Siete Coronas

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    A construo da memria sobre Sete Coroas, o criminoso mais famoso da

    Primeira Repblica.

    Romulo Costa Mattos

    I

    No incio dos anos 1920, um morador annimo do morro da Favela atual

    morro da Providncia realizou um inusitado assalto em um funeral de gala. A

    quantidade e a qualidade dos objetos furtados nessa ao lhe renderam um apelido que,

    em pouco tempo, seria conhecido por toda a cidade do Rio de Janeiro: Sete Coroas. 1Os

    seus audaciosos roubos fizeram com que a sua trajetria sasse dos registros policiais e

    ganhasse destaque na cobertura policial feita pelos jornalistas, nos palcos teatrais e na

    obra de escritores e compositores de msica popular.

    Aps a fama de Sete Coroas ter atingido um nvel elevado entre os trabalhadores

    da capital, a grande imprensa, que tanto contribura para tir-lo do anonimato, passou a

    promover uma campanha no sentido de desmitific-lo. Em tal processo, os jornalistas

    tentaram apagar da imagem do desviante2 o atributo pelo qual se celebrizara: a

    valentia. Mas um grande sucesso carnavalesco do comeo dos anos 1920, que exaltava

    o seu destemor, voltou com fora em meados da mesma dcada, justamente, no contexto

    em que os reprteres o tratavam como um mero ladro de galinhas. O significativo

    que a cano foi aproveitada pelo teatro de revista, um tipo de espetculo que possua

    um inegvel apelo popular.

    Este trabalho tem como objetivo analisar a construo da memria sobre SeteCoroas, destacando como fontes de estudo o samba homnimo composto por Jos

    Barbosa da Silva o Sinh , em 1921, reportagens publicadas no Correio da Manhe

    na Vida Policial, alm de registros literrios feitos por Benjamin Costallat, Gustavo

    Doutor em Histria Social pela Universidade Federal Fluminense e professor do Departamento deHistria da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.1

    Vida Policial. Um homem clebre. 21 de maro de 1925.2BECKER, Howard S. Uma Teoria da Ao Coletiva. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1977. pp. 53-67.

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    Barroso, Orestes Barbosa e Francisco Guimares o Vagalume , ao longo da dcada

    de 1920 e princpios da de 1930.

    Entre 1920 e 1921, Sete Coroas se tornou bastante conhecido na crnica policial.

    Temido e popular3, o seu nome virou ttulo de uma cano de Sinh, o primeiro negro

    a se projetar na sociedade carioca como cantor/ compositor de sambas. 4 Frequentador

    do morro da Favela, Sinh era amigo de Sete Coroas; consta, inclusive, que o segundo,

    certa vez, apareceu em um bloco organizado pelo primeiro. De acordo com depoimentos

    de contemporneos, em vez de apenas glorificar o salteador, o sambista o tornou ainda

    mais temido e aumentou o terror suscitado por sua figura e por suas faanhas.5Vejamos

    ento a letra da msica Sete Coroas, lanada em 1921:

    noite escuraIai acende a velaSete CoroasBambamb l da FavelaE a polcia

    J tentouSete CoroasMeia dzia matouE o homenzinho perigosoSete CoroasNasceu no Barroso6

    Essa cano o grande marco da primeira fase da construo da memria sobre

    Sete Coroas, quando a sua fama de valente era insuflada no espao pblico. O

    discurso acerca de sua valentia visto na ideia de que o homenzinho perigoso. Esseatributo potencializado por outras afirmaes de Sinh. Note-se que a personagem

    seria o Bambamb l da Favela. Essa ltima palavra citada, escrita em letra

    3ALENCAR, Edigar de.Nosso Sinh do samba. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1981. p. 55.4No obstante, o artista levou vitoriosamente esse estilo musical aos teatros e sales. SODR, Muniz.Samba, o dono do corpo. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. pp. 40, 43.5ALENCAR, Edigar de. op. cit.pp. 55, 56.6ibid. p. 55. O nico registro cantado desse samba foi realizado pelo grupo Lira Carioca, em 2000, no CD

    independente sim, Sinh Vol. II, que utilizou como referncia a gravao instrumental feita pelalongeva pianista Carolina Cardoso de Menezes, em 1986, no disco Os Pianeiros Aloysio de AlencarPinto, Carolina Cardoso de Menezes e Antnio Adolfo, lanado pela FENAB.

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    maiscula, indica um nome prprio, um espao especfico: o morro da Favela,

    localizado na regio porturia, conhecido na grande imprensa como o territrio das

    classes perigosas no Rio de Janeiro. Conforme afirmou o Correio da Manh, em

    1909, a colina seria o lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que,

    exatamente por isso por ser o esconderijo da gente disposta a matar, por qualquer

    motivo, ou, at mesmo, sem motivo algum , no tem o menor respeito ao Cdigo Penal

    nem Polcia.7Portanto, no samba de Sinh, Sete Coroas seria o principal valente

    (bambamb) do morro que, de acordo com o senso comum da poca, concentraria a

    maior quantidade de indivduos nocivos sociedade.

    Em um recurso possivelmente aproveitado dos contos e lendas populares, o

    artista tenta dar um tom sombrio letra da cano j nos versos iniciais, para acentuar a

    sensao de medo entre os ouvintes/cantadores da histria de Sete Coroas e prender a

    ateno dos mesmos: noite escura/ Iai acende a vela. A letra da cano tambm

    aborda indiretamente a dimenso espiritual e religiosa, propriamente africana, na ideia

    de que o desviante teria o corpo fechado, por ter sado vivo de emboscadas

    policiais: E a polcia/ J tentou/ Sete Coroas/ Meia dzia matou.

    Esse trecho segundo o qual Sete Coroas teria matado meia dzia de policiais

    pode nos ajudar a compreender o porqu de o desviante ter sido to popular entre os

    trabalhadores, uma vez que esses nutriam uma forte animosidade contra a polcia. A

    relao entre essas duas partes chegou a ser definida por Aluzio Azevedo, em 1890,

    como uma questo de dio velho.8Na Primeira Repblica, a coero do policial era a

    dimenso mais imediata do projeto de formao de um mercado capitalista de trabalhoassalariado.9Alm disso, matar policiais em confrontos particulares era uma forma de

    afirmar ou alcanar a condio de valente.

    Em relao a esse pensamento, em 1928, o cronista Tito Andr, apresentado na

    grande imprensa como um ex-malandro do incio do sculo XX, contou que

    7Correio da Manh. Os dramas da Favela. 05 de julho de 1909.8

    AZEVEDO, Aluisio. O Cortio. O Globo/ Klick Editora. S/D. p. 99.

    9CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro daBelle poque. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2001. p. 254.

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    Cardozinho era um dos valentes mais respeitados da histria da Sade bairro que,

    no seu entender, era a capital das classes perigosas no Rio de Janeiro. Como esse

    homem conseguira acumular tamanho prestgio? Cardozinho se fizera bamba

    matando trs policiais de uma vez, a tiros de garrucha.10 Isso com um detalhe

    importante: Tito Andr fazia questo de dizer que a faca, arma antiga, , na opinio dos

    criminosos, a nica compatvel com um homem que se preza.11 No entanto, no

    podemos afirmar que o contador de histrias abriu uma exceo para Cardozinho, que

    utilizara uma arma de fogo em seu grande feito; afinal, como dizem os valentes [...] em

    cima da polcia vale tudo....12

    Vale ressaltar que a hostilidade entre malandros e policiais era recproca.

    Camisa preta, outro famoso desviante da Primeira Repblica, por exemplo, foi

    assassinado pelo Cabo Elpdeo, em uma vingana pessoal (Orestes Barbosa escreveu

    sobre a personalidade desse ltimo em uma crnica sugestivamente intitulada Almas

    de bandido).13Para encerrar a anlise da cano Sete Coroas, lemos no ltimo verso

    que o popular Nasceu no Barroso, uma microrea do morro da Favela, ao que tudo

    indica, distinguida pela valentia no por acaso, a msica que exalta a bravura de Sete

    Coroas encerrada com a referida informao.

    Em 1922, os jornais ainda se referiam s aes do desviante nos termos do

    sensacional, e apontava para o suposto sucesso que ele fazia entre os moradores do

    morro da Favela:

    Todos ns lembramos ainda das famosas peripcias do Sete Coroas eatravs dos tempos mais cresce a fama desse bandido no meio favelano.Todos ali querem imit-lo, desde os meninos at os homens. E, de instante ainstante, aparece-nos pela frente um pequenino Sete Coroas, de espadago

    10O Malho. A Sade de outros tempos. 28 de Julho de 1928.11idem. No mesmo sentido, o jornalista Orestes Barbosa afirmou, em 1923, que os valentes achavam aarma de fogo covarde. BARBOSA, Orestes. As armas. In: BARBOSA, Orestes. Bambamb. Rio deJaneiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentao e

    Informao Cultural, Diviso de Editorao, 1993. p. 99.12O Malho. op. cit.13BARBOSA, Orestes. Almas de Bandido. In: BARBOSA, Orestes. op. cit. p. 110.

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    ao lado, a enfrentar companheiros, que aceitam impassveis suasdeterminaes.14

    Nesse texto publicado no ms de novembro, que se referia crescente fama de

    Sete Coroas, possvel perceber que, nas duas primeiras linhas, o jornalista se dirigia

    aos atos perpetrados pelo salteador em tom de lembrana. O interessante que, no

    carnaval do mesmo ano, 1922, o samba de Sinh reaparecera com sucesso. O que

    podem nos informar esses dois indcios importantes? Provavelmente, a priso do

    desviante.

    Em uma crnica escrita no comeo de 1923, Orestes Barbosa nos d a

    informao de que Sete Coroas j engrossava a populao carcerria da cidade. O

    cronista mencionou que a popular Maria Tomsia cantava na priso das mulheres a

    seguinte modinha:

    Mandei fazer na macumba,

    Para comer com voc,Uma farofa amarela,Com azeite de dend...[...]Pai JosPai JooAgora o Sete CoroasFoi morar na deteno...15

    Vale mencionar que Orestes Barbosa fora preso por injria duas vezes, tendo sido

    libertado, na ltima vez, em 26 de novembro de 1921.16

    Em meados de 1923, a fama de valente de Sete Coroas permanecia intacta.

    Quanto ao futuro das crianas que moravam nos morros cariocas, o Correio da Manh

    deu duas opes pouco animadoras: virar um Sete Coroas ou cabo eleitoral.17Vale dizer

    14 Correio da Manh. Os nossos morros esto a exigir a ateno dos que se interessam pela sadepblica. 16 de novembro de 1922. Data citada em: ABREU, Mauricio de Almeida. Reconstruindo umahistria esquecida: origem e expanso das favelas no Rio de Janeiro. Espao & Debates, So Paulo, v.14,n. 37, 1994. p. 46.15

    BARBOSA, Orestes. Mgoa de assassina. In: BARBOSA, Orestes. op. cit. p. 49.16DIDIER, Carlos. Orestes Barbosa: reprter, cronista e poeta. Rio de Janeiro: Agir, 2005. p. 179.17Correio da Manh. Na cidade da multido turbulenta e sofredora. 22 de julho de 1923.

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    que nessa ltima atividade eram empregados muitos desviantes, como os temidos

    capoeiras; na Primeira Repblica j era comum aquilo que Carvalho chamou de

    entrosamento da ordem com a desordem.18Sete Coroas foi colocado pelo jornal como

    o paradigma do viver na ponta da navalha.19

    Embora se encontrasse preso, provavelmente, desde o perodo compreendido

    entre o fim de 1921 e o comeo de 1922, Sete Coroas no havia sido esquecido pelos

    cronistas da cidade. Em 1924, Benjamin Costallat se referiu a Sete Coroas e seus

    companheiros como pessoas que Assaltavam, roubavam, matavam com uma

    simplicidade comovedora.20 Tambm considerou o Buraco Quente a zona mais

    perigosa da Favela, a zona em que Sete Coroas imperou, espalhando o terror e a

    morte.21

    Portanto, at 1924, o samba de Sinh estava em sintonia com os escritos dos

    jornalistas e cronistas da cidade sobre Sete Coroas, que seria um desviante bastante

    temido e famoso. Juntando os discursos que lemos at aqui, podemos dizer ele era

    perigoso, por ser o autor de famosas peripcias, que espalhariam terror e morte

    entre a populao carioca. A partir de 1925, a construo da memria sobre Sete Coroas

    mudou radicalmente.

    II

    Na j citada crnica de Benjamin Costallat, de 1924, h um suposto depoimento

    de Jos da Barra sobre Sete Coroas, que merece ser analisado. Jos da Barra era um

    antigo valente que, com o tempo, regenerou-se e se tornou uma liderana no morro daFavela condio que mantinha, inclusive, com o apoio da delegacia do 9 distrito.22

    18CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi . So Paulo:Companhia das Letras, 1987. p. 155.19Correio da Manh. Na cidade da multido turbulenta e sofredora...20COSTALLAT, Benjamin. A Favela que eu vi.... In: COSTALLAT, Benjamin.Mistrios do Rio. Riode Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentao eInformao Cultural, Diviso de Editorao, 1995. p. 37.21ibid. p. 38.22

    MATTOS, Romulo Costa. A aldeia do mal. O Morro da Favela e a construo social das favelasdurante a Primeira Repblica. Dissertao (Mestrado em Histria Social). Programa de Ps-Graduaoem Histria, Universidade Federal Fluminense, Niteri, 2004. pp. 117-124.

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    Nas palavras atribudas a Jos da Barra, Sete Coroas no era o pior. Foi o que ganhou

    mais fama. Mas no era o pior. Terrveis eram os seus dois companheiros que

    morreram: o Camisa e o Benedito.23Esse trecho importante por mostrar que naquele

    ano o processo de desmitificao de Sete Coroas comeara a se manifestar nos textos da

    grande imprensa, ainda que timidamente Costallat publicara tal crnica primeiramente

    noJornal do Brasil.

    Em maro de 1925, encontramos uma meno ao nome de batismo de Sete

    Coroas na revista Vida Policial, a qual nos d uma ideia do desprezo com que os

    jornalistas passaram a trat-lo naquele ano: Chama-se Carlos de qualquer cousa.24

    Decerto, os reprteres estavam mais interessados em apagar a sua imagem de homem

    perigoso. Segundo aquela publicao, Sete Coroas teria praticado somente crimes

    banalssimos e a reportagem policial que representa o gosto e a emoo da cidade, deu-

    lhe a popularidade que outras manifestaes ampliaram.25

    Percebamos na passagem acima que, para conseguir promover o

    enquadramento da memria26sobre Sete Coroas, os reprteres chegavam a ponto de

    realizar uma autocrtica. De fato, os jornais davam grande destaque ao tema da

    criminalidade na capital e costumavam trat-lo nos temos do sensacional.27Para termos

    uma ideia do quanto essa prtica estava entranhada no cotidiano jornalstico da poca, a

    matria que comemorava o fato de o Observatrio ter avistado um cometa, num perodo

    em que a visibilidade do astro estava dificultada, recebeu o seguinte ttulo: OS

    VAGABUNDOS DO ESPAO 28.

    Para cumprir a delicada tarefa de reinterpretar o passado, a Vida Policialcitou osuposto depoimento de Moleque Simo, um informante autorizado em cousas do

    23COSTALLAT, Benjamin. op. cit.pp. 38, 39.24Vida policial. Um homem clebre...25idem.26POLLAK, Michael. Memria, esquecimento, silncio. Estudos Histricos,Rio de Janeiro, vol. 2, n.3,1989. pp. 03-15.27Ver: PORTO, Ana Gomes. Crime em letra de forma: sangue, gatunagem e um misterioso esqueleto na

    imprensa no preldio republicano. Dissertao (Mestrado em Histria) Programa de Ps-Graduao emHistria, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.28Correio da Manh. OS VAGABUNDOS DO ESPAO. 20 de abril de 1917.

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    crime29, segundo o qual 7 coroas no vale nada. Nem sei porque h essa fama; ele foi

    meu companheiro de cubculo e at um molequinho toa.... De acordo com a mesma

    revista, o prprio bambamb, ao ser preso, teria confessado que estava surpreendido

    com a sua popularidade, a qual, a essa altura, alcanava Campos e Aracaj, cidades

    onde se escondera. Naturalmente por julgar-se autor de todos os crimes do mundo,

    concluiu ironicamente a revista.30Apesar desse comentrio jocoso, no de se admirar

    que o desviante tenha manifestado polcia sua surpresa diante da fama de salteador

    procurado e temido...

    Tamanha popularidade fez com que Sete Coroas despertasse a ateno do

    folclorista Gustavo Barroso, que se apresentava sob o pseudnimo de Joo do Norte.

    Para o integrante da Academia Brasileira de Letras, esses criminosos to clebres no

    passam de uns ex-homens analfabetos e covardssimos.31 Em maro de 1925, esse

    juzo foi compartilhado pela Vida Policial, que tratou Sete Coroas como um pobre

    diabo.32Cinco meses mais tarde, em agosto, a revista repetiu o pensamento de que o

    popular na opinio balizada de todos os seus companheiros apenas um pobre diabo,

    estpido e covarde.33 J no ms de outubro, mencionou mais uma vez a opinio

    autntica34de Moleque Simo: O Sete Coroas(...) apenas um pobre diabo. Dessa

    vez, a foto do desviante do morro da Favela ilustrou o texto intitulado O mais

    popular dos gatunos cariocas35, o qual, no custa lembrar, encontrava-se preso havia

    alguns anos.

    29Vida policial. Um homem clebre...30idem.31idem.32idem.33

    Vida Policial. Morro da Favela. 15 de agosto de 1925.34Vida Policial. O mais popular dos gatunos cariocas. 31 de outubro de 1925.35idem.

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    Nas trs reportagens sobre Sete Coroas publicadas pela Vida Policialem 1925, o

    desviante foi menosprezado por meio da expresso pobre diabo. Esse parece ser um

    momento apropriado para abordarmos a Retrica, estudo de longa tradio entre os

    letrados brasileiros. No tocante a Sete Coroas, identificamos nos discursos jornalsticos

    o argumento ad hominem, ou seja, um ataque pessoal como forma de desqualificao

    a um opositor.36No contexto de tentativa de imposio dos valores burgueses sobre o

    conjunto da sociedade, caracterstico da Primeira Repblica, no resta dvida de que os

    indivduos que realizavam uma leitura diferente do cdigo sociocultural37 eram

    considerados oponentes. J o recurso opinio de Jos da Barra e Moleque Simo a

    respeito de Sete Coroas os quais, em determinada poca de suas vidas, integraram o

    mundo do crime , numa inusitada inverso de valores, funcionava como um

    36 CARVALHO, Jos Murilo de. Histria Intelectual: Alguns problemas metodolgicos. Trabalhoapresentado ao Primer Encuentro del Centro de Histria y Analisis Cultural, em Buenos Aires, nos dias 9e 10 de outubro de 1997. (Texto preliminar-mimeo). p. 13.37

    Ver: VELHO, Gilberto. O estudo do comportamento desviante: a contribuio da antropologia social.In: VELHO, Gilberto (org.). Desvio e divergncia: uma crtica da patologia social . Rio de Janeiro:Zahar, 1981.

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    argumento de autoridade.38Nesse caso, o testemunho demeritrio de uma pessoa do

    seu prprio meio social tinha mais possibilidade de manchar a reputao de um

    valente do que o depoimento de um folclorista reputado como Gustavo Barroso.

    pela repetio incessante que um juzo de valor pode ganhar ares de verdade.

    Em 1926, o Correio da Manhdava prosseguimento ao processo de enquadramento da

    memria sobre Sete Coroas, ao reproduzir a suposta fala de um morador do morro da

    Favela chamado Justino de Oliveira:

    [Sete Coroas] foi uma lenda criada pela polcia e endossada pelos senhores daimprensa, que o transformaram num heri do crime. um pobre diabo, queaqui viveu quase desconhecido e que de um dia para outro foi transformadoem heri de folhetim. Tmido, covarde mesmo, o preto Sete Coroas se encheude tal modo de vento que se sups valente... Incomodava-o a polcia? Pois eleajustaria contas com ela... E um dia, aps um fato qualquer, foi preso,processado e cumpre na Correo a pena que lhe imps o jri.39

    Note-se que a acusao segundo a qual Sete Coroas seria um pobre diabo

    estava de volta. Outras recorrncias foram o reconhecimento da atuao exagerada dagrande imprensa na construo da fama do valente e, claro, o recurso ao depoimento

    de pessoas que circulavam pelo meio social do desviante. Esse texto, portanto,

    reproduzia o padro estabelecido pelas matrias publicadas pela Vida Policial, em 1925.

    Poderamos deduzir que, a essa altura, a populao carioca estaria convencida de que

    Sete Coroas fora mesmo uma inveno dos jornais cariocas, sendo ele, na realidade, um

    simples ladro de galinhas?

    A hiptese de que ao menos parte dos habitantes da cidade no caso, ostrabalhadores no concordava com os textos jornalsticos sobre Sete Coroas pode ser

    comprovada pela encenao da pea teatral Geladeira, estreada a 10 de junho de 1926,

    no teatro So Jos. Os autores Irmos Quintilianos incluram nesse espetculo coplas de

    Sete Coroas, o antigo sucesso carnavalesco de Sinh.40Ou seja, justamente quando a

    38CARVALHO, Jos Murilo de. Histria Intelectual: Alguns.... pp. 16-24.39

    Correio da Manh. Uma caravana do papa mitrado do futurismo na Favela. 19 de maio de 1926.Data citada em: ABREU, Mauricio de Almeida. op. cit.p. 43.40ALENCAR, Edigar de. op. cit.pp. 105, 106.

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    prtica de deslegitimar os feitos do desviante estava no seu auge, o teatro de revista

    recuperava a cano que ressalta a valentia de tal homem. Considerando-se que esse

    tipo de espetculo tinha caractersticas consideravelmente populares, a verso da

    biografia de Sete Coroas divulgada por Sinh ainda fazia muito sentido para grande

    parcela da populao do Rio de Janeiro certamente, os produtores da referida pea no

    gostariam de ver as cadeiras do teatro vazias.

    Fundamentalmente, o que o reaproveitamento do samba Sete Coroas pelo

    teatro de revista pode revelar a disputa, no campo da memria, entre os trabalhadores

    e as classes dominantes essas representadas pela grande imprensa na capital

    republicana, durante os anos 1920. Mas os ecos dessa histria ainda puderam ser

    ouvidos nas dcadas seguintes...

    III

    No ano de 1926, quando o conflito entre a memria da classe trabalhadora e a

    promulgada pelos jornalistas possivelmente atingia seu ponto mximo, o morro da

    Favela, onde Sete Coroas vivia, estava em destaque no espao pblico, por ter recebido

    a visita do mestre do futurismo italiano Filippo Marinetti. Na reportagem sobre a visita

    desse intelectual colina, vemos que o processo de enquadramento da memria

    capitaneado pela grande imprensa na dcada de 1920 reunia preocupaes mais amplas

    do que apagar a fama de Sete Coroas. Segundo o Correio da Manh jornal que tanto

    contribura para a estigmatizao do morro da Favela41 , a condio de territrio das

    classes perigosas ostentada por essa localidade tambm no corresponderia realidade; por essa razo, apontava novamente para os equvocos praticados pela

    reportagem de polcia, a criadora de uma Favela mirabolante, que no mais existe,

    seno na fixao das crnicas do jornalismo.42

    Cabe o adendo de que esse comentrio sobre o morro certamente pegava carona

    no contexto de busca e valorizao da chamada cultura popular e do nacionalismo

    41Ver: MATTOS, Romulo Costa. op. cit.42Correio da Manh. Uma caravana do....

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    entre os nossos artistas e intelectuais, que identificavam nas favelas um smbolo

    nacional.43 O processo de enquadramento da memria nos anos 1920 atingiu ainda

    personagensque haviam conquistado bastante prestgio entre os trabalhadores por terem

    liderado movimentos reivindicatrios contra o governo. Em 1926, a Vida Policial

    abordou Joo Cndido, comandante da esquadra em 1910, com o seu pavilho a bordo

    doMinas-Gerais, hoje msero patro de uma simples canoa.44O mulato forte e alto,

    de perto, no passaria de um homem magro de zigomas salientes, tendo daquela poca

    apenas o bigode que negro e farto.45 O mais revelador que a revista juntava, no

    mesmo pargrafo, as reflexes sobre a decadncia de Joo Cndido e o assassinato de

    Camisa Preta, desviante da regio porturia j citado neste texto. Portanto, a

    publicao colocava a Revolta da Chibata no nvel das proezas ilcitas daquele

    valente, assassinado por um policial conhecido por sua violncia. Em 1922, Orestes

    Barbosa fora ainda mais contundente na prtica de estigmatizao do navegante negro:

    Joo Cndido o nosso marinheiro de outras eras homem inconsciente, capaz de dar,

    sem motivo, uma banda, uma navalhada, ou um tiro. [No] Comando Supremo da

    Marinhagem faltou-lhe inteligncia para sentir o poder e triunfar.46

    Em resumo, na dcada de 1920, ao mesmo tempo que a cultura dos

    trabalhadores conquistava o espao pblico o que pode ser atribudo resistncia

    imposta por eles prprios, que, apesar dos percalos, mantiveram suas manifestaes

    culturais47, houve um significativo trabalho de enquadramento da memria popular

    por parte de jornalistas e intelectuais que atuavam no Rio de Janeiro. Esse processo se

    traduziu basicamente em uma tentativa de desmitificao dos salteadores e dos lderesde movimentos reivindicatrios que ficaram famosos entre os trabalhadores, bem como

    dos espaos habitados por esses atores sociais.

    43MATTOS, Romulo Costa. op. cit.pp. 133-140.44Vida Policial. A alma encantadora e brbara do Rio. 24 de setembro de 1926.45idem.46

    BARBOSA, Orestes. Joo Cndido. In: BARBOSA, Orestes. op. cit.p. 54.47SOIHET, Rachel.A subverso pelo riso: estudos sobre o carnaval carioca da Belle poque ao tempode Getlio Vargas. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1998. p. 86.

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    No pode passar despercebido neste artigo o significado do fato de o folclorista

    Gustavo Barroso ter se pronunciado sobre Sete Coroas. No contexto em que o

    desviante carioca estava em evidncia no espao pblico, Lampio e seu bando

    tambm chamavam a ateno da grande imprensa por seus feitos no nordeste. Tendo

    sido o cangao objeto de estudo aprofundado por parte de Barroso, encontramos em sua

    obra discursos sobre os cangaceiros que se assemelhavam bastante quilo que os

    jornalistas escreviam sobre os salteadores do Rio de Janeiro. Alm do pensamento de

    que os homens do cangao puxam a faca por ninharias e at mesmo enterram no buxo

    dos outros sem motivo48, o folclorista ressaltou que os mesmos viveriam dentro de um

    ciclo de canes de gestas, que reproduziriam e aumentariam os feitos ancestrais.

    Assim, os cantores sertanejos seriam os responsveis pelo vasto cancioneiro herico do

    banditismo.49 Barroso tambm observou que os homens que se cangaceirizavam

    gostavam de apelidos sonoros e originais. Em uma enorme lista citada pelo estudioso,

    havia, por exemplo, um Doze Mortes.50

    Se em relao aos valentes do morro da Favela j vimos neste artigo que eles

    seriam uma gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, at mesmo, sem motivo

    algum51, sambistas como Sinh tambm alimentavam a fama dos desviantes do

    mundo urbano, sendo relevante o exemplo da cano Sete Coroas, que traz em seu

    ttulo um codinome expressivo, que remontava a um assalto realizado durante um

    funeral de gala. Portanto, no deve ter sido difcil para Barroso juntar em um mesmo

    universo de sentidos permeado pelo preconceito ilustrado Sete Coroas e Lampio

    (ou, mais amplamente, o banditismo carioca e o nordestino). Cabe lembrar que o morroda Favela era tido como um serto dentro do Rio de Janeiro.52

    48BARROSO, Gustavo.Almas de lama e sangue. So Paulo: Companhia Melhoramentos de So Paulo,1930. p. 12.49 BARROSO, Gustavo. Heris e bandidos (os cangaceiros do nordeste). Rio de Janeiro: LivrariaFrancisco Alves, 1917. pp. 47, 48.50ibid. p. 95.51Correio da Manh. Os dramas da....52Na obra de Euclides da Cunha, o conceito de serto se afastava do de civilizao porque, por um

    lado, dizia respeito a um territrio da barbrie, tal como haviam concebido a elite imperial e o olharestrangeiro, marcadamente ilustrado; por outro, carregava significados de pureza e essencialidade, queseriam respaldados pela distncia em relao s cidades do litoral, tidas como sombrias e promscuas.

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    Atenta aos fenmenos do cangao e da criminalidade na capital da Repblica, a

    grande imprensa no perdeu tempo e inventou o cangaceiro Z Favela. Em uma crnica

    publicada pela revista Careta, em 1927, vemos que essa personagem parodiava

    abertamente a saga de Sete Coroas. Capaz de despertar o terror pnico53 nas

    populaes nordestinas, sendo mesmo o diacho em forma de gente, Z Favela, no

    entanto, foi preso como um idiota, covardemente, aps meia hora de resistncia ao

    fogo de um destacamento de polcia.54Em outras palavras, no passava de um pobre

    diabo. Talvez por essa razo, Gustavo Barroso tenha se sentido vontade para, no incio

    da dcada de 1930, ainda associar a imagem de Sete Coroas de Qualquer negro boal

    e infame,55 numa crnica em que criticava o destaque dado pelos jornais aos

    criminosos do Rio de Janeiro.

    Pois bem, adentramos os anos 1930 e Sete Coroas ainda era um assunto

    abordado pelos intelectuais. Tambm nesse decnio, em 1933, lemos no livro do

    jornalista Francisco Guimares, o Vagalume, o seguinte pensamento: Quer saber de

    uma coisa? Este Sete Coroas foi uma inveno dos tiras [...] Onde os tiras faziam

    tiroteios e feriam gente, era o Sete Coroas!.56Alm de o desviante ter sido tratado

    novamente como uma fico criada pela polcia, o autor desse depoimento reproduzido

    por Vagalume era conhecido como Dod, morador do morro da Favela, que tambm

    tinha sua valentia, segundo o letrado.

    IV

    Aps a verificao da repetio do padro discursivo sobre Sete Coroas emplena dcada de 1930, podemos concluir que, com o passar das dcadas, os jornalistas e

    literatos promotores de uma memria publicada e assim mais facilmente tornada

    Ver: OLIVEIRA, Ricardo de. Euclides da Cunha, Os Sertes e a inveno de um Brasil profundo.RevistaBrasileira de Histria rgo Oficial da Associao Nacional de Histria. So Paulo, ANPUH/Humanitas Publicaes, vol. 22, n. 44, 2002. No que diz respeito ao morro da Favela, aquele primeirosignificado da noo de serto era mais acionado pela grande imprensa no dia a dia, claro.53Careta. A homenagem do cangaceiro Z Favela. 20 de agosto de 1927.54

    idem.55BARROSO, Gustavo.Luz e p. Rio de Janeiro: Renascena Editora, 1932.56GUIMARES, Francisco.Na roda do samba. Rio de Janeiro: Typ. So Benedicto, 1933. pp. 290, 291.

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    oficial57 podem ter sado vitoriosos em seu esforo de enquadramento da memria?

    No isso que a cano Praa 11, bero do samba, gravada por Z Kti em 1973,

    permite afirmar: Favela do Camisa Preta, do Sete Coroas/ Cad o teu samba,

    Favela.... 58Portanto, 40 anos depois da publicao do livro de Vagalume, Sete Coroas

    era lembrado em um samba que menciona nos seus primeiro versos os desviantes

    famosos que haviam circulado pelo morro da Favela.59

    Dois anos antes, em 1971, o jornal O Pasquim publicara com razovel

    repercusso o depoimento de Madame Sat sobre Sete Coroas. Considerando-se que o

    primeiro considerado um dos maiores malandros da histria do Rio de Janeiro

    tendo feito do bairro da Lapa o seu territrio , estamos novamente diante de um

    argumento de autoridade. Dessa vez, porm, a valentia do bambamb da Favela fora

    ressaltada: O maior malandro do Rio de Janeiro que eu conheci de 1907 at a poca de

    hoje foi o que me ensinou a ser malandro e me conheceu com 9 anos de idade, foi o

    falecido Sete Coroas.60

    Se os sambistas continuaram a exaltar a valentia de Sete Coroas em suas

    canes, com o passar das dcadas, os depoimentos dos desviantes publicados na

    imprensa (e em livros)61mudaram de perspectiva e passaram a ressaltar o destemor do

    morador do morro da Favela. O interessante que, nos dias de hoje, jornalistas e autores

    acadmicos tambm vm citando Sete Coroas sem questionar a sua fama de homem

    temido, ao contrrio do que ocorrera na segunda metade dos anos 1920 e no incio dos

    57BARBOSA, Marialva. Os donos do Rio. Imprensa, poder e pblico . Rio de Janeiro: Vcio de Leitura,2000. pp. 144, 145.58A msica Praa 11, bero do samba, de Z Kti, pode ser encontrada no disco Z Kti, de 1973,relanado pela Itamarati, em 1982.59 Vale ressalvar que Camisa Preta era conhecido como um malandro do bairro da Sade e nonecessariamente do morro da Favela. Ver: Vida Policial. A alma encantadora e brbara do Rio. 24 desetembro de 1926.60O Pasquim. Madame Sat. 05 de maio de 1971. Entrevista concedida a Sergio Cabral, Paulo Francis,Millr Fernandes, Chico Jnior, Paulo Garcez, Jaguar e Fortuna.61

    Essa entrevista foi reproduzida em: JAGUARIBE, Srgio de Magalhes Gomes (Jaguar). Asgrandesentrevistas do Pasquim. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1975; ALTMAN, Fbio (org.). A arte daentrevista. So Paulo: Scritta, 1995.

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    1930, principalmente.62 Sempre de forma ligeira, a referncia a Sete Coroas em tais

    textos tributria da entrevista concedida por Madame Sat ao jornal O Pasquimou do

    samba de Sinh, cuja letra foi recuperada por Alencar, bigrafo do compositor, em livro

    publicado originalmente em 1968.63

    Resta abordar mais detidamente como a memria sobre Sete Coroas foi

    sustentada ao longo de tantas dcadas, questo que no ficou plenamente respondida at

    aqui. Para tanto, necessrio retornar a uma fonte citada na primeira parte deste

    trabalho, a modinha cantada pela presidiria Maria Tomsia, reproduzida por Orestes

    Barbosa, em 1923: Mandei fazer na macumba/ Para comer com voc/ Uma farofa

    amarela/ Com azeite de dend.../ Pai Jos/ Pai Joo/ Agora o Sete Coroas/ Foi morar

    na deteno....64

    Note-se que essa msica no propriamente uma modinha, termo empregado

    por Orestes Barbosa, e sim uma adaptao de um ponto cantado (ou mantra de

    macumba). A relao entre a imagem do desviante do morro da Favela e os cultos

    afro-brasileiros tornou-se ainda mais forte ao longo dos anos, certamente aps a sua

    morte, quando passou a ser cultuado nos terreiros de umbanda o chamado Exu Sete

    Coroas. O ponto cantado que evoca ou homenageia essa entidade no deixa dvidas de

    que se trata do famoso desviante da Primeira Repblica:

    noite escuraNa rua acende a velaSete Coroas o bamba da Favela

    s malandrinho

    62Ver: GARDEL, Andr. O encontro entre Bandeira e Sinh. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal deCultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, Diviso deEditorao, 1996; REIS, Letcia Vidor de Sousa. Na batucada da vida: samba e poltica no Rio de

    Janeiro (1889-1930). Tese (Doutorado em Antropologia) Programa de Ps-Graduao em AntropologiaSocial da Universidade de So Paulo, So Paulo, 1999; BARROS, Andr Luiz. Vida de madame. Trip,dezembro de 2001; SOUZA, Trik de. Tem mais samba: das razes eletrnica. So Paulo: Editora 34,2003; ROCHA, Gilmar. Navalha no corta seda: Esttica e Performance no Vesturio do Malandro.Tempo, Niteri, vol. 10, n. 20, 2006; LACERDA, Paula, CARRARA, Srgio. E nem me despenteio!.

    Revista de Histria da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 23, 2007.63ALENCAR, Edigar de. op. cit.64BARBOSA, Orestes. Mgoa de assassina. In: BARBOSA, Orestes. op. cit. p. 49.

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    Oi no precisa trabalharSete CoroasVai pr tudo em seu lugar65

    Enquanto a segunda estrofe desse ponto cantado foi provavelmente criada pelos

    seguidores da umbanda, a primeira coincide com os versos iniciais do samba Sete

    Coroas, composto por Sinh no incio da dcada de 1920 (e que s veio a ser gravado

    com letra no ano de 2000, em um CD independente, de restrita circulao): noite

    escura/ Iai acende a vela/ Sete Coroas/ Bambamb l da Favela.66 Diante desseexemplo expressivo de tradio oral, podemos afirmar que a crena em Sete Coroas

    como um Exu na umbanda foi um elemento importante para a sustentao da memria

    do mais famoso malandro da Primeira Repblica at os dias de hoje.

    Encerramos este texto com as observaes de Pollak, segundo as quais o

    trabalho de enquadramento de uma memria tem limites, pois deve satisfazer a certas

    exigncias de justificao.67 Alm disso, a falsificao pura e simples do passado

    contida por uma exigncia de credibilidade que depende da coerncia dos discursossucessivos.68Para os trabalhadores da Primeira Repblica que acompanharam a saga

    de Sete Coroas atravs de histrias hericas contadas diariamente por familiares,

    vizinhos, sambistas e jornalistas deve ter ficado claro que a memria no pode mudar

    de direo e de imagem brutalmente. Noo essa que foi passada de gerao a gerao,

    de forma oral (processo para o qual devem ter contribudo os sambas de Sinh e Z

    Kti, mas principalmente as festas de umbanda, onde o Exu Sete Coroas

    reverenciado), e que legou ao historiador dos tempos atuais uma certeza: embora osdominantes acreditem que o tempo trabalha a seu favor, no podemos superestimar as

    65 H disponvel no stio eletrnico Youtube um vdeo gravado em 31 de dezembro de 1999, quedocumenta uma festa de umbanda em que os participantes entoam o ponto do Exu Sete Coroas:UMBANDA MALANDRO SETE COROAS CABANA DE MAME OXUM.. Acesso em: 22 de abrilde 2011.66

    ALENCAR, Edigar de. op. cit.p. 55.67POLLAK, Michael. op. cit.p. 10.68ibid. p. 11.

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    condies de possibilidade e de durao de uma memria imposta sem a preocupao

    com esse imperativo de justificao, conforme escreveu mais uma vez Pollak.69

    FONTES:

    REGISTROS SONOROS:

    SILVA, Jos Barbosa da (Sinh). Sete Coroas. Interprete: Lira Carioca. lbum:

    sim, Sinh Vol. II. Gravadora: Independente. Ano: 2000.

    SILVA, Jos Barbosa da (Sinh). Sete Coroas. Interprete: Carolina Cardoso de

    Menezes. Os Pianeiros Aloysio de Alencar Pinto, e Antnio Adolfo . Gravadora:

    FENAB. Ano: 1986.

    JORNAIS:

    Correio da Manh 1909, 1917, 1922, 1923, 1926.

    O Pasquim 1971.

    REVISTAS:

    Careta 1927.

    O Malho 1928.

    Vida Policial 1925, 1926.Trip 2001.

    REGISTROS LITERRIOS:

    AZEVEDO, Aluisio. O Cortio. O Globo/ Klick Editora. S/D.

    69ibid. 10.

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    Diviso de Editorao, 1993.

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    Cultura, Turismo e Esportes, Departamento Geral de Documentao e Informao

    Cultural, Diviso de Editorao, 1995.

    GUIMARES, Francisco. Na roda do samba. Rio de Janeiro: Typ. So Benedicto,

    1933.

    FOLCLORE:

    BARROSO, Gustavo.Heris e bandidos(os cangaceiros do nordeste). Rio de Janeiro:

    Livraria Francisco Alves, 1917.

    BARROSO, Gustavo.Almas de lama e sangue. So Paulo: Companhia Melhoramentos

    de So Paulo, 1930.

    BARROSO, Gustavo.Luz e p. Rio de Janeiro: Renascena Editora, 1932.

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