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REMUNERAÇAO DE DIRETORES NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS ANTONIO ANGARIT A SILVA Reformulado o artigo 134 da Lei das Sociedades por Ações, pode-se evitar que os diretores sejam privados da remuneração merecida. Nos países de direito positivo escrito, a adequação das leis à realidade é problema constante. A questão ganha mais ên- fase quando é trazida para a área do Direito Comercial, pois êste tende a conter, senão na totalidade, pelo menos na parte mais substancial, as diretivas das atividades econômicas. Atualizar leis comerciais, portanto, é tarefa que se condiciona à necessidade que tem o mundo jurídico de acompanhar as mutações do mundo econômico, as quais, como é sabido, se processam de modo singularmente diversificado e rápido. Daí o precoce envelhecimento das normas, nem sempre capa- zes de seguir o desenvolvimento dos negócios, e a moderna tendência do Direito Comercial de alargar seu domínio, to- mando como base a emprêsa. ( 1) ANTôNIO ANGARITA SILVA - Vice-Diretor e Professor Adjunto da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, Departamento de Sociologia, Psicologia e Legislação. (1) Ver, sôbre o assunto, em notável trabalho de síntese, os artigos dos professôres Jean Van Ryn, Darcy Bessone e Tulio Asearelli, publi- cados, respectivamente, nas «Revistas de Direito Mercantil» (vol. 4, pgs. 7/20), «Revista dos Tribunais» (vol. 257, pgs. 19/35) e «Revista Forense» (vol. 149, pgs. 17/45) e Oscar Barreto Filho, in «Regime Jurídico das Sociedades de Investimento», edição de Max Límonad, 1956, pgs. 43/45.

Silva 1961 Remuneracao de Diretores Nas S 25860

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Livro de direito societário. remuneração dos diretores

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  • REMUNERAAO DE DIRETORESNAS SOCIEDADES ANNIMAS

    ANTONIO ANGARIT A SILVA

    Reformulado o artigo 134 da Lei das Sociedades porAes, pode-se evitar que os diretores sejam privadosda remunerao merecida.

    Nos pases de direito positivo escrito, a adequao das leis realidade problema constante. A questo ganha mais n-fase quando trazida para a rea do Direito Comercial, poisste tende a conter, seno na totalidade, pelo menos na partemais substancial, as diretivas das atividades econmicas.

    Atualizar leis comerciais, portanto, tarefa que se condiciona necessidade que tem o mundo jurdico de acompanhar asmutaes do mundo econmico, as quais, como sabido, seprocessam de modo singularmente diversificado e rpido.Da o precoce envelhecimento das normas, nem sempre capa-zes de seguir o desenvolvimento dos negcios, e a modernatendncia do Direito Comercial de alargar seu domnio, to-mando como base a emprsa. ( 1)

    ANTNIO ANGARITA SILVA - Vice-Diretor e Professor Adjunto daEscola de Administrao de Emprsas de So Paulo, Departamentode Sociologia, Psicologia e Legislao.

    (1) Ver, sbre o assunto, em notvel trabalho de sntese, os artigos dosprofessres Jean Van Ryn, Darcy Bessone e Tulio Asearelli, publi-cados, respectivamente, nas Revistas de Direito Mercantil (vol.4, pgs. 7/20), Revista dos Tribunais (vol. 257, pgs. 19/35) eRevista Forense (vol. 149, pgs. 17/45) e Oscar Barreto Filho,in Regime Jurdico das Sociedades de Investimento, edio de MaxLmonad, 1956, pgs. 43/45.

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    A Lei das Sociedades por Aes (Decreto-lei n.? 2.627, de26/9/1940) que, comparada a outras leis mercantis, recente egoza do prestgio de ter sido elaborada por um jurista demrito, nem por isso foge regra geral. De fato, est a ca-recer de uma reviso que lhe venha corrigir defeitos epreencher lacunas, j apontados pelos Tribunais e pela Doutri-na, ambos chamados a suprir e esclarecer pontos em que elase omite. (2)

    Examinaremos, a seguir, dispositivo da mencionada lei, cujoentendimento correntio no nos parece deva ser aceito.

    A Natureza Jurdica da Remunerao

    Por fra de claros dispositivos da atual Lei das Sociedadespor Aes, de que a sociedade annima espcie mais consa-grada pelo uso, (3) ao contrrio do que facultava o estatutopassado (Decreto n." 434, de 4/7/1891), os diretores devemser remunerados. o que se depreende da alnea b) do 1.0 do art. 116e do art. 134,que adiante se vai transcrever.

    Tal remunerao, por via de regra, tem dois feitios:

    a) remunerao fixa e mensal, que se costuma chamar dehonorrios .

    b) remunerao varivel e resultante da aplicao de certapercentagem sbre os lucros lquidos de cada exerccio.Esta, quando no vem registrada nos estatutos sociais,pode ser estipulada pela assemblia geral. a percenta-gem da Diretoria.

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    (2) Compare-se o Decreto-lei n.? 2.627, que de 1940, com a Lei dasDebntures, Decreto-lei n." 177-A, de 1893, com a Lei das Cam-biais, Decreto n,? 2.044, de 1908, com a Lei do Cheque, Decreton. 2.591, de 1912, com a Lei das Sociedades Limitadas, Decreton. 3.708, de 1919, e com tantas outras leis de carter mercantilposteriores ao Cdigo Comercial, que data de 1850.

    (3) Ao lado da sociedade annima, o Decreto-lei n.? 2.627 regula asociedade em comandita por aes, de restritssdmo uso no Brasil.Trata-se de uma sociedade de responsabilidade mista (diretores ougerentes com responsabilidade ilimitada, solidria e subsidiria s

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    A natureza salarial do primeiro tipo evidente, j porque fixada como pro labore, j porque o seu fluxo independe dosresultados. No entanto, para a remunerao varivel, aindaque tomemos a palavra salrio na sua acepo mais lata,vale dizer, enquanto significa remunerao de trabalho, noh a mesma tranqilidade quanto quela natureza. A come-ar, porm, por CARVALHO DE MENDONA, parece que, entre ns,os autores se pem de acrdo em que tambm esta ltimaconfigura remunerao tipicamente de trabalho. Na verdade,diz o autor do grande TRATADO,ainda que baseado na leipassada:

    "A remunerao pode ter a forma de estipndio ou"consistir em determinada participao nos lucros"lquidos da sociedade, depois de deduzida a parte"destinada ao fundo de reserva, se porventura ins-"titudo." (4)

    No pensa de outro modo TRAJANO MIRANDA VALVERDE, autordo anteprojeto que se converteu no Decreto-lei n." 2.627:

    "Na maioria dos casos os diretores recebem uma"quantia certa mensal estabelecida nos estatutos"ou anualmente votada na assemblia geral, no"como de cada exerccio. Tambm comum a"atribuio de uma percentagem sbre os lucros"lquidos apurados em cada exerccio."

    obrigaes sociais, e os acionistas de responsabilidade limitada aomontante do capital que subscreveram), que pode girar sob firmaou razo social (a sociedade annima ter obrigatoriamente umadenominao), com prazo indeterminado para o mandato dos dire-tores ou gerentes, dos quais dependem a mudana do objeto dasociedade, a prorrogao do prazo de sua durao, o aumento ou adiminuio do capital e a emisso de debntures e de partes bene-ficirias (arts. 163/166 da Lei). a diretoria ou gerncia, nessesimportantes casos, rgo superior assemblia geral dos acionis-tas. evidente, assim, que a sociedade annima seja instrumentomais hbil para os negcios e para receber investimento de terceiros.

    (4) Carvalho de Mendona, Tratado de Direito Comercial Brasileiro,5.' edio da Livraria Freitas Bastos, vol, IV, n.? 1. 183, pg. 49.

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    "A percentagem dos lucros lquidos constitui a"parte varivel das remuneraes dos direto-"res." (5)

    GUDESTEU PIRES, dos primeiros a comentar a lei atual, tam-bm, e de modo muito claro, corrobora esta tese:

    "Alm da referncia aos honorrios fixos, regula-"ro (os estatutos) o modo de deduo e as condi-"es de pagamento das percentagens sbre os"lucros lquidos que forem atribudas, como remu-"nerao, aos diretores." (6)

    Assim, no nos parece procedente a opinio de ALOYSIO LOPESPONTES (7), quando inculca a essa forma adicional de salrioo carter de singela liberalidade da emprsa, chamando-ainsistentemente de "gratificao". Em verdade, le mesmoacentua, como de resto todos os outros comentadores da lei,que a percentagem existe para estimular os diretores, nosentido de que, com motivao redobrada, promovam o pro-gresso da sociedade. Demais, convm ter presente que umdiretor, nesta qualidade, no poder auferir outro rendimentona emprsa seno por fra de seu trabalho, pois para isso foichamado direo da mesma. (8) No se pode colhr, parao raciocnio, a limitao que estabelece a mais recente lei doImpsto de Renda (Lei n,? 3.470, de 28/11/1958), a qual rela-ciona os salrios dos diretores ao valor do salrio mnimo maiselevado. (9)

    (5) Trajano Miranda Valverde, Sociedade por Aes, 2.' edio da Re-vista Forense, vol, 11, n." 610, 695, pgs. 289 e 397.

    (65 Gudesteu Pires, Manual das Sociedades Annimas, 1.' edio daLivraria Freitas Bastos, pg. 253.

    (7) Aloysio Lopes Pontes, Sociedades Annimas, 3.' edio da RevistaForense, pg. 544.

    (8) No Brasil, quase sempre, os diretores so os grandes acionistas;quando no, o critrio de escolha se subordina menos qualificaodos eleitos e mais convenincia de grupos ou relaes de paren-tesco. S recentemente que se nota a quebra dsse hbito.

    (9) No art. 42 da Lei n."3.470, as limitaes para as despesas como salrio dos diretores so as seguintes: (a) 5 vzes o maior sal-rio mnimo mensal para 3 dos. diretores; (b) 4 vzes o maior sa-

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    No vemos como negar a natureza de salrio percentagem.O argumento de que o seu pagamento se condiciona a umaeventualidade pueril, pois, substantivamente, no h diferen-a entre o caso examinado aqui e o de certas emprsas quepagam salrio proporcional produo. que numa e noutrahiptese o que se remunera trabalho humano, no importaem que nvel de qualificao. Alis, ainda que seja incontro-verso que o vnculo jurdico criado entre o diretor e a com"panhia no configura relao de emprgo, no incoernciacitar a Consolidao das Leis do Trabalho (Dec. Lei n.? 5.452,de 1/5/1943) que, no art. 459, prev a hiptese de o salriotomar a forma de percentagem.

    A "Percentagem" da Diretoria e a Limitao Legal

    Inegvel, porm, que o pagamento de um e de outro tipo deremunerao feito de forma e sob condies bem diversas.Os "honorrios" so pagos mensalmente e independem daexistncia de lucros. J o pagamento da percentagem no po-der ser feito em desobedincia ao art. 134 da lei, que estabe-lece: "Os estatutos sociais regularo o modo de deduo eas condies de pagamento das percentagens sbre os lucroslquidos que [rem atribudos, como remunerao, aos dire-tores. Qualquer que seja a forma de deduo adotada, osdiretores no podero receber percentagem alguma sbre oslucros lquidos verificados nos balanos em que no [r dis-tribudo aos acionistas um dividendo razo de 6% (seis porcento) ao ano, no mnimo, observadas as disposies legaisquanto s cotas que devam ser cre.ditadas ao fundo de reserva."O preceito est redigido em linguagem que repele dvidas, ea limitao que impe ao pagamento da percentagem aos dire-

    lrio mnimo mensal para os demais diretores; (c) o total da re-munerao mensal dos diretores no poder ultrapassar a 35 vzeso maior salrio mnimo mensal; (d) sses limites tero ainda asseguintes redues, condicionadas ao capital realizado: 50%-quando o capital no exceder a Cr$ 2.000.000,00; 60% - quandoo capital se situar entre Cr$ 2.000.000,00 e Cr$ 3.000.000,00; e80% - quando o capital fr superior a Cr$ 3.000.000,00 e noultrapassar de Cr$ 5.000.000,00.

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    tores inequvoca: se no houver distribuio de um divi-dendo mnimo de 6% aos acionistas, no ser lcito aos dire-tores receber a sua remunerao complementar, ou, comovimos, o seu salrio adicional. Convm notar ainda que pa-cfico poderem os estatutos estipular uma taxa mais elevadade dividendos e condicionar sua distribuio o pagamentoda percentagem devida aos diretores. Por igual, o pagamentoda percentagem no ser lcito seno aps a deduo de 5%dos lucros lquidos - para a constituio da chamada reservalegal, at que atinja a 1/5 do capital - e tambm das im-portncias destinadas a amortizar ou a atender a depreciaodos bens do ativo. Clarssima a inteno do legislador: ga-rantir remunerao mnima ao investimento e defender a rea-lidade patrimonial da emprsa.

    O artigo 108da lei anterior condicionava o pagamento da per-centagem a que ela fsse calculada sbre o lucro lquido eque a ela precedesse a deduo do fundo de reserva quandoinstitudo. Isto, porm, quando os estatutos no dispusessemem contrrio. A norma atual veio pr cbro a uma situaoimoral, qual seja a de os acionistas majoritrios, que quasesempre se elegem diretores, haverem regulares e polpudaspercentagens sem nenhum pagamento de dividendos s mino-rias. (10)

    Formulao do Problema e uma Resposta Inaceitvel

    Em face do que se exps, indaguemos o seguinte: se os acio-nistas no quiserem receber dividendos, estaro os diretorespraticando ilegalidade se receberem a percentagem previstanos estatutos, quando fr certo que o lucro do exerccio su-porta um pagamento acima do mnimo fixado na lei, ou nosestatutos? Ou, ainda mais especificamente para o que temosem mente examinar: a diretoria de uma sociedade annima,

    (10) Ver a respeito o interessante acrdo do Tribunal de Justia deAlagoas, seguido de um parecer do Prof. Waldemar Ferreira, publi-cados na Revista de Direito Mercantil, vol. 2, pgs, 528/53.

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    cumprindo o disposto nas alneas h) e j), inciso 11 do art. 136da lei, (11) submete assemblia geral ordinria um balanoem cuja conta de lucros e perdas se registram, a dbito, impor-tncias destinadas distribuio de dividendos e ao paga-mento da percentagem estatutria devida aos diretores; osacionistas, no entanto, desaprovam tal destinao dos lucros;pergunta-se: ser ilegtimo o pagamento da percentagem aosdiretores?

    Desde logo, estabeleamos o seguinte: o problema decai deimportncia se no adotarmos o pressuposto de a percenta-gem estar prevista nos estatutos. Quando essa remuneraono norma estatutria, o seu pagamento se submete, obvia-mente, ao alvedrio dos acionistas que, entretanto, para faz-lo,no podero desatender o citado art. 134.

    Uma interpretao literal, base do velho e j ultrapassado"in claris cessat interpretatio" (12) levar a uma tranqilanegativa indagao formulada. E mais: os diretores que,naquelas condies, recebessem a percentagem, no estariam asalvo de um enquadramento nas disposies penais do mesmoDecreto-lei n.? 2.627.

    Todavia, porque no nos parea prprio estudar as leisarmados to s da interpretao gramatical e tenhamos cer-teza de que a aplicao restrita do preceito levar a injustias,faamos uma anlise do problema, j agora, bem objetivado.

    Abordagem do Problema por Alguns Autores

    Os comentadores da lei das sociedades por aes, cujas obrasconsultamos, no discutem o assunto de modo a responder questo com a amplitude desejada. Com efeito, MIRANDAVALVERDE,ao invs de usar a expresso da lei, que "distri-buio de dividendos", usa de uma sinonmia, que no nos

    (11) Diz a Lei - Art. 136 - A demonstrao da conta de lucros eperdas acompanhar o balano e dela constaro: ... lI-A dbito:... h) dividendos. que devem ser distribudos; '" j) saldo dispo-nvel para o exerccio seguinte.

    (12) Ver Carlos Maximiliano, in Hermenutica e Aplicao do Direito.5.' edio da Livraria Freitas Bastos, pgs. 51/3 e 136/9.

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    parece seja muito prpria, quando ensina: "E (a percenta-gem) no pode ser paga aos diretores seno depois de garan-tido o dividendo mnimo de 6% ao ano, calculado sbre ovalor nominal das aes." (13) WALDEMAR FERREIRA e GUDES-TEU PIRES, a rigor, reproduzem as palavras da lei e no seestendem em comentrios que possam esclarecer a dvida.(14) LOPES PONTES tambm transcreve a lei, mas, ao comen-t-la nesse trecho, escreve: "Somente, portanto, poder serconcedida gratificao aos diretores, depois de deduzida" etc.etc.; e mais adiante: "De fato, mesmo sob o aspecto socialjustifica-se fique condicionada a gratificao a diretores eempregados ao pagamento do dividendo" etc. etc. (15)

    Ora, lexicamente, garantir e deduzir no substituem, com exa-tido, distribuir, pois ste verbo designa a ao de entregaralguma coisa: no caso da lei, a entrega do dividendo aos acio-nistas, isto , o pagamento que a sociedade lhes faz do produtode seu investimento. Na verdade, o dividendo estipulado nalei, ou outro qualquer mais elevado estabelecido nos estatutos,estaria garantido pelos lucros ou dles deduzido, sempre questes alcanassem um volume capaz de suportar o pagamentoposterior dos referidos dividendos. Se a lei quer dizer comdistribuir a simples garantia ou a deduo do dividendo, aindaque ste no fsse pago, poderiam os diretores receber a suapercentagem sem ferir o preceito. Bastaria que na ata daassemblia geral ficasse armado sse estratagema para que alei fsse contornada. Mas, ainda assim, o balano no poderiaregistrar distribuio de dividendos. Portanto, o dividendono estaria, na hiptese, juridicamente disposio dos acio-

    nistas.

    (13) Op, cit., pg. 397.

    (14) Waldemar Ferreira, in Tratado de Sociedades Mercantis - Socie-dades Annimas, 1.' edio da Livraria Freitas Bastos, vol. 2, pg.405 e Gudesteu Pires, op. loco cits.

    (15) Op. cit., pgs. 540 e 544.

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    Anlise de Situaes Concretas

    A questo, assim, continua de p. E j agora ousamos res-pond-la com uma afirmao que poder causar espcie:cremos, no obstante o texto da lei ser to claro, no ser jur-dico nem lgico deixar o pagamento da percentagem dos dire-tores merc dos acionistas. Segundo nos parece, se a percen-tagem est consagrada nos estatutos, se o resultado do exer-ccio pode ultrapassar o mnimo da lei ou o mnimo estipu-lado nos estatutos, ser de singular injustia furtar-se aos di-retores o direito de receber o seu salrio adicional.

    Caso contrrio, seria dar aos acionistas majoritrios azo auma fraude grosseira e nem por isso fora da lei: ainda que oslucros dessem margem a uma distribuio opulenta, no po-deriam os diretores receber as percentagens estatutrias. Defato, organizado o balano e atribuda verba para a distribui-o dos dividendos, poderiam os acionistas, abrindo mo dorecebimento de seus lucros, prejudicar o direito dos diretores.Seria, no caso, talvez, um exemplo tpico de abuso de direito.Tal prtica estaria a indicar, quando nada, que os interssesda emprsa afrontariam, sem nenhuma sano, os direitosadquiridos daqueles que, como diretores, no poderiam rece-ber o salrio a que fizeram jus. O quanto sse fato tenha dejusto ou de injusto de senso comum poder julgar: relevantesho de ser os intersses e os direitos dos capitalistas, ou daemprsa, desde que, no entanto, a les no se submetam, ato extermnio, os direitos e intersses do homem, ganhos porfra de servios prestados. O trabalho tambm contedoda emprsa; sem dvida o mais nobre.

    No se diga que estamos argumentando com o absurdo. Aquesto no despicienda, vista de que j se comea a sentirno Brasil o surgimento do administrador de emprsas comoum profissional que tem qualificao especfica. Desta forma,na prtica, no ser difcil encontrar uma das seguintes si-tuaes:

    A - Os acionistas majoritrios poderiam ficar em face deuma tributao de suas rendas, impsto progressivo, muitoelevada, de tal forma que lhes seria de muita convenincia,

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    num determinado exerccio, deixar que apenas a sua socie-dade pagasse o impsto de pessoa jurdica e mais o adicionalincidente sbre as reservas. Desta forma, ainda que os lucrospudessem remunerar as aes com 20%, os diretores nada po-deriam receber de percentagem, to s pela ausncia da distri-buio dos dividendos.

    B - Uma desavena entre os detentores da maioria do capitalcom os diretores poderia determinar uma no distribuio dosdividendos e, com isso, evitar o pagamento da percentagem.Aps a sada dos diretores - demissveis ad nutum - comuma simples assemblia geral extraordinria, os lucros seriamdistribudos, j agora acrescidos da soma que no fra pagaaos diretores.

    c - Fludo o prazo do mandato dos diretores (mximo de6 anos), durante o qual no se registrasse distribuio dedividendos, bem poderiam os acionistas proceder, ento, dis-tribuio de dividendos, dessa feita bem maiores, por frada acumulao.

    certo que os diretores, provada que fsse a m-f da as-semblia, poderiam receber judicialmente o fruto de seu tra-balho. No entanto, melhor seria se a lei dispusesse de talmodo que o pagamento da percentagem, como o do salriofixo e mensal, no ficasse ao talante da maioria, nem entre-gue aos azares de uma demanda judicial, incerta, cara e demo-radssima.

    Alis, MIRANDA VALVERDE no totalmente infenso indagao,quando salienta:

    "A percentagem sbre o lucro lquido fixada nos"estatutos, como remunerao aos diretores, cons-"titu, verificada a respectiva importncia, um cr-"dito contra a sociedade, cujo pagamento dever"tambm ser regulado nos estatutos. O crdito"surge na data do levantamento do balano, por-

  • ~.A.E. ~MUNERAO DE DI~TO~S 103

    "tanto, no fim do exerccio, no pressuposto, "claro, de que o balano exprima a verdadeira si-"tuao da sociedade." (16)

    Porm, vejamos em que ponto o ensinamento deixa dvidas.A primeira pergunta seria: "Quando e onde verificada arespectiva importncia (da percentagem)?" O mesmo juristaresponde: na data do levantamento do balano e nle prprio.Contudo, o balano levantado pela diretoria ser ou no apro-vado pela assemblia geral, a qual, mesmo no pressuposto deque o balano reflita realmente a situao da emprsa, podemodificar a destinao dos lucros, distribuindo-os entre osacionistas ou deixando-os em suspenso, apenas para mencionaras duas hipteses que interessam ao problema que estamosexaminando.

    Ora, se verdade que a assemblia pode desaprovar o balano,o quantum da percentagem somente ser um crdito contra asociedade se assim entenderem os prprios acionistas, vistado que dispe o art. 134.

    Concluses e Sugesto "De Lege Ferenda"

    Em concluso, pois, podemos alinhar o seguinte:

    I - Em face do direito positivo (art. 134 da Lei das Socie-dades por Aes), o pagamento da percentagem devida aosdiretores pelo seu trabalho, mesmo quando seja essa remu-nerao prevista nos estatutos, no poder ser feito sem pr-via distribuio efetiva de dividendos aos acionistas, no mni-mo de 6% sbre o valor nominal das aes.11- Os acionistas podero postergar o dito pagamento, agindode m-f mas dentro da lei - o que, obviamente, d direitoaos prejudicados de postularem em juzo o ressarcimento dosdanos sofridos.111- certo que a perfeio das leis objetivo que se nopode atingir, por isso que elas padecem das limitaes huma-nas, e que se submetem a um permanente exerccio parafraud-las.

    (16) Op. eit., n." 697, pg. 389.

  • 104 REMUNERAO DE DIRETORES R.A.E.

    IV - No menos certo, porm, que uma simples modifi-cao de palavras no texto do mencionado art. 134 poderdar a le, seno mais clareza, pelo menos um contedo maisjusto. Seria o caso, ento, de formular o final do citadodispositivo da seguinte forma':

    " ... Qualquer que seja a forma de deduo ado-"tada, os diretores no podero receber percenta-"gem alguma sbre os lucros lquidos, se, atravs"dos balanos, no se verificar a existncia de lucros"capazes de remunerar aos aeionistas com um di-"videndo razo de 6% ao ano, no mnimo, obser-"vadas as disposies legais quanto s cotas que"devam ser creditadas ao fundo de reserva."

    Com isso, cremos, a lei seria mais justa: ao lado da proteoaos acionistas minoritrios, estabeleceria um critrio maisadequado para garantir o pagamento do salrio adicional dosdiretores.