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Simplesmente ame Joice Lourenço 2° Edição 2014

Simplesmente ame - PerSe · coração, assim como tocou o meu. Lágrimas rolaram em vários momentos, fazendo-me crer que a Bíblia tem razão quando diz que o verdadeiro amor tudo

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Simplesmente ame

Joice Lourenço

2° Edição

2014

Projeto gráfico e editoração eletrônica

TSA

Revisão TSA Capa

TSA Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança real é mera coincidência.

Todos os direitos desta obra são exclusivos da autora.

Dedicatória

Para Deus, toda honra e glória!

“Para que todos vejam, e saibam, e considerem, e juntamente entendam que a mão do Senhor fez isso, e o

Santo de Israel o criou”.

(Isaías 41:20)

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Prefácio Quem nunca guardou um segredo? Quem nunca cometeu um erro achando estar fazendo

a coisa certa? Simplesmente ame... Um livro fascinante. Em meio a

tantos segredos, amor, perdão, passeando entre sentimentos surge uma talentosa escritora - Joice Lourenço. Uma mulher de fibra, com alma de menina, tão alva e pura, e um coração que não cabe no peito. Somente alguém com sentimentos tão nobres e sinceros pode falar do amor com tanta emoção.

Simplesmente Ame conta a história de Melissa, uma menina forte, determinada, romântica assumida, uma boa filha, amiga, conselheira. De uma forma inesperada e até mesmo constrangedora conhece Érique, e jamais poderia supor que a sua frente estaria o grande amor da sua vida. Encontros e desencontros acontecem e, sem se darem conta, apaixonam-se. Um amor lindo, cheio de sonhos. Juntos faziam vários planos para um futuro, que não parecia ser tão distante. No entanto, as armadilhas da vida se encarregaram de mudar alguns planos.

Uma história que, com certeza, vai tocar o seu coração, assim como tocou o meu. Lágrimas rolaram em vários momentos, fazendo-me crer que a Bíblia tem razão quando diz que o verdadeiro amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. O verdadeiro amor vai além do corpo, o verdadeiro amor não morre, o verdadeiro amor sempre perdoa. O verdadeiro amor jamais acaba. Com maestria a autora nos mostra quatro tipos de amor: O amor Ágape (amor incondicional), o amor de Deus em sua forma mais pura; O amor Eros (amor entre o homem e a mulher); o amor Philos (amor entre amigos); e o amor Storge (o amor familiar).

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Em alguns momentos, não sabemos como agir frente a determinadas situações, decepções e tantos segredos revelados inesperadamente. A mágoa, por vezes, toma conta de nosso ser, mas o perdão é muito maior que qualquer sentimento mau. O perdão realiza milagres, transforma ódio em amor. E o amor... Ah, o amor transforma a tristeza em alegria, a morte em vida. E o maior amor que podemos ter nos dá a vida eterna.

Se quiser aprender como Melissa cada tipo de amor, se quiser aprender a perdoar, se quiser a vida além da morte, a vida eterna, então, prepare-se! Nas páginas a seguir, você conhecerá a única fórmula – Simplesmente ame...

Renata Martins Autora de Adolescente – Alguém te entende

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Capítulo 1

Apesar de ficar com medo, senti algo diferente em seu olhar.

Melissa bateu a porta do seu quarto, frustrada mais

uma vez por discutir com sua mãe. Jogou-se na cama e abafou seu grito mordendo o travesseiro, numa tentativa de expulsar aquela raiva momentânea.

Não entendia o que acontecia. Cada vez que conversavam acabavam se desentendendo. Temperamentos parecidos? Talvez... Mas, ainda assim, acreditava que essa não fosse a resposta. Afinal, apenas ela sentia-se assim.

Suas irmãs tinham o temperamento oposto ao seu. Eram mais impacientes, nervosas, eram de falar as coisas na cara mesmo. Tinham mais atitude, às vezes até exageradas. Não que Melissa não fosse de atitude, apenas demorava pra falar algo que requeresse um confronto. Odiava isso. Preferia ficar no seu canto, caladinha, engolindo sapos, do que abrir a boca e machucar alguém, garanto-lhe que saía pior que a tal pessoa. Resumindo, ela era muito sensível e, às vezes, ingênua. Isso geralmente a atrapalhava. Só, por favor, não peça para ela ser diferente. O que posso dizer? É contra a sua natureza. Melissa levantou-se da cama e se encarou pelo espelho. Era loira de pele bronzeada, resultado de um pai alemão e uma mãe cabocla. Amava a facilidade que tinha de ficar bronzeada, embora raramente fizesse isso. Penteou o cabelo e fez um coque. Agora estava pronta para ir trabalhar. Mais calma do que antes, deu um sorriso para si mesma e saiu de casa. Sentiu aquele cheiro que amava ao jogar um pacote de coco ralado na máquina de sorvete, que se misturou

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rapidamente aos demais ingredientes. Agora era a hora ideal para o chocolate fazer a sua parte. Hum... Perfeito! Depois de um tempo, estava tudo pronto. Melissa suspirou fundo e pegou uma pequena tigela para provar o seu trabalho. Estava realmente delicioso.

Escutou a sineta da porta. Clientes à vista. Largou o sorvete e foi para o balcão de atendimento.

A sala não era muito grande, mas do tamanho suficiente para que coubessem dois freezers, o balcão e uma estante com alguns salgadinhos. A fachada, como toda a estrutura, era branca, simples, porém bonita. Não havia propriamente uma placa, mas colocaram o nome escrito na parede ao lado da porta grande de entrada, “Sorveteria Quero Mais”. Quem deu o nome foi a mulher já falecida do seu Cristóvão, seu patrão, como que um incentivo aos sorveteiros de plantão. Entretanto, o sorvete foi tornando-se tão bom, que muitos concordavam com o nome. Havia cinco clientes para atender, mas pelo canto do olho percebeu mais movimentação. A fila se estendia e Melissa estava ficando nervosa por não conseguir suprir, afinal, era apenas uma contra um exército desejoso por aqueles sorvetes majestosos, num calor insuportável. Era final de janeiro e, como sempre, aquele calor que só o povo de Jaraguá do Sul conhece. Às vezes era insuportável, e a sorveteria aproveitava esse momento, o que rendia trabalho em dobro naquele calor horrível. No momento apenas vendiam sorvetes em potes, o que facilitava as coisas quando estava sozinha. Seu Cristóvão estava querendo implementar um bufê de sorvete. A ideia era legal, mas não para o bolso atual da empresa. Não havia como contratar ninguém. Ficava feliz por seus argumentos serem aceitáveis e o assunto não era tocado durante um mês. Por trabalhar há cinco anos na sorveteria, tinha esse poder, seu patrão sempre a escutava.

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Ainda estavam se reerguendo de um assalto que acontecera há dois meses. Tudo foi roubado e, desde então, a única funcionária que havia além de Melissa pediu demissão, traumatizada pelo acontecido. Foi num sábado de manhã. Um homem fingindo-se de cliente fez um pedido grande. Enquanto a funcionária foi fazer o pedido, o bandido aproveitou e trancou a porta para que ninguém mais entrasse. Quando voltou com tudo pronto, ele apontou a arma, ordenando que lhe desse todo o dinheiro do caixa.

Ficaram totalmente atordoados quando viram o estado da pequena fábrica. Além do dinheiro do caixa, haviam roubado os dois freezers que estavam na parte de dentro e mais o outro que ficava na loja. E, o pior, a máquina de fazer sorvete. Como se já não bastasse o sofrimento de seu Cristóvão que perdera sua mulher recentemente. Isso tudo vinha em sua mente nos sábados pela manhã. Apesar de às vezes ficar com um pé atrás a cada cliente que entrava, ainda assim tentava manter-se tranquila e procurava não pensar muito nisso, afinal, seu sustento e o do seu Cristóvão vinham das vendas dos sorvetes. Verificou a fila e ficou admirada, já estava atendendo ao último cliente. Foi tão rápido que nem havia percebido. Foi tomar um copo de água, estava com a boca seca de tanto falar. Escutou a sineta novamente. Um jovem que aparentava ter em torno de 25 anos entrou. Seu rosto parecia familiar, talvez fosse um cliente antigo, mas não teve certeza.

O jovem sorriu e observou o freezer. — Tem mais, além desses potes? Melissa olhou confusa. — Por quê? — Preciso de 50 potes. Quase caiu com o impacto daquilo. Desconfiou por

um instante e ele pareceu ler seus pensamentos.

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— São para os meus parentes. Chegaram de surpresa e, acredite, a família é enorme. — Sorriu suavemente, fazendo-a estremecer. Aquela sensação perturbadora de perigo instalou-se nela. Fez a contagem dos potes que estavam no freezer. Faltariam pelo menos 30. Teria de ir à outra sala. Havia mais sorvete pronto, mas estavam em um recipiente grande. Teria que pesá-los nos potes pequenos para serem vendidos.

— Vamos fazer o seguinte: vou pagar tudo agora e daqui a pouco volto. Pode ser?

— Ok. Ela permaneceu desconfiada, com receio de que fosse

outro assalto. Ligou para seu Cristovão assim que o jovem saiu. Ele compreendeu seu estado e disse que mandaria um amigo policial para ficar de olho. Melissa respirou fundo, procurando ficar calma.

Às 17 horas, os potes já estavam prontos. Arrumou

tudo em três caixas, aguardando a volta do jovem, enquanto o policial estava perto da porta, observando o movimento da rua. Meia hora depois, ele apareceu com três caixas grandes de isopor. Cumprimentou o policial e encarou Melissa em silêncio. Ela mostrou os sorvetes na caixa e assim que começou a contar, ele a interrompeu, impedindo-a de fazer a contagem.

— Não precisa disso. Confio que os 50 potes de sorvetes estão aí. — Seu semblante estava sério, muito diferente de antes.

Colocou os sorvetes dentro das caixas de isopor e levou uma por uma até o carro. Na última caixa, parou e perguntou se estava tudo certo. Melissa respondeu que sim, um pouco sem graça pela presença do policial.

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— Sei o que vocês pensaram e não sou esse tipo de gente.

Ela tentou argumentar algo, mas nada saiu de sua boca a não ser lamentações por fazer um cliente se entristecer. Sabia que tinha as suas razões, e ele as dele. Olhou para o dinheiro na caixa registradora. Pelo menos daria pra pagar a conta de luz e a matéria-prima da terça-feira. A situação não estava nada fácil na sorveteria do seu Cristóvão e Melissa fazia de tudo para ajudar.

Apesar de ser a única a trabalhar no recinto, se esforçava para deixar tudo em ordem. Não era apenas uma funcionária, havia se tornado amiga daquele pobre homem que estava com a vida um caos. Melissa suspirou fundo ao ver o jovem partir em seu fusca. Parecia um rapaz gentil, além de atraente, mas percebeu isso apenas depois, quando relembrou daquele estranho momento. Provavelmente ele não iria mais voltar.

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Capítulo 2

Senti um frio em minha barriga ao ouvir aquilo tudo. As coisas não seriam tão fáceis assim.

Melissa estava cansada. A semana havia sido intensa, e trabalhar no sábado até o fim do dia era ainda pior. Seus pais tinham ido visitar uma prima que havia acabado de ser mãe em uma cidade à quase duas horas dali. Como sempre, as filhas decidiram ficar em casa. Bom, Melissa teria de trabalhar naquele sábado de qualquer jeito, no outro estaria livre. Este era o combinado com seu Cristóvão.

Suas irmãs, Fernanda e Valéria, trabalhavam em outras empresas. Cada uma tinha sua vida, literalmente. Seu pai era vendedor em uma loja de móveis, geralmente ficava até tarde, fazendo hora extra para conseguir sustentar a casa.

Melissa recebeu um telefonema, sua amiga estava na cidade. Foi correndo tomar banho para encontrá-la, mas Valéria já estava no banheiro.

— Vai demorar? — perguntou impaciente. — Acabei de entrar! — gritou a irmã. Uia... E agora? Sabia que quando sua irmã mais velha

entrava no banheiro num sábado, ficava uma hora, no mínimo. Pegou o xampu da Fernanda emprestado e correu para o tanque, na lavanderia. Pelo menos teria que lavar os cabelos, pois não estavam muito cheirosos.

— Use só um pouco! — sua irmã mais nova gritou da sala.

— Eu sei. Fernanda era assim mesmo, chegava a ser chata

quando pegavam suas coisas. E ai de quem não pedisse permissão, era um Deus nos acuda!

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Foi uma aventura lavar o cabelo no tanque com aquela torneira tão baixa. Mas, enfim, quando percebeu, já estava dentro do ônibus a caminho do único shopping da cidade.

Fazia mais de um ano que não se viam. Assim que Hanna concluiu o Ensino Médio, mudou-se para outro estado. Mesmo Melissa sendo dois anos mais nova, eram inseparáveis, e no colégio sempre davam um jeito de passarem algum tempo juntas, fosse no intervalo ou no término das aulas.

Caminhou rapidamente dentro do shopping à sua procura. Ela estaria na praça de alimentação, o problema é que estava lotado. Teve que parar e ficar observando as mesas para tentar encontrá-la. Não gostava daquilo, as pessoas pareciam encará-la de volta. Continuou andando, antes que alguém achasse que estava paquerando. Não sou de fazer essas coisas. Era muito tímida para isso. Ao virar-se para o lado, acabou esbarrando em alguém.

— Desculpe — pediu, sem graça. — Tudo bem. — Escutou a voz um pouco familiar. Olhou para cima e ficou estarrecida ao encarar o

cliente da sorveteria. Ah! Não... — Demorou pra pedir — disse o rapaz seriamente.

Seus olhos eram profundos e misteriosos. Perdeu-se neles por alguns segundos. Melissa ficou confusa com suas palavras.

— Estou falando do fato de ter chamado o policial quando estive na sorveteria. —Deu uma piscadela percebendo o seu jeito.

— Ah! — Compreendeu, sorrindo um pouco e voltando a ficar sem graça, não só pela situação na sorveteria, mas também por sentir o seu coração bater um pouco mais rápido do que de costume. Ele estava todo arrumado, bem diferente da última vez em que o vira. Vestia uma calça jeans e

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uma blusa azul clara que contrastava ainda mais com sua pele morena. E o perfume? Ah! Estava impregnado em seu olfato.

Seus olhos pareciam gostar de deixá-la assim. Continuou a fitá-la, como que brincando com a situação, deixando-a ainda mais constrangida.

O celular tocou, tirando-a daquele transe, ela atendeu no mesmo instante, um pouco desajeitada.

— Onde você está?... Estou indo... Desligou rapidamente e, quando percebeu, ele já havia

sumido. Respirou fundo. Melhor assim! Decidiu deixar esse momento estranho de lado e focar na sua amiga, que estava esperando em um banco perto do banheiro feminino. Melissa reconheceu a amiga de longe e assustou-se com o seu semblante. Alguma coisa não estava certa.

— O que aconteceu? — perguntou, enquanto a abraçava e a estudava. Seu semblante estava muito pálido.

— Não sei. Fiquei um pouco enjoada de repente. — Virou para o lado, sem graça. — Quer dizer, faz alguns dias que estou assim.

Ela estranhou, começou a ficar preocupada. — Dormi a tarde inteira, cansada da viagem. Hanna estava com os olhos inchados. — Fala a verdade, sua saúde sempre foi de ferro. —

Encarou a amiga com seriedade. A conhecia o suficiente pra saber que estava escondendo algo. Até desconfiou do que poderia ser, temendo que sua suspeita estivesse certa.

Hanna respirou fundo. Tinha que contar pra sua amiga, era a pessoa que mais confiava. Sabia que não iria gostar nenhum pouco de tudo o que aconteceu, mas agora não podia fazer mais nada. Era tarde demais.

Suspirou mais uma vez e revelou: — Melissa, estou grávida. Ao ouvir aquelas palavras, teve a sensação de que seu

coração parou naquele momento. Grávida? Como? Lógico,

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sabia como funcionava. Mas, era tão nova, solteira... Não estava acreditando... Entretanto, esforçou-se para deixar suas emoções um pouco de lado. Se ela estava se sentindo assim, imagina a sua amiga! Quem estava em apuros era Hanna.

— E o Kevin? Ao ouvir aquele nome, Hanna fechou as mãos

firmemente, tentou não chorar, mas não conseguiu. — Peguei aquele sem-noção com outra... Melissa engoliu seco, sua amiga estava numa

enrascada. — Bem no dia em que eu ia contar... Melissa abraçou-a por um momento, enquanto as

lágrimas encharcavam sua blusa. Nunca vira a amiga daquele jeito. Parecia realmente angustiada, apesar de se fazer de forte.

E agora? Ficava se perguntando. Nunca havia passado por uma situação daquelas. Não sabia o que fazer, mas queria demonstrar de alguma forma que estava com ela, para o que quer que fosse. Depois de algum tempo nos braços da amiga, mais calma, Hanna levantou-se e começou a andar de um lado para outro, como sempre fazia quando estava ansiosa.

— Eu tenho um plano e já está em andamento. — Respirou fundo e encarou Melissa, concluindo: — Vou voltar pra cá. Meus pais apoiaram, mas com uma condição: morar com meus tios ou com você.

— Espere aí. Seus pais sabem? — Não... — sua voz sumiu e, num segundo depois,

voltou: — Preciso sair de lá. — Por causa do Kevin — deduziu Melissa. — É... Não te contei toda a verdade sobre ele. —

Ficou tensa por um momento. —Ele não é a melhor pessoa do mundo.

— O que quer dizer?

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— No começo era maravilhoso, depois ele ficou muito ciumento, e então — suspirou longamente —, começou a me bater. Foram poucas vezes, mas o suficiente pra eu perceber a enrascada em que me meti. E isso meus pais sabem, por esse motivo apoiaram a minha decisão de vir pra cá. Até queriam vir junto, mas não deixei, não achei justo com eles.

Melissa encarou sua amiga, enquanto tentava processar tantas informações.

— Você quer dizer que... — Já estou com as malas na casa do meu tio —

Hanna concluiu. Ela ficou totalmente surpresa ao ouvir aquilo. Hanna respirou fundo e confessou: — Foi horrível ter que sair de casa. Me sinto muito

mal por estar fazendo isso, mas foi necessário. Ela deu um abraço apertado na amiga, não sabia o que

falar naquela hora, apenas sabia que estaria sempre ao seu lado.

Melissa deitou-se na cama, deixando os pensamentos vagarem por caminhos desconhecidos. Quem sabe, dessa forma, conseguiria compreender tudo o que acontecia. Hanna estava de volta à Jaraguá do Sul, fugindo do ex-namorado ciumento e com um filho seu na barriga, e este “detalhe” seus pais não sabiam. Essa história não acabaria bem. Seu medo era que esse tal de Kevin aparecesse.

E sobre morar juntas, bem que gostaria, no entanto estava sem condições. A melhor solução era ela ficar com os tios.

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Capítulo 3

O dia não foi perfeito, mas não me esquecerei do toque quente de suas mãos.

Dona Regina estava estressada. Os dias anteriores

foram difíceis na malharia onde trabalhava. Era gerente de produção e, nos últimos meses, o cargo conquistado com tanto sacrifício a estava esgotando. Se já não bastasse isso, tinha a casa para cuidar. Suas filhas, Fernanda e Valéria, não ajudavam muito e isso sempre a chateava. No entanto, Melissa, a filha do meio, sempre estava ao seu lado disposta a ajudar.

Seu temperamento já não era fácil, e ultimamente estava ficando mais impaciente. Qualquer palavra a mais de que não gostasse, retrucava. Sabia que não era certo agir assim, mas no momento estava sem forças para simplesmente sorrir e fingir que estava tudo bem, quando, de fato, não estava.

Ninguém imaginava a dor que dona Regina carregava dentro de si. Até quando seria possível esconder, não sabia. Mas pedia forças a Deus a cada nova manhã.

Seu marido desconfiava que ela não estivesse muito bem, mas sabia o quanto a esposa era teimosa e orgulhosa para admitir tais coisas. Entretanto, a relação com as filhas não estava sendo das melhores, principalmente com Melissa.

Novamente, mais uma discussão. Melissa falou de algo que não gostou e sua mãe já olhou com cara feia. A menina acabou escutando um monte de coisas e no fim foi quase tachada de ser a culpada.

Ela realmente não compreendia, suas irmãs retrucavam e falavam o que queriam e, ainda assim, se

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entendiam com dona Regina. Afinal, o que há de errado? Será que se eu for como elas, as coisas vão melhorar?

O máximo que conseguia na sua maratona de falar as coisas era mais discussões, e disso já estava bastante cansada. Achou melhor ficar na sua e evitar ao máximo cair nesse buraco da discussão. Só ela sabia o quanto isso a fazia mal.

Era hora do jantar, Valéria e Fernanda já haviam saído da mesa. Melissa, como sempre, comia devagar e ainda estava terminando sua refeição.

— Fernanda, pega um copo pra mim? — ela pediu. A irmã estava à toa, ao lado do armário. — Ah, não enche! — respondeu, após um palavrão.

Depois foi pro quarto e ligou o som, bem alto. Melissa olhou para seus pais procurando apoio, mas

eles só ficaram com cara de aborrecidos e não disseram nada. — Vou sair — anunciou Valéria, pegando um copo

no armário e entregando pra irmã. Essa é a minha irmã. Fazia as coisas quando menos

esperavam. — Vai aonde? — seu pai perguntou. — Ao shopping com minhas amigas. Dizendo isso, mandou um beijo pelo ar e saiu

cantarolando pela porta. Dona Regina meneou a cabeça. — Essas minhas filhas... Cada uma com seu jeito! Levantou e pediu para Melissa tirar a mesa e lavar a

louça. Ela ficou perplexa ao ouvir aquilo. — A Fernanda não pode ajudar? Sua mãe a olhou brava. — Eu disse pra você fazer isso. Sua irmã está muito

nervosa, melhor deixá-la em seu canto. A vontade que teve naquela hora foi de gritar, chutar, pegar suas coisas e ir pra outro lugar. No entanto, não teve coragem. Apenas deixou que as lágrimas quentes fossem o seu refúgio.

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A semana foi de muito trabalho na sorveteria. Quase

todos os dias, Melissa e seu Cristóvão ficavam até às dez da noite trabalhando. Tinham que lutar contra o tempo para pagar as contas, por isso aproveitavam ao máximo a época do verão, pois, no inverno, o que faltava sempre era trabalho, o movimento caía drasticamente. Sexta-feira, dia três de março, era o seu aniversário. Trabalhou normalmente o dia inteiro. Seu pai e suas irmãs a parabenizaram antes de saírem para o serviço naquela manhã, mas dona Regina não lhe deu nenhum abraço. Melissa ficou ansiosa, esperando pelo momento em que sua mãe viria sorridente ao seu encontro e a abraçaria. Chegou em casa cansada. Quando foi pegar a toalha para tomar banho, sua mãe finalmente apareceu. Abraçou-a, dando-lhe os parabéns, depois disse: — Você é uma pessoa muito querida. Só precisa ser mais paciente e menos chata às vezes.

Deu um beijo e saiu. A vontade que teve foi de abrir os braços e indagar: É

isso que tem pra me dizer no meu aniversário? No meu dia? Nada de presente, nada de cartão, nem um pedaço de

bolo. Mas não eram esses caprichos que ela queria, desejava apenas um pouco de carinho. Era pedir muito? Infelizmente, sua mãe a tratou daquele jeito, deixando-a transtornada. Tomou um demorado banho. Estava triste, inconformada. Não sabia mais o que pensar e nem como agir com sua mãe. Chorou como há tempo não fazia. Hanna já a esperava em seu quarto para saírem e comemorarem o seu aniversário.

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— O que aconteceu? — indagou preocupada, ao ver os olhos e nariz vermelhos de Melissa.

— Deixa pra lá. Só me ajude a escolher uma roupa. — Deu de ombros.

Não gostava de ficar falando dos problemas que a afligiam, nem com seus pais, nem com ninguém. Achava chato a pessoa ter outra perspectiva deles. Não queria que suas reclamações julgassem os outros. Hanna assentiu, respeitando a amiga, e a ajudou na produção da sua noite.

Melissa não fazia ideia para onde iriam, mas o que sabia é que merecia um bom aniversário, por isso esforçou-se. Era o seu dia e ninguém estragaria isso. O primo de Hanna estava ficando impaciente pela demora da prima. Já fazia mais de meia hora. Respirou fundo, pronto pra ligar para o celular dela. Entretanto, quando discou o número, percebeu um movimento na porta da casa.

— Que demora... — ele começou a dizer, enquanto sua prima já pedia desculpas. Era um jovem bonito, moreno, talvez 1,80 de altura. Estava vestido de maneira simples: bermuda e uma regata onde se podia perceber a firmeza de seus músculos.

Ele descruzou os braços com a aproximação da prima e de sua amiga.

— Desculpe. A culpa foi minha — Melissa confessou, um pouco envergonhada.

O jovem a fitou seriamente por um momento e então deu uma risada ousada.

— Agora está tudo perdoado — ele disse. Melissa não podia acreditar naquilo. Não se conteve e

sorriu, deixando falar aquilo que estava em sua mente: — Até que enfim nos entendemos. O primo de Hanna aproximou-se e encarou Melissa

por um breve momento. Ela sabia que estava mais bonita

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naquela noite, não por se achar, mas porque se produziu como há muito tempo não fazia. Usava um vestido longo de verão e os cabelos perfeitamente trançados por Hanna. Ela mesma ficara surpresa com o resultado.

Ele deu mais um sorriso e abriu a porta de seu fusca vermelho para que pudessem entrar. Hanna ficou confusa com a reação dos dois e não conseguiu segurar sua curiosidade.

— De onde vocês se conhecem? — Da sorveteria — responderam juntos e caíram na

risada, deixando-a ainda mais confusa. Ela então permaneceu em silêncio, apenas observando-os.

Melissa não queria falar sobre aquele dia na sorveteria, quando pensou que ele fosse um bandido. Na verdade, ele apenas quis comprar sorvetes para a sua grande família. Como ficou sem graça com a situação! Ainda não sabia a razão das risadas, sentia que estava feliz com sua presença, embora um pouco nervosa. Era um desconhecido, mas os poucos encontros que tiveram deixaram uma breve brisa em seu coração que nem ela compreendia completamente. Seguiram a rota até o lugar da “festa” em silêncio. Hanna observava, enquanto Melissa tentava relaxar com aquele jovem que ainda não sabia o nome. Ele tamborilava os dedos sem parar, numa espécie de disfarce para o seu nervosismo. Quando percebeu, estavam na zona rural da cidade.

— Estamos chegando — ele anunciou, querendo se mostrar presente.

— Aonde? — Quis saber, curiosa. — Na minha casa — ele respondeu. Hanna logo explicou: — Temos um lugar especial no sítio do meu tio.

Você vai gostar.

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Entraram numa rua estreita e escura. Depois de alguns metros, viu as luzes de uma casa. Quando percebeu, viraram à direita numa rua ainda mais estreita e logo entraram no mato. Melissa ficou preocupada.

— É aqui mesmo — revelou o motorista e deu três buzinadas.

Tudo estava escuro a sua volta. De repente, viu algumas pequenas luzes acendendo no alto e então compreendeu onde estava. Em frente a uma casa de árvore. Ela sorriu, nunca havia entrado em uma e empolgou-se com aquilo. Voltava a ser criança. Alguém abriu a porta e estendeu a mão para Melissa. Ela estava tentando absorver aquele momento surpresa e nem percebeu quem era, mas por educação a aceitou, enquanto saía do fusca, então sentiu aquela mão forte e quente na sua. Apenas quando ficou em pé descobriu de quem era, ficando totalmente desnorteada. O primo de Hanna continuava a fitá-la. Não sabia quanto tempo havia se passado, mas ficou imersa naqueles olhos cor de mel.

Parabéns pra você, nesta data querida..., Melissa escutou algumas vozes familiares cantando. Vinham de cima. Ficou extasiada ao ver suas irmãs. Não esperava isso delas. Olhou para o lado e o desconhecido primo de Hanna havia sumido. Parecia gostar de fazer isso.

Hanna mostrou a escada e subiram. Era um pouco difícil, mas valia a pena. A casa tinha apenas uma peça, em dois lados havia parede de cima a baixo, nos outros dois formava-se uma varanda.

— Te pegamos! — Valéria a abraçou. — Realmente não esperava... — Parabéns de novo! — Fernanda também a

abraçou. Havia um bolo em cima da mesa e mais alguns salgadinhos. Tapetes e travesseiros não faltavam, e havia

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também uma TV com aparelho de DVD, onde passavam alguns clipes.

— Cadê o Érique? — Hanna perguntou, procurando-o.

— Ele entrou no fusca e saiu — Fernanda disse mexendo no celular, como sempre.

Melissa ficou intrigada. Por que ele saiu desse jeito? Era a segunda vez que ele sumia bem na frente dela. Isso a deixava confusa. Enquanto comiam o bolo, Melissa escutou alguém chegando. Começou a sentir o coração pulsar mais rápido apenas por pensar que pudesse ser o Érique. Agora sabia seu nome. Mas um jovem loiro usando boné chegou e foi cumprimentar suas irmãs. Melissa estranhou, pois era o seu aniversário, somente para pessoas chegadas. O Érique era uma exceção. O que esse cara está fazendo aqui? Não gostou nada daquilo. Percebeu um olhar de preocupação em suas irmãs. Não demorou para que viessem ao seu encontro.

— Esse é o Paulo, um amigo nosso — Fernanda apresentou.

Olhou desconfiada e cumprimentou o rapaz que começou a falar sem parar. Aiiii... Vou pegar minhas irmãs mais tarde... Uia!

Deixaram-na sozinha com o garoto. Ele falava sem parar, disse que era cliente da sorveteria há tempos e gostava muito do produto. Só que Melissa não se lembrava da cara dele, pois eram muitos clientes.

Descobriu que ele era gerente em uma fábrica de motores. De repente, ele aproximou-se e pegou suas mãos. Ela tentou tirá-las, porém ele colocou a outra mão em sua bochecha. Nesse momento, Érique apareceu, segurando um pacote muito bem embrulhado.

— Oi! — Melissa deu atenção a ele, evitando os “carinhos” daquele cara chato.

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— Só vim trazer seu presente. — Entregou-lhe o pacote seriamente e foi embora.

Naquele instante, ela ficou furiosa e encarou as irmãs, as quais entenderam muito bem o que fizeram de errado. Hanna até tentou ligar para o primo, percebendo o clima entre os dois... Em vão.

Não demorou para que a festa acabasse... Mesmo assim, Melissa gostou da surpresa. Quem diria que iria acontecer tanta coisa em poucas horas?!

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Capítulo 4

Doía ver minha mãe daquele jeito. Sabia que todos se afastavam dela. Queria abraçá-la, mas tudo aquilo também me afligia e não sabia o que

fazer.

Antônio andava de um lado para o outro, impaciente. Não havia mais clientes na loja. Olhava para o relógio sem parar. Faltavam quinze minutos para encerrar o serviço e isso o deixava ainda mais impaciente. Passava a mão pelos poucos cabelos grisalhos que tinha, como uma forma de conter-se. Estava certo do que iria fazer. Odiava ter que pensar nisso, mas era necessário. Sua esposa nunca iria contar o que estava acontecendo e já estava farto de suas atitudes. Suas constantes ausências na casa estavam deixando todos preocupados e com a pulga atrás da orelha. Assim que saiu do serviço, foi para casa e ficou do lado de fora, apenas aguardando a saída da esposa. Há mais de três semanas, ele vinha marcando o horário que ela saía. Seu coração doía só de pensar que o casamento poderia acabar se sua suspeita estivesse certa.

Melissa estava revoltada e angustiada ao mesmo tempo, embora não deixasse transparecer. Ficou folheando uma revista na cozinha, enquanto esperava sua mãe chegar do trabalho para, em seguida, sair novamente. Esse era o horário que ela fazia isso. Inventava sempre uma desculpa, mas era uma péssima mentirosa.