônima, ou seja, refere-se à organização e à dinâmica dos poderes, aoestabelecimento da adequada definição dos órgãos sociais e das respectivas competências, assimcomo dos direitos e deveres dos vários acionistas. No fundo, significa a institucionalização daempresa, mediante a regulamentação de sua estrutura administrativa”. O Governo das Empresas.Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Ano 5. jan.-mar. de2002. Arnoldo Wald (Coord.). Editora Revista dos Tribunais. p. 55.88 Eduardo Secchi Munhoz, Poder de controle e grupos de Sociedades. Empresa Contemporâneae Direito Societário. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 38.
69
Após a Segunda Guerra Mundial, as dimensões das companhias
aumentaram muito, em decorrência do processo intenso de globalização das
economias. Em decorrência da pulverização das ações, da complexidade do
mundo empresarial, das exigências de especialização e da demanda de
sofisticados métodos para a gestão de uma companhia, os administradores
passaram a ter maior autonomia, adquirindo com isso mais poder. Esse poder
amplo concedido aos administradores fez que substituíssem o capitalista
empreendedor que os precedeu.
Há, em conseqüência, a ruptura do binômio poder-risco, considerado
como um dos principais fundamentos do capitalismo. Isso porque o gestor do
capital não é mais o seu proprietário, mas, sim, os administradores da
companhia, geralmente profissionais sem vínculo acionário. Adolf A. Berle e
Gardiner C. Means reconheceram o poder dos administradores, classificando-
o como o quinto poder de controle da sociedade89.
Como conseqüência deste fenômeno, a vontade dos administradores
passa a ser autarquicamente exercida, não cabendo aos acionistas outro
papel senão o de homologar formalmente os atos daqueles.
Diante de tanto poder, alguns administradores cometeram abusos, haja
vista conflito entre os interesses dos administradores e da própria sociedade e
do país. Os administradores preocupavam-se com seus salários,
gratificações, opções de compra de ações (stock options), ou seja, tinham
planos a curto prazo, enquanto a sociedade tinha planos de médio e longo
prazos.
89 Berle e Means classificaram o poder de controle em cinco espécies: (i) controle fundado naposse da quase-totalidade das ações; (ii) controle fundado na posse da maioria das ações; (iii)controle obtido mediante expedientes legais; (iv) controle com menos da metade das ações; (v)controle administrativo ou gerencial. A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada .Trad. Dinah de Abreu Azevedo. Editora Victor Civita, 1984. p. 85-98. Fabio Konder Comparato,tomando como ponto de partida a classificação proposta pelos autores norte-americanos, reduz aquatro as modalidades de controle interno, quais sejam: controle totalitário, majoritário, minoritário
70
Os acionistas minoritários que eram pessoas físicas passaram a ser
Fundos de Ações, com força de atuação e dimensões muito maiores, os quais
passaram a exigir maior atenção dos administradores e controladores das
empresas. Esta fase foi chamada por Peter Drucker the “revolução invisível”.
Os fundos se organizaram, passando a monitorar as empresas, exigindo
informações amplas e claras e acompanhando a gestão dos negócios de
perto, foi assim que os acionistas minoritários começaram a intervir nas
empresas, liderando movimentos que visavam a modificação da política e da
gestão empresarial. Portanto, o minoritário deixou de ter uma função passiva.
Os fundos passaram a integrar o Conselho de Administração e os comitês
indicavam representantes independentes para integrá-los. Diante disso, os
administradores têm sua competência e atuação ampliadas. Na composição
do conselho de administração que no passado era de pessoas ligadas aos
controladores, passaram a encontrar conselheiros independentes,
representantes dos minoritários e da própria sociedade90.
Segundo estudo de Arnoldo Wald, na Inglaterra, a questão sobre o
governo da empresa passou a ser discutida a partir de 1981 por sugestão do
Banco da Inglaterra, que defendia a presença de membros independentes nos
Conselhos de Administração. Em 1992 foi elaborado um código das melhores
práticas (Code of Best Practice), que estabelecia mecanismos de controle da
atuação da diretoria pelo Conselho de Administração. Atualmente, a
legislação determina que a empresa deve atender aos objetivos comunitários
e incentiva os fundos de pensão a aplicar seus recursos em sociedades cuja
atuação respeite os critérios sociais, ambientais e éticos, além dos fins
econômicos. Na Alemanha, os bancos figuravam como controladores de
muitas companhias, situação esta que foi alterada em decorrência da edição
e gerencial. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3. ed., Rio de Janeiro: EditoraForense, 1993. p. 38.90 Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem . Ano 5. jan.-mar. de2002. Arnoldo Wald (Coord.), cit., p. 63.
71
de normas limitadoras da atuação dos bancos como principais acionistas. A
idéia de maior transparência na gestão societária foi adotada aos poucos. Na
França, durante muitos anos o Estado administrou as empresas. Muitos anos
após as privatizações, desenvolveu-se o capitalismo francês mediante
presença relevante do capital estrangeiro na Bolsa de Paris. Apesar de várias
privatizações, somente com a privatização do BNP Paribas é que se
reconheceu terem as empresas francesas saído do jugo do Estado. A
jurisprudência francesa obrigou os administradores a uma maior transparência
nas suas decisões, fortalecendo os Conselhos de Administração, os quais
passaram a ter mais independência91.
A administração das sociedades por ações era, portanto, o órgão de
maior importância, haja vista o poder e as conseqüentes responsabilidades
atribuídas pelos acionistas. Neste sentido, João Eunápio Borges92:
Os acionistas abdicaram em seu favor dos poderes que têm, emface da lei, transferindo-lhe direitos mas aumentando-lhe aresponsabilidade.
E a diretoria assumiu resolutamente essa responsabilidade epassou a exercer ditatorialmente aqueles direitos. Em geral, com grandeproveito para a empresa que somente pode desenvolver-se e progredirno regime fortemente majoritário que caracteriza o anonimato. Que seriadas grandes sociedades anônimas se a atuação dos diretores sesubordinasse às injunções e entraves de sistemas oriundos darepresentação proporcional? Elas seriam tão ingovernáveis como certopaís que bem conhecemos, onde o Poder Executivo não tem nem aomenos o poder de escolher livremente os seus auxiliares direitos. Fica-lhesomente a responsabilidade da má escolha feita por outros, com grandesdanos para a coletividade.
É certo, pois, que as sociedades anônimas valem o que vale a suadiretoria. E o fator confiança, aquele intuitu personae que seria ocaracterístico das sociedades de pessoas, continua a existir nassociedades anônimas, deslocando-se apenas das relações entre ossócios, para as relações entre os acionistas e a diretoria.
Tanto na fase de constituição da sociedade como durante a suaexistência, quem subscreve ações ou posteriormente as adquire tem, emgeral, os olhos fixos nos fundadores ou diretores.
Isso explica, aliás, por um fenômeno puramente psicológico, adiversidade na cotação de ações de certas sociedades: com o mesmoobjeto, o mesmo capital, a mesma situação econômica, pagandodividendos iguais, no entanto, as ações de umas valem mais, na bolsa,
91 Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem , ano 5, cit., p. 64-65.92 João Eunápio Borges, Curso de Direito Comercial Terrestre, p. 489-490.
72
do que as de outras. Simples questão de maior ou menor confiança nosdiretores.
Nenhum mal existe, pois, no ditatorialismo dos diretores.Indispensável é que a sua autoridade forte tenha como correspectivouma grande e efetiva responsabilidade. É aliás o que se preconiza paracaracterísticos de uma sã e autêntica democracia: liberdade, autoridade,responsabilidade.
Waldirio Bulgarelli, ao tratar dos deveres e responsabilidades dos
administradores informa que “Poder sem responsabilidade converte-se
obviamente em arbítrio. Por esta razão é que a legislação atribui em
contrapartida às funções e aos poderes conferidos aos administradores
deveres e responsabilidades”93.
Alfredo Lamy Filho, ao tratar do poder da empresa e sua correlata
responsabilidade, reconhece que os administradores detêm um poder da mais
relevante expressão, haja vista tomarem decisões tão abrangentes, de que
dependem a vida e a realização de tantas pessoas e o desenvolvimento
econômico em geral. Diante disso, dispõe ainda que “A existência desse
poder empresarial, de tão extraordinário relevo na sociedade moderna,
importa – tem de importar – necessariamente em responsabilidade social”94.
O Autor no seu estudo refere-se ao debate realizado entre os professores
Adolf Berle e Merich Dodd Jr., através da Harvard Law Review, anos de
1931/1932. Berle sustentava que os poderes e responsabilidades dos
administradores são necessariamente e em todas as hipóteses “exercisable
only for the ratable benefit of all the stockholders as their interest appears”,
enquanto Dodd afirmava que o uso da propriedade privada envolvia
fundamentalmente o interesse público “deeply affected with a public interest”,
que terminou com a concordância de Berle.
Eduardo Secchi Munhoz, ao fazer referência a este debate, também cita
que Berle apesar de ter concordado com Dodd deixou claro que a ênfase na
93 Manual das Sociedades Anônimas , cit., p. 181.94 Novos Estudos de Direito Comercial em Homenagem a Ce lso Barbi Filho . Rio de Janeiro: Forense.Theophilo de Azeredo Santos (Coord.), 2003. p.15.
73
visão da empresa como unidade produtora de lucros não poderia ser
abandonada até que o reconhecimento de interesses externos viesse
acompanhado de um sistema eficaz que, de um lado, atribuísse legitimidade
aos titulares desses interesses para sua defesa e, de outro, estabelecesse os
correspondentes deveres e responsabilidades aos administradores95.
O autor Alfredo Lamy Filho cita o estudo realizado por Eugene Rostow96
em que é transcrita manifestação do ministro Douglas da Corte Suprema, que
na época era o presidente do SEC.
Hoje é geralmente reconhecido que todas as companhias possuemum elemento de interesse público. O Diretor de uma sociedade devepensar não somente em função dos acionistas mas também dotrabalhador, do fornecedor, do vendedor, e do consumidor último de seusprodutos. Nossa economia é como uma corrente que não será mais forteque qualquer de seus elos. (manifestação do Ministro Douglas, da CorteSuprema, chairman da SEC em 2003)
No Brasil, a lei vigente reconhece que o controlador e os administradores
da sociedade devem tomar em conta os interesses externos da sociedade,
conforme pode ser observado nos artigos abaixo transcritos:
Art. 116, parágrafo único. O acionista controlador deve usar opoder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objetivo a cumprirsua função social, e tem deveres e responsabilidades para com osdemais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com acomunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmenterespeitar e atender. (grifos do autor)97
95 Eduardo Secchi Munhoz, Empresa Contemporânea e Direito Societário. Poder d e Controle eGrupos de Sociedades. 1. ed., São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002.96 Novos Estudos de Direito Comercial em Homenagem a C elso Barbi Filho. A Empresa-Formação e Evolução – Responsabilidade Social . Rio de Janeiro: Forense. Theophilo de AzeredoSantos (Coord.), 2003. Pág. 16.97 A exposição de motivos da Lei 6.404/76 comenta os fundamentos desta inovação. “O Art. 116 dá‘status’ próprio, no Direito Brasileiro, à figura do “acionista controlador”. Esta inovação em que anorma jurídica visa a encontrar-se com a realidade econômica subjacente. Com efeito, é de todossabido que as pessoas jurídicas têm o comportamento e a idoneidade de quem as controla, masnem sempre o exercício desse poder é responsável, ou atingível pela lei, porque se oculta atrás dovéu dos procuradores ou dos terceiros eleitos para administrar a sociedade. Ocorre que aempresa, sobretudo na escala que lhe impõe a economia moderna, tem poder e importância socialde tal maneira relevantes na comunidade que os que a dirigem devem assumir a primeira cena navida econômica, seja para fruir do justo reconhecimento pelos benefícios que geram, seja pararesponder pelos agravos a que dão causa. O tema cresce em importância quando se considera
74
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causadospor atos praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo
ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileiraou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritáriosnos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional. (grifosdo autor)
Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e oestatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia,satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.(grifos do autor)
É importante observar a ponderação feita por Berle, quando do debate
com Dodd, de que o atendimento dos interesses externos (dos trabalhadores/
da comunidade/ da nação) somente seria possível após a elaboração de um
sistema razoável e eficaz de atribuição de legitimidade aos titulares desses
interesses para sua defesa e de deveres e responsabilidades aos condutores
da atividade empresarial.
No Brasil inexiste um sistema dessa natureza, visto que a ação de
responsabilidade por abuso de poder de controle é restrita aos acionistas, de
modo que não há um agente legitimado para agir em prol do bem público. A
ausência de um sistema de proteção retoma a discussão sobre quais
interesses devem ser perseguidos pela sociedade.
Fabio Konder Comparato reconhece que atender aos interesses externos
não significa transformar as sociedades em órgãos públicos. O escopo
lucrativo fica subordinado, porém, aos interesses comunitários e nacionais,
que prevalecem em caso de conflito98.
que o controlador, muitas vezes, é sociedade ou grupo estrangeiro, que fica, por força de suaorigem, excluído até mesmo das sanções morais da comunidade.”
98 O Poder de Controle na Sociedade Anônima, cit., p. 301.
75
A simples atribuição ao controlador e aos administradores de deveres e
responsabilidades para com acionistas, trabalhadores, comunidade local e
nação, desacompanhada de uma definição de critérios objetivos para
solucionar os conflitos de interesses, consubstancia fórmula genérica,
deixando margem de manobra por parte dos condutores dos negócios sociais,
o que contribui para a ineficácia do sistema de atribuição de responsabilidade.
Afinal, quando o poder não é bem definido, torna-se difícil identificar os casos
de desvio, o que é fundamental para a definição da responsabilidade do
controlador e do administrador.
A sociedade anônima, portanto, deixou de ser propriedade individual e
exclusiva do acionista controlador para dar origem a uma parceria, exigindo
um novo padrão de conduta por parte dos administradores e dos maiores
acionistas.
Arnold Wald resumiu de forma muito precisa as características do
governo da empresa e as principais qualidades que se exigem no governo da
empresa, conforme abaixo:
São características do governo de empresa:
a) separação e o equilíbrio dos poderes entre os órgãos sociais
(Diretoria, Conselho de Administração e Assembléia Geral);
b) presença de administradores independentes no Conselho de
Administração, ainda que todos não o sejam;
c) a convergência dos interesses dos acionistas controladores, dos
administradores e dos demais integrantes da empresa;
d) a ampliação dos deveres do controlador e do administrador e a
exigência da sua conduta conforme o princípio da boa-fé e o interesse social,
o que significa o fim do nepotismo e da idéia de sociedade como propriedade
do controlador;
76
e) existência de um amplo sistema de informações aos acionistas e ao
mercado, as quais devem ser divulgadas para todos os interessados em
igualdade de condições;
f) conhecimento, por todos os acionistas, das remunerações,
vantagens e eventuais conflitos de interesses do controlador, dos demais
acionistas e dos administradores;
g) fortalecimento do Conselho Fiscal, para examinar, além dos aspectos
formais, a atuação da diretoria e os seus resultados.
Qualidades exigidas no Governo de Empresas
a) transparência (full disclosure);
b) lealdade ou integridade (integrity);
c) responsabilidade de todos os participantes de prestar contas
(accountability).
Trataremos as conseqüências da atribuição de poder aos
administradores (Deveres e Responsabilidades) com maior profundidade no
Capítulo V.
77
CAPÍTULO III – MERCADO DE CAPITAIS
A experiência de diversos países no século XX colocou em evidência a
importância do mercado de capitais como instrumento indispensável para
alavancar o desenvolvimento econômico99.
Antonio Kandir, ao tratar da modernização da lei das sociedades
anônimas, assim se manifestou100:
A economia de um país depende em larga escala da eficiência desuas empresas. O desenvolvimento econômico de uma nação estáinexoravelmente atrelado ao nível de atividade empresarial, à capacidadede produção e de geração de empregos das empresas. Não obstante, asobrevivência de uma empresa em uma economia globalizada e cadavez mais competitiva depende do acesso aos recursos necessários parafazer face à constante necessidade de investimentos que permitam ainovação, notadamente em novas tecnologias que proporcionem reduçãode custos e melhora da qualidade de seus produtos e sérvios, comocondição para a preservação de seu espaço e a conquista de novosmercados.
Captar recursos no mercado de capitais passou a ser, portanto, um
grande diferencial, uma vez que esta forma de captação é muito menos
onerosa do que os financiamentos. Além disso, a captação de recursos no
mercado de ações permite a diluição dos riscos da sociedade que os partilha
com o mercado investidor, sem onerar o preço final de seus produtos e
serviços, permitindo um aumento na sua competitividade.
Além disso, quando as ações das sociedades abertas são negociadas
em bolsas com facilidade, os acionistas aumentam a liquidez de seu
patrimônio, ou seja, a possibilidade de converter seus bens em dinheiro. Essa
liquidez tende a aumentar com o tempo em decorrência do aumento do
número de compradores e quanto maior a liquidez mais altos são os preços
99 Antonio Kandir, A nova CVM e a Modernização da Lei das S.A. Reforma da Lei dasSociedades Anônimas , Jorge Lobo (Coord.). 2. ed., Rio de Janeiro: Forense. 2002. p. 4.
78
das ações e menor o custo de capital para as empresas. As empresas que
negociam suas ações na bolsa também aumentam o poder de negociação
com as instituições financeiras.
É interessante a colocação de Nelson Eizirik sobre as fontes principais
de financiamento das sociedades e o mercado de capitais101:
As empresas dispõem basicamente de três fontes principais definanciamento de suas atividades: 1) autofinanciamento, 2) empréstimosjunto ao setor público ou sistema bancário privado (recursos de terceiros),3) captação de recursos de acionistas ou do público mediante a emissãode valores mobiliários.
Ainda que as empresas apresentem como principais fontes derecursos o autofinanciamento e os recursos de terceiros (empréstimos dosistema bancário privado e do setor público), a capitalização via emissãode ações tem evoluído de forma bastante significativa.
Argumenta-se, ademais, que a abertura de capital das empresas,mediante a pulverização de suas ações junto ao público, conduziria auma etapa “superior” do capitalismo, na qual cindir-se-ia, gradativamente,a propriedade da companhia do seu controle. Nessa linha, ocorreria ogradual desaparecimento do empresário capitalista clássico, cujasubstituição se daria por executivos profissionais, dando-se o acesso àsposições diretivas pela qualificação profissional, não mais por relações deparentesco.
Rubens Requião afirma ser a sociedade anônima um instrumento do
capitalismo, é um mecanismo de financiamento de grandes empresas, uma
vez que permite a poupança popular, sem que o investidor se vincule à
responsabilidade além da soma investida e pela possibilidade de a qualquer
momento negociar seus títulos102. Sebastião José Roque afirma ser a
sociedade anônima a pedra angular sobre a qual repousa a atividade do
mercado de capitais. As sociedades deixam de buscar recurso no mercado de
crédito e recorrem ao mercado de capitais estimulando-o103. Portanto, dotada
de grande poder de expansão e de capacidade de mobilizar capitais, a
sociedade anônima é um instrumento ideal para potencializar todas as forças
liberadas pela revolução industrial.
100 Op. cit. p. 3.101 Nelson Eizirik, Aspectos Modernos do Direito Societário . Rio de Janeiro: Renovar, 1992.102 Rubens Requião, Aspectos Modernos do Direito Comercial, cit., p. 87103 Sebastião José Roque, Direito Societário . São Paulo: Editora Cone, 1997. p. 111-112.
79
O estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado investidor
é, portanto, fundamental e benéfico para as empresas nacionais e para a
economia de um modo geral. A questão é como estreitar tais relações, uma
vez que a globalização alterou o perfil do investidor, os quais diante de
diversas ofertas, proporcionadas pela própria globalização, tornaram-se muito
exigentes na tomada de decisões. O investimento no mercado de capitais
requer segurança e transparência, como veremos mais adiante.
Diante disso, conforme comenta Norma Parente, “é inquestionável o
papel do mercado de capitais no desenvolvimento econômico de um país. De
fato, o mercado eficiente promove a alocação eficaz da poupança no setor
produtivo e conseqüentemente o crescimento econômico”104.
Segundo Antonio Kandir, um mercado de capitais robusto encurta o
caminho em direção ao aumento da competitividade por meio de três atalhos,
a saber:
...i) Diminuição de riscos do investidorUm mercado de capitais robusto dilui os riscos inerentes aos
investimentos. Riscos são mais bem administrados quanto mais liquidezhouver no mercado. Nestas condições o investidor tende a distribuir seucapital por número mais amplo de empresas e a aumentar suas apostasem novos projetos de base tecnológica.
Trata-se de círculo virtuoso que costuma conduzir a economia deum país a patamares mais elevados de produtividade e competitividade.
As regras vigentes no mercado brasileiro reduzem a liquidez dospapéis e aumentam o conservadorismo do investidor, cujas escolhasrecaem sobre grupo restrito de empresas – em regra as que representammenores riscos. Minam-se, com isso, bases que poderiam assegurarnovas fontes de financiamento para investimentos em projetosinovadores. O país perde a chance de alterar seu perfil tecnológico epermanece amarrado à produção de bens e serviços tradicionais e demenor valor no mercado global. O desempenho da balança comercial saiigualmente prejudicado.
ii) Facilidade de fusão das companhiasNo ambiente de competição globalizada tornou-se comum a
realização de fusões, associações e parcerias. São formas de permitir a
104 A Regulação e o Desenvolvimento do Mercado de Capitais. In: Revista de Direito Bancário,do Mercado de Capitais e da Arbitragem, 18. Ano 5. p. 247, out.-dez. de 2002. Arnoldo Wald(Coord.). Editora Revista dos Tribunais.
80
criação de empresas com poder para atuar num cenário de condiçõesmais acirradas. O objetivo é elevar a escala de produção, aumentar aprodutividade, reduzir custos e, como conseqüência, assegurar fatiasmaiores de mercado. Um mercado de capitais forte tende a facilitar essemovimento. Com alta liquidez, as ações das empresas tornam-se amoeda que viabiliza as grandes fusões – realidade, infelizmente, aindadistante da brasileira.
iii) Fortalecimento das atividades de “venture capital”Na década passada, os investidores nos Estados Unidos
conseguiram pavimentar o caminho entre conhecimento criado eminstituições de pesquisa e os recursos que se encontravam disponíveisno mercado. As empresas de “venture capital” estiveram na base desteêxito. Especializadas em descobrir inovações e transformá-las emgrandes negócios, elas estão no meio da trajetória entre a boa idéia e olucro que daí pode advir.
As “venture capital” auxiliam o desenvolvimento tecnológico,induzem pesquisa e viabilizam novos projetos, ao torná-los atrativos parainvestidores institucionais reunidos em empresas de capital de risco,fundos privados e bancos de investimentos. A propensão dosempreendedores a colocar seus recursos em tais projetos está ligada àinstitucionalização de portas de saída desimpedidas. Só um mercadoacionário que disponha de liquidez e comporte riscos pode acolher asIPO (Initial Public Offer), capazes de selar a mutação de idéias originaisem negócios de interesse de qualquer investidor.
III.1. Origem e Evolução
Após a crise de 1929, o Governo de Rossevelt promoveu o chamado
New Deal, iniciando então uma maior intervenção estatal na economia.
Em 1933, os Estados Unidos da América promulgaram o “Securities Act”
(SA/33), norma que regulamentava a distribuição de valores mobiliários no
mercado primário105, e em 1934 o “Securities Exchange Act” (SEA/34), que
regulamentava o mercado secundário106 e criava a agência responsável pela
fiscalização e regulamentação do mercado, a chamada “Securities Exchange
105 O Mercado Primário compreende o lançamento de novas ações no mercado, com aporte derecursos à companhia.Uma vez ocorrendo o lançamento inicial ao mercado, as ações passam aser negociadas no Mercado Secundário.106 O Mercado Secundário compreende as bolsas de valores e os mercados de balcão (mercadosonde são negociadas ações e outros ativos, geralmente de empresas de menor porte e nãosujeitas aos procedimentos especiais de negociação). Operações como a colocação inicial, juntoao público, de grande lote de ações detido por um acionista podem caracterizar operações deabertura de capital, exigindo registro na CVM. Apesar da semelhança com o mercado primário, osrecursos captados vão para o acionista vendedor (e não para a companhia), determinando,portanto, uma distribuição no Mercado Secundário.
81
Commission – SEC”, à qual foi atribuído poder regulatório107. Foi dessa forma
que os EUA inauguraram um modelo estrutural adaptado à realidade do
mercado e de suas mudanças. Com o passar do tempo o mercado de capitais
revelou-se poderoso expediente de fomento, ao possibilitar condições
vantajosas para o financiamento da produção.
A experiência americana, como comenta Raphael Velly de Castro, serviu
mais do que qualquer outra para evidenciar que o principal valor a ser
perseguido em termos de mercado de capitais é a credibilidade do e no
sistema108. Neste sentido, o autor comenta que o dever do Estado é,
principalmente, zelar pelo correto e equânime funcionamento do sistema,
mediante a implementação de regras (jurídicas) que resguardem os interesses
daquele que talvez seja o principal combustível de todo esse mecanismo: o
investidor.
Conforme ensina Raphael Velly de Castro, jamais houve no Brasil um
movimento semelhante ao que ocorrera nos EUA. A concepção mais séria de
mercado de capitais somente veio a se consolidar pela edição da Lei n. 6.385,
de 7.12.1976, a qual foi promulgada principalmente com o objetivo de regular
o mercado e alterar o modelo regulatório estabelecido pela Lei n. 4.728, de
14.7.1965, abrangendo de modo geral as previsões básicas da SA/33 e
SEA/34, bem como criando um órgão regulador sob a forma de autarquia
(Comissão de Valores Mobiliários).
Por ocasião da última reforma sofrida pela Lei das Sociedades
Anônimas, foi atribuída à CVM maior independência de atuação, passando a
ser uma autarquia em regime especial (artigo 1º da Lei n. 10.411, de
26.02.2002).
107 A agências têm por principal característica a sua independência do Poder Executivo e a suaautonomia reguladora, não se submetendo a controles externos conforme previsto em lei.108 Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , v. 126. Ano XLI (NovaSérie). Abr.-jun/2002, Editora Malheiros. p. 45.
82
III.2. O Mercado de Capitais no Brasil
Em relação ao mercado de capitais no Brasil, sob o ponto de vista
econômico, o Brasil sofre uma ameaça com a transferência do comando de
algumas das suas principais empresas para fora do país, afinal poucos
investidores nacionais de grande porte podem enfrentar e partilhar de modo
equilibrado o comando das grandes empresas brasileiras com o capital
estrangeiro. A falta de capitais e o custo do dinheiro – que ainda é alto em
relação aos padrões internacionais – dificultam o desenvolvimento das
empresas nacionais, que poderiam distribuir dividendos maiores do que os
atuais, se não necessitassem de dinheiro emprestado.
O Brasil não possui um grau de desenvolvimento econômico, de
poupança privada capazes de manter o fluxo e refluxo das ações no pregão
das Bolsas como Estados Unidos, Europa e Japão, que contam com inúmeras
sociedades anônimas gigantes. No entanto, o Governo Federal realizou
recentemente alguns esforços para modernizar, estimular e desenvolver o
mercado de capitais brasileiro, através da instituição de mecanismos que
propiciem maior credibilidade e transparência ao mercado de capitais e que
assegurem proteção adequada aos interesses dos investidores. Essa
preocupação foi demonstrada pelo Deputado Emerson Kapaz, na Comissão
de Economia, Indústria e Comércio, como Relator do Projeto de Lei n. 3.115,
de 1997, conforme referenciado por João Laudo de Camargo e Maria Isabel
do Prado Bocater 109:
... um mercado acionário forte e verdadeiramente democratizado –alcançando toda sua potencialidade de alavancagem econômica –depende, é óbvio, de que os investidores, principalmente pequenos emédios, sintam-se protegidos e vejam defendidos seus interesses, não sepermitindo a manipulação e o desrespeito a seus direitos por manobras epolíticas estabelecidas unilateralmente pelos controladores, muitas vezes,inclusive, privilegiando interesses externos à própria sociedade.
109 In: Reforma da Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 385.
83
A Lei n. 10.303/2001 modificou, em alguns pontos significativamente, as
leis das sociedades por ações (Lei n. 6.604/76) e de mercado de capitais (Lei
n. 6.385/76), ajustando o regime jurídico das sociedades anônimas às
melhores práticas de gestão empresarial, objetivando a instituição de
mecanismos de transparência e cooperação entre o acionista controlador e o
investidor, que veremos mais adiante ao tratar da Governança Corporativa,
além de, como já mencionamos, atribuir maior autonomia à CVM.
O resultado da nova legislação foi muito positivo para o mercado de
capitais, pois ao mesmo tempo em que aumentou a demanda do investidor
estrangeiro pelos papéis de empresas brasileiras e o mercado acionário
doméstico recebeu a influência de práticas diferenciadas de tratamento ao
acionista, ajudou a valorizar as ações com direito a voto, uma vez que
determinou o direito ao tag along de 80% em caso de troca de controle da
companhia.
A CVM, por sua vez, expediu as Instruções 358/02 e 361/02, que contêm
regras mais rigorosas sobre a divulgação de fatos relevantes e ofertas
públicas para a aquisição de ações, como veremos no Capítulo V. O Conselho
Monetário Nacional, através das Resoluções 2.829/01 e 2.850/01, autorizou
que os fundos de pensão aumentassem a proporção de suas carteiras
investidas em ações listadas em segmentos da Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa), as quais sujeitam as companhias a regras mais rígidas de
“governança corporativa”. O Conselho de Gestão da Previdência
Complementar, por meio da Resolução 1/01, exigiu que as entidades de
previdência complementar prestassem contas aos seus participantes sobre a
atuação nas assembléias das companhias abertas em que investem. O Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social tem pressionado empresas
brasileiras a aderir ao chamado “Novo Mercado” da Bovespa, vinculando
ajuda a referida adesão, segmento com regras rígidas de governança
84
corporativa, que proíbe a emissão de ações sem direito a voto (trataremos
desta matéria no Capítulo V). A CVM publicou uma cartilha contendo
“recomendações sobre governança corporativa”, em que pressionou as
companhias a adotar práticas de governança corporativa mais rígidas110.
Em conformidade com a legislação brasileira, as operações realizadas no
mercado de valores mobiliários estão submetidas ao poder de polícia da CVM,
a qual detém poderes legais para fiscalizá-las e instaurar processo
administrativo, com o objetivo de julgar a conduta dos infratores de tais
normas e de aplicar as devidas penalidades.
III.2.1. Definição, objetivos e competência da CVM
A CVM é uma entidade autárquica federal, em regime especial, vinculada
ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprio,
dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação
hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, detém autonomia
financeira e orçamentária (artigo 5 da Lei n. 6.385/76). É administrada por um
presidente e quatro diretores nomeados pelo Presidente da República. O
Presidente e a Diretoria constituem um órgão colegiado, o qual define políticas
e estabelece práticas a serem implantadas e desenvolvidas pelos
superintendentes, o executivo da CVM. Além disso, o colegiado julga os
recursos das decisões dos superintendentes, bem como os inquéritos
administrativos.
O artigo 4º da Lei n. 6.385/76 consubstancia os objetivos da referida
autarquia. Basicamente são estes os objetivos da CVM:
110 Fernando Shayer, Governança Corporativa e Ações Preferenciais – Dilema do legisladorbrasileiro, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . v. 126, cit. p. 75.
85
(a) assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de
bolsa e de balcão;
(b) proteger os titulares de valores mobiliários contra emissões
irregulares e atos ilegais de administradores e acionistas controladores de
companhias ou de administradores de carteira de valores mobiliários;
(c) evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a
criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários
negociados no mercado;
(d) assegurar o acesso do público a informações sobre valores
mobiliários negociados e as companhias que os tenham emitido;
(e) assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no
mercado de valores mobiliários;
(f) estimular a formação de poupança e sua aplicação em valores
mobiliários;
(g) promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do
mercado de ações e estimular as aplicações permanentes em ações do
capital social das companhias abertas111.
111 Art. 4º O Conselho Monetário Nacional e a Comissão de Valores Mobiliários exercerão asatribuições previstas na lei para o fim de:I - estimular a formação de poupanças e a sua aplicação em valores mobiliários;II - promover a expansão e o funcionamento eficiente e regular do mercado de ações, e estimularas aplicações permanentes em ações do capital social de companhias abertas sob controle decapitais privados nacionais;III - assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados da bolsa e de balcão;IV - proteger os titulares de valores mobiliários e os investidores do mercado contra:a) emissões irregulares de valores mobiliários;b) atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas, ou deadministradores de carteira de valores mobiliários.c) o uso de informação relevante não divulgada no mercado de valores mobiliários.V - evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação destinadas a criar condições artificiaisde demanda, oferta ou preço dos valores mobiliários negociados no mercado;VI - assegurar o acesso do público a informações sobre os valores mobiliários negociados e ascompanhias que os tenham emitido;VII - assegurar a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de valores mobiliários;VIII - assegurar a observância no mercado, das condições de utilização de crédito fixadas peloConselho Monetário Nacional.”
86
Observa-se que o próprio artigo 4º dispõe a respeito do poder disciplinar
atribuído à CVM, sobre o qual falaremos mais adiante ao tratar do Poder
Regulamentar.
São atribuições da CVM disciplinar sobre as seguintes matérias:
(a) registro de companhias abertas;
(b) registro de distribuições de valores mobiliários;
(c) credenciamento de auditores independentes e administradores de
carteiras de valores mobiliários;
(d) organização, funcionamento e operações das bolsas de valores;
(e) negociação e intermediação no mercado de valores mobiliários;
(f) administração de carteiras e a custódia de valores mobiliários;
(g) suspensão ou cancelamento de registros, credenciamentos ou
autorizações;
(h) suspensão de emissão, distribuição ou negociação de determinado
valor mobiliário ou decretar recesso de bolsa de valores.
III.2.2. Conceito de valor mobiliário
Os objetivos da construção legal da noção de valor mobiliário dizem
respeito, essencialmente, à necessidade de regulação pelo Estado de
atividades consideradas de risco, haja vista envolverem a aplicação da
poupança popular em companhias abertas, estando os lucros ou prejuízos
decorrentes de tal investimento condicionados ao sucesso do
empreendimento empresarial.
A tradição européia opta por definir o que é um valor mobiliário, diferente
do direito norte-americano, que tentou listar todos os títulos que preencham a
condição de valor mobiliário.
87
A sistemática brasileira, constante da Lei n. 6.385/76, já optou por listar
alguns valores mobiliários emitidos por sociedade anônima, deixando a
capacidade de aumentar esta lista por ato do Conselho Monetário Nacional.
Referida lei, em seu artigo 2º, devidamente alterada pela Lei n. 10.303, de
31.10.2001, considera como valores mobiliários:
Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:I - as ações, debêntures e bônus de subscrição;II - os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de
desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;III - os certificados de depósito de valores mobiliários;IV - as cédulas de debêntures;V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou
de clubes de investimento em quaisquer ativos;VI - as notas comerciais;VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos
ativos subjacentes sejam valores mobiliários;VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos
subjacentes; eIX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou
contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, deparceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação deserviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou deterceiros.
§ 1o Excluem-se do regime desta Lei:I - os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal;II - os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira,
exceto as debêntures.§ 2o Os emissores dos valores mobiliários referidos neste artigo,
bem como seus administradores e controladores, sujeitam-se à disciplinaprevista nesta Lei, para as companhias abertas.
Observe-se que, ao listar os valores mobiliários não os definiu,
dificultando a normatização e a fiscalização pelo Estado.
Digamos que os valores mobiliários constituem títulos ou documentos
que instrumentalizam investimentos de risco, aptos a circular em série, ou
seja, passíveis de negociação em massa. Por outro lado, como observa
Nelson Elzirik112,
há títulos de crédito, que não instrumentalizam investimentos de risco,como é o caso das debêntures, mas que são tidos como valores
112 Nelson Eizirik, Reforma das S.A. & Mercado de Capital. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p.139.
88
mobiliários. O critério distintivo básico é, portanto, legal; são valoresmobiliários aqueles papéis ou documentos, passíveis de negociação emmassa, representativos de investimento ou de crédito, que a Leiconsidera como valores mobiliários e submete, em conseqüência, a umadisciplina especial e ao poder de polícia da CVM.
De acordo com Ary Oswaldo Mattos Filho113,
valor mobiliário é o investimento oferecido ao público, sobre o qual oinvestidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro,bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo necessária aemissão do título para a materialização da relação obrigacional.
Fabio Ulhoa Coelho conceitua valor mobiliário como instrumento de
captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras e representa,
para quem os subscreve ou adquire, um investimento114.
No direito norte-americano, o conceito de “security” é abrangente,
designando não só papéis emitidos pelas companhias como também
quaisquer contratos de investimentos publicamente ofertados. Luiz Gastão
Paes de Barros Leaes 115 assim conceitua o termo “security”:
O termo security compreende toda nota, ação, ação em tesourariaobrigação, debênture, comprovante de dívida, certificado de direito emtodo tipo de contrato de participação de lucro, certificado de depósito emgarantia, parte de fundador, boletim de subscrição, ação transferível,contrato de investimento, certificado de depósito de títulos, co-propriedade de direitos minerários e petrolíferos, e, de uma maneira geraltodo o instrumento ou o direito comumente conhecido como security ouainda todo certificado de participação ou interesse, permanente outemporário, recibo, garantia, direito à subscrição e opção referentes aostítulos e valores acima mencionados.
Considerando que o objetivo das leis disciplinadoras do mercado de
capitais é proteger o público investidor, é possível conceituar “títulos e valores
mobiliários” de forma mais abrangente, semelhante à interpretação
113 Ary Oswaldo Mattos Filho, O Conceito de Valor Mobiliário. Revista de Direito Mercantil . v. 59,p. 49, 1985.114 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, v. 2. cit., p. 137.115 Barros Leaes, Luiz Gastão Paes de. Texto “O Conceito de Security no Direito Norte-Americanoe o Conceito análago no Direito Brasileiro”. Livre Docente em Direito Comercial da Faculdade deDireito da USP. Revista Forense. Vol. 14. Páginas 196 e 197.
89
desenvolvida pelos norte-americanos, que possibilite ao Estado policiar o
mercado de valores, fiscalizando todas as formas de captação de recursos da
poupança popular.
III.2.3. Poder regulamentar da CVM
O desenvolvimento do mercado de capitais depende da conjugação de
interesses de investidores que aplicam recursos no mercado com os de
sociedades interessadas na obtenção de financiamento. Ocorre que as forças
do mercado nem sempre atendem aos interesses dos investidores, de modo
que passa a ser fundamental a intervenção estatal para assegurar o
funcionamento regular do mercado. Norma Parente expõe que “nesse caso, o
regulador deve estabelecer como um dos pilares de sua atividade a proteção
ao investidor. Nesse sentido, é fundamental que seja assegurado o rápido e
uniforme fluxo de informações entre a companhia aberta e o mercado”.
O aparecimento do papel regulador do Estado surge portanto quando o
investidor não tem o poder de gestão e sua expectativa financeira depende
90
O objetivo, portanto, do legislador ao instituir o poder regulamentar ou
disciplinar é a tutela do mercado, que pode ser entendida como o conjunto de
atribuições que competem à CVM, nos termos dos artigos 8º e 9º117. Neste
sentido, conclui José Alexandre Tavares Guerreiro:
117 Art. 8º “Compete à Comissão de Valores Mobiliários:I - regulamentar, com observância da política definida pelo Conselho Monetário Nacional, asmatérias expressamente previstas nesta Lei e na lei de sociedades por ações;II - administrar os registros instituídos por esta Lei;III - fiscalizar permanentemente as atividades e os serviços do mercado de valores mobiliários, deque trata o art. 1º, bem como a veiculação de informações relativas ao mercado, às pessoas quedele participem, e aos valores nele negociados;IV - propor ao Conselho Monetário Nacional a eventual fixação de limites máximos de preço,comissões, emolumentos e quaisquer outras vantagens cobradas pelos intermediários domercado;V - fiscalizar e inspecionar as companhias abertas dada prioridade às que não apresentem lucroem balanço ou às que deixem de pagar o dividendo mínimo obrigatório.§ 1o O disposto neste artigo não exclui a competência das Bolsas de Valores, das Bolsas deMercadorias e Futuros, e das entidades de compensação e liquidação com relação aos seusmembros e aos valores mobiliários nelas negociados.§ 2o Serão de acesso público todos os documentos e autos de processos administrativos,ressalvados aqueles cujo sigilo seja imprescindível para a defesa da intimidade ou do interessesocial, ou cujo sigilo esteja assegurado por expressa disposição legal.§ 3º Em conformidade com o que dispuser seu regimento, a Comissão de Valores Mobiliáriospoderá:I - publicar projeto de ato normativo para receber sugestões de interessados;II - convocar, a seu juízo, qualquer pessoa que possa contribuir com informações ou opiniões parao aperfeiçoamento das normas a serem promulgadas.Art. 9º A Comissão de Valores Mobiliários, observado o disposto no § 2o do art. 15, poderá:I - examinar e extrair cópias de registros contábeis, livros ou documentos, inclusive programaseletrônicos e arquivos magnéticos, ópticos ou de qualquer outra natureza, bem como papéis detrabalho de auditores independentes, devendo tais documentos ser mantidos em perfeita ordem eestado de conservação pelo prazo mínimo de cinco anos: a) as pessoas naturais e jurídicas que integram o sistema de distribuição de valores mobiliários(Art. 15);b) das companhias abertas e demais emissoras de valores mobiliários e, quando houver suspeitafundada de atos ilegais, das respectivas sociedades controladoras, controladas, coligadas esociedades sob controle comum;c) dos fundos e sociedades de investimento;d) das carteiras e depósitos de valores mobiliários (arts. 23 e 24);e) dos auditores independentes;f) dos consultores e analistas de valores mobiliários;g) de outras pessoas quaisquer, naturais ou jurídicas, quando da ocorrência de qualquerirregularidade a ser apurada nos termos do inciso V deste artigo, para efeito de verificação deocorrência de atos ilegais ou práticas não eqüitativasII - intimar as pessoas referidas no inciso I a prestar informações, ou esclarecimentos, sobcominação de multa, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas no art. 11;III - requisitar informações de qualquer órgão público, autarquia ou empresa pública;IV - determinar às companhias abertas que republiquem, com correções ou aditamentos,demonstrações financeiras, relatórios ou informações divulgadas;V - apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas não eqüitativas deadministradores, membros do conselho fiscal e acionistas de companhias abertas, dosintermediários e dos demais participantes do mercado;
92
Balcão, administradores de carteiras de valores mobiliários, auditores
independentes, prestadores de serviços no mercado de capitais e fundos de
investimentos.
Não podemos deixar de mencionar que não são todas as práticas
infracionais sujeitas à ação da CVM. Por exemplo, se os administradores de
uma companhia aberta levam-na a descumprir a lei tributária, resultando tal
prática em prejuízos para a companhia, não terão praticado infração alguma
no âmbito disciplinar de competência da CVM, apesar de estarem sujeitos à
ação direta da administração fiscal. José Alexandre Tavares Guerreiro
apresenta outro exemplo:
O abuso do poder de controle nem sempre gera responsabilidadedisciplinar, no âmbito das companhias abertas. É o caso, por exemplo, daadoção de políticas ou decisões que causem prejuízo aos que trabalhamna empresa, para usar da linguagem do art. 117, § 1º da Lei 6.404/76.Com exceção de suas repercussões quanto à obrigação de disclosure,esta sim sujeita à vigilância e repressão disciplinares, os ilícitostrabalhistas, em sua materialidade, não configuram, per se, infrações decaráter administrativo, refulgindo ao poder disciplinar da Comissão.
Reversamente, o abuso de poder de controle, na companhiaaberta, quando implique em prejuízo aos acionistas minoritários ou aosinvestidores em valores mobiliários emitidos pela companhia, como osdebenturistas, pode acarretar responsabilidade disciplinar, na medida emque a ação ou a omissão do controlador projete efeitos diretos nomercado de valores mobiliários.
Em termos gerais, a regulação da CVM leva em conta os seguintes
fundamentos:
(a) Interesse Público
São do interesse público os atos e fatos relativos ao mercado de valores,
haja vista que as operações e alterações ocorridas no mercado de valores
mobiliários refletem sobre o aparelho produtivo, atingindo inclusive aqueles
que dele não participam diretamente.
118 Guerreiro, José Alexandre Tavares. Sobre o Poder Disciplinar da CVM, Revista de Direito
93
(b) Confiabilidade
A confiabilidade é requisito fundamental para a existência e
desenvolvimento de um vigoroso mercado de valores mobiliários. Portanto, o
esforço em preservar a confiabilidade no mercado constitui tarefa do órgão
regulador, pressupondo que a atração e a permanência do público investidor
garantirão um crescente volume de recursos ao mercado.
(c) Proteção ao investidor
Com vistas a manter a confiabilidade do mercado e a atrair um
contingente cada vez maior de pessoas, há necessidade de um tratamento
eqüitativo a todos os que dele participam, principalmente aos investidores
individuais. Estes, em face de seu menor poder econômico e menor
capacidade de organização, precisam de proteção, de forma que resguarde
seus interesses no relacionamento com intermediários e companhias.
(d) Transparência
A transparência de suas atividades e das operações realizadas na órbita
do mercado de valores imobiliários atrai novos investidores, pois transmite
confiança e confere proteção.
Basicamente, o trabalho de regulação da CVM compreende a
identificação de práticas irregulares, a identificação de indícios de infringência
de leis ou outros atos normativos, a realização de inspeções nas instituições
envolvidas e, se for o caso, a instauração de inquéritos administrativos e
aplicação de penalidades aos infratores.
Mercantil, vol. 43, 1981.
94
Através da instauração de um processo administrativo, a CVM julga os
atos ilícitos praticados no mercado de capitais, podendo aplicar aos infratores
as penalidades previstas em lei. O processo administrativo constitui uma das
modalidades de processo administrativo mediante o qual a autoridade aplica
penalidades administrativas às pessoas submetidas ao seu poder de polícia
que praticaram atos qualificados em lei ou em regulamento como ilícitos
administrativos. Os processos administrativos da CVM, da mesma forma que
os demais órgãos reguladores de atividades desenvolvidas por particulares,
devem pautar-se pelo devido processo legal, assegurando aos acusados o
exercício do direito de defesa.
Os poderes delegados por lei aos órgãos reguladores são extremamente
amplos e por esta razão ao acusado deve ser concedida ampla defesa.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, dispõe
expressamente que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal. O mesmo artigo estabelece que aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados
o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
No processo administrativo sancionador, a Administração é autora e
juíza. Ao mesmo tempo que é parte interessada, é a julgadora, e por isso a
necessidade de rigor absoluto na obediência dos princípios relativos ao devido
processo legal.
Segundo Nelson Elzirik
o processo administrativo sancionador não é discricionário, masvinculado ao devido processo legal; em conseqüência, a decisãoadministrativa deve ser sempre motivada, com base na acusação, nadefesa e nas provas, sob pena de nulidade119.
119 Reforma das S.A. & do Mercado de Capitais, cit., p. 152.
95
O processo administrativo foi regulamentado pela Resolução nº 454, de
16/11/77, do Conselho Monetário Nacional.
De acordo com o artigo 9º da Lei n. 6.385/76 e do artigo 1º da Resolução
454, a CVM tem competência para instaurar inquérito administrativo para
apurar atos ilegais ou práticas não eqüitativas de administradores ou de
acionistas de companhias abertas, dos intermediários financeiros e dos
demais participantes do mercado de valores mobiliários.
A CVM pode aplicar as punições administrativas aos infratores das
normas das Leis n. 6.385/76 n. 6.404/76, e das Resoluções da CVM. No
entanto, como não poderia ser diferente, o processo administrativo para
atender ao princípio constitucional do devido processo legal deve assegurar
ao acusado as seguintes garantias: princípio da legalidade, a irretroatividade
das normas punitivas, a tipicidade da conduta, a culpabilidade do acusado e a
proporcionalidade das penas, presunção de inocência do acusado, prescrição
das sanções administrativas, impossibilidade de dupla apenação, legalidade
do procedimento e cabimento de recursos administrativos.
Apenas a título de curiosidade indicamos a seguir algumas das
penalidades que podem ser impostas pela CVM, as quais constam do artigo
11 da Lei n. 6.385/76:
(a) cinqüenta por cento do valor da emissão ou operação irregular;
(b) três vezes o montante da vantagem econômica obtida ou da perda
evitada em decorrência do ilícito;
(c) no caso de reincidência, poderá ser aplicada multa de até o triplo dos
valores fixados;
(d) no caso de inabilitação, até o máximo de 20 anos;
(e) proibição temporária, até o máximo de 20 anos, de praticar
determinadas atividades ou operações, para os integrantes do sistema de
96
distribuição ou de outras entidades que dependam de autorização ou registro
na CVM;
(f) proibição temporária, até o máximo de 10 anos, de atuar, direta ou
indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de
valores mobiliários.
(g) um outro tipo de sanção, multa cominatória, aplica-se ao não-
cumprimento de uma determinação da CVM e às situações de atrasos na
entrega de informações por parte dos participantes do mercado de valores
mobiliários. A multa cominatória, no valor de até R$ 5.000,00 por dia, não
decorre de ilícito apurado em inquérito, aplicando-se diária e automaticamente
sempre que a obrigação não for cumprida.
A importância crescente do mercado de capitais como fonte de
financiamento das sociedades e principalmente a conscientização do
investidor continuou a produzir modificações intensas na legislação societária
de diversos países, inclusive na legislação brasileira.
Surgiu na economia anglo-saxônica um movimento conhecido como
governança corporativa. Este movimento visava não somente ao
estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado, mas também
entre os fornecedores, consumidores, através da instituição de práticas
protetivas dos direitos dos investidores120.
Em razão de o mercado encontrar-se saturado, os investidores
institucionais dos países desenvolvidos aumentaram seus investimentos fora
do país, pressionando os mercados externos a se modernizarem através da
adoção de determinadas práticas protetivas.
O movimento da governança corporativa, de grande relevância para o
tema deste estudo, será tratado no capítulo seguinte.
120 Jorge Lobo (Coord.), Reforma da Lei das S.A. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 423-424.
97
CAPÍTULO IV – GOVERNANÇA CORPORATIVA
Sem dúvida o estudo acerca da aderência das companhias a um padrão
adequado de governança assumiu maior relevância em virtude da
globalização financeira e comercial das economias mundiais e de seus
agentes, o que criou um ambiente em que a competição entre as companhias
é acirrada, o investimento em pesquisa e no desenvolvimento de produtos é
intenso, e o treinamento, o aprimoramento profissional e a satisfação dos
empregados são uma constante. Nessa linha, a manutenção do crescimento
sustentado da companhia exige a adoção de planos estratégicos de curto e
longo prazos e, mais importante, exige aplicação intensa de capitais121.
Conforme vimos, o ingresso no mercado de capitais promove redução de
custos e melhoria da qualidade dos produtos e serviços, todavia o acesso a
referido mercado só é possível se as sociedades interessadas tiverem um
padrão de governança corporativa que inspire confiança e motive investidores,
os quais estão a cada dia mais bem informados, seletivos e atuantes em
bases mundiais, o que nada mais é do que resultado da globalização.
Nesse sentido, Antonio Kandir comenta que estudos demonstram que o
nível de proteção legal dos investidores é um fato decisivo para que as
empresas tenham maior aptidão de captar recursos públicos, pois a ausência
de instrumentos aptos a repelir a expropriação de acionistas minoritários e
credores traz como conseqüência o desestímulo e o desinteresse do
investidor122.
Holly J. Gregory ensina que, quando a administração da sociedade é
independente dos acionistas, ou seja, quando a administração não é
121 A nova CVM e a Modernização da Lei das S.A. Reforma da Lei das Sociedades Anônimas .Jorge Lobo (Coord), cit., p. 389.122 Op. cit., p. 3.
98
desempenhada pelos donos do capital, os administradores têm a
responsabilidade de utilizar eficientemente os ativos da companhia visando
atingir ao objetivo desta. A conduta dos administradores no exercício de suas
atividades é essencial para o sucesso econômico da companhia e também
para atrair investimentos de capital a longo prazo.
Em relação à definição do termo governança corporativa, pode-se afirmar
ser o conjunto de práticas que têm por finalidade otimizar o desempenho de
uma companhia ao proteger as partes interessadas, tais como investidores,
empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. Os três pilares da boa
Governança Corporativa são: (a) transparência; (b) prestação de contas; e (c)
eqüidade no tratamento dos acionistas.
Tais práticas foram instituídas para que não ocorra perda de
competitividade do mercado de capitais brasileiro e para criar um mecanismo
eficiente para alinhar os interesses dos administradores e proprietários,
evitando conflitos.
Rodolfo Apreda, doutrinador argentino, assim definiu “governança
corporativa”123:
Definición: GovernanciaVamos a entender por governancia um campo de estudio y de
aplicación cuyas tareas principales son:La búsqueda de principios, reglas, procedimientos y buenas
prácticas que permiten a las organizaciones su conducción eficiente,dentro de las restricciones que imponen las instituciones en permanenteevolución y cambio;
El diseño, implementación y seguimiento de mecanismos para larepresentación, el voto, compromisos y responsabilidades(Accountability), controles contrapesantes, incentivos y estándares dedesempeño;
La administración del ejercicio del poder, así como de la autoridaden los procesos de toma de decisiones;
La realización de los objetivos y la misión que enuncian la cartafundacional y los estatutos de la organización.
123 Mercado de Capitales, Administración de Portafolios y Corporate Governanc e. Capítulo 11,Corporate Governance, p. 258. Paperback, jul. 2005.
99
John Scanlon assim define o que entende como governança
corporativa124.
Governance affects every aspect of sustainable development andachieving sustainable development will require effective governance at alllevels.
Governance is the means by which society defines goals andpriorities and advances cooperation; be it internationally, regionally,nationally or locally. Governance arrangements are expressed throughlegal and policy frameworks, strategies, ad action plans; they include theorganizational arrangements for following up on policies and plans andmonitoring performance. Governance covers the rules of decision-makingprocess, as well as the decisions themselves.
Most fundamentally, governance is the means to an end, not anend in itself. It is this context that governance should be addressed.
There is no single definition of governance. Its elements include:
- Democratic institutions that are responsive to the needs ofthe people;
- Adherence to the rule of law;- Participation, transparency and accountability;- Appropriate devolution of authority;- Anti corruption and effective compliance measures; and- A means of resolving conflict and disputes as they arise.
Em decorrência da globalização, governar com responsabilidade visando
o desenvolvimento sustentável tornou-se hoje mais importante do que em
todos os tempos. Como vimos, os investimentos estrangeiros foram
direcionados para países e sociedades que se governam observando tais
princípios.
IV.1. Breve Histórico
Rodolfo Apreda ensina que, desde a década de 1970, já se tentava
conceituar governança corporativa. Segundo o autor, as contribuições mais
respeitadas seriam as seguintes125:
124 “10 anos da ECO-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentável”. Antônio Herman Benjamin(Org./Edit.). São Paulo: Imesp, 2002. Instituto “O Direito por um planeta verde”. Co-patrocínio daProcuradoria-Geral de Justiça. Texto de John Scanlon: “Governance for sustainable development”.Pág. 23
100
Williamson (1988, 1996) demonstrou que as finanças corporativas e a
governança corporativa estavam profundamente relacionadas. O estudo da
governança com palavras de Williamson, consistia em “la identificación,
explicación y mitigamiento de toda forma de riesgo contractual”. Neste
sentido, a governança proporcionaria os meios para alcançar organizações
mais ordenadas e preparadas para enfrentar as ameaças de conflitos de
interesses.
Monks y Minow (1995) afirmaram que o propósito da governança
corporativa tinha direta relação com “las relaciones entre los diferentes grupos
de participantes para la determinación de la dirección, así como el
desempeno, de las corporaciones”.
Na opinião de Shleifer-Vishny (1997) governança corporativa são: “las
formas por las cuales los proveedores de financiación a las empresas podían
asegurarse un retorno adecuado para sus inversiones.”
Escrevendo para o New Palgrave Dictionary of Economics and the Law,
Zingales (1997) definiu governance como “el complejo conjunto de
restricciones que modelan las negociaciones ex post acerca de cómo distribuir
las rentas generadas en el curso de relaciones de agencias.”
Demirag (1998) dispôs que
la governancia corporativa puede entenderse como un sistema por el cuallas empresas son controladas, dirigidas y devienen responsables ante losaccionistas y otros stakeholders; se supone, además, que el controlincluye las influencias indirectas sobre cada organización de losmercados financieros.
125 Mercado de Capitales, Administración de Portafolios y Corporate Governance, cit., p. 258-260.
102
Nos países em desenvolvimento foram instituídos tanto guias como
códigos de melhores práticas. O Código das Melhores Práticas criado pelo
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (2001) e o Código de
Governança Corporativa instituído pelo Comitê de Governança Corporativa do
Conselho de Coordenação de Negócios Mexicano (1999) não obrigam as
sociedades que têm suas ações negociadas no mercado de capitais a atender
às regras de conduta neles previstas. Da mesma forma, o Código da
Confederação das Indústrias indianas (1998) e o Código Tailandês do
Mercado de Capitais (1998), que não condicionam a negociação de ações no
mercado de capitais à adesão às regras estabelecidas nos referidos códigos.
Por sua vez, o Código de Governança Corporativa da Malásia (2000) e o
Código das Melhores Práticas instituído pelo mercado de capitais de Hong
Kong (2004) obrigam as companhias a observar as regras neles
estabelecidas127.
A criação de guias e políticas de governança corporativa valoriza as
ações das empresas que seguem tais condutas. Neste sentido transcrevemos
127 Site da Bolsa Mexicana de Valores. Acesso em 06.01.2007. “Introducción: A iniciativa delConsejo Coordinador Empresarial se constituyó el Comité de Mejores Prácticas Corporativas(Comité) quien emite este Código de Mejores Prácticas (Código) donde se establecenrecomendaciones para un mejor gobierno corporativo de las sociedades mexicanas. Lasrecomendaciones del Código van encaminadas a definir principios que contribuyen a mejorar elfuncionamiento del Consejo de Administración y a la revelación de información a los accionistas.De manera específica, las recomendaciones buscan: (i) que las sociedades amplíen la informaciónrelativa a su estructura administrativa y las funciones de sus órganos sociales; (ii) que lassociedades cuenten con mecanismos que procuren que su información financiera sea suficiente;(iii) que existan procesos que promuevan la participación y comunicación entre los consejeros; y(iv) que existan procesos que fomenten una adecuada revelación a los accionistas.
En la elaboración del Código, el Comité reconoció la realidad y necesidades de las sociedadesmexicanas. Entre ellas, se tomó en cuenta la estructura accionaria de dichas sociedades, así comola importancia que pueden tener los accionistas en la administración de las mismas. Finalmente, esimportante destacar que el Código puede aplicar a todas las sociedades mexicanas, ya sea paraaquéllas cuyas acciones cotizan en bolsa (listadas) o para aquéllas que no, reconociendo queexisten ciertos principios que solamente aplican a las primeras.” Os códigos da Malásia, HongKong, India e Tailândia foram consultados em 06.01.2007, através do site do “European CorporateGovernance Institute” (http://www.ecgi.org/codes/all_codes.php)
103
abaixo uma reportagem do Jornal do Brasil, de 31 de julho de 2000, publicada
no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
Governança Valoriza EmpresasOs investidores estrangeiros estão dispostos a pagar 24,5% a mais
pelas ações e participações em empresas brasileiras caso ascompanhias nacionais tenham uma administração mais eficiente, ou,como preferem os especialistas, um bom projeto de governançacorporativa. Pelo mesmo motivo, os administradores de recursosdomésticos investiriam 22,4% a mais pelos mesmos papéis.
Os números são da Pesquisa de Opinião do Investidor, daconsultoria Mckinsey & Company - realizada em junho de 2000 emparceria com o Banco Mundial e institutos regionais de investidoresinstitucionais - com 200 administradores de recursos na América Latina,Ásia, Estados Unidos e Europa, cuja carteira de ativos somam, emconjunto, US$ 3,25 trilhões. A principal conclusão foi que a administraçãotem peso semelhante ao desempenho financeiro das empresas na horade avaliá-las e os investidores dos continentes pesquisados estãodispostos a pagar um prêmio entre 18,3% e 27,6% pelas ações dasempresas com boas práticas corporativas.
A sondagem mostrou também que o total a ser pago a mais pelosinvestidores é maior quanto menos desenvolvida for a estrutura degovernança corporativa. "Os prêmios são maiores na América Latina e naÁsia porque nessas regiões ainda há espaço para a administraçãomelhorar e agregar valor à empresa. Nos EUA e Inglaterra, onde agovernança corporativa está desenvolvida, o ágio é menor", afirmouJean-Marc Laouchez, consultor da Mckinsey responsável pela pesquisana América Latina. Incipiente no Brasil, o conceito de governançacorporativa tem se resumido aqui ao respeito aos acionistas minoritários.Por esse motivo o prêmio médio a ser pago pelas ações das empresasbrasileiras (22,9%) está entre os dez maiores.
Na frente do Brasil estão Venezuela (27,6%), Colômbia (27,2%),Indonésia (27,1%), Tailândia (25,7%), Malásia (24,9%) e Coréia (24,2%),e logo atrás México (21,5%), Argentina (21,2%) e Chile (20,8%). Mas oconceito de governança é mais amplo. Envolve principalmente aexistência de um conselho de administração independente, transparênciana divulgação dos resultados e planos futuros e eqüidade no tratamentosdos acionistas, com atendimento eficiente a todas as categorias. Apesardisso, o desrespeito aos direitos dos acionistas ainda é o principalproblema da estrutura administrativa das empresas da América Latina, deacordo com os investidores estrangeiros. De nada adianta terinformações sobre a empresa se antes não são criados mecanismos parainfluenciar a administração.
Dentre os mercados emergentes, o Brasil está numa boa posição,mas ainda há muito o que fazer, de acordo com Bengt Hallqvist,executivo que já passou por mais de 50 conselhos de administração emmais de 15 países e hoje é presidente do Conselho de Administração doInstituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). "Aqui o acionistacontrolador ainda é poderoso, o que gera um desequilíbrio de poder. Maseste é um processo histórico. A própria Bovespa estuda exigir das novasempresas que forem abrir capital a formação de um conselho deadministração", disse. Para competir globalmente, segundo a avaliaçãode Jean-Marc Laouchez, as empresas brasileiras devem repensar a
105
O Congresso e o governo dos Estados Unidos, diante dos impactos
provocados no mercado de capitais por conta de tais escândalos, com a
conseqüente saída de investidores da bolsa de Nova York, editaram, em
2002, a Lei Sarbanes-Oxley Act, que assim foi denominada em homenagem
aos membros do Congresso responsáveis pela sua elaboração (Paul
Sarbanes e Michael Oxley). A Sarbanes-Oxley Act é bem abrangente e eleva
o grau de responsabilidade desde o presidente e a diretoria da empresa até
as auditorias e advogados contratados. Introduz regras bastante rígidas de
governança corporativa, com o objetivo de conferir maior transparência e
confiabilidade aos resultados das empresas, instituindo severas punições
contra fraudes empresariais e dando maior independência aos órgãos de
auditoria.
A lei visava fazer que os investidores daquele país readquirissem a
confiança nas informações financeiras prestadas pelos órgãos de
administração das companhias abertas, conferindo-lhes maior segurança para
que continuassem a realizar seus investimentos.
Basicamente a lei visava o maior controle sobre as atividades de
auditoria e a punição das fraudes praticadas por administradores das
Na fraude do balanço contábil, os ativos foram supervalorizados e os passivos, diminuídos. Aempresa, portanto, foi apresentada como tendo muito dinheiro (em caixa, a receber ou empatrimônio etc.) e poucas dívidas e compromissos a cumprir. Para chegar ao ponto de quebrarem,essas empresas passaram pela ambição de diretores, presidentes, que burlaram as regras internaspara tirar proveito próprio, desviar dinheiro para cobrir gastos excessivos. No caso da Enron, foramregistrados dois graves problemas: 1) O da fraude propriamente dita, em que os contadoresmentiram nos balanços; e 2) O fato de a empresa de auditoria independente também ter sido'solidária' com a fraude. Essa empresa, a Arthur Andersen, era a segunda maior do mundo e faliulogo após o escândalo. Para viabilizar a fraude, a Enron contou com outras empresas e bancos,que permitiram manipular repetidamente seu balanço financeiro e esconder débitos. Outro caso deirregularidades em demonstrações financeiras de companhias americanas envolve a Xerox. Aempresa anunciou em junho de 2002 que iria reclassificar suas receitas, referentes a cinco anos. ASEC e a Xerox fecharam um acordo, antes da divulgação da fraude, para resolver os problemascontábeis: a empresa pagou uma multa exorbitante.
106
empresas.
Para atender ao primeiro objetivo, a lei (a) criou a comissão "Public
Company Accounting Oversight Board" ("AOB") com representação do setor
privado, sob supervisão da “Securities and Exchange Commission” (“SEC”),
com poderes para fiscalizar e regulamentar as atividades das auditorias e
punir auditores que violem dispositivos legais; (b) limitou a atuação dos
auditores independentes, não sendo permitindo, por exemplo, que tais
auditores prestassem serviços de consultoria à empresa que está sendo por
eles auditada; (c) proibiu as empresas de auditorias de prestar serviços à
empresas cujo presidente, “controller”, diretor financeiro, ou qualquer membro
da administração tenha sido empregado da empresa de auditoria em prazo
inferior a um ano da contratação.
Para atender ao segundo objetivo que trata da responsabilidade
corporativa, a nova lei (a) exigiu que os principais executivos (diretor
presidente e diretor financeiro) da companhia confiram os relatórios periódicos
entregues a SEC, garantindo assim que esses não contenham informações
falsas ou omissas, representando a real situação financeira da companhia,
sendo que no caso de divulgações errôneas ou inexatas serão impostas
penalidades; (b) proibiu, direta ou indiretamente, inclusive por intermédio de
subsidiárias, a oferta, manutenção, ampliação ou renovação de empréstimos
entre a empresa e quaisquer conselheiros ou diretores; (c) exigiu a devolução
de bônus e/ou lucros em caso de nova publicação de demonstrações
financeiras por descumprimento de exigências relativas ao modo de prestação
das informações; (d) limitou os planos de benefícios dos altos administradores
e membros do conselho de administração; (e) estabeleceu padrões de
conduta maior responsabilidade dos advogados, entre outros.
O diretor presidente e o diretor financeiro da companhia passaram
ainda a apresentar à SEC, juntamente com os relatórios da administração e
107
as demonstrações financeiras periódicas, declarações certificando que tanto
os relatórios quanto as demonstrações financeiras estão em conformidade
com as normas da SEC, atendendo às exigências dos art. 13 (a) e 15 (d) do
Securities Exchange Act de 1934129, e, ainda, que as informações contidas
129 “Section 13 -- Periodical and Other Reports
a. Every issuer of a security registered pursuant to Section 12 of this title shall file with theCommission, in accordance with such rules and regulations as the Commission may prescribe asnecessary or appropriate for the proper protection of investors and to insure fair dealing in thesecurity--
1. Such information and documents (and such copies thereof) as the Commission shall require tokeep reasonably current the information and documents required to be included in or filed with anapplication or registration statement filed pursuant to Section 12, except that the Commission maynot require the filing of any material contract wholly executed before July 1, 1962.
2. Such annual reports (and such copies thereof), certified if required by the rules and regulations ofthe Commission by independent public accountants, and such quarterly reports (and such copiesthereof), as the Commission may prescribe.
Every issuer of a security registered on a national securities exchange shall also file a duplicateoriginal of such information, documents, and reports with the exchange. “
“Section 15D -- Securities Analysts And Research Reports Analyst Protections.
The Commission, or upon the authorization and direction of the Commission, a registered securitiesassociation or national securities exchange, shall have adopted, not later than 1 year after the dateof enactment of this section, rules reasonably designed to address conflicts of interest that canarise when securities analysts recommend equity securities in research reports and publicappearances, in order to improve the objectivity of research and provide investors with more usefuland reliable information, including rules designed--
1.to foster greater public confidence in securities research, and to protect the objectivity andindependence of securities analysts, by--
A. restricting the prepublication clearance or approval of research reports by persons employed bythe broker or dealer who are engaged in investment banking activities, or persons not directlyresponsible for investment research, other than legal or compliance staff;
B. limiting the supervision and compensatory evaluation of securities analysts to officials employedby the broker or dealer who are not engaged in investment banking activities; and
C. requiring that a broker or dealer and persons employed by a broker or dealer who are involvedwith investment banking activities may not, directly or indirectly, retaliate against or threaten toretaliate against any securities analyst employed by that broker or dealer or its affiliates as a resultof an adverse, negative, or otherwise unfavorable research report that may adversely affect thepresent or prospective investment banking relationship of the broker or dealer with the issuer that isthe subject of the research report, except that such rules may not limit the authority of a broker ordealer to discipline a securities analyst for causes other than such research report in accordancewith the policies and procedures of the firm;
108
2. to define periods during which brokers or dealers who have participated, or are to participate, ina public offering of securities as underwriters or dealers should not publish or otherwise distributeresearch reports relating to such securities or to the issuer of such securities;
3. to establish structural and institutional safeguards within registered brokers or dealers to assurethat securities analysts are separated by appropriate informational partitions within the firm from thereview, pressure, or oversight of those whose involvement in investment banking activities mightpotentially bias their judgment or supervision; and
4. to address such other issues as the Commission, or such association or exchange, determinesappropriate.
b. Disclosure.
The Commission, or upon the authorization and direction of the Commission, a registered securitiesassociation or national securities exchange, shall have adopted, not later than 1 year after the dateof enactment of this section, rules reasonably designed to require each securities analyst todisclose in public appearances, and each registered broker or dealer to disclose in each researchreport, as applicable, conflicts of interest that are known or should have been known by thesecurities analyst or the broker or dealer, to exist at the time of the appearance or the date ofdistribution of the report, including--
1. the extent to which the securities analyst has debt or equity investments in the issuer that is thesubject of the appearance or research report;
2. whether any compensation has been received by the registered broker or dealer, or any affiliatethereof, including the securities analyst, from the issuer that is the subject of the appearance orresearch report, subject to such exemptions as the Commission may determine appropriate andnecessary to prevent disclosure by virtue of this paragraph of material non-public informationregarding specific potential future investment banking transactions of such issuer, as is appropriatein the public interest and consistent with the protection of investors;
3. whether an issuer, the securities of which are recommended in the appearance or researchreport, currently is, or during the 1-year period preceding the date of the appearance or date ofdistribution of the report has been, a client of the registered broker or dealer, and if so, stating thetypes of services provided to the issuer;
4. whether the securities analyst received compensation with respect to a research report, basedupon (among any other factors) the investment banking revenues (either generally or specificallyearned from the issuer being analyzed) of the registered broker or dealer; and
5. such other disclosures of conflicts of interest that are material to investors, research analysts, orthe broker or dealer as the Commission, or such association or exchange, determines appropriate.
c. Definitions.
In this section--
1. the term 'securities analyst' means any associated person of a registered broker or dealer thatis principally responsible for, and any associated person who reports directly or indirectly to asecurities analyst in connection with, the preparation of the substance of a research report, whetheror not any such person has the job title of 'securities analyst'; and
109
nos relatórios da administração indicam a real condição financeira e os
resultados operacionais da companhia, sob pena de lhes serem aplicadas
penas de até vinte anos de prisão e/ou multa de US$ 5,000,000.00, o que de
certo modo inibe que executivos chefes e os executivos financeiros de
empresas aleguem ignorância de erros ou fraudes em balancetes.
A lei também prevê outras penalidades para os crimes praticados pelos
administradores das companhias, como alteração e/ou falsificação de
documentos contábeis, ampliando a definição de “destruição de documentos”
e aumentando as penas para crimes financeiros. Enfim, a lei norte-americana
acrescenta um novo dispositivo ao código penal americano, tipificando como
crime esquemas ou artifícios iniciados para fraudar acionistas.
As sociedades também ficaram proibidas de realizar empréstimos pessoais a
membros da diretoria e do conselho de administração, sendo permitida
apenas a tomada de empréstimos em situações específicas, como, por
exemplo, para aquisição ou reforma de casa própria, observadas as
condições praticadas no mercado.
A lei reduz o prazo para a pessoa da companhia que tenha
conhecimento de informações relevantes ainda não disponíveis ao público
(insider) comunicar à SEC qualquer negociação envolvendo valores
mobiliários da companhia. O prazo anterior era até o décimo dia do mês
subseqüente ao da realização do negócio e com a edição da nova lei passou
para dois dias úteis, contados a partir da data da negociação.
A lei norte-americana é também aplicável às empresas estrangeiras que
possuem valores mobiliários registrados na SEC. Algumas provisões da lei
2. the term 'research report' means a written or electronic communication that includes an analysisof equity securities of individual companies or industries, and that provides information reasonablysufficient upon which to base an investment decision.”
110
conflitam com a legislação dos outros países, por esta razão existem
demandas por parte de companhias internacionais requerendo que a SEC as
isente de seguir tais regras.
Um dos itens conflitantes é o que estabelece a criação de um comitê de
auditoria para acompanhar a atuação dos auditores e os números da
companhia. O argumento para esta hipótese é de que no Brasil já existe a
figura do conselho fiscal, que exerce esse papel. O único problema é que o
modelo que existe no Brasil é diferente, já que se reporta à assembléia geral
de acionistas e não existe a necessidade de que os representantes sejam
independentes, enquanto a nova lei norte-americana determina que o comitê
de auditoria deve ser composto por três integrantes, todos independentes.
Outro conflito é que o comitê de auditoria seria responsável pela escolha da
firma de auditoria externa, enquanto pela lei brasileira essa atribuição é do
conselho de administração.
Enquanto a SEC busca reconquistar a confiança dos investidores da
bolsa de valores de Nova York através do reforço normativo dado pelo
Sarbanes-Oxley Act, a CVM tem procurado aumentar o volume de
negociações da Bovespa, atraindo novos investidores seguros de que o
mercado de valores mobiliários brasileiro reflete as mesmas regras de
transparência e de boa prática de governança corporativa internacionais por
parte das empresas registradas no mercado de capital.
Embora o mercado acionário brasileiro esteja num patamar de
desenvolvimento infinitamente inferior se comparado com o americano,
cumpre observar que várias da regras estabelecidas pela nova lei norte-
americana já haviam sido instituídas no Brasil, pela Comissão de Valores
Mobiliário (CVM), há mais de dois anos, e também pela LSA, de 1976,
alterada pela Lei nº 10.303/01.
111
A diretoria de nossas companhias é responsável pela elaboração dos
balanços, os quais devem ser assinados por administradores, nos termos dos
artigos 142, V e 176, respectivamente, da LSA.
Com relação à CVM, desde 1999, através da Instrução Normativa CVM
308 de 14.05.1999, este órgão determinou que as empresas de auditorias não
poderiam prestar serviços de consultoria ou outros serviços que “possam
caracterizar a perda de sua objetividade e independência”. A vigência nesta
parte da Instrução Normativa estava suspensa por liminares obtidas por
empresas de auditorias. Contudo, a CVM obteve algumas vitórias nos
tribunais, e a proibição de empresas de auditorias prestarem outros serviços
conflitantes com os serviços de auditorias prestados às empresas foi
praticamente restabelecida. A conquista vem de encontro com outras medidas
que a CVM vinha tomando para intensificar a transparência e a independência
das auditorias externas, como, por exemplo, a proposta de instrução que
estava sendo discutida pela autarquia e que exigia das empresas de
auditorias a informação em notas explicativas.
Além disso, a CVM vem se preocupando em alinhar os procedimentos
contábeis vigentes no Brasil com as práticas internacionais estabelecidas pelo
International Accounting Standards Board (IASB).
Em termos gerais as principais alterações introduzidas pela nova lei
foram (a) a certificação do CEO e do CFO nos relatórios anuais:
responsabilidade civil e criminal; (b) a proibição de empréstimos a
conselheiros e diretores; (c) a criação de um comitê de auditoria: supervisão
do relacionamento com auditor; (d) a limitação da atuação do auditor; (e) a
maior publicidade das informações e fiscalização pela SEC: (f) mudanças
substanciais nas finanças e operações não-contabilizadas; (g) a criação do
código de ética para diretores financeiros sênior; (h) a revisão periódica e
sistemática do shelf-registration; (i) conselheiros e diretores: devolução de
112
remuneração recebida caso haja violação de dever de conduta; e (j) limitação
aos planos de benefícios para empregados.
As disposições da nova lei norte-americana contra fraude corporativa
afetaram as empresas brasileiras, em decorrência de medidas tomadas por
suas controladoras estrangeiras ou devido à sujeição de companhias
brasileiras de capital aberto com títulos negociáveis na Bolsa de Nova York à
nova lei.
No âmbito da legislação brasileira, as fontes legais são:
a) a Lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, que estabeleceu a eleição
dos membros do Conselho de Administração em separado (art. 141) e a
faculdade aos empregados da sociedade de participar do Conselho de
Administração (artigo 140, parágrafo único); instituiu a resolução de conflitos
por arbitragem (art. 109, parágrafo terceiro); e instituiu o tag along para as
ações com direito a voto de 80% do preço de controle (art. 254-A).
b) Bovespa
A Bovespa instituiu um segmento especial de listagem para as
companhias abertas com valores mobiliários admitidos à negociação em
mercado de bolsa, que se comprometam a adotar práticas diferenciadas de
governança corporativa. Foram instituídos três níveis crescentes de
compromisso: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado, em função da amplitude e
qualidade das informações a serem disponibilizadas ao mercado, da
dispersão acionária existente e de outros direitos adicionais conferidos aos
acionistas minoritários. Abaixo indicamos as principais características de cada
um.
113
b.1) Nível 1: manter em circulação a parcela mínima de vinte e cinco por
cento do capital social; realizar ofertas públicas com a utilização de
mecanismos que favoreçam a dispersão da base acionária; melhoria das
informações prestadas trimestralmente; cumprimento das regras de disclosure
por parte dos controladores e dos administradores; e divulgação de acordos
de acionistas e programas de opção de compra de ações (stock options).
b.2) Nível 2: além das regras do nível 1, o mandato de um ano para todo
o Conselho de Administração; disponibilização de balanço anual segundo
normas de contabilidade praticadas no exterior (USGAAP ou IAS GAAP);
alienação de controle: cem por cento de tag along para as ações ordinárias e
setenta por cento para as ações preferenciais; voto para as ações
preferenciais no caso de transformação, incorporação, cisão, fusão e
contratos com empresas do mesmo grupo; obrigatoriedade da realização de
oferta de compra pelo valor econômico, de todas as ações em circulação, no
caso de fechamento de capital ou cancelamento de registro no nível 2; e
adesão à Câmara de Arbitragem da Bovespa para resolução de conflitos
societários.
b.3) Novo Mercado: além das regras do nível 2; possuir apenas ações
ordinárias; extensão aos acionistas minoritários das mesmas condições
obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag
along); vedação a alienação/transferência dos valores mobiliários da
companhia pelo administrador e controlador, nos seis meses subseqüentes ao
início da negociação. Após esse período eles não poderão vender/transferir
mais do que quarenta e nove por cento das ações e derivativos de que eram
titulares no início da negociação, supramencionada. Não se aplica a
companhias que, antes de entrar no novo mercado, já eram cotadas na
Bovespa.
114
Observa-se que a admissão em qualquer um dos níveis pressupõe a
celebração de contrato escrito com a Bovespa, através do qual a companhia,
o acionista controlador e os administradores (Diretoria, membros do Conselho
de Administração e do Conselho Fiscal) assumem diversas obrigações de
fazer. Na hipótese de inadimplência a Bovespa pode estabelecer multas
pecuniárias e até mesmo descredenciar a companhia, com a conseqüente
obrigação de realizar oferta pública de compra da totalidade das ações em
circulação.
c) CVM
c.1) Cartilha CVM de governança corporativa: facilitação da presença dos
acionistas e participação de todos estes em matérias relevantes nas
assembléias; disponibilização de acordos de acionistas; independência,
qualificação e delimitação de funções da administração; oferta pública de
ações para todas as ações pelo mesmo preço de controle no caso de
alienação de controle; limitação e divulgação de operações com partes
relacionadas; resolução de conflitos por arbitragem; independência do
Conselho Fiscal; a existência de um comitê de auditoria para supervisionar os
relacionamentos com os auditores; limitação a atuação do auditor; e normas
internacionais de contabilidade.
c.2) Instrução CVM 358/2002: ampliação do leque de informações
relevantes; informação sobre a titularidade e a negociação de valores
mobiliários por controladores, administradores e partes relacionadas; vedação
a negociação de valores mobiliários em períodos determinados; divulgação de
aumento relevante de participação (cinco por cento); política de divulgação de
informação relevante: obrigatoriedade; e política de negociação de valores
mobiliários: faculdade.
115
c.3) Instrução CVM 361/2002: obrigatoriedade de laudo de avaliação,
inclusive na alienação de controle; maior responsabilização das entidades
participantes da Oferta Pública de Ações; normas que disciplinam a realização
das Ofertas Públicas de Ações (por cancelamento de registro; aumento de
participação; por alienação de controle; por aquisição de ações de companhia
aberta e para aquisição de controle de companhia aberta.
d) Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
d.1) Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa:
estabelece que (i) a missão do conselho de administração é aumentar o valor
das ações do investidor; (ii) os conselheiros devem ter experiências e
conhecimento diversos; (iii) a maioria dos membros do conselho de
administração devem ser independentes.
III.2.2. A governança corporativa como princípio ap licável a todas as
sociedades
Como vimos, em diversos países os princípios da governança
corporativa são adotados pelas companhias com a finalidade de proteger os
investidores e atrair maiores investimentos. Normalmente são as entidades
regulamentadoras do mercado de capitais que instituem códigos e guias de
práticas de governança corporativa. Como vimos, em alguns países a adoção
de tais práticas é obrigatória para aquelas companhias que pretendem
negociar suas ações no mercado de capitais, e em outros tais práticas, apesar
de não serem mandatórias, são normalmente adotadas, em decorrência da
pressão realizada pelo próprio investidor, que direciona seus investimentos às
companhias que adotam tais práticas.
A adoção de práticas de governança corporativa valoriza potencialmente
as ações emitidas pela companhia aderente. O investidor sente-se certamente
116
mais estimulado a direcionar seus recursos às companhias que proporcionem
maior transparência na condução dos negócios sociais e nas relações
mantidas com acionistas minoritários, ou cujas ações contemplem novos
direitos patrimoniais e sejam mais líquidas.
Em geral, o conceito de “práticas de governança corporativa” é associado
às companhias abertas, tendo em vista que tais sociedades, por envolver o
uso de poupança popular, precisam de normas mais rigorosas envolvendo a
divulgação de informações (transparência), a prestação de contas e a
eqüidade no tratamento dos acionistas. No entanto, a adoção de práticas de
governança corporativa é plenamente possível e recomendável para
quaisquer sociedades anônimas que queiram melhorar o seu desempenho e
incentivar investimentos. Afinal, as melhores práticas de governança
corporativa não interessam apenas aos investidores, mas também aos
consumidores, fornecedores e à economia do país. É muito mais confortável
negociar com companhias cujos administradores exerçam suas funções
observando as diretrizes da governança corporativa, pois isso demonstra boa-
fé, responsabilidade e comprometimento.
É importante frisar que as práticas de governança corporativa
consensuais são adicionais àquelas previstas na legislação societária, sendo,
portanto, complementares e aplicáveis somente às companhias que optarem
por se submeter a essas normas adicionais. As sociedades que optarem pela
submissão às práticas de governança corporativa estarão sujeitas a dois
regulamentos: (a) Lei das Sociedades Anônimas (práticas de governança
corporativa legal) e (b) práticas de governança corporativa consensuais.
Percebe-se que a intenção ao instituir as normas de governança corporativa
consensuais foi, principalmente, a de fortalecer as normas de “disclosure” e os
direitos dos minoritários previstos na legislação societária, visando a um maior
comprometimento do controlador e o administrador com o interesse social, e
não com os interesses particulares.
117
A utilização das normas de governança corporativa minimiza os riscos da
administração na medida em que facilita o trânsito de informações entre o
controlador, a companhia, o administrador, o mercado e os minoritários. Ou
seja, na medida do disclosure e do compromisso de veracidade dessas
informações, com as pessoas que as divulgam ao público. Com maior certeza
quanto à qualidade das informações relacionadas à sociedade, o
administrador estará mais apto a tomar decisões eficazes e avaliar
criticamente propostas feitas pelo controlador.
Além disso, tais práticas permitem que o administrador tenha mais
segurança quanto à sua administração, sabendo se o mercado está
“aprovando-a ou não”. Por outro lado, é importante destacar que as práticas
de governança corporativa determinam normas mais rígidas de “disclosure”
comprometimento dos administradores, e tornam o exercício das funções de
administração um trabalho de ainda maior responsabilidade. Ademais, o
“disclosure” permite maior controle dos acionistas.
Como não poderia deixar de ser, as práticas de governança corporativa
instituíram aos administradores novos deveres, além daqueles previstos na
Lei das Sociedades Anônimas, como novos deveres de informação e
transparência na sua atuação.
O exercício regular das funções de administração, e a observância a
essas novas práticas de governança corporativa, realmente minimizarão o
risco da administração, haja vista que ficará muito mais fácil para o
administrador comprovar que agiu de acordo com a lei e as melhores práticas
de governança corporativa. Como o administrador está obrigado a prestar
diversas informações relativas à companhia, o mercado não poderá,
futuramente, responsabilizá-lo por omissão. No entanto, se revelar
118
informações incorretas, será responsabilizado, independentemente de ter
cumprido parcialmente sua obrigação de informação.
Todavia, o exercício irregular dos deveres de administração, ou, ainda
que regular, em desrespeito às novas práticas de governança corporativa,
implicará a responsabilidade do administrador, por esta razão o administrador
precisa executar suas funções de forma ainda mais diligente e competente,
como veremos mais adiante.
As grandes vantagens que tais normas trazem são auferidas pelos
investidores, consumidores e fornecedores da companhia. Ao se assegurar os
princípios da transparência, da prestação de contas e da eqüidade, observa-
se que: (a) os investidores, consumidores e fornecedores sentem-se mais
seguros para fazer o seu investimento ou estabelecer uma relação
empresarial com a sociedade, tendo em vista que as informações disponíveis
da companhia possuem um alto grau de confiabilidade, e devem refletir de
forma satisfatória a situação econômico-financeira da companhia; (b) o
investidor conhece o risco do seu investimento; e (c) os direitos do acionistas
estão assegurados de forma mais efetiva do que o previsto na legislação.
Preocupadas em adequar-se às boas práticas de governança
corporativa, algumas empresas começaram a profissionalizar a administração
e a eleger executivos considerando suas competências. Em reportagem
veiculada pela Gazeta Mercantil a respeito da profissionalização dos
conselhos de administração constatou-se que algumas empresas já
perceberam uma demanda por conselheiros preparados e com experiência na
função. Ainda segundo a reportagem, mesmo empresas que não possuem
ações em bolsas estrangeiras e não são obrigadas a seguir as práticas de
governança corporativa procuram incorporá-las porque isso lhes garante a
confiança de investidores e instituições financeiras a que recorrem para obter
119
crédito. Assim, a demanda por conselheiros profissionais não está restrita a
companhias de capital aberto130.
Nesse sentido, Arnoldo Wald comenta que o minoritário deixou de ter
uma função passiva, transformando-se em participante ativo das discussões,
monitorando a gestão da empresa e fazendo alianças estratégicas, ou seja,
atuando profissionalmente. As conseqüências dessa intervenção se fizeram
sentir especialmente no fortalecimento do Conselho de Administração,
ampliando-se a sua competência e atuação. Na sua composição, que, no
passado, era mais doméstica, abrangendo pessoas ligadas aos controladores,
passou-se a encontrar conselheiros independentes, representantes dos
minoritários e da própria sociedade131.
Concluímos com isso que as práticas de governança corporativa
constituem verdadeiro incremento na responsabilidade dos administradores e,
portanto, em valor agregado para a sociedade.
130 Gazeta Mercantil . 02.02.2006 – quinta-feira. C-8.131 Wald, Arnoldo (Coord.). O Governo das Empresas. Revista de Direito Bancário, do Mercadode Capitais e da Arbitragem , v. 15. Ano 5. jan.-mar. 2002. Editora Revista dos Tribunais. Pág. 62
120
CAPÍTULO V – DEVERES DOS ADMINISTRADORES
O processo de integração das economias mundiais desencadeou uma
série de mudanças nas sociedades, no mercado de capitais e, por
121
os acionistas, sendo que suas relações são estabelecidas pela legislação,
estatutos e pelos princípios gerais aplicáveis a esta posição fiduciária
(fiduciary position). Dessa qualificação derivam seus deveres (fiduciary
obligations), a saber: (a) o dever de diligência (duty of care); (b) o dever de
lealdade (duty of loyalty); e (c) o dever de informar (duty of disclosure). O não-
cumprimento de tais deveres implica a responsabilidade dos
administradores133.
Orlando Gomes destaca existirem dois critérios básicos para classificar
os deveres dos administradores, a saber:
(a) o analítico, em que estariam enumerados na lei, de maneira
exemplificativa, os deveres e obrigações dos administradores; e o
(b) sintético, segundo o qual o legislador se limitaria a fazer referências
genéricas, as quais pressupõem dois conceitos que não podem ser definidos
na lei, o dever de diligência e de interesse social.
O legislador brasileiro optou pelo critério analítico e previu de forma
detalhada as obrigações e deveres dos administradores nos artigos 153 a 157
133 Leães, L. G. Paes de Barros. Mercado de Capitais & “Insider Trading”. Pág. 186. São Paulo.1978. Referência feita a Henry W. Ballantine, On Corporations, Edição Revista, Chicago, parActions et leur Administration en Droit Comparé, Bruxelas, 1960, 1946, pp. 119 e ss. Definição dosdeveres de diligência e lealdade observada no livro Robert. W. Hamilton e Richard A. 5. ed.,Thomson West. 2006. St. Paul, MN. p. 573, 580 – Duty of Care – Standart test for directors’ duty ofcare is that the duties must be discharged (1) in good faith, (2) with the care an ordinarily prudentperson in a like position would exercise undert similar circumstances, and (3) in a manner tereasonably believes to be in the best interests of the corporation. Duty of Loyalty. Whereas the dutyof care focuses on the responsibility of directors and officers to manage a corporation competently,the duty of loyalty (sometimes called the duty of fairness) focuses on the responsibility of directorsand officers to avoid or at least scrutinize conflicts of interest. Conflicts of interest may take manyforms. (a) In a self-dealing case, a director or officer enters into a transaction with the corporation.For example, a director may sell a piece of property to the corporation. The obvious danger is thatthe director may use his position to cause the corporation to overpay. (b) In a corporate opportunitycase, a director or officer may come across a valuable business opportunity in his capacity as adirector or officer and may seek to exploit the opportunity for his own benefit rather than offering itto the corporation. The harm to the corporation is a loss of profits. (c) In a competition case, adirector or officer engages in a new business venture that seeks to exploit the same market as theold corporation. The harm to the corporation is in the form of reduced profits.
122
da Lei das Sociedades Anônimas, que são os de diligência (artigo 153), o de
cumprimento das finalidades da sociedade (artigo 134), o de lealdade (artigo
155) e o de informar (artigo 157). Segundo Trajano de Miranda Valverde, com
a adoção deste critério, o legislador facilitou a determinação da
responsabilidade do administrador, ampliando as hipóteses de presunções de
culpa134.
Outros deveres encontram-se previstos na lei das Sociedades Anônimas,
tais como:
(c) convocação da assembléia geral ordinária, divulgação e
disponibilização aos acionistas, até um mês antes da assembléia geral
ordinária, dos documentos da administração (art. 123);
(d) comparecimento à assembléia geral ordinária, providenciar as
demonstrações financeiras;
(e) zelar para que as operações entre as sociedades relacionadas
observem as condições comutativas; observar a orientação e instruções
expedidas pelos administradores do grupo, quando ocupar o cargo de
administrador de sociedade filiada;
(f) zelar que não ocorram prejuízos à sociedade filiada por atos
estranhos à convenção instituidora do agrupamento;
(g) manutenção do registro de companhia aberta: instrução 202/93
alterada pelas instruções: 238/95-245/96-274/98-309/99-344/00-351/01-
358/02-373/02135;
134 L. G. Paes de Barros Leães, Mercado de Capitais & “Insider Trading” . São Paulo, 1978. p.187.Referência feita a Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações . v. II, n. 603, p. 280.135 Inquérito Administrativo CVM n. 20/00 – Responsabilidade de administrador pela nãomanutenção do registro de companhia aberta atualizado e pelo não encaminhamento à CVM, nos
123
(h) publicações e remessas de documentos referentes à Assembléia
Geral : art. 124, caput e parágrafo primeiro; instrução 341/01; art. 124,
parágrafo sexto; art. 133 e 135 da LSA136;
(i) aquisição das próprias ações e negociações com opção: artigo 30;
instrução 10/80, alterada pela 268/97; instrução 290/98, alterada pela 291/98;
(j) declaração de conselheiros e diretores eleitos: art. 147 e Instrução
367/02;
(l) publicações e demonstrações financeiras: ar. 176, caput e parágrafo
primeiro; instrução 59/86; instrução 207/94, alterada pela 232/95137.
Conforme observa Fabio Ulhoa Coelho, existem também deveres
implícitos os quais se deduzem das normas gerais e dos princípios que
informam o sistema de direito societário, como: (a) observar os estatutos; (b)
cumprir as deliberações dos órgãos societários hierarquicamente superiores;
(c) controlar a atuação dos demais administradores; (d) não competir com a
sociedade138.
prazos devidos, das informações obrigatórias da companhia – infrações configuradas –Inabilitação. Trata-se de condenação à inabilitação para o exercício do cargo de administrador decompanhia aberta em razão do descumprimento dos artigos 16 e 17 da Instrução CVM n. 202/93,que determina que sejam prestadas pela companhia as informações periódicas e as eventuais.136 Inquérito Administrativo CVM n. 36/98. – Irregularidade na gestão e administração dos negóciosda companhia. Não encaminhamento de informações obrigatórias. Ausência de Escrituraçãocontábil, não convocação de Assembléias Gerais ou realização de Reuniões do Conselho deAdministração. Descumprimento do Dever de Diligência. Trata-se do caso “Gurgel” em que algunsadministradores foram condenados à inabilitação para o exercício do cargo em companhiasabertas pelo descumprimento de diversas obrigações constante da Lei das S.A. e das Instruçõesda CVM, dentre as quais a não convocação de Assembléias Gerais.137 TA/RJ2001/6835 – A obrigação de cumprir determinação de republicação das demonstraçõesfinanceiras da companhia é de responsabilidade da diretoria. Situação em que foi determinado pelaCVM que a empresa refizesse e republicasse as demonstrações financeiras em razão decontabilização indevida. A obrigação foi cumprida parcialmente, o que gerou o Termo deAcusação. O Termo de Acusação foi aprovado pelo Colegiado somente contra os Diretores e nãocontra os Conselheiros, já que o artigo 176 da Lei das Sociedades Anônimas impõe essaobrigação aos Diretores. Com base no artigo 9, inciso IV da Lei 6.385/76 e na Instrução CVM n.6/79, os diretores foram condenados a uma multa de R$ 10.000,00.138 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 5. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002.v 2. p. 241; A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Roberto
124
Segundo José Alexandre Tavares Guerreiro, a imposição dos deveres,
pela lei, apresenta conteúdo meramente finalístico, como se infere do artigo
154, uma vez que a atividade dos administradores só se legitima na medida
em que se dirige à consecução dos fins sociais, no interesse da companhia,
satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.
Diante disso, será ato irregular de gestão todo aquele que resultar da infração
de dever legal ou estatutário do administrador. Neste sentido, conclui o
autor139:
Assim, exempli gratia, se o diretor contrair obrigação lesiva aointeresse social, estará, ipso facto, infringindo o dever estatuído no artigo153, de tal sorte que, comprovada a falta de cuidado e diligência que todohomem ativo e probo costuma empregar na administração de seuspróprios bens, responderá o diretor pela obrigação contraída,configurando-se, na espécie, ato irregular de gestão.
Esse conjunto de deveres inspira-se no direito anglo-americano, que
desenvolveu os standars, padrões de comportamento dos administradores, os
quais funcionam como diretivas gerais ao indicarem o modelo de
comportamento dos administradores aceito como correto ou perfeito em certas
circunstâncias.
Dada a impossibilidade de instituir normas que abranjam todo o campo
de atuação do administrador, os standards são utilizados por diversas
legislações com o objetivo de analisar a conduta dos administradores. Eles
prescrevem algumas regras de comportamento e revelam uma idéia comum
de lealdade e justiça.
Como destaca Modesto Carvalhosa, os standards revestem-se
Quiroga Mosquera (Coord.). Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais.São Paulo: Dialética. 1999. p. 99.139 Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas, Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, cit., p. 73-74.
125
de caráter enunciativo quanto às possíveis formas de inobservância deobrigações de natureza legal por parte dos administradores. Taisstandards remetem a doutrina e a jurisprudência à configuração daspráticas que se inserem nos conceitos legais enunciativos dos abusos,por omissão ou ação, praticados pelos administradores na condução dosnegócios sociais.
Os standards são, portanto, parâmetros de comportamento em que as
atitudes dos administradores serão valoradas de acordo com os padrões de
diligência, lealdade, probidade e honestidade. Diante de uma situação
concreta, o intérprete poderá verificar com base nos standards se a conduta
do administrador corresponde ou não ao padrão desejado.
Em termos gerais, os administradores têm vários deveres, sendo que o
primeiro de todos é o de bem administrar a sociedade; para isso deve agir
com competência, eficiência e honestidade. O administrador serve aos
interesses da empresa, os quais representam o conjunto de interesses dos
acionistas, empregados e da comunidade, tudo isso condicionado pela
indicação legal genérica (artigo 154 da Lei das Sociedades Anônimas) de que
devem ser satisfeitas “as exigências do bem comum e da função social da
empresa”140. André Tunc, ao comentar a respeito das sociedades anônimas
americanas, assim dispôs:
Lês dirigeants sont dês personnes à qui lês actionnaires ont confiel`avenir de la société. Ils doivent se montrer dignes de cette confiance. Ilshéritent dês devoirs fiduciaires (fiduciary duties) qui pèsent normalementsur dês trustee, ceux qui, dans lê cadre traditionnel du trust, se voientconfier dês biens dans l`intérêt d`autrui. Certes, ils ne sont pásexactement dês trustees: ils ont pour mission essentielle, non pás degerir, mais de faire fructifier. Mais leurs devoirs en sont plutôt augmentés.
Si l`on met à part le devoir qui leur incombe de respecter les limitesde la personnalité morale de la société si que les limites de leurspouvoirs, devoir qui ne pose pas normalement de problème, leur devoiren tant que fiduciaries prend deux aspects fondamentaux: le devoir dediligence (duty of care) et le devoir de loyauté (duty of loyalty). C`est ledernier devoir qui est le plus important. Les directeurs, dans leursdécisions, ne doivent considérer que les intérêts qui leur sont confiés, nonles leurs! Ils doivent même éviter lê plus possible lês situateions de
140 José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário. 2 ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas BastosS.A., 1995. p. 351.
126
conflits d`interest, car on pourrait les soupçonner de ne pas se donnerentièrement aux interest sociaux141.
Lembramos que as normas, ao estabelecerem os deveres, obrigações e
responsabilidades, visam garantir maior segurança aos acionistas minoritários
das companhias, além de proporcionarem aos investidores, consumidores,
fornecedores e aos demais terceiros maior conforto e segurança no
estabelecimento de relações empresariais. A exigência de maior segurança e
conforto nas relações empresárias tornou-se mais presente com a
internacionalização das economias, especialmente em razão da maior
competitividade entre as empresas resultante deste processo de
internacionalização. Aqueles países que apresentavam em seus
ordenamentos jurídicos claramente os deveres, obrigações e
responsabilidades dos administradores atraíram investimentos estrangeiros e,
conseqüentemente, as empresas que tinham uma administração profissional e
políticas internas de relativas às responsabilidades, deveres e obrigações da
administração.
Veremos a seguir quais os deveres dos administradores para, então,
tratarmos mais à frente a respeito das suas responsabilidades. É importante
observar que, nos termos do artigo 145 da Lei das Sociedades Anônimas, as
normas relativas a requisitos, impedimentos, investidura, remuneração,
deveres e responsabilidades dos administradores aplicam-se a conselheiros
(membros do conselho de administração) e diretores.
V.1.1. Dever de diligência
O dever de diligência está previsto no artigo 153 da Lei das Sociedades
Anônimas, conforme abaixo:
141 Op. cit., p. 350; André Tunc, Le Droit Américain Dês Sociétés Anonymes. Paris: EditoraEconômica, 1985. (Collection Études Juridiques Comparatives).
127
O administrador da companhia deve empregar, no exercício desuas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probocostuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
O dever de diligência se expressa normativamente pelo standard do bom
pai de família vinculado à concepção de que o administrador se encontra em
posição similar à do mandatário, concepção esta já superada em decorrência
da recepção da teoria organicista que abandonou o parâmetro do mandatário
(bonus pater familias), substituindo-o pelo parâmetro ligado ao exercício de
atividade – capacidade profissional (peritia artis).
Referida regra é inócua em termos de eficiência, haja vista que, se o
administrador cuidar mal dos seus negócios, não se quer que da mesma
forma aja com a companhia142. Jean-Pierre Berdah, referenciado por Fran
Martins, assinala ser lastimável que tenha sido negligenciada (no critério de
que o administrador deve agir como bom pai de família) esta exigência de
tecnicidade, senão de competência profissional, na elaboração de um sistema
coerente de responsabilidade143. A simples honestidade, boa vontade ou
diligência de um homem ativo e probo não são bastantes para fazer que ele
exerça funções de administrador da sociedade; necessário é que haja
conhecimentos técnicos e que o administrador atue profissionalmente.
Fabio Ulhoa Coelho assim define o administrador diligente:
O administrador diligente é aquele que emprega na condução dosnegócios sociais as cautelas, métodos, recomendações, postulados ediretivas da “ciência” da administração de empresas. O dever dediligência, portanto, corresponde a obrigações de meio e não deresultado. O administrador, em outros termos, tem o dever de empregarcertas técnicas – aceitas como adequadas pela “ciência da administração– na condução dos negócios sociais, tendo em vista a realização dos finsda empresa144.
142 Bulgarelli, Waldirio. Manual das Sociedades Anônimas, cit., p. 160.143 Fran Martins, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas . Rio de Janeiro: Forense, 1984.v. II, p. 362.144 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 8. ed., cit., p. 244. Fabio Ulhoa Coelho, AResponsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Aspectos Atuais doDireito do Mercado Financeiro e de Capitais. Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 95.
128
Observa-se com isso que é necessário que se acrescente ao atributo de
diligência a competência profissional específica derivada de escolaridade ou
experiência. O artigo 152 da Lei das Sociedades Anônimas expressamente
estabelece esses requisitos dos administradores ao tratar da competência,
reputação profissional e tempo de dedicação às suas funções145.
Neste sentido, Fran Martins cita a obra de Jean Pierre Berdah, em que o
autor mostra que, com a profissionalização dos administradores das
sociedades anônimas, os simples cuidados de um homem ativo e probo são
insuficientes para categorizar tais pessoas como gestores da sociedade146.
Devido à dificuldade de definir esse dever de diligência, ensina Fran
Martins que várias legislações, antigas ou modernas, recorreram à figura do
comerciante para servir de padrão de comparação com o administrador. A lei
Alemã de 1965 estatui, no art. 93, que “os membros da direção devem dar à
sua gestão os cuidados de um administrador competente e consciencioso”. A
lei argentina (Lei n. 19.550/72 – art. 59) dispõe que “os administradores e os
representantes da sociedade devem agir com a lealdade e diligência de um
bom homem de negócios”147.
A legislação norte-americana determina que o administrador deve
assumir seus deveres com boa-fé, com a cautela que uma pessoa
razoavelmente prudente em posição semelhante teria em circunstâncias
parecidas e de tal forma que esteja sempre convencido de estar agindo no
melhor interesse da companhia148.
145 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas . 2. ed., São Paulo:Saraiva, 1998. p. 228.146 Fran Martins, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 1978.p. 362.147 Op. cit., p. 360.148 “A director owes a duty to the corporation to exercise proper care in managing the corporation`saffairs. The formal test that is usually quoted is set forth in section 8.30 of the Model BusinessCorporation Act (1984): duties must be discharged “(1) in good faith; (2) with the care an ordinarily
129
Assim a lei espanhola de 1989 (Lei n. 1.564, artigo 127) declara que “los
administradores desempeñarán su cargo con la diligencia de un ordenado
empresario y de un representante leal.”
No mesmo sentido, a legislação equatoriana (Lei das Companhias
Registro Oficial N° 312 / 5 de novembro de 1999, no seu artigo 262) assim
dispõe: “El administrador desempeñará su gestión con la diligencia que exige
una administración mercantil ordinaria y prudente.” Da mesma forma, a lei
portuguesa prevê que “Os gerentes, administradores ou directores de uma
sociedade devem actuar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado,
no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos
trabalhadores” (artigo 64 do Decreto-Lei n. 262/86).
O Código Civil brasileiro também se refere a este padrão de
comportamento quando determina que o mandatário deve demonstrar “a
mesma diligência que qualquer comerciante ativo e probo costuma empregar
na gerência de seus próprios negócios” (artigo 1.011).
V.1.2. Conflito de interesses
A lei disciplinou o conflito de interesses, preceituando que:
Art. 156. É vedado ao administrador intervir em qualquer operaçãosocial em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem comona deliberação que a respeito tomarem os demais administradores,cumprindo-lhe cientificá-los do seu impedimento e fazer consignar, emata de reunião do conselho de administração ou da diretoria, a natureza eextensão do seu interesse.
§ 1º Ainda que observado o disposto neste artigo, o administradorsomente pode contratar com a companhia em condições razoáveis oueqüitativas, idênticas às que prevalecem no mercado ou em que acompanhia contrataria com terceiros.
prudent person in a like position would exercise under similar circumstances; and (3) in a mannerhe reasonably believes to be in the best interest of the corporation”. Hamilton, Robert W. The Lawof Corporations. St. Paul, Minn. West Publishing Co. Fourth Edition. 1996.
130
§ 2º O negócio contratado com infração do disposto no § 1º éanulável, e o administrador interessado será obrigado a transferir para acompanhia as vantagens que dele tiver auferido.
Em termos gerais, os administradores, no exercício de suas atribuições,
devem evitar a prática de atos que tenham interesses diversos ao da
sociedade. Devem sempre agir no interesse social, segundo a regra básica
prevista no artigo 154 que será tratado no próximo item deste estudo. Os
interesses da sociedade, portanto, devem estar acima dos interesses
particulares dos administradores.
É importante esclarecer que o dispositivo legal não proíbe o
administrador de manter qualquer negócio com a sociedade, mas estipula que
o administrador não deve intervir em qualquer operação social em que tiver
interesse conflitante com o interesse da companhia. Não poderá, assim,
opinar sobre a realização do negócio, ou apresentar qualquer sugestão que
objetive a realização da operação. Nesse sentido, a lei é expressa ao declarar
que a deliberação a respeito é tomada pelos demais administradores, não
participando o interessado em referida deliberação. Além disso, o
administrador interessado deve cientificar os administradores restantes do seu
impedimento para opinar na deliberação a respeito, em virtude justamente de
participar do negócio e o seu interesse pessoal conflitar com o da sociedade.
A lei também dispõe que o “negócio contratado com infração do disposto
no § 1º é anulável...”; assim sendo, fica a legitimidade do negócio a depender
de ato posterior, podendo ser validada a operação, quando produzirá todos os
efeitos. Se, entretanto, o negócio for anulado, o administrador interessado,
como reparação aos danos sofridos pela sociedade, fica obrigado a transferir
a esta as vantagens que houver auferido no negócio.
Trajano de Miranda Valverde, referindo-se ao entendimento de Carvalho
de Mendonça, expõe que a existência ou não de interesses contrários ou
opostos é uma questão de fato a ser julgada em cada caso. Os interesses
131
contrários podem manifestar-se de forma direta ou indireta. No primeiro caso,
o administrador se apresenta, pessoalmente, como parte interessada na
operação, é aquele que contrata com a sociedade, ou diretamente colhe os
frutos da operação, e, no segundo caso, a operação é feita com terceiro, por
exemplo, uma sociedade da qual o administrador é sócio. Conflito de
interesses não haverá no caso em que o diretor, quer pessoalmente, quer
como representante ou sócio de outra sociedade, adquire, pelos preços de
tarifa ou fixos, segundo as condições comuns de pagamento, os produtos da
sociedade anônima que administra.
Como vimos, a operação efetuada com violação do preceito obriga o
administrador a reparar os prejuízos que dela derivarem para a sociedade.
Ainda que a responsabilidade civil do diretor seja neste caso independente de
vício ou defeito, que porventura tenha contaminado o ato, pode a sociedade,
se algum vício ou defeito for verificado, pleitear a anulação da operação e a
reparação civil a que tiver direito contra o administrador.
V.1.3. Desvio de finalidade e dever de lealdade
Destacou a lei (art. 154 da Lei das Sociedades Anônimas) que o
administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem
visando lograr os fins e interesses da companhia, o bem público e a função
social da empresa, e proibiu determinadas práticas, que o legislador considera
como desvio de poder, a saber:
(a) praticar ato de liberalidade à custa da companhia;
(b) sem autorização prévia da assembléia geral ou do conselho de
administração, tomar por empréstimo recursos ou bens da companhia, ou
usar, em proveito próprio, de sociedade em que tenha interesse, ou de
terceiros, os seus bens, serviços ou crédito;
132
(c) receber de terceiros, sem autorização estatutária ou da assembléia
geral, qualquer modalidade de vantagem pessoal, direta ou indireta, em razão
do exercício de seu cargo.
Quando a lei determina que a finalidade da atuação da administração
deve ser o interesse da companhia, o bem público e a função social da
empresa, ela procura equilibrar os interesses privados da companhia e os da
coletividade.
Entre as práticas proibidas, relacionadas no dispositivo legal acima
mencionado, estão os ”atos de liberalidade”, que podem ser assim definidos
segundo Trajano de Miranda Valverde:
São os que diminuem, de qualquer sorte, o patrimônio social, semque tragam para a sociedade nenhum benefício ou vantagem de ordemeconômica. A sociedade anônima é uma instituição destinada a auferirlucros. Os atos dos diretores, portanto, devem cingir-se aos que, noslimites da exploração do objeto social, visam à consecução daquelafinalidade. Eles administram um patrimônio alheio, e, portanto, nãopodem, em princípio, dar o que não lhes pertence149.
A proibição de atos de liberalidade à custa da companhia confirma o
papel institucional da companhia ao permitir que o Conselho de Administração
ou a Diretoria autorizem a prática de atos em benefício de empregados ou da
comunidade150.
Como definir o interesse da companhia, o bem público e a função social
da empresa? O interesse da companhia é proporcionar lucros aos seus
acionistas. O bem público é o conjunto de valores do grupo social que podem
ser afetados pela atividade empresarial. A função social da empresa seria: (a)
melhorar as condições de trabalhos dos empregados; (b) voltar-se aos
149 Trajano de Miranda Valverde, Sociedades por Ações, cit. Definição apresentada na suaanálise ao artigo 119 do Decreto-Lei n. 2.627/40 que já proibia a prática de atos de liberalidade àcusta da sociedade.150 Waldirio Bulgarelli, Manual das Sociedades Anônimas, cit., p. 181; Modesto Carvalhosa,Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 2.ed., cit., p. 234.
133
interesses dos consumidores, dos concorrentes e aos interesses de
preservação ecológica, urbana e ambiental da comunidade.
Diante disso, concluímos que, se o administrador não incorrer nas
condutas proibidas, estará exercendo adequadamente suas atribuições, sem
desvio de finalidade.
Referido princípio foi incorporado ao nosso ordenamento jurídico com o
advento da Lei n. 6.404/76 e baseia-se no standard of loyalty previsto no
sistema jurídico norte-americano.
O dever de lealdade encontra-se destacado no artigo 155 da Lei das
Sociedades Anônimas e compreende basicamente a reserva que deve ser
mantida sobre os negócios sociais, a não utilização em seu benefício, ou de
terceiros, das oportunidades de negócio a que teve acesso em função do
cargo que ocupa, não deixar de aproveitar oportunidade negocial, em nome
da companhia, com o objetivo de obter vantagem para si ou para outrem,
proteger os direitos da sociedade. A vedação às práticas do insider trading
também foi acolhida no artigo 155 buscando coibi-las sob a rubrica do dever
de lealdade.
O insider trading é o aproveitamento de informações confidenciais ou
reservadas sobre o estado e os negócios da companhia que têm os
administradores e os principais acionistas, para negociar, em posição
privilegiada, valores mobiliários de emissão da sociedade, em relação aos
acionistas e investidores que não tiveram acesso a essas mesmas
informações. Esta matéria foi tratada pelo direito norte-americano em 1934, e
a partir dos anos 1960 alguns países europeus começaram a adotar medidas
legislativas de repressão ao uso de informações confidenciais151.
151 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, cit., p. 249-250. v. 3.Encontramos outras definições comentadas por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, no livroThe Economic Structure of Corporate Law. Harvard University Press. Cambridge, Massachusetts.
134
V.1.4. Dever de informar
A Lei das Sociedades Anônimas dispõe, no seu artigo 157, que:
o administrador de companhia aberta deve declarar, ao firmar o termo deposse, o número de ações, bônus de subscrição, opções de compra deações e debêntures conversíveis em ações, de emissão de companhia ede sociedades controladas ou do mesmo grupo, de que seja titular(caput).
Assim como
é obrigado a revelar à assembléia geral ordinária, a pedido de acionistasque representam 5% ou mais do capital social, o número dos valoresmobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, oudo mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado, diretamente ou atravésde outras pessoas, no exercício anterior, as opções de compra de açõesque tiver contratado ou exercido no exercício anterior; os benefícios ouvantagens, indiretas ou complementares, que tenha recebido ou estejarecebendo da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou domesmo grupo; as condições dos contratos de trabalho que tenham sidofirmados pela companhia com os diretores e empregados de alto nível;quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia(parágrafo 1, “a” e “b”).
Ademais, dispõe o referido art. 157, no seu parágrafo 4, que
os administradores da companhia aberta são obrigados a comunicarimediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquerdeliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da
1. ed., 1996, p. 253-254, conforme a seguir transcrevemos: “One definition is trading by parties whoare better informed than their opposite numbers. No market could exist with such a broad definitionof prohibited trading. If each trader has the same information as every other, there is little incentiveto trade. More important, the incentive to acquire information in the first place goes down if theopportunity to profit by virtue of superior information is eliminated. And if there is no incentive toacquire information, markets lose their function of providing price signals to diverse participants inthe economy. An alternative definition is trading by those with unequal access to information.Managers are said to have “unequal access” and so are forbidden to trade when the news is“material”. The difficulty with this definition is timing. Unequal when-before the information comesinto being or after. An analyst has valuable information. Does everyone have “equal access”because anyone could have hired the analyst or become one himself. The same can be said in thecase of corporate manages. Corporate managers have access to information, which is valuable inthe market. If one who is an “outsider” today could have become a manager by devoting the sametime and skill as today’s “insider” did, is access to information equal or unequal. There is noprincipled answer to such questions.”
135
companhia, ou fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possainfluir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado devender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia.
Os administradores só poderão recusar-se ou deixar de divulgar a
informação,
se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo dacompanhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dosadministradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidirsobre a prestação de informação e responsabilizar os administradores, sefor o caso” (parágrafo 5)152.
Conforme comenta L.G. Paes de Barros Leães,
O dever de informar promana da necessidade de impedir que oinsider se aproveite da posição que ocupa para tirar vantagens indevidasem detrimento dos acionistas minoritários desinformados. É uma tentativade prover o acionista com um certo grau de igualdade em termos depoder de barganha, de modo a lhe fornecer condições para o exercício deum julgamento criterioso, em toda transação153.
Conforme observa José Edwaldo Tavares Borba,
o dever de informar não conflita com o dever de sigilo, porquanto comeste evita-se o vazamento da notícia para pessoas específicas, e comaquele estimula-se a sua difusão para todos154.
Antes da divulgação, por exemplo, de fato relevante, o administrador
deve guardar absoluto sigilo a respeito das operações capazes de influir no
comportamento dos investidores, sendo-lhe vedada a utilização de tais
informações. O administrador que não observa estes deveres incorre em
insider trading155.
A Instrução CVM 358/2002 reforça a tentativa de impedir que acionistas
controladores e administradores se utilizem de informações privilegiadas para
152 Informações sobre posição acionária (art. 116-A, 157, caput e par. 6, e 165-A da Lei das S.A.) //Inst 358/ alterada pela 369/02153 Mercado de Capitais & “Insider Trading”, cit.154 José Edwaldo Tavares Borba, Direito Societário, cit., p. 352.155 Fabio Ulhoa Coelho, A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras.In: Roberto Quiroga Mosquera (Coord.)..Aspectos Atuais do Direito... cit., p. 99.
136
comprar ou vender ações. Como princípio fundamental da boa governança
corporativa, os administradores da companhia devem informar a CVM, a
companhia e a Bolsa de Valores ou mercado de balcão organizado, conforme
o caso, os valores mobiliários de que sejam titulares bem como quaisquer
alterações em suas respectivas posições156.
Vedações à negociação de valores mobiliários também foram abordadas
pela Instrução 358. Acionistas controladores, administradores, bem como a
própria companhia, estão impedidos de transacionar seus valores mobiliários
emitidos pela companhia, antes da divulgação de ato ou fato relevante a ela
relacionados, regra esta também aplicável aos administradores que se
afastarem da companhia, pelo período de seis meses contados do seu
156 Frisa-se que a “Divulgação de Fato Relevante” já era prevista pela Instrução CVM n. 31/84, aqual inclusive arrolava, exemplificativamente, algumas modalidades de fato relevante. Inst. 31/84.“Art. 1º - Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer deliberação daassembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato oufato ocorrido nos seus negócios que possa influir de modo ponderável:I.na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta; ouII.na decisão dos investidores em negociar com aqueles valores mobiliários; ouIII.na determinação de os investidores exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de titularde valores mobiliários emitidos pela companhia.Parágrafo único. São modalidades de ato ou fato relevante:a. mudanças no controle da companhia;b. fechamento de capital da companhia;c. incorporação, fusão, cisão, transformação ou dissolução da companhia;d. mudanças significativas na composição do ativo da companhia;e. reavaliação dos ativos da companhia;f. alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;g. desdobramento de ações ou atribuição de bonificação;h. aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, oualienação dessas ações;i. lucro ou prejuízo apurado nas demonstrações financeiras da companhia e a atribuição dedividendos;j. atraso no pagamento de dividendos ou perspectiva de alteração na distribuição de dividendos;k. celebração ou extinção de um contrato significativo para a companhia, ou o insucesso na suarealização, cuja expectativa de concretização era de conhecimento público;l. requerimento de concordata, de falência, ou a propositura de ação contra a companhia que, sevier a ser julgado procedente, possa afetar a sua situação econômico-financeira;m. produção, em escala industrial, comercialização ou desativação de um produto que possarepercutir de modo expressivo no desempenho da sociedade;n. qualquer descoberta, mudança ou desenvolvimento na tecnologia ou nos recursos da companhiaque possa vir a alterar significativamente os seus resultados;o. qualquer outro ato ou fato relevante de caráter político-administrativo, técnico, negocial oueconômico-financeiro, que possa produzir qualquer dos efeitos previstos no artigo 1º.”
137
afastamento. A vedação à negociação também se aplica ao período de quinze
dias anteriores à divulgação das informações trimestrais (ITR) e anuais (IAN)
e demonstrações financeiras padronizadas (DFP), relativas à companhia
aberta. Tais vedações à negociação tornam mais criteriosa a efetiva
participação de profissionais do mercado nos conselhos de administração e
conselho fiscal das companhias abertas, pois tais profissionais, ao ocuparem
tais órgãos, ficam sujeitos à divulgação de suas participações à CVM, bem
como às regras de vedação à negociação de suas ações.
Alguns investidores institucionais temem pela aplicação dessas regras
aos acionistas não controladores que vierem a eleger um membro do
conselho de administração, sob a alegação de que tais acionistas de fato
possam ter acesso a informações privilegiadas, através do membro do
conselho de administração por eles eleito.
O administrador da companhia deve em qualquer circunstância agir no
interesse da empresa, exercendo seu dever de lealdade, previsto no artigo
155 da Lei das Sociedades Anônimas, mantendo reserva sobre os seus
negócios, estando proibido de utilizar em benefício próprio ou de terceiro
qualquer informação privilegiada, com ou sem prejuízo da companhia. Assim,
o direito de eleger um membro do conselho de administração não confere
automaticamente ao acionista minoritário o acesso às informações
privilegiadas de que tem conhecimento o conselheiro eleito, em decorrência
de suas atribuições. O dever de lealdade deve ser exercido pelo administrador
em defesa dos interesses da companhia e não do acionista ou grupo de
acionistas que o elegeu. Portanto, poderá o acionista minoritário, mesmo
tendo eleito um membro do conselho de administração, negociar livremente
suas ações, desde que não tenha conhecimento de informação privilegiada
relativa a ato ou fato relevante, ainda não divulgadas ao mercado. O conselho
de administração, bem como seus membros no exercício de suas funções,
138
devem agir de acordo com os interesses da companhia e não conforme os
interesses próprios dos acionistas.
Grande inovação trazida pela Instrução 358 é o ônus que recai sobre a
companhia, no sentido de estabelecer uma política de divulgação de ato ou
fato relevante, contemplando procedimentos relativos à manutenção de sigilo
de informações privilegiadas. A política de divulgação deve ser
cuidadosamente descrita em documento a ser aprovado pelo conselho de
administração da companhia. É necessária a adesão formal dos acionistas
controladores, administradores, sendo que o respectivo documento deve
permanecer arquivado na sede da companhia. A Instrução 358 representou
um importante avanço rumo ao fortalecimento do mercado de capitais. Com
ela a divulgação de ato ou fato relevante passou a ser também
responsabilidade dos acionistas controladores e de qualquer administrador da
companhia. Muito embora a Instrução 358 ainda atribua ao diretor de relações
com Investidores a competência pela comunicação à CVM e divulgação de
ato ou fato relevante, aos acionistas controladores e demais administradores
da companhia também compete comunicar qualquer ato ou fato relevante de
que tenham conhecimento. No caso de omissão do diretor de relações com
investidores em relação ao cumprimento de seu dever de comunicação e
divulgação, deverão os acionistas controladores e administradores da
companhia comunicar à CVM tal ato ou fato relevante, sob pena de igual
responsabilidade pela não divulgação.
Os órgãos da administração devem ainda informar à assembléia geral as
disposições sobre a política de reinvestimento de lucros e distribuição de
dividendos constantes de acordos de acionistas arquivados na companhia
(artigo 118, parágrafo 5 da Lei das Sociedades Anônimas).
Como exemplo da aplicação das normas relativas ao dever de informar
pelas autoridades governamentais podemos citar o caso da condenação do
139
diretor de relações com os investidores no “Mappin”. Em processo
administrativo ele foi condenado, por não publicar fato considerado relevante
(art. 157, parágrafo 4 da Lei das Sociedades Anônimas; artigo 14 da Instrução
CVM n. 297/98; e itens I e II do artigo 16 da Instrução CVM n. 202/93), à pena
de inabilitação pelo prazo de 5 anos para o exercício do cargo de diretor de
relações com o mercado. Os demais diretores foram condenados pela não
publicação das demonstrações financeiras (art. 176 da LSA) e por não
empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência de um homem
probo (artigo 153 da Lei das Sociedades Anônimas)157.
157 Inquérito Administrativo CVM n. RJ2000/6498. É imputada a todos os diretores aresponsabilidade pela não elaboração das demonstrações financeiras. A obrigação de atualizar oregistro da companhia junto à CVM, prestar as informações necessárias à negociação das açõesem bolsa de valores e publicar fato relevante cabe ao diretor de relações com investidores.Inquérito Administrativo CVM n. RJ2001/8388 – Ausência de comunicação à CVM acerca doaumento de participação acionária de membro de conselho fiscal. Infração Grave. Pena de Multa.Trata-se de condenação à multa de R$ 10.000,00 de conselheiro fiscal por não haver comunicadoà CVM o aumento de mais de 5% da sua participação acionária na companhia, o que constituiinfração ao artigo 7 da Instrução CVM n. 299/99, configurando, nos termos do artigo 16 da mesmaInstrução, infração grave, para os fins do disposto no parágrafo 3 do artigo 11 da Lei 6.404/76.Multa de R$ 10.000,00.
140
CAPÍTULO VI – RESPONSABILIDADE CIVIL DOS
ADMINISTRADORES
VI.I. Responsabilidade Civil – Evolução, Conceito e Elementos
Conforme já vimos, a sociedade anônima se tornou o grande instrumento
de organização e ativação da estrutura econômica do país, passando a ser
fundamental no processo de desenvolvimento. E por esta razão a integração
das economias resultou em transformações nas sociedades e no mercado de
capitais. Uma das mais importantes mudanças nas sociedades em virtude do
desenvolvimento do mercado de capitais foi a criação de formas de proteção
aos investidores. Considerando que quem detém o poder de comandar as
sociedades são os administradores, foram eles o foco da referida mudança.
Ao mesmo tempo que era concedido poder aos administradores, também era
demandada pelos investidores a atribuição de responsabilidades. Para
Fernando Rudge Leite Filho, o agravamento da responsabilidade dos
administradores resultou da tendência do alargamento do conceito de culpa,
diretamente relacionado com a globalização158.
Nas companhias coloniais a responsabilidade dos administradores não
estava bem definida, gozando estes de amplos poderes e privilégios pessoais,
o que se explica pela sua origem estatal, na época, o poder real. Desse modo,
a responsabilidade não era propriamente voltada aos acionistas, mas
essencialmente ao soberano; portanto, as relações jurídicas tinham conotação
própria do direito público159.
158 Fernando Rudge Leite Filho, na Revista de Direito Mercantil n. 11, p. 34-47. Os DireitosFrancês, Italiano, Alemão, Espanhol, Mexicano e Suíço, entre outros, contemplam arcabouçojurídico muito semelhante.159 Waldirio Bulgarelli, Responsabilidade dos Administradores, cit.
141
Com a cisão entre a propriedade e a gestão, que resultou na redefinição
dos órgãos de comando no interior da sociedade, a saber: (a) a assembléia
geral (dos acionistas) foi excluída da administração, sendo esta atribuída ao
conselho de administração e à diretoria ou somente à diretoria; e (b) a
representação da sociedade passou a ser atribuída exclusivamente à
diretoria.
Durante muito tempo, verificava-se na relação entre o administrador e a
sociedade um vínculo de natureza contratual (figura do mandato), resultando
a noção de que as infrações aos deveres de gestão pelos administradores
suscitariam a sua responsabilização com base nas regras de direito comum,
relativas ao inadimplemento das convenções. Com o advento da teoria
organicista (em 1937, na Alemanha), a responsabilidade dos administradores
das sociedades foi transportada para a esfera dos ilícitos civis.
Para melhor compreensão do alcance da responsabilidade dos
administradores, é importante lembrar que há duas esferas distintas de
relações jurídicas relacionadas à administração160:
(a) as relações internas, entre os administradores e a sociedade. Os
órgãos da administração são aparelhos da sociedade, à semelhança dos
órgãos públicos. Seus titulares, os administradores, têm relação jurídica com a
sociedade, no que se refere à eleição, investidura, destituição, funções
estatutárias etc. São portanto os titulares dos órgãos da administração
responsáveis perante a companhia, tendo deveres e encargos pessoais, tanto
de caráter funcional como patrimonial, na condução dos negócios sob sua
responsabilidade. Os órgãos da administração têm atribuições legais e seus
titulares deveres e responsabilidades ao exercer suas funções no quadro das
atribuições daqueles.
160 José Alexandre Tavares Guerreiro, Responsabilidade dos Administradores de SociedadesAnônimas, cit., p. 73; Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas , cit., p.305-306.
142
(b) as relações externas, entre a sociedade e terceiros, nas quais o
diretor assume o papel de órgão social, com a prerrogativa de representação
legal da pessoa jurídica, e com a atribuição dos poderes necessários ao seu
funcionamento. Têm, portanto, os administradores responsabilidade de
caráter orgânico, no exercício da competência legal de manifestar, perante
terceiros, a vontade da companhia. Na realidade não existe representação,
mas corporificação da companhia, pelos administradores, nas obrigações
contraídas pela sociedade.
A Lei das Sociedades Anônimas declara não ser o administrador
responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade. O
administrador, atuando como órgão da sociedade, realiza a vontade do ente
coletivo. No relacionamento com terceiros, é a própria sociedade anônima que
se obriga, inexistindo razão para justificar o comprometimento pessoal do
administrador e de seu patrimônio particular em virtude de atos praticados
como “representante” da companhia, ressalvadas as exceções previstas em
lei. Assim dispõe o artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas161:
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelasobrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de atoregular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos quecausar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;II - com violação da lei ou do estatuto.
161 A lei anterior (Decreto-Lei n.2.627/40) já trazia a expressão “prática de ato regular de gestão”,assim entendido ato praticado sem violação de lei ou do estatuto social. Além disso, já distinguia aresponsabilidade subjetiva da objetiva.“Artigo 121. Os diretores não são pessoalmente responsáveis pelas obrigações que contraírem emnome da sociedade em virtude de ato regular de gestão.Parágrafo 1. Respondem, porém, civilmente, pelos prejuízos que causarem, quando procederem:dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo; com violação da lei ou dos estatutos.” “Artigo 122. Os diretores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados pelo nãocumprimento das obrigações ou deveres impostos por lei a fim de assegurar o funcionamentonormal da sociedade, ainda que, pelos estatutos, tais deveres ou obrigações não caibam a todosos diretores.Parágrafo único. Os diretores que, convencidos do não cumprimento dessas obrigações oudeveres por parte de seus predecessores, deixarem de levar ao conhecimento da assembléia geralas irregularidades verificadas, tornar-se-ão por elas subsidiariamente responsáveis.”
143
§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outrosadministradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar emdescobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedira sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidenteque faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão deadministração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e porescrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se emfuncionamento, ou à assembléia-geral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelosprejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveresimpostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia,ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que,por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de darcumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimentodesses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competentenos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral,tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com ofim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a práticade ato com violação da lei ou do estatuto.
Enfatiza Fran Martins162:
Como gestor da sociedade, o administrador pratica atos normais deadministração, fazendo, assim, com que a pessoa jurídica desempenhesuas atividades como entidade que possui patrimônio próprio. Por talrazão, as obrigações que o administrador contrai em nome da sociedadeou em virtude de ato regular de gestão são de responsabilidade dapessoa jurídica, que atua através dos seus administradores. A vontadeexpressa pelos administradores, quando realizam atos normais relativosà gestão da sociedade, é a vontade da pessoa jurídica, não a sua própria,donde poder o interesse da pessoa jurídica ultrapassar ou contrariar,mesmo, os interesses particulares dos administradores. Em se tratandode pessoas diferentes, com patrimônios diversos, sempre que oadministrador assume obrigação em nome da sociedade, em virtude deato regular de gestão, estará obrigando a sociedade e não a si próprio,pois dela está exprimindo a vontade.
Diante disso, em princípio os administradores não podem ser
responsabilizados civilmente pelos atos regulares de gestão que praticarem,
conforme definido no estatuto, obedecidos os deveres de diligência, de
lealdade e de informação (arts. 138, 145, 153, 155 e 157) que lhes impõe a
Lei das S.A., sem prejuízo da observância do ordenamento jurídico geral, tudo
162 Comentários à Lei das sociedades Anônimas, cit., 1978, p. 404.
145
No mesmo sentido a legislação societária argentina assim dispõe em seu
artigo 274, parágrafo primeiro:
Los directores responden ilimitada y solidariamente hacia lasociedad, los accionistas y los terceros, por el mal desempeño de sucargo, según el criterio del artículo 59, así como por la violación de la ley,el estatuto o del reglamento y por cualquier outro daño producido pordolo, abuso de facultades o culpa grave.
O artigo 59, por sua vez, dispõe que
Los administradores y representantes de la sociedad deben obrarcon lealtad y con la diligencia de un buen hombre de negocios. Los quefaltaren a sus obligaciones son responsables, ilimitada y solidariamente,por los daños y perjuicios que resultaren de su acción u omisión.
É conveniente observar as seguintes premissas ao tratar da
responsabilidade dos administradores: a superação da visão contratualista da
relação entre o administrador e a sociedade, a natureza da responsabilidade.
a identificação dos prejudicados por atos praticados pelos administradores e a
diferença de responsabilidades dos membros do Conselho de Administração e
da Diretoria.
(a) superação da visão contratualista: a visão contratualista, pela qual o
administrador era visualizado como simples mandatário da sociedade, foi
superada pela visão organicista, pela qual a Diretoria e o Conselho de
Administração são órgãos de gestão.
(b) natureza da responsabilidade: considerando que o administrador não
se vincula à sociedade pelo contrato de mandato, ou qualquer outro vínculo
de natureza contratual, a responsabilidade não tem seu fundamento numa
relação contratual, haja vista que a “responsabilidade orgânica é
responsabilidade ex lege”. Diante disso, a infração de um dever funcional é
146
sancionada como na prática de um ilícito civil, e não de uma infração
contratual163.
As vantagens de retirar-se do âmbito contratual a responsabilidade do
administrador, apontadas por Orlando Gomes, referem-se ao (a) ônus da
prova da culpa, que embora domine a tendência para atribuí-lo à sociedade,
nas violações graves cabe a inversão, cumprindo ao administrador provar a
inexistência de dano ou que não decorreu de ato por ele praticado; (b)
gradação da culpa; (c) ressarcibilidade de dano imprevisível e (d) prazo da
prescrição.
Portanto, como vimos, a teoria organicista transporta a responsabilidade
dos administradores de companhias do campo do inadimplemento contratual
para a esfera dos ilícitos civis, de natureza aquiliana.
(c) identificação dos prejudicados por atos praticados pelos
administradores: podem ser prejudicados por atos antijurídicos dos
administradores a própria sociedade, o acionista e terceiros.
(d) diferença de responsabilidades dos membros do Conselho de
Administração e da Diretoria. Modesto Carvalhosa relacionou tais diferenças,
conforme abaixo164:
d.1) por integrarem os diretores um órgão não coletivo de administração
– a diretoria –, manifestando individualmente sua vontade, de maneira
plenamente eficaz, desde que dentro de suas atribuições legais e estatutárias,
163 Orlando Gomes, Responsabilidade dos Administradores de Sociedades por Ações. Revista deDireito Mercantil, Industrial, Econômico e Financei ro , cit., p. 12-13.164 Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 1998. v. 3. p. 307-308 e 318; Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro . Responsabilidade Civil dos Administradores dasCompanhias Abertas. Editora Revista dos Tribunais Ltda. Ano XXII (nova série). n. 49. jan./mar.1983. p. 15-16.
147
respondem também individualmente pelo uso inadequado dos direitos legais e
estatutários e pelas infrações à lei ou ao estatuto;
d.2) diferentemente do que ocorre com os diretores, os membros do
Conselho de Administração, cuja vontade somente pode ser manifestada de
forma coletiva, para que seja eficaz, têm uma responsabilidade colegiada;
d.3) salvo conluio ou negligência, nenhum diretor é responsável pelos
atos de outro diretor, ao passo que, nas decisões do Conselho de
Administração, a responsabilidade será sempre de todos os membros, salvo
se os discordantes, nos termos do art. 158, parágrafo 1, da Lei das S.A.,
fizerem consignar sua divergência;
d.4) diante do caráter coletivo da responsabilidade dos membros do
Conselho de Administração, bem como da natureza de suas funções, que não
compreendem a representação e a gestão dos negócios da companhia,
decorre a irresponsabilidade dos conselheiros pelos atos praticados por
diretores e que não chegam a seu conhecimento, de tal sorte que eles não
são responsáveis por tais atos, salvo se com eles foram coniventes, se
negligenciarem em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixarem
de agir para impedir sua prática;
d.5) por outro lado, os membros do Conselho de Administração são
responsáveis pela eleição do diretor cuja inidoneidade poderia ter sido
apurada ao tempo de sua eleição, bem como pela manutenção no cargo de
diretor manifestamente inidôneo ou incompetente;
d.6) serão igualmente responsáveis solidariamente os membros do
Conselho de Administração por culpa in vigilando, caso não fiscalizem a
gestão dos diretores, nos limites das suas atribuições de controle de
legitimidade dos atos da diretoria; por outro lado, não lhes pode ser imputada
148
a responsabilidade por atos dos diretores que não sejam de seu
conhecimento, ou que apresentem difícil constatação.
Primeiramente, responsabilidade se conceitua como a obrigação de
reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem.
Os elementos da responsabilidade são normalmente a lesão ao direito
alheio, em virtude do não cumprimento de dever jurídico e a imputabilidade do
agente, abrangendo o dolo (vontade de causar o dano) e a culpa (erro,
ignorância, falta de inteligência, imprudência, negligência ou imperícia)165.
A obrigação violada pode ser legal ou contratual, fazendo surgir uma
responsabilidade legal, extracontratual, delitual ou aquiliana, no primeiro caso,
e contratual, no segundo.
O fundamento da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, em
nosso direito está na norma prevista no artigo 159 do Código Civil, conforme a
seguir transcrevemos: “aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica
obrigado a reparar o dano”.
A distinção entre a responsabilidade extracontratual e a contratual
baseia-se na origem do dever legal. Assim, no campo contratual, há um dever
determinado acordado pelas partes e a quebra do contrato implica na culpa
presumida em virtude do inadimplemento (culpa in contrahendo), enquanto
em relação à responsabilidade legal cabe ao autor provar o dano, sua causa e
a culpa do réu, exceto nas hipóteses em que a própria lei presume juris
tantum a ocorrência da culpa.
165 Arnoldo Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro, Obrigações e Contratos . 7. ed., 1978. v. 2.p. 82.
149
Em conformidade com a Lei das Sociedades Anônimas, a
responsabilidade civil funda-se na relação extracontratual própria da natureza
orgânica das funções dos administradores. Dessa forma, podemos dizer que
os conceitos, princípios, proibições e mandamentos da responsabilização têm
fundamento no ordenamento jurídico.
Neste sentido, o artigo 158, inciso I, da Lei das Sociedades Anônimas,
prevê a responsabilidade do administrador pela prática de atos danosos à
sociedade, acionistas ou terceiros, quando levados a efeito por dolo ou culpa,
sem qualquer alusão a contrato existente.
A tendência atual é a substituição da idéia da responsabilidade pela idéia
da reparação, a idéia da culpa pela idéia do risco, a responsabilidade
subjetiva pela responsabilidade objetiva, como veremos a seguir ao estudar
os sistemas de responsabilidade civil.
É válido observar que a responsabilidade civil é suportada pelas pessoas
jurídicas, da mesma forma que pelas pessoas físicas, e atinge tanto as de
direito privado, quanto as de direito público. Seu efeito é o dever de reparação
de modo que restabeleça o equilíbrio rompido em decorrência da ação ou
omissão do agente lesionador.
VI.2. Sistemas de Responsabilidade Civil
Podem-se identificar quatro sistemas de responsabilidade civil: (a)
responsabilidade subjetiva do tipo clássico; (b) responsabilidade subjetiva com
inversão do ônus de prova; (c) responsabilidade objetiva; (d) responsabilidade
objetiva pura.
150
VI.2.1. Responsabilidade subjetiva do tipo clássico
O sistema de responsabilidade subjetiva do tipo clássico corresponde à
regra geral da responsabilização no direito brasileiro, de modo que se a lei
não estabelece o sistema de responsabilidade para a solução de determinado
prejuízo, a vítima deve buscar a reparação segundo os parâmetros deste
sistema.
O demandante que busca a reparação de seu prejuízo, por este sistema,
deve: (a) provar a conduta culposa, antijurídica, que abrange comportamento
contrário a direito, do demandado, por ação ou omissão; (b) a existência e
extensão do dano, assim entendido no sentido de lesão a um bem jurídico,
seja de ordem material ou imaterial, de natureza patrimonial ou não-
patrimonial; e (c) o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a
conduta do demandado e o dano, de forma que se precise que o dano decorre
da conduta antijurídica, ou, em termos negativos, que sem a verificação do
comportamento contrário a direito não teria havido o atentado ao bem jurídico.
Frise-se que a força maior e o caso fortuito são excludentes de
responsabilidade, haja vista que a causa do dano é o fato imprevisível e não a
conduta do demandado. Além disso, a culpa concorrente da vítima é fator de
relativização do nexo de causalidade166.
VI.2.2. Responsabilidade subjetiva com inversão do ônus de prova (culpa
presumida)
Caio Mário da Silva Pereira ensina que a jurisprudência, em todos os
países, tem alargado a idéia de culpa, e estendido o princípio da
responsabilidade civil, onde não se pode encontrá-la em sentido estrito,
166 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2007. p. 253.
151
criando-se a noção de culpa presumida, dando maior consideração à vítima
do que ao autor do dano167.
Da mesma forma que no sistema de responsabilidade subjetiva do tipo
clássico, a indenização da vítima ocorre somente após provada a culpa do
agente, o dano causado e a relação causal. A diferença entre os sistemas é
que no sistema clássico cabe ao demandante demonstrar a culpa do
demandado e no de inversão do ônus da prova confere-se ao demandado o
dever de provar que não agiu culposamente. Observe que a diferença entre
eles está no âmbito apenas processual168.
Segundo Caio Mário, “a culpa, como fundamento da responsabilidade
civil, é insuficiente, pois deixa sem reparação danos sofridos por pessoas que
não conseguem provar a falta do agente”. O fundamento ético da doutrina
está na caracterização da injustiça intrínseca em face da diminuição de um
patrimônio. Diante de uma perda econômica, o patrimônio do causador do
prejuízo deve reparar o dano, pois detinha o poder de evitá-lo. Segundo o
autor, o fundamento da teoria é mais humano do que o da culpa, e mais
profundamente ligado ao sentimento de solidariedade social. A teoria da culpa
presumida permite a repartição, com maior eqüidade, dos efeitos dos danos
sofridos, atendendo ao fato de a vida em sociedade ter se tornado cada vez
mais complexa e, com isso, ter aumentado os riscos a que estão sujeitos os
indivíduos.
A responsabilidade subjetiva baseia-se, portanto, na vontade do agente.
Esta é o seu fundamento. A culpa civil – que engloba as condutas negligentes,
imprudentes e imperitas e as intencionais – representa uma possível
alternativa de comportamento, o que significa dizer que, se o agente tivesse
agido de forma diferente, poderia não ter provocado o dano indenizável.
167 Instituições de Direito Civil, 6. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994. v. I. p. 420-424.168 Fabio Ulhoa Coelho, Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. In:Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 86-87.
152
Portanto, a manifestação da vontade é um fundamento da responsabilidade
subjetiva.
A teoria subjetiva, no entanto, não atende plenamente as exigências de
ordem prática ao impor à vítima o pesado ônus de provar a culpa do causador
do dano. As dificuldades para a verificação da culpa nos casos concretos,
muitas vezes, impedem o lesado de obter a reparação do dano. A produção
do dano por interposta pessoa, inidônea a repará-lo, também tornou-se
importante, afinal, não são poucas as vezes em que o causador do dano atua
em nome de terceiro, sendo que apenas este tem capacidade patrimonial para
reparar os danos produzidos. Tais inconvenientes levaram os teóricos a
objetivar a noção de culpa, para que se pudesse reconhecê-la mais facilmente
e estendê-la a outras pessoas, quando necessário. A doutrina subjetiva é
incapaz de equacionar uma responsabilidade por fato de outrem. Em uma
sociedade que se torna cada vez mais complexa, com intervenções
articuladas de várias pessoas e até mesmo com a utilização de equipamentos
de alta tecnologia, a noção de culpa individual pode trazer restrições
inconvenientes.
Assim, para justificar a responsabilidade de quem não produziu
diretamente a lesão ao bem jurídico, foram desenvolvidas as noções de culpa
in eligendo, in vigilando e in custodiando. Tais elaborações evidenciam que a
noção de culpa foi se adaptando à conveniência de se atribuir a determinadas
pessoas o ônus de reparar o dano produzido, sendo efetivamente presumida
em favor da necessidade prática de atender à vítima. Não podemos deixar de
lembrar que, com a evolução das sociedades e do mercado de capitais, os
administradores das sociedades se profissionalizaram e os investidores,
preocupados com a segurança dos seus negócios, aprovaram o alargamento
do conceito de culpa.
153
Os problemas relacionados à responsabilidade civil fundada na culpa
foram solucionados flexibilizando-se a noção jurídica da culpa. A situação de
crise estabelecida pelos problemas de ordem prática apontou como única
saída para a doutrina reconhecer a possibilidade da utilização de alguns
critérios objetivos para se estabelecer a responsabilidade.
VI.2.3. Responsabilidade objetiva
Em atenção aos mesmos valores de justiça que motivaram a evolução do
sistema clássico para o da inversão do ônus da prova desenvolveu-se o
sistema da responsabilidade objetiva.
Costuma-se apontar a revolução industrial do século XIX, o progresso
científico e a explosão demográfica que nele ocorreu como os principais
fatores que contribuíram para a reformulação da teoria da responsabilidade
civil. De fato, os acidentes de trabalho aumentaram devido à utilização de
equipamentos de grande porte no processo de produção. O progresso
tecnológico, que permitiu o uso dos automóveis e outros meios sofisticados de
transporte, também contribuiu para o aumento do número de acidentes de
trânsito.
A doutrina da responsabilidade subjetiva não pôde oferecer o
instrumental necessário à proteção do lesado, diante desta realidade, que
impunha uma série de dificuldades para comprovação da culpa do causador
do dano. Concluiu-se que a exigência da prova do elemento moral da ação ou
inação equivalia, na prática, à impossibilidade de haver a reparação do dano.
No sistema de responsabilidade objetiva o demandante deve provar a
existência e extensão do dano e o nexo de causalidade entre o dano e a ação
ou omissão do demandado. Não é necessário provar a culpa do agente, pois
este responderá pelos prejuízos causados à vítima ainda que não tenha agido
154
com culpa. A força maior e o caso fortuito são excludentes de
responsabilidade, na medida em que desfazem a relação causal entre a
conduta do agente e os prejuízos infligidos à vítima169.
Exemplo típico de responsabilidade objetiva é o do empresário por
acidentes de consumo. Embora a indústria tenha um controle de qualidade
rigoroso, se colocar no mercado um produto imperfeito, será condenada a
indenizar particulares por acidentes de consumo.
A diferença essencial entre os sistemas de responsabilidade subjetiva e
objetiva é a questão da licitude. A responsabilidade subjetiva está sempre
relacionada a um ilícito, a uma conduta intencionalmente voltada a causar
dano a outra pessoa (dolo), ou à negligência, imprudência e imperícia. A
responsabilidade objetiva, por sua vez, está relacionada a um ato lícito, como
este que mencionamos acima de colocação no mercado de produtos
fabricados com as cautelas exigíveis e possíveis170.
VI.2.4. Responsabilidade objetiva pura
De acordo com este sistema a vítima precisa provar apenas a existência
e extensão do dano. Não é necessário provar a relação de causa e efeito
entre o dano e uma determinada ação ou omissão daquele que terá de
indenizar a vítima. No Brasil, o empregado que tenha sofrido um acidente de
trabalho, por exemplo, pode reclamar ao INSS o pagamento de prestação
pecuniária conforme determina a lei. Não há nenhum nexo causal entre os
danos do acidente e a atuação do INSS171.
A doutrina costuma apontar o risco inerente ao exercício de determinada
atividade como o fundamento da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, no
169 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, 10. ed., cit., p. 254.170 Fabio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 255.171 Op. cit., p. 256.
155
campo objetivista estaria a teoria do risco, segundo a qual cada um deve
sofrer o risco de seus atos, sem cogitação da idéia de culpa, de modo que o
fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa (vontade
do agente) para a idéia de risco172.
Sérgio Cavaliere Filho esclarece que
risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer queaquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos ereparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então,assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparadopor quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa.Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquerjuízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele quematerialmente causou o dano173.
Diante dessa concepção, ao infringir a lei e o estatuto social o
administrador cria risco de dano para a companhia, independente do proveito
pessoal que lhe tenha trazido tal risco ou da vantagem por si ou por outrem
auferida. Verifica-se neste caso a inobservância dos deveres de diligência,
lealdade e informação.
A infringência da lei independe da caracterização da culpa porque
ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3 da Lei de Introdução ao
172 Segundo estudo realizado por Caio Mário da Silva Pereira, uma corrente dita objetivistaprocurou desvincular o dever ressarcitório de toda idéia de culpa. Saleilles, que se fez campeãodesta equipe, insurgiu-se contra a culpa, e assentou a indenização no conceito material do fatodanoso. Josserand procurou conciliar a responsabilidade objetiva como o Código de Napoleão,muito embora permanecesse jungido à teoria subjetivista. Numerosos escritores encaminharam-senesse rumo, testando alterar a equação para um dever ressarcitório fundado no dano e na autoriado evento lesivo, sem cogitar do problema da imputabilidade, sem investigar se houve ou não umerro de conduta, sem apurar a antijuridicidade da ação. Uma forte corrente procurou deslocar ofundamento da responsabilidade da culpa para o risco, mas segundo o autor, perdeu-se logofragmentando-se em subteorias, a saber: (a) do risco-proveito, que impunha a responsabilidadeaquele que obtivesse vantagem do ato gerador do dano; (b) do risco profissional, relacionados aosacidentes no trabalho; (c) do risco criado, no direito público; (d) do risco social, com base noprincípio da solidariedade. Aos poucos a doutrina foi se concentrando no conceito de “risco criado”.Esta teoria foi sendo incorporada na década de 20 especialmente nos anos seguintes à PrimeiraGuerra Mundial. Instituições de Direito Civil, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. III, p. 366.173 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2000.p.143.
156
Código Civil), sendo certo que o mesmo princípio aplica-se ao administrador
em relação ao estatuto da sociedade.
Para Fabio Ulhoa Coelho não são os riscos da atividade o fundamento
da responsabilidade civil, e sim a possibilidade de serem absorvidas as
repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, através da distribuição
do custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano, ou, de algum modo,
beneficiárias do evento174.
Explica o autor que o estado, por exemplo, pode responder
objetivamente pelos danos causados por seus funcionários porque tem meios
para distribuir entre os contribuintes – por meio de tributos – os encargos
derivados de sua responsabilização. Da mesma forma o fornecedor pode ser
responsabilizado por acidentes de consumo na medida em que consegue
incluir na composição de seus preços um elemento de custo correspondente
às indenizações pelos acidentes. Comenta ainda a respeito do INSS que é
responsável pelos acidentes de trabalho porque, através da imposição de
contribuições aos empresários e empregados, reparte entre estes o valor
benefícios pagos aos acidentados175.
Para Waldirio Bulgarelli foi principalmente em relação aos acidentes do
trabalho que se iniciou, em fins do século passado, a reivindicação de um tipo
de responsabilidade que não deixasse sem reparação os danos produzidos,
constando-se que era inadequada para esse fim a responsabilidade baseada
exclusivamente na culpa. Na França, as duas expressivas manifestações
dessa volta ao passado, para a responsabilidade objetiva, causal e
independente de culpa, vieram através da Lei de Acidentes do Trabalho de
174 Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Aspectos Atuaisdo Direito do Mercado Financeiro e de Capitais . Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 91-93.175 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial , cit., p. 258-259.
158
também o Código de Defesa do Consumidor, que acolheu a responsabilidade
objetiva em vários dispositivos.
VI.3. Fontes de Responsabilidade: atos culposos ou dolosos e atos
violadores da lei ou estatuto
No artigo 158 e seguintes da Lei das S.A., temos a previsão de uma
primeira conduta ilícita nos atos praticados pelo administrador, ou seja,
aqueles praticados com dolo ou culpa.
Os administradores podem ser responsabilizados civilmente em duas
hipóteses (art. 158): (a) pelos atos praticados “dentro de suas atribuições ou
poderes, com culpa ou dolo”; e (b) pelos atos que foram cometidos “com
violação da lei ou do estatuto”. A prática dos atos mencionados em “a” imputa
aos administradores uma responsabilidade subjetiva clássica, o que significa
dizer que fica incumbido aquele que sofreu o dano de provar a culpa ou o dolo
com que agiu o sujeito ativo. E na prática dos atos previstos no item “b” trata-
se de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa (alguns consideram
como objetiva). Veremos que alguns autores entendem ser as duas hipóteses
interdefiníveis, e por conseqüência reclamarem tratamento uniforme.
VI.3.1. Atos culposos ou dolosos
O inciso I do artigo 158 prevê a responsabilidade do agente pelos
prejuízos causados por sua conduta, sempre que tenha agido com dolo ou
culpa. A caracterização dessa responsabilidade demanda, portanto, os
seguintes elementos: o ato do administrador, a lesão causada à companhia, o
nexo causal e o elemento subjetivo.
A referência às atribuições e poderes sugere a existência de uma
estrutura orgânica da sociedade anônima, com a repartição de poderes entre
159
os órgãos. Com isso, pressupõe-se que os atos tenham sido praticados em
conformidade com os poderes atribuídos a cada órgão.
A culpa dos administradores pelos prejuízos causados pode originar-se
de fatos não previstos na lei (como aqueles previstos no artigo 154 e
parágrafo segundo), mas se relacionar a acontecimentos variados, em que se
observem danos aos interesses sociais, tais como a dilapidação do ativo
social por despesas desnecessárias ou em desproporção com os recursos da
sociedade, ou mesmo o desinteresse para com os negócios da sociedade,
delegando sua gestão a outros administradores ou mandatários,
negligenciando com isso o requerido dever de diligência.
Ainda como exemplos de culpa na gestão, Sampaio de Lacerda buscou
em Carvalho de Mendonça a falta de protesto, quando necessário, e a não
execução do devedor, quando ainda solvente; e como atos dolosos, o desvio
de fundos sociais, o não pagamento de impostos nos prazos legais, deixar
caducar o direito à renovação de locação de imóvel onde esteja instalado
algum dos estabelecimentos da sociedade177.
Reconhecendo a negligência no dever de informar previsto no artigo 157,
parágrafo 4, da Lei das S.A., o Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a
responsabilidade dos administradores envolvidos na operação de
transferência do controle acionário da Companhia, conforme ementa do
julgado abaixo transcrita
Sociedade comercial – Anônimas – Capital Aberto – Transferênciado Controle Acionário – Ocorrência não comunicada oportunamente àBolsa de Valores e à Imprensa – Inadmissibilidade – Omissão de deverlegal – Prejuízo aos acionistas minoritários, que efetuaram venda deações por valor inferior ao da oferta pública – Indenização devida –Responsabilidade solidária dos administradores – Aplicação e inteligênciado parágrafo 4 do art. 157 da Lei 6.404/76.
160
Segundo Trajano de Miranda Valverde, os prejuízos, que se originarem
de atos ou operações praticados pelo administrador, dentro de suas
atribuições e poderes, somente são reparáveis mediante a prova da sua culpa
ou dolo178. O autor afirma que a responsabilidade em que podem incorrer os
diretores pelos atos na gestão ordinária 179 tem geralmente por fundamento a
negligência, a imprudência ou a imperícia no desempenho das suas funções.
Diante desse posicionamento de Trajano de Miranda, não estaria o
administrador infringindo o dever legal de diligência e, portanto, caracterizada
a violação da lei, prevista no inciso II do art. 158.
Comenta esta questão Fabio Ulhoa Coelho ao afirmar que as duas
hipóteses previstas pelo artigo 158 são interdefiníveis, conforme abaixo180:
Com efeito, a ação culposa ou dolosa é, forçosamente, ilícita,violadora da lei. Se, por exemplo, um administrador deixa de aplicardisponibilidades financeiras da sociedade, ele age com negligência ouaté imperícia. A natureza culposa de sua omissão é, assim, clara eindiscutível. Contudo, este mesmo comportamento também caracteriza ainobservância dos deveres de diligência e de lealdade.Conseqüentemente, o administrador que age culposamente viola a lei.Por outro lado, toda violação à lei ou aos estatutos é uma condutaculposa ou dolosa. O administrador que descumpre norma legal oucláusula estatutária, se não atua conscientemente, estará sendonegligente, imprudente ou imperito. Em razão da interdefinibilidade dashipóteses de responsabilização civil dos administradores de sociedadeanônima, não há – ressalte-se –, que distinguir a natureza delas. O quese afirma sobre a responsabilidade fundada no inciso I do art. 158, daLSA, aplica-se inevitavelmente à fundada no inciso II do mesmodispositivo. Assim, não comporta ser feita qualquer separação entre asduas hipóteses destacadas pelo legislador, que reclama tratamentouniforme.
Segundo Modesto Carvalhosa, a teoria da culpa clássica está superada,
devendo ser aplicada para as condutas previstas nos incisos I e II do art. 158
177 Sampaio de Lacerda, Comentários à Lei das Sociedades Anônimas . São Paulo: Saraiva,1978. p. 207.178 Sociedades por Ações , cit., p. 45-47.179 Atos de gestão ordinária são aqueles praticados pelos diretores independente de qualquerautorização e os atos de gestão extraordinária são aqueles que só podem ser praticados quandohaja autorização estatutária ou assemblear. Wilson de Souza Campos Batalha, SociedadesAnônimas e Mercado de Capitais , cit., p. 656.180 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial . 10. ed., cit., p. 260.
162
VI.3.2. Atos violadores da lei ou estatuto
Observe-se que a irresponsabilidade do administrador pelas obrigações
contraídas em nome da sociedade tem como pressuposto a prática de ato
regular de gestão. A lei não definiu o que seria “ato regular de gestão”, de
modo que, para entendermos seu significado, é preciso conhecer o que a lei
veda ao administrador, ou seja, o que seria o “ato irregular de gestão”.
Como vimos, a Lei das Sociedades Anônimas impõe deveres específicos
aos administradores. A imposição de tais deveres objetiva à consecução dos
fins sociais, no interesse da companhia, satisfeitas, ainda, as exigências do
bem público e da função social da empresa, conforme pode ser verificado no
artigo 154 da referida lei.
Conseqüentemente será considerado ato irregular da gestão todo aquele
que resultar de infração de qualquer dever legal do administrador. Portanto,
se, por exemplo, o administrador contrair obrigação lesiva ao interesse social,
estará infringindo o dever de diligência, configurando-se ato irregular de
gestão. Da mesma forma, quando o administrador pratica ato contrário ao
estatuto social, também está praticando ato irregular de gestão, o que acarreta
a responsabilidade pessoal do administrador que a efetuou ultra vires.
Defere-se aos administradores certa margem de discricionariedade na
condução dos negócios sociais, uma vez que nem a lei nem o estatuto social
podem definir com exatidão todas as condições de legitimação dos gestores à
prática dos atos regulares de gestão.
Conforme observa Eduardo de Sousa Carmo, os administradores têm
poderes para realizar tudo aquilo que, não defeso por lei, estiver
182 Responsabilidade dos Administradores das Companhias. In: Yussef Said Cahali (Coord.).Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência, cit., p. 447.
163
compreendido nas necessidades operacionais da companhia para realizar o
seu objeto (poderes intrínsecos). São estes os poderes gerais de gestão que
não podem ser enumerados, são faculdades intra vires, que podem extravasar
a competência ou as indicações legais e estatutárias183.
Neste sentido, Trajano de Miranda Valverde afirma que o objeto
essencial da sociedade abrange toda a exploração da empresa, de modo que
a extensão do ato não pode ser considerada irregular se destinada a atender
ao objeto social. Portanto, se o ato é praticado intra vires, isto é, nos limites do
objeto social, de boa-fé e no interesse da companhia, é ele de regular gestão
e não torna o administrador pessoalmente responsável pelas obrigações
assim contraídas pela sociedade184.
Fran Martins complementa ao afirmar que o administrador pode até
mesmo contrariar o objeto social, desde que visando o interesse social185:
A gestão dos administradores, em princípio, deve se limitar àprática de atos dentro do objeto social; poderá, contudo, esse objeto serultrapassado, ou mesmo contrariado, se os atos são praticados visandoao interesse social. Na realidade, como a própria lei acentua (art. 154), oadministrador deve agir no interesse da sociedade, ainda mesmo queesse interesse contrarie o objeto específico da companhia.
Em principio o procedimento do administrador previsto no inciso II do art.
158 não implica em responsabilidade da companhia, ou seja, não obriga a
sociedade, diferente do procedimento previsto no inciso I do referido artigo.
Ou seja, a responsabilidade do administrador exclui a da companhia, perante
terceiros. Com efeito o descumprimento é de norma legal, que se presume
conhecida por todos, ou estatutária, que também se pressupõe conhecida
pelo terceiro que contrata com a companhia, porque este tem acesso aos
dados a respeito, haja vista o regime de publicidade baseado no arquivamento
no Registro do Comércio de atos constitutivos e suas alterações, das atas de
183 Relações Jurídicas na Administração da S.A. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1988. p. 144.184 Sociedades por ações , Rio de Janeiro: Forense, 1941. v. I, p. 46.
164
Assembléias Gerais e de Reuniões do Conselho de Administração e da
Diretoria. Presume-se que o terceiro contratante conheça a estrutura formal
de poder da companhia. Referido princípio no entanto não deve ser aplicado
com rigor excessivo, sob pena de acarretar decisões injustas. Diante disso, a
jurisprudência vem admitindo que o terceiro de boa-fé deve ter seus
interesses resguardados e, portanto, permitindo que a sociedade anônima
seja igualmente responsabilizada, quando se verifique que o terceiro
contraente está de boa-fé186.
Como bem observa José Alexandre Tavares Guerreiro,
a atribuição exclusiva da responsabilidade patrimonial pelo ato ultra vires,ao administrador que excedeu seus poderes, com a correspectivaisenção da sociedade, poderá, ainda, corresponder a umcomprometimento do ideal de justiça, que está na base de toda regrajurídica, na medida em que os danos causados pelo administrador nãopossam ser por ele ressarcidos, em virtude da enormedesproporcionalidade entre o vulto de tais danos e a magnitude dopatrimônio individual do mesmo administrador187.
Diante disso, podemos dizer que o ato irregular de gestão confunde-se
com o ato praticado com violação da lei ou do estatuto, sendo que entre os
atos violadores da lei e do estatuto se incluem todos os atos ou operações
praticados pelos administradores com excesso de poderes ou fora das
atribuições, que lhe foram conferidas pela lei e pelo estatuto.
É importante frisar que o administrador não responde pelas obrigações
contraídas se a sociedade estiver regularmente constituída, com
personalidade jurídica. Se estiver em fase de constituição, o administrador é
solidariamente responsável pelas obrigações sociais e pela demora no
185 Comentários à Lei das Sociedades Anônimas , cit., v. 2. p. 404.186 Paulo Fernando Campos Salles de Toledo. O Conselho de Administração na SociedadeAnônima – Estrutura, Funções e Poderes, Responsabil idade dos administradores – Deacordo com a nova lei das S.A. São Paulo: Atlas, 1997. p. 71.187 Responsabilidade dos Administradores de Sociedades Anônimas, in: Revista de DireitoMercantil, Industrial, Econômico e Financeiro , cit., p. 75-76.
165
cumprimento das formalidades complementares à constituição da companhia,
conforme prevê o artigo 99 da Lei das Sociedades Anônimas188.
Em relação a infringência ou inobservância da lei ou do estatuto pelo
administrador, não se pode fundar apenas no aspecto moral, porque ao
administrador não é lícito desconhecer a norma jurídica (LICC – verificar) e o
estatuto da companhia. Modesto Carvalhosa entende que o cumprimento da
lei e do estatuto é inescusável, não sendo relevante a consideração de
elementos psicológicos para a configuração da responsabilidade, portanto
seria objetiva a responsabilidade dos administradores na prática das condutas
previstas no inciso II do art. 158.
Nesse sentido, Trajano de Miranda Valverde esclarece que o
desconhecimento dos preceitos legais ou estatuários não pode servir de
escusa aos administradores, de modo que os atos e operações violadores
desses preceitos oferecem gravidade particular. Afirma que pode acontecer
que a violação do preceito legal ou da disposição estatutária resulte de
negligência ou imprudência do administrado, mas nem por isso será ele
menos responsável pelos prejuízos que ocasionar à sociedade, aos acionistas
ou a terceiros, pois a única coisa que o prejudicado terá de provar é o nexo de
causalidade entre o ato violador da lei ou dos estatutos e o prejuízo sofrido189.
Para outros doutrinadores, como Paulo Fernando Campos Salles e José
Alexandre Tavares Guerreiro, os atos praticados pelos administradores de
companhias com violação da lei ou do estatuto são presumivelmente
culposos.
188 “Art. 99. Os primeiros administradores são solidariamente responsáveis perante a companhiapelos prejuízos causados pela demora no cumprimento das formalidades complementares à suaconstituição.Parágrafo único. A companhia não responde pelos atos ou operações praticados pelos primeirosadministradores antes de cumpridas as formalidades de constituição, mas a assembléia-geralpoderá deliberar em contrário.”
189 Sociedades por Ações , cit., v. II, p. 48-49.
166
Como informa Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, com a adoção
da teoria da culpa presumida são mantidas tanto as vantagens da
responsabilidade subjetiva (que permite uma discussão mais ampla e
individualizadora) quanto as da responsabilidade objetiva (que enseja uma
efetiva responsabilização do causador do dano). O autor lembra que a
finalidade do Direito somente se atinge com a consecução do justo, e a
adoção da teoria do risco pode acarretar soluções injustas. Justifica ainda seu
posicionamento lembrando não ser possível em casos concretos afastar a
culpa presumida do agente, haja vista a existência de fatores excludentes de
ilicitude: a legítima defesa, o exercício regular de um direito e a existência de
um perigo iminente. Tais fatores excluem o caráter ilícito dos atos praticados
pelos administradores dentro de suas atribuições ou poderes como também
dos atos praticados com violação da lei ou do estatuto da companhia. Além
disso, existem fatores como a força maior e o caso fortuito que isentam o
agente de responsabilidade. Ao juiz também é atribuída a possibilidade de
reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido
de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia (art. 159,
parágrafo 6)190.
Fabio Ulhoa Coelho entende que as hipóteses de responsabilidade civil
dos administradores de sociedade anônima, apesar de distinguidas pelo artigo
158 da Lei, são redutíveis a apenas uma: decorrente de descumprimento de
dever legal. E quanto à natureza da responsabilidade civil, entende ser esta
subjetiva, do tipo clássico, haja vista que este tipo corresponde a regra geral
de responsabilização no direito brasileiro e que não há disposição legal
167
expressa submetendo o agente a outro sistema. O autor adverte que o
administrador não ocupa posição econômica que lhe possibilite socializar
perdas, como é o caso do estado e do fornecedor, de forma que não há
fundamento racional para a sua responsabilização191.
Na Itália, o fundamento da responsabilidade dos administradores está na
culpa, e coerentemente a legislação exonera de responsabilidade aquele
administrador que não tenha agido com culpa, conforme assevera Giancarlo
Frè192:
La responsabilità degli amministratori há il suo fondamento nellacolpa in cui essi siano incorsi nello adempimento dei loro doveri.Coerentemente la legge esonera perciò da responsabilità gliamministratori che non siano in colpa, prevendo espressamente il caso incui i doveri non osservati dall’organo amministrativo siano proprîesclusivamente di um <ufficio determinato e personale> e il caso in cui,indipendentemente da tale suddivisione di <uffici>, il singoloamministratore dia la prova di essere esente da colpa.
Alguns autores entendem que a adoção da responsabilidade objetiva
poderia paralisar as atividades empresariais, diante do risco ao qual estariam
submetidos os administradores, os quais não se sentiriam encorajados a
assumir a gestão dos negócios diante da perspectiva preocupante da
responsabilidade objetiva. Além disso, o regime da responsabilidade objetiva
poderia muitas vezes não alcançar os verdadeiros mentores do ato
(controladores).
Entendemos que os administradores devam ser responsabilizados
subjetivamente pelos prejuízos causados em decorrência de atos violadores
da lei e do estatuto social, haja vista não existir dispositivo legal expresso
submetendo o administrador a outro sistema.
191 A Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras, In: Mosquera(Coord.), Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais, cit., p. 104-105.Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial , cit., 10. ed., p. 261.192 Giancarlo Frè, L’Organo Amministrativo Nelle Società Anonime , Roma: Città di Castello.Unione Arti Grafiche. Soc. Ed. Del.<Foro Italiano>, 1938. XVI. p. 272.
168
Além da Lei das Sociedades Anônimas, há várias outras leis e decretos
que impõem responsabilidades aos administradores, conforme abaixo
relacionamos resumidamente:
a) Código Tributário Nacional (CTN): estabelece solidariedade aos sócios
e administradores, nos casos de não recolhimento de impostos e
contribuições (artigo 134 e 135 do CTN).
b) Código de Defesa do Consumidor: dispõe sobre a possibilidade do juiz
de desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade e impor
responsabilidade ao administrador quando, em detrimento do consumidor,
houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato sociais.
c) Lei do Meio Ambiente: a Lei n. 9.605, de 12.2.1998, penaliza todos os
que concorrerem para as práticas dos crimes nela previstos, inclusive os
administradores que, sabedores da conduta criminosa de outrem, deixem de
impedir a sua prática, quando podiam agir para evitá-la.
d) Lei de Economia Popular: A Lei n. 1.521, de 26.12.1951, em seu artigo
3, tipifica uma série de condutas prejudiciais à livre concorrência e às leis de
mercado que, se adotadas por um administrador, constituirão crime e o
sujeitarão a penalidades de natureza criminal e civil.
e) Lei de Falências e de Recuperação de empresas: Na Lei n. 11.101, de
9.2.2005, os administradores são responsáveis sempre que deixarem de ser
diligentes.
169
Além destes dispositivos existem outros de cumprimento obrigatório
emitidos pela CVM, pelo Banco Central do Brasil e por órgãos congêneres no
exterior, para sociedades que atuem em bolas de valores fora do país.
Ë importante observar que os verdadeiros responsáveis podem ser
alcançados, e não somente os administradores, haja vista que a lei possibilita
a responsabilização de todos os envolvidos, inclusive de terceiros, conforme
veremos mais adiante, havendo previsão expressa sobre a responsabilidade
do controlador, conforme artigo 117 da Lei das S.A., abaixo transcrito:
Art. 117. O acionista controlador responde pelos danos causadospor atos praticados com abuso de poder.
§ 1º São modalidades de exercício abusivo de poder:a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo
ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileiraou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritáriosnos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;
b) promover a liquidação de companhia próspera, ou atransformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim deobter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dosdemais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidoresem valores mobiliários emitidos pela companhia;
c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliáriosou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesseda companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aosque trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliáriosemitidos pela companhia;
d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral outecnicamente;
e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar atoilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto,promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pelaassembléia-geral;
f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem,ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimentoou não eqüitativas;
g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores,por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba oudevesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita deirregularidade.
h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com arealização em bens estranhos ao objeto social da companhia. (Incluídadada pela Lei nº 9.457, de 1997)
§ 2º No caso da alínea e do § 1º, o administrador ou fiscal quepraticar o ato ilegal responde solidariamente com o acionista controlador.
§ 3º O acionista controlador que exerce cargo de administrador oufiscal tem também os deveres e responsabilidades próprios do cargo.
170
VI.4. Limites da Responsabilidade Civil
A responsabilidade dos diretores é limitada às suas funções, não
podendo ser responsabilizados por atos praticados por outros diretores, salvo
conluio ou negligência, situações em que se verificará solidariedade, conforme
previsto no artigo 158, parágrafos primeiro, terceiro e quarto da Lei das
Sociedades Anônimas (princípio da incomunicabilidade da culpa).
Ao contrário, os membros do Conselho de Administração são
responsáveis coletivamente pela deliberação tomada, salvo se utilizarem os
procedimentos exoneradores de responsabilidade previstos no artigo 158,
parágrafo primeiro, segunda parte, e parágrafo quarto, ou seja, a consignação
da divergência em ata ou comunicação da negligência ou da infração
observadas aos órgãos próprios da Sociedade Anônima.
Por outro lado, os membros do Conselho não respondem por atos
infracionais dos diretores que não tenham chegado ao seu conhecimento. É a
aplicação do princípio dispositivo processual: Quod non est in actis non est in
mundo.
VI.4.1. Solidariedade
Os administradores, em termos gerais, são solidariamente responsáveis
pelos prejuízos decorrentes do não-cumprimento dos deveres impostos pela
lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que o
estatuto não estabeleça tais deveres a todos os administradores (art. 158,
parágrafo 2 da Lei das Sociedades Anônimas).
A Lei das Sociedades Anônimas prescreve nos parágrafos segundo a
quarto do artigo 158 da Lei das Sociedades Anônimas hipóteses de
171
responsabilidade solidária entre os administradores. No entanto, as regras de
vinculação solidária dos administradores não estabelecem nenhuma
responsabilidade objetiva.
Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelasobrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de atoregular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos quecausar, quando proceder:
I - dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;II - com violação da lei ou do estatuto.§ 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros
administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar emdescobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedira sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidenteque faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão deadministração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e porescrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se emfuncionamento, ou à assembléia-geral.
§ 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelosprejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveresimpostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia,ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
§ 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o §2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que,por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de darcumprimento àqueles deveres.
§ 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimentodesses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competentenos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral,tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
§ 5º Responderá solidariamente com o administrador quem, com ofim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a práticade ato com violação da lei ou do estatuto. (grifos do autor)
Em termos gerais, serão responsáveis, solidariamente, os
administradores que forem coniventes com atos ilícitos de outros
administradores, quando negligenciarem em descobri-los e quando deixarem
de agir para impedir a sua prática.
Se o administrador foi conivente (equiparado a ser cúmplice) com o ato
ilícito de outro administrador, será por ele responsável. O artigo 942 do Código
Civil estabelece que os co-autores ou cúmplices da ofensa ou violação do
direito de outrem ficam sujeitos à reparação, por ela respondendo
172
solidariamente (art. 158, parágrafo primeiro da Lei das Sociedades
Anônimas).
Observa-se que regra geral os administradores são solidariamente
responsáveis pelos prejuízos decorrentes do não-cumprimento dos deveres
impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda
que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles (artigo 158, parágrafo
segundo).
Entretanto, nas Companhias abertas essa responsabilidade restringe-se
aos administradores com atribuições específicas para esses atos; todavia, a
não comunicação, pelos demais administradores que ciência tiveram acerca
do descumprimento daqueles deveres, resultará na responsabilização
solidária destes (artigo 158, parágrafos terceiro e quarto).
A responsabilidade dos administradores de companhias fechada e
aberta, nesta por derrogação do preceito constante do item anterior, é,
entretanto, solidária quando, tendo eles conhecimento do inadimplemento
desses deveres por antecessores, ou por administradores atuais, que sejam
obrigados a adimpli-los, deixarem de comunicar o fato à assembléia geral.
Além disso, a solidariedade só existe em casos expressos como, por
exemplo, a responsabilidade solidária dos primeiros administradores pela
demora no cumprimento das formalidades complementares à constituição da
companhia (artigo 92 e 99), pela não anotação, nos livros próprios, da
extinção das debêntures (artigo 74, parágrafo segundo) e pela distribuição de
dividendos com inobservância das exigências legais (artigo 201, parágrafo
primeiro).
173
O direito alienígena contempla semelhante arcabouço jurídico no tocante
à previsão da responsabilidade solidária entre os administradores das
sociedades anônimas.
A legislação mexicana determina os administradores têm
responsabilidades inerentes a seus mandatos e derivadas das obrigações que
a lei e os estatutos estabelecem. Os administradores não serão
solidariamente responsáveis, caso estando isentos de culpa tenham
manifestado sua inconformidade no momento da deliberação e resolução de
determinado ato ilícito. São responsáveis em relação a atos praticados pelo
seu antecessor e pelas irregularidades incorridas quando, conhecendo-as,
não as denunciem por escrito aos fiscais da sociedade (artigos 158 a 160).
A legislação espanhola também prevê a responsabilidade solidária em
relação a atos praticados por outros administradores, a menos que se prove
não ter intervindo na sua adoção e execução, desconhecendo sua existência
ou, conhecendo, tenha tomado todas as medidas possíveis para evitar o
dano, ou ao menos tenha se manifestado expressamente contrário ao ato
(artigo 133).
No mesmo sentido, a legislação do Equador estabelece que:
La responsabilidad de los administradores por actos u omisiones nose extiende a aquellos que, estando exentos de culpa, hubieren hechoconstar su incorformidad, en el plazo de diez días a contarse de la fechaen que conocieron de la resolución y dieron noticia inmediata a loscomisarios (artigo 264).
VI.4.1.1. Solidariedade do terceiro
Nos termos da lei, ainda, a solidariedade se estende ao terceiro que, com
o administrador, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do
174
contrato, independentemente do auferimento de qualquer vantagem (artigo
158, parágrafo quinto).
Para a responsabilização do terceiro, a lei exige a demonstração da
intenção de busca da vantagem para si ou para outrem; caso contrário a mera
concorrência para o evento não será o suficiente para sua responsabilização.
Neste caso, quando o terceiro tenha concorrido para o ato violador da lei
ou dos estatutos sem, entretanto, qualquer intenção de auferir vantagem, a
eventual boa-fé do mesmo só pode ser prestigiada quando se tratar de ato
violador dos estatutos, diante de seu presumido desconhecimento das
singulares e específicas regras. O mesmo não pode ser alegado quando
tratar-se de violação da lei cuja ignorância a ninguém é dado objetar (artigo 3
da Lei de Introdução do Código Civil), surgindo, nesta hipótese, a
possibilidade de responsabilização do terceiro concorrente.
Cogitem-se as mais diversas simulações, como, por exemplo, aquisições
ou alienações de ativos da sociedade como forma de permitir ao
administrador, ou a alguém de seu interesse, a apropriação de bens ou a
obtenção de indevidos lucros, inclusive através de informações privilegiadas
da companhia, ou em razão do posto nela ocupado (os insiders tradings),
fraudes essas todas coibidas pelo direito pátrio.
Outros casos de responsabilidade de administradores de Sociedades
Anônimas encontram-se previstos nos artigos 239, parágrafo único, que cuida
da aplicação das regras do artigo 158 aos administradores de sociedades de
economia mista, 245 e 246, que dispõem sobre os negócios entre as
sociedades do grupo, na relação controladora/controlada ou controladas, e,
especialmente, 117, que define a responsabilidade do acionista controlador,
175
seja na forma direta e pessoal, seja em solidariedade com algum
administrador193.
VI.5. Excludentes da Responsabilidade Civil
Lembramos que a Lei das Sociedades Anônimas prevê hipóteses de
responsabilidade civil a título de dolo e/ou culpa (artigo 158, inciso I), e por
infração da lei ou do contrato (artigo 158, inciso II), em virtude de dano
causado à companhia, aos acionistas ou a terceiros.
Todavia, alguns fatores eximem o administrador de responsabilidade, a
saber: (a) caso fortuito e força maior; (b) prova de boa-fé e que agiu visando
aos interesses da sociedade (artigo 159, parágrafo sexto); e (c) consignação
da divergência do administrador em ata de reunião do órgão de administração
ou comunicação imediata da divergência ao órgão da administração, ao
conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral (art. 158,
parágrafo primeiro);
O Código Civil conceitua no seu artigo 393 o caso fortuito ou de força
maior como “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir”.
Segundo a legislação societária do México, o administrador que em
qualquer operação tenha um interesse oposto ao da sociedade, deverá
manifestar sua opinião aos demais administradores, abstendo-se de toda e
193 “Art. 239. As companhias de economia mista terão obrigatoriamente Conselho deAdministração, assegurado à minoria o direito de eleger um dos conselheiros, se maior númeronão lhes couber pelo processo de voto múltiplo.Parágrafo único. Os deveres e responsabilidades dos administradores das companhias deeconomia mista são os mesmos dos administradores das companhias abertas.”“Art. 245. Os administradores não podem, em prejuízo da companhia, favorecer sociedadecoligada, controladora ou controlada, cumprindo-lhes zelar para que as operações entre associedades, se houver, observem condições estritamente comutativas, ou com pagamentocompensatório adequado; e respondem perante a companhia pelas perdas e danos resultantes deatos praticados com infração ao disposto neste artigo.”
176
qualquer deliberação neste sentido, sob pena de ser responsabilizado pelos
danos e prejuízos causados à sociedade. Portanto, não é responsabilizado o
administrador que, estando isento de culpa, tenha manifestado sua
discordância no momento da deliberação do ato que causar prejuízo. No
entanto, caso o administrador, conhecendo qualquer irregularidade, não
denunciar por escrito aos comissários (fiscais da sociedade), será
solidariamente responsável (artigos 156, 159 e 160).
No mesmo sentido, a legislação espanhola também prevê casos de
exclusão de responsabilidade. A regra geral é da responsabilidade solidária de
todos os membros do órgão da administração que praticou o ato ou firmou
acordo lesivo à sociedade. No entanto, não serão responsabilizados aqueles
administradores que provarem não ter intervindo na prática do ato,
desconhecer sua existência ou, se cientes, terem tomado todas as medidas
para evitar o dano ou ao menos terem manifestado expressamente sua
oposição (artigo 133).
A legislação do Equador também isenta de responsabilidade os
administradores que, isentos de culpa, fizeram constar sua discordância no
prazo de dez dias a contar da data em que tomaram ciência da deliberação e
deram notícia aos comissários (fiscais) (artigo 264).
No mesmo sentido, a legislação portuguesa isenta de responsabilidade
os administradores que provarem que não procederam com culpa, bem como
aqueles que não participaram da deliberação que causou dano ou que
votaram contrariamente à referida deliberação, podendo neste caso, no prazo
de cinco dias, apresentar a sua declaração de voto, quer no respectivo livro de
atas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização ou perante o notário
(artigo 72).
“Art. 246. A sociedade controladora será obrigada a reparar os danos que causar à companhia poratos praticados com infração ao disposto nos artigos 116 e 117.”
177
Segundo José Edwaldo Tavares Borba,
a exclusão da responsabilidade, embora enunciada como umacircunstância a ser reconhecida pelo juiz que apreciar a ação deresponsabilidade civil, também poderá resultar de reconhecimento daassembléia-geral, instância original na apreciação da matéria. Nos casosde atos dolosos, a exclusão da responsabilidade não se aplica, tanto quea boa-fé é incompatível com o dolo. A negligência igualmente não seconjuga com a boa-fé, e muito menos com a idéia do interesse daempresa194.
O oferecimento pelo administrador à sociedade de garantia assegura o
ressarcimento da sociedade na hipótese de responsabilização. No Brasil, não
é obrigatória a prestação de garantia pelo administrador. O artigo 148 da Lei
das Sociedades Anônimas dispõe que o estatuto pode estabelecer que o
exercício do cargo de administrador deva ser assegurado, pelo titular ou por
terceiro, mediante penhor de ações da companhia ou outra garantia, sendo
que referida garantia somente será levantada após aprovação das últimas
contas apresentadas pelo administrador que houver deixado o cargo.
Referida faculdade atribuída à sociedade também está prevista na
legislação mexicana, conforme segue:
Artículo 152 – Los estatutos o la asamblea general de accionistas,podrán establecer la obligación para los administradores y gerentes deprestar garantía para asegurar las responsabilidades que pudierancontraer en el desempeño de sus encargos.
A legislação espanhola também confere a sociedade tal direito:
Artículo 123 – Nombramiento – 1. El nombramiento de losadministradores y la determinación de su número, cuando los estatutosestablezcan solamente el máximo y el mínimo, corresponde a la juntageneral, la cual podrá, además, en defecto de disposición estatutaria, fijarlas garantías que los administradores deberán prestar o relevarlos deesta prestación.
194 Direito Societário , cit., p. 355.
178
A legislação do Equador também permite à sociedade exigir dos
administradores garantias de gestão:
Art. 257. El nombramiento de los administradores y ladeterminación de su número, cuando no lo fije el contrato social,corresponde a la junta general, la cual podrá también, si no hubieredisposición en contrario, fijar las garantías que deben rendir losadministradores.
A legislação portuguesa obriga a prestação de garantia pelos
administradores no caso de sociedades com subscrição pública. Nos demais
casos, a caução pode ser dispensada por deliberação da assembléia geral ou
constitutiva que eleja o conselho de administração ou um administrador e
ainda quando a designação tenha sido feita no contrato de sociedade, por
disposição deste.
A legislação argentina, diferente das citadas anteriormente, obriga os
administradores a prestar garantia no valor mínimo de $10,000.00 (dez mil
pesos argentinos), a qual poderá consistir em: (a) títulos públicos ou somas de
moeda nacional ou estrangeira que deverão ser depositados em entidades
financeiras ou em casas de valores em nome da sociedade, sendo que o seu
prazo deve ser no mínimo igual ao prazo de prescrição das ações de
responsabilidade; (b) fianças ou avais bancários, seguros de garantia ou de
responsabilidade civil em nome da sociedade, cujo custo deverá ser
suportado por cada administrador.
A prestação de garantia pelos administradores, acima mencionada,
assegura a relação entre os administradores e a sociedade. No entanto os
administradores também são responsáveis perante os acionistas ou terceiros.
Neste caso, interessa ao próprio administrador proteger-se com um seguro
contra o imponderável que o acompanhará durante toda a sua trajetória
profissional.
179
Ainda em relação ao seguro de responsabilidade civil, é válido observar
ser muito comum nos Estados Unidos a contratação pela sociedade de um
seguro para os seus administradores com as mais diversas coberturas. No
Brasil, apesar de não ser comum, já existem seguradoras que comercializam
este tipo de produto, os quais cobrem os principais executivos de prejuízos
financeiros resultantes de sentenças judiciais ou acordo entre as partes,
custos de defesa, despesas de representação legal entre outras em
decorrência de ato ou fato cuja conseqüência é a responsabilidade do
executivo segurado.
VI.6. Medidas Judiciais
No Brasil, a medida judicial cabível contra o administrador é também a
Ação de Responsabilidade Civil pelos prejuízos causados ao patrimônio da
Sociedade (artigo 159 da Lei das Sociedades Anônimas).
Quando é a companhia a diretamente lesada por ato de administrador, a
apuração e efetivação de sua responsabilidade seguem algumas regras
próprias, destinadas a preservar o interesse social, já que se encontra este
conflitante com os do corpo diretivo da sociedade195.
De acordo com a Lei das Sociedades Anônimas (artigo 159), o exercício
da ação de responsabilidade civil do administrador é prerrogativa atribuída à
sociedade, que terá sempre a preferência para pleitear a reparação dos danos
havidos. A apuração da responsabilidade de administrador, quando
prejudicada a sociedade, será feita pela Assembléia Geral. É este o órgão
competente para definir se houve descumprimento de dever legal e promover
a ação. Para chegar à sua conclusão, a Assembléia, quando depender de
maiores informações, deve determinar o levantamento de dados, devendo,
195 Roberto Quiroga Mosquera, Aspectos atuais do Direito do Mercado Financeiro e deCapitais, cit., p. 100. Texto de Fabio Ulhoa Coelho relativo à Responsabilidade Civil dosAdministradores de Instituições Financeiras.
181
deliberação da assembléia geral legitima qualquer acionista a promovê-la,
independentemente do número de ações que possuir. A segunda hipótese, a
substituição originária, se verifica quando a Assembléia Geral delibera não
promover a ação de responsabilidade contra o administrador, mas acionista
ou acionistas titulares de ações correspondentes a 5% do capital social têm
entendimento contrário ao órgão, legitimando-se assim à propositura da
ação196.
Trata-se, como se vê, de hipótese de substituição processual, exceção à
regra segundo a qual ninguém poderá em nome próprio pleitear direito alheio
(artigo 6, CPC). Há, portanto, dissociação entre o sujeito da lide e o sujeito do
processo, sendo que a lide será sempre da companhia, que é titular do direito
material, direto e principal, ao passo que a titularidade do processo é do
acionista. Fabio Ulhoa Coelho adota o critério que se refere à legitimação dos
acionistas como conseqüência da inércia dos diretores como hipótese de
substituição derivada, mencionando que a legitimidade cabível ao grupo
minoritário nos casos em que a assembléia geral delibera não responsabilizar
o administrador constitui caso de substituição originária197.
Na Espanha, a ação de responsabilidade dos administradores deve ser
ingressada pela sociedade, mediante aprovação prévia da Assembléia Geral.
Os acionistas podem solicitar a convocação da Assembléia Geral para que
esta decida sobre o exercício da ação de responsabilidade, bem como
ingressar conjuntamente com a ação de responsabilidade em defesa dos
interesses sociais quando os administradores não convocarem a Assembléia
Geral solicitada para este fim, quando a sociedade não ingressar com a ação
dentro do prazo de um mês, contado da data da aprovação do ingresso da
ação, ou mesmo quando a Assembléia não acordar em ingressar com uma
196 Mosquera, cit., p. 102. Texto de Fabio Ulhoa Coelho relativo à Responsabilidade Civil dosAdministradores de Instituições Financeiras.197 Fabio Ulhoa Coelho, A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores decompanhia. Revista Direito de Empresa. n. 1, p. 25, 1996. São Paulo: Max Limonad.
182
ação de responsabilização. Os credores, por sua vez, podem exercitar o
direito de ingresso de ação de responsabilidade contra os administradores
quando não tiver sido exercido pela sociedade ou pelos acionistas, sempre
que o patrimônio social resulte insuficiente para a satisfação de seus créditos
(artigo 134).
No México, os acionistas que representam 33% do capital social, pelo
menos, podem exercitar diretamente o direito de ação de responsabilidade
civil contra os administradores, sempre que satisfaçam os seguintes
requisitos: (i) que a demanda compreenda o valor total das responsabilidades
em favor da sociedade e não unicamente o interesse pessoal, e (ii) que os
autores não tenham aprovado a resolução tomada pela Assembléia Geral dos
Acionistas sobre não proceder à ação de responsabilidade contra os
administradores (artigo 163).
No mesmo sentido, a legislação do Equador estabelece que a ação de
responsabilidade contra os administradores ou membros dos conselhos de
administração, fiscal ou diretoria deva ser ingressada pela sociedade,
mediante prévio acordo da Assembléia Geral. Em qualquer momento a
Assembléia Geral pode transigir ou renunciar o exercício da ação de
responsabilidade, sempre que não se opuserem os acionistas que
representem no mínimo a décima parte do capital integralizado. O acordo de
promover a ação ou de transigir implica a destituição dos administradores
(artigo 272).
Da mesma forma, a legislação portuguesa dispõe que a ação de
responsabilidade proposta pela sociedade depende de deliberação dos
sócios, tomada por simples maioria, e deve ser proposta no prazo de seis
meses a contar da referida deliberação.
183
VI.6.1. Impedimento do administrador
O artigo 159, parágrafo 2, da Lei das Sociedades Anônimas determina
que o “administrador ou administradores contra os quais deverá ser proposta
a ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia”.
Assim, a mesma assembléia que aprovar o ajuizamento da ação de
responsabilidade deverá nomear novo administrador em substituição àquele
tido como violador da norma de conduta.
É importante observar que o impedimento decorre da deliberação da
assembléia geral favorável à propositura da ação de responsabilidade, e não
do ajuizamento da medida. Dessa forma, inexiste impedimento do
administrador na hipótese de ação social proposta por acionistas minoritários
titulares de pelo menos 5% do capital social, fundada na deliberação da
assembléia geral repelidora da responsabilização.
Modesto Carvalhosa destaca que o entendimento contrário possibilitaria
o absurdo de que, a qualquer tempo, os acionistas minoritários promovessem
a destituição de administradores contra a vontade da maioria, ao proporem
uma ação de responsabilidade civil. A mesma orientação pode ser encontrada
em Fabio Ulhoa Coelho e Nelson Eixirik198.
VI.6.2. A responsabilidade do administrador ante ac ionistas e terceiros
198 Modesto Carvalhosa, Responsabilidade civil de administradores e de acionistas controladoresperante a lei das S.A. Revista dos Tribunais, n. 699. p. 41, 1994. São Paulo. Fabio Ulhoa Coelho,A natureza subjetiva da responsabilidade civil dos administradores de companhia. Revista Direitode Empresa. cit., p. 26. Nelson Eizirik, Inexistência de impedimento do administrador na açãosocial “ut singuli”. Revista de Direito Mercantil , n. 80, p. 37, 1990. São Paulo: Revista dosTribunais.
185
CAPÍTULO VII – CONCLUSÃO
A globalização fez crescer significativamente a importância das empresas
e, por conseqüência, a importância de seus administradores. A globalização
se caracteriza pela convergência econômica, social, jurídica e política das
várias regiões do mundo, e, muito embora venha se desenvolvendo desde a
época do capitalismo, atingiu de 1990 para cá uma intensidade sem
precedentes.
A primeira conseqüência da globalização é o rompimento por ela
provocado de estado-nação e soberania-nacional. Os estados nacionais
perdem a supremacia no campo interno, com a emergência de novos focos de
poder e de produção de direito, com alcance internacional. Destacam-se aqui,
justamente, as grandes empresas e as organizações não-governamentais.
A segunda conseqüência é que a dimensão econômica passa a
preponderar sobre as demais dimensões. Esse fenômeno, iniciado com a
Revolução Industrial, acelera-se sob o impulso da globalização. A empresa,
então, consolida sua posição de instituição dominante da dimensão
econômica do mundo atual. Uma terceira conseqüência é que o cenário
econômico globalizado passa a exigir que os agentes econômicos concorram
em mercado mundial, acompanhando as tendências, modificações e
exigências de mercados ocorridas. É imperativo o emprego de vultosos
capitais em pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e maior
flexibilidade dos meios de produção.
186
Outra conseqüência da globalização foi a criação das três principais
instituições internacionais: o Fundo Monetário Internacional – FMI, o Banco
Mundial, como é conhecido o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento – BIRD e a Organização Mundial do Comércio – OMC.
Referidas instituições foram criadas no período do pós-guerra com a
finalidade inicial de, respectivamente, assegurar a estabilidade econômica
mundial, evitando a ocorrência de uma nova depressão mundial, harmonizar o
sistema financeiro mundial, reconstruindo-lhes as bases; e controlar as
relações comerciais internacionais. A estas instituições acrescente-se também
a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,
fundada em 1960, que tem como membros e mantenedores os mesmos
países de economia desenvolvida integrantes das organizações supracitadas.
Atualmente, tais organizações desempenham um papel muito diferente
daquele para o qual foram criadas. Segundo Joseph E. Stiglitz, a mudança
mais drástica data da década de 1980, quando Ronald Reagan e Margaret
Thatcher pregavam uma ideologia de livre mercado nos Estados Unidos e no
Reino Unido. O FMI e o Banco Mundial tornaram-se as novas instituições
missionárias, por meio das quais essas idéias eram impostas aos relutantes
países pobres que, via de regra, precisavam muito de seus empréstimos e
concessões199.
Com a criação da nova ordem econômica, blocos de negociação tarifária
surgiram, aproximando países, empresas e pessoas. Com isso, o comércio
internacional alavancou, a competição entre empresas nacionais e
internacionais passou a ser acirrada, e o mercado nacional passou a
representar pouco. Isso obrigou as empresas a optar pela sua
internacionalização. Era uma questão de sobrevivência. Com isso,
presenciamos uma série de acontecimentos, como constituição de sociedades
199 Joseph E. Stiglitz, A Globalização e seus malefícios . A promessa não-cumprida de benefíciosglobais. 3. ed. Trad. Brazán Tecnoligia e Lingüística. São Paulo: Editora Futura, 2002. p. 39.
187
no exterior, ingresso de investimento estrangeiro no País, operações
societárias, tais como: cisões, fusões, incorporações, todas objetivando se
fortalecer através da expansão de mercado.
Além da procura por novos mercados, as empresas passaram a se
preocupar com o custo de seus investimentos, e a ponderar a abertura do
capital social, visando a obtenção de recursos a um custo infinitamente menor.
Era de fato uma forma de ganhar força na competição acirrada que
presenciavam. E foi assim que o mercado de capitais se desenvolveu.
Com o tempo, o investidor foi se tornando mais consciente e exigindo
garantias, como segurança e transparência na condução dos negócios. A
pressão dos investidores institucionais dos países desenvolvidos para que os
mercados externos se modernizassem através da adoção de determinadas
práticas protetivas era cada vez mais intensa, afinal, ao escolher um mercado
para emitir seus títulos, os investidores também escolhem as regras a que se
submeterão.
Diante disso, surgiu na economia anglo-saxônica um movimento
conhecido como governança corporativa. Este movimento visava não somente
o estreitamento das relações entre as sociedades e o mercado, mas também
entre os fornecedores, consumidores, através da instituição de práticas
protetivas dos direitos dos investidores, além de alinhar os interesses dos
administradores e proprietários evitando conflitos.
Pode-se definir governança corporativa como o conjunto de práticas que
têm por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger as
partes interessadas, como investidores, empregados e credores, facilitando o
acesso ao capital. Os três pilares da boa governança corporativa são: (a)
transparência; (b) prestação de contas; e (c) eqüidade no tratamento dos
acionistas.
189
especialmente em razão da maior competitividade entre as empresas
resultante deste processo de internacionalização. Aqueles países que
apresentavam em seus ordenamentos jurídicos claramente os deveres,
obrigações e responsabilidades dos administradores atraíram investimentos
estrangeiros e, por conseqüência, as empresas que tinham uma
administração profissional e políticas internas de relativas às
responsabilidades, deveres e obrigações da administração. A atenção dos
investidores passou a ter por objeto a avaliação do desempenho da
companhia, do conselho de administração e do diretor presidente, através da
adoção de uma postura mais intrusiva, fiscalizando de forma mais próxima a
gestão das empresas e visando com isso maximizar o retorno de seus
investimentos.
Diante do exposto, pode-se afirmar que os administradores ao longo do
tempo adquiriram poder e, em contrapartida, lhes foram conferidos mais
deveres e responsabilidades, especialmente após a criação da nova ordem
econômica mundial e, recentemente, com os escândalos financeiros
envolvendo sociedades americanas.
Os administradores somente se tornam responsáveis quando violam
deveres ou obrigações preexistentes. O legislador brasileiro previu de forma
detalhada as suas obrigações e deveres, quais sejam, de diligência, de
cumprimento das finalidades da sociedade, o de lealdade e o de informar,
além de outros deveres implícitos, como observar os estatutos; cumprir as
deliberações dos órgãos societários hierarquicamente superiores; controlar a
atuação dos demais administradores; não competir com a sociedade.
Durante muito tempo verificava-se na relação entre o administrador e a
sociedade um vínculo de natureza contratual (figura do mandato), resultando
a noção de que as infrações aos deveres de gestão pelos administradores
suscitariam a sua responsabilização com base nas regras de direito comum,
190
relativas ao inadimplemento das convenções. Com o advento da teoria
organicista, a responsabilidade dos administradores das sociedades foi
transportada para a esfera dos ilícitos civis.
Pode-se identificar quatro sistemas de responsabilidade civil: (a)
responsabilidade subjetiva do tipo clássico; (b) responsabilidade subjetiva com
inversão do ônus de prova; (c) responsabilidade objetiva; (d) responsabilidade
objetiva pura.
No sistema de responsabilidade subjetiva do tipo clássico, a vitima que
busca a reparação do dano deve provar a ocorrência de três fatos: a conduta
culposa do demandado, por ação ou omissão; a existência e extensão do
prejuízo; o nexo de causalidade entre a conduta do demandado e o dano.
O sistema de responsabilidade subjetiva com inversão do ônus de prova
elege para a indenização os mesmos pressupostos do sistema clássico, a
diferença é que no de inversão do ônus probatório atribui-se ao demandado o
dever de provar que não agiu culposamente. No sistema de responsabilidade
objetiva o demandante deve provar a existência e extensão do dano e o nexo
de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do demandado. Não é
necessário provar a culpa do agente, pois este responderá pelos prejuízos
causados à vítima ainda que não tenha agido com culpa. Por fim, no sistema
de responsabilidade objetiva pura, a vítima precisa apenas provar a relação
de causa e efeito entre o dano e uma determinada ação ou omissão daquele
que terá de indenizar a vítima. A doutrina costuma apontar o risco inerente ao
exercício de determinada atividade como o fundamento da responsabilidade
objetiva. Para Fabio Ulhoa Coelho não são os riscos da atividade o
fundamento da responsabilidade civil, e sim a possibilidade de serem
absorvidas as repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, através
da distribuição do custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano, ou, de
algum modo, beneficiárias do evento.
191
No direito brasileiro, a responsabilidade civil foi tratada sob a orientação
da teoria subjetiva. Todavia, em diversos casos específicos, a legislação foi
absorvendo a teoria objetiva do risco.
A Lei das Sociedades Anônimas menciona duas hipóteses de
responsabilidade civil dos administradores de companhias. Uma relacionada
aos prejuízos causados por sua culpa ou dolo, ainda que sem exorbitância de
poderes e atribuições, e a outra pertinente à violação da lei ou do estatuto. Em
relação à primeira, é unânime a doutrina ao afirmar que a previsão legal
imputa aos administradores responsabilidade subjetiva do tipo clássico.
Quanto à segunda, predomina o entendimento de que cuida a hipótese legal
de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa, havendo quem a
considere objetiva200.
A Lei das Sociedades Anônimas prescreve hipóteses de
responsabilidade solidária entre os administradores quando forem os
administradores coniventes com o ato ilícito de outro administrador, quando
negligenciarem em descobri-los e quando deixarem de agir para impedir a sua
prática. No entanto, as regras de vinculação solidária dos administradores não
estabelecem nenhuma responsabilidade objetiva.
A responsabilidade dos administradores é limitada às suas funções, não
podendo ser responsabilizados por atos praticados por outros
administradores, salvo conluio ou negligência, situações em que se verificará
solidariedade, conforme acima mencionado.
Alguns fatores eximem o administrador de responsabilidade além do
caso fortuito e força maior, a saber. Prova de boa-fé e que agiu visando aos
200 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial – Direito da Empresa, cit., 10. ed., p. 251-252.
193
acionistas. Seus líderes são os administradores profissionais, que adquiriram
ao longo do tempo poder, deveres e inúmeras responsabilidades. Tudo isso foi
resultado da globalização, este processo de integração que exigiu do
legislativo dos países e das próprias empresas uma atuação mais intensa
mediante a criação de normas e regras protetivas para os acionistas, a
sociedade e terceiros. Tais normas resultaram na imposição de maiores
responsabilidades àqueles que controlam e comandam as sociedades: os
administradores.
194
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