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1150 SOCIEDADE TECNOLÓGICA E REGULAÇÃO DAS MÍDAS NA AMÉRICA LATINA Camila Chaves Pinheiro 1 Luciana Santos Lenoir 2 1 Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros – FACIT [email protected] 2 Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros - FACIT lucianalenoir74@gmail. com RESUMO O século XXI é frequentemente associado às experiências referentes à “era do conhecimento”, uma vez que verifica-se a tendência em conceder relevância à ciência e à tecnologia como consequência dos avanços da informatização e do processo de “globalização das telecomunica- ções”. Mediante os fundamentos tecnocráticos, construiu-se a ideologização das técnicas e, por conseguinte, dos avanços tecnológicos como instrumentos de poder nas dimensões conceituais do capital cultural. Ao adquirir pressupostos ideológicos, a tecnologia que encontra-se presente em diferentes espaços de interação social, induz os indivíduos à lógica do mercado. Concomi- tantemente, os recursos midiáticos influenciam as necessidades das sociedades plurais no con- texto da globalização. São sociedades direcionadas pela cultura de massa, pelos condicionantes da indústria cultural e que resistem ao imperativo da comunicação racional. Percebe-se que o consumo é delineado pela fascinação (o espetacular), pela reprodução inconsciente de signos e símbolos, como também, é sustentado pelas ações estratégicas do marketing global. Ademais, a informação direciona-se por interesses diversos e uma vez manobrada, é capaz de construir, propagar e consolidar imaginários, além de valores ideológicos. O presente trabalho expõe uma investigação que revela, por meio de levantamento bibliográfico e reflexão crítica, aspectos pertinentes ao processo de reconfiguração sociocultural desencadeado pela difusão do conheci- mento e da tecnologia, dos recursos midiáticos e das representações identitárias no contexto da globalização. Descreve, também, a conjuntura da regulação da mídia que formatou as políticas de comunicação e suas respectivas implicações democráticas na América Latina. Palavras-chave: tecnologia, sociedade, mídia, globalização, indústria cultural INTRODUÇÃO Durante a transição do século XX para XXI as sociedades capitalistas sofreram trans- formações diversas fundamentadas pelos parâmetros do processo de globalização, pelas inter- ferências das agências transnacionais, pelos interesses economicistas das políticas neoliberais e pelo avanço da ciência e da tecnologia. Desse modo, verifica-se a tendência em difundir dados e informações em detrimento do conhecimento. As novas tecnologias são responsáveis por abas- tecer o conhecimento, de modo dinâmico e acessível, em volumes de informações armazenadas

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SOCIEDADE TECNOLÓGICA E REGULAÇÃO DAS MÍDAS NA AMÉRICA LATINACamila Chaves Pinheiro1

Luciana Santos Lenoir2

1Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros – [email protected]

2Faculdade de Ciência e Tecnologia de Montes Claros - FACIT [email protected]

RESUMOO século XXI é frequentemente associado às experiências referentes à “era do conhecimento”, uma vez que verifi ca-se a tendência em conceder relevância à ciência e à tecnologia como consequência dos avanços da informatização e do processo de “globalização das telecomunica-ções”. Mediante os fundamentos tecnocráticos, construiu-se a ideologização das técnicas e, por conseguinte, dos avanços tecnológicos como instrumentos de poder nas dimensões conceituais do capital cultural. Ao adquirir pressupostos ideológicos, a tecnologia que encontra-se presente em diferentes espaços de interação social, induz os indivíduos à lógica do mercado. Concomi-tantemente, os recursos midiáticos infl uenciam as necessidades das sociedades plurais no con-texto da globalização. São sociedades direcionadas pela cultura de massa, pelos condicionantes da indústria cultural e que resistem ao imperativo da comunicação racional. Percebe-se que o consumo é delineado pela fascinação (o espetacular), pela reprodução inconsciente de signos e símbolos, como também, é sustentado pelas ações estratégicas do marketing global. Ademais, a informação direciona-se por interesses diversos e uma vez manobrada, é capaz de construir, propagar e consolidar imaginários, além de valores ideológicos. O presente trabalho expõe uma investigação que revela, por meio de levantamento bibliográfi co e refl exão crítica, aspectos pertinentes ao processo de reconfi guração sociocultural desencadeado pela difusão do conheci-mento e da tecnologia, dos recursos midiáticos e das representações identitárias no contexto da globalização. Descreve, também, a conjuntura da regulação da mídia que formatou as políticas de comunicação e suas respectivas implicações democráticas na América Latina.

Palavras-chave: tecnologia, sociedade, mídia, globalização, indústria cultural

INTRODUÇÃO

Durante a transição do século XX para XXI as sociedades capitalistas sofreram trans-formações diversas fundamentadas pelos parâmetros do processo de globalização, pelas inter-ferências das agências transnacionais, pelos interesses economicistas das políticas neoliberais e pelo avanço da ciência e da tecnologia. Desse modo, verifi ca-se a tendência em difundir dados e informações em detrimento do conhecimento. As novas tecnologias são responsáveis por abas-tecer o conhecimento, de modo dinâmico e acessível, em volumes de informações armazenadas

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que direcionam a pesquisa e o acesso de maneira fl exível, condensada e rápida. Percebe-se, portanto que os meios de comunicação, as mídias e, por conseguinte, os demais mecanismos de divulgação da informação adquiriram amplas proporções que reconfi guraram as relações sociais, as organizações e os paradigmas em um curto período de tempo.

Constata-se o mundo contemporâneo encontra-se sob a dinâmica da interação entre cul-tura e mídia e ambas responsáveis por gerar tramas produtivas, utilitárias e econômicas adequá-veis aos diversos interesses e às conveniências de determinados grupos sociais. Os fundamen-tos econômicos e políticos neoliberais impulsionaram novas demandas (o reequacionamento do papel do Estado, a fragmentação e diversifi cação do mercado e a multiplici dade da oferta) que reestruturaram os meios de comunicação e as mídias digitais em escala global e atingiram, es-pecialmente, focos de resistência na América Latina. Nesse contexto, a constituição de agências reguladoras na referida região, fundamentada pela tríade – Estado, empresas e sociedade civil deixou as sociedades encontra-se vulnerável às oscilações e à dinâmica dos mercados.

Diante das considerações expostas, o presente trabalho traça uma análise teórica-crítica acerca dos impactos socioculturais gerados pelas transformações do processo de globalização e da consolidação das políticas neoliberais. Explora as alterações ocorridas na esfera individual, nas relações sociais, na comunicação e nas mídias digitais. Recorre, assim, a uma abordagem qualitativa mediante levantamento bibliográfi co e interpreta as vertentes teóricas e argumentos explorados por diferentes autores que se concentraram nas temáticas aqui privilegiadas.

CIÊNCIA, TECONOLOGIA E SOCIEDADE

As transformações econômicas, culturais e tecnológicas suscitadas na segunda metade do século XX e evidenciadas no decorrer do século XXI revelam impactos nas relações sociais e produtivas que despertam análises de diferentes áreas de conhecimento. Tratam-se de estu-dos que buscam compreender os efeitos dos avanços tecnológicos associados às padronizações que conduziram à composição de novos paradigmas científi cos, sociais e de consumo. Desse modo, admite-se que as técnicas mediante suas formas múltiplas e com seus usos diversos con-tribuíram para reconfi gurar, signifi cativamente, as representações e a difusão do conhecimento nas sociedades contemporâneas.

De acordo com Horkheimer (2002), as mudanças contemporâneas são conduzidas por ações ajustadas à previsibilidade que, por conseguinte, vinculam-se à racionalização e ao pla-nejamento. Para o autor, a sobrevivência do indivíduo foi conduzida por um mecanismo de reação apropriado às situações desconcertantes e complexas que compõem a vida social, ou seja, a sobrevivência revelou-se como aspecto atrelado à constante capacidade de adaptação do indivíduo às pressões exercidas pela sociedade. Trata-se de uma condição potencializada pelo desenvolvimento da industrialização1 e que esboçou novos fenômenos qualitativos em um processo deliberado, ininterrupto e total de ajustamento à realidade. O modo de produção contemporâneo exigiu do indivíduo e da sociedade condições de adaptação em que há uma 1 A Revolução Industrial é interpretada como marco histórico que determina transformações sociais de caráter político e econômico. Ressalta-se que embora historiadores tendem a remeter ao ano de 1760 como pe-ríodo de referência para fenômeno em questão, é somente por volta de 1780 que as mudanças socioeconômicas tornaram-se evidentes e generalizadas.

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fl exibilidade contínua. Nesse sentido, quanto maior a iniciativa pleiteada em grande parte dos segmentos da vida, maiores são as exigências de ajustamento às condições mutáveis.

Para Horkheimer (2002), anteriormente, a realidade era antagônica e confrontada ao ideal concebido pelo indivíduo presumivelmente autônomo. Diante dos pressupostos da con-cepção progressista tal aspecto foi alterado, uma vez que ocorreu a elevação da realidade ao status de ideal. Por conseguinte, o ajustamento tornou-se uma condição inevitável pata todos os tipos imagináveis de comportamento subjetivo. O autor interpreta que o triunfo da razão formalizada e subjetiva coaduna com o triunfo de uma realidade que se contrapõe ao sujeito como algo absoluto.

Toda a vida de hoje tende cada vez mais a ser submetida à racionalização e ao plane-jamento, também a vida de cada indivíduo, incluindo-se os impulsos mais ocultos que outrora constituíam o seu domínio privado, deve agora levar em conta as exigências da racionalização e planejamento: a autopreservação do indivíduo pressupõe o seu ajustamento às exigências de preservação do sistema. Ele não tem mais possibilida-des de escapar do sistema. E na medida em que o processo de racionalização não é mais o resultado de forças anônimas do mercado, mas é decidido pela consciência de uma minoria planejadora, também a massa de sujeitos deve ajustar-se: o sujeito deve, por assim dizer, dedicar todas as suas energias para estar “dentro e a partir do movimento das coisas”, nos termos da defi nição pragmatista. (HORKHEIMER, 2002, p.100-101)

Considera-se, além dos elementos referentes à racionalização e ao planejamento, a pre-dominância dos aspectos tecnoeconômicos que dinamizaram a vida social, fato que direciona ao reconhecimento da técnica como um tema relevante diante das abordagens de cunho socio-lógico, fi losófi co e político. Segundo Lévy (2004), o uso da técnica despertou consequências que ocupam uma posição central nas agendas contemporâneas, fato que conduz à revisão da fi losofi a política e que ainda submete à averiguação da fi losofi a do conhecimento. Para o autor, no fi nal do século XX houve uma redistribuição da confi guração do saber até então estabilizado no século XVII mediante a generalização da impressão. Nessa perspectiva, ao refazer as ecolo-gias cognitivas, as tecnologias intelectuais colaboraram para derivar as fundações culturais que comandam a apreensão coletiva da realidade.

Historicamente, as relações sociais e produtivas foram permeadas pela aplicação e pelo aprimoramento das técnicas como mecanismos para transformação da natureza e da própria sociedade. Desse modo, as técnicas tenderam a funcionar como vetores capazes de estimular o contínuo desejo de evolução da humanidade diante das perspectivas para redefi nir a realidade. Conforme sugere Santos (2008) tal fenômeno tende a ocorrer porque a sociedade, uma vez me-diada pelas técnicas, torna-se menos subordinada aos condicionantes aleatórios que comumente regem a vida do indivíduo, direcionando-lhe a comportamentos previsíveis. Por conseguinte, a previsibilidade do comportamento permite uma concepção racional do mundo - como também dos lugares - fundamentada pela a organização sociotécnica do trabalho, do território e das relações de poder.

Cupani (2004) expõe que se técnica acompanhou e permitiu o desenvolvimento da hu-manidade, a eclosão da tecnologia foi o princípio norteador para acelerar o aperfeiçoamento

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humano. Segundo o autor, tal condição ocorreu porque a inovação é, dentro da técnica pré-científi ca, um processo limitado diante da inércia da vida tradicional. Mediante o fundamento sistemático, considera-se que a tecnologia manifesta-se por intermédio da sua capacidade de indagar a fundamentação teórica das regras técnicas ou de buscar a aplicação de conhecimentos científi cos à solução de problemas práticos.

Os últimos séculos foram marcados pelo advento de diferentes sistemas técnicos em variadas proporções. Salienta-se que o século XVIII foi o responsável por demonstrar a recons-tituição do capital mediante a percepção do homem como um valor e por destacar o uso das técnicas para produção de máquinas que alteraram, expressivamente, as relações sociais e de trabalho. Houve ainda o redimensionamento dos territórios mediante a exploração e o domínio de novos espaços que ampliaram os horizontes para a humanidade.

As exposições de Santos (2008) enfocam que no fi nal do século XX, a globalização assinalou um momento de ruptura do processo do que apresentava-se como evolução social e moral nos séculos precedentes. O autor argumenta que o processo gradativo da evolução da téc-nica mostrou-se, desde os séculos anteriores, como o elemento que fundamentou a globalização com o discurso daquilo que então interpretava-se como a mais completa humanização da vida no planeta. Em contrapartida, quando esse progresso técnico adquiriu uma dimensão superior, a globalização se evidenciou, mas não a serviço da humanidade.

O período atual tem como uma das bases esse casamento entre ciência e técnica, essa tecnociência, cujo uso é condicionado pelo mercado. Por conseguinte, trata-se de uma técnica e de uma ciência seletivas. Como, frequentemente, a ciência passa a produzir aquilo que interessa ao mercado, e não à humanidade em geral, o progresso técnico e científi co não é sempre um progresso moral. Pior, talvez, do que isso: a ausência desse progresso moral e tudo o que é feito a partir dessa ausência vai pesar fortemente sobre o modelo de construção histórica dominante no último quartel do século XX. (SANTOS, 2008, p. 32)

É a partir da constituição da sociedade tecnocientífi ca informacional ou da sociedade do conhecimento que se detectam as transformações dos sistemas de representação sociocultural resultantes da globalização e das políticas neoliberais. A Revolução Técnico-científi co-infor-macional ou a Terceira Revolução desencadeada em meados do século XX e evidenciada em 1970, fez com que emergisse um conjunto de mudanças no campo tecnológico acompanhado da inserção de uma signifi cativa quantidade de elementos vinculados à informática, robótica, telecomunicação, química, biotecnologia e engenharia genética.

O século XXI é frequentemente associado às experiências referentes à “era do conhe-cimento”, uma vez que a relevância concedida ao conhecimento vincula-se aos avanços da in-formatização e ao processo de “globalização das telecomunicações”. Em contrapartida, Gadotti (2000) salienta que há a predominância da difusão de dados e informações e não de conheci-mentos. Para o autor, são os recursos das novas tecnologias que abastecem o conhecimento, de modo prático e acessível, em signifi cativos volumes de informações armazenadas que permitem a pesquisa e o acesso de maneira simples, amistosa e fl exível. Nas últimas décadas, constata-se que a informação deixou de ser uma área ou especialidade e adquiriu uma ampla dimensão, capaz de alterar as organizações sociais em um curto período de tempo.

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As novas tecnologias criaram novos espaços do conhecimento. Agora, além da escola, também a empresa, o espaço domiciliar e o espaço social tornaram-se educativos. Cada dia mais pessoas estudam em casa, pois podem, de casa, acessar o ciberespaço da formação e da aprendizagem à distância, buscar “fora” - a informação disponível nas redes de computadores interligados - serviços que respondem às suas demandas de conhecimento. Por outro lado, a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas, etc.) está se fortalecendo não apenas como espaço de trabalho, em muitos casos, voluntário, mas também como espaço de difusão de conhecimentos e de for-mação continuada. É um espaço potencializado pelas novas tecnologias, inovando constantemente nas metodologias. (GADOTTI, 2000, p. 07)

Nessa perspectiva, há a tendência em construir uma ideologização das técnicas e, por conseguinte, da aplicação dos avanços tecnológicos como instrumentos de poder que remetem à noção de tecnocracia. De acordo com Campos (2010), a tecnocracia respalda-se mediante o pressuposto de que a realidade é pautada exclusivamente pela ciência e pelas técnicas e de que as decisões que envolvem os contextos sociais são adotadas a partir de critérios técnico-científi cos, desconsiderando questões políticas, ideológicas e culturais.

Trata-se de um paradigma que compreende a ciência (especialmente, as ciências apli-cadas) como desenvolvedora e promotora da técnica e que induz ao conceito de determinismo tecnológico. A percepção tecnocrática expõe os vínculos entre Ciência e Tecnologia (C&T) e propõe um modelo linear de progresso que correlaciona, direta e progressivamente, o desenvol-vimento social ao desenvolvimento científi co2. Por conseguinte, o desenvolvimento científi co desencadearia o tecnológico, que assim induziria ao econômico, cujo qual possibilitaria o de-senvolvimento social.

Há ainda a percepção de que o desenvolvimento tecnológico funciona como mecanis-mo estratégico que pode representar o desenvolvimento econômico restrito a um grupo social. Tal condição implicaria, segundo Campos (2010) em uma concentração de renda nas mãos de uma minoria, fato que contraria os preceitos de desenvolvimento social, tendo em vista que a maioria populacional não alcançaria os benefícios (intelectuais, econômicos) resultantes dos avanços tecnológicos.

Diante da conjuntura exposta, tornam-se necessárias abordagens críticas fundamenta-das pelo trinômio Ciência-Tecnologia-Sociedade - CTS3. Na concepção de Pinheiro, Silveira e

2 Destaca-se que o modelo linear foi difundido sucessivamente ao período pós-Segunda Guerra em que predominava uma perspectiva otimista quanto à concepção desenvolvimentista da ciência e da tecnologia. Desde então, tornou-se como uma espécie de senso comum o discurso da proporcionalidade entre produção científi ca e produção tecnológica, fato propagado como geração de riquezas para a nação e, consequentemente, bem-estar social. Trata-se de uma percepção limitada por fundamentos instrumentalistas e substancialistas que consideram a tecnologia axiologicamente neutra e imparcial. 3 A organização do movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade CTS foi suscitado a partir de 1960 pelos norte-americanos com tendência ativista e, por volta de 1979, na Europa por intermédio da Universidade de Edim-burg, mediante o denominado “Programa Forte”. Tratam-se de estudos, como também de mecanismos de mobili-zação e conscientização traçados por uma visão crítica acerca do contrato entre C&T esboçado pelo modelo linear e discurso de neutralidade científi ca. Deslocava as discussões científi cas e das tecnologias a um nível político correlacionadas aos enfoques socioeconômicos e culturais. Posteriormente, esta nova concepção foi incorporada pela educação mediante formulação de propostas pedagógicas de CTS.

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Bazzo (2009), o referido trinômio condiz à análise das inter-relações entre a ciência, a tecno-logia e a sociedade e que estrutura-se mediante fundamentos acadêmicos ou políticas públicas. É interpretado como corrente de investigação em fi losofi a e sociologia da ciência, que emer-ge em sociedades contemporâneas como mecanismo de reivindicação da população tendo em vista exercer a democracia participativa diante das decisões referentes ao contexto científi co-tecnológico.

Desse modo, as discussões pertinentes à CTS buscam compreender os aspectos sociais do desenvolvimento tecnocientífi co ao permitir a refl exão e a criticidade diante dos benefícios gerados e das consequências socioambientais, como também socioculturais, concebidos pelos avanços tecnológicos.

Sendo assim, precisamos de uma imagem de ciência e de tecnologia que possa trazer à tona a dimensão social do desenvolvimento científi co-tecnológico, entendido como um produto resultante de fatores culturais, políticos e econômicos. Seu contexto his-tórico deve ser analisado e considerado como uma realidade cultural que contribui de forma decisiva para as mudanças sociais, cujas manifestações se expressam na relação do homem consigo mesmo e com os outros. Tal contexto, resultante de uma constru-ção histórica, carregado de controvérsias e negociações, precisa ser assim compreen-dido, para que possa garantir a participação pública e democrática dos cidadãos nas decisões. (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2009, p. 02)

A difusão do conhecimento científi co e tecnológico despertou uma série de discussões contextualizadas e em diferentes áreas acerca dos reais interesses econômicos e políticos que permeiam as necessidades e os interesses sociais. Reforça-se, portanto, a concepção de que a ciência e a tecnologia estruturam-se pela criação humana e orientam-se pela ação refl exiva de quem interage com as diversas transformações que permeiam a evolução humana.

MÍDIA, SOCIEDADE E CONSUMO

Com frequência, verifi ca-se que os recursos midiáticos conduzem de modo estratégico as necessidades das sociedades plurais no contexto da globalização. O marketing global tec-nicamente elaborado por anúncios televisivos, cinemas, outdoors, spots de rádio e todo tipo de mídia funciona como mecanismo persuasivo que direciona, intermitentemente, os indivíduos à aquisição e acumulação de produtos e serviços. Percebe-se que diante da ausência de criticida-de, as pessoas tendem a absorver os constantes estímulos motivados pelas ações de comunica-ção e são induzidas ao consumo em demasia.

Sem dúvida, é preciso começar pelo mundo do consumo. Com sua profusão lu-xuriante de produtos, imagens e serviços, com o hedonismo ao qual induz, com seu ambiente eufórico de tentação e proximidade, a sociedade de consumo revela claramente a amplidão da estratégia da sedução. No entanto ela não se limita ao espetáculo do acúmulo; mais exatamente, identifi ca-se com a repetida multiplica-ção das escolhas que torna possível a abundância, levando a maioria das pessoas a permanecerem mergulhadas num universo transparente e aberto, ao lhes oferecer casa vez mais opções e combinações sob medida, permitindo, assim, circulação e

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escolha livres. (LIPOVETSKY, 2005, p. 02).

Com o desenvolvimento tecnológico vinculado aos recursos midiáticos propagados por anúncios publicitários, constata-se que a percepção de bem-estar atrelou-se à aquisição de bens, viagens e ostentação de um estilo de vida capaz de demonstrar status e prestígio so-cial. Observa-se, portanto, a construção de novos paradigmas direcionados às possibilidades de aquisição material e, também, permeados pela alteração dos padrões de consumo e de valores que concentram-se no universo das sensações prazeres e lazeres.

Por meio da publicidade, do acesso ao crédito, da superabundância dos haveres e lazeres, o capitalismo das necessidades aboliu a aura popular dos ideais, à guisa de uma busca de novos prazeres e da concretização do sonho de felicidade pessoal. (LIPOVETSKY, 2005, p.29).

Os comportamentos das sociedades pós-modernas e contemporâneas sofreram infl uên-cias por condutas narcisísiticas que revelam a necessidade de exposições constantes, de exal-tação do corpo e do conforto e de exacerbação do desejo. Lipovetsky (2005) argumenta que o processo de personalização evidenciado pela aceleração das técnicas; pela cultura de massa; pela administração, pela mídia, pelo individualismo e pelo psicologismo, eleva o indivíduo a um reinado que desfragmenta a linearidade histórica. O autor considera a sociedade contempo-rânea como aquela que generaliza o processo de personalização em ruptura com a organização moderna e afi rma que a mesma instrumentaliza, no cotidiano e por meio de estratégias novas, o ideal moderno da autonomia individual.

Viver o presente, nada mais que o presente, não mais em função do passado e do futuro: é esta a perda do sentido da continuidade histórica, esta erosão do sentimento de pertencer a uma sucessão de gerações enraizadas no passado e se prolongando para o futuro que, segundo C. Lasch, caracteriza e engendra a sociedade narcisista. (LIPOVETSKY, 2005, p. 33).

As sociedades estruturadas pela pelos condicionantes da indústria cultural e, por con-seguinte, pela cultura de massa, resistem ao imperativo da comunicação racional. Baudrillard (1994) afi rma que tais sociedades tendem a reduzir os discursos que são articulados à uma di-mensão irracional em que signos perdem o sentido. Verifi ca-se um consumo condicionado pela fascinação (o espetacular) e a reprodução inconsciente dos signos e estereótipos expostos pela mídia refl etem o resultado de suas transmissões estratégicas. Há intercepção e incorporação de ícones e signos, porém sem signifi cantes. Prevalecem moldes insustentáveis com conteúdos subliminares; tendências efêmeras; o culto à aparência; à beleza; ao lazer e à competitividade.

Nessa perspectiva, a cultura marca-se pela supremacia do individualismo em detrimento da solidariedade e dos princípios humanitários da vida coletiva. O outro, o próximo, o semelhante, o irmão ou o necessitado são conceitos redimensionados em plano inferior e até descartados. O individualismo revela-se mediante a absolutização do ter, do poder e do prazer. No universo competitivo das sociedades globalizadas, plurais e neoliberais, a percepção construída do outro é como ser sobrante conduzido pelo fracasso e as relações

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tendem a ser descartáveis. Constata-se que ocorre a supressão dos ideais humanitários, coletivos, democráticos e dos fundamentos que conduzem a vida pública e da participação política.

O “querer” sobreposto ao “ter” transforma a condição do “ser” e os indivíduos ao ad-quirirem bens de consumo duráveis ou não, reconfi guram sua identidade. Identidade mutável e perecível que precisa de constante manutenção. Desse modo, o futuro não existe e o que impor-ta é o agora. O “ter” instantâneo atesta o “ser” momentâneo. “É só querer para ser feliz: o culto da felicidade de massa disseminou a legitimidade dos prazeres e contribuiu para promover a agitação trepidante da autonomia individual” (LIPOVETSKY, 2005, p. 29).

Dada a profusão de ofertas tentadoras, o potencial gerador dos prazeres de qual-quer mercadoria tende a se exaurir rapidamente. Felizmente para os consumido-res com recursos, estes se garantem contra consequências desagradáveis como a mercantilizacão. Podem descartar as posses que não mais querem com a mesma facilidade com que podem adquirir as que desejam. Estão protegidos contra o rápi-do envelhecimento e contra a obsolescência planejada dos desejos e sua satisfação transitória (BAUMAN, 2001, p. 104).

Tais abordagens direcionam ao fato de que a identidade é situacional e transitória, que contrapõe à concepção iluminista que afi rmava a existência de um sujeito unifi cado. Compreende-se, portanto, que independente do compartilhamento de princípios, a associação ambivalente entre autoafi rmação e contrastividade é responsável pela interpelação social que permite ao indivíduo expor diferentes identidades. Nessas condições, o indivíduo assume diferentes papéis ou identidades em momentos diversos o que estimula o seu “deslocamento” ou “des-centramento”.

Bauman (2005) argumenta que é conveniente analisar o universo das identidades no plural, uma vez que não são perenes e que assumem posturas diversifi cadas frente a situações sociais. Apresentam-se, portanto, como identidades culturais, profi ssionais, sociais, religiosas e sexuais. Na denominada “modernidade líquida”, esse universo não refere-se às opções ou liberdade de escolha monitoradas pelas simbologias capitalistas e sim, a um ato indispensável para inserção na vida social.

De forma paralela, eclode a emergência do redimensionamento das identifi cações cultu-rais alicerçada pela “nova” sociedade em âmbito transnacional. O alicerce da sociedade nacio-nal ainda é constante, mas o fortalecimento e a complexidade da sociedade global sugerem um enfraquecimento das identidades culturais consideradas como fortes e criam a possibilidade de “identidades compartilhadas”. A ideia de indivíduos etnicamente puros perpetuada pela cultura ocidental e colonial, tornou-se meramente fantasia.

Paradoxalmente, a globalização, ao dissolver as barreiras da distância, ressalta o reen-contro do centro colonial e da periferia colonizada como mecanismo de controle e evidencia o desaparecimento de algumas identidades, o surgimento de outras, e, de forma especial, provoca uma reordenação de grande número delas, agora articuladas reciprocamente em níveis subordi-nados. Reforça-se que tal fenômeno expõe novas posições de identifi cação que formatam uma transitoriedade das identidades diante das inúmeras e tentadoras ofertas geradas pelo marketing global. Verifi ca-se a consolidação de uma sociedade global marcada por um tempo e espaço fl exíveis, num processo irreversível de mutação e que constrói estereótipos e estigmas sociais.

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O individualismo é delineado por Lipovetsky (2005) em sua descrição da sociedade pós-moderna em que a defi ne como caracterizada por uma tendência global em reduzir atitu-des autoritárias e dirigistas e aumentar a oportunidade de escolhas particulares privilegiando a diversidade seja em ideais, produtos ou serviços aos quais os indivíduos fazem opções. De acordo com o autor, há um processo de personalização que reordena processos produtivos, re-lacionamentos, tempo de trabalho e mídia, como também desencadeia sistemas interativos que dão escolha ao espectador, em que a sedução é particularizada. Tal personalização dos campos de vivência abre possibilidades aos produtos e serviços que adquirem a oportunidade de ade-quação ou mostrarem-se como adequados ao seu público-alvo.

MÍDIAS DIGITAIS NA AMÉRICA LATINA

No decorrer da história, em diferentes conjunturas políticas, econômicas e culturais, são evidentes os diferentes papéis exercidos pelos meios de comunicação, sejam como mecanismos para propagar informação e conhecimento ou como condicionadores da opinião pública diante das transformações que circundam a sociedade. Destaca-se que esses papéis foram reconfi gurados com a crise estrutural do capitalismo, perceptível desde a década de 1970 e disseminada em 1990 frente às contradições do mercado global, às políticas neoliberais, à reestruturação das relações trabalho e aos modelos de produção fl exíveis. Nesse contexto, considera-se a economia como a força motriz da globalização, fato que estabelece o mercado como razão central da sociedade que, por conseguinte, atrai-se pelas ações competitivas e individualistas.

Interpreta-se que a comunicação é elemento estratégico de interação social pelo qual diferentes povos expandiram as possibilidades de emissão e receptação de mensagens e ideias. Sant’Anna (2006) expõe que a consonância tecnológica e a globalização comunicativa viabilizaram as condições técnicas para encurtar a distância entre os povos, desde então, a imprensa adquiriu notabilidade no cumprimento de trocas de informações. “Hoje, vivenciamos um processo de universalização capaz de construir um maior estreitamento entre as relações políticas, econômicas, sociais e culturais mundiais ou, ao inverso, criar novas formas de ‘guetos’ e ampliar as já existentes.” (SANT’ANNA, 2006, p. 136)

Diante das considerações expostas, Sgorla (2009) afi rma que os meios de comunicação social tradicionais são interpretados como componentes do campo midiático e sofreram um redimensionamento de sua atuação por meio da utilização intensa dos mecanismos vinculados aos sistemas digitais. Considera-se também que os atores sociais individuais considerados como de campos sociais não midiáticos, recorreram às as tecnologias midiáticas como reguladores das suas práticas cotidianas e até das relações particulares que interrelacionam-se à lógica midiática.

As tecnologias midiáticas, transformadas em mídias propriamente, são aceitas, agora, tendo um papel importante na mediação simbólica de determinadas relações (tornan-do-se um elemento indissociável e cultural dessas relações) e deixam de ser pensadas somente pelo seu âmbito funcionalista – de sua função como equipamento. Nas me-dições possíveis pelas redes da internet, a comunicação acontece por meio de fl uxos, os quais se desprendem novos e infi nitos signifi cados e sentidos que se confi guram no feixe de interseção entre tecnologia, indivíduo e estratégia. (SGORLA, 2009, p. 63)

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A inserção dos leitores no sistema midiático pode ser analisada a partir de abordagens que envolvem terminologias distintas: audiência, opinião pública, recepção, públicos. Interpre-ta-se que a instância midiática estrutura-se mediante o contato com os sujeitos tendo em vista assumir contratos de leitura. Todavia, como processo de midiatização da sociedade é registrado por intermédio da correlação entre indivíduos que assumem diferentes papéis e migram de iden-tidades, grupos sociais que exploram ideologias diversifi cadas e instituições diferentes, é inevi-tável conceber as instâncias da produção e reconhecimento de forma estanque. Compreende-se que as mídias direcionam suas atividades mediante públicos projetados, muitas vezes remetem a pressupostos para conduzir termos de condições e de uso para conduzir a participação.

Na “sociedade midiatizada”, a cultura do campo midiático e dos demais campos so-ciais se bifurcam mediante a expansão das tecnologias midiáticas, o que se dá se-gundo múltiplas, infi nitas, descontínua, heterogêneas e complexas formas, intensa e extensamente, objetiva e subjetivamente, formal ou informalmente, na sistemática do tecido social. Com efeito, os atores sociais acabam reconfi gurando seu modo de estar no mundo e são condicionados a uma nova experiência; a uma nova forma de existência social; a novos vínculos; a novos modos de agir, acolher signifi cados e pro-duzir sentidos; a novas estruturas para perceber e pensar o real; a novos mecanismos de tomadas de decisão; e a novos meios de interagir e de comunicar que só têm vali-dade na jurisdição da “sociedade midiatizada”. Isso tudo repercute na construção dos sentidos socialmente compartilhados, produz novas acepções à cultura, aos hábitos, às condutas sociais, aos códigos, aos valores, às sensibilidades, inaugurando padrões identitários e interferindo densamente nos desenhos das sociabilidades já instituídas. (SGORLA, 2009, p. 67)

Os fundamentos econômicos e políticos neoliberais impulsionaram novas demandas (o reequacionamento do papel do Estado, a fragmentação e diversifi cação do mercado e a multiplici dade da oferta) que reestruturaram os meios de comunicação e as mídias digitais. Há, portanto, a eclosão de novas temáticas descendentes dos estudos culturais4 que englobam sistemas produtivos; dis curso e recepção; relações de poder e de gênero; alterações estruturais nas indústrias de comunicação; transformações no mundo do trabalho; vínculos entre sistemas privados e públicos de comuni cação, dentre outros. Conforme Lopes (2016), nas primeiras décadas do século XXI, portanto, identifi ca-se a tendência em analisar as ciências da comunicação e suas respectivas áreas constituintes como um campo científi co ou disciplinar. O referido autor sublinha que é possível compreender tais áreas como ciência, mas que em função da sua jovialidade e pelo fato de que ainda não se deixou infl uenciar por paradigmas, tende a ser suscetível aos embates epistemoló gicos, confrontos ideológicos e às disputas entre os diversos grupos que as envolvem.

Nessa perspectiva, desde a concepção até a veiculação da notícia, percebe-se a prevalência em potencializar certos fatores em detrimento de outros, situação que contesta os fundamentos

4 Compreende-se como estudos culturais, a concepção adotada por Mosco (1999) como movimento inte-lectual fundamentado pelo sentido textual. São defi nidos, de modo genérico, mediante a inclusão de todas as for-mas de comunicação social e concentram-se numa abordagem fi losófi ca mais aberta e fl exível capaz de priorizar a constituição subjetiva e social do conhecimento.

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dos valores-notícia, do interesse público e da pluralidade. Verifi ca-se a predominância de determinadas fontes incapazes de direcionar a informação e gerar contrariedades aos interesses (sociopolíticos, econômicos e culturais), ao condensar contextos que, por conseguinte, induz a um leque de interprbwsetações que distorce as dimensões factuais. Cabe salientar que a velocidade na execução de tarefas cumpridas pela sociedade também é responsável pela propagação de cunho meramente noticioso, factoide. As informações excessivas, estruturadas deliberadamente pela atual indústria da notícia são aspectos que restringem ou distorcem a percepção dos fatos e da realidade.

A ideia de economia política da comunicação explorada por Mosco (1999) condicio-nada pela totalidade das relações sociais que contempla as dimensões econômicas, políticas e culturais e, também, vincula-se à fi losofi a moral, como um interesse, aos valores que deli-neiam o comportamento social ou aos princípios morais que norteiam esforços tendo em vista transformações. Desse modo, o autor pondera que a economia política da comunicação deve alicerçar-se por uma epistemologia realista, inclusiva, constitutiva e critica. É, portanto, realista na medida em que identifi ca a realidade por meio de conceitos e práticas sociais, tendo em vista evitar abordagens ideográfi cas e nomotéticas fundamentadas pelos princípios pós-estruturalis-tas que se restringem à realidade do discurso ou à rejeição das premissas da realidade.

A escolha de determinados conceitos e teorias em vez de outros signifi ca dar priori-dade a uns em detrimento dos outros como instrumentos úteis de explicação. Não se trata de meras imposições do melhor ou do único modo de compreender as práticas sociais. Adicionalmente, a epistemologia é constitutiva no sentido em que reconhece os limites da determinação causal, incluindo a suposição de que as unidades de analise social interagem como conjuntos completamente formados e de uma maneira linear. Ela aborda antes o social como urn conjunto de processos mutuamente constitutivos, agindo uns sobre os outros em variados estados da formação e com uma direção e impacto que apenas pode ser compreendida em investigação específi ca. Por ultimo, a abordagem é critica no sentido em que o conhecimento, a constituição mútua da teoria e da prática, é visto como o produto de permanentes comparações com outros corpos do saber e com urn conjunto de considerações normativas que regulam a práxis social. (MOSCO, 1999, p. 105-106).

Conforme as análises de Müler et al (2010) o contexto descrito propicia a construção de novas identifi cações globais e locais que, por sua vez, interfere no cotidiano de cada socie-dade ou comunidade. Os autores consideram que as múltiplas vozes e imagens que circulam são capazes adentrar, culturalmente, na vida social e tornam-se mediadoras das relações que circundam a conjuntura social. E uma vez que as culturas são passíveis de observação e mape-amento, conduzidas pelos componentes da linguagem, vinculadas os sistemas de representação e dependentes da fl exibilidade dos discursos, encontram-se nas práticas sociais relacionadas aos signifi cados. Por conseguinte, os signifi cados fundamentam-se em condições culturais e discur-sivas de existência, uma vez que são inseridos nos discursos propagados pelos atores sociais. Desse modo, o mundo contemporâneo encontra-se sob a dinâmica da interação entre cultura e mídia e ambas responsáveis por gerar tramas produtivas, utilitárias e econômicas adequáveis aos diversos interesses e às conveniências de determinados grupos sociais.

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A cultura na contemporaneidade é um elemento chave que circula por artefatos insi-diosos, habilidosos e efi cazes. Ela é trazida para os lares por meio da TV, da Internet, das revistas, do rádio etc., em suas estratégias cada vez mais sofi sticadas, baseadas em pesquisas sobre os movimentos e preferências específi cas dos públicos. Estas estraté-gias são compostas por recursos de áudio e vídeo, por propostas interativas que simu-lam processos de participação dos públicos, entre tantas outras habilidades sistemati-camente aprimoradas pelas tecnologias e pelo marketing. A velocidade proporcionada pelas tecnologias da comunicação aproxima distâncias, transporta imagens e informa-ções que viajam, aceleram e enredam numa teia sociedades com histórias distintas, diferentes modos de vida, em estágios diversos de desenvolvimento. Isto provoca deslocamentos culturais, homogeneização, produtos culturais estandardizados, uso de tecnologias ocidentais padronizadas, apaga as particularidades e diferenças locais, produzindo resultados distintos e imprevisíveis. (MÜLLER et al, 2010, p. 118)

As abordagens de Bolaño e Mattos (2004) demonstram que as Tecnologias da Informação e da Comunicação – TIC não podem ser interpretadas como mecanismos únicos capazes de garantir o dinamismo os novos modos de regulação. Seus papéis são cruciais, mas diante do fato de que elas proporcionam a inserção do trabalho intelectual e a intelectualização geral da produção e do consumo. Os autores reconhecem que “a lógica da atual expansão das TIC, não obstante, tem sido plenamente adequada ao modelo excludente adotado pelo sistema a partir da crise do fordismo” (BOLAÑHO E MATTOS, 2004, p. 69)

Os argumentos de Sant’Anna (2006) revelam que a América Latina comumente se apresentou de modo marginalizado diante dos espaços considerados como nobres da imprensa mundial e os jornais brasileiros tendem a registrar a mesma atitude. Para o autor há poucos pro-nunciamentos e exteriorização dos países que compõem a referida região e esse pouco envol-vido por circunstâncias sensacionalistas, grotescas, com conotações pejorativas que ressaltam fatores negativos. Ele revela que a raiz desse comportamento editorial é direcionada por três aspectos: uma herança cultural absorvida pelos profi ssionais brasileiros de imprensa; uma linha jornalística das grandes agências transnacionais de notícias desfavorável aos interesses latino-americanos e determinados interesses políticos e econômicos antagônicos ou indiferentes à integração latino-americana.

Ao falarmos de América Latina, devemos voltar os olhos para quinhentos anos e imaginá-la como uma grande nação sob controle ibérico, dividida em dois territórios: um espanhol e outro português, ambos sob forte infl uência da Igreja. Esses territórios vivenciaram processos históricos semelhantes: a imposição da cultura européia, a mi-gração de negros trafi cados desde a África; raízes indígenas uma forte migração euro-péia ocorrida na virada do século XIX para o XX. Além desta raiz cultural comum, os países latino-americanos experimentam processos político-econômicos semelhantes. A história recente dessas nações tem mostrado similitude de forma, causa e efeito em tais processos, em especial no desenvolvimento econômico e no enfrentamento de crises. A própria mídia satirizou tais processos, rotulando-os de“efeito Tango”, “efeito caipirinha” ou “efeito tequila”, conforme o caso. A identidade que compartilhamos se baseia num sistema de representação cultural. (SANT’ANNA, 2006, p 137)

Sant’Anna (2006) demonstra que na América Latina, diante do contexto da globaliza-ção, embora sejam criadas alternativas estratégicas para o fortalecimento regional, a mídia e

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a impressa nacionais não contribuem para tal fi nalidade, tampouco para a construção de uma identidade comum. Por conseguinte, o autor expõe que jornalistas brasileiros não analisam acerca do fator exposto em suas rotinas de trabalho e expressam informações referentes à Amé-rica que são incapazes de colaborar para a construção do que os teóricos caracterizam como latinidade. Desse modo, os profi ssionais jornalistas, os meios de comunicação e a mídia não favorecem a construção de um imaginário pró unidade cultural.

Desde 2012, há em andamento um conjunto de propostas acerca da elaboração de novas legislações para os meios de comunicação em alguns países da América Latina, especialmente, Venezuela, Argentina, Equador e Bolívia. De acordo com Maringoni e Glass (2012) os alicerces de tais discussões encontram-se nas alterações do panorama político continental desencadeado no início do século XXI. Os autores dissertam que em determinados países foram expostas rea-ções padrões neoliberais. Desse modo, a área de comunicações mostra-se sensível às demandas por novas regras de funcionamento.

Maringoni e Glass (2012) salientam que as empresas de mídia, uma vez que norteiam a difusão de ideias, valores e abordagens subjetivas, justifi cam que a pretensão dos que elencam a construção de novas normas é de censurar e o cercear a livre circulação de ideias. Contudo, os defensores das mudanças afi rmam o contrário, uma vez que interpretam que o setor é monopo-lizador e a emergência de pacto normativo defenderia o pluralismo de opiniões. Ademais, as po-líticas públicas de comunicação concretizadas há mais de duas décadas, tornaram-se obsoletas diante do conjunto de progressos técnicos alcançados. É válido mencionar que as normas legais acerca de meios de comunicação na América Latina formataram-se entre 1930 e 1960, funda-mentadas pelo discurso da estratégia de substituição de importações. Nesse contexto, as políti-cas de abertura das economias, privatizações e enfraquecimento dos poderes de fi scalização e regulação do poder público ocasionaram determinadas lacunas normativas e institucionais.

Nessa perspectiva, a constituição de agências reguladoras, fundamentada pela tríade – Estado, empresas e sociedade civil –, em alguns casos, deixou as sociedades vulneráveis às oscilações e à dinâmica dos mercados. Na Venezuela, Argentina e Bolívia foram aprovadas novas leis, respectivamente, nos anos de 2000, 2009 e 2011 que regulamentaram a atividade de comunica-ção. Já no Equador em 2011, a Assembleia Nacional discutiu novas regras para o setor, enquan-to o México ainda adota uma legislação regulamentada desde 1995, que não carrega objeções ao capital externo. No caso do Brasil, o debate referente a uma nova legislação é requerido por de diversos setores sociais, mas ainda não entrou na pauta político-institucional do país.

No Brasil, inda prevalece o Código Nacional de Telecomunicações de 1962. Mesmo com a introdução e vigência de novas normas – como a Lei do Cabo (1994) e da Lei da TV Paga (2011), ainda estabeleceram-se direcionamentos regulatórios para a área. Maringoni e Glass (2012) enfatizam que uma Considera-se uma parcela signifi cativa da sociedade organizada, tais como movimentos populares, entidades empresariais e representantes do Estado realizaram, em 2009, a I Conferência Nacional de Comunicação – Confecom em que se privilegiaram seis pontos centrais a rediscutir e atualizar: novo marco regulatório para a comunicação; regulamentação do artigo 221 da Constituição Federal referente à regionalização da programação da televisão; aspectos dos direitos autorais; comunicação pública alusiva à radiodifusão estatal; marco civil da internet e efetivação do Conselho Nacional de Comunicação.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A propagação do conhecimento científi co e tecnológico foi - e continua a ser – objeto de análise crítica de diferentes áreas que se concentraram em avaliar as consequências e os impac-tos das transformações socioeconômicas atrelada aos interesses oriundos de grupos dominan-tes. Reforça-se, portanto, a concepção de que a ciência e a tecnologia estruturam-se pela criação humana e orientam-se pela ação refl exiva de quem interage com as diversas transformações que permeiam a evolução humana. Reconhece-se que sociedade tecnocientífi ca informacional ou a sociedade do conhecimento disseminou transformações dos sistemas de representação sociocultural concomitantes ao jogo de interesses do processo de globalização, das políticas neoliberais e das mídias. Considera-se, ainda, um conjunto de mudanças sociopolíticas e econô-micas vinculado à inserção de inovações que envolvem informática, robótica, telecomunicação, química, biotecnologia e engenharia genética.

Com o desenvolvimento tecnológico interligado aos anúncios publicitários, observou-se a construção de novos paradigmas direcionados às possibilidades de aquisição material e, também, permeados pelos padrões de consumo e de valores. Desse modo, admite-se que a mídia infl uencia o indivíduo e a coletividade ao conduzir as práticas cotidianas, as relações so-cioculturais e as identidades. Interpreta-se que a instância midiática é tendenciosa e estrutura-se mediante o contato com os sujeitos tendo em vista assumir contratos de leitura e induzir para-digmas. Reafi rma-se que as mídias e seus respectivos recursos direcionam suas atividades para alcançarem públicos projetados de acordo com as demandas de cunho econômico, com o viés consumista peculiar dos sistemas capitalistas.

Compreende-se, portanto, que a regulação das mídias na América Latina é cercada de incongruências capazes de conduzir à censura diante de um quadro de retrocesso democrático no que tange o acesso à informação ou, em contrapartida, pode fornecer subsídios elementares para a construção de limites diante de agências estratégicas estruturadas por interesses merca-dológicos.

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