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    Covilh, 2009

    FICHA TCNICA

    Ttulo: As Grandes Cidades e a Vida do EspritoAutor: Georg SimmelColeco: Artigos LUS OSOFIADesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Jos M. Silva RosaUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2009

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    As Grandes Cidades ea Vida do Esprito

    Georg Simmel

    Os problemas mais profundos da vida moderna provm da pre-tenso do indivduo de resguardar a autonomia e a peculiaridade dasua existncia em face das prepotncias da sociedade, da heranahistrica, da cultura exterior e da tcnica da vida a ltima re-estruturao a ser alcanada da luta com a natureza, que o homem

    primitivo teve de levar a cabo em prol da sua existncia corp-rea. Se o sculo XVIII pde apelar emancipao de todos osliames historicamente nascidos no Estado e na religio, na moral ena economia, para que assim se desenvolvesse, sem obstculos, anatureza originariamente boa, que a mesma em todos os homens;se o sculo XIX, alm da simples liberdade, reivindicou a parti-cularidade humana da diviso do trabalho e a sua produo, quetorna incomparvel e, quanto possvel, indispensvel o indivduo,mas o amarra assim tanto mais estreitamente ao adimplemento pormeio de todos os outros; se Nietzsche viu na mais implacvel lutados singulares a condio para o pleno desenvolvimento dos indi-vduos, ou o socialismo a divisou tambm justamente na repressode toda a concorrncia em tudo isto actua o mesmo motivo fun-damental: a resistncia do sujeito a ser nivelado e desgastado nummecanismo tcnico-social. Onde os produtos da vida especifica-mente moderna se indagam na sua interioridade e, por assim dizer,

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    o corpo da cultura se devassa quanto sua alma como, hoje, meincumbe a mim em face das nossas grandes cidades , a resposta igualizao, suscitada por tais formaes entre os contedos indi-viduais e supra-individuais da vida, h-de auscultar as adaptaesda personalidade, mediante as quais ela se acomoda s potnciasque lhe so exteriores.

    O fundamento psicolgico sobre o qual se eleva o tipo das in-dividualidades das grandes cidades a intensificao da vida ner-vosa, que brota da mudana acelerada e ininterrupta das impressesinteriores e exteriores. O homem um ser da diferena, isto , asua conscincia espicaada por meio da distino da impressomomentnea em face da precedente; as impresses persistentes, ainsignificncia das suas diferenas, a regularidade habitual do seudecurso e dos seus contrastes desgastam, por assim dizer, menosa conscincia do que a apressada aglomerao de imagens mut-veis, a distncia brusca no interior daquilo que se abarca com umolhar, o imprevisto das impresses que se impem. Na medidaem que a grande cidade cria justamente estas condies psicol-

    gicas em cada sada rua, no ritmo e nas diversidades da vidaeconmica, profissional e social , suscita, j nos fundamentossensveis da vida anmica, no quantum de conscincia que ela nosprescreve em virtude da nossa organizao enquanto seres da dife-rena, uma oposio profunda frente pequena cidade e vida nocampo, com ritmo mais lento, mais rotineiro e de fluxo mais uni-forme da sua imagem sensvel-espiritual da vida. Compreende-seassim sobretudo o carcter intelectualista da vida anmica pecu-liar grande cidade, em face do psiquismo consentneo com a pe-quena cidade, que se apoia antes no nimo e nas relaes pautadas

    pelo sentimento. Pois estas radicam nos estratos mais inconsci-entes da alma e crescem, antes de mais, no equilbrio ameno dehbitos ininterruptos. Em contrapartida, o lugar do entendimentoso os estratos supremos, conscientes, translcidos da nossa alma;, das nossas foras internas, a mais capaz de adaptao; para se

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    ajustar mudana e ao contraste dos fenmenos, no precisa dasconcusses e do revolver interior, graas aos quais apenas sabe-ria o nimo mais conservador conformar-se ao ritmo compassadodos fenmenos. Por isso, o tipo do habitante da grande cidade fintado, naturalmente, por milhares de modificaes individuais cria um rgo protector contra o desenraizamento, com que o ame-aam as correntes e as discrepncias de seu meio exterior: em vezde lhe resistir com o nimo, reage sobretudo com o entendimento,

    ao qual a intensificao da conscincia, engendrada pela mesmacausa, proporciona a prerrogativa anmica. A reaco queles fe-nmenos desloca-se assim para o rgo psquico menos sensvel eimensamente distante das profundezas da personalidade. Este co-medimento do intelecto, reconhecido, pois, como um preservativoda vida subjectiva frente aos gravames da grande cidade, ramifica-se em e com mltiplos fenmenos singulares. As grandes cida-des so, desde sempre, o lugar da economia monetria, porque amultiplicidade e a concentrao da troca econmica conferem aomeio de troca uma importncia que no ocorreria na escassez da

    troca rural. Mas a economia monetria e o domnio do intelectoencontram-se numa relao muito profunda. -lhes comum a puraobjectividade no lidar com os homens e as coisas, em que uma jus-tia formal acompanha, muitas vezes, uma dureza inexorvel. Ohomem puramente intelectualista indiferente frente a tudo que especificamente individual, porque deste emanam relaes e re-aces que se no esgotam com o entendimento lgico, tal comono princpio monetrio no ingressa a individualidade dos fen-menos. De facto, o dinheiro busca apenas aquilo que a todos comum, o valor de troca, que nivela toda a qualidade e peculiari-

    dade questo do simples "quanto". Todas as relaes anmicasentre as pessoas se fundam na sua individualidade, enquanto as re-laes intelectivas contam com os homens como com os nmeros,como elementos em si indiferentes, que s possuem um interessede acordo com as suas capacidades objectivamente consideradas

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    o habitante da grande cidade conta, por ex., com os seus fornece-dores e clientes, com os seus moos de recados e, bastantes vezes,com as pessoas do seu trato social obrigatrio, em contraste como carcter do crculo mais restrito, onde o conhecimento inevitveldas individualidades suscita tambm forosamente uma coloraomais anmica do comportamento, um para-alm da mera conside-rao da prestao de servio e da retribuio. Aqui, o essencialno recinto da psicologia econmica que, nas relaes mais primi-

    tivas, se produz para o cliente que encomenda a mercadoria, peloque produtor e fregus se conhecem mutuamente. A grande ci-dade moderna, porm, alimenta-se quase inteiramente da produopara o mercado, isto , para clientes de todo desconhecidos, quenunca se encontram cara a cara com os prprios produtores. Ointeresse de ambas as partes ganha assim uma objectividade impi-edosa, o seu egosmo econmico, intelectualmente calculista, notem a recear qualquer desvio oriundo dos imponderveis das re-laes pessoais. E isso d-se bem, claro est, com a economiamonetria, que domina nas grandes cidades, que expulsa os lti-

    mos restos da produo prpria e da troca imediata de mercadoriase reduz sempre mais, quotidianamente, o trabalho para o cliente ,numa interaco to estreita que ningum saberia dizer se, de in-cio, aquela constituio intelectualista, anmica, que impele paraa economia monetria, ou se esta o factor determinante daquela.Certo apenas que a forma de vida da grande cidade o solo maisfrutfero para esta interaco; eis o que eu gostaria ainda de docu-mentar com o dito do mais importante dos historiadores ingleses daConstituio: no decurso de toda a histria inglesa, Londres nuncafoi considerada como o corao da Inglaterra, mas frequentemente

    como o seu intelecto e sempre como a sua bolsa!Num trao aparentemente banal da superfcie da vida unificam-se, de modo no menos caracterstico, as mesmas correntes anmi-cas. O esprito moderno tornou-se, cada vez mais, um esprito cal-culador. Ao ideal da cincia natural de transformar o mundo num

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    exemplo de clculo, de fixar cada uma das suas partes em frmu-las matemticas, corresponde a exactido calculista da vida prtica,nela introduzida pela economia monetria; s esta preencheu o diade tantos homens com pesagens, clculos, determinaes numri-cas, reduo de valores qualitativos a valores quantitativos. Medi-ante a essncia calculista do dinheiro chegou-se, na relao dos ele-mentos da vida, a uma preciso, a uma segurana na determinaode igualdades e desigualdades, a uma univocidade nos compromis-

    sos e nos ajustes tal como, externamente, foi propiciada pela di-fuso geral dos relgios de bolso. Mas a causa e o efeito deste traoessencial so as condies da grande cidade. As relaes e as opor-tunidades do habitante tpico da grande cidade costumam ser todiversas e complicadas, e sobretudo devido acumulao de tantoshomens, com interesses to diferenciados, as suas relaes e acti-vidades enlaam-se num organismo to articulado que, sem a maisexacta pontualidade nas promessas e prestaes de servios, o todose desmembraria num caos inextricvel. Se, de repente, em Berlimtodos os relgios andassem erradamente em direces diferentes,

    mesmo que s pelo espao de uma hora, toda a sua vida econmicae a sua outra actividade comercial ficariam por longo tempo de-sorganizadas. Acrescente-se, de modo aparentemente ainda maisexterior, a grandeza das distncias, que transforma toda a espera eviagem perdida num desperdcio de tempo insuportvel. A tcnicada vida na grande cidade no concebvel sem que todas as acti-vidades e relaes mtuas tenham sido coordenadas num esquematemporal fixo e supra-subjectivo. Mas tambm aqui sobressai oque, em geral, pode ser a tarefa plena destas consideraes: que,desde qualquer ponto na superfcie da existncia, por mais que ele

    parea emergir apenas nesta e a partir desta, se pode enviar umasonda para a profundidade da alma, que todas as exterioridades,mesmo as mais banais, esto conexas, no fim de contas, mediantetraados de direco, com as decises ltimas sobre o sentido eo estilo da vida. A pontualidade, a calculabilidade, a exactido,

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    que as complicaes e as extenses da vida na grande cidade lheimpem, esto no s num vnculo estreito com o seu carcter inte-lectualista e econmico-monetrio, mas devem igualmente coloriros contedos da vida e facilitar a excluso dos traos essenciais,dos impulsos irracionais, instintivos e soberanos, que de per si pre-tendem determinar a forma da vida, em vez de a receberem de foracomo uma forma universal e esquematicamente definida. Emboraas existncias autocrticas, por eles caracterizadas, no sejam de

    modo algum impossveis na cidade, so todavia contrrias ao seutipo, e por a se explica o dio apaixonado pela grande cidade denaturezas como Ruskin e Nietzsche naturezas que encontram ovalor da vida to-s no que peculiar e no-esquemtico, e no noque igualmente especificvel para todos, e nas quais, portanto,brota da mesma fonte o dio contra a economia monetria e contrao intelectualismo da existncia.

    Os mesmos factores que, assim, na exactido e na preciso deminutos da forma de vida, convergem para uma formao da maisalta impessoalidade, actuam, por outro lado, de um modo altamente

    pessoal. Talvez no haja nenhum fenmeno anmico, que estejareservado de modo to incondicional grande cidade, como o ca-rcter blas. Ele , de incio, a consequncia daqueles estmulosnervosos, que com rapidez se alteram e se condensam nos seus an-tagonismos, dos quais nos parece provir tambm a intensificaoda intelectualidade na grande cidade; justamente por isso, homensbroncos e de antemo sem vida espiritual no costumam ser blass.Assim como uma vida imoderada de prazeres torna blas, porqueexcita por muito tempo os nervos nas suas reaces mais fortes, atque eles acabam por j no ter nenhuma reaco, assim tambm as

    impresses inofensivas, pela rapidez e pela incompatibilidade dasua mudana, foram os nervos a respostas to violentas, irrom-pem para c e para l de modo to brutal, que eles entregam a sualtima reserva de foras e, permanecendo no mesmo meio, j notm tempo para acumular uma nova. A incapacidade, assim origi-

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    nada, de reagir aos novos estmulos com uma energia que lhes sejaadequada justamente aquele carcter blas, que j todo o filho dagrande cidade ostenta, em comparao com as crianas de meiosmais pacatos e sem alteraes.

    A esta fonte fisiolgica do carcter blasda grande cidade junta-se a outra, que flui na economia monetria. A essncia do carcterblas o embotamento perante as diferenas das coisas, no nosentido de que elas no sejam percebidas, como no caso dos est-

    pidos, mas de um modo tal que o significado e o valor das diferen-as das coisas e, assim, das prprias coisas so apreendidos comonulos. Elas aparecem ao blasnuma tonalidade uniformemente es-batida e cinzenta, e no vale a pena preferir umas s outras. Estadisposio anmica o reflexo subjectivo fiel da economia mone-tria totalmente disseminada; na medida em que o dinheiro con-trapesa uniformemente toda a pluralidade das coisas, exprime to-das as distines qualitativas entre elas mediante as diferenas doquanto; na medida em que o dinheiro, com sua ausncia de cor ea sua indiferena, se eleva a denominador comum de todos os va-

    lores, torna-se o mais terrvel nivelador, corri irremediavelmenteo cerne das coisas, a sua peculiaridade, o seu valor especfico, asua incomparabilidade. Todas elas, com o mesmo peso especfico,nadam na corrente incessantemente agitada do dinheiro, todas resi-dem no mesmo plano e se distinguem entre si apenas pela grandezadas peas, com as quais se deixam cobrir. Num caso singular, estacolorao, ou melhor, esta descolorao das coisas mediante a suaequivalncia com o dinheiro pode ser imperceptivelmente pequena;mas na relao que o rico tem com os objectos que se podem obterpor dinheiro, talvez at j no carcter global que o esprito pblico

    partilha agora por toda a parte com estes objectos, ele avolumou-senuma grandeza bem perceptvel. Eis porque as grandes cidades,sedes da circulao do dinheiro e nas quais a venalidade das coisasse impe numa extenso de todo diferente do que acontece nas situ-aes mais restritas, so tambm os verdadeiros locais do carcter

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    blas. Nelas culmina de certo modo aquele resultado da concentra-o de homens e coisas, que estimula o indivduo sua mxima ac-tuao nervosa; atravs da simples intensificao quantitativa dasmesmas condies, este resultado inverte-se no seu contrrio, nofenmeno peculiar de adaptao que o carcter blas, em que osnervos descobrem a sua derradeira possibilidade de se ajustar aoscontedos e forma da vida na grande cidade, renunciando a reagira ela a autoconservao de certas naturezas, custa de desvalo-

    rizar todo o mundo objectivo, acaba ento, inevitavelmente, porrebaixar a prpria personalidade a um sentimento de igual desva-lorizao.

    Enquanto o sujeito tem de concertar inteiramente consigo estaforma de existncia, a sua autoconservao frente grande cidadeexige-lhe um comportamento no menos negativo de natureza so-cial. A atitude espiritual recproca dos habitantes da grande cidadepoderia denominar-se, do ponto de vista formal, como reserva. Seao incessante contacto exterior com inmeros seres humanos sehouvesse de responder com outras tantas reaces interiores, como

    acontece na pequena cidade, em que se conhecem quase todas aspessoas que se encontram e se tem com todas elas uma relaopositiva, ento surgiria uma total atomizao interior e cair-se-ianuma situao anmica de todo inimaginvel. Em parte esta cir-cunstncia psicolgica, em parte o direito desconfiana, que te-mos perante os elementos da vida na grande cidade, que passampor ns num contacto fugaz, obriga-nos quela reserva, devido qual, muitas vezes, nem sequer conhecemos de vista os vizinhosde muitos anos, e que a ns, habitantes da pequena cidade, tan-tas vezes no-los faz aparecer como frios e sem nimo. Sim, se

    no me engano, o lado ntimo desta reserva exterior no apenasa indiferena, mas, de modo mais frequente do que conseguimosaperceber-nos, uma leve averso, uma estranheza e repulsa mtuasque, no momento de um contacto prximo, ocasionado por um mo-tivo qualquer, poderia de repente rebentar em dio e em luta. A

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    integral organizao interior de uma vida de circulao assim toampliada baseia-se numa gradao extremamente multifacetada desimpatias, indiferenas e averses, quer de natureza mais efmeraquer mais duradoura. A esfera da indiferena no to grandecomo superficialmente parece; todavia, a actividade da nossa almaresponde quase a toda a impresso vinda de outro homem com umasensibilidade de algum modo determinada, cuja inconscincia, fu-gacidade e mudana parecem dissolv-la numa indiferena. De

    facto, esta ltima ser-nos-ia to pouco natural, como insuportvelnos a nebulosidade da incerta sugesto recproca e, perante estesdois perigos tpicos da grande cidade, resguarda-nos a antipatia, afase latente e prvia do antagonismo prtico; ela suscita as distn-cias e as evasivas, sem as quais este tipo de vida no se poderialevar a cabo: as suas medidas e as suas misturas, o ritmo de seusurgir e do seu desvanecimento, as formas em que ela se satisfaz isto constitui, com os motivos unificadores em sentido estrito,um todo inseparvel da configurao da vida na grande cidade: oque nesta imediatamente aparece como dissociao , na realidade,

    apenas uma das suas formas elementares de socializao.Mas esta reserva, com o harmnico de averso oculta, surge

    novamente como forma ou capa de uma essncia espiritual muitomais geral da grande cidade. Ela garante ao indivduo uma espciee uma medida de liberdade pessoal, para as quais no existe ne-nhuma analogia noutras situaes: remonta assim a uma das gran-des tendncias evolutivas da vida social em geral, a uma das ra-ras para a qual se pode encontrar uma frmula aproximadamenteuniversal. O estdio mais antigo das formaes sociais, que se en-contra tanto nas formaes histricas como naquelas que hoje se

    instituem, este: um crculo relativamente pequeno, com um fe-chamento forte perante crculos vizinhos, estranhos ou de algummodo antagnicos, mas com uma unio tanto mais estreita em simesmo, que faculta ao membro singular apenas um espao restritopara o desdobramento das suas qualidades peculiares e de movi-

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    mentos mais livres, de que ele prprio responsvel. Assim come-am os grupos polticos e familiares, as formaes de partidos, asconfrarias religiosas; a autoconservao de associaes muito jo-vens exige um rigoroso estabelecimento de limites e uma unidadecentrpeta e no pode, pois, conceder ao indivduo nenhuma liber-dade e particularidade de desenvolvimento interior e exterior. Apartir deste estdio, a evoluo social prossegue simultaneamentepor dois lados diferentes e, no entanto, correspondentes. Na me-

    dida em que o grupo cresce, numrica e espacialmente, em sig-nificado e em contedos de vida afrouxa-se justamente a suaunidade interna imediata, atenua-se a nitidez da delimitao ori-ginria frente aos outros, mediante relaes mtuas e conexes; eao mesmo tempo, no grupo que agora se tornou maior, o indiv-duo ganha liberdade de movimento, muito para l da circunscrioinicial, ciumenta, e uma peculiaridade e particularidade a que a di-viso do trabalho proporciona oportunidade e urgncia. De acordocom esta frmula se desenvolveram o Estado e o cristianismo, ascorporaes, os partidos polticos e inmeros outros grupos, e tanto

    mais, naturalmente, as condies e as foras particulares dos indi-vduos modificam o esquema geral. Tambm isto me parece serclaramente reconhecvel no desenvolvimento da individualidade,no seio da vida citadina. A vida na pequena cidade, tanto na Anti-guidade como na Idade Mdia, impunha ao singular limites de mo-vimento e das relaes para fora, de autonomia e de diferenciaopara dentro, sob os quais o homem moderno no conseguiria respi-rar. Ainda hoje o habitante da grande cidade sente um constrangi-mento anlogo, pelo menos quanto espcie, quando se muda parauma cidade pequena. Quanto menor for o crculo que constitui o

    nosso meio, quanto mais definidas forem as relaes com outros,mas destruidoras de barreiras, com tanto maior desassossego vi-giar ele as realizaes, a orientao da vida e as disposies doindivduo, tanto mais cedo uma especificao quantitativa e qua-litativa faria explodir o enquadramento do todo. A antiga plis

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    parece, neste sentido, ter possudo inteiramente o carcter de pe-quena cidade. A ameaa constante da sua existncia por inimigosde perto e de longe originou aquela coeso rgida na situao po-ltica e militar, aquela vigilncia do cidado pelo cidado, aquelecime do todo perante o singular, cuja vida privada era abafada emtal medida que, quando muito, ele podia encontrar uma compen-sao mediante o despotismo relativamente sua casa. A enormemobilidade e agitao, o colorido nico da vida ateniense explica-

    se talvez pelo facto de que um povo de personalidades configuradasde modo incomparavelmente individual lutava contra a permanentepresso interna e externa de uma pequena cidade desindividualiza-dora. Isto gerou uma atmosfera de tenso, em que os mais fracosforam submetidos e os mais fortes foram estimulados s mais apai-xonadas confirmaes de si mesmos. E justamente assim se chegouem Atenas ao florescimento que se h-de designar, sem o conseguircircunscrever com exactido, como o "universalmente humano"nodesenvolvimento espiritual de nossa espcie. Pois este o contextocuja validade objectiva e histrica aqui se afirma: os contedos e

    formas de vida mais amplos e universais esto intimamente associ-ados aos mais individuais; ambos tm o seu comum estdio prvioou mesmo o seu opositor comum, nas configuraes e nos agru-pamentos restritos, cuja autoconservao os pe em guarda tantocontra a amplitude e a universalidade a eles exterior, como con-tra o que dentro deles se move livremente e individual. Assimcomo na poca feudal o homem "livre"era o que estava sob o di-reito costumeiro do lugar, isto , sob o direito do maior crculosocial, mas no era livre quem obtinha o seu direito apenas do cr-culo restrito de uma corporao feudal, com excluso daquele

    assim tambm hoje, num sentido aprimorado e espiritualizado, livre o habitante da grande cidade, em contraposio s minu-dncias e aos preconceitos que coarctam o habitante da pequenacidade. De facto, a reserva e a indiferena mtuas, as condiesespirituais de vida dos crculos mais vastos, nunca foram sentidas

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    de modo mais forte, no seu efeito para a independncia do indiv-duo, do que na turba mais compacta da grande cidade, porque oaperto e a proximidade corporal que tornam verdadeiramente ex-plcita a distncia espiritual; e, claro est, apenas o reverso destaliberdade se, sob certas circunstncias, em nenhum lugar algum sesente to solitrio e abandonado como justamente na multido dagrande cidade; pois aqui, como sempre, no necessrio que a li-berdade do homem se espelhe na sua vida emotiva como bem-estar.

    No apenas a grandeza imediata de comarca e nmero de pessoasque, em virtude da correlao histrico-universal entre o alarga-mento do crculo e a liberdade interior e exterior pessoal, faz dagrande cidade o local desta ltima, mas, indo alm desta vastidoexplcita, as grandes cidades tornaram-se tambm os locais do cos-mopolitismo. De modo comparvel forma do desenvolvimentodos recursos para l de uma determinada grandeza a propriedadecostuma crescer em progresses cada vez mais rpidas e como quepor si mesma , o horizonte, as relaes econmicas, pessoais e es-pirituais da cidade, os seus arrabaldes ideais ampliam-se como que

    em progresso geomtrica, logo que ultrapassam um determinadolimite; cada expanso dinmica realizada torna-se um degrau, nopara uma expanso ulterior igual, mas para uma maior; em cada fioque a partir dela se tece crescem, como que por si mesmos, inces-santemente outros novos, da mesma forma que no interior da ci-dade o unearned incrementda renda fundiria aduz ao proprietrioganhos que brotam por si, mediante o simples aumento do trfico.A quantidade da vida converte-se neste ponto, de modo muito ime-diato, em qualidade e carcter. A esfera vital da pequena cidade ,no fundo, fechada em si e consigo mesma. Para a grande cidade

    decisivo que a sua vida interior se espraie em mpetos ondulatriossobre um territrio nacional ou internacional mais amplo. Weimarno nenhum contra-exemplo, porque o seu significado estava li-gado a personalidades singulares e com elas morreu, enquanto agrande cidade se caracteriza precisamente pela sua independncia

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    essencial, mesmo relativamente s personalidades individuais maissignificativas o reverso e o preo da independncia, que o singu-lar desfruta no seu seio. A essncia mais significativa da grandecidade reside nesta grandeza funcional, para alm dos seus limitesfsicos: e esta eficcia retroage de novo sobre si mesma e conferepeso, considerao e responsabilidade sua vida. Assim como umser humano no acaba nas fronteiras do seu corpo ou da sua regio,que ele preenche directamente com a sua actividade, mas somente

    na soma dos efeitos que dele temporal e espacialmente irradiam,assim tambm uma cidade consta da totalidade dos seus efeitos,que vo alm da sua imediatidade. este o seu mbito real, noqual se expressa o seu ser. Isso indica j que a liberdade indivi-dual, o membro complementar lgico e histrico de semelhanteamplitude, se no h-de compreender apenas em sentido negativo,como simples liberdade de movimento e eliminao de preconcei-tos e filistesmos; o seu trao essencial consiste, de facto, em que aparticularidade e a incomparabilidade que, ao fim e ao cabo, toda anatureza possui, se exprime na configurao da vida. Que sigamos

    as leis da natureza prpria, e tal decerto a liberdade, torna-se-nosde todo claro e convincente, bem como aos outros, s quando asmanifestaes desta natureza se distinguem tambm das outras; sa nossa no-permutabilidade com os outros testemunha que o nossomodo de existncia no nos imposto pelos outros. As cidades so,antes de mais, os locais da mais elevada diviso econmica do tra-balho; suscitam assim fenmenos to extremos como, em Paris, alucrativa profisso do quatorzime: pessoas, que se do a conhe-cer por letreiros nas suas casas, que hora do jantar esto prontas,com trajes adequados, para serem rapidamente trazidas ao lugar

    onde, numa reunio, 13 estejam mesa. A cidade, justamente namedida da sua expanso, oferece cada vez mais as condies deci-sivas da diviso do trabalho: um crculo que, graas sua grandeza, capaz de acolher uma variedade extremamente mltipla de pres-taes de servios, enquanto, ao mesmo tempo, a concentrao dos

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    indivduos e a sua luta pelo cliente obrigam o singular a uma es-pecializao do trabalho, no qual ele no possa ser to facilmentedesalojado por outro. O decisivo que a vida citadina transformoua luta com a natureza em vista da obteno do alimento numa lutaentre os seres humanos, de sorte que o ganho que se disputa no aqui concedido pela natureza, mas pelos homens. Pois aqui flui nos a fonte mencionada da especializao, mas tambm a fonte maisprofunda: quem oferece deve tentar despertar necessidades sempre

    novas e mais especficas naqueles que galanteia. A necessidade deespecializar o trabalho para encontrar uma fonte de ganho aindano esgotada, uma funo no facilmente substituvel, estimula adiferenciao, o refinamento, o enriquecimento das necessidadesdo pblico, as quais, claro est, acabam por conduzir a diferenaspessoais crescentes no interior deste pblico.

    E isto conduz individualizao espiritual, em sentido estrito,das qualidades anmicas, favorecida pela cidade em relao coma sua grandeza. Uma srie de causas se torna evidente. Antesde mais, a dificuldade de fazer valer a personalidade prpria nas

    dimenses da vida na grande cidade. Onde o incremento quanti-tativo de significado e de energia se aproxima dos seus limites, ohomem agarra-se particularizao qualitativa para que, atravsda estimulao da sensibilidade diferena, ganhe de algum modopara si a conscincia do crculo social: o que acaba ento por aliciars excentricidades mais tendenciosas, s extravagncias especficasda grande cidade, como o ser-original, o capricho, o preciosismo,cujo sentido j no reside nos contedos de tal comportamento,mas apenas na sua forma de ser diferente, de se destacar e, assim,de se tornar notado para muitas naturezas, no fim de contas, o

    nico meio de preservar para si, mediante o desvio pela conscin-cia dos outros, alguma auto-estima e a conscincia de ocupar umlugar. No mesmo sentido actua um factor inaparente, mas que demodo perceptvel soma os seus efeitos: a brevidade e a raridadedos encontros com os outros, dispensados a cada indivduo com-

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    parados com o trfico da pequena cidade. De facto, a tentao de seapresentar de modo mais notrio, concentrado e, quanto possvel,caracterstico torna-se extraordinariamente mais sugestiva do queonde o trato frequente e longo j no outro propicia uma imageminequvoca da personalidade.

    Parece-me ser este o motivo mais profundo pelo qual justa-mente a grande cidade sugere o impulso para uma existncia pes-soal mais individualizada pouco importa se sempre com razo e

    com xito. O desenvolvimento da cultura moderna caracteriza-sepela preponderncia daquilo que se pode chamar esprito objectivosobre o esprito subjectivo, isto , na linguagem e no direito, natcnica produtiva e na arte, na cincia e nos objectos do mbito do-mstico encarna uma soma de esprito, cujo incremento quotidiano acompanhado apenas de modo muito incompleto e a uma distn-cia cada vez maior pelo desenvolvimento espiritual dos sujeitos.Se, por exemplo, percorrermos com o olhar a cultura ingente que,desde h 100 anos, se corporificou em coisas e em conhecimentos,em instituies e em conforto, e a compararmos com o progresso

    cultural dos indivduos no mesmo perodo pelo menos nas clas-ses mais elevadas , surge uma terrvel diferena de riqueza entreas duas, e at, em muitos pontos, um retrocesso da cultura dos in-divduos no tocante espiritualidade, delicadeza e ao idealismo.Esta discrepncia sobretudo o resultado da crescente diviso dotrabalho; pois esta exige do singular uma actividade cada vez maisunilateral, cuja intensificao extrema deixa, com assaz frequncia,atrofiar a sua personalidade como um todo. De qualquer modo, oindivduo est cada vez menos capacitado frente sufocao pelacultura objectiva. Talvez de modo menos consciente do que na

    prtica e nos obscuros sentimentos que dela emanam, ele foi rebai-xado a uma quantit ngligeable, a um gro de areia numa organi-zao monstruosa de coisas e de potncias, que gradualmente lhesubtraem todos os progressos, espiritualidades e valores e os trans-ferem da forma da vida subjectiva para a forma da vida puramente

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    objectiva. Falta indicar apenas que as grandes cidades so os ver-dadeiros cenrios desta cultura, que cresce para alm de tudo o que pessoal. Oferece-se aqui, nas construes e nos estabelecimentosde ensino, nos prodgios e nos confortos da tcnica que sobrepujao espao, nas formaes da vida comunitria e nas instituies vi-sveis do Estado, uma plenitude to subjugante de esprito crista-lizado, feito impessoal, que a personalidade, por assim dizer, nose lhe pode contrapor. Por um lado, a vida torna-se infinitamente

    mais fcil, na medida em que estmulos, interesses, preenchimen-tos de tempo e de conscincia se lhe oferecem de todos os ladose os sustm como que numa corrente, na qual dificilmente se pre-cisa ainda dos movimentos prprios para nadar. Mas, por outro,a vida compe-se cada vez mais destes contedos e destas ofertasimpessoais, que pretendem reprimir as coloraes e as incompara-bilidades francamente pessoais; e de tal modo que, para salvar oque h de mais pessoal, necessrio convocar algo de extremo empeculiaridade e singularidade; h que exager-lo, ainda que seja spara se tornar audvel, inclusive para si mesmo. A atrofia da cultura

    individual mediante a hipertrofia da cultura objectiva um funda-mento do dio obstinado que os pregadores do individualismo ex-tremo, com Nietzsche cabea, nutrem contra as grandes cidades;mas tambm uma razo pela qual eles so to apaixonadamentebenquistos, justamente nas grandes cidades, pois aparecem ao ha-bitante destas ltimas como os arautos e os libertadores da sua maisinsatisfeita nostalgia.

    Na medida em que estas duas formas de individualismo, ali-mentadas pelas relaes quantitativas da grande cidade a auto-nomia individual e a formao da especificidade pessoal se es-

    quadrinham na sua situao histrica, a grande cidade adquire umvalor inteiramente novo na histria universal do esprito. O sculoXVIII encontrou o indivduo em conexes constritivas, j absur-das, de tipo poltico e agrrio, corporativo e religioso restriesque impunham ao homem, por assim dizer, uma forma no natu-

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    ral e desigualdades h muito injustas. Nesta situao irrompeu oclamor pela liberdade e igualdade a f na plena liberdade de mo-vimento do indivduo em todas as relaes sociais e espirituais, quede imediato deixaria sobressair em todos o cerne nobre e comum,tal como a natureza o teria plantado em cada um e a sociedade e ahistria o teriam apenas deformado. Ao lado deste ideal do libera-lismo, cresceu no sculo XIX, atravs de Goethe e do Romantismo,e ainda graas diviso econmica do trabalho, a ideia seguinte:

    os indivduos, libertos dos vnculos histricos, querem agora tam-bm distinguir-se uns dos outros. O suporte do seu valor j no agora o "homem universal"em cada singular, mas justamente aunicidade e a no permutabilidade qualitativas. Na luta e nos en-laamentos recprocos destas duas formas, para determinar o papeldo sujeito no seio da totalidade, decorre a histria interior e exteriorda nossa poca. A funo das grandes cidades prover o lugar parao conflito e para as tentativas de unificao das duas, na medida emque as suas condies peculiares se nos revelaram como ocasiese estmulos para o desenvolvimento de ambas. As grandes cidades

    adquirem assim um lugar absolutamente nico, grvido de infin-dos significados, no desfraldar da existncia anmica; mostram-secomo uma daquelas grandes formaes histricas em que as cor-rentes opostas que rodeiam a vida se juntam e se desdobram comos mesmos direitos. Mas, deste modo, sejam-nos simpticos ouantipticos os seus fenmenos singulares, elas saem inteiramentedo mbito frente ao qual nos convinha a atitude do juiz. Na me-dida em que tais potncias se entranharam na raiz e na coroa detoda a vida histrica, da qual fazemos parte na existncia fugidiade uma clula a nossa tarefa no acusar ou perdoar, mas to-s

    compreender1

    .1 O contedo desta conferncia, quanto sua ndole, no remonta a uma

    literatura especfica. A fundamentao e a exposio das suas ideias histrico-culturais centrais oferecem-se na minha Philosophie des Geldes [filosofia dodinheiro].

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    [Nota do tradutor]

    Agradeo ao editor, Joaquim Soares da Costa, da Texto e Gra-fia, a amvel autorizao para, desde j, se proporcionar aos culto-

    res e apreciadores da filosofia, portugueses e outros, a ocasio desaborear este texto de Georg Simmel sobre a relao entre a grandecidade e a vida do esprito.

    Este escrito faz parte do pequeno volume, Psicologia do di-nheiro e outros ensaios, que sair no prximo ms de Setembro;alm do presente, que data de 1903, contm ainda mais trs arti-gos do grande mestre: Psicologia do dinheiro (1890), O dinheirona cultura moderna (1896) e Sobre a avareza, o esbanjamento e apobreza (1899).

    A verso aqui proposta baseou-se no texto alemo da Gesam-tausgabe [Edio integral] em 24 volumes, levada a efeito pela

    Suhrkamp, e que figura hoje como a referncia mais fidedigna dosescritos do filsofo.

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