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Apresentando uma Síndrome - editado por Claudette H. Gonzalez Presenting a Syndrome Síndrome de Prader-Willi Prader-Willi Syndrome Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do Hospi- tal das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida- de de São Paulo (Unidade de Genética Clínica) e Depto. de Biologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. 1 Professor Assistente Doutor do Depto. de Biologia do ICBUSP 2 Professor Associado do Depto. de Ortopedia e Traumato- logia da FMUSP Célia F. Koiffman 1 Claudette H. Gonzalez 2 Resumo Os autores apresentam a síndrome de Pra- der-Willi comentando o quadro clínico, o diag- nóstico diferencial e os aspectos genéticos. A síndrome de Prader-Willi, embora não seja muito freqüente, não é rara. A incidência dessa síndrome varia entre l:10.000 e 1:25.000, colocando essa síndrome entre as mais freqüen- tes das síndromes malformativas reconhecidas; mais de 3.000 casos foram identificados no mundo; homens e mulheres são igualmente afetados e ocorre em todos os grupos raciais, classes socios-econômicas e regiões geográficas 6 . Essa síndrome, de ocorrência geralmente esporádica, é caracterizada por grave hipoto- nia neonatal na primeira infância, obesidade na infância, deficiência mental (o quociente de inteligência varia de 10 a 90, com alguns pacientes apresentando valores de 100), baixa estatura, mãos e pés pequenos (acromiria), hi- pogenitalismo/hipogonadismo, facies caracte- rístico com diâmetro bifrontal diminuído, olhos amendoados e boca triangular 1 . Prader, Labhart e Willi publicaram, em 1956, a primeira descrição da síndrome; mesmo após 30 anos de investigações, o conhecimento so- bre a etiología e a patogenia é escasso 6 . As características clínicas mais freqüentes estão relatadas na tabela 1. A figura l apresenta esquemáticamente as principais alterações da síndrome de Prader- Willi. As figuras 2 e 3 apresentam dois pacien- tes portadores da síndrome em questão. História natural A história natural da síndrome de Prader- Willi (PWS) pode ser dividida em dois períodos clinicamente distintos. O primeiro é caracteriza- do por vários graus de hipotonia neonatal e da primeira infância, choro fraco, hipotermia, hipo- genitalismo e um reflexo de sucção fraco. A hi- potonia é central, não progressiva e geralmen- te começa a melhorar entre 8 e 11 meses de ida- de. Resultados de eletromiogramas, velocidade de condução nervosa, creatinina fosfoquinase sérica e estudos musculares ao microscópio óp- tico são comumente normais; estudos histoquí- micos especializados revelam uma atrofia tipo

Síndrome de Prader-Willi

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Apresentando uma Síndrome - editado por Claudette H. GonzalezPresenting a Syndrome

Síndrome de Prader-WilliPrader-Willi Syndrome

Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do Hospi-tal das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida-de de São Paulo (Unidade de Genética Clínica) e Depto.de Biologia do Instituto de Biociências da Universidadede São Paulo.1 Professor Assistente Doutor do Depto. de Biologia doICBUSP2 Professor Associado do Depto. de Ortopedia e Traumato-logia da FMUSP

Célia F. Koiffman1

Claudette H. Gonzalez2

Resumo

Os autores apresentam a síndrome de Pra-der-Willi comentando o quadro clínico, o diag-nóstico diferencial e os aspectos genéticos.

A síndrome de Prader-Willi, embora nãoseja muito freqüente, não é rara. A incidênciadessa síndrome varia entre l:10.000 e 1:25.000,colocando essa síndrome entre as mais freqüen-tes das síndromes malformativas reconhecidas;mais de 3.000 casos já foram identificados nomundo; homens e mulheres são igualmenteafetados e ocorre em todos os grupos raciais,classes socios-econômicas e regiões geográficas6.

Essa síndrome, de ocorrência geralmenteesporádica, é caracterizada por grave hipoto-nia neonatal na primeira infância, obesidadena infância, deficiência mental (o quocientede inteligência varia de 10 a 90, com algunspacientes apresentando valores de 100), baixaestatura, mãos e pés pequenos (acromiria), hi-pogenitalismo/hipogonadismo, facies caracte-rístico com diâmetro bifrontal diminuído, olhosamendoados e boca triangular1.

Prader, Labhart e Willi publicaram, em 1956,a primeira descrição da síndrome; mesmo após30 anos de investigações, o conhecimento so-bre a etiología e a patogenia é escasso6.

As características clínicas mais freqüentesestão relatadas na tabela 1.

A figura l apresenta esquemáticamente asprincipais alterações da síndrome de Prader-Willi. As figuras 2 e 3 apresentam dois pacien-tes portadores da síndrome em questão.

História natural

A história natural da síndrome de Prader-Willi (PWS) pode ser dividida em dois períodosclinicamente distintos. O primeiro é caracteriza-do por vários graus de hipotonia neonatal e daprimeira infância, choro fraco, hipotermia, hipo-genitalismo e um reflexo de sucção fraco. A hi-potonia é central, não progressiva e geralmen-te começa a melhorar entre 8 e 11 meses de ida-de. Resultados de eletromiogramas, velocidadede condução nervosa, creatinina fosfoquinasesérica e estudos musculares ao microscópio óp-tico são comumente normais; estudos histoquí-micos especializados revelam uma atrofia tipo

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II das fibras musculares, o que é consistentecom desuso. O ato de sugar e a alimentação sãodifíceis nos bebês com PWS, muitas vezes ha-vendo necessidade de técnicas especiais de ali-mentação. Assim que o tono muscular melho-ra e a criança se torna mais alerta, há um aumen-to do apetite e ganho de peso, o que caracteri-za o começo do segundo período da síndrome

de PraderWilli.Essa segunda fase, que começa por volta

de l a 2 anos de idade, é caracterizada por re-tardo psicomotor - o engatinhar, geralmente,ocorre por volta dos 16 meses, o andar aos 28meses e o falar (mais de 10 palavras) aos 39 me-ses - e pelo aparecimento da obesidade; outrascaracterísticas que podem ser reconhecidas nes-

se segundo estágio são: problemas de articula-ção na fala, hiperfagia, apetite insaciável e nãoseletivo, "pilhagem" de alimentos, ruminação,sono sem motivo aparente, inatividade física,sensação à dor diminuída, "cutucar" feridas elocais com picada de insetos, períodos prolon-gados de hipertermia, hipopigmentação, proble-mas ósseos (escolióse) e dentais (cáries/hipopla-sia do esmalte).

Os problemas de personalidade começam,em cerca de 50% das crianças com PWS, dostrês aos cinco anos; acessos de fúria, depressão,teimosia e súbitos atos de violência podem serdesencadeados quando o paciente vê recusadoo alimento solicitado. Cerca de 60% dos indiví-duos com PWS têm QI de valor normal ou li-mítrofe; 30% têm retardo moderado e só 3%retardo severo3. Disfunções na área cognitivaestão quase sempre presentes; essas crianças po-dem ter dificuldades na área de aritmética e naescrita, mas na leitura e em "educação artísti-ca" apresentam bons resultados.

A obesidade é o maior problema de saúdedos indivíduos com PWS; sem dietas apropria-das para redução e/ou manutenção de peso,muitas complicações podem ocorrer tais comocomprometimento cardiopulmonar, hipertensão,diabete melito; essa obesidade é conseqüênciada hiperfagia, fome persistente, diminuição dapercepção de saciedade, apetite incontrolável.A gordura localiza-se, principalmente, nas náde-gas, tronco e coxas. Estudos metabólicos nessasíndrome são poucos e as informações sobre ometabolismo do tecido adiposo escassas; os ní-veis de hormônio tireoideanos, o perfil lipídi-co, a insulina sérica, os glicorticóides e os ní-veis de aminoácidos são semelhantes aos obser-vados em indivíduos obesos, sendo que em20% dos pacientes foi observada uma tolerân-cia à glicose diminuída; os níveis de colesterolsérico e triglicérides são, aparentemente, nor-mais nos afetados1. Até o momento, medica-ções que reduzem o apetite não mostraram re-sultados satisfatórios. O controle de peso dosindivíduos com PWS é difícil e necessita de su-pervisão contínua. A dificuldade de perda depeso nesses pacientes poderia ser explicada pe-lo fato de necessitarem poucas calorias paramanter peso7.

Diagnóstico diferencialDeve ser feito levando-se em consideração

as diferentes fases da condição.Na primeira fase, devido à presença da hipo-

tonía, deve-se diferenciar a PWS das miopatias

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congênitas, da atrofia muscular espinal ou doen-ça de Werdnig-Hoffmann de início pré-natal,da miastenia neonatal, da distrofia muscular con-gênita grave, da atrofia muscular peroneal oudoença de Charcot-Marie-Tooth, da doença dePompe ou glicogenose neuromuscular.

Entram também no diagnóstico diferencialdesta fase as lesões de medula, ocasionadas porpartos traumáticos, as hemorragias intracrania-nas e as malformações cerebrais. A síndromede Zellweger e a síndrome de Down constituem,também, diagnósticos diferenciais nesta fase.

Na segunda fase da PWS ela deve ser dife-renciada da síndrome de Bardet-Biedl, da síndro-me de Summit e da síndrome de Alstron. A pre-sença de tumores ou lesões inflamatorias do ei-xo hipotálamo-hipofisário podem vir a ser diag-nósticos diferenciais da PWS.

Vale a pena referir que os distúrbios de com-portamento observados na síndrome são úni-cos e distintos. As outras doenças ou síndromesassociadas com obesidade não apresentam com-portamentos aberrantes que afligem as criançascom PWS e suas famílias8.

Aspectos genéticosA maior parte dos casos de PWS ocorre co-

mo eventos esporádicos, sendo que poucas fa-mílias mostraram recorrência entre irmãos. Aanálise cromossômica revelou que 50-60% dascrianças diagnosticadas clinicamente com PWStêm uma deleção cromossômica no braço lon-go do cromossomo 15, próxima ao centrôme-ro (dei 15qlH3). Vários tipos de anomalias cro-mossômicas envolvendo essa região do cromos-somo 15 também podem ocorrer. O desenvol-vimento da biologia molecular permitiu identifi-car deleções no DNA da região 15qll-13 em vá-rios pacientes, inclusive naqueles em que a aná-lise citogenética não evidenciou uma aberraçãocromossômica5. Pesquisas recentes têm revela-do que a maior parte dos casos de PWS surgequando a deleção do material genético ocorreuna meiose paterna. Deleções semelhantes nameiose materna determinariam no paciente ascaracterísticas clínicas da síndrome de Angelman4.

Até o momento, não foram observadas dife-renças nas características clínicas presentes nospacientes com ou sem deleções cromossômicas.

O diagnóstico precoce, especialmente naprimeira fase da síndrome de Prader-Willi, émuito importante para evitar a obesidade exces-siva e controlar os distúrbios de comportamento.

A análise cromossômica de pacientes comsuspeita de PWS se faz necessária já que cercade 60% têm uma alteração cromossômica visí-vel ao microscópio óptico; o risco de recorrên-cia na irmandade dos pacientes é de 1,6%2, is-so na ausência de alterações cromossômicasque possam estar, raramente, presentes em umdos pais.

Apoio familiarEm São Paulo, foi fundada a Associação Pra-

der-Willi, nos moldes da similar norte-america-na, que visa a dar apoio aos pacientes, pais, ir-mãos e parentes de indivíduos afetados pela sín-drome; o endereço é Eng. Vítor de Freitas, 26- CEP: 03608, São Paulo, SP.

SummaryPrader-Willi syndrome is presented with em-

phasis in clinical data, differentional diagnosisand genetic aspects.

Referências

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Aceito para publicação em 17 de junho de 1991Endereço para correspondencia -C.H.GonzalezInstituto da CriançaAv. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647São Paulo - SP05403