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Sociologia da Acessibilidade Carla Cristina Garcia Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., mais informações www.iesde.com.br

Sociologia Da Acessibilidade

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Inclusão Social

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3170-2

Sociologia daAcessibilidade

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Sociologia daAcessibilidade

Carla Cristina Garcia

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Carla Cristina Garcia

Sociologia da Acessibilidade

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Edição revisada

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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ __________________________________________________________________________________G198s Garcia, Carla CristinaSociologia da acessibilidade / Carla Cristina Garcia. - 1. ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 156p. : 28 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-3170-2 1. Deficientes - Política governamental. 2. Deficientes - Estatuto legal, leis, etc. 3. Integração social. I. Título.

12-7137. CDD: 362.4 CDU: 364.4-056.26 02.10.12 15.10.12 039480 __________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: Shutterstock

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SumárioDiversidade humana e deficiência: discriminação, exclusão e preconceitos | 7

Diversidade humana: histórico dos conceitos gerais a partir das Ciências Sociais | 7A noção de cultura e a diversidade | 9Deficiência e exclusão na mitologia grega | 11O texto bíblico e a deficiência | 12

A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental | 21Saúde, doença e deficiência | 25Os corpos deficientes | 27

Deficiência e incapacidade | 33Deficiência e estigma | 33Deficiência ou incapacidade? | 34Pessoas portadoras de deficiência: definições | 35O modelo médico e o modelo social da deficiência física | 37O Sistema de Classificação Internacional de Funcionalidade | 39

Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades | 45

Pequeno histórico do desenvolvimento do conceito de inclusão | 48Igualdade de oportunidades | 49Acessibilidade: integração e inclusão | 50Inclusão e deficiência | 51

Pensando a acessibilidade | 59Conceitos gerais | 59Em busca de indicadores de acessibilidade | 60Acessibilidade universal | 63O desenho para todos | 64

Cidades e acessibilidade | 69

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Políticas sociais e legislações pelos direitos à cidadania plena das PPDs | 81As legislações internacionais para as pessoas portadoras de deficiências (PPDs) | 81A legislação no Brasil | 84Conceitos legais de pessoa portadora de deficiência | 86O conceito de acessibilidade na legislação brasileira | 89

Os idosos e a acessibilidade | 95Acessibilidade e transportes para os idosos | 97Arquitetura e acessibilidade para os idosos | 99

A acessibilidade e a Educação Inclusiva | 107A acessibilidade à educação para pessoas portadoras de deficiência em números | 108Inclusão e igualdade de oportunidades na educação | 111

Esporte e deficiência | 121As paraolimpíadas | 123O esporte para pessoas portadoras de deficiência no Brasil | 125A institucionalização do Desporto Adaptado Brasileiro | 126

Acessibilidade digital | 133

Acessibilidade no mundo do trabalho | 145

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Page 7: Sociologia Da Acessibilidade

ApresentaçãoNa maior parte das sociedades ocidentais contemporâneas, a questão da

acessibilidade tem sido tratada como um conceito moderno de abordar os

problemas que enfrentam as pessoas portadoras de deficiências (PPDs). De

uma forma mais ampla, o termo acessibilidade refere-se a tudo o que se possa

alcançar, conseguir ou possuir. De maneira mais específica, pode-se definir

acessibilidade como o direito de ir e vir de todas as pessoas, com autonomia

e independência, isto é, o direito básico garantido a todos os cidadãos, e que

atualmente tem ganhado a devida atenção em todo o mundo. Considerando

que o objetivo da acessibilidade universal e do desenho para todos (sua

ferramenta básica) envolve e inclui todas as pessoas, reconhece-se que existe

um grupo social que, para poder desenvolver uma vida independente e

autônoma, requer necessariamente dos equipamentos urbanos, produtos

e serviços acessíveis. Nesse sentido, considera-se que o grupo com maiores

necessidades de acessibilidade é o de pessoas portadoras de deficiência, tendo

em vista ser este o coletivo social que mais se vê afetado pelas barreiras do

entorno, sejam as das edificações, de comunicação ou informativas. O estudo

da acessibilidade permite apreender – entre outras coisas – a relação existente

entre as reais necessidades de acesso da população e as ações realizadas pelos

governos para que essas demandas sejam atendidas em termos de oferta de

recursos. Esse enfoque permite identificar quais são os fatores que facilitam

ou dificultam a busca, a obtenção e a utilização dos equipamentos urbanos,

sejam eles quais forem.

Nos últimos anos, essas discussões têm adquirido novas dimensões sociais e

políticas, e a Sociologia não se excluiu desse debate que até pouco tempo era

travado fundamentalmente no âmbito da Assistência Social, da Saúde ou da

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Educação. A Sociologia da Acessibilidade trata de criticar os conceitos relacionados

a essas questões e superar o entendimento de que a mera presença, disponibilidade

de recursos e até mesmo a legislação assegurem sua plena utilização pela

população em geral e para as PPDs em particular. Além disso, a Sociologia pode,

a partir de seus pressupostos teóricos, tratar da origem paradigmática da questão

das desigualdades e da exclusão, relacionando-as aos problemas da acessibilidade.

Segundo Teske (2005, p. 335), o debate sociológico contribui para

[...] o aprofundamento e a clarificação conceitual para o conhecimento teórico-metodológico acerca de experiências fundamentadas no contexto onde as pessoas com deficiência são os sujeitos principais. Isso permitirá um estudo teórico que possa subsidiar as políticas públicas referentes à desigualdade que ultrapassam a economia e adentram o social, em que a sociedade possui inúmeras dificuldades de praticar o reconhecimento político das diferenças.

Nesse sentido, o debate sociológico sobre a acessibilidade permite identificar

tanto os fatores que obstaculizam quanto os que facilitam a busca e a obtenção

de acesso e contribuem com estudos que possibilitam a articulação teórica

no sentido de reformular conceitos como o de diferenças e desigualdades

enfrentadas pela sociedade contemporânea. Tendo em vista ser esse um tema

amplo e transversal, o universo a ser pesquisado é vasto. Pode-se afirmar que se

trata de um cenário fragmentado e multifacetado que exige que o sociólogo faça

um recorte epistemológico para dar conta da construção de um debate crítico

sobre o problema.

Por fim, agradeço aos amigos Marcela Cavalcanti e Marcos Slavov por seu apoio e

carinho durante todo o processo de elaboração deste livro.

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* Pós-Doutora pelo Instituto José María Mora (México). Doutora e Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora titular da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

Diversidade humana e deficiência: discriminação,

exclusão e preconceitosCarla Cristina Garcia*

Diversidade humana: histórico dos conceitos gerais a partir das Ciências Sociais

Na maior parte das sociedades humanas de que se tem documentação histórica, as reações sobre as diversidades entre as pessoas aparecem de forma variada: tanto no que se refere às diferenças perce-bidas entre a mesma população quanto em relação às várias etnias com as quais mantinham contato. Desde a Antiguidade existem relatos de guerreiros, viajantes, comerciantes, além dos mitos que relatam sobre as diferenças físicas e sociais das demais culturas. As reações variavam desde o medo e a repulsa até a curiosidade e o apreço (MAIR, 1984; LARAIA, 1986; MAGGIE, 1996).

Aspectos culturais e físicos imediatamente perceptíveis da singularidade dos “outros” eram ressaltados como vestimentas, ornamentos corporais, estatura, cor da pele, cabelos, olhos e linguagem. Os costumes mais difíceis de serem entendidos e outras diferenças mais profundas e que só poderiam ser apreendidas por um olhar mais detalhado sobressaíam aos olhos daqueles que passavam um tempo entre os “estrangeiros”.

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8 | Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Vale lembrar que a maior parte das explicações sobre a diversidade humana enfatizava os aspectos negativos dos “outros”, tendo como parâmetro as características físicas e culturais dos povos sob cujo ponto de vista se pensava a diferença: a sociedade ocidental branca. Em muitos casos negou-se a qualidade de “humanos” a algumas culturas.

A essa atitude as Ciências Sociais chamam “etnocentrismo”, ou seja:

A Interpretação das ideias ou das práticas de uma outra cultura em termos de sua própria cultura. Os julgamentos etnocêntricos deixam de reconhecer as verdadeiras qualidades das outras culturas. Um indivíduo etnocêntrico é alguém que não tem capacidade, ou vontade, de observar outras culturas nas próprias condições delas. (GIDDENS, 2005, p. 567)

Muitos dos exemplos que pareçam demonstrar atitudes mais positivas em relação à alteridade podem encobrir na verdade o etnocentrismo. Rousseau, por exemplo, um crítico da sociedade europeia, cunhou a ideia do “bom selvagem”. As cortes europeias deleitavam-se com o exotismo meio animal meio humano da população das colônias.

No século XVI, com a expansão colonial europeia, características como a cor da pele e outros traços físicos dos povos encontrados por exploradores passaram a ser um aspecto privilegiado no imaginário europeu, como marcador das diferenças entre as culturas (MAGGIE, 1996, p. 226). A partir dessa época, o pensamento europeu desenvolveu uma forma específica de classificar e pensar “as coisas do mundo”.

A busca pelo conhecimento, que separou a religião e a filosofia e criou o método científico, passou a desenvolver critérios de observação sistemática e de classificação em hierarquias racionais que foram aplicados às novas formas de vida (vegetal, animal e humanas) que passaram a ser estudadas.

Nesse sentido, os critérios de classificação das diversidades vegetais e animais foram tomados como normas principais de demarcação das diferenças humanas.

Darwin com sua obra A Origem das Espécies foi um importante marco da revolução metodológica que expressava uma “síntese revolucionária” na ciência classificatória naturalista das espécies. Sua teoria da evolução biológica das espécies introduziu uma visão dinâmica que se desvinculou das ciências classificatórias naturais referentes às explicações da origem “inata” das diferenças entre as espécies. Não obstante, desde meados do século XIX até meados do século XX, nos debates científicos sobre raça, esse pensamento dinâmico não se havia consolidado. Segundo Ventura dos Santos (1996, p. 125-127), a obra de Darwin e de outros com modelos evolucionistas levaram um longo tempo para se consolidarem nas Ciências Sociais que se baseavam na construção de categorias como “tipos raciais” e “raças”.

O clima do pós-guerra europeu, nos fins da década de 1940 e década de 1950, trouxe reações radicalmente contrárias aos fundamentos da eugenia, levada ao extremo pela política nazista. Essa transição foi significativamente marcada na Assembleia da Organização na Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco) de 1949 (VENTURA DOS SANTOS, 1996, p.129-132). Nessa Assembleia, alguns intelectuais, como Claude Lévi-Strauss, foram convidados a participar e exerceram influência no relatório final, contrário à ênfase na diversidade racial como explicação de fenômenos socioculturais e ambientais. A negação da diversidade biológica e sua influência em certas características individuais dos grupos humanos levaram a uma forte reação por parte de geneticistas, biólogos e antropólogos físicos.

Às classificações da diversidade humana, baseadas na morfologia física e no conceito de raça, sobrepunham-se igualmente aspectos do comportamento e formas de pensar e sentir (aspectos socioculturais). O evolucionismo darwinista inspirara, inicialmente, uma hierarquização da diversidade humana e das “raças” em que a raça “branca” estaria no ápice da escala de evolução, devido à sua “superioridade” tecnológica e, acreditava-se, moral.

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9|Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Por influência do darwinismo social, o projeto de dar conta da diversidade cultural levou os primeiros cientistas sociais a debruçarem-se sobre os relatos de viajantes de exploradores e administradores coloniais que falavam sobre o exotismo das sociedades ditas “inferiores”, incivilizadas, simples, em relação a uma visão industrial da técnica, e, finalmente, primitivas por serem remanescentes de formas antigas da evolução das sociedades humanas. O relativo isolamento geográfico dessas sociedades e povos contribuiu para essa visão, mas a persistência dessas sociedades em resistir ao longo do tempo de forma bastante diferente da tradição europeia colocou um problema crucial para a visão evolucionista e etnocêntrica da diversidade humana, o que motivou importantes mudanças em alguns conceitos a partir dos resultados das pesquisas com “culturas diferenciadas” no interior das sociedades “complexas”, ou seja, da sociedade ocidental.

A noção de cultura e a diversidadeDe todo modo, ainda que no campo das Ciências Sociais haja um amplo escopo de abordagens

para a discussão da diversidade humana, a noção de cultura é o fundamento para a compreensão dos movimentos pelos quais passaram essas ciências, inicialmente apenas por parte da Antropologia do início do século XIX, que pretendia abordar todos os aspectos das questões acerca da diversidade humana. É importante ressaltar que o mesmo debate que substitui o conceito de raça pelo de população na Antropologia também ocorreu no âmbito da Sociologia.

Algumas das principais correntes teóricas que influenciaram a construção do conceito de cultura são o Evolucionismo e suas influências no Difusionismo e na Sociologia francesa de Durkheim e Mauss, o Marxismo e a Sociologia de Max Weber, o Estruturalismo de Lévi-Strauss, o Funcionalismo inglês e as vertentes culturalistas americanas.

A noção de cultura era o cerne de uma discussão que separava o determinismo biológico “racial” das manifestações de comportamento aprendidas pelos indivíduos de uma sociedade após o nasci-mento. Esses aspectos eram considerados então como de ordem “ambiental” no debate das relações entre raça e cultura. Na prática, o estudo da cultura referia-se a costumes maneiras e técnicas tradicio-nais específicas de uma sociedade. Essa vertente culturalista enfatiza a descrição e o entendimento da diversidade humana.

Malinowiski, considerado o “pai do trabalho de campo”, método privilegiado de estudos etnológicos, enfatizava que os estudiosos deveriam descrever todos os aspectos vinculados numa dada sociedade ao complexo, por exemplo, da função alimentar: técnicas agrícolas, formas de distribuição dos alimentos entre grupos e indivíduos, instituições de trocas (comércio ou circulação de bens) etc. Malinowiski via a sociedade por meio de uma metáfora anatômica em que na morfologia das sociedades as instituições cumpriam as mesmas funções que os órgãos e sistemas do corpo humano.

Não obstante, foi com Lévi-Strauss que o conceito de estrutura, influenciado pelas teorias da Linguística, tornou-se mais abstrato e ligado a questões mais sociais do que às metáforas tomadas de disciplinas como a Biologia e a Mecânica. Lévi-Strauss critica e sintetiza a definição de cultura como “hábitos, atitudes, comportamentos, maneiras próprias de agir, sentir e pensar de um povo” e enfatiza a “estrutura subconsciente de pensamento”. Para o Estruturalismo de Lévi-Strauss, a diversidade humana não é importante, e sim a similaridade humana de pensamento. Nessa teoria, o conceito de cultura ganha um sentido residual. “Residual, porém irredutível”, como coloca Carneiro da Cunha (1986), em que a identidade de grupo é fundamental na construção da pessoa humana.

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10 | Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Para as Ciências Sociais, atualmente, a cultura pode ser entendida como um sistema simbólico (GEERTz, 1973), característica fundamental e comum da humanidade de atribuir, de forma sistemática, racional e estruturada, significados e sentidos “às coisas do mundo”. Observar, separar, pensar e classificar atribuindo uma ordem totalizadora é fundamental para se compreender o conceito de cultura, atualmente definido como “sistema simbólico”, e sua diversidade nas sociedades humanas.

Desse modo, os rumos conceituais e as construções teóricas atuais das Ciências Sociais (o individualismo, a fragmentação, a alta especialização técnica e a dificuldade de se articularem níveis distintos de relações qualitativas e quantitativas entre os fenômenos no modo globalizado hegemônico de pensar) são os problemas mais enfatizados (DUMONT, 1985; DUARTE, 1998). Estudos voltados para grupos marginalizados nas regiões urbanas, grupos pertencentes às classes populares e altas da sociedade moderna, levaram a uma análise crítica da visão de mundo ocidental moderna e da globalização, inclusive a da própria cultura científica nas áreas médicas e deve-se ressaltar sobre a visão social da deficiência física (VERANI, 1994; DUARTE, et al., 1998; LUPTON, 1999; GLAT; PONTES; PETERSEN; BUTTON, 2002).

No que concerne à discussão principal desta aula, ou seja, a discussão sobre diversidade humana e deficiência, interessa aprofundar como essas questões são tratadas tanto no que se refere às expli-cações de ordem biológica quanto às culturais e éticas. Nesse sentido, é importante analisar como a deficiência é tratada tanto no âmbito da cultura quanto nas discussões sobre a “Nova Genética” (GLAT; PONTES; PERTESEN, BUNTON, 2002).

Começando pelo debate travado nesse último campo, a nova genética na sociedade capitalista global, ao produzir estudos visando à melhoria da qualidade de vida humana no sentido de prevenir doenças e evitar “riscos de deficiência”, poderia estar, numa visão crítica, criando uma reedição individualista da eugenia, sob o argumento de uma aposta no futuro “positivo” para a prevenção e controle de doenças e deficiências físicas herdadas, construindo, assim, novas identidades de sociedade e eliminando grupos e indivíduos “inferiores” de “risco”, baseados em diferenças biológicas referentes não à cor da pele, mas à herança genética e à possibilidade da deficiência física.

Ao tomar como objetos de estudo o Projeto Genoma e o Biosfera II1, Sfez afirmou que hoje o inimigo não é mais só o selvagem, que precisa ser civilizado, e o marginalizado. Disse: “o inimigo está em nós, no perímetro da cidade poluída, do bairro desmembrado, nas famílias, em nossos corpos enfermos, em nossos genes” (SFEz, 1996, p. 25).

Essa questão contrasta cotidianamente com a realidade da maioria das pessoas que vivem no flagelo da fome e da doença, numa situação paradoxal, pois “no momento em que toda humanidade poderia estar usufruindo das promessas da modernidade e dos decantados avanços da ciência, a maior parte dela não tem, nem mesmo, as condições básicas para uma vida digna” (SILVA,1999b, p. 52).

No âmbito da cultura, é importante analisar de que forma o imaginário da sociedade ocidental, por meio de seus mitos, foi construindo, ao longo dos séculos, a imagem do deficiente físico.

A deficiência física foi histórica e simbolicamente considerada fator de exclusão social, e as narrativas míticas contam sobre a rejeição, a punição e a exclusão dos deficientes em consequência de

1 Projeto Genoma é o nome de um trabalho conjunto realizado por diversos países visando desvendar os mistérios do código genético de um organismo (podendo ser animal, vegetal, de fungos, bactérias ou de um vírus) através do seu mapeamento. Seu marco inicial é considerado o Projeto Genoma Humano. O projeto Biosfera II consistiu na construção de uma redoma no deserto do Arizona (EUA), onde foram confinados oito cientistas, entre 1991 e 1993, com mais 3 800 espécies. No seu interior reproduziam-se diversos ambientes naturais terrestres, como florestas, pântanos e até um minioceano. Teve como objetivo a realização de estudos de dinâmica ecossistêmica e o desenvolvimento de tecnologia para aplicação em futuras bases e estações espaciais, visando criar condições sustentáveis de vida e produção de alimentos.

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11|Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

sua aparência física. Considerando que o mito tem por finalidade interpretar e fornecer sentido a uma realidade significativa na vida social do grupo ao compreender a sua função simbólica, pode-se revelar o sentido profundo das realidades sociais que afetam o grupo em questão e desse modo empreender uma análise da deficiência física por meio da leitura de alguns mitos constitutivos do imaginário ocidental: a mitologia grega e a Bíblia cristã.

Nessas narrativas, a deformidade ou a deficiência denotam ausência de integridade corporal e assimetria, que simbolicamente remeteria a significados relacionados a valores morais desfavoráveis. A descrição do corpo na presença de uma deformidade física, como no mito de Hefestos e em algumas histórias bíblicas que descreveremos a seguir, evocam adjetivos como “feio”, “manco” e “de pernas débeis”.

Deficiência e exclusão na mitologia gregaTodos os deuses do panteão grego representam características humanas, tanto as consideradas

boas quanto as ruins. Na sociedade ocidental cristã, os mitos gregos, apesar de considerados pagãos, foram assimilados à cultura e fazem parte do imaginário, ainda que inconsciente, dessa civilização. Muitos de seus elementos sobrevivem na sociedade moderna. Desse modo, é necessário compreender o mito em sua função simbólica e como relato de um acontecimento originário no qual os deuses agem e cuja finalidade é dar sentido a uma realidade significativa (CROATTO, 2001). O mito não pode ser entendido como cópia da realidade, mas sim como sua interpretação. É uma narrativa construída e, como toda palavra, tem função social. Narra o fato fictício como instaurador de uma realidade e, como texto, é polissêmico. Sua narrativa situa-se num tempo absoluto, acronológico, pré-cósmico, diferente do tempo histórico. Desse modo, o mito tem a função de dar sentido à realidade, portanto, trata de aspectos da vida humana (CROATTO, 2001).

Hefestos, apesar de ser um deus do Olimpo, recebeu atributos pejorativos em consequência de sua deformidade e foi desprezado e excluído por sua aparência física.

Hefestos é o único deus com uma deficiência física. Filho de zeus e Hera, sua origem é narrada de diferentes formas, mas todas estão relacionadas à rejeição por parte de seus pais: “Nascera coxo e sua mãe sentiu-se tão aborrecida ao vê-lo que o atirou para fora do céu”.

Outra versão diz que zeus atirou-o para fora com um pontapé, devido à sua participação numa briga entre zeus e Hera. O defeito físico de Hefestos seria consequência dessa queda (BULFINCH, 2001, p. 12-13).

Hefestos habitava a Ilha de Lemnos, à qual chegou após ter sido chutado por seu pai e rolar pelo Olimpo abaixo durante um dia inteiro. Era o único deus que trabalhava, atividade que não era bem vista no panteão: “Mestre das artes do fogo e governando o mundo industrioso dos ferreiros, dos ourives e dos operários. É visto soprando seu fogo e penando na sua bigorna, em que fabrica as armas dos deuses e dos heróis [...]” (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 485).

O ofício de ferreiro situa-se, entre os ofícios ligados à transformação dos metais, como “o mais significativo quanto à importância e à ambivalência dos símbolos que implica” (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 423). Vivia num vulcão, habitando as sombras e em relação com as entranhas da terra, de onde extraía o metal e com o fogo subterrâneo forjava armas maravilhosas para deuses e heróis e joias para deusas e belas mortais, entre outros objetos e artefatos incríveis.

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12 | Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

[...] às vezes, os ferreiros são monstros, ou identificam-se com os guardiões dos tesouros ocultos. Possuem, portanto, um aspecto temível, propriamente infernal; sua atividade aparenta-se à magia e à feitiçaria. E é por essa razão que, mui-tas vezes, os ferreiros eram mais ou menos excluídos da sociedade; e, na maioria dos casos, seu trabalho era rodeado de ritos de purificação, de proibições sexuais e de exorcismos. [...] Hefestos é apresentado como um demiurgo, criatura intermediária entre a natureza divina e a humana, sendo descrito por Homero como disforme e claudicante, “monstro esbaforido e manco, cujas pernas débeis vacilam sob o peso do corpo”. (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 424; 485)

Segundo Chevalier e Gueerbrant (1991, p. 328), “toda deformidade é sinal de mistério, seja malé-fico, seja benéfico”, e a deformidade de Hefestos inscreve-se na ausência de integridade corporal, como um elemento de desqualificação e de assimetria, o que elimina a paridade humana e “remete ao uno, esquerdo ou direito malditos”.

Hefestos foi representado nas artes plásticas ao longo dos séculos muitas vezes de forma ambígua: os artistas costumavam disfarçar, dissimular ou suprimir sua deformidade numa tentativa de negá-la. As representações simbólicas do corpo deficiente, presentes no mito de Hefestos, fazem parte do imaginário relacionado à deficiência física, que pode ser constatado contemporaneamente nos discursos do senso comum sobre a deficiência física.

O texto bíblico e a deficiênciaNo imaginário religioso da tradição cristã, os valores ligados à exclusão de doentes e de deficientes

físicos estão fundamentalmente baseados em critérios de pureza e impureza.

Nelson Kilpp (1990, p. 39), em seu estudo sobre as deficiências físicas no Antigo Testamento, faz uma leitura da doença e da deficiência, e aponta no texto bíblico referências a diversas doenças, as quais teriam em sua etiologia as “precárias condições higiênicas, sanitárias e medicinais”.

No texto bíblico são comuns as referências à lepra, às pestes, a fraturas, aos diferentes tipos de doenças de pele e às malformações e deformidades com diversas formas de deficiência física. São mencionados, com maior frequência, os surdos-mudos, citados mais comumente de forma figurada, cegos, também por vezes citados de forma figurada (e que adquiriam sua deficiência provavelmente por infecções, pela idade avançada ou por consequência da guerra), e o grupo dos “coxos”, que abrangia, de forma geral, todas as dificuldades de locomoção, incluindo o pé torto congênito, as deformidades e as paralisias (ou plegias), por causas congênitas ou adquiridas (KILLP, 1990).

No Antigo Testamento, as relações entre doença ou deficiência e vontade divina podem ser observadas em Êxodo 4: 11 (apud KILLP, 1990), onde Deus se declara autor da deficiência quando fala a Moisés: “Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou Eu, o Senhor?”.

No livro do Êxodo 23: 25 (apud KILLP, 1990), a proteção divina contra a doença é vinculada ao cumprimento da vontade de Deus, deixando implícito que o desrespeito à lei ocasionaria enfermidade (punição): “Servireis ao Senhor seu Deus e ele abençoará o vosso pão e a vossa água; e tirará do vosso meio as enfermidades”.

Em Deuteronômio 25: 58-61 (apud KILLP, 1990), da mesma forma, Deus utiliza a doença como ameaça aos que infringirem a Sua Lei: “Se não tiveres cuidado de guardar todas as palavras desta lei, [...] também o Senhor fará vir sobre ti toda enfermidade e toda praga que não estão escritas no livro desta lei, até que sejas destruído”.

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13|Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Em Levítico 21: 16-24 (apud KILLP, 1990), nas leis para os sacerdotes, pode-se observar o impedimen-to de todos os doentes e deficientes para os rituais, por serem considerados impuros por Deus, quando este pede a Moisés que anuncie a Arão, o sacerdote, e aos filhos de Israel que nenhum de seus descen-dentes que possuam qualquer defeito poderá oferecer ofertas a Ele, pois profanariam Seus santuários: “Nenhum homem em quem houver defeito se chegará: como homem cego, ou coxo, ou de rosto mu-tilado, ou desproporcionado, ou homem que tiver o pé quebrado ou mão quebrada, ou corcovado, ou anão, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou impigens, ou que tiver testículo quebrado”.

Nessa passagem estão impedidas para o ritual todas as pessoas consideradas deficientes, tomando-se claramente sua aparência física como referencial para a exclusão. Mesmo a utilização de animais “defeituosos” para os rituais é proibida, por também serem considerados impuros, portanto indignos para o sacrifício (Lv 22:19-23 apud KILLP, 1990): “Quando alguém oferecer sacrifício pacífico ao Senhor, quer em cumprimento de voto ou do rebanho, o animal deve ser sem defeito para ser aceitável; nele, não haverá defeito nenhum. O cego ou aleijado, ou mutilado, ou ulceroso, ou sarnoso, ou cheio de impigens, não os oferecereis ao Senhor” [...].”

No texto do Novo Testamento pode-se constatar que, na maior parte das curas realizadas por Jesus, além do servir a Deus como forma de se manter livre das doenças, está presente o estabelecimento de relações diretas entre a doença/deficiência e o pecado e entre a cura da doença e o perdão divino. Como exemplo, há o relato da cura de um paralítico em Cafarnaum:

[...] Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: homem, estão perdoados os teus pecados. [...] Qual é mais fácil dizer: Es-tão perdoados os teus pecados, ou Levanta-te e anda? Mas, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra autoridade para perdoar os pecados – disse ao paralítico: Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para casa. (Lc 5: 17-26; Mt 9: 2-8; Mc 2: 1-12)

A mesma relação entre doença e pecado e entre cura e perdão é reafirmada em João 5: 14 (apud KILLP, 1990), onde, após haver ministrado a cura a um enfermo, Jesus adverte: “Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior”. Algo similar se verifica em Tiago 6: 14-16: “Está alguém entre vós doente? [...] Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros, para serdes curados”.

Pode-se observar que a doença e a deficiência física são consideradas a materialização do castigo divino, revelando aos olhos da sociedade o pecador, adquirindo, assim, um significado punitivo.

A questão do corpo perfeito e belo encontra-se simbolicamente representado no “Um”, que por sua vez é representado por um falo ereto, um bastão ou um homem de pé, ativo e associado à obra da criação – sendo esse símbolo da totalidade representante também do Deus único (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991).

A partir da análise das origens simbólicas e das relações entre deficiência física e punição divina dentro da cultura religiosa judaico-cristã e da mitologia grega, evidencia-se o estigma em relação à deficiência física. O estigma, generalizado na pessoa com deficiência, aponta-a como pecadora ou impura, portadora de um mal capaz de contaminar, devendo ser, portanto, punida e mantida afastada do convívio social. Pode-se dizer que os mitos, por corresponderem a narrativas de questões significativas para o ser humano, revelam conteúdos muitas vezes inconscientes, representando e, ao mesmo tempo, interpretando as realidades sociais também como forma de penetrar nas origens dos temores que habitam o ser humano.

Se o medo mítico do contato com o diferente/deficiente tem repercussões sociais excludentes, a análise dos mitos pode nos ajudar a decifrar e compreender certas atitudes discriminatórias que encon-tramos na sociedade ocidental contemporânea.

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14 | Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Terrin (1998) aponta a importância da aparência física, do corpo perfeito e dos esforços empre-endidos atualmente pelas pessoas para a manutenção ou aquisição dos imperativos de saúde e beleza valorizados pela sociedade.

Observando o simétrico como parâmetro de perfeição e beleza, o que teríamos então na assime-tria da deformidade?

Os seres maléficos ou sombrios [...] são sistematicamente descritos como disformes [...]. Toda deformidade é sinal de mistério, seja maléfico, seja benéfico. [...] A anomalia exige, para ser compreendida, que se vá além das normas habituais de julgamento e, desde logo, conduz a um conhecimento mais profundo dos mistérios do ser e da vida. (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 328)

A mutilação se relaciona à desqualificação, trazendo não apenas consequências sociais, mas a transgressão de uma ordem par (simétrica), humana (duas pernas, dois pés, dois braços, duas mãos, dois olhos) e o deformado, por ter sua paridade atingida, é colocado à margem da sociedade humana à qual transgrediu, “passando então a pertencer à ordem da noite, infernal ou celeste, satânica ou divina” (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 628).

Como se vê, a história biológica se une à história cultural do corpo, à experiência, à expressão da linguagem e à ideologia, desde a necessidade da produção coletiva do homem nas sociedades não capitalistas, que deveria ter um corpo forte e saudável, em que os deficientes natos eram mortos e os que adquiriam algum tipo de deficiência durante o trabalho eram acolhidos pela sociedade, já que sua deficiência havia sido adquirida no trabalho em prol da comunidade. Ao homem era necessário operar máquinas, reforçar o exército de produção fabril, ter seu trabalho cada vez mais especializado, mas quando o deficiente era acolhido por pena ou isolado em instituições que, de ambas as maneiras, o excluíam do seu direito de assumir seus deveres de cidadão.

O corpo marcado pela cultura é um signo polissêmico, uma realidade histórica e multifacetada. O corpo é a memória mutante das leis e dos códigos de cada cultura, registro das soluções e dos limites científicos e tecnológicos de cada época. Nessa perspectiva, Soares (1999, p. 5) considera “o corpo como primeiro plano da visibilidade humana, como lugar privilegiado das marcas da cultura [...]”. Para Vigarello (1978, p. 9), “o corpo é o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, ele é o primeiro espaço onde se impõe o limite social e psicológico dados à sua conduta, ele é o emblema onde a cultura escreve seus signos tanto como um brasão”.

Texto complementar

Quinta-feira, 11 de outubro de 2007.

Filhos de Hefestos (FERREIRA, 2007)

Hoje é o Dia do Deficiente Físico. Data em que todos aqueles que já sofreram preconceito por sua condição deveriam se levantar e dizer: “eu sou capaz”. Como negar a capacidade da pessoa com

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15|Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

deficiência ao ver Daniel Dias? Um garoto de apenas 19 anos, com malformação congênita, que aprendeu a nadar há apenas dois e hoje é o líder do ranking do Circuito Paraolímpico. Como negar a competência de um deficiente em qualquer área de atuação ao ver o segundo colocado deste mesmo ranking, André Brasil, que conquistou tantos títulos no Parapan? E pensar que foi reprovado na classificação funcional. Pelos critérios, ele não poderia nem participar da categoria S 10 (menor grau de comprometimento) por ter uma deficiência mínima na perna esquerda. O Comitê Paraolím-pico Brasileiro entrou com um protesto contra a decisão do Comitê Internacional e, depois de uma briga de sete meses, quando o atleta entrou em depressão e engordou, seu direito a participar de competições como deficiente foi aceito. Que as conquistas de André Brasil, Daniel Dias, Edênia Gar-cia – com uma doença degenerativa em seus membros, que não a impediu de bater recordes –, de Leandro Marinho (portador de paralisia cerebral e melhor do mundo no futebol de sete), da formi-dável Rosenei (arremesso de peso), entre outros, mostrem aos homens a força e a superação dessa gente. Que estes vencedores façam a sociedade refletir sobre o direito ao emprego, à acessibilidade, à sexualidade... enfim, o direito à vida dessas pessoas, aos filhos de Hefestos, um competente ferrei-ro nas lendas da Grécia e portador de deficiência física.

Atividades1. Analise o texto complementar à luz do mito de Hefestos.

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16 | Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

2. Por que se pode dizer que o Genoma é um projeto próximo ao conceito positivista?

3. Comente como a cultura e os mitos continuam a influenciar o pensamento do senso comum sobre as pessoas portadoras de deficiência.

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19|Diversidade humana e deficência: discriminação, exclusão e preconceitos

Gabarito1. Hefestos, filho de zeus e Hera, foi jogado pelo próprio pai para fora do Olimpo por sua deficiência

física, que o desqualificava como Deus, deixando-o na condição entre deus e humano. Sua deficiência o tornava feio, incapaz e até temido. Porém, isso não o impediu de construir armas e ornamentos belos, tornando-o um grande e competente ferreiro entre outros, e o mesmo acontece com as pessoas citadas no texto complementar. A deficiência sempre vista como fator decisivo da incapacidade do indivíduo não impediu que esses atletas brilhassem e demonstrassem capacidade e competência tanta ou até maior de pessoas não portadoras de deficiência.

2. O Genoma busca o homem ideal, sem defeitos físicos, forte e saudável. Sendo assim, busca os mesmos ideais da eugenia, que teve seu embasamento no conceito positivista, que por sua vez colocava o homem branco ocidental acima dos outros tipos na história da evolução. O Genoma, por mais eficiente e produtor de “melhorias” para os homens, segrega mais ainda os deficientes dos não deficientes, o que proporciona maior distanciamento e incompreensão da parte dos não portadores para com os portadores de qualquer tipo de deficiência.

3. Tanto nos mitos como na sociedade moderna é presente a condição inferior dos portadores de deficiência. Isso se dá por conta do medo do diferente, pela ligação de deficiência com a morte e doenças, e com a questão até mesmo estética. Tanto no mito de Hefestos quanto no texto complementar, pode-se ver que as deficiências não são o impedimento de que alguém possa ser tão capaz ou mais do que pessoas não portadoras de deficiência. Porém, essa ideia de que os deficientes são incapazes de muitas coisas ainda é muito forte na sociedade moderna. Sendo assim, não importa quanto tempo exista entre o mito e a história desses atletas, o preconceito para os portadores de deficiências ainda é o mesmo.

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A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Ao longo da história da sociedade ocidental, o corpo tem sido frequentemente estudado e descrito a partir de uma visão mecanicista que o analisa apenas em seu aspecto biológico.1 Tal pers-pectiva tem como fundamento a ideia da separação corpo-mente, preconizada por René Descartes, pai da Filosofia moderna.

[...] a história do corpo tem sido, em geral, negligenciada, não sendo difícil se perceber por quê. Por um lado os compo-nentes clássicos e, por outro, os judaico-cristãos, de nossa herança cultural, avançaram ambos para uma visão dualista do homem, entendida como uma aliança muitas vezes ansiosa da mente e do corpo, da psiquê e do soma; e ambas as tradições, por seus caminhos diferentes e razões diferentes, elevaram a mente ou a alma e denegriram a imagem do corpo. (PORTER 1992, p. 292 apud SOUzA, 2001, p. 9)

Souza (2001) lembra que antes de Descartes, a contradição entre corpo e alma foi descrita por Platão (1996) que considerava o corpo como cárcere da alma. Para Platão, deve-se discriminar em termos hierárquicos o que deve ser considerado bom e mau, perfeito e torto, e o que deve ser considerado corpo ideal, além das considerações a respeito do corpo social ideal, que coexiste com a beleza e a perfeição do corpo individual para compor a cidade perfeita.

Para Souza (2001), em termos do contexto histórico no qual se insere Descartes suas ideias podem ser consideradas inovadoras – uma vez que o único conhecimento considerado verdadeiro era o que nascia da filosofia cristã – pois recolocava a razão humana como central da produção do conhecimento.

Entretanto, para o pensamento cartesiano, as percepções físicas eram fonte de enganos. Tal concepção fez com que se desenvolvesse uma dicotomia entre conhecimento abstrato e o conhecimento do concreto, ou seja, a partir dos sentidos humanos. Para Souza (2001, p. 50):

Afirmar que o corpo é matéria, é validar sua oposição ao que há de mais subjetivo e “inalcançável”, a alma. Entretanto, se por um lado é óbvio afirmar que o corpo é uma substância física, por outro lado, desconsiderá-lo como tal é negá-lo em seu aspecto mais concreto.

1 É importante lembrar que a produção de estudos que tratam do corpo como constructo histórico-cultural tem início com os estudos de Marcel Mauss, no texto clássico Noções de Técnicas Corporais.

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22 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Entretanto, essa separação entre corpo e alma provocou a construção de formas de controle dos sentidos humanos, bem como dos comportamentos sociais, e tinham como objetivo principal – além de conter e moldar os corpos – regular as condutas morais fundamentais à formação do Estado Moderno (ELIAS 1994a, 1994b apud SOUzA, 2001).

O autocontrole e o pudor corpóreo, além do medo, passaram a guiar a postura afetiva e psíquica dos homens. Tais alterações nas condutas sociais e morais podem ser entendidas também a partir das mudanças ocorridas nas relações de trabalho com regras mais rígidas e disciplinadas (ELIAS, 1994a, 1994b, 1994c, apud SOUzA, 2001).

Para Elias, na sociedade ocidental moderna, o processo civilizatório pôde se desenvolver graças à inter-relação entre as funções sociais e psíquicas do sujeito e à estrutura interna dessas próprias funções:

As questões estruturais, como a estratificação social, as pressões e as tensões de uma determinada sociedade penetram na estrutura da personalidade do indivíduo. Assim, os sentimentos e os significados sobre si expressos pelos sujeitos são constituídos nas e pelas suas funções sociais. (ELIAS, 1994b, apud SOUzA, 2001, p. 65)

Segundo Elias, a noção de sujeito civilizado que se comporta de acordo com os manuais de etiqueta e saúde – que tomaram o lugar dos manuais de civilidade do XVI – está ligada às mudanças na infraestrutura da sociedade e que constituem as novas formas de relacionamento social, acabam por formar novas estruturas sociais específicas que são condicionadas e condicionam as formas de conduta do indivíduo.

Um bom exemplo disso é a imposição por ditos manuais de uma postura correta para o corpo – direita, esguia, para frente e para o alto – considerada mais elegante e que representava a ideia de prosperidade econômica. Segundo Souza (2001, p. 63), o corpo ereto é mais que uma questão de estética corporal, é também uma questão de honestidade do sujeito (julgo moral do direito, franco, íntegro, leal).

Para essa autora, tal imposição à postura corpórea está diretamente relacionada às enormes transformações sociais que estavam ocorrendo, tais como o desenvolvimento do capitalismo industrial, que tinha no individualismo sua máxima expressão ideológica uma vez que as necessidades sociais tornaram-se questões individuais.

Todas essas mudanças nas regras de conduta – tanto corpóreas quanto sociais – foram sendo forjadas por duas razões principais. A primeira delas era a necessidade da produção capitalista. Ao longo do século XIX, a nascente burguesia investiu na construção de um tipo de sujeito visando ao mundo do trabalho. Para tanto, aspectos intelectuais, culturais e corporais precisavam sofrer modificações: esse homem deveria ser construído para ser capaz de suportar uma nova ordem política, econômica e social (SOUzA, 1994, p. 9).

A segunda foi o desenvolvimento do saber médico higienista considerado a expressão do saber científico da época. Nessa concepção, relacionada diretamente à saúde pública, o corpo deveria ser saudável e asseado.

Nesse sentido, o corpo passou a ser estudado apenas em seus aspectos fisiológicos, fora de qual-quer contexto histórico. Na visão de Souza essa era a expressão da concepção dominante da ciência no período, o Positivismo:

O caráter instrumental de adequação do homem a sistemas socioeconômicos perpassa várias perspectivas que refor-çam a concepção biológica do corpo e a manutenção da saúde individual (GHIRALDELLI JúNIOR, 1992, p. 17, apud SOUzA, 2001, p. 51).

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23|A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Para o Positivismo, a objetividade e a neutralidade dos cientistas era a única maneira de se chegar a verdadeiras descobertas científicas e, nesse sentido, as investigações sobre o corpo o excluem de todas as representações simbólicas e o tomam apenas como matéria inerte:

O Positivismo dessa época disseminou a representação do que é o certo e positivo da ciência, podendo demonstrar sua exatidão essencial, o que até hoje respalda as ações no âmbito do corpo individual e social, principalmente se con-siderada a hegemonia das ciências médicas que ganham respaldo das ciências biológicas e das práticas sociais. (SILVA, 1999a, p. 13, apud SOUzA, 2001, p. 64)

Foucault (1998) salienta que a medicina se desenvolveu como uma ciência do corpo morto, do estudo anatômico de partes dos corpos. Como ciência empírica, valia-se dos sentidos dos médicos para detectar traços das doenças a partir de mudanças qualitativas do corpo.

Em suma, a medicina higienista, aliada aos interesses da nova ideologia burguesa, não apenas se expandiu como se tornou a base intelectual das grandes revoluções industriais e burguesas. A medicina assumiu o papel da religião na cura da doença e se tornou assessora, conselheira e crítica do Estado:

Políticas públicas de saúde foram instauradas, pois eram necessárias à urbanização e às condições de vida das pessoas. Mas não bastava só combater a doença, era preciso enaltecer a ciência, apresentando à sociedade a complexidade dos mecanismos que propiciaram o domínio dos fenômenos ou processos que antes somente na morte encontravam a solução. (CRESPO, 1990, apud SOUzA, 2001, p. 78)

A ideia de higiene estava associada à questão da eficiência e à prevenção de doenças, tendo em vista serem as epidemias uma das maiores preocupações nas grandes cidades. Isso porque, trabalhadores doentes representavam faltas ao trabalho e a eventual morte de muitas pessoas poderia representar falta de exército, de mão de obra reserva podendo afetar os níveis de produção das fábricas.

Tais preocupações geraram medidas e políticas sociais sob a forma de regras de higiene, de conduta moral e sexual, de alimentação, de habitação e de comportamento social etc.

A medicina higienista desenvolveu técnicas de vigilância e controle do corpo do cidadão e do trabalhador e, nesse sentido, a padronização corpórea passa a ser o parâmetro da normalidade do ser humano.

O uso das obras de arte como os autorretratos, a literatura, a pintura e a utilização de instrumentos como o espelho, as técnicas de fins criminalistas, como a fotografia (largamente utilizada para autópsia) e a avaliação biométrica para identificar o criminoso (o que hoje constitui uma técnica muito usada por atletas e em academias para avaliação da capacidade para a realização da atividade física), são traços fundamentais para relacionar a personalidade com a aparência corporal, para a constituição da identidade corporal do indivíduo moderno. (SILVA, 1999a, apud SOUzA, 2001, p. 96)

A autora também ressalta que a biometria e a cenestesia2, por respeitarem o funcionamento orgânico com a natureza, legitimam uma representação do corpo às aparências e formalizam “[...] uma ciência que investiga e socializa o funcionamento orgânico” (SILVA, 1999a, p. 20, apud SOUzA, 2001, p. 96).

Para Foucault (1998b), nesse contexto, que o autor designa como sociedade disciplinar, o corpo se tornou objeto de ortopetização3, que apesar de sutil, o atingiu de forma mais direta.

Tais processos, que antes eram explícitos, em relação aos corpos condenados por exemplo, em que as formas de punição deixavam suas marcas no corpo exposto publicamente, desapareceram. A dor e exposição do corpo mutilado não mais eram objetos da ação punitiva.

2 Biometria: ramo da ciência que estuda a mensuração dos seres vivos. Cenestesia: sentimento difuso resultante de um conjunto de sensações internas ou orgânicas e caracterizado essencialmente por bem-estar ou mal-estar.3 Termo utilizado por Foucault para designar o adestramento dos corpos.

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24 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Outras formas de punição e repressão foram desenvolvidas: a seleção entre homens normais e anormais foi levada às últimas consequências e novas formas de controle – como as vigilâncias constantes – foram sendo instituídas para tornar o corpo dócil, normatizado e disciplinado. Dessa forma “[...] a sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de culpa, uma decisão legal que sanciona; ela implica uma apreciação de normalidade e uma prescrição técnica para uma normalização possível” (FOUCAULT, 1993, p. 24, apud SOUzA, 2001, p. 24).

A docilidade dos corpos e o engessamento moral se multiplicaram em variadas possibilidades de controle, como o adestramento do corpo para o mundo do trabalho. Carrascos deixam de ser úteis na nova ordem social e moral. Em seu lugar estão os guardas, médicos, psicólogos, responsáveis pela privação da liberdade mas sem o sofrimento da dor.

Foucault demonstra que desde o fim do século XVII, a disciplina é uma forma de controle que visa fazer do corpo uma máquina multissegmentar (FOUCAULT, 1993, p. 148).

Por conta desse objetivo, o corpo do indivíduo torna-se uma peça que pode ser articulada a outros indivíduos para extrair a máxima quantidade de força. A ideia é que essa articulação não necessite de comandos longos, mas sim deve apenas provocar o comportamento que se quer. Exemplos desse tipo de controle podem ser encontrados no controle dos horários, nas formas de marchar; o controle temporal dos movimentos do corpo.

O corpo dócil vai substituindo o corpo mecânico, um composto de sólidos e comandado por movimentos, numa imagem que apavora os sonhos daqueles que buscavam a perfeição disciplinar. Esse corpo é corpo natural portador de forças e sede de algo durável; é o corpo suscetível de operações especificadas, que têm sua ordem, seu tempo, suas condições internas, seus elementos constituintes. O corpo torna-se alvo dos novos mecanismos de poder, oferece-se a novas formas de saber. (FOUCAULT, 1993, p. 14, apud SOUzA, 2001, p. 62)

Diante desse quadro deixa de ser necessário um tipo de controle tão rígido como os produzidos anteriormente, uma vez que por meio das técnicas disciplinares os corpos se tornam dóceis e úteis.

Na sociedade moderna, o corpo do indivíduo é um corpo que deve ser contido no tempo, no espaço e nas práticas sociais tais como a obediência no uso de espaços institucionais especialmente construídos para a função disciplinar.

É importante lembrar que tal controle não se faz por meio da violência. O poder que se exerce é construído na relação entre a classe que domina e a classe dominada que o legitima. Desse modo, pode-se dizer que tal contexto histórico produziu a ascensão da indústria da saúde e da necessidade de ser um sujeito perfeito, saudável e com um corpo escultural.

Um tipo de beleza do corpo (aparentemente saudável e forte) passou a ser um dos ideais da sociedade contemporânea.

A aparência do corpo determina quem é o indivíduo e que tipo de relações sociais ele estabelece, além de demonstrar que tipo de relação ele mantém consigo mesmo. Para manter esse ideal, qualquer intervenção é justificada (SILVA, 2001, p. 65). A mídia se encarrega de divulgar produtos e maneiras de agir para que esse ideal seja alcançado. As necessidades são criadas a todo instante; fugazes e paliativos são os produtos criados na tentativa de se resgatar o corpo que vem socialmente se fragmentando.

A proliferação de academias de ginástica, clinicas de estética, cirurgias plásticas pode ser vista como a culminância do processo de separação do homem da natureza e a separação formal dos seres humanos, que se tornaram indivíduos.

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25|A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

É a negação da condição humana, a necessidade de exterminar o que não é controlável, o que não é máquina. É o desejo de se ter o controle total e de transformar a tecnologia do corpo em um corpo tecnológico. É tentativa de superar o corpo que se teme do corpo que se quer ter, do corpo necessário para deixar de ser vulnerável, um protótipo de corpo cultural-tecnológico, e passar a ser um corpo idealmente perfeito, produzido pela ciência e pelas técnicas laboratoriais. (SOUzA, 2001, p. 95)

Nas sociedades contemporâneas, a corpolatria (o culto alienado ao corpo) pode ser considerado uma questão central, tendo em vista ser o corpo um dos principais investimentos da economia de mercado (CODO; SENNE, 1985; SILVA, 1999b, apud SOUzA, 2001, p. 98). Para esses autores, esse problema deve ser relacionado diretamente ao processo de alienação, já que este não se encontra apenas no produto e no consumo, mas na prática social como um todo.

O movimento humano, seja ele qual for, sempre tem um significado que vai além dele próprio, se insere de imediato na realidade que está além de si mesmo, que está em e na relação, e é uma representação. Na alienação os atos abando-nam o autor quando automatizados, quando é a execução de uma simples tarefa motora. (SOUzA, 2001, p. 100)

Tais questões fazem ressaltar a contradição que constitui as relações sociais entre o conceito de beleza, saúde, educação, civilidade e aquilo que é considerado feio, doente, sem educação, atrofiado. Mergulhados nas mesmas representações simbólicas e na mesma ideologia, tais concepções consti-tuem o ideal do homem moderno no qual a deficiência física é estigmatizada não apenas por estar marcada no corpo (nos movimentos, na fala) mas também por estar marcada na conduta do sujeito, na posição social, no como estar no mundo e em suas relações sociais. Silva ressalta que é possível encon-trar na história da civilização ocidental indicadores que vêm constituindo essa trama, que dá forma à sociedade e ao indivíduo moderno:

Nessa civilização material, na qual convém libertar o ser humano da tirania da natureza, o corpo entra em cena em toda sua dualidade, com a força da sua materialidade que é respeitada como nova instância de reconhecimento do humano e com o obscurantismo de sua natureza que não se deixa apreender facilmente. (SILVA, 1999a, p. 17, apud SOUzA, 2001, p. 95)

Nesse contexto, pode-se dizer que as concepções sobre a deficiência física foram construídas a partir do entendimento do conceito de saúde e de corpos eficientes para o mudo do trabalho e, nesse sentido, foi historicamente vinculada a algum tipo de enfermidade. O doente é reconhecido pela sua incapacidade orgânica, que leva a uma incapacidade social e produtora. Desse modo, a ideia deficiência ligada à noção de doença incurável, não deixa espaço para que a realidade seja transformada.

Saúde, doença e deficiênciaAo longo da história da sociedade ocidental, diversos conceitos têm sido formulados para

definir o que é saúde, tais como: “Saúde é o silêncio dos órgãos”, “Saúde é a harmonia de forças contrapostas”, “Saúde é a ausência de sofrimento na esfera física e psíquica”. “Saúde é a manifesta-ção da vida”, “Saúde é o estado do indivíduo cujas funções orgânicas, físicas e mentais se acham em situação normal”, entre outros (VIANNA, 1989; SANVITO, 1997; LEVY, 2002, apud SOUzA, 2005). A medicina ocidental costuma separar o conceito em saúde física, saúde mental, como também são comuns expressões como: saúde dos rins, do coração, dos pulmões etc.

O pensamento cartesiano que norteia o pensamento científico exerceu enorme influência nesse tipo de concepção. Para Souza (2005) é importante lembrar que Durkheim (1970 apud GARCIA, 1999)

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26 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

pergunta como estabelecer critérios para definir os dois estados e, para sua resposta, utiliza a oposição saúde-doença. Os critérios habitualmente utilizados para a determinação da doença, segundo o autor, são o sofrimento e a dor; no entanto, reconhece que estados de sofrimento, como a fome, a fadiga e o parto são fenômenos normais que levam ao estado de sofrimento, mas não são consideradas doenças.

De toda forma, a maior parte dos manuais geralmente definem a saúde como ausência de doença e vice-versa.

Essa abordagem é entendida por alguns autores como um conceito ideal negativo de saúde pois pressupõe um paradigma de normalidade biológica e psicológica para apreciar a saúde de uma popu-lação concreta. A adoção de um critério de normalidade confere o caráter científico na determinação de um estado ótimo de saúde (estado ideal). Os desvios da norma são considerados morbidades. Assim, mais saúde significa menos morbidade. A caracterização da saúde se faz definindo o que ela não é.

Esse tipo de compreensão vincula-se a um modelo funcionalista no qual a sociedade é entendida como um todo orgânico que funciona harmonicamente. A doença é um desvio, um desequilíbrio que ameaça a organização social, pois impossibilita o cumprimento dos papéis e das obrigações sociais.

Lefébvre (1991) afirma que o entendimento da saúde enquanto não doença tende a expandir e a associar o próprio sentido de doença a qualquer componente semântico negativo ou indesejável, como infelicidade, dor, homicídio, gula, entre outros. A saúde passa a ser compreendida dentro de uma tensão entre o bem e o mal: o bem é o estado de satisfação da saúde; o mal corresponde à doença, à necessidade de saúde.

Desse modo, a compreensão funcionalista de saúde considera doente não apenas aqueles acometidos por enfermidades infectocontagiosas ou degenerativas, mas também aqueles que fogem das normas corporais padrão.

Isso pode ser observado no caso das pessoas portadoras de deficiência física, considerados como doentes pelo senso comum e por parte da medicina ocidental. Não se pode dizer que alguém que sofre uma amputação estará doente por toda sua vida pois pode gozar de perfeita saúde, a despeito de sua deficiência física. Outro exemplo é um bebê que sofre na hora do parto algum tipo de lesão cerebral. Apesar das sequelas não deve ser considerado por toda a sua vida como doente, mas como alguém com sequelas da paralisia cerebral que pode ser participativa e estar integrada no meio em que vive: estudar, trabalhar, praticar esportes, enfim, viver de forma independente e saudável sem que haja nenhuma alteração de suas funções orgânicas.

Um enfoque que progrediu na medicina contemporânea como reação a esta é aquele que pre-tende que o clínico contemple o homem e seu adoecer, não somente como agregado de patologia de órgão e aparelhos, mas sim como resultado da relação entre o sujeito e seu ambiente sociocultural, ou seja, a doença não deve ser compreendida como a “fotografia” de uma situação, mas como o “filme” de um processo da interação entre o corpo doente e o meio.

Na Carta da Organização Mundial de Saúde (OMS), aprovada em 1948, está explicitada que: “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade [...]” (apud, SINGER et al. ii, 1981, p. 67).

Este conceito tem como mérito definir a saúde pelo que ela é, apesar de continuar sustentando a ideia de um estado ideal de saúde como critério de avaliação de sanidade.

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O avanço dessa abordagem é considerar a dimensão social da vida “ [...] (o) conceito de saúde adotado pela OMS, tem pelo menos o mérito de reconhecer que é paradoxal ser considerado portador de boa saúde quando é afetado por pobreza, discriminação ou repressão” (SINGER et all 1981, p. 68).

Entretanto, esse conceito apresenta algumas limitações. Sua ampliação torna-se muito subjetiva: como medir e avaliar o estado de bem-estar social?

É importante salientar que o ambiente social representa um fator de interação que contribui, favorável ou desfavoravelmente, para a saúde dos indivíduos e ao estado de saúde. Nesse sentido, nem sempre uma ausência de “completo bem-estar” indica a existência de um problema de saúde.

Para Souza (2005), por conta de todas essas questões, existem inúmeras dificuldades para a elaboração de uma definição satisfatória de saúde. Contudo, é importante distinguir os significados do termo saúde, quando compreendido no sentido dinâmico ou no sentido estático. No primeiro caso, a saúde representa um processo favorável de interação entre os fatores pessoais e ambientais, e no segundo, a palavra saúde expressa uma determinada situação de bem-estar em que se encontra uma pessoa num dado momento. De acordo com essa concepção, a saúde pode ser assim compreendida como um processo de completa adaptação da pessoa ao meio ambiente, manifestado pela preponderância dos mecanismos de defesa do organismo (baseado no conceito dinâmico). Ou então pode ser um estado de vida plena, manifestada pela supremacia dos mecanismos de defesa do organismo (baseado no conceito estático) (VIANNA, 1989, apud SOUzA, 2005).

Os corpos deficientesDiante do exposto, a questão que fica é: quais as condições de constituição do corpo do deficiente,

de suas formas de expressão e produção?

Sujeitos, corpos, expressões, movimentos silenciados. Deficiência mascarada. De outra forma, sujeitos, corpos, expressões, movimentos adestrados, disciplinados, controlados. Deficiência que necessita ser normatizada. O corpo submetido às normas é o corpo que significa o que é aceito pela sociedade. O corpo inútil, incapaz, “torto” tem um significado de improdutividade, um formato que foge aos padrões estéticos aceitos e, por isso, deve ser retificado, passar por processos educacionais e terapêuticos que o coloquem de forma o mais ereto possível, o mais saudável, mesmo que para ser saudável perca sua identidade.

Atualmente, um corpo deve significar o ser saudável que se confunde com o belo, com o corpo “perfeito”, atlético e magro.

Para Souza (2001) é sob essas condições e preconceitos que o deficiente se insere na sociedade. O corpo considerado deficiente traz consigo não somente a noção de incapacidade, mas também a noção de imperfeito, do que foge ao belo. Formas idealizadas, conteúdos hierarquizados.

No entanto, o que antes constituía o mal da alma representado no corpo, hoje é de alguma forma “humanizado”. Não se chicoteia mais o “corpo” aleijado, mas se aleija a “alma” do “corpo” marcado. É sob esses valores que o corpo deficiente vai sendo constituído, nas suas relações com o outro na sociedade da qual ele faz parte. Sob a ideologia, corpos marcados pela deficiência e corpos não marcados vão se conhecendo por meio de suas diferenças, daquilo que falta e daquilo que os aproxima.

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28 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Texto complementar

As contradições do corpo(DRummOnD DE AnDRADE, 1999, p. 7-9)

Meu corpo não é meu corpo,

é ilusão de outro ser.

Sabe a arte de esconder-me

e é de tal modo sagaz

que a mim de mim ele oculta.

Meu corpo, não meu agente,

meu envelope selado,

meu revólver de assustar,

tornou-se meu carcereiro,

me sabe mais que me sei.

Meu corpo apaga a lembrança

que eu tinha de minha mente.

Inocula-me seu patos,

me ataca, fere e condena

por crimes não cometidos.

O seu ardil mais diabólico

está em fazer-se doente.

Joga-me o peso dos males

que ele tece a cada instante

e me passa em revulsão.

Meu corpo inventou a dor

a fim de torná-la interna,

integrante do meu Id,

ofuscadora da luz

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29|A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

que aí tentava espalhar-se.

Outras vezes se diverte

sem que eu saiba ou deseje,

e nesse prazer maligno,

que suas células impregna,

do meu mutismo escarnece.

Meu corpo ordena que eu saia

em busca do que não quero,

e me nega, ao se afirmar

como senhor do meu Eu

convertido em cão servil.

Meu prazer mais refinado,

não sou eu quem vai senti-lo.

É ele, por mim, rapace,

e dá mastigados restos

à minha fome absoluta.

Se tento dele afastar-me,

por abstração ignorá-lo,

volta a mim, com todo o peso

de sua carne poluída,

seu tédio, seu desconforto.

Quero romper com meu corpo,

quero enfrentá-lo, acusá-lo,

por abolir minha essência,

mas ele sequer me escuta

e vai pelo rumo oposto.

Já premido por seu pulso

de inquebrantável rigor,

não sou mais quem dantes era:

com volúpia dirigida,

saio a bailar com meu corpo.

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30 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

Atividades1. Analise a conduta do corpo no processo de civilização.

2. Segundo Foucault, quais as formas mais usadas para o controle das atividades na segunda metade do século XVII?

3. Explique a relação das preocupações higienistas com o mercado de trabalho.

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31|A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

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32 | A construção do conceito de corpo na sociedade ocidental

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Gabarito1. Esse processo era constituído da necessidade de normatizar, controlar, criar pudor, estabelecer

regras de conduta e polidez e o asseio do corpo.

2. Controle de horário, controle de formas de marchar, controle temporal do ato e utilização exaustiva do corpo. Isso se dá devido ao processo de normatização social, fazendo com que todos que não praticassem as demandas da sociedade fossem excluídos.

3. As preocupações higienistas foram instauradas sobretudo pela noção de que as doenças representavam dias de trabalho perdidos; e a morte de crianças e adultos acentuava a escassez de mão de obra, limitando o necessário aumento da produção.

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Deficiência e incapacidade

Deficiência e estigmaNa sociedade ocidental, as pessoas com características diferentes, em relação às pessoas consi-

deradas padrão, foram e ainda são vistas com desconfiança ou preconceito e, de maneira geral, muitas ainda são abandonadas ou escondidas por seus familiares ou responsáveis.

Durante muito tempo se considerou que as pessoas portadoras de deficiência eram cidadãos de segunda categoria, sem possibilidades de exercer seus direitos, como doentes que requerem um trata-mento diferenciado e medidas paliativas para sua deficiência.

Pode-se mapear essa trajetória, em muitos momentos da história. Já em Platão encontram-se referências à aplicação de medidas eugênicas, ao pensar uma sociedade ideal, justificando tal medida como uma maneira de fortalecer a unidade do Estado. Para ele, os melhores homens deveriam unir- -se às melhores mulheres, o mais frequente possível; e os defeituosos com as defeituosas, o mais raro possível. Os filhos dos primeiros deveriam ser criados, os segundos, não, para o rebanho conservar-se da mais alta qualidade. As crianças “defeituosas” deveriam ser abandonadas para morrer. Pela Lei de Esparta, as crianças que nasciam mal constituídas eram eliminadas e, em Atenas, todas as pessoas “inúteis” deveriam ser mortas quando a cidade estivesse sitiada (MASSARI, 2007). Vale lembrar que nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial milhares de pessoas deficientes foram eliminadas de imediato.

Segundo Souza (2005, p. 41) a deficiência física pode ser entendida como um conjunto de alterações sensoriais, motoras e cognitivas que podem estar presentes, de forma mais ou menos acentuada, costumam ser consideradas pela maioria das pessoas como doença. Em outras palavras, essa diferença que destaca o indivíduo em relação às outras pessoas, seja pela aparência física, pela forma de comunicação ou pela utilização de um suporte como bengala ou cadeira de rodas o classifica como

[...]aquele que não se encaixa nos padrões gerais, pois sua forma de falar, andar, pensar desvia-se das normas: ele “pos-sui algo” ou “algo lhe falta” e, em consequência, ele é diferente dos outros. Esse algo se transforma em uma palavra que irá designar a pessoa, ou seja, num rótulo. (MANzINI; SIMÃO, 1993, p. 25, apud SOUzA, 2005, p. 42)

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34 | Deficiência e incapacidade

Devido a essa rotulação a pessoa acaba por perder sua identidade individual e é inserida num grupo considerado marginal em relação aos padrões de normalidade valorizados. Para Goffman (1988, p. 67 apud SOUzA, 2005,p. 42) esta é a

[...] pressuposição de que a pessoa com deficiência pode ser diferente de todos os outros e que em torno desses meios de diferenciação podem se apegar e entrelaçar uma história contínua e única de fatos sociais que se torna, então, a substância pegajosa a qual vem se agregar outros fatos biográficos.

Para Omote (1994 apud SOUzA, 2005), certas diferenças corporais podem ser descritas pelo senso comum por serem facilmente visualizadas a partir dos preconceitos, que podem também ser chamados de estigmas. Esse aspecto é ressaltado também por Goffman (1988, p. 58, apud SOUzA, 2005, p. 43), para quem “a visibilidade é um fator crucial, já que é por meio de nossa visão que o estigma dos outros se torna mais evidente, com maior frequência”.

Souza (2005) ressalta que as concepções sobre a deficiência se formam a partir das representações sociais comuns a um determinado grupo social. Tais representações são produto de informações acumuladas socialmente que possibilita ao grupo social explicar os fenômenos sociais e como estes são determinados.

Pode-se dizer que nos últimos anos houve mudanças nas concepções sobre a deficiência física influenciadas pelos estudos que passaram a entendê-la não mais como um atributo apenas individual, mas também a partir de uma perspectiva sociocultural (MANzINI et al., 1993, apud SOUzA 2005, p. 43).

Apesar dessa mudança de foco em boa parte dos estudos, muitos ainda consideram a pessoa com deficiência como um alguém que porta uma enfermidade grave.

[...] há uma ideia popular de que embora contatos impessoais entre estranhos estejam particularmente sujeitos a res-postas estereotípicas, à medida que as pessoas relacionam-se mais intimamente essa aproximação categórica cede, pouco a pouco, à simpatia, à compreensão e à avaliação realística de qualidades pessoais. Embora um defeito como a desfiguração facial possa repelir um estranho, as pessoas íntimas presumivelmente não seriam afastadas por tal motivo. (GOFFMAN, 1988, p. 61, apud SOUzA, 2005, p. 44)

Deficiência ou incapacidade?Ao se considerar os conceitos ainda utilizados em algumas leis1 para definir deficiência nota-se

que se designa como deficiente qualquer pessoa que apresente sinais de incapacidade para desenvolver qualquer atividade.

Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano, e o conceito de incapacidade como: uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adap-tações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida. (SOUzA, 2005, p. 45)

Souza (2005) ressalta que o problema desses conceitos é que se a incapacidade pode ser considerada como redução ou diminuição da capacidade de realizar qualquer atividade como alguém considerada normal, já que tais atividades só podem ser executadas com o auxílio de

1 Decreto 3.298 que Regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispondo sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, artigo 3.º, I e III.

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35|Deficiência e incapacidade

aparelhos adaptados; no caso da execução de tais tarefas com a utilização de tais recursos, o conceito de incapacidade deixa de fazer sentido pois o objetivo foi atingido.

Nota-se a partir desse argumento a incoerência de tais conceitos pois, sob qualquer aspecto, eles acentuam o estigma de anormalidade, e entendem deficiências e incapacidades como palavras sinônimas.

A autora ressalta que mesmo quando se define incapacidade como ausência de capacidade para realizar uma ou mais funções sensório-psico-motoras, não se pode considerar todas as pessoas com deficiência como incapazes: uma pessoa com deficiência visual é incapaz de enxergar, mas isto não a torna incapaz de realizar outras funções que não exijam o uso da visão (SOUzA, 2005, p. 47).

Para Souza (2005), definir a pessoa portadora de deficiência como incapaz a torna social-mente invisível. Adaptações são fundamentais para que essas pessoas possam realizar qualquer atividade que queiram de maneira independente. Para tanto, é necessário que os estigmas sociais sejam eliminados, descaracterizando a incapacidade que a sociedade julga existir.

Pessoas portadoras de deficiência: definiçõesA Organização Mundial de Saúde (OMS) define o termo deficiência como “um termo genérico

que inclui déficits, limitações nas atividades e restrições na participação. Indica os aspectos negativos da interação entre um indivíduo (com uma condição de saúde) e os fatores contextuais (ambientais e pessoais)” (OMS, 2001).

De toda forma, não existe um consenso sobre a definição desse conceito de deficiência permanente, razão pela qual sua medição é um tema difícil de resolver. Essa falta de consenso deve-se ao fato de que há dificuldade em unificar os critérios que cada país têm para definir o conceito de deficiência. Como consequência, ao não se ter um conceito comum e aceito por todos, não é possível quantificar com exatidão o número de deficientes nos países. Costuma-se classificar como PPDs, as pessoas com dificuldades de locomoção, motricidade e deficiências sensoriais (surdos, mudos e cegos), as pessoas portadoras de deficiências permanentes; as pessoas portadoras de deficiências temporárias2 e os idosos.

Deve-se ressaltar que as pessoas portadoras de deficiência constituem um grupo heterogêneo com muitas diferenças entre si, e essas diferenças também se manifestam nos tipos de necessidades. Assim como não existem pessoas iguais, também não existem deficiências iguais. Duas pessoas com o mesmo tipo de deficiência não necessariamente têm a mesma necessidade de acessibilidade, seja porque suas disfunções são diferentes, seja porque interagem com seu entorno de maneira diferente.

Nesse sentido, seria muito complexo, por sua diversidade, estabelecer todas as soluções que se requer para cada um dos casos. Por essa razão que, de maneira geral, utilizam-se classificações que agrupam as pessoas segundo os diferentes tipos de deficiência, em que pese a diversidade, estas compartilham características e necessidades básicas comuns. Desse modo, pode-se classificar os principais coletivos de pessoas portadoras de deficiência da seguinte maneira3:

2 É importante levar em conta todas as pessoas que, transitoriamente e por razões distintas se encontram também com dificuldades de locomoção, perceber sons etc. este grupo está formado basicamente por aquelas pessoas que sofreram algum tipo de acidente ou moléstia temporária e se encontram com a mobilidade reduzida.

3 Essa classificação não pretende ser exaustiva, mas fundamentalmente servir para classificar as necessidades comuns de cada grupo.

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Deficiência auditiva:::: – a deficiência auditiva é a perda ou a diminuição da sensibilidade de audição, seja de forma leve, moderada ou severa. As pessoas surdas ou com deficiência auditiva têm dificuldades de identificar sons ou vozes, segundo a maneira como são transmitidas. Também é frequente que a capacidade auditiva das pessoas diminua com a idade. As principais dificuldades com as quais se depara esse grupo são: identificação de sinais sonoros, sensação de isolamento em relação ao entorno. Em muitos casos, e segundo a causa da deficiência, esta também está relacionada com alguma dificuldade para falar. Um dos principais problemas de acessibilidade que este grupo encontra é que são poucas as ocasiões em que a informação sonora está acompanhada de informação visual, e são poucos os funcionários tanto de empresas privadas quanto públicas treinados na linguagem de sinais (libras).

Deficiência visual:::: – nem todas as pessoas com deficiência visual carecem completamente do sentido da visão, mas existem diferentes graus de visão, graus que podem variar com o tempo. Como exemplo pode-se mencionar as pessoas com deficiência visual que vivem sozinhas e que dentro de sua casa realizam todo tipo de atividades cotidianas (higiene pessoal, cozinhar, trabalhar etc.) com autonomia suficiente, devido ao fato de que seu entorno está condicionado e adaptado para que possam levar uma vida com a mesma autonomia que qualquer pessoa. Suas principais dificuldades na vida cotidiana – quando os entornos não estão adaptados – estão relacionadas à mobilidade: identificação dos espaços e objetos, detecção de obstáculos (desníveis, elementos salientes, buracos etc.) à determinação de direções e itinerários e à comunicação, quando esta só existe graficamente. Essas pessoas utilizam fundamentalmente o sentido do tato e da audição para sua mobilidade. A orientação espacial permite determinar sua posição no espaço, motivo pelo qual é importante que possam relacionar-se em espaços simples nos quais os movimentos e os itinerários sejam simples, sem obstáculos, sem mudanças de nível etc.

Deficiência intelectual:::: – a deficiência intelectual se caracteriza por limitações significativas, tanto no funcionamento cognitivo quanto na conduta adaptativa, e no convívio social. A origem dessas deficiências é multifatorial. Podem ser anomalias de ordem genética ou ambiental. Esse tipo de deficiência refere-se a uma limitação importante, consequência da interação das capacidades limitadas dos indivíduos com o meio em que vivem. Isso sugere que o funcionamento dessas pessoas pode melhorar significativamente se recebem o apoio adequado para o desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades. As pessoas portadoras de deficiência intelectual têm dificuldades em sua capacidade de relação com o espaço, fundamentalmente a tudo que se refere à compreensão da comunicação. Em relação à acessibilidade podem ter problemas de compreensão da informação, quer seja oral, escrita ou feita com símbolos.

Deficiência de fala:::: – diferentemente das pessoas com deficiência auditiva, essas pessoas têm a capacidade de escutar alguns sons, mas têm dificuldades na fala. Por isso, as barreiras na comunicação são as principais dificuldades que encontram em seu cotidiano.

Deficiências físicas:::: – referem-se aqui às pessoas cuja mobilidade está limitada, condicionando sua capacidade de mobilidade, ou sua capacidade de manobra ou alcance, ou sua destreza manual, seu equilíbrio e controle físico, sua capacidade de resistência. As causas são das mais diversas índoles: congênitas, lesões medulares, vasculares, neuropatias, acidentes, velhice, podendo existir mais de uma causa e produzir plurideficiências.

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37|Deficiência e incapacidade

O modelo médico e o modelo social da deficiência físicaO modelo médico, em princípio, contribuiu para que essas pessoas deixassem de ser vistas como

aberrações, mas sim como doentes crônicos, que deveriam ser apartados da sociedade, uma vez que não serviam para o mundo do trabalho, e mantidos em um ambiente higiênico, protegidos e segregados. A pessoa com deficiência era digna de “pena” e a sociedade deveria tentar corrigir essas incapacidades buscando a superação por meio dos modelos clínicos e terapêuticos de maneira que essas pessoas pudessem ser enquadradas em um mundo feito para pessoas consideradas normais.

Dessa maneira, esse modelo considerava a deficiência física um problema pessoal diretamente causada por uma enfermidade, trauma, condição de saúde que requeria tratamentos médicos prestados de forma individual por profissionais qualificados. Os tratamentos das diversas deficiências eram voltados para a cura ou para a adaptação da pessoa pressupondo uma mudança radical de sua conduta.

Para Teske (2005, 357-358) um dos problemas que esse tipo de modelo pode trazer é que tais estudos clínicos, ao sugerirem a cura de qualquer deficiência, acarretam problemas nas relações socio-afetivas dos deficientes: “O impacto desse pensamento, muitas vezes apresentado magicamente pela mídia, tem destruído relações parentais que se frustram quando percebem que na maioria das vezes não existem alternativas clínicas.”

Sontag (2002, p. 76-79) afirma a presença de um sentimento inconsciente de culpa, especialmente quando não são conhecidas as causas da doença ou sua cura:

Qualquer moléstia importante, cuja causa é obscura e cujo tratamento é ineficaz, tende a ser carregada de significação. Primeiro, os objetos do medo mais profundo (corrupção, decadência, poluição, anomia, fraqueza) são identificados com a doença. Os sentimentos relacionados com o mal são projetados numa doença. E a doença (assim enriquecida de significados) é projetada no mundo [...]. E são as doenças das quais se acredita terem múltiplas causas (isto é, as doenças misteriosas) que reúnem as maiores possibilidades de serem usadas como metáforas para o que se considera social ou moralmente errado.

Frente a essa concepção da deficiência como uma doença crônica – predominante até meados da década de 90 – surgiram modelos alternativos que consideram que o problema está na sociedade e não no indivíduo. Esse modelo é chamado de social. É a sociedade que cria barreiras discriminatórias e, portanto, é nela que as mudanças devem acontecer para incluir e acomodar as diferentes necessidades das pessoas em sua diversidade. O eixo central da discussão deixa de ser a deficiência física individual para a consideração de que o entorno é que é deficiente para acolher todo tipo de pessoas.

As diferenças fundamentais entre esses dois modelos são:

para o modelo médico a deficiência define-se por um conjunto específico de defeitos corpo-::::rais; lesão leva à deficiência (MEDEIROS, 2005);

para o modelo social, sistemas sociais excludentes levam pessoas com lesões à experiência ::::da deficiência.

Em resumo: o modelo médico identifica como pessoa com deficiência alguém com algum tipo de inadequação corporal que foge do “padrão de normalidade”. O modelo social inverte esse argumento e identifica a deficiência na inadequação da sociedade para a inclusão de todos, sem exceção.

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38 | Deficiência e incapacidade

Nesse sentido, o modelo social da deficiência considera essa questão como um problema social que deve ser resolvido com a completa integração das pessoas na sociedade. A deficiência não é um atributo da pessoa, mas sim um conjunto de condições, muitas das quais criadas pelo contexto social. Pode-se dizer que esse modelo está na base de todas as políticas sociais para esse grupo e, portanto, o manejo dessas situações requer a atuação social e é de responsabilidade tanto do Poder Público quanto do setor privado, no sentido de fazer as modificações ambientais necessárias para a participação plena das pessoas com deficiências em todos os âmbitos da vida social. Para esse modelo de pensamento, o problema é ideológico e de mudança de atitude e requer a introdução de mudanças sociais, o que no âmbito da política constitui uma questão de direitos humanos.

Além disso, considerar as pessoas portadoras de deficiência como doentes crônicos, ou que precisam sempre se superar, mostrar-se mais preparadas, mais fortes, além de recorrente na mídia, pode ser considerada uma noção extremamente nociva. Na outra ponta do discurso da superação está a imagem do deficiente como um contraexemplo, ou seja, como uma condição de que deve ser evitada a todo custo. Um dos objetivos de alguns movimentos sociais de pessoas portadoras de deficiência é fazer a crítica a essa imagem da deficiência como algo ruim. Exemplo disso é a utilização inadequada em campanhas publicitárias de artigos esportivos que alertavam para a possibilidade da deficiência que poderia surgir da utilização inadequada de determinado modelo de tênis. Em alguns países campanhas contra acidentes nas estradas transmitem claramente uma imagem negativa da deficiência. Um debate bastante delicado sobre essa questão é o que se trava nas discussões bioéticas quando se discute se devem nascer crianças em que já foram detectados problemas de deficiência.

Já existem discussões no sentido de se criar um observatório dos meios de comunicação que trate da questão da deficiência. Esse observatório se dedicará a denunciar toda discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência por parte da mídia.

Deve-se ressaltar que tal modelo enfatiza a importância que as características corporais têm na experiência da deficiência:

[...] a ideia de que a deficiência é resultante da combinação de limitações impostas pelo corpo a uma organização social pouco sensível à diversidade corporal. A deficiência não está localizada apenas nos indivíduos, mas na incapacidade da sociedade ajustar-se, aceitar, compreender [...] à diversidade. (MEDEIROS, 2005, p. 14)

O modelo social jamais ignorou o papel que as perdas de funcionalidade têm na experiência da deficiência, mas enfatiza que, em muitos casos, essa experiência só ocorre por motivos eminentemente sociais (MEDEIROS, 2005).

Nesse sentido, é importante levar em conta, como afirma Berndt (2004) que a deficiência é um fenômeno complexo, de origem fisiopatológica, mas também social e que suas repercussões geram problemas igualmente complexos e sistêmicos. Desse modo, seguir apenas um ou outro modelo não parece a maneira mais apropriada de se tratar a questão, uma vez que seria simplificador limitar a situ-ação de deficiência apenas ao seu aspecto físico ou enfatizar demasiadamente o papel da sociedade, pois ambos têm mesma importância e são determinantes para tais restrições.

Para esse autor, a pessoa com deficiência apresenta diferenças que a limitam, e é a forma como a sociedade a vê e a aceita que faz com que essa limitação aumente ou diminua do mesmo modo que essa limitação poderá, também, ser atenuada ou exaltada pela medicina.

O autor conclui que uma visão mais abrangente deve considerar estes e outros aspectos em conjunto, como faz a definição apresentada pela Classificação Internacional de Funcionalidade.

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39|Deficiência e incapacidade

O Sistema de Classificação Internacional de FuncionalidadeEm 2001, a OMS revisou sua classificação de deficiências para se adequar à perspectiva do modelo

social. A revisão resultou no Sistema de Classificação Internacional de Funcionalidade ou Código Internacional de Funcionalidade (CIF), que representa a verificação do potencial de realizações do ser humano dividido em seis grandes categorias, fornecendo dados sobre:

a funcionalidade (:::: body);

a estrutura corporal (:::: structure);

as restrições (:::: disability);

a participação na sociedade (:::: participation);

as atividades da vida diária (:::: activity);

o ambiente social de cada indivíduo (:::: environment) (DISCHINGER, 2004; SILVA, 2004; MEDEIROS, 2005).

Coloca-se como uma classificação de todas as atividades que um indivíduo pode vir a desempenhar na sociedade. Portanto, a incapacidade de realização de alguma dessas atividades não é somente resultado de alguma limitação na função corporal, mas também da interação entre as funções corporais do indivíduo com uma grande variedade de aspectos, entre eles, o meio que está inserido (DISCHINGER, 2004).

O que a CIF traz de inovação são as questões de funcionalidade e de restrições. Por funcionalidade entendem-se as relações entre funções e estruturas corporais com as atividades e a participação dos indivíduos. Restrição indica o grau de dificuldade que cada indivíduo apresenta para a realização de alguma atividade. Representa a relação entre a pessoa e o meio ambiente, ligando-os a uma determinada situação, não estigmatizando o indivíduo (MARTíN, 2004; DISCHINGER, 2004). No caso das pessoas com deficiência, as restrições são permanentes e muitas vezes intransponíveis, afetando suas condições de independência e acesso à cidadania (DISCHINGER, 2004). Compreender a natureza das restrições para a participação de todas as pessoas é fundamental para buscar soluções que permitam sua superação e possibilitem a inclusão (DISCHINGER, 2004).

É importante ressaltar que a CIF (aprovada pelo Brasil além de outros 191 países) discute o conceito “vida”, considerando as formas nas quais as pessoas convivem com sua saúde e por quais meios podem melhorar as suas condições materiais de existência, tendo como objetivo uma vida produtiva e enriquecedora. Para Lippo (2005), esse enfoque pode repercutir tanto na prática da medicina como na da legislação e nas políticas sociais destinadas às pessoas portadoras de deficiência, bem como à proteção dos direitos individuais e coletivos. Para este autor, a partir da CIF há a possibilidade de se transformar o conceito de deficiência tendo em vista que esta passa a não ser mais identificada como característica de apenas um grupo minoritário, ou seja, pessoas com deficiência visível. Como exemplo, pode-se citar os soropositivos que sofrem problemas de preconceito e dessa maneira ficam incapacitados em termos de oportunidades de participação no mundo do trabalho: “Neste caso a CIF propõe diferentes perspectivas para direcionar medidas pertinentes visando à possibilidade dessa pessoa continuar integrada na vida ativa e participar plenamente na vida da comunidade.” (LIPPO, 2005)

Ao considerar a questão social da deficiência e propor novas formas de pensar para se estabe-lecer o impacto do ambiente social e físico sobre o funcionamento da pessoa, a CIF pode ser consi-derada um instrumento importante no momento de se implementar normas internacionais relativas aos direitos humanos.

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40 | Deficiência e incapacidade

Texto complementar

Portadores de deficiência se preparam melhor para o mercadoNo Brasil, os portadores de deficiências física, auditiva, múltipla e visual são mais preparados e

têm um salário maior do que a média das pessoas não deficientes quando conseguem um emprego na economia formal. O dado consta na pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil, que foi divulgado no 16/10/2003, pela Fundação Banco do Brasil (FBB). “Para compensar as barreiras físicas, essas pessoas acabam estudando e se preparando de forma mais adequada para o mercado de trabalho”, disse a diretora da FBB nas áreas de Saúde e Assistência Social, Dulce Jane de Souza Vasquez [...]. In: <www.cruzeironet.com.br> apud Teske, 2005.

Atividades1. Discuta com seus colegas, a partir dos pressupostos teóricos discutidos, a definição revista pela

ONU em 2001 sobre a deficiência física.

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41|Deficiência e incapacidade

2. Discuta as diferenças existentes entre o modelo médico e o modelo social da deficiência e qual a importância de fazer esse debate nas questões discutidas pela Sociologia.

3. A partir da leitura do texto complementar, discuta quais outros grupos sociais também sofrem o mesmo tipo de pressão da sociedade.

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42 | Deficiência e incapacidade

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LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Relatório Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.

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MASSARI, S. A. A Igualdade Começa pelo Planejamento da Cidade. Disponível em: <www.brasilaces-sivel.org.br/artigo2> Acesso em: 8 fev. 2008.

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MEDEIROS, M.; DINIz, D. A Nova Maneira de se Entender a Deficiência e o Envelhecimento. 2005. Disponível em: <www.saci.org.br/index>. Acesso em: 20 ago. 2012.

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SONTAG, S. A Doença como Metáfora. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.

SOUzA, Cleide da Câmara. Concepção do Professor sobre o Aluno com Sequela de Paralisia Cerebral e sua Inclusão no Ensino Regular. Rio e Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado). UERJ.

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Page 45: Sociologia Da Acessibilidade

43|Deficiência e incapacidade

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TESKE, Ottmar. As desigualdades invisíveis: acessibilidade universal em debate. In: Sociologia. Textos e Contextos. Canoas: Ulbra, 2005.

Gabarito1. A definição revista pela ONU em 2001 foi fundamental para uma compreensão maior das

deficiências e das pessoas portadoras, como indivíduos e não grupos rotulados, separando as individualidades e estudando junto as políticas sociais e métodos mais eficazes de integrar todos na sociedade. Sabe-se que muito do preconceito ocorre pela falta de contato de pessoas consideradas normais com pessoas com deficiências, e essa definição da ONU proporciona não só para os portadores de deficiência como para todos uma possibilidade maior de convivência.

2. O modelo médico imputa a questão da deficiência ao portador e o modelo social a toda sociedade que circunda o portador. É necessário um equilíbrio entre as duas para que se possam criar formas de estudos e política sociais coerentes com a realidade. Pois não se pode determinar um modelo ou outro como fator principal da condição do portador de deficiência. Isso seria apenas mais um rótulo para essa situação.

3. Sofrem o mesmo tipo de pressão da sociedade pessoas que por causa de diferenças culturais acabam sendo excluídas da sociedade por não se enquadrarem no modelo predeterminado. Sendo assim, elas acabam focando nos estudos e outras atividades que não necessitem contatos sociais.

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44 | Deficiência e incapacidade

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Questões contemporâneas sobre diversidade humana,

discriminação e igualdade de oportunidades

Nas discussões contemporâneas, a ideia de diversidade humana, em um sentido positivo, faz referência às múltiplas diferenças que existem entre os seres humanos (seja por razões de gênero, idade, origem, classe social), isto é, entendendo e aceitando essas diferenças como características que igualam a todos. Essas diferenças não conteriam em si mesmas uma valoração particular das pessoas, mas descreveriam simplesmente as características pessoais de cada uma delas.

Entretanto, quando essas características (sejam físicas, sociais ou culturais) implicam desvantagens e tratamento diferenciado – de maneira direta ou indireta – menos favorável que outra em uma situação análoga ou comparável em relação a outras pessoas ou grupo de pessoas, essas diferenças se transformam em desigualdades e discriminação. O conceito de desigualdade carrega em si uma sub ou sobrevaloração dessas diferenças e se manifesta de múltiplas maneiras: diferenças de tratamento, de oportunidades no acesso a recursos ou bens sociais.

Entende-se por discriminação direta toda situação em que uma pessoa seja ou tenha sido tratada de maneira menos favorável que outra em situação análoga. E por discriminação indireta quando uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra possa ocasionar uma desvanta-gem particular.

Enquanto o conceito de diversidade se associa com a aceitação das diferenças e, portanto, assume-se que essas diferenças não violam o direito de igualdade no trato, oportunidades e acesso a bens e recursos, as desigualdades refletem as características que socialmente se transformam em desvantagens para determinadas pessoas em relação a outras.

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46 | Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades

No que se refere especificamente aos portadores de deficiência física, os preconceitos e conceitos equivocados são os grandes responsáveis pela marginalização de muitos e por um processo tendencioso de inclusão, que não leva em consideração as circunstâncias e necessidades objetivas dessas pessoas. As ideias preconcebidas de que as pessoas com deficiência sejam sempre bem dotadas são tão errôneas quanto as ideias de que essas pessoas sejam necessariamente incapazes, pois tanto uma quanto outra dão lugar a comportamentos injustos e contraditórios.

Para alguns autores, tal protecionismo e discriminação não condizem com o que afirma A Convenção da Guatemala de 1999 (apud FáVERO, 2004):

As pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano.

Fávero (2004) acrescenta que, para garantir o direito à inclusão social irrestrita, é preciso muita cautela na aplicação do princípio de igualdade, quando se estiver tratando de diferenciação feita com base em deficiência, para não se cair na ideia de igualdade vinculada à ideia de justiça, que nos faz agir tratando de maneira igual os iguais e desigual os desiguais, seja por caridade, solidariedade ou qualquer outro sentimento que pareça promover justiça.

Nessa convenção (da qual o Brasil é signatário) são apresentados três requisitos para que não se transforme diferenciação em discriminação, tendo em vista que em alguns casos a diferenciação é necessária, o que não significa que ela deve ser discriminatória. Fávero (2004, p. 46) resume esses três requisitos da seguinte forma:

1.º requisito:::: – é preciso que a diferenciação seja adotada para promover a inserção social ou o desenvolvimento pessoal daquele que está sendo diferenciado. Ou seja, é preciso que se trate de uma medida positiva, um meio de acesso e não uma diferenciação para negação de acesso da mesma forma que outros.

2.º requisito:::: – ainda que se trate de uma medida positiva, é preciso que essa diferenciação não limite, em si mesma, o direito à igualdade dessas pessoas. Essa proibição é também muito importante, porque deixa claro que a diferenciação positiva ou permissão de acesso tem que visar ao mesmo direito fundamental a ser exercido por qualquer pessoa (saúde, educação, trabalho, lazer).

3.º requisito:::: – para a pessoa portadora de deficiência, ainda que a diferenciação seja conside-rada positiva, que não fira em si mesma o direito de igualdade, de acordo com a convenção, para não ser discriminatória, é preciso que a pessoa não seja obrigada a aceitar a diferen-ciação, ou mesmo, a preferência. A diferenciação, mesmo quando necessária e positiva, deve proporcionar oportunidades de escolha em utilizá-la ou não.

Muitas pessoas portadoras de deficiência não têm acesso a determinados direitos que para outras pessoas são considerados básicos. Por isso é cada vez mais frequente a utilização do termo direitos humanos quando se fala sobre deficiência:

As pessoas com deficiência são titulares de todo o conjunto de direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em igualdade com todas as demais pessoas. A proteção igualitária de todos, incluindo os que têm uma deficiência, e a não discriminação são os fundamentos nos quais se basearam os instrumentos internacionais de direitos humanos. (LIPPO, 2004)

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47|Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades

Entretanto, em todas as sociedades do mundo, incluindo os países ricos, cerca de 600 milhões de crianças, mulheres e homens (80% no terceiro mundo, 50 milhões na Europa) continuam a enfrentar obstáculos discriminatórios, que os impedem de exercer os seus direitos e liberdades, dificultando sua plena participação na vida das sociedades em que estão inseridos.

Vale lembrar que o acesso à educação, à cultura, aos meios de transporte, à informação são direitos que muitas pessoas portadoras de deficiência não podem aceder bem como outras pessoas de outros grupos sociais excluídos por sua classe social, por exemplo.

O reconhecimento efetivo das necessidades deve traduzir-se na implementação de sistemas de atenção adequados à diversidade humana, garantindo assim a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, tanto no exercício de seus direitos como no cumprimento de suas obrigações.

É importante ressaltar, como faz Lippo (2004), que as pessoas portadoras de deficiência conti-nuam a sofrer, e sofrem de dupla exclusão: “restrição ou impossibilidade de acesso aos bens sociais, incluindo-se aqueles relacionados com uma vida independente e autossustentada”.

Para esse autor, a primeira e principal exclusão advém dos próprios mecanismos constitutivos da sociedade capitalista, em especial nos países periféricos e subdesenvolvidos, ao relegar extensos contingentes populacionais a uma condição de miséria absoluta ou, no máximo, de subsistência. Nesse aspecto, como em muitos outros, a questão de classe social influencia fortemente a participação das pessoas portadoras de deficiência (PPDs) na vida de sua comunidade. Nas classes sociais menos privi-legiadas, continua sendo “natural” pessoas com deficiência viverem da mendicância e mergulhadas no analfabetismo. Nas classes sociais privilegiadas, muitas dessas pessoas desfrutam de certos privilégios, sobretudo se comparadas com seus semelhantes mais afastados dos grandes centros urbanos.

A segunda exclusão é devido à condição de portar uma “diferença restritiva” nas áreas físicas, sensoriais, cognitivas ou, ainda, comportamentais, que se situam em desacordo com os padrões esta-belecidos como produtivos, eficientes, funcionais ou mesmo de beleza.

O autor salienta que o preconceito que advém da não conformidade com os padrões não existe apenas no caso das pessoas portadoras de deficiência, mas também existe em outros grupos sociais entendidos como minorias: negros, mulheres, homossexuais, entre outros.

Entretanto, para esse autor, no caso dos outros grupos citados, já existe um nível de discussão mais maduro e articulado em diversos níveis que, se ainda não são suficientes para a superação das respectivas exclusões, já constituem um patamar de visibilidade social mínimo. Com as “pessoas porta-doras de deficiência” isso ainda não ocorre na mesma proporção:

De fato, advindas das próprias limitações das suas “diferenças restritivas” somadas à inadaptação do meio social (espaço construído, meios de transporte, acesso à educação etc.) e agravadas, sobretudo, por uma visão e uma prática social assistencialista e paternalista com as quais suas questões são tradicionalmente entendidas e tratadas, as “pessoas portadoras de deficiência” têm sido historicamente objetos da ação e da piedade social. A condição de “não sujeito” da sua vontade começa pouco a pouco a ser superada através das lutas de seus diversos movimentos sociais organizados e dirigidos pelas “pessoas portadoras de deficiência”. (LIPPO, 2004)

Como ressalta Lippo, ainda são raras as políticas sociais para esse grupo social que contam com a participação ativa e propositiva dos interessados:

A sua história é a história construída por seus porta-vozes, seus “legítimos” representantes que se apropriaram de um discurso e de um espaço mínimo de poder, encastelaram-se nele e têm sistematicamente se oposto à participação protagonista daqueles que, em última análise, são a razão de existir das políticas. (LIPPO, 2004)

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48 | Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades

Pequeno histórico do desenvolvimento do conceito de inclusão

Pode-se encontrar a ideia de inclusão, integração e igualdade em muitos momentos na história da sociedade ocidental. O ideal democrático a ser alcançado pelas lutas de classes que culminaram com a Revolução Francesa tinha como pressuposto oferecer a todos os grupos sociais condições de vida satisfatórias e oportunidade de participação dentro da sociedade (BUENO, 2008). Entretanto, os problemas, contradições e antagonismos que se colocavam como obstáculos para a construção desses ideais foram muitos.

A distribuição desigual da riqueza material e cultural parece ter sido o grande obstáculo para que os ideais de liberdade e de igualdade fossem realmente acessíveis a todos (BUENO, 2008).

Até os anos 1970, porém, considerava-se que tais ideais eram possíveis de serem alcançados e que se estava construindo por meio das lutas dos movimentos sociais (negros, mulheres, deficientes físicos etc.) dos final dos anos 1960, uma sociedade que haveria de superar esses obstáculos. Nos anos 1980, com a queda do Muro de Berlim e fim do comunismo soviético, aliado aos processos de globali-zação da produção capitalista e a ofensiva neoliberal, parece que se entrou numa nova era que colocou em cheque as possibilidades de construir uma sociedade mais justa e igualitária (BUENO, 2008).

Entretanto, novos movimentos sociais aliados a certos setores da mídia crítica, principalmente entre os países ricos, passam a tomar conhecimento das questões sobre desigualdade, que fizeram com que tanto o setor público quanto o privado passassem a tomar iniciativas e desenvolverem projetos, como o de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, por exemplo, no sentido de enfren-tarem os problemas em relação à questão da desigualdade social.

Dentro desse contexto, uma série de projetos foi iniciada e a discussão da inclusão social toma um novo fôlego também na academia.

Entretanto, esse deslocamento do eixo de discussão – da sociedade democrática para a sociedade inclusiva – pode significar, segundo Bueno (2008), uma tentativa de encobrir os processos de geração dessa massa de excluídos, típica da sociedade neoliberal. A inclusão social não pode ser vista como um processo em si mesmo, dissociado de outros. Devem-se considerar os mecanismos de exclusão adotados pela sociedade capitalista, como o modelo de desenvolvimento econômico, entre outros fatores (CARVALHO, 2001).

Nesse sentido, o conceito de inclusão social deve ser discutido partindo das questões relativas à inserção e deve aprofundar a análise no sentido de relacioná-la ao conceito de exclusão e às maneiras como esta vai sendo criada e recriada pela sociedade capitalista. É fundamental não esquecer que muitos dos efeitos da exclusão são irrecuperáveis. Em termos psicológicos, a autoestima dos excluídos vai se desestruturando, calcada em autoimagens negativas. O sentimento de menos-valia que se desenvolve em decorrência dessa, intensifica comportamentos de apatia, de acomodação ou de reações violentas, talvez como mecanismos de defesa. Entretanto, a exclusão produz, ainda, efeitos nos aspectos econômicos, culturais, políticos etc. Do ponto de vista econômico, por exemplo, pessoas excluídas dificilmente saem da condição de dependência ou de pobreza (CARVALHO, 2001).

Frente a essa realidade, em que as condições materiais de existência são muito adversas para se alcançar um ideal democrático, é preciso, então, redobrar esforços teóricos e práticos para atingir um ideal social inclusivo e criar espaços de resistência a esse destino (BUENO, 2008).

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49|Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades

Igualdade de oportunidades Na agenda política de quase todos os países, o princípio da igualdade de oportunidades repre-

senta um valor inalienável e se considera como o ponto de partida obrigatório ao qual devem remeter- -se as estruturas econômicas e sociais, além de ser o fundamento das demandas de todas as políticas sociais implantadas a partir dos movimentos sociais das PPDs.

Tal princípio – de igualdade efetiva de direitos ou igualdade de oportunidades –, supõe a neces-sidade de que todas e cada uma das pessoas têm a mesma importância, que o respeito à diversidade humana deve inspirar a construção das sociedades e que devem ser empregados todos os recursos disponíveis para garantir a todos os cidadãos oportunidades iguais de participação na vida social.

O princípio de igualdade de tratamento parte de duas vertentes:

Igualdade formal:::: – concebida como direitos do cidadão de obter tratamento igual por qualquer dos motivos estabelecidos pelas normas jurídicas.

Igualdade como diferenciação:::: – igualdade substancial ou material que, partindo de dife-renças reais existentes entre os grupos tratados desigualmente, legitima a introdução de desi-gualdades para restabelecer a igualdade socialmente ignorada.

Ambos os conceitos se relacionam de formas distintas. A primeira diferenciação para a igualdade indica que para a sociedade tornar-se mais igualitária e justa requerem-se políticas sociais que tratem desigualmente aqueles que são desiguais com o objetivo de reduzir a sua situação de desvantagem.

A segunda, igualdade como diferenciação, entende que em uma sociedade igualitária as relações sociais se caracterizam pela diferenciação ou diversidade entre os distintos grupos que não implica dominação nem relações injustas entre eles.

Pode-se observar que, na prática, existem inumeráveis políticas baseadas na acepção da diferenciação para a igualdade, por exemplo: as cotas universitárias, doação de bolsas de estudos, subvenção para contratação no mundo do trabalho de grupos desfavorecidos ou de baixa representatividade social.

De acordo com Devlieger (2003), o entendimento da questão da igualdade e da diferença tem sido assunto de muitos debates sociológicos que transcendem as questões sobre a deficiência física e tentam ampliar o debate a todos os grupos com baixa representatividade social. Os conceitos mais recentes sobre essa questão giram em torno da crença de que “somos diferentes, mas iguais”, enfocando a questão da diferença. Em outras palavras, a concepção de que na realidade somos iguais, mas diferentes, modifica o foco da questão para a igualdade. Igualdade de direitos e de deveres, inclusive o direito à diferença, ou seja: “somos iguais, diferentes são as nossas necessidades”. Enfatiza-se que a igualdade diz respeito aos direitos humanos e não às características das pessoas ou à igualdade como padrão, como uniformidade.

Com a concretização dessa mudança de perspectiva teórica é que se pode esperar uma evolução conceitual mais igualitária: somos iguais e diferentes, sem ênfase em uma ou outra característica. Tal visão poderá construir novos conceitos que ajudarão no processo de criação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Uma sociedade aberta a todos, que estimula a participação de cada um, aprecia as diferentes experiências humanas e reconhece o potencial de todo cidadão é denominada sociedade inclusiva. A sociedade inclusiva tem como objetivo principal oferecer oportunidades iguais para que cada pessoa

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seja autônoma e autodeterminada. Dessa forma, a sociedade inclusiva é democrática, reconhece todos os seres humanos como livres, iguais e com direito a exercer sua cidadania (CORRÊA, 2005, p. 9).

É um modelo de sociedade que parte do princípio de que todos os homens têm o direito de contribuir com seus talentos para o bem comum. A sociedade inclusiva deve estar estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, dos privilegiados aos marginalizados (WERNECK, 2000). Ratza (2001, p. 21), define a sociedade inclusiva da seguinte maneira:

É uma sociedade para todos, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, orientação sexual ou deficiência; uma sociedade não apenas aberta e acessível a todos os grupos, mas que estimula a participação; uma sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experiência humana; uma sociedade cuja meta principal é oferecer oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano.

Refere-se ao respeito à diversidade na perspectiva da construção de uma sociedade que, embora diversa, ofereça aos seus cidadãos condições crescentes de vida digna, produtiva e satisfatória (BUENO, 2008; FáVERO, 2004). Um lugar onde as diversidades sejam aceitas e respeitadas no convívio sociocultural, contribuindo para a autonomia e a participação de todos, sem discriminação.

Acessibilidade: integração e inclusãoÉ muito importante ressaltar que o conceito de inclusão também tem sido bastante debatido nos

meios acadêmicos. Pode-se dizer que a ideia de integração é um tipo de desenvolvimento do conceito de normalização, por meio dos quais a sociedade desejava adaptar ou modificar o ser humano: atendido, mas igualmente segregado dentro de instituições. Essa discussão tem se aprofundado no sentido de se pensar num tipo de conceito de antiexclusão para que antigos paradigmas possam ser substituídos por conceitos de inclusão.

É dentro dessa perspectiva que se considera hoje a acessibilidade e a inclusão como conceitos a serem debatidos. É importante lembrar que tal proposta visa criar espaços e ambientes não separados ou para uso exclusivo das pessoas com deficiência, o que seria uma forma de discriminação, mas produ-zindo ambientes que desde o projeto sejam pensados para todos de forma sadia e segura, sem tornar nítida a limitação que alguém possa vir a enfrentar (CREA-SP, 2003; FáVERO, 2004).

Os processos sociais, de integração e de inclusão, são ambos muito importantes, uma vez que a ação de integração social pode ser uma parte decisiva na medida em que cobre situações nas quais haja resistência contra a adoção de medidas inclusivas dentro de organizações e de espaços excludentes da sociedade (SASSAKI, 2005).

Deve-se, entretanto, ressaltar a diferença existente entre ambas. O termo contemporâneo de inclusão social apresenta sentidos distintos para os dois processos sociais.

Na integração (FáVERO, 2004; SASSAKI, 2005), a sociedade admite a existência das desigualdades incorporando grupos excluídos, por exemplo, inserindo pessoas com deficiência que consigam adaptar-se e estejam preparadas para interagir em sociedade.

O mérito da proposta da integração está em seu apelo contra a exclusão e a segregação de pessoas com deficiência. Todo esforço é concentrado no sentido de promover a aproximação entre a pessoa com deficiência e o ambiente (mundo) comum.

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Contudo, o peso da responsabilidade de se prepararem para serem integradas à sociedade é colocado sobre as pessoas com deficiência. Nesse caso, a sociedade é chamada a deixar de lado seus preconceitos e aceitar as pessoas com deficiência que realmente estejam preparadas (SASSAKI, 2005).

Na inclusão, existe a necessidade de haver sérias modificações prévias em diversos aspectos da sociedade para que as pessoas com deficiência possam se desenvolver e exercer sua cidadania plena. Desse modo, todos fazem parte da mesma comunidade e se garante a adoção de ações para evitar a exclusão por não a aceitar como condição intrínseca da sociedade (FáVERO, 2004; SASSAKI, 2005).

De acordo com Sassaki (2005), é muito importante lembrar que não são todas as pessoas com deficiência que necessitam de uma reestruturação geral da sociedade. Algumas estão aptas a se inte-grarem na sociedade como esta se encontra ou se nela forem realizadas adaptações básicas no meio físico. Contudo, a situação de exclusão não deixa de existir para aquelas com limitações que a impedem de se integrar. Esse grupo não poderá participar plena e igualmente da sociedade se esta não se tornar inclusiva e democrática.

A construção da sociedade inclusiva deve utilizar múltiplos mecanismos para promoção da qualidade de vida das pessoas e fundamentar seu planejamento na realidade e necessidade de cada comunidade, o que ocorre com a participação da comunidade, com metas e ações políticas objetivas que ampliem a possibilidade de inclusão social.

Como apresenta Sassaki (2003), uma sociedade inclusiva trabalha sob a inspiração de princípios, tais como: celebração das diferenças, direito de pertencer, valorização da diversidade humana, contribuição de cada pessoa, aprendizado cooperativo, solidariedade humanitária, igual importância das minorias em relação à maioria, cidadania com qualidade de vida, entre outros. Nesse sentido, pressupõe uma ressignificação da sociedade, em que todos, com ou sem deficiência, seriam beneficiados, pois esta desenvolve sentimentos sadios frente à diferença, como a cooperação e a solidariedade (CARVALHO, 2001).

Para Werneck (2000), a concretização de tais ideias depende de alguns fatores, tais como a promoção de campanhas sérias (fazendo da mídia uma aliada) que instiguem no público reflexões capazes de romper com paradigmas estabelecidos sobre a deficiência, garantindo, assim, a ampla convivência de pessoas com e sem deficiências. Uma questão importante ressaltada pelo autor é sobre o papel da família na conscientização da criança que tem o direito de ter informações corretas sobre o que os adultos consideram limitações, restrições e anormalidades. Além disso, a escola deveria instituir um fórum de debates ampliando a discussão sobre as diferenças individuais.

Inclusão e deficiênciaDe acordo com Dischinger (2006, p. 16), por se tratar de um problema complexo que envolve

desde a capacitação do indivíduo com deficiência até a garantia de seus direitos sociais, a inclusão depende de cinco elementos diretamente relacionados entre si:

as condições do meio ambiente sociocultural e econômico que determinam a atribuição legal ::::de direitos, a existência de políticas de integração, a existência de recursos financeiros, a visão e as ações de inclusão ou discriminação;

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as condições de atendimento médico para a recuperação ou melhoria fisiológica dos diferentes ::::tipos e níveis de deficiência;

as atividades de reabilitação, treinamento e educação que visam aumentar a competência do ::::indivíduo, melhorando a sua performance na realização de atividades;

as condições do meio ambiente físico que podem tanto impedir, dificultar, atenuar ou melhorar ::::a performance de atividades desejadas;

a utilização de Tecnologias Assistivas (TA), as quais incluem equipamentos, produtos e serviços ::::utilizados para manter ou melhorar as capacidades funcionais de indivíduos com deficiências.

As ações e as justificativas da inclusão, presentes na Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, aprovada no Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva” em 2001, apelam aos governos, empregadores e trabalhadores, bem como à sociedade civil para que se comprometam e desenvolvam o desenho universal em todos os ambientes, produtos e serviços (SASSAKI, 2002). O autor acrescenta que o objetivo maior dessa parceria é o de identificar e implementar soluções de estilo de vida que sejam sustentáveis, seguros, acessíveis, adquiríveis e úteis. Tal ação demanda planejamento e estratégias de desenho intersetoriais, interdisciplinares e interativos.

Para o autor, o desenho acessível e inclusivo de ambientes, produtos e serviços aumenta a eficiência, reduz a sobreposição, resulta em economia financeira e contribui para o desenvolvimento do capital cultural, econômico e social, o que de certa maneira faz com que todos os setores da sociedade sejam beneficiados.

A declaração enfatiza ainda a importância do papel dos governos em assegurar, facilitar e moni-torar a transparência do processo de implementação dessas políticas, programas e práticas para que os princípios do desenho inclusivo sejam incorporados nos currículos de todos os programas de educação e treinamento.

Texto complementar

Discriminar funcionário no trabalho(nOtARIAnO, 2008)

O que é discriminação? É o rompimento com o princípio da igualdade de competição que tem como consequência a exclusão do funcionário ao restringir seu acesso e procedimento na sua função até a sua retirada definitiva do cargo que ocupa. A discriminação tem origem no preconceito que pode ser visto como uma atitude insensata, predefinida cuja natureza agressiva fere o direito fundamental do funcionário no desempenho de seu trabalho. Preconceito e discriminação são atitudes precipitadas, prejulgadas, premeditadas e impostas ao ocupante de uma função. O artigo 1.º da Convenção 111 da OIT define a discriminação nas relações de trabalho como: – Toda distinção,

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exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por feito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego e profissão.

O mesmo artigo 1.º, no tópico 2, refere-se às qualificações exigidas para uma determinada função que não são consideradas discriminação, pela incompatibilidade do trabalho. Por exemplo, para ser locutor de uma rádio, professor ou qualquer trabalho assemelhado que dependa 100% da oratória, não se contratará um deficiente de fala. Nem os próprios deficientes procurariam esse tipo de trabalho. Mesmo sabendo que hoje tudo depende de comunicação verbal, existem muitas pro-fissões e funções até verbais que essa deficiência não influenciaria em nada no desempenho.

Como forma de proteção aos discriminados, deparamo-nos com exigências legais em ingressos às diversas carreiras, quando a lei determina uma reserva percentual de vagas para deficientes qualificados para a função almejada. Isso significa proteção quando o candidato assume sob essas condições, do contrário, mediante uma contratação normal, ele se torna vulnerável tanto quanto outros trabalhadores, isto é, estará à mercê de preferências [...]. Com bom senso o julgador analisa quais as exceções, disfarçada ou não assumida.

São dois os tipos de discriminação: direta e indireta. A maneira indireta de discriminar é a mais difícil de se identificar porque ela se apresenta de forma disfarçada, irrelevante, aparentemente neutra e sensata, com uma roupagem de boa-fé em relação ao funcionário. A vítima se torna presa fácil porque o algoz se apresenta travestido de cordeiro com alma de lobo e se tornam difícil a acusação e defesa, pois o discriminado é a parte fraca. Nesse ponto é que entra a figura do juiz para decidir qual parte está equivocada. O que se nota é uma cultura desenfreada de preconceitos e discriminação dirigidos a funcionários que não atendam a exigências e determinações pessoais de alguma liderança e, por consequência, o descarte por meio do assédio moral, na tentativa de destituí-lo do cargo ou função e, muitas vezes, até desligá-lo da instituição. Consequências drásticas pesam sobre o funcionário, a começar pelo isolamento imposto involuntariamente pelos próprios colegas de trabalho, que em muitos casos não sabem a fiel realidade.

Coação e intimidação são as armas das lideranças, como eu já tive a oportunidade de presenciar. O convívio profissional torna-se difícil, com reflexos na família que sofrem junto as consequências pela atitude fria, maldosa e desqualificada vinda de um líder notadamente desequilibrado, que optou por discriminar um funcionário com qualificações técnicas e condições de exercer a função.

Já foi comprovado, por tese, entre psiquiatras e psicólogos, o assediado moralmente nunca é afastado de suas funções por capacidade a menos, e sim por capacidade a mais, e as maiores vítimas são os funcionários discriminados por alguma razão oculta entre a liderança. Basta rever as aptidões desse funcionário para chegar à verdade dos fatos. A condição de deficiente não retira dele em nenhum momento a aptidão para desempenhar sua função habitual por vários anos consecutivos, além da experiência comprovada que o funcionário adquiriu ao longo da carreira. Mais uma vez o juiz deverá julgar com sapiência onde está o equívoco a partir do momento da discriminação. Comenta-se que julgar um caso de discriminação é difícil para alguns juízes que não conseguem ver argumentos legais capazes de identificar a discriminação.

Eu não acredito que, em pleno século XXI, com tantas fontes de conhecimento, fatos relevantes na vida profissional do funcionário à mercê de interesses pessoais e a maneira como ele diz ser tratado na empresa, cause alguma dúvida nos juízes. É para isso que são juízes, para julgar e corrigir

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as falhas da lei quando esta apresenta algum texto em dúbio ou mesmo quando omite algum tópico importante para o julgamento. Devem ser consideradas no julgamento as ausências textuais e as imperfeições a que estão sujeitas algumas leis. Diga-se de passagem, julgamentos também servem para aprimorar as falhas legais quanto aos textos propostos. De outra óptica estão sendo julgados seres humanos e não objetos com especificações técnicas dentro de um procedimento licitatório. Na Constituição de 1988 também não existe uma definição clara quanto à discriminação, afinal não há a necessidade de conceituar o que é morrer quando um assassino comete um homicídio.

O efeito devastador do ataque discriminatório à dignidade de um homem é muito penoso e o rótulo, quando é retirado, deixa marcas, sequelas memoráveis, imensuráveis e sem preço a se estimar. Como seria a compensação para essas perdas? Dinheiro que o funcionário deixou de ganhar? Quem traria de volta um cônjuge que padeceu por essa atitude diabólica de um líder macabro? Quem traria de volta um filho que se perdeu por esses motivos? Quem traria de volta a felicidade que foi extirpada daquele lar? Quem devolveria a saúde física e mental do funcionário em questão? Cabe ao juiz julgar imparcialmente, e subsídios para isso hoje não faltam.

O que tenho lido sobre o tema causa a impressão que os responsáveis por esse ato danoso e penoso à dignidade humana queiram justificar erros e apresentam tantos subterfúgios quantos forem necessários, capazes de descaracterizar a discriminação e até jogar a culpa na vítima. Os exemplos de dois textos que tive a oportunidade de apreciar sobre orientação de rotinas demonstram notadamente cláusulas discriminatórias e até humilhantes. No momento de exigir do participante retórica expressiva, sem problema de comunicação para apresentar sugestões em nome do grupo ou isoladamente, não percebem que a orientação vai para grupos de diferente formação e, mesmo que não existam entre os grupos pessoas com deficiências, depara-se com pessoas humildes, sem escolaridade, tímidas e que gostariam de participar. Seria então uma cláusula discriminatória, e o julgador não teria dificuldades em identificá-la. Parece até uma ordem mundial, excelência nas contratações, querem todos perfeitos. Aí cheguei à conclusão que alguns tipos de deficiência estão fadados ao descarte, não terão chances no mercado de trabalho.

Atividades1. Faça a distinção entre os vários tipos de discriminação. Dê exemplos.

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2. Faça uma crítica aos conceitos de inclusão e integração social a partir do tema da integração dos deficientes no mundo do trabalho.

3. Faça uma análise do conceito de igualdade como diferenciação e amplie o debate para outros grupos de baixa representatividade social.

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Gabarito1. Entre os tipos de discriminação serão levados em conta alguns, pois existem inúmeros tipos. A

discriminação moral, citada no texto, é provavelmente a que mais atinge pessoas. Esse tipo de discriminação afeta a dignidade, coloca em questão a capacidade do indivíduo e proporciona danos não só profissionais como morais em uma pessoa.

Existe a discriminação por sexo, e as mulheres são as que mais sofrem com isso, porém não são as únicas, mas sabe-se que até hoje mulheres com o mesmo cargo recebem um salário significativamente menor que os homens, e o assédio sexual encarado com naturalidade por muitos. Isso implica a visão social da mulher colocada como minoria e prejudicada por não ser levada a sério em um ambiente de trabalho, sendo tratada como menos capaz que homens.

Há também a discriminação racial que ainda hoje é muito forte, mas esta se esconde atrás de protecionismo ou questões como status social. Negros são os mais prejudicados na questão da discriminação racial, e como as mulheres, também recebem um salário menor que os “brancos” que ocupam o mesmo cargo.

Pode-se citar a discriminação por conta da sexualidade de um indivíduo. Muitos homossexuais têm que esconder sua sexualidade para que possam manter seu emprego. A sexualidade implica humilhação, e muitas vezes ao se assumir homossexual perde seu cargo.

Discriminação por idade, isso atinge desde jovens que ingressaram a pouco no mercado de trabalho ou idosos que já estão há muito tempo nele. Ambos são vistos como incapazes de realizar uma tarefa de forma bem-sucedida. O jovem é considerado despreparado e muitas vezes diminuído por não ter “experiência necessária”. Já os idosos são considerados incapazes porque são vistos como relapsos, com mentalidade fechada e incapazes de aprender novos conceitos e formas exigidas pelo mercado de trabalho.

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58 | Questões contemporâneas sobre diversidade humana, discriminação e igualdade de oportunidades

2. É necessário que exista a inclusão de deficientes no mercado de trabalho, pois todos, portadores de deficiência ou não, possuem capacidade para participar do mercado de trabalho, mas isso deve ser feito de forma que não seja mais excludente ainda. Existem hoje muitas formas de inclusão que geram ainda mais discriminação, criando vagas específicas para deficientes para garantir sua participação em determinada função. No entanto, essa forma de inclusão se torna uma forma de exclusão quando acaba, de certa forma, afirmando uma incapacidade do deficiente que não poderia teoricamente conseguir uma vaga ao competir com uma pessoa não portadora de deficiência, e faz também com que os seus companheiros de trabalho o diminuam, pois acreditam que sua presença naquele cargo se dá somente devido à sua deficiência e não à sua capacidade como trabalhador.

3. O conceito de igualdade como diferenciação implica situações desiguais que necessitam medidas desiguais, as cotas universitárias, doação de bolsas de estudos, subvenção para contratação no mundo do trabalho de grupos desfavorecidos ou de baixa representatividade social. Tudo isso é, na verdade, mais uma forma de discriminação que acaba por proporcionar um protecionismo que desqualifica a capacidade real dos indivíduos. No entanto, esse é um debate muito delicado, pois sem as cotas as bolsas e a subvenção muitas pessoas não teriam oportunidades. O problema, na verdade, não é a existência dessas diferenciações, mas sim a forma como são feitas, pois muitas dessas diferenciações acabam se tornando caridade, e subestimam a capacidade real do indivíduo privilegiado pela igualdade como diferenciação.

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Pensando a acessibilidade

Conceitos geraisNão existe uma definição universalmente aceita que designe acessibilidade. Esse termo pode

ter múltiplas interpretações dependendo de quando e onde seja aplicado. Aparentemente não existe relação entre o acesso a uma edificação para uma pessoa com problemas de mobilidade, a possibi-lidade de interpretar um texto escrito por uma pessoa cega ou ter acesso a uma mensagem sonora por parte de uma pessoa surda. No entanto, tudo isso é acessibilidade, assim como é também aces-sibilidade a possibilidade de uma pessoa estrangeira ou com deficiências intelectuais entender a sinalização dos aeroportos, ou de uma mulher entrar em um ônibus aos nove meses de gravidez ou com um carrinho de bebê.

De modo geral, pode-se definir acessibilidade como o conjunto de características de que deve dispor um entorno, produto e serviço utilizáveis em condições de conforto, segurança e igualdade por todas as pessoas e, em particular, por aquelas portadoras de algum tipo de deficiência.

A acessibilidade é, portanto, um termo que abrange diversas áreas do conhecimento e as aplicações que afetam a todo tipo de pessoa. É de fundamental importância para o planejamento de políticas sociais, é entendida também em relação a algumas formas básicas de atividade humana nas barreiras de acesso se mostram com maior frequência: mobilidade, comunicação, compreensão e (ou manipulação).

A mobilidade é toda ação que implica tanto deslocamento ou traslado da própria pessoa de um ponto a outro em todas as direções (vertical, horizontal etc.) como apreensão e alcance de objetos, seja por meios próprios ou mediante alguma ajuda externa ou meio de transporte.

A comunicação é o processo pelo qual se emitem, se recebem ou se trocam informações entre duas ou mais pessoas, de maneira direta ou indireta, por meio da linguagem falada, escrita, gesticulada ou de símbolos.

A compreensão é a capacidade de entender a informação que se recebe durante a comunicação, seja interpessoal ou por meios físicos, eletrônicos ou virtuais; trata-se do processo pelo qual a pessoa

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60 | Pensando a acessibilidade

que recebe a mensagem (o receptor) entende o significado daquilo que o emissor quis transmitir, qual-quer que seja o código no qual este se expresse. É importante ter claro que comunicação não é sinônimo de compreensão. Quando a mensagem ou a informação que se emite não chega a ser compreendida, a comunicação é parcial: a informação circula, mas não pode ser utilizada.

O uso faz referência a toda manipulação, utilização e/ou interação entre uma pessoa e um objeto, dispositivo, elemento, espaço etc. para seu aproveitamento. Por uso entende-se a capacidade de manipular e usar de forma eficiente um produto, serviço ou entorno, tanto físico quanto virtual. O uso eficiente quer dizer que os equipamentos devem poder ser utilizados por todas as pessoas independentemente de suas características físicas ou sociais.

Essas quatro dimensões da acessibilidade se encontram intimamente relacionadas e se comple-mentam. Por exemplo: só se pode falar de utilização efetiva (uso) de um produto ou serviço na medida em que:

este esteja ao alcance da pessoa (mobilidade e apreensão);::::

entenda-se o funcionamento ou a maneira da utilização (compreensão); e::::

seja simples, cômodo e de manipulação segura.::::

Nesse sentido, deve-se pensar na acessibilidade como um processo complexo que requer que todas as partes se integrem, ou seja, não basta que funcione apenas uma das dimensões, mas sim, quando for o caso, fazer com que todas as etapas sejam cumpridas de maneira que todo processo que envolva a utilização seja acessível.

Ao analisar essas dimensões – de onde deriva uma importante quantidade de atividades que vão desde a higiene pessoal até o uso dos transportes públicos – pode-se reconhecer mais facilmente as necessidades de acessibilidade.

Cabe ressaltar que as necessidades de acessibilidade que uma pessoa possa ter surgem em relação a um determinado contexto: não há necessidade da acessibilidade por si só, mas ela aparece na medida em que o entorno no qual se encontra o serviço ou o produto que tenha que utilizar não esteja adaptado ou não possa ser adaptado facilmente às suas características e capacidades.

Em busca de indicadores de acessibilidadePara Teske (2005, p. 359), uma das questões sobre a qual a Sociologia pode contribuir é na busca

de indicadores sociais capazes de medir a eficácia das políticas sociais aplicadas para a promoção da autonomia dos indivíduos: “Existem indicadores de acessibilidade nas instituições e comunidade? Há possibilidade de se transcender o caráter compensatório das ações e dos programas de enfrentamento da desigualdade social?”

Para esse autor, a dificuldade está no mapeamento e avaliação qualitativa das ações e dos investimentos públicos, privados e do terceiro setor no que se refere aos projetos sociais implementados nesse campo, bem como dos reflexos que podem produzir principalmente no interior dos movimentos sociais das pessoas com deficiência, mas também da sociedade de forma ampliada, que permitam verificar a qualidade da acessibilidade prestada à população, bem como ultrapassar os limites das avaliações quantitativas.

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Nesse sentido, é necessário aprofundar a reflexão sobre os conceitos e produzir conhecimento teórico-metodológico acerca de experiências fundamentadas em contextos nos quais as pessoas com deficiência sejam os sujeitos principais: “Produzir um estudo teórico que possa subsidiar as políticas públicas referentes à desigualdade invisível, que ultrapasse a Economia, a Educação e adentre a Socio-logia” (TESKE, 2005, p. 360).

Especificamente, é necessário desenvolver metodologias de análise teórica sobre as dimensões e a efetivação dos programas de acessibilidade já implementados em todas as esferas.

Se a Sociologia da Acessibilidade trata de criticar e superar o entendimento de que a mera presença ou disponibilidade dos recursos assegura sua plena utilização pela população, tais indicadores permitem a identificação dos fatores que facilitam ou dificultam a busca, obtenção e utilização dos equipamentos de acesso, sejam eles quais forem.

Dimensões da acessibilidadeComo ressalta Fekete (1995), para a elaboração de uma tipologia de barreiras para a acessibilidade

podem ser utilizadas diferentes dimensões.

Para a autora, uma vez que a acessibilidade é resultado de uma série de combinações e fatores de distintas dimensões, pode-se classificar as principais, como as geográficas, organizacionais, sociocul-turais e econômicas.

Acessibilidade geográficaEssa dimensão reflete a distância média entre a população e os recursos. No entanto, acessibilidade

geográfica não se mede apenas pela distância, já que uma determinada região pode apresentar caracte-rísticas físicas que impeçam ou dificultem o acesso da população. É o caso da existência de rios, morros, autoestradas e outros. Assim sendo, a acessibilidade geográfica deve ser medida em função do tempo que, pelos meios habituais de transporte, consome-se para obter acesso a algum tipo de serviço.

Não é possível fixar uma única medida ideal de acessibilidade geográfica, pois o tempo adequado para sua análise depende do tipo de necessidade. Existem, portanto, distintos níveis de acessibilidade para diferentes necessidades, as quais, por sua vez, devem estar cobertas por distintas características do recurso.

Deve-se observar que a existência da acessibilidade geográfica não necessariamente garante a possibilidade de utilização dos recursos por parte da população. Isso ocorre devido a interferências de outros elementos que fazem com que a população não utilize os serviços mais próximos de seu local de moradia. Cada um desses elementos (credibilidade do serviço, por exemplo) pode influir sobre a acessibilidade geográfica. Para avaliar a acessibilidade real, cabe a seguinte questão: que motivos levam a população a procurar serviços mais distantes de seu domicílio?

Acessibilidade organizacionalEssa dimensão da acessibilidade está representada pelos obstáculos que se originam nos modos

de organização dos serviços. Os obstáculos podem estar na entrada ou no interior do equipamento ou

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serviço, ou seja, os aspectos que vão desde o contato inicial com o serviço, tais como dificuldades em obter informação, até o tipo de atendimento, como o treinamento do pessoal, os turnos de funciona-mento etc.

Também devem ser considerados os obstáculos na continuidade da assistência, já que são ainda incipientes os mecanismos de avaliação de acesso. Para Fekete (1995), os obstáculos não se limitam ao contato inicial com o serviço, mas também aos que podem seguir-se dentro dele e nos demais níveis do serviço. Em geral, os indicadores que melhor expressam essa dimensão da acessibilidade se relacionam com o tempo real de espera para conseguir o atendimento. Esse tempo real deve ser calculado a partir do instante em que surge a decisão de procurar os serviços. O detalhamento desse indicador permite analisar o grau de ajuste relativo às seguintes questões: turnos de funcionamento; caráter complementar das atividades e ações; adequação do quadro de pessoal, das instalações e dos equipamentos e integração dos serviços.

Acessibilidade socioculturalA acessibilidade sociocultural refere-se à apreciação do entendimento e apreensão dos reais motivos

que determinam a busca por determinado tipo de serviço. Um serviço que tenha a acessibilidade como filosofia de trabalho deve levar em conta a relação direta que se estabelece entre o pessoal de atendimento e a população a ser atendida. Muitos estudos ressaltam os problemas de relacionamento causados pelas diferenças socioculturais entre profissionais de atendimento e usuários dos serviços, que vão desde o vocabulário utilizado pelos profissionais, muitas vezes pertencentes a uma classe social distinta dos usuários, até os valores que não contribuem para sua comunicação, com distintos grupos da população.

Para Fekete (1995), os obstáculos relativos à acessibilidade sociocultural podem ser enfocados sob as perspectivas da população e dos serviços a serem avaliados. Quanto à população, cabe destacar: percepção que o indivíduo tem sobre suas reais necessidades; nível de conhecimento sobre as ofertas existentes sobre o tipo de serviço que necessita; dificuldades de comunicação com o pessoal de atendi-mento; muitas vezes, o sentimento de vergonha ou medo da discriminação social.

Quanto aos serviços, deve-se considerar: formação de profissionais desvinculada da realidade das condições de vida da população; falta de preparo das equipes e das instituições frente à diversidade das pessoas com características socioculturais; e insipiência dos processos e participação dos usuários na organização do serviço.

Acessibilidade econômicaTendo em vista que o acesso igualitário aos serviços é um princípio constitucional, não deveriam

existir barreiras de ordem econômica à utilização desses serviços.

Observa-se, entretanto, que a oferta insuficiente faz com que o gasto em serviços privados de todos os tipos das famílias brasileiras seja muito elevado. Esse gasto inclui o consumo de tempo, energia e recursos financeiros para a busca e obtenção do serviço, além dos prejuízos por perda de dias de trabalho etc.

O indicador mais utilizado para medir a acessibilidade econômica é a taxa (nível) de emprego. Isso porque vários estudos têm demonstrado que quanto maiores os níveis de emprego maior a utilização dos serviços privados.

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No caso dos serviços públicos de saúde, Fekete (1995) ressalta serem estes um indicador relativo, uma vez que, de maneira geral, são utilizados pela população de mais baixa renda, à exceção dos serviços de atenção hospitalar. A autora salienta que o estudo da acessibilidade econômica deve estar estreitamente vinculado às outras dimensões da acessibilidade.

Desse modo, a construção de indicadores e a análise dos obstáculos que se interpõem entre a população e os recursos não é tarefa fácil, pois requerem a análise de importantes aspectos sociais e apolíticos.

No que se refere ao estudo da acessibilidade em seu sentido mais restrito, visando determinar o grau de ajuste entre as características de uma determinada população, observa-se que o principal entrave à sua análise encontra-se na forma de organização dos serviços públicos. A insipiência dos processos de acessibilidade aos serviços pode ser considerada o principal limitante do processo de avaliação e, por via de consequência, do estudo de acessibilidade.

Apesar dessas dificuldades, entende-se que a definição de uma metodologia para medir indica-dores de acessibilidade deve levar em consideração as dimensões descritas, a fim de que os avanços teóricos, relativos à sua implantação efetiva, transformem-se em práticas no interior dos serviços.

Acessibilidade universalO termo acessibilidade é geralmente acompanhado do adjetivo universal, aludindo a que a

condição de acessibilidade deve ser estendida a qualquer entorno, produto ou serviço, sem exceção e que todos os cidadãos, sejam quais forem suas condições, devem ser considerados nela. Entende-se que a acessibilidade universal inclui a ideia de conceber sem barreiras tudo o que se cria ou se desenha novo, mas também incorpora a adaptação progressiva daquilo que já está feito mas que coloca barreiras para a utilização de todos. De fato, a ideia da acessibilidade universal e seus conceitos transversais passaram a fazer parte das agendas políticas nos últimos anos e estão no topo da lista das políticas sociais no futuro imediato.

É importante ressaltar que mesmo com a tendência de se sublinhar o caráter universalista da acessibilidade o uso desse adjetivo não pressupõe uma concepção diferente ou mais geral. Ao falarmos em acessibilidade, não estamos nos referindo apenas à possibilidade de entrar em edificações ou outros equipamentos, mas também à de sermos entendidos e atendidos adequadamente. A possibilidade de utilizar todos os serviços e dispositivos existentes e ter condições de segurança, tudo isso considerando qualquer que seja a particularidade do indivíduo (físicas, sensoriais e mentais), deve dispor das mesmas oportunidades de qualquer outro usuário.

Para Lippo (2005, p. 346), a acessibilidade deve ser considerada uma qualidade adicional do entorno urbano, portanto, não deve ser vista de forma separada, mas na globalidade do meio e em suas inter-relações. Nesse sentido, o conceito de acessibilidade universal supera com acréscimos o conceito de supressão de barreiras à mobilidade em áreas específicas nos momentos de planejar, projetar e construir. “Portanto, a acessibilidade, entendida no sentido de ação constitutiva do entorno urbano, engloba todo o conjunto do espaço construído, incluindo os aspectos da edificação, do urbanismo e do transporte em suas múltiplas interfaces”.

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Em resumo, considera-se acessibilidade universal as condições que devem cumprir todos os entornos, bens, processos, produtos e serviços, bem como os objetos ou instrumentos, ferramentas e dispositivos para serem compreensíveis, utilizáveis e praticáveis por todas as pessoas em con-dições de segurança e comodidade e da forma mais autônoma e natural possível, pressupondo a estratégia do desenho para todos.

O desenho para todos No final do século XX e no processo de tomada de consciência e reivindicações dos direitos das

pessoas portadoras de deficiência, teve início um movimento que questionava o fato de que a construção de entornos acessíveis não apenas não garantia a participação de todas as pessoas, como também não era suficiente apenas a eliminação de barreiras físicas ou de outros tipos. Talvez essa nem fosse a resposta adequada, uma vez que se trataria de um processo inacabável. Desse modo, muitos responsáveis por projetos arquitetônicos e urbanísticos passaram a incorporar, entre outras, duas premissas importantes. A primeira é a ideia da diversidade humana: muitas das exclusões e preconceitos, sobretudo com as PPDs, estão baseadas na ideia do ser humano-padrão. A segunda é a de que os edifícios podem ser “dificultadores” de acesso, inclusive inseguros. Por exemplo: uma escada na porta pode impedir a entrada de pessoas que têm dificuldades em subi-las em cadeira de rodas ou com carrinho de bebê, idosos, pessoas acidentadas etc.

Tais questionamentos levaram à constatação de que a maior parte das necessidades desse grupo de pessoas eram coincidentes com as de outros grupos da sociedade e que muitas das soluções adotadas seriam positivas para o conjunto da população. Em resumo, continuar construindo com barreiras para depois ter que suprimi-las não fazia sentido algum.

Desse modo, a ideia do desenho para todos, que, como o da acessibilidade, parte do pressu-posto de que todos somos diferentes (uns mais altos, outros mais lentos, outros mais velhos etc.) e que o mais adequado e eficiente seria conceber espaços, produtos e serviços de maneira que estes pudessem ser utilizados pelo maior número de pessoas na maior quantidade de situações possível. Assim, projetados desde o princípio, os espaços urbanos, os bens e serviços não se tornariam mais caros, evitando adaptações posteriores.

Nesse sentido, a ênfase na melhora da acessibilidade passaria primeiro pelo desenho para todos ou desenho universal que, independente de se referir a um produto ou à forma de planejar um serviço, deveria ser funcional e cumprir uma série de requisitos:

ser flexível no uso ou realização, de modo que seja utilizado diretamente pelo maior número ::::de pessoas (com diferentes habilidades ou em circunstâncias distintas) sem ajuda nem neces-sidade de elementos auxiliares ou modificações;

ser compatível com o uso de ajudas técnicas ou tecnológicas por parte daqueles que não ::::podem utilizar diretamente o serviço;

uso universal e simples (que considere as características físicas e sensoriais de toda a população);::::

informação perceptível;::::

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tolerância ao erro ou ao mau uso;::::

que requeira pouco esforço físico;::::

tamanho e espaço adequados para acesso, manipulação e uso.::::

O conceito de desenho universal coexiste com outros termos, tais como desenho inclusivo ou desenho integrador, menos conhecidos mas de significado similar. Nenhum deles anula nem substitui o conceito de acessibilidade na medida em que este não se refere apenas à concepção e ao desenho sem barreiras, mas sim à progressiva supressão destas quando existem previamente.

É importante ressaltar que um bom desenho universal deve ser invisível, não ser notado. Uma entrada com rampa suave para transpor os desníveis de uma edificação é uma solução mais adequada do que um elevador para cadeira de rodas fixado na escada, além disso todos os usuários são benefi-ciados por essa solução na medida em que ninguém precisará subir os degraus. Calçadas rebaixadas, acessos quase no mesmo nível da rua e ônibus de degraus baixos são soluções quase imperceptíveis e cuja origem foi tentar solucionar a acessibilidade das pessoas portadoras de deficiências. Em resumo, quanto mais geral e invisível a solução, melhor. A acessibilidade universal, quando está bem resolvida, não é notada e beneficia a todos.

Em resumo: o desenho para todos, ou desenho universal, é a atividade pela qual se concebe ou se projeta desde o princípio entornos, processos, bens, serviços, objetos, instrumentos, dispositivos ou ferramentas de forma que possam ser utilizados por todas as pessoas, sem exceção.

A incorporação dessas condições facilita a convivência sem hierarquias nem papéis estabelecidos, adaptada ao ciclo de vida, sem segregação ou discriminação de determinados coletivos, promovendo a participação e a visibilidade das diferentes identidades existentes.

Desse modo, a promoção da acessibilidade garante o planejamento, organização e gestão das políticas sociais em função da diversidade etnográfica e funcional que caracteriza a população atual e não em função da homogeneidade de características; promove a autonomia dos coletivos mencionados, satisfazendo suas necessidades mediante maior independência no uso e percepção dos diferentes espaços públicos, bem como os serviços e equipamentos urbanos.

Não se pode deixar de mencionar que a incorporação da acessibilidade na configuração, manutenção e gestão dos serviços é de competência do Poder Público, que deve adotar políticas sociais e programas que garantam o bem-estar de todos os cidadãos (satisfação de direitos e cumprimentos de deveres) e promovam sua autonomia (possibilidade de eleição, comodidade e segurança) seja atuando em favor da supressão dos fatores geradores da desigualdade e da marginalização, seja fomentando a coesão comunitária e a melhora da qualidade de vida de todos. Cabe, portanto, ao setor público liderar e motivar todas as iniciativas vinculadas ao desenvolvimento do desenho universal e assegurar o cumprimento da igualdade de direitos; sem deixar de lado a responsabilidade que tem o setor privado de levar a cabo iniciativas que apoiem a melhora da acessibilidade nos âmbitos que lhes concerne.

A inserção da acessibilidade universal de forma transversal em todos os espaços, equipamentos e serviços públicos é a chave para atingir o objetivo principal dessas políticas, que é incluir todas as pessoas, ou ao menos o maior número possível, no processo de planificação e aplicação de todas as ações, sejam públicas ou privadas, em temas como edificações, urbanismo, transporte, comunicação e informação. Portanto, considera-se que tanto uma pessoa com carrinho de bebê, um idoso, uma pessoa com deficiência permanente, quanto uma pessoa acidentada devem poder desfrutar dos mesmos espaços que as demais pessoas.

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Nessa perspectiva, o objetivo da acessibilidade e do desenho universal é o de oferecer soluções de acordo com essas múltiplas e variadas necessidades, diversidades de condições (características físicas, cognitivas, culturais) e eliminar a ideia de “maiorias” ou “normalidades” em seus projetos.

Desse modo, parece claro que ainda não se deva pensar que as únicas pessoas com problemas de acessibilidade são aquelas com alguma deficiência física permanente. Esse é o grupo prioritário no momento de pensar a questão do desenho e da acessibilidade universal.

Texto complementar

metodologia de atendimento e acesso de pessoas com deficiência a telecentros

De acordo com os dados do Censo de 2000, existem no Brasil cerca de 24,5 milhões de pessoas que apresentam algum tipo de incapacidade ou deficiência, o que corresponde a 14,5% da popu-lação brasileira. Desses, 8,3% apresentam deficiência mental; 4,1% apresentam deficiência física; 22,9% apresentam deficiência motora; 48,1% apresentam deficiência visual e 16,7% apresentam deficiência auditiva e surdez. A aplicação de tecnologias voltadas para a pessoa com deficiência já é parte da legislação brasileira. Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004 consolidou as leis de acessibilidade, os decretos 10.048 e 10.098 estabeleceram o prazo (2 de dezembro de 2005) para os telecentros comunitários instalados ou custeados pelos governos federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal possuam instalações plenamente acessíveis e, pelo menos, um computador com sistema de som instalado, para uso preferencial por pessoas com deficiência visual.

Com as tecnologias, métodos e programas disponibilizados e apoiados por marco legal, as pessoas com comprometimentos temporários ou permanentes poderão participar mais ativamente na construção de uma nova ordem social, na qual as pessoas com deficiência, com sua força de trabalho equiparada, terão um papel de destaque. Segundo a Organização Mundial do Trabalho, cerca de 70% da geração de renda do planeta resulta do uso das novas tecnologias de informação e comunicação. Propiciar acessibilidade nos telecentros é o ponto alto do trabalho de inclusão, já que, na nossa sociedade, as pessoas com baixo poder aquisitivo, por exemplo, somente têm acesso ao computador e às informações nele contidas quando estão num contexto de necessidade educacional ou profissional. As informações sobre ajudas técnicas – associadas a uma metodologia eficaz para o atendimento das pessoas com deficiência e pessoas com necessidades especiais, que contemple o treinamento de monitores – poderão resultar na inclusão digital, em harmonia com os mesmos programas que estão sendo implantados para toda a sociedade.

(Disponível em: <www.acessobrasil.org.br/index.PHP?itemid=873>. Acesso em: 10 fev. 2008.)

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Atividades1. De que maneira a Sociologia pode contribuir para o debate nacional sobre a acessibilidade?

2. Discuta com seus colegas os conceitos teórico-metodológicos fornecidos pela teoria sociológica que possibilitam a construção de indicadores qualitativos para a avaliação da acessibilidade.

3. Por que a questão da acessibilidade não é restrita somente aos portadores de deficiência física?

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ReferênciasDENARI, F. E.; KUBO, O. M. Temas em Educação Especial 2. (Orgs.). São Carlos: UFSCar, 1993, p. 25- 54.

FEKETE, M C. Estudo da Acessibilidade na Avaliação dos Serviços de Saúde. Texto elaborado para bibliografia básica do Projeto Gerus/Desenvolvimento Gerencial de Unidades Básicas de Saúde do Distrito Sanitário. Brasil, 1995, p. 177-184.

LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Relatório Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.

_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Relatório Azul, Assembleia Legislativa, 2004.

_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.

_____. Trajetórias recentes das pessoas com deficiência. Legislação, movimento social e políticas publicas. Relatório Azul 2004: garantias e violações dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2004 p. 234-253.

MARTíN, M. C.; JáUREGUI, M. V. G.; López, M. L. S. Incapacidade Motora: orientações para adaptar a escola. Porto Alegre: Artmed, 2004.

TESKE, Ottmar. As desigualdades invisíveis: acessibilidade universal em debate. In: Sociologia. Textos e Contextos. Canoas: Ulbra, 2005.

Gabarito1. Na busca de indicadores que apontem os principais pontos de manutenção e porcentagem

de portadores de deficiência, idosos, analfabetos e todos os outros indivíduos que sofram com as barreiras sociais em suas vidas. Sendo assim, traçam perfis populacionais que permitam a construção mais eficaz de uma política de inclusão.

2. São necessários para atender a um programa de acessibilidade digital comandos de fácil entendimento, como adaptação de teclados para braille, leitores de ecrã, isso para os portadores de deficiências visuais; para portadores de deficiência motora, é necessária a utilização de teclado virtual; e sintetizadores de voz para os portadores de deficiência de fala, em que os textos são transformados em voz. Esse programa deve atingir também pessoas que não têm fácil acesso à tecnologia.

3. Pois não são apenas os portadores de deficiência que compõem o número de pessoas que têm dificuldade para conviver na sociedade. Idosos, analfabetos, doentes mentais e pessoas com baixo poder aquisitivo também sofrem com a constituição de uma sociedade que não lhes dá oportunidade. Nesse âmbito, vale lembrar que todos têm capacidades diferenciadas para o trabalho e os estudos. Mas o que mais dificulta a situação desses indivíduos é realmente não poder conviver com independência e consequente dignidade em sociedade competitiva sem espaço para os que precisam de algum tipo de ajuda.

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Cidades e acessibilidadeDefinir o conceito de cidade não é fácil. Todas as cidades são constitutivamente distintas e

respondem a conceitos e desenvolvimento históricos diferentes. Não se pode definir todas as cidades contemporâneas da mesma forma, muito menos conceituá-las como a pólis grega de Aristóteles ou as cidades da Idade Média.

A cidade reflete especialmente as características sociais e econômicas de cada época e as relações de poder, ao mesmo tempo que condiciona e determina o comportamento e a vida de cada um dos indivíduos que formam os distintos grupos sociais.

É dada como o lugar da objetividade, um cenário para a ação, indiferente ao sexo dos indivíduos e às capacidades físicas dos que nele se movem. Entretanto, é o cenário que determina as ações possíveis e legítimas.

Pode-se dizer que a partir da Revolução Industrial as cidades se desenvolveram cada vez mais rapidamente. E nessa evolução as necessidades de produção e consumo e as prioridades estabelecidas pelas atividades econômicas adquiriram importância muito maior que qualquer outro aspecto relacio-nado com a convivência e a expressão dos valores culturais e sociais. No entanto, como toda construção cultural, está definida e atravessada por linhas de poder que a criam e interpretam. zonas abertas ou proibidas, liberdade de movimentos ou confinamento.

Uma questão que marcou profundamente a constituição das cidades contemporâneas se expressou em uma dicotomia que dominou o mundo urbano a partir do triunfo da ordem burguesa. Trata-se da dualidade público-privado. Ainda que esse seja um conceito em crise, permite situar a questão da acessibilidade nas cidades.

Um dos principais significados da separação do mundo público e do privado e sua distribuição desigual foi que do ponto de vista político a ruptura em duas esferas permitiu a autonomia individual frente à ideia de comunidade. O indivíduo deixaria de estar unido por vínculos econômicos, familiares e jurídicos à comunidade em que nasceu e passaria a ter um status próprio para desenvolver suas possi-bilidades vitais. Têm obrigações para com a sociedade reguladas por sua condição de cidadão, ou seja, pela relação com o Estado.

Essa mediação entre indivíduo e sociedade por meio do Estado torna possível sua participação nas determinações dessas obrigações mediante o sufrágio, e que estas tenham um caráter legal e não natural. O cidadão tem a obrigação de fazer a guerra e pagar seus impostos, mas o Estado não pode

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70 | Cidades e acessibilidade

obrigá-lo a trabalhar gratuitamente, a entregar sua propriedade, a escolher esta ou aquela profissão ou a se casar contra sua vontade.

Mas nesse contexto há uma questão importante, uma nova divisão entre o público e o privado que tem um sentido muito diferente: o que separa o mercado, a família, a produção e a reprodução.

A existência de um mercado que rege as relações econômicas para na soleira da porta, onde as normas que governam a existência não são as legais, mas os vínculos morais. A família se constitui como o último reduto contra a invasão da racionalidade econômica e da igualdade política, um mundo que deve ser preservado fora do contrato social.

A sociedade burguesa, desde o século XIX, diferencia o mundo profissional, exterior por meio do qual o indivíduo intervém no social (produzir e participar), e o mundo interior, o da reprodução no qual se cumprem as obrigações com os demais: ter filhos, mantê-los, dar conta das necessidades biológicas, cuidar dos idosos, enterrar os mortos, ou seja, ocupar-se de tudo aquilo de que o mercado não se ocupa por se tratar de atividades que não são divisíveis, quantificáveis, nem rentáveis.

A cidade é o espaço em que é possível diferenciar essas esferas. É um espaço de produção que responde às necessidades do capitalismo mercantil e industrial. É, por definição, o espaço da política: a política como esfera autônoma. A cidade é o lugar do pacto entre iguais, onde a autonomia individual, tanto econômica quanto política, é possível.

As transformações trazidas pelo século XX foram minando essas fronteiras rígidas entre o público e o privado. Não é mais evidente que a rua e a casa sigam existindo como esferas opostas. Na verdade, pode-se duvidar que a rua continue existindo em sua função de sociabilidade clássica. Em todo caso, como espaço simbólico as ruas perderam grande parte de sua força. Ao mesmo tempo em que não se pode continuar sustentando a ideia de que a casa é reduto que está a salvo do mercado, tendo em vista que de casa, por meio das tecnologias e por suas múltiplas funções, pode-se produzir, consumir, participar.

Paralelamente, o espaço público comum vai sendo privatizado. Um novo sentido da dicotomia público-privado, exclusivamente econômico, impõe-se sobre os outros significados. A diferença rele-vante parece ser a que separa aquilo que deveria ser gestionado pelo Estado e aquilo que é deixado para a iniciativa privada. Em outras palavras, o que se considera espaço comum, próprio da coletividade e o espaço privado intercambiável segundo as regras do mercado.

A função política da cidade decai e, em certa medida, sua função econômica e a sociabilidade tradicional, de vizinhança, cedem ante o avanço do uso privado do espaço público, uma tendência que vai aumentando nas moradias, no transporte, na segurança etc.

O espaço abstrato do mercado uniformiza e iguala todas as diferenças, toda marca da história e vai construindo um espaço sem história, um eterno presente no qual a cidade desaparece, convertida em um cenário para diversão e consumo. Na sociedade do espetáculo, na qual as pessoas estão perigosamente juntas (DEBORD,1992), há a vontade de destruir a rua. Trata-se de ilhar as pessoas em uma cidade que explode e invade todos os espaços que a circundam, de ilhá-las juntas, ou seja, em edifícios e casas iguais, repetidas, sem história, sem relações sociais diretas. Nas sociedades atuais, as diferenças de classe, as rela-ções sociais e as relações de produção vão ficando cada vez mais abstratas, mais invisíveis.

Para muitos autores, o urbanismo dos últimos anos baseou-se em uma série de erros de fundo que, por não terem sido suficientemente reconhecidos pelos círculos técnicos, deixaram de entrar na pauta dos desenhos urbanos da atualidade por mera inércia e porque não se adaptam muito bem às

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71|Cidades e acessibilidade

expectativas econômicas da máquina produtiva. O primeiro é a divisão estrita das funções que se opõe à complexidade e à mescla de usos e pessoas, característica das cidades tradicionais na intenção de solucionar os problemas higienistas e da poluição industrial. Nesse sentido, a partir de 1928, na Suíça começaram a ser realizados os Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAM), organização liderada pelos principais nomes da arquitetura moderna europeia a fim de discutir os rumos da arquitetura, do urbanismo e do design. Um dos seus principais idealizadores foi o franco-suíço Le Corbusier, considerado a figura mais importante da arquitetura moderna. Considera-se que uma de suas principais contribuições foi o entendimento da casa como uma máquina de habitar (machine à habiter), em concordância com os avanços industriais. Sua principal preocupação era a funcionalidade.

Os CIAM foram responsáveis por discussões e pesquisas inéditas até então, como a busca da resi-dência mínima e o design para as massas, que revolucionaram o pensamento estético, cultural e social do período, além disso, foram responsáveis pela definição daquilo que costuma ser chamado de international style: introduziram e ajudaram a difundir uma arquitetura considerada limpa, sintética, funcional e racional. Os CIAM consideravam a arquitetura e o urbanismo como um potencial instrumento político e econômi-co, o qual deveria ser usado pelo Poder Público como forma de promover o progresso social.

Talvez o produto mais influente dos CIAM tenha sido A Carta de Atenas, escrita por Le Corbusier e baseada nas discussões ocorridas na quarta conferência da organização. A Carta praticamente definiu o que é o urbanismo moderno, traçando diretrizes e fórmulas que, segundo seus autores, são aplicáveis internacionalmente. A Carta considerava a cidade como um organismo a ser planejado de modo funcional e centralmente planejada, na qual as necessidades do homem devem estar claramente colocadas e resolvidas. Entre outras propostas da Carta está a de que toda propriedade de todo solo urbano da cidade pertence à municipalidade, sendo, portanto, público.

A Carta de Atenas de Le Corbusier propõe uma cidade fragmentada em que cada função seja realizada em um lugar determinado. Nela, considerada um ícone da arquitetura moderna, são contem-pladas quatro funções urbanas:

habitar (a função residencial);::::

trabalhar (a função produtiva);::::

a função recreativa e de lazer;::::

a função de circular.::::

As cidades contemporâneas se caracterizam, portanto, pela separação entre as funções de habitar e trabalhar, ficando a função recreativa e de lazer ligada em grande medida à função comercial. Desse modo, impera a função de circular, ou seja, a que tem como finalidade conectar as outras três funções e o faz predominantemente mediante o uso do veículo público ou privado. Essa perspectiva, no momento do planejamento, organização e gestão da cidade, deixa de lado muitas outras atividades que se desenvolvem nela, como passear, relacionar-se, divertir-se etc. e responde a um modelo excludente no qual primam os valores da maioria ou dos coletivos representativos, ou seja, tende-se a homogeneizar o perfil dos habitantes sob o padrão do homem médio: entre 25 e 55 anos, que trabalha, tem veículo próprio, não é portador de nenhuma deficiência funcional e cuja função diária é comparecer ao local de trabalho, distante de sua residência, o mais rápido possível.

É a cidade dos centros comerciais, residenciais, industriais e dos hipermercados. Essa divisão das funções que cotidianamente os cidadãos fazem simultaneamente, implica um gasto enorme de tempo e energia para se deslocar pela cidade. Essa cidade, portanto, mostra-se hostil a todas as pessoas

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72 | Cidades e acessibilidade

portadoras de alguma deficiência ou fragilidade. Esse modelo urbano está baseado necessariamente na dependência do automóvel privado e em fortes investimentos em estradas e infraestrutura de transporte.

O espaço público, que era base de valores como convivência, foi invadido pelo automóvel e suas consequências (barulho, poluição, ocupação do espaço físico etc.). Há uma ideia generalizada de que o automóvel é um meio universal de deslocamento, mas todos os dados demonstram que essa é uma falsa ideia. A maioria das pessoas portadoras de deficiência, idosos, mulheres grávidas, quer seja por razões econômicas ou porque não desejam ter um automóvel particular, têm uma grande dificuldade de se deslocar nas grandes cidades.

A cidade está repleta de barreiras que dificultam a vida daqueles que se deslocam sem carro pela cidade e resultado é uma cidade em que as zonas para pedestres existem por exclusão do espaço que não é ocupado por automóveis.

As propostas que desenham uma cidade que favoreça o cotidiano, a proximidade, criticam o desenho urbano que segmenta e alarga as distâncias, destruindo a vida dos bairros e isolando aqueles que têm pouca possibilidade de mobilidade, que cria espaços monofuncionais que enfatizam o anonimato nas cidades globais, cuja única aposta é a competitividade.

As propostas aos conflitos de mobilidade, tendo como prioridade os deslocamentos sem auto-móvel, que facilitaria o cotidiano das pessoas portadoras de deficiência, mulheres grávidas, crianças, idosos etc., não podem estar desligadas de outras medidas centradas no fomento de transporte público para deslocamentos maiores. Por isso é necessário que esses meios adaptem seus desenhos às necessi-dades de deslocamento de pessoas com cadeiras de rodas, muletas, andadores, carrinhos de bebê etc.

Chama a atenção o fato de que as informações diárias sobre a cidade sejam fundamentalmente sobre os congestionamentos, o estado das estradas, mas quase nada é dito sobre a situação das calçadas, seu tamanho, a intensidade média de pedestres, ou do número de pedestres que não podem se locomover nas calçadas esburacadas ou com automóveis estacionados.

Alguns autores consideram que o fato de destinar basicamente o sistema de ruas à circulação motorizada foi um dos erros de fundo que deu lugar a atual decadência da maior parte das cidades.

Nos últimos anos, foi se desenvolvendo na arquitetura um pensamento crítico que visa criar um corpo teórico sobre o acesso universal nas cidades.

É importante ressaltar que já nos anos 1960 essas questões entraram em discussão a partir dos questionamentos feitos por Jacobs, em sua obra Muerte y Vida de las Grandes Ciudades, que criticava veementemente a arquitetura e o urbanismo praticados até aquele momento, partindo de uma análise da vida cotidiana de “pessoas reais, coisas reais e a vida real nas cidades”. Essa pensadora recorre e critica todo o corpo teórico assumido pelo urbanismo da época para introduzir conceitos que atualmente são a base dos documentos mais avançados sobre o tema: a complexidade das cidades, as possibilidades de comunicação entre os cidadãos, o controle social não policial da vida urbana. Incorpora também em sua análise aspectos econômicos, sociais e antropológicos da diversidade humana. Ou seja, antecipa o debate que agora é travado sobre a acessibilidade e o desenho universal.

Muitos desses questionamentos do urbanismo e da arquitetura moderna têm por objetivo situar os deficientes como sujeitos na cidade, uma vez que levam em conta que na dualidade público-privado aos deficientes coube o espaço privado ou do confinamento. De fato, o modelo médico que predominou como explicação para a deficiência transformou-os em doentes crônicos e os confinou basicamente aos espaços privados das casas familiares, dos lares assistenciais ou dos hospitais.

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Desse modo, considerando que o espaço construído não é neutro, suas formas e dimensões refletem os valores sociais dominantes. Esses valores estéticos, econômicos, políticos e ideológicos são os padrões estabelecidos como “normais” ou “naturais” e são estipulados e difundidos pela classe social hegemônica que os cria e reproduz. O espaço construído pode contribuir, portanto, para segregar ou integrar as pessoas. Toda e qualquer elaboração ou modificação do espaço construído tem de considerar os aspectos de funcionalidade e conforto para utilização humana. Portanto, faz-se necessária a adoção de padrões físicos do ser humano, que invariavelmente recaem em um tipo médio, abstrato e não relativizável, o que torna o padrão válido somente para os que se aproximam dele, segregando os demais.

Para Lippo (2004), essa questão não é meramente técnica, pois nela está implícito todo um referencial de valores acerca do padrão, que impõe autoritariamente e a priori o conceito de normalidade física. Para esse autor: “a questão adquire ainda maior gravidade se considerarmos que o padrão físico, além de abstrato e artificial, é elaborado fora da realidade brasileira, com parâmetros baseados nos biótipos europeus e norte-americanos” (LIPPO, 2004).

Nesse sentido, moldar o ser humano a um ambiente artificial criado pelo planejador é uma inver-são totalmente sem sentido. O espaço físico deve ser pensado em função do homem real, do homem “diverso”, do homem indivíduo, sempre limitado de uma ou outra forma, e não em função de um tipo padronizado, ideal e inexistente: “Daí poder-se afirmar que todas as articulações sociais ligadas a ele exprimem um conteúdo ideológico, que pode ser explícito ou não, mas que lhe imprime seus valores. Estes deixam de ser subjetivos e passam a ser coisa concreta, real e palpável”.

Para esse autor, a cidade planejada para o homem ideal (atleta) acarreta para o homem comum toda sorte de barreiras e perigos. Os acidentes diários, alguns dos quais com graves consequências, tornam-se rotineiros. Considerar as pessoas deficientes no planejamento urbano é importante, mas ainda é pouco, pois a maioria das pessoas continua massificada, padronizada. E a primeira consequência dessa padronização é o acidente. Conforme estatística da ONU/OMS (apud LIPPO, 2004), os acidentes da vida diária, tanto quanto os acidentes de trânsito e do trabalho, são campeões em criar deficiências ou em transformar pequenas diferenças, muitas vezes imperceptíveis em grandes diferenças. Um bom exemplo são os idosos. Segundo o Sistema único de Saúde (SUS) (apud LIPPO,2004), um terço dos atendimentos por lesões traumáticas nos hospitais do país ocorre com pessoas com mais de 60 anos. E o mais espantoso é que cerca de 75% dessas lesões acontecem dentro de casa, sendo que 34% das quedas provocam algum tipo de fratura. A maior parte desses acidentes (46%) acontece no trajeto entre o banheiro e o quarto, principalmente à noite. Há ainda a agravante de que a recuperação do idoso é mais difícil, e durante a convalescença ele fica sujeito a desenvolver doenças pulmonares e problemas nas articulações.

É nesse contexto que é possível falar em segregação urbana e barreira arquitetônica, mais preci-samente sobre como o espaço legitima o padrão humano artificial adotado:

Caso ainda mais altamente significativo é o da arquitetura que comporta uma prática específica, parcial e espacializada, ligada ao cotidiano. O encargo/encomenda social impõe ao arquiteto a realização de espaços que convenham à socie-dade, quer dizer, que “reflitam” as suas relações, dissimulando-as se possível (se não for muito oneroso) na paisagem. [...] Quando responde a um encargo/encomenda social (a dos “promotores” e dos “poderes”) o espaço arquitetural e urbanístico contribui, pois ativa e abertamente para a reprodução das relações sociais. (LEFEBVRE, 1973, p. 80-122)

Como explica Lippo, a homogeneização do padrão físico do ser humano e o estabelecimento de critérios absolutos de “normalidade” sem dúvida beneficiam a maximização do lucro, a “racionalidade” do processo produtivo, a minimização do “desperdício” (energia, matéria-prima etc.), o que torna a construção, tanto interior quanto exterior, massificada. Para esse autor, as consequências desse tipo de pensamento são: a produção em série, quantitativa, e o controle social: “Os conceitos do espaço, do

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cotidiano, do urbano, da diferença não fazem parte do sistema – do espaço dominado pela estratégia, do cotidiano programado, da homogeneização” (LEFEBVRE, 1973).

No interior desse pensamento que conceitua o padrão físico dos homens, há uma teoria geral sobre o controle social, uma vez que ao não relativizar o padrão físico explicita a ideia de uma sociedade conservadora, indiferenciada, sem espaço para as diferenças e para a transformação.

Para Castells, trata-se de uma política de controle social exercido a partir da massificação das cons-truções: “[...] a arquitetura não pode determinar o comportamento humano, mas deve haver certa conver-gência entre a organização espacial e formas de liberar ou oprimir as pessoas”. Para esse autor, o controle do espaço construído reflete a ideia do poder exercido acima e fora das classes sociais, retirando a possibili-dade da questão o conflito quanto à diferença e, principalmente, reduz as possibilidades da mudança. Por-tanto, “apolítica, humanitária, universalista e cientista, a ideologia do ambiente transforma a desigualdade social em entraves físicos e funde as classes sociais num exército único de escoteiros. Ela é, dessa forma, a expressão mais acabada (dado que mais generalizada) da ideologia do urbano” (CASTELLS, 1983, p. 65).

Nesse sentido, a discussão que fazem relacionando a acessibilidade, as cidades modernas e o exercício das liberdades fundamentais tem como embasamento ideológico o direito de todas as pesso-as levarem uma vida autônoma, tendo em vista ser a cidade uma concentração de população diversa de atividades: um produto físico, político e cultural complexo no qual se mesclam todos os tipos de identidades, diversidade de condições – características físicas, cognitivas e culturais diferentes.

Esses autores partem da ideia de que na vida cotidiana – sobretudo nas grandes cidades – diariamente se apresentam uma série de circunstâncias que podem dificultar o desenvolvimento de atividades comuns: caminhar pelas ruas, cruzar uma avenida, tomar um transporte público, pedir uma informação etc. Em relação às pessoas portadoras de deficiência, a dificuldade de se locomover em cadeira de rodas ou de muletas pelas calçadas, carregar sacolas ou empurrar um carrinho de bebê por uma cidade pensada para automóveis.

Essas dificuldades, também conhecidas como barreiras, produzem-se quando os espaços públicos, produtos e serviços não estão desenhados ou adaptados às necessidades e à capacidade das pessoas. Se levarmos em conta a diversidade das pessoas, de suas características, capacidades e necessidades, pode-se entender que todos podem deparar-se com produtos e serviços que não podem utilizar corretamente ou aceder com facilidade: idosos, crianças, obesos, altos, baixos, os que sofreram algum tipo de lesão, pessoas que levam carrinhos de bebê, todos enfrentam algum tipo de obstáculo. Quando os espaços, produtos e serviços são desenhados e estruturados sob o conceito de “normalidade” antropométrica, mental e funcional e não em função das necessidades, diferenças, capacidades e funções de todas as pessoas, surgem as barreiras, entendidas como qualquer impedimento ou obstáculo que limita ou impede o acesso, utilização, interação e compreensão de maneira normalizada, digna, cômoda e segura de qualquer espaço, equipamento e/ou serviço.

Algumas barreiras estão vinculadas diretamente ao espaço físico, outras à interação do indivíduo com seu entorno social, outras ainda aludem à dificuldade de captação das mensagens, sejam sonoras ou visuais, ao uso de meios técnicos, à falta de conhecimento etc. Desse modo, pode-se dizer que quando existem barreiras e estas causam limitações se produz algum tipo de exclusão.

Nesse sentido, muitas barreiras são geradas por atitudes despreocupadas ou falta de conhecimento, como fica claro na ocupação de calçadas por automóveis ou a má colocação do mobiliário urbano, árvores, lixeiras e outros.

Como consequência de todas essas barreiras, seja no entorno urbano, nos serviços ou nos equi-pamentos, muitas pessoas veem limitada sua autonomia e seu bem-estar. É necessário, portanto,

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eliminá-las e planejar, organizar e gerir a cidade de forma que todas as pessoas possam desenvolver sua condição de cidadania com comodidade, segurança, conforto e igualdade de condições.

Para se conseguir tal objetivo, e fazer da cidade um verdadeiro espaço de convivência humana em todas as suas dimensões, é necessária a inclusão da perspectiva da acessibilidade universal e do desenho universal em seu planejamento, organização e gestão.

Empreender um caminho para um urbanismo de igualdade não significa que se queira um plane-jamento que cubra necessidades especiais, pois isso significaria que essas necessidades são desvios em relação a normas que não as incluem: a cidade feita à medida do homem-padrão seria a cidade natural. O enfoque não é considerar os deficientes como um setor especial ou diferente da população. Qualquer cidadão tem o mesmo direito à cidade. E os grupos que não estão suficientemente representados no desenho e na gestão urbana constituem a imensa maioria da população.

Se o objetivo básico do urbanismo moderno é garantir a melhora da qualidade de vida a todos os cidadãos, é necessário conhecer e analisar todos os problemas, necessidades e demandas concretas de cada coletivo.

Por isso, o planejamento para a igualdade não é um planejamento contra o homem-padrão ou que favoreça apenas os grupos com baixa representatividade social. As vantagens de um planejamento para a igualdade beneficiariam a todos os grupos sociais.

Ao considerar as diferentes situações que cada pessoa enfrenta ao longo de todo seu ciclo vital, as necessidades de gênero, as diferentes capacidades e as diversas funções que as pessoas desenvolvem na sociedade, percebem-se as diferenças que distinguem umas das outras:

nem todas as pessoas trabalham e realizam algum trabalho fora de casa;::::

nem todas as pessoas possuem veículo próprio;::::

as pessoas se deslocam pela cidade de maneira diferente e com objetivos diversos;::::

existem formas diferentes de usar e perceber os espaços;::::

existem formas diferentes de usar e perceber os serviços e os equipamentos públicos.::::

Além disso, a população tende cada vez mais para a diversidade funcional, cultural, étnica e terri-torial, produzida, por exemplo, pelo envelhecimento da população. Deve-se acrescentar que as funções e papéis que as pessoas desenvolvem no entorno urbano têm sofrido mudanças para as quais a maior parte das cidades não está preparada.

Para além de conceber as cidades como espaços físicos, patrimônios históricos ou apenas entornos construídos, a arquitetura e o urbanismo críticos entendem a cidade como um ente vivo e complexo que tem uma identidade própria em cada época da história, em cada lugar e em cada país, um espaço onde se misturam identidades e diferenças, um espaço coletivo no qual convivem individualidades e por essa razão devem ser concebidas, estruturadas e gestionadas como espaços para a convivência humana em todas as suas dimensões.

Nela coexistem elementos integradores ou impedimentos que limitam a realização das liberdades fundamentais de alguns grupos sociais, impedem sua visibilidade e limitam sua autonomia. A cidade produz e reproduz a exclusão social, quando não facilita a mobilidade plena, impedindo o real sentido do conceito de cidadania.

Em outras palavras, a cidade deve dar a seus habitantes a condição de cidadãos, deve convertê- -los em pessoas titulares de direitos civis, políticos e sociais. Esses direitos à cidadania implicam sentir-

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se identificado com o lugar em que se vive, ser reconhecido pelos demais, ter visibilidade, identidade, oportunidade de formação e ocupação, dispor de equipamentos e espaços públicos, de mobilidade, de informação, comunicação etc. O status de cidadania é composto da capacidade de exercer as liberdades fundamentais relativas à vida e ao desenvolvimento integral das pessoas, da possibilidade de participação da vida pública e das aspirações de uma vida digna e bem-estar A cidadania é principalmente um status conformado pelo acesso aos recursos básicos para o exercício de direitos e deveres.

A condição de cidadania é o status conformado pelo acesso aos recursos básicos para o exercício de direitos e deveres das pessoas. Quando nos referimos à cidadania, não estamos apenas ressaltando o caráter jurídico de direitos e deveres, mas o possibilitar da reversão da lógica da relação população e Estado, que ainda se encontra impregnada de clientelismo e assistencialismo. A falta de acessibilidade a certos espaços, equipamentos urbanos ou serviços pode derivar na limitação de liberdades fundamentais, como o direito à educação, à cultura, às atividades recreativas e esportivas etc. Lutar por uma cidade acessível para todos é lutar por uma melhora na qualidade de vida na medida em que equipamentos, serviços e espaços mais cômodos, mais seguros e mais fáceis de usar promovem mais autonomia a todas as pessoas.

Nesse sentido, a cidade sob a perspectiva da acessibilidade pode ser entendida como a soma de todos os entornos ou espaços públicos, todos os serviços públicos e todos os produtos ou equipamentos à disposição de seus habitantes e que possibilitem a participação de todos os cidadãos. Para tanto, é fundamental enxergar a cidade sob uma óptica diferente, analisando no cotidiano dos deficientes, em especial no que diz respeito ao direito de participar ativamente na cidade.

E essa possibilidade de acesso aos recursos básicos para o exercício de direitos e deveres em igualdade de condições para todos implica que os espaços, serviços, produtos e equipamentos públicos ou de uso coletivo favoreçam a convivência, promovendo a possibilidade de encontro e relação de todos os habitantes da cidade em igualdade de condições. Além disso, tais equipamentos devem estar ao alcance de todas as pessoas, motivo pelo qual as estruturas e as condições administrativas e legais devem se adequar e se adaptar às necessidades de toda a população.

Uma perspectiva urbana de acessibilidade deve abordar elementos de mobilidade, comunicação, compreensão e uso dos espaços públicos, os serviços e os equipamentos ou produtos à disposição do cidadão. Isso significa levar em conta todos os elementos ou características do entorno urbano, e todos os equipamentos e serviços públicos que permitam sua utilização de forma independente e em condições de conforto e segurança por todos os cidadãos.

Essa nova forma de pensar o urbanismo supõe uma oxigenação criativa necessária devido à crise conceitual anteriormente comentada, uma oportunidade de renovação teórica. Nesse sentido, o urba-nismo e a política das cidades estão em pleno processo de mudança de valores e reconceituação.

Texto complementar

Futuro é da arquitetura para todosQuem sofre com calçadas esburacadas e falta de transporte adequado pode não acreditar, mas

a situação tende a melhorar na questão da acessibilidade. O conceito que especialistas chamam

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de universal design – ou projetar para todos – está ganhando espaço graças a dois fatores. Um é o aumento da população com mais de 60 anos em países em desenvolvimento, como o Brasil. O outro é o crescente número de vítimas da violência que se tornam deficientes.

As normas no país estão incorporando o universal design e sua proposta de criar serviços, pro-dutos e ambientes para serem usados pelo maior número possível de pessoas. “Na revisão da nor-ma 9050, no ano passado, fizemos uma pesquisa da realidade brasileira, como a altura média da população, o tamanho médio das mãos, o número de idosos”, diz a arquiteta Maria Beatriz Barbosa, coordenadora da Comissão de Acessibilidade na Comunicação da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

As projeções do IBGE justificam a preocupação dos especialistas. Estima-se que, em 2050, a população com mais de 60 anos ultrapasse 35 milhões de pessoas, num total de 249,2 milhões de habitantes. Esse número será quase igual ao de habitantes com menos de 15 anos. “As pessoas estão vivendo mais por conta da medicina melhor, da engenharia, da biotecnologia”, diz Beatriz.

E a adequação, mesmo em coisas simples como o tempo dos semáforos, é essencial. “A marcha de um idoso é três vezes mais lenta que a de um jovem”, diz a arquiteta Adriana de Almeida Prado, coordenadora da Comissão de Acessibilidade de Edificações e Meios da ABNT, que cita Itália e Estados Unidos da América como exemplos de países que já convivem bem com essa realidade.

Em São Paulo, não é preciso ser idoso ou deficiente físico para ter dificuldades de locomoção. A enfermeira Maria Aparecida Ribeiro Silva reclama dos degraus, buracos e desníveis da Brigadeiro Luís Antônio, uma das principais avenidas da cidade. “Tenho problemas no joelho e desço com difi-culdade. Pessoas idosas não andam muito por aqui”. Considerado exemplo por idosos e deficientes no quesito atendimento, o metrô tem estações sem escadas rolantes, como a Conceição. ‘É uma pena, porque é uma região onde mora muita gente’, reclama a aposentada Isilda Queirós.

Na Consolação, só há elevador numa das saídas. As demais têm escadas rolantes que só funcionam para subir. O sentido pode ser invertido por um funcionário. Mas como alguém com dificuldades para descer vai chamá-lo? Especialistas chamam a atenção para outro fato, o crescimento do número de paraplégicos vítimas de armas de fogo e acidentes de carro. Segundo o ortopedista Antonio Carlos Fernandes, 45% dos casos de lesão na medula atendidos na Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) são provocados por tiro. “Apesar de o Brasil ser campeão mundial em acidentes de trânsito, arma de fogo é a principal causa de lesão medular”, diz. “Estamos varrendo areia da praia”.

O desempregado Ronaldo Luiz Miranda entrou para as estatísticas há quatro anos, ao ser baleado nas costas. Católico, nunca entrou na Catedral da Sé, no centro, porque não conseguiria ir sozinho à igreja, apesar da rampa na lateral. “Moro em Pirituba e dependo dos outros para sair de casa”, explica.

Especialistas esperam que as novas construções eliminem obstáculos para pessoas como Ronaldo. Adriana afirma, com base em estudos realizados na Suécia e nos Estados Unidos, que uma obra nova feita dentro dos padrões técnicos fica entre 0,5% e 1% mais cara. “Com certeza, tornar uma construção acessível depois de pronta aumenta muito mais os gastos”.

(Disponível em: <www2. uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/eficientes/noticias/ge130905.htm>.

Acesso em: 10 fev. 2008.)

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Atividades1. Deveria haver um maior envolvimento da iniciativa pública (governos) e da privada (construtoras,

incorporadoras etc.) na questão da acessibilidade? Que forma de envolvimento?

2. Pensando na aula e no texto complementar, discuta a questão da importância da adaptação do meio urbano para a inclusão.

3. O desenho universal ou desenho para todos é algo próximo da realidade brasileira?

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79|Cidades e acessibilidade

ReferênciasCASTELLS, M. A Questão Urbana. São Paulo: Paz e Terra, 1983.

DEBORD, G. La Societé du Spetacle. Paris: Gallimard, 1992.

JACOBS, J. Muerte y Vida de las Grandes Ciudades. Madrid: Peninsula, 1973.

LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Relatório Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.

_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Relatório Azul, Assembleia Legislativa, 2004.

_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.

_____. Trajetórias recentes das pessoas com deficiência. Legislação, movimento social e políticas publicas. Relatório Azul 2004: garantias e violações dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2004 p. 234-253.

Gabarito1. A implantação de uma política integrada para acessibilidade, promovendo interface entre

os setores do governo federal, estadual e municipal e seus departamentos, permeando as diversas áreas como urbanismo, edificações, transportes e tecnologia, garantirá a possibilidade de inclusão de uma pessoa com deficiência e consequentemente no mercado de trabalho, possibilitando assim que essa pessoa se torne um “cidadão”.

2. Podem-se criar políticas sociais, movimentos, leis e etc., mas enquanto não houver uma mudança nas cidades, será inviável uma convivência normal das pessoas portadoras de deficiência nos centros urbanos. Na aula, foi apontado que por meio de mudanças sutis nas cidades é possível proporcionar enormes mudanças na vida dessas pessoas. Portanto, é importante que o desenho universal seja aplicado para começar a tornar possível o estabelecimento de uma sociedade inclusiva.

3. Não, apesar de o Brasil participar e desenvolver muitos projetos e programas para a acessibilidade, a questão urbana ainda é um tema muito difícil no país. Os metrôs, como mostra o texto complementar, que serviriam como uma grande ajuda do transporte público, na acessibilidade não funcionam como deveriam, os ônibus apresentam dificuldade para que seus passageiros possam entrar, as ruas são esburacadas, calçadas são estreitas, os prédios têm acesso restrito etc. Todas essas coisas são apenas alguns dos pontos que apontam para o distanciamento do Brasil do desenho universal.

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Políticas sociais e legislações pelos direitos à cidadania plena das PPDs

As legislações internacionais para as pessoas portadoras de deficiências (PPDs)

Em 1948, a Organização das Nações Unidas (ONU) decretou a Declaração Universal dos Direitos Humanos a partir da qual todos os homens deveriam ser considerados iguais e receberem igual atendimento em suas necessidades fundamentais e deveriam também servir para equilibrar os direitos das pessoas portadoras de deficiência (COHEN, 1998).

A primeira legislação internacional de peso foi a dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de dezembro de 1971 conseguida a partir da organização e pressão tanto dos pais e responsáveis por pessoas com deficiência quanto dos profis-sionais e técnicos que com elas trabalhavam. Para Lippo (2004), porém, essa lei ainda mantinha a pessoa com deficiência na condição de objeto da solidariedade alheia. Para esse autor, já no artigo 1.º nota-se a ênfase na ideia de concessão, de tolerância com restrições à sua condição de ser humano: “O deficiente mental deve gozar, no máximo grau possível, dos mesmos direitos dos demais seres humanos” (apud LIPPO, 2004).

A Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes de 1975, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, apesar de avançar em relação à anterior, ainda mantém o caráter de concessão:

As pessoas deficientes têm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus

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concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível. (apud LIPPO, 2004, p. 239)

A partir das demandas sociais desse grupo em nível mundial, que requeriam a equiparação de direitos e um tratamento mais amplo e diferente do que o da reabilitação ou da tolerância, a Assembleia Geral da ONU decretou o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência e inaugurou a década das pessoas portadoras de deficiência. Como resultado mais importante tem-se, em 1982, o Programa Mundial de Ação sobre Pessoas Portadoras de Deficiência, que destacou o direito das pessoas portadoras de deficiência a terem as mesmas oportunidades que os demais cidadãos.

Para Lippo (2004), este pode ser considerado o primeiro texto que enfoca a questão dos direitos humanos das pessoas com deficiência de uma perspectiva inclusiva e não concessiva, uma vez que destaca a intenção de “promover medidas eficazes para a prevenção da deficiência e para a reabilitação e a realização dos objetivos de igualdade e de participação plena das pessoas portadoras de deficiência na vida social e no desenvolvimento” (apud LIPPO, 2004, p. 241).

O Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência define como igualdade de oportuni-dades quando a sociedade e todos os seus serviços – habitação, transporte, saúde, educação, trabalho, lazer, esporte – estejam acessíveis a todos. Nesse sentido, o programa sublinha que não são as medidas de reabilitação que possibilitarão tal igualdade, tendo em vista que:

[...] o princípio de igualdade de direitos entre pessoas com ou sem deficiência significa que as necessidades de todo indivíduo são de igual importância e que essas necessidades devem constituir a base do planejamento social e todos os recursos devem ser empregados de forma a garantir uma oportunidade igual de participação a cada indivíduo. (apud LIPPO, 2004, p. 242)

Em 1983, como consequência do Plano de Ação Mundial, foi realizada, em Genebra, a Convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes. Essa convenção obteve uma importante conquista no âmbito do mundo do trabalho no sentido da emancipação e autonomia da pessoa porta-dora de deficiência. Reconhece-se, nessa convenção, a capacidade produtiva e de autossustentabilidade dessas pessoas, destacando a necessidade da igualdade de oportunidades, bem como a inclusão em condições regulares de trabalho. Nesse documento aparece pela primeira vez a distinção de gênero na tentativa de eliminar a ideia de que a pessoa com deficiência é assexuada além da necessidade da arti-culação das PPDs com os trabalhadores em geral:

Essa política deverá ter por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilitação profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas deficientes e promover oportunidades de emprego para as pessoas deficientes no mercado regular de trabalho. [...] Essa política deverá ter como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral. Dever-se-á respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. (apud LIPPO, 2004, p. 242)

A mudança social necessária para envolver grupos que estariam excluídos por falta de condições está contida no texto da Resolução 45/91, aprovada em 14 de dezembro de 1990, da ONU, segundo o qual “a Assembleia Geral solicita ao secretário-geral uma mudança no foco do programa das Nações Unidas sobre deficiência, passando da conscientização para a ação, com o propósito de se concluir com êxito uma sociedade para todos por volta de 2010” (apud FáVERO, 2004).

Em 1992, a ONU assina um documento bastante relevante que designa o dia 3 de dezembro como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência em comemoração ao término da década. Por meio desse ato, a Assembleia considerava que ainda faltava muito para que fossem resolvidos os problemas de inclusão social das pessoas com deficiência em todo o mundo. A data escolhida coincide com o dia da adoção do Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência pela Assembleia Geral da

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ONU. O objetivo é manter permanente a necessidade de construir continuamente políticas de inclusão social e de equiparação de oportunidades, além de manter vivo o esforço empreendido na última década, gerando conscientização, compromisso e ações que transformem a situação das pessoas com deficiência no mundo.

Em 1993, foram aprovadas pela ONU as Normas Uniformes de Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência elaboradas com base na experiência adquirida ao longo da década.

A finalidade dessas normas é garantir que as pessoas portadoras de deficiência na qualidade de membros de suas respectivas sociedades possam ter os mesmos direitos dos demais, bem como as mesmas obrigações e os mesmos deveres. As Normas Uniformes ressaltam fundamentalmente a importância das possibilidades de acesso como base para a realização das seguintes liberdades fundamentais:

o direito à educação;::::

o direito ao emprego;::::

o direito à vida em família e integridade pessoal;::::

o direito à cultura;::::

o direito a atividades recreativas e esportivas;::::

o direito à participação na vida religiosa. ::::

As Normas Uniformes foram definidas como um instrumento que permite vigiar o respeito aos direitos humanos das pessoas portadoras de deficiência. Tais normas, ainda que careçam de alguns ajustes, podem ser utilizadas como base para muitas políticas sociais sobre a deficiência. Ainda que estas não sejam obrigatórias no sentido estritamente jurídico do termo, supõe um compromisso moral e político por parte dos Estados para a adoção de medidas e para fomentar a cooperação e o desenvol-vimento de políticas a favor da igualdade de oportunidades.

Também em 1993, a Declaração de Viena reitera a posição internacional de que as pessoas porta-doras de deficiência estão incluídas no âmbito da proteção proporcionada pela Carta Internacional dos Direitos Humanos:

A Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos reafirma que todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são universais e a sua observância inclui as pessoas com deficiência. Todas as pessoas nascem iguais e têm os mesmos direitos à vida e bem-estar, à educação e ao trabalho, à vida autônoma e à participação ativa em todos os aspectos da sociedade. Qualquer discriminação direta ou outro tratamento discriminatório negativo de uma pessoa com deficiência constitui, por isso, uma violação dos seus direitos. (item 63.º, apud LIPPO, 2004, p. 243)

Para Lippo (2004), em que pese às disposições da Declaração de Viena, as pessoas com deficiência continuam ausentes dos procedimentos dos Órgãos de Controle da Aplicação dos Tratados das Nações Unidas. Em seus relatórios a questão da deficiência é omissa, o que leva à conclusão de que os Estados-membros não evidenciam a implementação de medidas de salvaguarda dos direitos humanos das pessoas com deficiência. Nesse sentido, o movimento das pessoas com deficiência em nível mundial discute a pertinência da implementação de uma convenção internacional que promova e proteja os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência. Em nível internacional, em especial no âmbito das discussões dos movimentos sociais, têm crescido a ideia de considerar a deficiência sob o ponto de vista dos direitos humanos. Uma das propostas atuais é a promoção de uma Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas portadoras de deficiência.

Em 1994, em Salamanca, na Espanha, realizou-se a Conferência Mundial, em que 92 países e 25 organizações internacionais assinaram a Declaração de Salamanca Sobre Princípios, Políticas e Práticas

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na Área das Necessidades Educativas Especiais. Esse documento ressalta a importância da educação para todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação.

Documentos desse porte foram enfatizando os pontos fundamentais para a inclusão integral das pessoas portadoras de deficiência, dando assim início à conscientização da sociedade sobre o outro lado da inserção, o lado da necessidade de modificarmos a sociedade para inclusão de diversos grupos de pessoas (SASSAKI, 2004).

Contudo, as leis e as ações governamentais não são o fator mais importante dentro do foco da prática inclusiva, elas apenas auxiliam pela necessidade de seu cumprimento, criando conscientização social em algumas parcelas específicas da sociedade e, dessa forma, facilita a mudança social, objetivo mais trabalhado e necessário dentro da realidade atual. Não se espera que uma sociedade inclusiva se estabeleça rapidamente, ela aguarda por mudanças concretas que podem demorar a serem efetivadas e talvez muitos de seus conceitos deverão ser reestruturados. Essa é uma realidade que sempre acompanhou a temática dos excluídos. Tem-se, como exemplo, a dificuldade das pessoas com deficiência quanto à acessibilidade ao meio físico.

A legislação no BrasilNo Brasil, a legislação que trata do tema da deficiência existe desde o período imperial. Lippo

destaca que a legislação então existente no período espelhava a concepção paternalista e assistencialista dominante acerca da pessoa com deficiência, e cuja temática gravitava em torno da saúde, educação e da assistência social.

É, portanto, a partir da Constituição de 1988 que, recolhendo e contemplando o que havia de mais avançado para o período, quer em termos de tratados internacionais ou mesmo de legislações de outros países, que no Brasil o substrato legal começa a possibilitar que o país possa ter hoje uma posi-ção de destaque no cenário internacional.

Entretanto, tais direitos ainda estão longe de serem reconhecidos de fato, como o direito a ter um trabalho reconhecido, utilizar plenamente os transportes públicos etc. tendo em vista que não se considera que a satisfação desses direitos sejam motivos suficientes para modificar critérios arquitetônicos, normas ou fazer maiores investimentos em infraestrutura.

A realidade brasileira tem mostrado que os direitos das pessoas portadoras de deficiência estão muito além de sua concretização. O lado mais factível e real da vida dessas pessoas ainda possui muitos limites para ser realizado. Ainda existem inúmeras barreiras físicas, como calçadas estreitas, com pavimento deteriorado e com obstáculos difíceis de serem detectados por pessoas portadoras de deficiência visual; portas demasiado estreitas para que se passe uma cadeira de rodas; escadas inacessíveis em edifícios; elevadores pequenos e sem sinalização em braille; ônibus, trens e aviões inacessíveis; telefones e interruptores de luz colocados fora da área de alcance ou inexistência de banheiros adaptados. Essas barreiras são o resultado da despreocupação e do despreparo dos técnicos das diversas áreas.

Com frequência, preconceitos, estigmas e discriminações, por parte da sociedade brasileira, também levam a um alto grau de exclusão das pessoas portadoras de deficiência da vida social e cultural.

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Muitas leis surgiram nas três esferas da Administração Pública brasileira: a federal, a estadual e a municipal para garantir os direitos das pessoas portadoras de deficiência à educação, ao trabalho, à habitação e ao acesso aos serviços e instalações de saúde e lazer, a eliminar barreiras físicas e naturais e a acabar com a discriminação contra essas pessoas.

As leis certamente representaram uma conquista das pessoas portadoras de deficiência pelo fundamental direito humano de serem reconhecidas como diferentes, mas nem por isso desiguais. O não reconhecimento do direito à cidadania dessas pessoas ainda faz parte do seu cotidiano, apesar de seus direitos serem plenamente assegurados.

De qualquer maneira, essas leis simbolizaram o começo de um momento em que se tomou cons-ciência que era tempo de partir das ideias, das leis e das normas aos atos. De toda forma, há hoje no Brasil uma legislação, resultante da conscientização social e da mobilização do movimento representa-tivo das pessoas com deficiência, desde a muito preconizada por vários organismos nacionais e interna-cionais. Esses direitos, na Constituição do Brasil, são expressos principalmente através e derivados dos dispostos no Título I “Princípios Fundamentais” e Título II “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” dos quais é deduzida uma importante legislação que regulamenta esses direitos.

Do grande número de leis, decretos, portarias e normas referentes às pessoas com deficiência em nosso país, quer seja em âmbito federal, estadual ou municipal, pode-se sublinhar as que são conside-radas mais importantes por sua abrangência.

Entre as leis federais destaca-se a Lei 7.853, de 24 de outubro de 19891 que:

[...] dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.

E a Lei 10.098, de 19 de dezembro 2000, conhecida como Lei da Acessibilidade que “[...] esta-belece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências”. Atualmente encontra-se tramitando no Congresso Nacional o projeto de lei que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que visa consolidar em um único texto legal todo o escopo de legislações pertinentes à temática, além de ampliar alguns direitos e garantias. Para muitos autores esse estatuto poderá fazer avançar a tomada de consciência do conjunto da sociedade, a exemplo do que ocorre com os estatutos da criança e adolescente e do idoso, acerca da realidade de exclusão a que está submetida a maioria da população portadora de deficiência.

Esse documento, chancelado pelo governo brasileiro, foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto Legislativo 3.956, de 8 de outubro de 2001, da Presidência da República. Portanto, no Brasil ele tem tanto valor quanto uma norma constitucional, já que se refere a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, estando acima de leis, resoluções e decretos.

Sua importância está no fato de que define como discriminação toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, 2, “a”), além de esclarecer que não constitui discriminação

1 Disponível em: <www.institutointegrar.org.br/DocumentosLegislacao.htm> Acesso em: 10 fev. 2008.

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a diferenciação ou preferência adotada para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência (art. I, 2, “b”).

O Brasil também é signatário das resoluções criadas pela Convenção da Guatemala, realizada em 1999 na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, que foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto 3.956, de 8 de outubro de 2001, da Presidência da República. Portanto, no Brasil, o documento tem tanto valor quanto uma norma consti-tucional, já que se refere aos direitos e às garantias fundamentais da pessoa humana, estando acima de leis, de resoluções e de decretos (FáVERO, 2004).

Conceitos legais de pessoa portadora de deficiênciaConforme os dados do Censo Populacional de 2000 e dos dados da Organização Mundial de

Saúde (OMS), existem 24,5 milhões de portadores de deficiência no país, representando 14,5% da popu-lação brasileira. É importante frisar a importância desse número, bastante superior aos levantamentos anteriores, onde se observava uma incidência de menos de 2%. Isso não ocorre porque tenha neces-sariamente aumentado a incidência de deficiências, mas pela melhora dos instrumentos de coleta de informações que seguem as recomendações da OMS.

Em países como o Brasil, são vários os fatores que têm contribuído para o aumento do número de pessoas portadoras de deficiência e sua marginalização: a fome; a pobreza; programas inadequados de assistência social, saúde, educação, formação profissional e emprego; acidentes na indústria, na agricultura ou nos transportes; a contaminação do meio ambiente; o uso imprudente de medicamentos; a baixa prioridade concedida no contexto do desenvolvimento social e econômico, às atividades relativas à equiparação de oportunidades; o crescimento demográfico; a violência urbana e outros fatores indiretos.

Segundo a ONU há cerca de 500 milhões de deficientes no mundo e 80% vivem em países em desenvolvimento. Essa análise refere-se às pessoas portadoras de deficiência bem-sucedidas em termos profissionais, aqui entendida como aqueles que conseguem um posto no mercado formal de trabalho. Essa questão nos remete às políticas públicas existentes, que visam garantir um lugar no mercado de trabalho para as pessoas com deficiência. O primeiro ponto é que a média nacional de empregabilidade de PPDs é muito baixa, 2,05%, pouco acima da cota mínima exigida por lei. Apenas 5 estados possuem uma proporção de PPDs empregados no mercado de trabalho superior ao piso de 2%. Esses resultados revelam um alto grau de descumprimento da lei pelas empresas, a existência de um amplo espaço para o aumento da efetividade da lei, e a necessidade de diminuir a perda de eficiência econômica e aumentar a eficácia de políticas voltadas à inclusão social das PPDs.

O efeito combinado desses fatores faz com que a proporção dessas pessoas seja mais alta nos estratos mais pobres da sociedade brasileira. Essa tendência obstaculiza seriamente o processo de desenvolvimento e pode gerar distorções na vida econômica e social e a supressão do debate sobre os direitos dos cidadãos e das pessoas portadoras de deficiência.

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Existe um conjunto de leis que é fruto das reivindicações das organizações e movimentos sociais dentro de um processo histórico de conquista de um espaço de igualdade.

As PPDs têm seus direitos assegurados pela Constituição Brasileira que no artigo 227 dispõe que:

Art. 227. [...]

§2.º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.” [...]

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no artigo 227, §2.º.

Consta da Constituição Federal que os fundamentos da nação são promover a dignidade da pessoa humana e garantir o exercício da cidadania para que não haja desigualdades sociais e sejam eliminados quaisquer preconceitos ou discriminações (art. 1.º e 3.º). Isso significa conceder a todos, inclusive às pessoas portadoras de deficiência, direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à previdência social (art. 6.º).

Em seu Capítulo VII, ela prevê a integração social do adolescente portador de deficiência, mediante, entre outras coisas, “a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos” (FUSSESP, 1992, p. 15). Nesse mesmo artigo da lei, sob o título de ordem social, está disposto sobre “a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência” (FUSSESP, 1992, p. 15)

A eliminação de barreiras de acesso nas ruas, edificações e transportes mereceu a atenção da-queles que pensaram e elaboraram a constituição e a igualdade das pessoas portadoras de deficiência, pelo menos perante a lei, ficava garantida como possibilidade de integração dessas pessoas na cidade permitindo sua circulação e o atendimento de suas necessidades especiais.

Foram assim delineados os princípios gerais para a elaboração de um modelo mais igualitário e isonômico de vida, calcado na compreensão da sociedade como um produto histórico que pertence a todos.

Um ano depois, em 24 de outubro de 1989, esses direitos são ratificados pela Lei 7.853 transferindo para estados e municípios a responsabilidade pela adoção e efetiva execução de normas referentes ao assunto. E após a promulgação da nova Carta Magna do país, “iniciou-se um processo semelhante nos estados e em seguida nos municípios. A nova postura em relação à deficiência está refletida em todas estas etapas nos 27 estados da Nação” (BIELER, 1990, p. 24).

Outros direitos, como o acesso ao lazer (cinemas, teatros e casas de espetáculo), recebem tratamento semelhante e são direitos humanos interdependentes. Como aponta Araújo: - “Não se pode imaginar o direito à integração das pessoas portadoras de deficiência sem qualquer desses direitos instrumentais [...]. Sem transporte adaptado, não poderá comparecer ao local de trabalho, à escola e ao seu local de lazer [...]” (ARAúJO, 1997, p. 61).

São consideradas PPD, nos termos do Decreto 5.296/2004, pessoas que possuam limitações ou incapacidades para o desempenho de atividade e se enquadrem nas seguintes categorias:

deficiênci:::: a física – alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma

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de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

deficiência auditiva:::: – perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1 000Hz, 2 000Hz e 3 000Hz;

deficiência visual:::: – cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

deficiência mental:::: – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos 18 anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

comunicação;::::

cuidado pessoal;::::

habilidades sociais;::::

utilização dos recursos da comunidade;::::

saúde e segurança;::::

habilidades acadêmicas;::::

lazer; e::::

trabalho.::::

deficiência múltipla:::: – associação de duas ou mais deficiências.

Muitas críticas podem ser feitas quanto à legislação brasileira dirigida aos PPDs. Um dos exemplos que se pode citar são os conceitos gerais que a lei designa para os termos “deficiência” e “incapacidade”. A Legislação define, em diversos documentos, o que é deficiência, por exemplo, por meio do Decreto 3.298, de 1999, que regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõem sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolidando as normas de proteção, dando outras providências. Esse documento conceitua deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. (artigo 3.º, inciso I, 1989)

No inciso III desse mesmo documento, incapacidade tem a seguinte definição:

III - Uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adapta-ções, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Desse modo a lei considera deficiente qualquer pessoa que apresente sinais de incapacidade para desenvolver suas atividades. No entanto, não explica o que é reconhecido pela lei como padrão de normalidade. Quanto à incapacidade, definida como uma redução ou diminuição da capacidade de realizar uma atividade como uma pessoa normal, que só pode ser possível com a utilização de recursos

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adaptados, permite o questionamento de que se ao utilizar recursos de adaptação as atividades serão realizadas pela pessoas portadoras de deficiência de acordo com suas condições sensoriais, físicas e cognitivas. Desse modo, pode-se dizer que incapacidade não existe.

Pode-se dizer que nas duas definições a lei reforça o estigma de anormalidade, acentuando velhas concepções sobre o diferente.

É importante lembrar que segundo Organização Mundial de Saúde (OMS), da ONU, o termo defi-ciência é designado para toda pessoa em estado de incapacidade de prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida pessoal ou social normal, em consequência de uma deficiência congênita ou não e de suas faculdades físicas ou mentais.

Nesse sentido, a incapacidade pode ser pensada como a ausência de capacidade para realizar uma ou mais funções sensório-psico-motoras, mas não se pode, como fazem os documentos citados, generalizar a incapacidade, afirmando que toda pessoa com deficiência é incapaz, mesmo que ela rea-lize parte de suas funções.

Entretanto é importante lembrar que o que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar à sociedade, o grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência. Araújo (1997) ressalta a questão dos superdotados, bem como com os diferentes impactos que uma amputação pode acarretar profissionalmente para um trabalhador.

O conceito de acessibilidade na legislação brasileiraNo Brasil, a acessibilidade ao meio físico das cidades contou com a iniciativa da Associação Brasileira

de Normas Técnicas (ABNT), em conjunto com profissionais de diferentes áreas e com portadores de deficiência, de elaborar a norma brasileira NBR 9.050 – Acessibilidade de Pessoas Portadoras de Deficiências a Edificações, Espaço, Mobiliário e Equipamento Urbanos – que vem suprir uma carência de referenciais técnicos a respeito da questão da acessibilidade.

Nos termos do artigo 2.º da Lei 10.098/2000, acessibilidade é a possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida.

Do ponto de vista das técnicas de engenharia e arquitetura, as condições para assegurar a acessi-bilidade encontram-se descritas em diversas normas da ABNT, tais como:

NBR 9.050 – Acessibilidade a Edificações Mobiliário, Espaços e Equipamentos Urbanos.::::

NBR 13.994 – Ele:::: vadores de Passageiros – Elevadores para Transportes de Pessoa Portadora de Deficiência.

NBR 14.020 – Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficiência – Trem de Longo Percurso.::::

NBR 14.021 - Transporte - Acessibilidade no Sistema de Trem Urbano ou Metropolitano.::::

NBR 14.022 – Acessibilidade à Pessoa Portadora de Deficiência em Ônibus e Trólebus para ::::Atendimento Urbano e Intermunicipal.

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NBR 14.273 – Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficiência no Transporte Aéreo Comercial; e ::::

NBR 15.250 - Acessibilidade em Caixa de Autoatendimento Bancário::::

É importante ressaltar, como faz Lima (2006), que foi reconhecida pelo governo a necessidade de publicidade e facilitação do acesso, via internet, das normas da ABNT por serem de interesse social, em especial aquelas relacionadas direta ou indiretamente às pessoas com deficiência citadas pela legislação nacional. Desse modo, as normas em referência encontram-se disponíveis na internet para acesso amplo e irrestrito por qualquer cidadão interessado.

Entretanto o autor ressalta que não há fiscalização na aplicação das normas. Ele ressalta, por exemplo, a ausência quase completa do tema acessibilidade na jurisprudência dos tribunais de contas do Brasil. Tal constatação evidencia-se no fato de que o termo acessibilidade não consta do Manual FISCOBRAS 2006 do Tribunal de Contas da União (TCU), que é o principal documento orientador de centenas de ações de fiscali-zação de obras públicas realizadas anualmente; nem na Cartilha Obras Públicas: recomendações básicas para a contratação e fiscalização de obras públicas, editada pelo TCU em 2002. O termo acessibilidade também não consta no Manual de Auditoria de Obras do TCM-RJ; nem na Cartilha de Obras do TCE-PE.

Na pesquisa de jurisprudência em acórdãos e decisões efetuada nos portais na internet dos Tribunais de Contas dos Estados da Bahia, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul o termo acessibilidade aparece apenas relacionado à questão de concursos públicos para admissão no serviço público[...] - Na pesquisa efetuada no portal do TCE-SP, o termo acessibilidade consta do objeto de diversos contratos examinados, em geral, obras de reformas nos acessos a estações ferroviárias e prédios escolares, de modo a garantir a acessibilidade de PPD. O exame realizado pela Corte de Contas, contudo, limitou-se aos aspectos formais da legislação de licitação e contratos. (LIMA, 2006)

Texto complementar

movimentos sociais das PPDs no Brasil(LIPPO, 2004, p. 234-253)

A trajetória do movimento organizativo das pessoas com deficiência no Brasil, no que tange a sua perspectiva organizacional e seu respectivo projeto político de inclusão na sociedade brasileira, acompanhou a transição ocorrida no âmbito da legislação, isto é, da passagem de uma concepção assistencialista para a de autodeterminação.

Outro viés organizativo importante é o movimento em torno do desporto adaptado, cuja denominação atual é desporto paraolímpico. Existe hoje no país um expressivo número de entidades que têm na prática esportiva sua principal atividade, acompanhando o movimento internacional que tem na paraolimpíada o segundo maior evento desportivo do mundo, superado apenas pelos jogos olímpicos.

Em encontro nacional de entidades de pessoas com deficiência, realizado em 1980, em Brasília/DF, é criada a Coalizão Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, reunindo os movimentos de cegos, surdos e deficientes físicos, significando um salto organizativo do movimento de então.

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Essa Coalizão Nacional realizou, em 1981, sob os auspícios do Ano Internacional da Pessoa Deficiente, o I Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes em Recife/PE.

A Coalizão Nacional continuou organizando o movimento até que, em novo encontro nacional, realizado em 1983 em São Bernardo do Campo/SP, decidiu-se pela extinção da Coalizão e pela criação das entidades nacionais por “área de deficiência”. Assim são criadas a Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (Onedef), a Federação Brasileira de Entidades de Cegos (Febec) e a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), que continuam a atuar com essa formatação até a presente data.

Cada uma dessas organizações nacionais congrega dezenas de entidades de todos os estados da federação e, desde então, têm realizado diversos encontros estaduais, regionais e nacionais, além das respectivas representações junto aos conselhos e organismos públicos e privados. A par dessas organizações coexiste hoje uma ampla rede de entidades, movimentos, fundações, ONGs etc. atuando nas mais diversas áreas da sociedade brasileira.

Atividades1. Apesar de o Brasil ser signatário de vários importantes documentos em torno da questão da

acessibilidade, ainda falta muito tempo para que o país estabeleça uma sociedade inclusiva. Discuta.

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2. Qual a principal mudança das leis em torno da questão da acessibilidade nas últimas décadas?

3. O que define a pessoa portadora de deficiência?

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Gabarito1. O Brasil, por mais participativo e engajado no âmbito legislativo, ainda desfruta de uma

sociedade discriminatória e de um despreparo não só urbano, como educacional, de conscientização etc. Para que se implante uma sociedade inclusiva, não é necessário apenas o compromisso de uma das esferas, no caso, legislativa, mas é necessária também a conscientização da sociedade em geral, na causa da acessibilidade.

2. Desde 1981, vários países do mundo vêm trabalhando mais na questão da acessibilidade e percebendo a importância de tratar desse assunto com mais afinco. Isso decorre de movimentos sociais, políticas sociais etc. que pretendem estabelecer uma imagem do portador de deficiência como “cidadão”.

Mas a principal mudança dessas políticas ocorreu em torno da questão da solidariedade. Antes de se estudar profundamente a questão, o assunto era abordado como uma causa que deveria ser tratada pelo protecionismo, e essa visão mudou quando, através de um maior entendimento sobre os portadores de deficiências, foi possível compreender que eles são pessoas iguais com necessidades diferenciadas. Isso proporcionou o fim da ideia de que portadores dependessem da solidariedade alheia.

3. O que define uma pessoa portadora de deficiência não é a falta de um membro, a falta de visão e de audição, e sim a sua dificuldade de se relacionar e interagir na sociedade. Portanto, o grau de dificuldade de integração social é o que define quem é ou não portador de deficiência.

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Os idosos e a acessibilidadeNo Brasil, cultuou-se, durante muito tempo, a ideia de que este era um país de jovens, mas esse

panorama se alterou. A faixa etária acima de 60 anos é a que mais cresce em termos proporcionais. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) indicam que, entre 1950 e 2025, a população de idosos no Brasil crescerá 16 vezes contra 5 vezes o crescimento da população total, o que colocará nosso país, em termos absolutos, como a sexta população de idosos do mundo (32 milhões de pessoas, em 2025). Entretanto, os recursos comunitários e institucionais necessários para responder às suas demandas básicas de saúde, de segurança e de apoio são precários.

O fenômeno mundial da transição demográfica transforma o idoso em um novo ator social que deveria ser capaz de interagir produtivamente com a sociedade, definindo um novo mercado consumidor de produtos e serviços. Cresce, portanto, a importância e a necessidade de uma política social adequada, com novas alternativas de atendimento e de estímulo aos idosos, a fim de não serem excluídos do convívio social. Formalmente excluídos da força de trabalho (aposentadoria), muitos continuam ativos no mercado informal. Entretanto, esse grupo de pessoas é um dos mais numerosos dos grupos sociais afetados pela falta de acessibilidade em quase todo o mundo.

Segundo a Síntese dos Indicadores Sociais 2005, recentemente divulgada pelo IBGE com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2004, o Brasil está entre os primeiros do mundo em população com idade acima de 60 anos. São cerca de 17,6 milhões, que correspondem a 9,7% da população total. Para cada 100 mulheres com mais de 65 anos, há 78,6 homens. Os Estados com maior contingente nessa faixa são o Rio de Janeiro, com 2 milhões, e São Paulo, com 4 milhões.1

Também vale considerar que o índice de envelhecimento da população do país (calculado na razão entre as pessoas com 65 anos ou mais e os menores de 15), que era de 0,11 na década de 1980, saltou para 0,25. Esses números demonstram que há 25 idosos para cada 100 jovens e deixam claro que apesar de ainda ser considerado jovem, o Brasil vai envelhecendo.

Um terço dos idosos em nosso país continua no mercado de trabalho, sendo que pelo menos 27,4% de mulheres idosas fazem parte dos 29,4% das brasileiras que sustentam suas famílias. Também há predominância feminina entre 10% de idosos que moram sozinhos.

1 Embora a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Estatuto do Idoso do Brasil de 2003 utilizem um critério diverso, pois consideram idosa a pessoa a partir dos 60 anos, o índice internacional de envelhecimento é calculado tomando como base a faixa de 65 anos ou mais.

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96 | Os idosos e a acessibilidade

Com o ganho brasileiro de mais quatro anos de expectativa de vida, as mulheres podem chegar aos 75,5 e os homens aos 67,9 anos. Com essa conquista, a estimativa do número de idosos no país no ano de 2050 é de 34,3 milhões, 13,2% dos 259,8 de habitantes que terá o Brasil.2

Uma questão a se levar em conta nesse contexto é que, no caso da Europa, boa parte dessas pessoas vive só, tanto por razões de necessidade quanto por sua própria vontade (em 2003, 7,5% da população europeia tinha 75 anos ou mais, e se calcula que para 2040 essa cifra se duplicará). Em termos de acessibilidade, esse é um dado importante, já que na vida cotidiana um número grande de barreiras nas casas e nos arredores só podem ser vencidas com a ajuda de outras pessoas. No caso das pessoas idosas portadoras de deficiência, a situação muda: a maior parte ou vive acompanhada ou em lares assistenciais.

Diante desse quadro, é de se esperar que um número importante de pessoas tenha algum tipo de deficiência, quer seja física (motora, visual, auditiva), quer seja mental ou sensorial, já que o efeito da idade sobre a prevalência de deficiências se verifica de forma clara nesse grupo social: a capacidade física e mental vai se deteriorando ou simplesmente a perda da força e da flexibilidade corporal pode dificultar a realização de determinadas ações da vida diária, como tomar banho, cozinhar, andar pela rua, utilizar o transporte público ou simplesmente realizar trâmites administrativos, que são cada vez mais mediados por tecnologias que a maior parte desse grupo desconhece.

Analisando os fatores biológicos envolvidos no processo de envelhecimento humano, pode-se destacar, como principais características, as perdas progressivas nas capacidades fisiológicas dos órgãos, dos sistemas e de adaptação a certas situações de estresse, com redução da capacidade física e intelectual. Esses déficits associados ao envelhecimento causam diferentes impactos no desempenho do idoso como pedestre, mas principalmente na condição de motorista. As principais limitações estão ligadas a: condições visuais (glaucoma, catarata, acuidade visual), condições cardiovasculares, condição vascular-cerebral, hipoglicemia (isulino-dependentes), habilidades e processos cognitivos, demências do tipo Alzheimer e Parkinson, rigidez muscular e esquelética (incluindo artrite), diminuição da flexibilidade do pescoço e da parte superior do corpo, desordens neurológicas (incluindo epilepsia e esclerose múltipla). Outros déficits importantes envolvem deficiências na atenção, aumento no tempo de reação, deficiência em processar informações associadas ao tempo e a manobras necessárias, como leitura de painéis ou placas (CAVALCANTI, 1975; JOSEPH, 2000; zHANG et al, 2000; OECD, 2001; PIRITO, 2001).

Entretanto, não se deve esquecer que o envelhecimento é um conceito multidimensional que não envolve apenas os aspectos biológicos, mas também psicológicos e sociológicos. Além disso, as características do envelhecimento variam de indivíduo para indivíduo (dentro de determinado grupo social), mesmo que expostos às mesmas variáveis ambientais. A abordagem do envelhecimento, do ponto de vista das capacidades funcionais, geralmente está associada a mitos baseados em concepções ultrapassadas. Uma questão atual é saber até que ponto o risco causado pela incapacidade funcional do idoso (normal nessa faixa etária) deve ser considerado maior que o risco de redução da mobilidade coletiva ou individual dessa população. A percepção que o idoso tem de seu potencial de integração na sociedade não pode ser balizada pelo paradigma “eu já fiz a minha parte” (relacionado com a incapacidade funcional), mas sim pela crença no seu potencial como cidadão produtivo e atuante. Por isso é importante promover a acessibilidade e a inclusão social dessa população. Segundo dados da OECD (2001), em 2030 existirá um número substancial de pessoas idosas, com incapacidades funcionais inerentes à idade, necessitando, em larga escala, de produtos e serviços que atendam às suas necessidades.

2 Disponível em: <http://acessibilidade.sigaessaideia.org.br/?catid=25&blogid=1&itemid=32>. Acesso em: 20 fev. 2008.

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Deve-se considerar também que os idosos representam os maiores usuários de serviços sociais e assistenciais de todo tipo, e por essa razão a melhora na acessibilidade em casas, entornos urbanos e transportes acessíveis potencializaria os benefícios sociais desses serviços, e a longo prazo essas ações a favor de uma maior acessibilidade tenderiam a minimizar os custos econômicos de ajuda a esse setor. A Organização Mundial da Saúde (WHO, 2001a) sugere que só se poderá arcar com o ônus desse envelhecimento se países, regiões e organizações internacionais desenvolverem políticas e programas voltados aos idosos, visando que esse processo de envelhecimento se dê de forma mais ativa, a fim de que essa população se mantenha mais saudável, independente e produtiva, ou seja, que a questão da acessibilidade para esse grupo se dê de forma plena.

Esse quadro ratifica a importância da garantia da sociedade em geral aos direitos e necessidades específicas do cidadão idoso: melhores condições de acesso à saúde, à segurança, ao lazer, à comuni-cação, ao trabalho e à habitação.

Entretanto, a acessibilidade, em todas as suas variáveis, é um fator de importância social e econô-mica ainda insuficientemente valorizado e respeitado.

As necessidades de atendimento acessível à saúde, à segurança e ao lazer desse grupo social merecem grande atenção das autoridades e da sociedade. No atendimento a qualquer dessas áreas, as condições de acessibilidade para o idoso não podem ser esquecidas, tanto em casa como nos edifícios, locais de lazer, locais de trabalho, nas ruas e nos transportes públicos.

Acessibilidade e transportes para os idososA qualidade de vida durante o envelhecimento estará fortemente relacionada ao grau de mobilidade

e acesso que essas populações possam desfrutar. Nesse sentido, os transportes têm um grande potencial em garantir um envelhecimento (mais) ativo da população. No entanto, é preciso que se desenvolva um sistema (viário e de transporte) adaptado às necessidades e especificidades do idoso.

Tornando o sistema viário mais seguro e atraente ao idoso, pode-se ao mesmo tempo viabilizar um sistema mais seguro para a população como um todo, principalmente para a criança, outro grupo vulnerável de usuários do sistema viário; ou seja, cria-se uma situação ideal para todos. Trata-se de abordar os aspectos dinâmicos desse tema e antecipar as relações entre o processo de envelhecimento e a importância da mobilidade futura de toda a sociedade. Segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001b), o acidente de tráfego corresponderá à terceira causa de mortes no ano 2020. Comparados com outras faixas etárias adultas, os idosos são considerados como um grupo de risco no ambiente viário. Essa vulnerabilidade está associada à fragilidade típica dessa faixa etária. Pesquisas indicam que, quando envolvidos em acidentes, os idosos apresentam maior índice de ferimentos graves ou mortes (OECD, 2001). No Brasil, esse grupo apresenta maior exposição ao risco, pois concentra o maior número de motoristas ativos e de pedestres idosos com padrão de viagens pendulares, característico de pessoas ativas, muitas delas inseridas no mercado de trabalho (em alguns casos, informal).

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde (2001), no conjunto de causas externas, os acidentes de transporte são responsáveis por 30% dos eventos (mortes e ferimentos). Entre os grupos vulneráveis, o documento destaca a população idosa, principalmente nas áreas urbanas. Conforme pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz – (FIOCRUz, 2002), no conjunto de mortalidade por

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causas externas específicas em idosos no Brasil (nas capitais de regiões metropolitanas), os acidentes de trânsito/transportes e as quedas (também associadas com o ambiente viário, por exemplo, as calçadas irregulares) ocupam os dois primeiros lugares.

O transporte permite o acesso à família, aos amigos e à comunidade em geral, fator fundamental para manter independência e uma boa saúde. A redução na mobilidade leva à diminuição da interação social e, consequentemente, compromete a qualidade de vida. Embora esse padrão possa ser universal, nos países em desenvolvimento assume proporções mais graves devido, principalmente, ao sistema de transporte público pouco eficiente. A segurança no tráfego ou a falta de segurança pode então se tornar uma barreira aos idosos e fazer com que eles viajem ainda menos do que gostariam ou até mesmo do que necessitam. Deve-se ressaltar que acesso aos transportes ou a acessibilidade proporcionam:

benefícios psicológicos da mobilidade, associada à autonomia; ::::

envolvimento com a comunidade. Possibilita o relacionamento social, associado ao sentimento ::::de cidadania. Estudos indicam que a mobilidade social diminui a mortalidade do idoso (GLASS et al. 1999, apud METz, 2000);

viagem potencial. A possibilidade de viajar, independente de sua realização, está associada ao ::::potencial de mobilidade.

No entanto, existem ainda inúmeras barreiras de acessibilidade para os idosos pedestres, tendo em vista que o ambiente viário apresenta diversas barreiras à mobilidade e à segurança da população idosa, tais como:

o tempo dos semáforos não leva em consideração o desempenho dos idosos, nem de ::::pessoas que temporariamente apresentem algum problema físico ou motor. No Brasil, onde o trânsito é hostil ao idoso, este tende a iniciar a travessia somente após se certificar da parada de todos os carros, mesmo que o semáforo indique o tempo de vermelho para veículos. Esse tempo adicional acaba por restringir ainda mais o período seguro de travessia;

como geralmente a prioridade é dos veículos, para realizar a travessia é o pedestre quem ::::circula acima ou abaixo do nível da via. As passarelas e túneis, bem como seus acessos por escadas e rampas, são dificuldades adicionais para o pedestre idoso;

os idosos são mais suscetíveis de cair, seja pelas dificuldades motoras, seja por deficiência ::::de visão. As quedas causadas pelas dificuldades visuais e posturais representam, segundo o Ministério da Saúde (2001), os principais acidentes entre os idosos. Nesse sentido, calçadas irregulares, com baixo nível de serviço, invasão da calçada pelos carros, desnível (inclinações), diferentes alturas do meio-fio oferecem riscos permanentes;

pistas de mão dupla com mais de uma faixa em cada sentido, sem canteiro central ou ilha ::::de refúgio, expõem os pedestres idosos a um risco mais elevado. A rigidez do pescoço e a diminuição do tempo de reação, características comuns nos idosos, comprometem o movimento de olhar para a esquerda e para a direita e tomar a decisão de cruzar a pista, em tempo hábil;

por outro lado, existe uma cultura enraizada de primazia do carro no ambiente de tráfego. ::::Embora o Código de Trânsito Brasileiro (1997), no seu artigo 29, preconize que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”, persiste a cultura de desrespeito ao pedestre através da prioridade histórica dada aos carros no ambiente viário.

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99|Os idosos e a acessibilidade

O Brasil já implementou algumas medidas para amenizar algumas dessas barreiras. Além do passe livre no transporte convencional para idosos, existem também assentos demarcados para idosos e portadores de deficiência nos veículos de transporte coletivo. A Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET/SP), promove também o Programa de Educação de Trânsito para a terceira idade, cujo objetivo é “informar e sensibilizar o idoso para um comportamento preventivo no trânsito, a partir da conscientização de suas limitações físicas e sensoriais decorrentes da idade” (CET/SP, 2002).

Arquitetura e acessibilidade para os idososPode-se dizer que no Brasil apenas recentemente foram dados os primeiros passos no sentido de

dar visibilidade às necessidades de acessibilidade do idoso.

A Constituição Federal de 1988 introduziu em suas disposições o conceito de Seguridade Social, ampliando sua visão sobre o idoso, de uma postura assistencialista para uma atitude de preocupação com a cidadania.

Em 1994, foi criada a Política Nacional do Idoso (Lei 8.842), fruto de reivindicações dos movimentos sociais, a qual criou normas para os direitos sociais dos idosos, garantindo autonomia, integração e participação.

Entretanto, essa política não tem sido aplicada de forma adequada, já que a burocracia brasileira mantém uma política de centralização, com uma interferência excessiva do Estado – com superposições de tarefas e falta de definição clara de competências. Em 1997, foi proposto no Congresso o Estatuto do Idoso, que teve sua promulgação em 2003 (Lei 10.741/2003). Nessa lei está previsto o direito à moradia digna, mesmo que só as financiadas pelo Poder Público:

CAPíTULO IX

Da Habitação

Art. 37. O idoso tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada.

§1.° A assistência integral na modalidade de entidade de longa permanência será prestada quando verificada inexis-tência de grupo familiar, casa-lar, abandono ou carência de recursos financeiros próprios ou da família.

§2.° Toda instituição dedicada ao atendimento ao idoso fica obrigada a manter identificação externa visível, sob pena de interdição, além de atender toda a legislação pertinente.

§3.º As instituições que abrigarem idosos são obrigadas a manter padrões de habitação compatíveis com as necessida-des, bem como provê-los com alimentação regular e higiene indispensáveis e condizentes com as normas sanitárias, sob as penas da lei.

Art. 38. Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte:

I - reserva de três por cento das unidades residenciais para atendimento aos idosos;

II - implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso;

III - eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade ao idoso;

IV - critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão.

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Deve-se ressaltar que, além do Estatuto do Idoso, as Normas de Acessibilidade foram criadas garantindo o direito de ir e vir não só dos idosos, mas de todos aqueles portadores de algum tipo de limitação motora, visual e auditiva (NBR 9.050, com sua edição inicial em 1983 – NB 833 – tendo sido revisado em 1994 e 2004). Essa norma estabelece parâmetros de acessibilidade em espaços públicos, mas pode servir de base para espaços residenciais. Existem muitas leis criadas, em âmbito federal, estadual e municipal, visando atender às demandas dos idosos, mas infelizmente poucos estados brasileiros têm preocupação em atender de forma mais direta ao idoso.

Em São Paulo, políticas voltadas para o idoso têm sido implantadas e desenvolvidas. Recente-mente foi inaugurada, por uma iniciativa municipal, a Vila dos Idosos, assim chamada por ter como finalidade abrigar exclusivamente uma população acima de 65 anos.

É composta de 145 apartamentos distribuídos em quatro pavimentos, com 88 quitinetes de 29m² e 57 apartamentos, com um dormitório, de 43m², adaptados às necessidades físicas dos residentes (portas mais largas, áreas com fácil acesso, ventilação cruzada, adequação dos pisos e altura das janelas.). A inclusão de todos esses itens visa permitir que o idoso tenha mais autonomia e independência. A disposição dos edifícios em forma de “U”, tendo em seu centro um espelho d’água, visa facilitar a convivência, criar um ambiente de confraternização entre seus moradores. Entre as unidades construídas, 16 quitinetes e 9 apartamentos, no térreo, foram projetados para pessoas com dificuldade de locomoção, bem como espaço para circulação de cadeiras de rodas. O empreendimento está em um terreno com 7 361,75m² e possui 8 193m² de área construída. É composto, além dos apartamentos, de três salões de festas, uma quadra de bocha, horta comunitária, três halls de elevadores, sala de administração, portaria e uma biblioteca no meio dos edifícios. A seleção dos moradores foi feita pela Sehab/Cohab seguindo os seguintes critérios: idade acima de 65 anos, renda de até três salários mínimos e residência há mais de quatro anos na cidade. Famílias pouco numerosas, pessoas que vivem sozinhas, com deficiência física ou com mobilidade reduzida, tiveram prioridade na seleção. O custo dessa moradia dependerá da renda do morador, mas a maioria deve pagar cerca de 25% do salário mínimo pelo aluguel, além das contas de consumo e do condomínio que estão estimadas em R$40,00.

Apesar desses movimentos, com o incremento da especulação imobiliária, as novas moradias construídas principalmente em grandes centros, como Rio e São Paulo, têm espaços exíguos, dificultando a mobilidade dos idosos.

Como se ressaltou no caso dos acidentes viários, as alterações nas funções do organismo humano tendem a aumentar também o risco de acidentes no uso da moradia, principalmente no caso em que os espaços residenciais não atendam às limitações decorrentes do envelhecimento.

Embora muitos autores considerem o erro humano como a causa primária dos acidentes domés-ticos, não se pode esquecer que, seja esse erro fisiológico ou emocional, está quase sempre associado a uma falha no projeto do equipamento ou do ambiente. Dessa forma a relação ambiente-idoso tem sido um grande desafio para a arquitetura que tem o desenho universal como projeto.

A Organização Mundial de Saúde estima que de 5 a 10% das pessoas acima de 60 anos sofrem acidentes domésticos fatais e que, para cada ocorrência desse tipo, ocorrem de 150 a 200 casos de feri-mentos graves. No Brasil, por levantamentos efetuados pelo Sistema único de Saúde (SUS), 75% desses acidentes ocorrem dentro de casa e quase que a metade dos casos de acidentes registrados acontecem nos aposentos privados. Medidas preventivas na organização da casa devem ser adotadas, como na disposição dos móveis e utensílios.

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As causas mais comuns de acidentes domésticos são:

andar sobre pisos molhados ou encerados;::::

andar só de meias ou com calçados mal ajustados;::::

móveis no meio do caminho (gavetas abertas, por exemplo), principalmente entre o quarto e ::::o banheiro.

escadas com degraus em tamanhos diferentes;::::

tapetes;::::

inadequação da iluminação;::::

tonturas ao se levantar;::::

visão alterada pela idade;::::

perda de equilíbrio, muitas vezes ocasionada por remédios;::::

enfraquecimentos fisiológicos (musculoesqueléticos);::::

falta de nivelamento nas soleiras das portas;::::

“artes”, como subir em bancos e cadeiras.::::

Esses fatos mostram ser necessárias adaptações nas residências da terceira idade. Algumas atividades, como subir escada ou preparar refeições, podem se tornar mais difíceis. Essas modificações devem começar na planta dos imóveis, com uso restrito de desníveis e escadas, passando pelo acabamento e terminando na escolha dos móveis. Na pintura, por exemplo, a opção por cores fortes ou sinalizações no chão pode minimizar possíveis deficiências de visão. A fácil circulação é essencial para o idoso porque, além de prevenir as fraturas, também é uma forma de economizar suas energias, já que por conta da fragilidade dos ossos o ato de subir e de descer escadas pode ser cansativo, sendo muitas vezes necessária a mudança de dormitório e banheiro para o andar de baixo, em uma residência de dois pavimentos.

Dessa forma, devem-se buscar padrões de edificações em que sejam consideradas todas as etapas das atividades que serão exercidas nesse local, estabelecendo claramente os fluxos, respeitando a ordem e as frequências em que ocorrem, bem como os espaços necessários, tanto para aquelas executadas em separado quanto para aquelas que fazem parte integrante de uma atividade, executadas independentemente ou com assistência. Por exemplo, o uso do banheiro é uma atividade integral e pode ser dividida em abrir e fechar a porta, a transferência para a bacia, lavar as mãos e sair do banheiro. Para que o projeto atinja um nível adequado a “todos”, as limitações físicas e mentais devem ser analisadas em três níveis: individuais, em grupo e integrada. Isto é, ter em vista as disfunções que podem ser resolvidas com o uso de equipamentos especiais e adaptações (uso de óculos, por exemplo) aquelas em que o ambiente normal é acrescido de alguma comodidade especial (bacia e pia infantil em pré-escola) e aquelas em que o ambiente deve ser desenhado de forma a ser acessível a todos, com pouca ou nenhuma necessidade de acrescentar algum tipo de comodidade especial.

Os arquitetos desempenham um papel fundamental no planejamento desses espaços. Já que a diversidade de exigências que esse processo impõe faz com que olhar para o futuro não seja só esté-tico, mas principalmente atento às exigências dessas diferenças. Não se pode deixar de considerar, ao projetar uma moradia para toda a vida, que ali vão viver crianças e adultos, jovens e velhos, portanto o quadro de necessidades é amplo e diverso.

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102 | Os idosos e a acessibilidade

A Ergonomia, ciência surgida em 1949, que estuda antropomorficamente o homem, suas relações com o ambiente, subsidiando os projetos de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados com o máximo de conforto, de segurança e de eficácia busca o conforto do adulto, o lazer da criança, mas o idoso, com suas necessidades específicas, é quase sempre esquecido. Os banheiros, por exemplo, hoje em profusão nos imóveis, são tão pequenos que utilizá-los em uma situação onde haja a necessidade de ajuda de uma outra pessoa fica praticamente inviável. A colocação de banheira em banheiros diminutos faz com que o chuveiro tenha que ser colocado dentro dela, impossibilitando o banho de pessoas com dificuldade de locomoção, mesmo que temporária (uma perna quebrada, por exemplo). Deve-se ter em mente, ao projetar um imóvel, que ele precisa atender a todas as etapas da vida do morador, e não inviabilizar, com sistemas construtivos difíceis de serem revertidos, uma utilização para toda a vida.

O homem não envelhece apenas cronologicamente, já que seu corpo começa a perder a vitalidade, a ficar mais delicado, havendo uma perda crescente de mobilidade e das funções vitais. Portanto, o que se deve ter como base é que o ambiente deve ser adaptável, isto é, deve adequar-se às necessidades individuais do usuário diário, bastando para tanto que, em qualquer momento, um fácil rearranjo do espaço ou equipamento baste para adequar o ambiente às novas necessidades que se apresentem.

Ao considerar as necessidades do idoso, deve-se atentar para que o envelhecimento afeta a área sensorial e motora, limitando a capacidade de interagir com o ambiente.

Como em todas as situações é mais fácil projetar corretamente do que depois ter que adaptar. Assim sendo, recomendações simples como portas mais largas, corredores com pelo menos 1m de lar-gura e pelo menos um banheiro que permita o uso por pessoas que necessitem de ajuda ou utilizem cadeira de rodas já diminuiriam em muito as dificuldades de adaptação. Apesar de parecer distante de ser problema dos outros, todos podem enfrentar: ou para atender pai e/ou mãe idosos, um filho de per-na quebrada ou doente, ou a si mesmo em uma dessas situações. Portanto, deve-se olhar com carinho para os tempos que virão, com o olhar crítico que a situação exige.

A elaboração de projetos arquitetônicos que atendam a todas as idades é o que arquitetura preo-cupada com a acessibilidade pretende. As incorporadoras imobiliárias não veem no idoso o comprador em potencial, porque não levam em conta que o jovem comprador deve ser lembrado das dificuldades que um dia virão e lhe ser oferecido um espaço projetado de forma a atender às necessidades da vida, sendo ele criança, jovem ou velho, onde, se for necessária alguma adaptação, esta possa ser simples e barata, para que esse lugar possa ser definitivamente seu espaço de vida.

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103|Os idosos e a acessibilidade

Você está preparado para a velhice?Organização Mundial de Saúde (OMS) lança no Brasil o programa Towards an Ageing Friendly Society,

que vai orientar a população a se conscientizar sobre a inevitável maturidade do corpo e da mente

Em 2050, o número de idosos no mundo será de 2 bilhões de pessoas. Coincidentemente, essa também será a quantidade de jovens no planeta. Esse panorama vai tornar mais nítida a guerra entre gerações que ainda passa em branco aos olhos da sociedade: de um lado, os mais jovens mostram-se sem paciência para compreender todas as limitações da velhice. De outro, estão os idosos, que não percebem as mudanças comportamentais da nova geração juvenil.

Esse fenômeno foi mote de um projeto mundial para proteger os idosos e lançar ferramentas edu-cativas que criem um movimento para positivar o envelhecimento como um tempo produtivo da vida emocional, intelectual e social. O desafio é superar os estigmas da discriminação por meio do Towards an Ageing Friendly Society, programa da Organização Mundial de Saúde (OMS) lançado durante o 18.º Congresso Mundial de Gerontologia, realizado no fim do mês passado, na capital carioca.

Encabeçado no Brasil pelo médico gerontólogo Alexandre Kalache, diretor do Programa de Envelhecimento e Saúde da OMS, o plano tem como desafio preparar a população para lidar com o envelhecimento. “O futuro da humanidade depende do caminho traçado para lidar com a velhice. Independentemente da atividade que as pessoas exercem, todos têm que estar preparados para tratar bem os velhos e enfrentar os impactos dessa fase da vida”, afirma Alexandre Kalache.

Significa dizer que crianças, jovens, adultos e idosos precisam ter um quê de gerontólogos (profissionais não médicos especialistas em envelhecimento) para não se depararem com as surpresas da longevidade, como a diminuição das capacidades, o preconceito social e o disparo do custo da previdência. “É preciso desenvolver uma educação gerontológica, que deve começar desde a pré-escola e continuar por toda a vida. Só assim os padrões serão alterados”, avisa a psicóloga gerontóloga Laura Machado, que esteve à frente de um dos comitês do congresso.

O comunicado serve para derrubar a ideia de que as pessoas só devem ficar antenadas com a velhice quando estiverem perto de alcançá-la. Os primeiros passos devem começar em casa: filhos devem oferecer bom tratamento aos pais, netos, carinho aos avós. Nas ruas, não custa ceder uma poltrona para os idosos sentarem, nem a vez na fila de espera.

“Mas o governo também precisa agir com políticas de transporte público adequadas. É um dos artigos sobre os quais os idosos brasileiros mais têm queixas”, continua Laura. Os meios de condução são mesmo um fator preocupante – tanto que está na pauta do Towards an Ageing Friendly Society. Ao lado das barreiras arquitetônicas e falta de oportunidades de trabalho (entre outros itens), será um dos dez tópicos a serem medidos para verificar se uma sociedade é ou não amiga dos idosos.

Texto complementar

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104 | Os idosos e a acessibilidade

E por que um programa mundial exclusivamente para os idosos? “Simplesmente pelo fato de o mundo ter entrado na rota do envelhecimento populacional. Quem cuida dos idosos de hoje mostra que também deseja bons tratos em um futuro breve”, alega o médico geriatra Renato Guimarães, que presidiu o congresso.

Pois é, o idoso de 2050 é o jovem de hoje. Basta perceber que os babyboomers (nascidos entre 1946 e 1964) são atualmente o grupo que está para entrar na aposentadoria. Ou seja, a juventude atual está sujeita a enfrentar todas as limitações da idade caso não leve a sério a proposta de reciclagem dos conceitos sobre a velhice, como bem fizeram os Estados Unidos, o Canadá e a Inglaterra, entre outros países desenvolvidos, onde os idosos têm sido beneficiados com implantação de políticas adequadas de assistência social e de saúde.

O entrave é que nem mesmo esses países pioneiros estão bem diante de todos as consequências da explosão do envelhecimento global, principalmente no que se refere ao financiamento da multidão de aposentados – ou ao déficit da previdência social. “Daqui a alguns anos, imagine como fica o Brasil, que ainda não implantou políticas necessárias de atenção ao idoso, nem ações para equilibrar as contribuições?”, indaga Guimarães, que chama a atenção para a velocidade com a qual o mundo atingiu o aumento da longevidade.

“Os países desenvolvidos tiveram 200 anos para envelhecer e mesmo assim apresentam problemas diante dos sistemas previdenciários. O Brasil, cuja explosão demográfica ocorreu em apenas 50 anos, tem o desafio de instituir bons modelos rapidamente e de forma efetiva.” Além da criação de oportunidades de trabalho e remodelação da instituição da aposentadoria, tópicos como estímulo à socialização, combate à criminalidade e prevenção de abuso também estão entre as intervenções da pauta mundial de atenção aos idosos.

Jornal do Commercio

(Disponível em: <www.portaldoenvelhecimento.net/artigos/artigo319.htm>. Acesso em: 25 fev. 2008.)

Atividades1. Por que se fala tanto dos desafios sociais enfrentados no futuro com relação à velhice?

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105|Os idosos e a acessibilidade

2. Por que é tão importante a questão do transporte para os idosos?

3. Qual a importância da casa para o idoso?

ReferênciasCARLI, Sandra M. M. P. Habitação Adaptável ao Idoso: um método para projetos residenciais. São Paulo, 2004. Tese (Doutorado em Arquitetura). FAUUSP.

CAVALCANTI, P. U. Aspectos Biológicos do Envelhecimento: o fenômeno da senescência. Jornal Brasileiro de Medicina, Rio de Janeiro, v. 26, 1975.

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106 | Os idosos e a acessibilidade

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_____. Health and Ageing: a discussion paper. Geneva: World Health Organisation (Department of Health Promotion), 2001a.

_____. Spot Light on Mounting Traffic Deaths. Geneva: NMH News, WHO 54, mai., 2001b.

Gabarito1. Estima-se que até 2050 a população de idosos mundial será de dois bilhões, isso implica no que

seria hoje um terço da parcela mundial. Sendo assim, uma importante parcela da sociedade, que necessitará de melhor qualidade de vida. Hoje, o idoso é na maior parte das vezes considerado um fardo, alvo de discriminações, visto como incapaz de trabalhar, fazer as coisas sozinho etc. Portanto, será preciso muito empenho de toda a sociedade para reverter esse quadro diante do crescimento populacional do idoso.

2. O idoso hoje em dia não tem possibilidade de usufruir um bom sistema de transporte público, implicando em grande perda da mobilidade. Pesquisas indicam que, quando envolvidos em acidentes, os idosos apresentam maior índice de ferimentos graves ou mortes. Mas esse é apenas um dos problemas. Outro problema é a perda de interação social devido à falta de transporte público apropriado. Isso implica no aspecto da mobilidade, pois os idosos, não podendo utilizar os meios de transporte, vão se tornando cada vez mais reclusos em seus lares e por consequência têm a qualidade de vida comprometida.

3. É em casa que acontece a maior parte dos acidentes, devido a quedas que ocorrem na maioria das vezes durante a noite no trajeto quarto–banheiro, e muitos desses acidentes domésticos acabam levando à morte. As casas não são projetadas para idosos, os obstáculos encontrados são muitos. Nesse caso, o desenho universal é muito importante para que se possa habitar uma casa a vida toda, sem ter que abandonar o seu lar, pois ele não corresponde às suas necessidades como acontece com grande parte dos idosos, que acabam trocando sua casa por uma adaptada.

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A acessibilidade e a Educação Inclusiva

O acesso à educação dentro do âmbito de discussões sobre acessibilidade pode ser resumida como todas as possibilidades que permitam ao estudante portador de deficiência frequentar e se relacionar com a comunidade acadêmica.

No Brasil, foram criadas normas que tentam garantir condições especiais de acesso para os estu-dantes deficientes. Ainda que muitos desses aspectos possam ser melhorados, essa legislação tem sido uma instância compensatória “de discriminação positiva” para muitos desses estudantes. É importante lembrar dos progressos em termos de acessibilidade a estudantes portadores de deficiência em áreas importantes, como as iniciativas que estabelecem critérios para o acesso não discriminatório às Tecno-logias da Informação e Comunicação e as que desenvolvem sites de excelente qualidade que tornam disponível uma enorme quantidade de informações essenciais sobre acessibilidade.

Entretanto, a questão do acesso à educação ainda não está resolvida. Há ainda muito por fazer tanto em termos de condições de cidadania quanto em termos de barreiras arquitetônicas. Apenas alguns exemplos: apesar das normas aprovadas sobre as barreiras arquitetônicas, a maior parte das instituições de ensino continuam a ser verdadeiros quebra-cabeças que podem ser consideradas como expressão física das barreiras sociais, culturais e de discriminação econômica. A acessibilidade arquitetônica não pode ser vista apenas como um conjunto de rampas e medidas a serem respeitadas, mas ser parte de uma filosofia geral de acolhimento, conforto e facilidade em todas as dependências dos edifícios. Nesse sentido, a acessibilidade física das instituições educacionais ainda representa um problema a ser resolvido: a carga de esforço que é solicitada a pessoas com mobilidade reduzida para chegarem à escola, percorrerem os longos corredores, mudarem de salas, deslocarem-se à cantina, entre outros problemas de acesso, muitas vezes tornam-se práticas impossíveis dado que se exige da pessoa com mobilidade reduzida um esforço muito maior do que se exige dos outros estudantes. Esse fato não contribui para uma igualdade de oportunidades.

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108 | A acessibilidade e a Educação Inclusiva

A acessibilidade à educação para pessoas portadoras de deficiência em números

Além do que já foi dito sobre as barreiras arquitetônicas e as desigualdades de oportunidades, no Brasil existe um grande número de pessoas que enfrentam diariamente barreiras de todas as ordens, que dificultam sua inclusão no mundo da educação, as pessoas portadoras de deficiência encontram-se dentro desse grupo.

De acordo com Werneck (2000), dos 600 milhões de indivíduos com deficiências, aproximadamente 80% vivem em países em desenvolvimento como o Brasil. Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que 98% desses indivíduos são totalmente negligenciados e que, provavelmente, um terço deles sejam de crianças.

De acordo com o Censo Populacional de 2000, do IBGE, dos que declaram algum tipo de defici-ência, cerca de 70% não saem de casa por problemas socioeconômicos, ou por falta de informações. Desse total, 15,14 milhões (MENDONÇA, 2004) têm idade e condições de integrarem o mercado formal de trabalho, desde que sejam proporcionadas condições de educação e acessibilidade.

No Brasil, apenas 3% das pessoas com deficiências, dentro da faixa de 14 a 60 anos, são atendidas pelos serviços formais de educação, de saúde e de reabilitação. Aproximadamente 35% da população com deficiência são crianças, sendo que estas se encontram quase 100% fora da porcentagem de atendidos (SASSAKI, 2001). Dos que estão sendo atendidos nem todos vão para o mercado de trabalho devido a uma série de barreiras e de falhas existentes dentro dos sistemas tradicionais de educação, de saúde e de reabilitação. Frente a essa realidade, a necessidade do aumento de acessibilidade e de inclusão torna-se evidente.

Em uma pesquisa realizada pelo Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV) (CPS/FGV, 2003, p. 23-24) a participação dos alunos por tipo de deficiência praticamente não se alterou entre 1999 a 2001. A variação de matrículas de alunos com deficiência visual caiu 8,23% entre 1999 e 2001; enquanto que para os portadores de condutas típicas cresceu 26,14%. O decréscimo mais acentuado foi com superdotados, que sofreu reduções na taxa de matrícula na ordem de 19,87%.

Os números dessa pesquisa demonstram que a participação dos alunos com deficiência em relação à população geral é muito baixa. A pesquisa mostra que a taxa de não participação e de abandono é muito mais alta entre as pessoas com algum tipo de limitação física ou sensorial, além de comprovar que o tempo que os alunos com restrições permanecem na escola é muito curto (CPS/FGV, 2003, p. 4).

A alfabetização adulta é um dos elementos que demonstra a disparidade da crença na incapaci-dade e a necessidade real de alfabetização das pessoas com deficiência. Na análise realizada pela CPS (CPS/FGV, 2003, p. 4) pessoas com deficiência e aquelas com percepção de incapacidade concluem com menor frequência as séries em idade hábil, e interrompem o processo educacional, especialmente na fase de alfabetização. Um reflexo é a maior taxa de matrícula em alfabetização de adultos, uma vez que cerca de 31,8% e 10,7% do total das matrículas nesse nível são de pessoas com deficiência e pessoas com percepção de incapacidade, respectivamente.

Tal situação enfatiza a necessidade de educação para as pessoas com deficiência, demonstrando tanto o baixo índice de frequência destes desde a fase escolar primaria até a Educação Superior. Por outro lado, quando se considera a educação de adultos, esses números aumentam significativamente, além de retratarem o atraso nos estudos desse grupo. Tais dados tornam bem clara a realidade das pessoas com

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109|A acessibilidade e a Educação Inclusiva

deficiência que, ao se depararem com o mercado de trabalho, são obrigados a frequentar supletivos e/ou outro tipo de educação não seriada, o que pode demonstrar que se essas pessoas encontram condições de aprendizado quando adultas, certamente teriam tido condições de aprenderem quando crianças.

Pode-se acrescentar a partir do quadro apresentado pelo Censo Demográfico, realizado em 2000, que entre as crianças e os adolescentes brasileiros de 0 a 17 anos, cerca de 2,9 milhões têm alguma deficiência. Pelas estatísticas da Secretaria de Educação Especial do país, contudo, apenas 448 601 têm acesso à educação em creches, pré-escolas, Ensino Fundamental e Médio da rede pública e ensino particular (CLARO, 2003).

Entre os jovens com 15 anos ou mais, com pelo menos um tipo de deficiência, ainda segundo dados do IBGE, 32,9% têm no máximo dois anos de escolaridade. Os outros índices relacionados a essa faixa etária demonstram que 16,7% têm entre 4 e 7 anos de estudo; 10,7%, entre 8 e 10 anos de escola-ridade; 10%, entre 11 e 14 anos e 10,2% têm 16 anos ou mais.

Esses dados indicam que praticamente um terço da população com deficiência em idade de entrar no mercado de trabalho tem no máximo dois anos de estudo, um quadro que deve ser revertido para que as pessoas com deficiência possam incluir-se efetivamente à sociedade, ocupando os cargos reservados para elas por lei nas empresas (CLARO, 2003).

O Censo de 2000 aponta que o percentual de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola é de 5,5%, sendo que esse índice sobe para 11,4% se forem consideradas somente as crianças com deficiência. Se forem analisados os dados do Censo Escolar elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 640 317 alunos com deficiência encontravam-se matriculados no sistema de ensino brasileiro no ano de 2005. Ao longo dos anos de 1988 a 2005, o Censo Escolar do INEP tem demonstrado uma tendência na queda de matrículas nas escolas especiais e um aumento na rede de escolas regulares, sendo que as escolas públicas brasileiras já concentram 60% dos alunos com deficiência (SEESP, 2006 apud KASPER, 2007).

Todos os números relacionados anteriormente reforçam a necessidade do acesso ao ensino de qualidade para crianças com deficiências. Destaca-se o fato desse fracasso e dessa evasão escolar estarem diretamente ligados ao despreparo das escolas em receber e atender essas crianças.

Como veremos, as discussões sobre a reversão desse quadro não são novas, mas ainda geram muitas polêmicas.

Até meados da década de 1970, o tipo de educação oferecida às pessoas portadoras de deficiência costumava seguir o modelo médico. Clínicas, hospitais, consultórios particulares prescreviam medicações, tratamentos e orientações mesmo que as dificuldades dos pacientes fossem na área educacional. Algumas dessas instituições possuíam pequenas salas de aula onde reuniam grupos de pessoas com deficiência para a realização de atividades pedagógicas como forma de tratamento. A escolarização, quando havia, era vista como uma espécie de atendimento médico, sem a preocupação em seguir um planejamento pedagógico que favorecesse a aprendizagem de forma sequenciada.

Nessas instituições, os atendimentos eram organizados com base em um conjunto de terapias individuais: fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, psiquiatria, pedagogia-terapêutica, terapia ocupacional, entre outros. Não havia, entretanto, a preocupação em separar as pessoas por tipo de necessidade de escolarização, nem havia separação por idade, principalmente no caso da deficiência mental.

Tendo como parâmetro o modelo ideal de ser humano “saudável”, buscava-se a “recuperação“ ou “compensação” dos deficientes. Dessa forma, os pedagogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas tinham

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como objetivo principal, em suas atuações, compensar ou recuperar as funções cognitivas deficitárias, e de mobilidade do deficiente físico (GLAT et al., 2005).

Um marco importante nesse histórico foi a criação, em 1973, do (Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp) que institucionalizou a Educação Especial no planejamento de políticas sociais e deu início à implantação da Educação Especial na rede pública de ensino por meio da criação tanto de es-colas quanto de classes especiais para portadores de deficiência em escolas regulares. Havia também a preocupação em formular projetos de formação de recursos humanos especializados, inclusive no exterior (FERREIRA; GLAT, 2003).

Na década de 1980, o Cenesp definiu a integração como um dos princípios básicos da Educação Especial. Desse modo, os alunos com necessidades educacionais especiais eram submetidos a uma avaliação diagnóstica de suas condições físicas, sensoriais e cognitivas, cujos resultados serviam para indicá-los para escolas especializadas ou classes especiais.

Os alunos eram selecionados de acordo com o grau de capacidade que possuíam para aprender e de crianças com deficiências diversas. A intenção era fazer com que deficiência deixasse de ser vista como doença e passou-se a discutir como desenvolver um tipo de atendimento educacional por meio da utilização de novos recursos e métodos de ensino direcionado para desenvolver e estimular a apren-dizagem dessas pessoas.

Entretanto, para alguns autores, essa prática acabou por se tornar segregadora e de alguma forma “cúmplice” do processo de “medicalização” do fracasso escolar (FONSECA, 1995; FERNANDES, 1999; PATTO, 2000, apud GLAT et al., 2005).

Collares e Moysés (1986, p.10 apud NUTTI, 2000), denominam de medicalização do fracasso escolar “a busca de causas e soluções médicas no nível organicista e individual para problemas eminentemente sociais.” Entretanto, tal processo não tem se limitado apenas ao encaminhamento de alunos considerados portadores de distúrbios ou problemas de aprendizagem para avaliação médica. Há também aquilo que os autores denominam como “psicologização” do fracasso escolar o que, para Collares (1989, apud NUTTI, 2000), significa o excesso do número de alunos encaminhados aos serviços de Psicologia das instituições de Saúde. Para Nutti (2000):

A medicalização e a psicologização são dois produtos de um processo mais amplo, a “patologização” do processo de ensino-aprendizagem, que se manifesta através da atribuição do fracasso escolar a fatores como desnutrição e disfun-ções físicas e neurológicas (hiperatividade, disfunção cerebral mínima, dislexia etc.) supostamente presentes no aluno. Desse modo, a patologização acaba por atribuir somente ao aluno a responsabilidade pelo seu desempenho insatisfa-tório, não considerando que o sistema educacional pode ter deficiências no atendimento desses estudantes.

Mas é importante lembrar que todos estes projetos permitiram alterações significativas na discussão sobre a educação para portadores de deficiência e proporcionou a alteração do modelo médico para modelo educacional (GLAT, 1998). O que favoreceu a aprendizagem de crianças prejulgadas como incapazes. Desse modo, pode-se dizer que os movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980 foram os precursores da conquista do direito à educação dos portadores de deficiência.

Sob esse aspecto, a Constituição Federal de 1988, no artigo 208, prescreve a inserção de todos os alunos com deficiência na escola, preferencialmente no sistema da rede regular de ensino (GLAT et al., 2005). Nesse período, estimulados pelos movimentos sociais em prol dos direitos humanos, desen-volveu-se a discussão sobre as alternativas pedagógicas que permitissem a inserção dos alunos com necessidades educacionais especiais junto aos demais no ensino regular, fomentando o debate sobre a Educação Inclusiva.

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Inclusão e igualdade de oportunidades na educaçãoÉ importante lembrar que o conceito de inclusão na educação passou a ser debatido com maior

ênfase a partir da conferência da Unesco em Salamanca, na Espanha, em 1994 (UNESCO, 1994). A Declaração de Salamanca, como ficou conhecida, é, ao mesmo tempo, uma declaração de direitos e uma proposta de ação que lançou os princípios fundamentais da Educação Inclusiva e representou um avanço em relação ao conceito de integração.

Devem-se esclarecer esses dois modelos de inserção do aluno com necessidades educacionais especiais no ensino regular: integração e inclusão.

No primeiro modelo, denominado integração, que começou a ser implementado no Brasil desde o final da década de 1970, os alunos com necessidades especiais, geralmente oriundos do ensino especial, eram inseridos na sala regular na medida em que demonstrassem condições para acompanhar a turma, recebendo atendimento especializado paralelo, em horário alternativo, individualmente ou em salas de recursos.

No segundo modelo, denominado inclusão propriamente dita, esses alunos, independente do tipo ou grau de comprometimento, deveriam ser matriculados diretamente no ensino regular, cabendo à escola se adaptar para atender às suas necessidades na própria classe regular.

A integração escolar é um processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas, segundo as habilidades e performances dos alunos. Refere-se ao processo de escolarização no mesmo grupo, de alunos com e sem necessidades educacionais especiais, durante um período ou a totalidade de sua permanência na escola, dependendo das condições de acompanhamento da classe escolar.

A viabilidade da inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de educação requer o provimento de condições básicas, como, reformulação de programas educacionais, formação permanente dos educadores, conhecimento das peculiaridades das deficiências, ou seja, o princípio da inclusão consiste na igualdade de direitos, privilégios e deveres, participação ativa e interação social em ambiente o menos restritivo possível, respeitando-se as diferenças individuais.

Na escola inclusiva, a diversidade deve ser valorizada como meio de fortalecer a turma e oferecer a todas as pessoas com deficiências maiores oportunidades para a aprendizagem. A escola inclusiva é, portanto, aquela que educa todos os alunos em salas de aula regulares e onde todos os alunos recebem oportunidades educacionais adequadas às suas habilidades e capacidades de aprendizagem (ARANHA, 2000).

A Educação Inclusiva parte do pressuposto de que todas as crianças podem aprender, podem se socializar e participar das atividades que compõem o cotidiano escolar e que suas diferenças devem ser respeitadas.

Alguns autores consideram que as condições de sucesso da inclusão estão sobretudo situadas nas capacidades individuais da pessoa, isto é, seu nível dependeria sobretudo da maior ou menor capacidade adaptativa do indivíduo. Por outro lado, outras perspectivas consideram que a simples existência de condições favoráveis do envolvimento para a inclusão é o fator determinante para que ela se faça com sucesso.

Pode-se dizer que nem uma posição nem outra corresponde à realidade: o processo de inclusão é determinado pela interação entre as variáveis individuais e as do envolvimento sociocultural. Ninguém é aceito ou rejeitado apenas por suas capacidades individuais ou somente pelas características do seu meio.

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O processo de integração/inclusão é um processo interativo e dinâmico resultante da influência mútua de múltiplos fatores (RODRIGUES, 1986). Vale ressaltar que as pessoas com necessidades educacionais especiais não são as únicas excluídas, o que faz com que a noção de Educação Inclusiva deva tomar outras dimensões, como a de classe social, as diversidades étnicas etc. (GLAT; OLIVEIRA, 2003).

Estar incluído é sobretudo possuir e dominar alguns instrumentos que permitam a relação com a comunidade. A relação do estudante portador de deficiência com a escola é um processo interativo em que se devem considerar conjuntamente suas características, solicitações, recursos e possibilidades das instituições. Essa relação encontra-se, no entanto, condicionada pelo reconhecimento de direitos das pessoas portadoras de deficiência à educação que, no entender de Hegarty (1994), são:

O direito à educação – em todos os níveis, inclusive a universidade;::::

O direito à igualdade de oportunidades – o direito de usufruir oportunidades semelhantes às ::::dos seus pares sem condições de deficiência;

O direito à participação social – consubstanciado no direito de usufruir os equipamentos e ::::condições postos à disposição de toda a comunidade.

Deve-se ressaltar o fato de que esse reconhecimento do direito à igualdade de oportunidades im-plica um cenário de diferenciação de tratamento. Não se pode assegurar a igualdade de oportunidades sem diferenciar o tratamento dado, o que torna óbvio que um tratamento, por mais inócuo e impessoal que pareça, favorece alguns grupos, prejudicando, inevitavelmente, outros. Desse modo, assegurar o direito à educação e à igualdade de oportunidades reflete sobre as condições de acesso e de sucesso dos alunos.

Feitas essas considerações, é importante lembrar que a educação inclusiva em suas diversas inter-pretações e modalidades é hoje a diretriz principal das políticas sociais de educação tanto em nível federal quanto estadual e municipal (FERNANDES, 1999; GLAT; NOGUEIRA, 2002; FERREIRA; GLAT, 2003).

No entanto, a falta de condições e recursos adequados ao atendimento das necessidades educacionais especiais, associada a uma formação segmentada dos educadores, justifica o despreparo e uma certa dose de resistência e desinteresse por parte de muitos professores. As resistências podem ser notadas na alegação de não se sentirem preparados para a inclusão; de não possuírem material pedagógico adaptado; das condições arquitetônicas não serem favoráveis a esse público; do número excessivo de alunos matriculados por turma, entre outros fatores. Esses pontos, certamente, influenciam negativamente a proposta inclusiva.

Alguns professores muitas vezes acabam tomando posturas pessoais em relação aos alunos portadores de deficiência reagindo à presença desses com enorme embaraço. Optam muitas vezes por aprová-los baixando escandalosamente, na opinião do restante dos alunos, as exigências da avaliação. Desse modo, ainda se nota em salas de ensino regular uma inclusão fragmentada, lembrando a exclusão e a segregação tão questionadas em outras circunstâncias da trajetória da Educação Especial.

Observa-se, portanto, que os princípios da inclusão escolar nem sempre estão voltados para as peculiaridades que envolvem o aluno com necessidades educacionais especiais, uma vez que existem deficiências que de fato impedem o aprender de forma homogênea. Nesses casos, muitas vezes o aluno é inserido no ensino regular sem ser, de fato, agregado ao conjunto de atividades pedagógicas oferecidas para a classe. Uma das razões para esse fato é que persistem um conjunto de ideias pré-concebidas sobre o processo de inclusão educacional.

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Como se nota, é necessário enfatizar na formação dos educadores princípios e processos de ensino-aprendizagem, retirando o caráter meramente tecnicista e instrumental das metodologias e procedimentos didáticos. Em outras palavras, o olhar do professor deve ser humanizado e voltado para as singularidades, tornando-se necessário desmontar e desaprender estereótipos, preconceitos, mitos e outros construtos elegidos pelo imperativo da segregação e exclusão daqueles considerados diferentes ou sem potencialidade para aprendizagem.

Os profissionais da escola devem ser capacitados para lidarem com a diversidade, como referem Glat e Oliveira (2003, p. 24): “Inclusão, portanto, não significa, simplesmente matricular os educandos com necessidades especiais na classe comum, ignorando suas necessidades específicas, mas significa dar ao professor e à escola o suporte necessário à sua ação pedagógica.”

Autores como Bueno (1999), Glat (1998), Glat e Nogueira (2002), Goffredo (1992), Mazzotta (2001), entre outros, consideram que uma das dificuldades para a efetivação da proposta inclusiva é, sem dúvida, como já mencionado, o despreparo dos professores do ensino regular, para receberem em suas salas de aula alunos com necessidades educacionais especiais. Para Bueno (1999) a Educação Inclusiva envolve dois tipos de formação profissional docente: professores “generalistas” do ensino regular, com um mínimo de conhecimento e prática sobre alunado diversificado; e professores “especialistas” nas diferentes “neces-sidades educativas especiais”, quer seja para atendimento direto a essa população, quer seja para apoio ao trabalho realizado por professores de classes regulares que integrem esses alunos.

Todos os professores precisam ser preparados para lidarem com as diferenças, com a singulari-dade e a diversidade de todos os alunos e não com um modelo de pensamento comum a todos eles (GLAT et al., 2002).

Dentro desse contexto, é de extrema importância lembrar o papel da universidade nesse debate sobre a pedagogia, as metodologias de ensino e sobre as causas de sucesso ou insucesso dos alunos portadores de deficiência.

As dificuldades da universidade para assegurar uma efetiva igualdade de oportunidades e de sucesso passam, sobretudo, pela concepção de ensino-aprendizagem. Essa concepção tem várias dimensões. Em primeiro lugar o processo de ensino-aprendizagem continua a ser considerado como uma transferência de informação do docente para o discente. Sabe-se hoje a partir de estudos sobre a aprendizagem, que o que é verdadeiramente significativo e útil para a vida profissional e para o desenvolvimento do indivíduo não pode estar baseado numa simples transferência de informação. A aprendizagem deve ser encarada como um processo em última instância criativo em que as representações, os paradigmas de conhecimento que o indivíduo tem sobre um dado objeto de conhecimento vão sendo alterados, reformulados ao longo de todo processo. A aprendizagem é assim um processo pessoal, permanente e dinâmico (LARSEN, 1995).

Uma segunda dificuldade situa-se na diversidade e diferenciação que os docentes conseguem dar ao seu programa. É considerado um valor positivo a organização clara do âmbito, dos objetivos, dos conteúdos, da avaliação e da bibliografia da disciplina. Por vezes esta organização, que é em si própria positiva, pode constituir um obstáculo para a diversificação de oportunidades de aprendizagem e de avaliação que os estudantes portadores de deficiência podem solicitar.

Ainda em relação ao sucesso, é importante realçar algumas possibilidades que a universidade pode aproveitar por meio da inclusão de estudantes portadores de deficiência. Estas possibilidades situam-se em três domínios. Em primeiro lugar, permitir uma representação efetiva no campo profissional dos futuros profissionais. Muitas das dificuldades de sucesso na universidade situam-se ao nível das

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representações implícitas que os professores têm a respeito do campo profissional dos seus alunos. Por exemplo, é possível que um professor de um curso de Engenharia Mecânica desenvolva uma atitude pouco positiva em relação ao sucesso do seu estudante paraplégico porque a representação profissional que ele tem de um engenheiro mecânico pressupõe uma destreza física para acompanhar uma obra no terreno e mesmo até exemplificar a execução de tarefas específicas. Ora essa representação profissional restrita do docente além de não corresponder à realidade (haverá dezenas senão centenas de perfis profissionais possíveis de serem desempenhados por um engenheiro mecânico) pode influenciar a receptividade que esse docente tem ao sucesso de um aluno portador de deficiência. Assim, uma das contribuições que o estudante pode dar à Universidade, é convidá-la a refletir sobre os diferentes perfis profissionais das suas licenciaturas. A existência de um leque de possibilidades de perfis profissionais – conseguida através do estudo do mercado de emprego e da colocação atual de antigos alunos – é um fator de encaminhamento acadêmico e pode mesmo alertar a universidade para áreas de formação que deveriam ser mais contempladas em nível curricular.

Um segundo aspecto diz respeito ao alerta que o estudante portador de deficiência faz para a necessidade de constituir redes de solidariedade dentro da escola. O estudante portador de deficiência pode ser um catalisador de práticas e valores novos. A responsabilidade da inclusão de um estudante portador de deficiência é de toda a comunidade escolar e representa uma oportunidade para a reflexão sobre os conteúdos, as metodologias, o sucesso do ensino e da aprendizagem feitas na universidade.

O terceiro aspecto diz respeito a que a acessibilidade na universidade pode beneficiar muitas pessoas: os docentes que podem diferenciar as suas práticas pedagógicas, os alunos com dificuldades mesmo sem deficiências identificadas e os demais alunos que poderão com metodologias adequadas de individualização progredir ao ritmo e à dimensão das suas capacidades. A consideração das capaci-dades individuais dos alunos para o ensino é possível através de estratégias possíveis de serem execu-tadas de ensino personalizado etc. (RODRIGUES, 1998).

A inclusão dos estudantes portadores de deficiência na universidade é uma oportunidade para a reflexão e criação de novas metodologias e filosofia curricular e de preparação profissional das suas práticas (PUTMAN, 1998).

É necessário desafiar as visões comuns de “excelência” e questionar porque é que a exclusão, a homogeneidade e o individualismo hão de estar relacionados com a qualidade. Talvez a qualidade, numa sociedade cada vez mais multicultural, e heterogênea e em que as pessoas diferentes têm cada vez mais visibilidade e poder, a verdadeira qualidade tenha que se equacionar em face de valores de cooperação, inclusão, negociação e coletivo. (NUCAN; GEORGE; MCCAUSLAND, 2000)

Texto complementar

Surdos: desafios para entrar na universidade(CALDAS, 2006)

Se ingressar no Ensino Superior já não é uma tarefa fácil para a maioria dos jovens, o desafio é ainda maior para os estudantes surdos. Além de dominar o conteúdo da prova, esses alunos

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precisam superar a compreensão da língua. A educação dos deficientes auditivos é baseada principalmente na Língua Brasileira de Sinais (Libras), muito diferente da língua portuguesa.

Anualmente, cerca de 66 mil deficientes auditivos, incluindo mais de 46 mil surdos, são matri-culados em instituições de Ensino Fundamental e Médio. No Ensino Superior, esse número cai para menos de mil ingressos por ano. A queda é imposta pelas barreiras por eles enfrentadas durante toda a vida escolar. Os maiores problemas são a falta de intérpretes nas escolas e a pouca difusão da Libras entre a sociedade.

Roberta Gomes, universitária, ficou surda aos dois anos devido a uma meningite. Participou, em 2005, do curso pré-vestibular do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines/MEC), voltado especialmente para deficientes auditivos. Roberta foi aprovada nos três vestibulares que prestou: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Ines. Escolheu estudar no Instituto Superior Bilíngue do Ines, onde faz o curso normal superior e pretende se especializar em Libras para dar aulas a outros surdos.

Para a aluna, de apenas 20 anos, a maior dificuldade em seu aprendizado foi mesmo a comu-nicação. Por isso, considera que o apoio dos profissionais especializados foi muito importante para sua aprovação. “Com a ajuda dos professores e intérpretes obtive muitos conhecimentos que me ajudaram a ser aprovada. Estou muito feliz e espero que esse trabalho continue para ajudar outros surdos a ingressarem na universidade”, afirma.

Contratação de intérpretes – A partir do dia 23 de dezembro deste ano todas as escolas e univer-sidades federais do país estarão obrigadas a contratar intérpretes de Libras. O prazo foi estipulado pelo Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que também regulamenta a inserção de aulas de Libras no currículo dos cursos de formação de professores em universidades públicas e particulares.

(CALDAS, Cíntia. Surdos: desafios para entrar na Universidade. 2006. Disponível em:

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Atividades1. Por que não se encontra com facilidade professores ou intérpretes de Libras em universidades e

escolas do Brasil?

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Page 118: Sociologia Da Acessibilidade

116 | A acessibilidade e a Educação Inclusiva

2. Existem barreiras reais contra os estudantes portadores de deficiência ou são apenas barreiras que podem ser vencidas com a Educação Inclusiva?

3. As universidades e escolas estão arquitetonicamente preparadas para receber portadores de deficiência?

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117|A acessibilidade e a Educação Inclusiva

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A acessibilidade e a Educação Inclusiva

1. O Brasil é um país que ainda está pouco desenvolvido no âmbito educacional, seja na educação regular ou na Educação Inclusiva. Nesse sentido, sabe-se que, para que haja professores habilitados para poder realmente participar da Educação Inclusiva, precisaria haver antes um grande avanço em toda a educação no Brasil.

2. Dizer que alguém não pode realizar uma função por conta de uma deficiência é discriminação ou falta de informação. Sabe-se que um surdo ou outras pessoas portadoras de deficiência têm capacidade de aprender com outra pessoa. O ritmo pode ser diferente e as necessidades outras, mas as verdadeiras barreiras contra os estudantes portadores de deficiência são a social e a política.

3. Não, a maioria das escolas e universidades não permitem que exista uma mobilidade, o que acaba dificultando a participação dos estudantes. Por mais que um portador de deficiência entre em uma universidade e tenha tanta capacidade de aprender quanto os outros estudantes, as dificuldades enfrentadas no momento de entrar em uma sala de aula, de atravessar um corredor, de subir e descer uma rampa servem como impedimento suficiente para que esse estudante não consiga concluir o curso.

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Page 123: Sociologia Da Acessibilidade

Esporte e deficiênciaAo longo do século XX, a preocupação em encontrar soluções para os problemas de acessibilidade

das pessoas portadoras de deficiência foi estimulada, fundamentalmente pelas duas grandes guerras mundiais, além de inúmeras outras guerras de menor porte, mas com consequências igualmente devastadoras para a população. Inúmeras ações passaram a ser pensadas, visando à reintegração das vítimas que resultaram no desenvolvimento de áreas de conhecimento vinculadas a programas de reabilitação para veteranos de guerra.

A maior parte das nações que se envolveram na Segunda Grande Guerra desenvolveu métodos, técnicas e instrumentos específicos como as órteses e próteses na tentativa de tornar mais fácil a vida das pessoas portadoras de deficiência, além dos estudos sobre psicomotricidade voltados para a reabi-litação neurocomportamental, tendo como objetivo principal tornar os corpos lesionados mais predis-postos aos movimentos.

Nos Estados Unidos da América, a ênfase foi dada aos estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem motora, métodos de avaliação motora; principalmente em relação aos portadores de distúrbios de aprendizagem e dos retardos motores.

Na Alemanha e Inglaterra, o enfoque esteve em pesquisas sobre problemas dos portadores de deficiência mental e de lesões físicas, principalmente das amputações e traumatismos raquimedulares, provenientes da guerra que levaram a quadros severos de paraplegia e tetraplegias.

De toda forma, as raízes do esporte para deficientes podem ser identificadas inicialmente por meio de eventos isolados. Em 1918, na Alemanha, durante a Primeira Grande Guerra, um grupo de lesionados reuniu-se para praticar esportes. Há registros, ainda em 1932, do surgimento da Associação do Golfista de um Só Braço na Inglaterra.

Entretanto, o esporte como prática de integração para pessoas portadoras de deficiência foi sistematizado por meio de duas linhas distintas de trabalho que se formam a partir da Segunda Grande Guerra. Uma delas, com enfoque médico, representada pelo Dr. Ludwig Guttmman na Inglaterra e a outra, com enfoque esportivo, desenvolvida nos Estados Unidos da América pelo Dr. Benjamin Linpton (STROHKENDL, 1996; FREITAS, 1997).

Ludwig Guttmam, neurocirurgião e neurologista, introduziu as atividades esportivas como parte essencial do tratamento médico para recuperação das incapacidades geradas por lesões medulares. Depois de estudar exaustivamente o gesto esportivo, como forma terapêutica e de integração social, iniciou o que se tornaria o desencadeador da prática desportiva entre portadores de deficiência,

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122 | Esporte e deficiência

adaptando a prática da atividade física ao processo de reabilitação: os eventos competitivos (VARELA, 1991, apud FREITAS; CIDADE, 1997, p. 61). A reabilitação buscou na atividade física novos caminhos para possibilitar a integração das pessoas portadoras de deficiência e a sociedade.

Em face aos problemas que se instalavam com os soldados mutilados e lesados medulares, os quais tinham uma sobrevida de no máximo um ano, o governo britânico construiu o hospital de Stoke Mandeville em Aylesbury, em 1943, e Guttmann foi convidado a dirigi-lo.

Segundo Varela (1991), o hospital tinha como objetivo receber e tratar lesados medulares vítimas da Segunda Grande Guerra. Em 1944, ao iniciar seu trabalho com pacientes com lesão medular no hospital, Guttmann notou a baixa expectativa de vida e as péssimas condições de sobrevida dessas pessoas em consequência de infecções secundárias e do sedentarismo.

Para minimizar esse problema, passou a utilizar o esporte como componente do programa de tratamento e reabilitação. Para ele, estabelecer as atividades do corpo e da mente proporcionava opor-tunidade de respeito próprio, autodisciplina, espírito competitivo e coragem. O esporte era uma oportu-nidade de desenvolvimento de atitudes mentais essenciais para a reintegração social (VARELA, 1991).

A reabilitação buscou na atividade física novos caminhos para possibilitar a interação dessas pessoas com a sociedade, evidenciando as capacidades residuais dos portadores de deficiência física através do esporte (ARAúJO 1997, apud FREITAS; CIDADE, 1997, p. 61). Para esse tipo de filosofia de tratamento, a atividade física e/ou esportiva para pessoas portadoras de deficiência significava, – além da prevenção contra deficiências secundárias – a oportunidade para que os portadores de deficiência testassem suas possibilidades físicas e promovessem a integração total do indivíduo (consigo mesmo e com a sociedade).

Para Montandon (1992), integrar, através da prática desportiva, poderia significar a quebra de muitas barreiras para pessoas portadoras de deficiência: a primeira delas, a barreira consigo mesma, proporcionando-lhes, num primeiro momento, autonomia, independência e autoconfiança necessárias para sua vida e inclusão na sociedade.

De maneira geral, o esporte como fim terapêutico, como descreve Souza (1999), traz benefícios para muitos tipos de disfunções, por exemplo:

a compensação funcional de portadores de asma brônquica, uma vez que pela prática espor-::::tiva há uma elevação da capacidade funcional; também reduz ou elimina as manifestações dessa doença, aumentando a qualidade de vida dessas pessoas;

em relação aos portadores de diabetes, o esporte potencializa a insulina produzida pelo próprio ::::organismo ou injetada no diabético, ao mesmo tempo em que reduz consideravelmente o percentual de açúcar;

a espasticidade de paralisados cerebrais pode ser reduzida pela prática esportiva, assim como ::::podem ser melhoradas também a coordenação motora e o equilíbrio;

no que se refere à compensação ou regeneração de distúrbios de ordem psíquica, sabe-se que ::::a atividade física regular e bem orientada estimula, entre outras, a produção de endorfinas, responsáveis, respectivamente, por sensações de bem-estar e pelo combate à depressão.

Para esse autor, a prática de atividade física faz com que o indivíduo tome consciência de sua autoeficácia, ou seja, ele percebe que é capaz de fazer algo por sua saúde e por seu bem-estar emocional, assim como em termos de motivação, autoimagem e autovalorização podem melhorar

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123|Esporte e deficiência

consideravelmente à medida que o indivíduo passe a se considerar saudável e capaz apesar de portar uma deficiência. Desse modo, pela prática esportiva podem-se mudar os motivos que mobilizam ou imobilizam as pessoas em suas diferentes situações de vida.

Paralelamente ao desenvolvimento do esporte como forma de reabilitação no hospital da Inglaterra pelo trabalho de Guttmann, nos Estados Unidos da América, em 1946, veteranos de guerra lesionados iniciaram a atividade de basquetebol. Esses veteranos criaram o primeiro time denominado The Flying Wheels (rodas voadoras) em Van Nuys, na Califórnia (STROHKENDL, 1996; POOL; TRICOT,1985). As apresentações públicas tinham como objetivo despertar o interesse da sociedade para os problemas dos traumas físicos dos deficientes e, também, estimular outros deficientes a compreenderem a sua capacidade de realizar diversas atividades, entre elas o esporte.

Esse movimento levou o governo norte-americano a criar o Programa de Reabilitação Desportiva que organizava, promovia e treinava equipes de basquetebol em cadeiras de rodas (HEDRICK; BYRNES; SHAVER, 1989; WINNICK, 1995).

Em 1949, fruto desse trabalho, foi organizado o primeiro campeonato de basquetebol sobre rodas dos EUA, o que levou à criação da Wheelchair Basketball Association (WBA – Associação de Basquetebol em Cadeiras de Rodas).

Mais tarde foi associada com a famosa National Wheelchair Athletic Association (NWAA – Associa-ção Nacional de Atletas em Cadeiras de Rodas) (STROHKENDL, 1996).

As paraolimpíadasEm julho de 1948, Guttmann organizou os primeiros Jogos de Stoke Mandeville dos quais

participaram pacientes do hospital Star Garter Home for Disabled e os ex-servicemen de Richmond em Londres (hospital para ex-combatentes da guerra) (GUTTMANN, 1976).

Esses jogos contaram com a presença de 16 competidores com lesão medular, disputando a mo-dalidade de arco e flecha em cadeira de rodas. Essa competição tornou-se o símbolo do início das dis-putas esportivas entre os portadores de deficiência.

Em 1949, ao organizar o segundo ano da competição, Guttmann propôs que os Jogos de Stoke Mandeville devessem equivaler, para homens e mulheres portadores de deficiência, aos jogos olímpicos. Tal proposta entusiasmou tanto os profissionais do hospital quanto os pacientes que logo começaram a elaborar os primeiros regulamentos dos jogos. Tal iniciativa é vista como o marco inicial do movimento de esportes para pessoas portadoras de deficiência (GUTTMANN, 1976).

Nos anos seguintes, a participação de outras instituições aumentou consideravelmente (hospitais e casas de ex-combatentes), e, a partir de 1952, os Jogos de Stoke Mandeville passaram a se chamar Jogos Internacionais de Stoke Mandeville (GUTTMANN 1976; POOL; TRICOT, 1985). A partir desse ano, muitos países foram representados por competidores vindos de hospitais ou centros de reabilitação nos quais o esporte era incluído entre as atividades dos programas de recuperação, como em Stoke Mandeville.

Em 1954, já eram 14 os países participantes que incluíam em suas equipes pacientes com sequelas divididos entre os times chamados Old Boys (garotos veteranos) e Old Girls (garotas veteranas)

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124 | Esporte e deficiência

(HEDRICK et al,1989), e, à medida que aumentava o interesse pelos jogos, muitas modalidades foram sendo introduzidas na competição, tais como atletismo, esgrima, snooker, tênis de mesa, basquetebol sobre rodas.

Em função do aumento do número de países participantes, Guttmann criou o British Paraplegic Sport Endowment Fund (Fundação Inglesa de Esporte para Paraplégicos) com o propósito de tornar os Jogos de Stoke Mandeville uma fundação, angariar recursos financeiros básicos e garantir sua continuidade bem como o progresso do movimento internacional de esporte para paralisados (STROHKENDL, 1996).

Em 1959, nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, com o grande aumento do número de participantes, os organizadores decidiram reorganizar os regulamentos e criar o Comitê dos Jogos de Stoke Mandeville, constituído de cinco membros: Inglaterra, como membro permanente, Itália, Bélgica, França, e Holanda. A decisão de Roma incluir, em 1960, os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville junto aos jogos olímpicos abriu espaço para os atletas deficientes fortalecerem o movimento esportivo para esse segmento da sociedade.

O termo “paraolimpíadas” foi originalmente utilizado por uma paraplégica, Alice Hunter, paciente do Hospital de Stoke Mandeville, que escreveu para a revista The Cord Journal of the Paraplegics o artigo intitulado “Alice at the Paralympiad” (Alice nas Paraolimpíadas), descrevendo sua história sobre o esporte. O termo “para” refere-se à paraplegia. Em fevereiro de 1985, o Comitê Coordenador Internacional (ICC) aceitou os termos do Comitê Olímpico Internacional (COI) e concordou em substituir o termo Olympics Games for the Disabled (Jogos Olímpicos para Deficientes) por Paralympic Games(Jogos Paraolímpicos) (Guttmann,1976).

Em princípio, Guttmann queria que os jogos se chamassem The Olympics of the Paralysed (As Olimpíadas dos Paralisados), porém já era esperada a participação de outros tipos de deficiência que não só lesão medular. Em 1976, no Canadá, os jogos ficaram conhecidos como The Olympiad for the Physical Disabled (A Olimpíada dos Deficientes Físicos). No entanto esse termo nunca foi aceito pelo Comitê Olímpico. Apenas em 1969 foram aceitos portadores de deficiência com sequelas de poliomielite e amputações nos jogos de Stoke Mandeville.

De acordo com DePauw e Gravon (1996), esse fato se deu pelo próprio desconhecimento do potencial de movimentos das pessoas que estavam envolvidas, e por ter nascido em um hospital que tratava unicamente de pacientes com lesão medular. Os autores ainda colocam a pouca participação dos tetraplégicos, que eram considerados pelos médicos incapazes do ponto de vista fisiológico. Mais tarde, o presidente do COI concordou e aprovou a proposta do Dr. Robert Jackson, então presidente do International Stoke Mandeville Games (ISMG), para a denominação Paralympics (Paraolimpíada) dos jogos de 1984. Atualmente, o Comitê Paraolímpico Internacional oferece vinte esportes de verão e seis de inverno. A maioria das modalidades e eventos paraolímpicos são modificações das modalidades e eventos olímpicos, com normas de classificação que permitem o desenvolvimento das capacidades funcionais de cada atleta.

Alguns esportes, como o judô, são oferecidos apenas para deficientes visuais. As paraolimpíadas são realizadas trinta dias após as olimpíadas, no mesmo local, e participam atletas portadores de defici-ências visual, paralisados cerebrais, amputados, deficientes físicos etc.

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125|Esporte e deficiência

O esporte para pessoas portadoras de deficiência no BrasilNo Brasil, a prática desportiva entre portadores de deficiência tem início no final dos anos 1950

por iniciativa de Robson Sampaio de Almeida e Sérgio Del Grande, portadores de paraplegia, depois de retornarem dos EUA em 1958, e terem tido contato com o esporte para deficientes.

Em São Paulo, Del Grande fundou o Clube dos Paraplégicos em 23 de julho de 1958 e Robson Sampaio fundou, em 1.º de abril do mesmo ano, o Clube do Otimismo no Rio de Janeiro. Formaram-se, assim, as duas pioneiras equipes esportivas de basquetebol sobre rodas do Brasil (MATTOS, 1990). O primeiro jogo de basquetebol em cadeira de rodas foi realizado no estádio Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, entre as equipes paulista e carioca.

Em 1963, houve a primeira participação do Brasil nos Jogos Nacionais dos Estados Unidos e no início da década de 1970 surgiram mais dois clubes para deficientes físicos no Rio de Janeiro.

Os brasileiros competiram pela primeira vez em 1972, nos Jogos Paraolímpicos da Alemanha e após a participação do Brasil nos Jogos Pan-Americanos no México, em 1975, deu-se início a uma nova fase do desporto nacional para deficientes.

No Canadá, em 1976, o Brasil ganhou suas primeiras medalhas paraolímpicas: os atletas Robson Sampaio de Almeida e Luiz Carlos, “Curtinho”, conquistaram duas medalhas de prata na modalidade de bocha (FREITAS; CIDADE,1997).

A primeira Olimpíada Nacional, também chamada de Primeiros Jogos do Otimismo, ocorreu em 1974, e em 1975 foi fundada a Associação Nacional de Desportos para Excepcionais (Ande).

Em 1978, a Ande organizou o VI Jogos Pan-Americanos no Brasil, e, apesar de todos os problemas enfrentados pela a falta de experiência e estrutura adequada para a realização de um evento de nível internacional, o saldo foi positivo em função do interesse despertado nos profissionais de educação física para a área do esporte em cadeira de rodas.

Em março de 1982, o Conselho Nacional de Desportos reconheceu e regulamentou, por meio da Deliberação 3/82, o esporte em cadeira de rodas. Essa deliberação era fundamentada no artigo 186 do Decreto 80.228/77, que estabelecia as normas para a estruturação e funcionamento das entidades dirigentes do desporto e das atividades desportivas praticadas por paraplégicos e tratava da fundação da Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas (Abradecar).

A Paraolimpíada de Seul, realizada em 1988, deu ao Brasil quatro medalhas de ouro, nove de prata e 14 de bronze, totalizando 27 medalhas e alguns atletas brasileiros estabeleceram novos recordes mundiais em suas categorias.

A partir de então, vários amistosos aconteceram, incentivando o aparecimento de outros clubes e equipes. Desde então o Brasil tem sido representado nas grandes competições internacionais, além de ter se transformado em um viés organizativo importante no país. Existe hoje no país um expressivo número de entidades que têm na prática esportiva e no movimento em torno do desporto adaptado sua principal atividade, acompanhando o movimento internacional.

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A institucionalização do Desporto Adaptado BrasileiroA partir da criação da Comissão Nacional do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (CNAlPD)

o Estado brasileiro deu início a projetos que tinham como objetivo específico discutir os problemas dos deficientes físicos. A criação, por exemplo, do Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp) – que tinha por objetivo, naquela época, subsidiar a formação da política nacional relativa à educação de excepcionais e que pode ser considerado como um dos primeiros passos para a organização dos planos políticos de âmbito nacional que vieram a partir daí (CARMO 1991).

Entre 1985 e 1987, o Cenesp foi transformado em Secretaria de Educação Especial (Sesp), e foi criada a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Deficiente (Corde), esta diretamente então ligada à Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan), tendo esse novo órgão, em seu programa de ação, quatro grandes metas:

programa de conscientização; ::::

prevenção;::::

atendimento às pessoas portadoras de deficiências;::::

inserção no mercado de trabalho.::::

Entretanto, no que se refere ao lazer e ao esporte para pessoas portadoras de deficiência, não havia uma preocupação de desenvolvimento de uma política específica e clara nem por parte da Sesp e nem da Corde no tocante à elaboração de linhas diretrizes voltadas para esses fenômenos culturais (CARMO, 1991). Segundo esse autor, isso ocorria por existir em nível ministerial, MEC, uma secretaria exclusivamente criada para esse fim, a Secretaria de Educação Física e Desportos (Seed).

No final dos anos 1980, a Corde, que no momento de sua criação estava vinculada diretamente ao Gabinete Civil da Presidência da República, sofreu algumas alterações políticas: a primeira mudança ocorre em 11 de junho de 1987, através do Decreto 94.431, para a Decreto Seplan. Em 10 de março de 1988, por meio de novo decreto, o de 95.816, é novamente transferida, agora para o Gabinete da Secretaria de Administração Pública da Presidência da República (Sedap/PR) (apud CARMO,1991).

Em 2 de setembro de 1988, um novo decreto (96.634) a transfere para o Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social. Sofre mais duas mudanças: para o Ministério do Interior e por fim encontra-se dentro da Secretaria dos Direitos da Cidadania (SDC), do Ministério da Justiça, permanecendo suas ações na direção das questões que envolvem a integração da pessoa portadora de deficiência. Segundo Araújo (1997, p. 41), a Corde

[...] respondeu por inúmeros acontecimentos ligados a pessoas portadoras de deficiência e ao desporto. A participação da equipe Brasileira na Paraolimpíada de Seul em 1988 foi de inteira responsabilidade da Corde, que mantinha o desporto dentro de sua proposta original como fator relevante de integração da pessoa portadora de deficiência.

Para Araújo (1997), a institucionalização do Desporto Adaptado Brasileiro permitiu o início da discussão no campo da Educação Especial em geral e especificamente na área da educação física e do desporto para as pessoas portadoras de deficiência, o que contribuiu para que os órgãos de governo estabelecessem atendimentos específicos nesse campo.

O autor destaca algumas ações que estiveram presentes no momento da identificação dos problemas, e que trouxeram contribuições para a efetivação de certas ações, tais como:

[...] os Congressos Brasileiros do Esporte Para Todos, relacionados ao movimento de Esporte Para Todos – EPT; o Projeto Integrado Seed/Cenesp (1984-1985 – estudos das condições em que as pessoas portadoras de deficiência

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eram atendidas, no campo da educação física e do esporte); o Plano Nacional de Ação Conjunta para Integração da Pessoa Deficiente (1985-1990 – no governo de José Sarney) e a criação da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Deficiente (Corde): e o PIano Plurianual 1991-1996 (pIano geral de esporte do governo de Fernando Collor, para este período).(ARAúJO,1997, p. 25)

Araújo (1997) também destaca o surgimento de um movimento nacional no início dos anos 1970, na área de educação física, que tinha como finalidade propiciar à população atividades físicas em locais abertos nas cidades, tais como parques, praias, bosques, ruas, praças e áreas livres em geral, de modo que os Congressos de Esporte para Todos tornaram-se, naquele momento, fórum de discussão e apresentação de diversos trabalhos desenvolvidos em educação física com pessoas portadoras de necessidades especiais.

A partir de 1984, por meio do Projeto Integrado Seed/Cenesp, teve início um movimento nacional objetivando detectar as necessidades de uma política social de desporto para as pessoas portadoras de deficiência no Brasil.

Em março de 1986, com a realização de fóruns e encontros nacionais com a mesma intenção, foi constituída uma comissão de especialistas em educação física adaptada que deu início a um processo de transformação nessa área.

A partir dessas ações, muitas transformações puderam ser observadas, como o aumento de Insti-tuições de Ensino Superior (IES) que incluíram disciplinas voltadas para a educação física e a adaptação, o aumento da procura por profissionais com experiência para ministrar tal conteúdo.

Também foram iniciados cursos emergenciais, com o objetivo de resolver problemas imediatos com profissionais que já se encontravam em atuação e cursos específicos de pós-graduação.

Além das iniciativas acadêmicas, outras instituições passaram a preparar profissionais, como é o caso do Serviço Social da Indústria (SESI), por meio de convênio com o Instituto Nacional do Desen-volvimento do Desporto (Indesp), que realizaram cursos específicos de atualização em quase todos os estados do Brasil.

É importante também destacar o aumento no número de publicações, monografias e teses que têm como objeto de estudo a pessoa portadora de deficiência. Pode-se dizer que essa é uma área de pesquisa em franco desenvolvimento, se considerados os poucos anos de existência de disciplinas específicas e estímulos no setor, um tempo ainda relativamente pequeno para expansão de uma área de conhecimentos muito complexa, que é, para muitos, ainda desafiadora.

São realizados anualmente congressos e outros tipos de encontros específicos nos quais estudantes e profissionais que desenvolvem pesquisas na área trocam experiências, como é o caso dos congressos realizados pela Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada (Sobama), fundada em 1994, que tem como objetivo o desenvolvimento de estudos da atividade motora adaptada em todas as áreas, e o Simpósio Paulista de Educação Física Adaptada, que desde 1986 tem se realizado sistematicamente de dois em dois anos, no estado de São Paulo, promovido pela Escola de Educação Física e o Centro de Prática Esportiva da Universidade de São Paulo. Outros eventos esportivos específicos, assimilando os diferentes níveis de seus participantes, são desenvolvidos e patrocinados em diferentes pontos do Brasil, sejam específicos para portadores de deficiências mental, física ou sensorial.

Uma questão a ser ressaltada é o fato de que a cada dia é maior o número de pessoas portadoras de deficiência que frequentam tais eventos, isso sem contar com a ampla divulgação que os meios de

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128 | Esporte e deficiência

comunicação, em geral, têm colocado em circulação notícias referentes à participação de portadores de deficiências em eventos esportivos nacionais e internacionais. O ambiente esportivo, em algumas instituições e clubes, está sendo adaptado para que portadores de deficiência possam participar. Não se pode esquecer a atuação que órgãos de fomento, como o Centro Nacional de Pesquisa Tecnológica (CNPq), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), e a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), investiram na área por meio do incentivo à pesquisa em forma de bolsas de estudo.

Com a criação, em 1990, da Secretaria de Desportos da Presidência da República, houve a criação de um departamento específico, que no governo de ltamar Franco foi transformado em Departamento do Ministério da Educação e Cultura e o Departamento de Esporte para Pessoas Portadoras de Deficiência, em uma coordenação. Por meio do Decreto-Lei 1.437, de 4 de abril de 1995, aprovou-se a Estrutura Regimental do Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto1 (Indesp), tornando, assim, uma Autarquia Federal, vinculada ao Ministério da Educação e do Desporto, que apresenta os seguintes objetivos:

levar a todas as camadas da população a prática de atividades esportivas; ::::

incrementar as ações desportivas mais eficazes para a promoção e integração social da criança, ::::do adolescente e da pessoa portadora de deficiência;

incrementar o associativismo desportivo e a parceria com a comunidade; ::::

viabilizar novas fontes internas e externas de financiamento do desporto;::::

desenvolver e incentivar programas de capacitação dos recursos humanos atuantes no ::::meio esportivo;

implantar uma política de esporte que privilegie o desporto como meio de educação, na ::::escola ou fora dela.

Texto complementar

1 Disponível em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/1995/D1437.htm - 19k>. Acesso em: 28 fev. 2008.

muito além do esporte(D’AmARAL, 2003)

Queremos ser potência olímpica ou democratizar o esporte, usá-lo como agente de inclusão e cidadania? Ainda é válido o exemplo do grande potencial olímpico demonstrado pelos países da então Cortina de Ferro? A indústria do esporte é agente de desenvolvimento social? Faz sentido os atletas paraolímpicos trazerem mais medalhas que os olímpicos?

Minha experiência é específica, mas pode ajudar a pensar o Brasil decidindo qual das duas vias priorizar no momento em que nossos recursos são escassos, e devem ser direcionados para construir justiça social e igualdade. Chefiei a delegação do Brasil nos Jogos Paraolímpicos de Atlanta. Criei e

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dirijo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência, que busca um novo enfoque na questão social das pessoas portadoras de deficiência.

Em Sydney, ganhamos três medalhas de ouro e no último ano recebemos quatro prêmios por nosso trabalho. Criamos o Centro de Esporte e Cidadania, ao lado do MAM, patrocinado pela Petrobras, onde portadores de deficiência praticam esporte. Por isso mesmo adquiri o direito de não ficar calada ao constatar que o esporte de portadores de deficiência vive uma completa exclusão de programas, patrocínios, divulgação, posturas, normas, regras, recursos etc. É como se a exclusão e o preconceito que envolvem o portador de deficiência atingissem também tudo que lhe toca.

Me pergunto por que o esporte em geral tem tudo e o paraolímpico tem abandono e omissão. Dou como exemplo Tenório, que é um atleta exemplar, ouro em Atlanta e Sydney em judô, a primeira medalha de ouro do Brasil nos jogos de 2000. Ele promete trazer ouro do seu pan-americano, os Jogos do Canadá. Uma medalha sem anabolizantes, sem patrocínios milionários. Tenório é cego. Suas medalhas, seu treinamento, sua cidadania vivem da crença na nobreza de caráter de um atleta. São demonstrações indiscutíveis da capacidade de resistir a uma política de exclusão. A Lei Piva patrocinou sua federação e sua viagem, mas não patrocina seu treinamento diário, sua preparação física, sua adequada nutrição, seu clube. Aurélio Miguel um dia me disse que Tenório é o melhor.

É necessário tornar conhecida de todos a realidade do que acontece no esporte paraolímpico brasileiro, situação contra a qual o instituto luta faz alguns anos através de denúncias ao TCU, ao Ministério Público Federal e ao Ministério do Esporte. Venho agora tornar pública parte dessas preocupações. A Lei Piva destina vultoso montante de recursos para o desenvolvimento do esporte, determinando que sejam repassados “2% da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e das loterias federais” aos Comitês Olímpico (85%) e Paraolímpico Brasileiros (15%).

O Comitê Paraolímpico (Brasileiro) é uma entidade de direito privado, não é sem fins lucrativos, não tem controle direto do Estado sobre seus atos, mas recebe garantidos R$800 mil por mês desses repasses.

É discutível que para fomentar o esporte no país seja necessário enriquecer uma instituição privada que não está submetida a regras explícitas de execução orçamentária. O TCU deve examinar suas contas a posteriori, e desse modo não dirige nem acompanha sua execução. O comitê vive no limbo da omissão: não está submetido a regras do uso de recursos públicos nem como órgão governamental nem como instituição filantrópica (ambos com cada vez mais rigorosas fiscalizações). A que regras de uso desses recursos essa área do esporte se submete?

Certamente deveria haver algum órgão de controle direcionando e acompanhando o uso dessas verbas públicas. Quero acrescentar que a atual diretoria do comitê foi eleita de forma irregular em 2001 e que, em consequência, todos os atos praticados por ela desde então não têm validade. Não existe adequação desses gastos ao desenvolvimento do esporte paraolímpico. Vale perguntar: que quantidade desses recursos chega na ponta, no clube que treina e no atleta que compete? Que recursos chegam ao esporte de base, agente revelador de atletas e formador de cidadania? Sei que os dois caminham juntos, em especial na área de portadores de deficiência.

Uma adequada política para a área incluiria as duas vertentes do trabalho, através do incentivo ao esporte de base e do apoio ao esporte de ponta. Os portadores de deficiência que praticam esporte não têm apoio, e os atletas paraolímpicos medalhados recebem apoio através de ajudas de custo irregulares, que se tornam ridículas quando comparadas com os salários e outros dispêndios

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130 | Esporte e deficiência

dos funcionários e dirigentes do comitê. Na verdade, não há política de apoio aos atletas e clubes que formam o esporte paraolímpico no Brasil. Exemplo concreto: não conseguimos viabilizar a ida do Tenório para participar de importantes lutas preparatórias na Europa em maio. Nem a federação de esporte para cegos, ABDC, nem o comitê, nem o ministério, procurados, puderam assumir a responsabilidade de arcar com as despesas de sua viagem. É o IBDD, que não recebe recursos nem da Lei Piva, nem do comitê, nem do ministério, quem apoia o Tenório, da melhor forma que pode, desde 1998. O Comitê Paraolímpico utiliza o que recebe da Lei Piva com imediatismo e falta de planejamento, enfocando interesses pontuais e corporativos, sem priorizar aplicações que desenvolvam o esporte de base ou o esporte paraolímpico. Precisamos desses recursos para a realização de um trabalho que tenha responsabilidade social e pública. Queremos um comitê responsável e democrático, um comitê independente. Estou pensando em criar o Comitê Paraolímpico do Brasil. O C. P. do B.

(D’AMARAL. T. C. Muito além do esporte. O Globo, Rio de Janeiro. 7 ago. 2003.

Disponível em: <www.ibdd.org.br/html/ibdd_cd_artigo_09.asp?nav=0>. Acesso em: 29 fev. 2008.)

Atividades1. De que forma o esporte pode influenciar a vida do deficiente físico?

2. Por que a Segunda Guerra Mundial deu início à prática de esporte por parte dos deficientes físicos?

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3. Pensando o texto complementar, discuta a situação do esporte paraolímpico no Brasil e suas dificuldades.

ReferênciasCARMO, A. A. do. Deficiência Física: a sociedade brasileira cria, recupera e discrimina. Brasília: Secretaria dos Desportos, 1991.

D’Amaral. T.C. Muito além do esporte. O Globo, Rio de Janeiro. 7 de ago. de 2003. Disponível em: <www.ibdd.org.br/html/ibdd_cd_artigo_09.asp?nav=0>. Acesso em: 29 fev. 2008.

GUTTMAN,L. Textbook of Sport for the Disabled. Ayslesbury/England: HM & M Publisher, 1976.

CIDADE, R. E. A.; FREITAS, P. S. Introdução à Educação Física e ao Desporto para Pessoas Portadoras de Deficiência. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.

HEDRICK B.; BYRNES D. & SHAVER L. Wheelchair Basketball. Washington: PVA, 1989.

POOL, G. M., TRICOT, A. Readness and International Medical Society of Paraplegia:: the Sir Ludwing Guttmman. Bethesda: Pubmed, 1985.

SOUzA, Cleide da Câmara. Concepção do Professor sobre o Aluno com Sequela de Paralisia Cerebral e sua Inclusão no Ensino Regular. Rio e Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado). UERJ.

SOUzA, P. A. de. A utilização do esporte como meio de reabilitação e inserção social. In: Simpósio Nacional de Esporte para Portadores de Necessidades Especiais. Brasília, out. 1999.

SOUzA, Flavia Faissal. O Corpo Dança: con(tra)dições e possibilidades de sujeitos afáticos. São Paulo, 2001. Dissertação (mestrado). Unicamp.

STROHKENDL, H. The 50th Anniversary of Wheelchair Basketball. New York: Munster, 1996.

VARELA, A. Desporto para as Pessoas com Deficiência. Expressão distinta do desporto. Educação Especial e Reabilitação, 1, 5/6, 1991.

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132 | Esporte e deficiência

Gabarito1. Através do esporte, o deficiente físico pode atingir melhorias substanciais em sua saúde física e

mental. Isso ocorre porque é muito importante que o deficiente se sinta capaz de realizar tarefas físicas para que a sua reabilitação seja mais eficaz, pois, ao perceber que ainda é capaz de praticar exercícios, sua autoestima aumenta de forma tal que exerce uma enorme influência nas condições de sobrevida do indivíduo.

2. Apesar de já existirem registros anteriores à Segunda Guerra sobre esportes entre deficientes físicos, vale lembrar que a guerra em questão deixou milhões de pessoas em todo o mundo com diferentes tipos de lesões permanentes, tornando-os, assim, deficiente físicos. Com isso, alguns médicos como Ludwig Guttman e Benjamin Linpton começaram a estudar os efeitos do esporte na reabilitação dos veteranos de guerra a fim de promover uma reintegração social mais eficaz e melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.

3. É claro no texto complementar que, mesmo o Brasil sendo mais bem representado no quadro de medalhas paraolímpico do que no olímpico, ainda existe muito preconceito com os deficientes esportistas. O descaso da sociedade e dos comitês ou Ministério do Esporte só pode levar a uma conclusão: não importa o desempenho de um atleta deficiente, o preconceito que ainda circunda essas pessoas não permite que elas sejam vistas como dignas de investimento e respeito no Brasil.

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Acessibilidade digitalA noção de inclusão pode ser entendida em sua relação com a qualidade de vida, com a autonomia

econômica e com oportunidades e direitos dos indivíduos e grupos sociais.

Esses itens fazem parte de um processo que abrange todos os aspectos da vida social e é uma constante no percurso dos indivíduos, pois cada pessoa, no transcurso de sua vida, ocupa diferentes posições na sociedade. Por exemplo: uma pessoa pode estar incluída em seu meio familiar, mas excluída do mercado de trabalho; alguns anos depois pode estar fazendo uma carreira promissora e distante das relações familiares. Assim, em um sentido mais abrangente, inclusão e exclusão não estão em oposição, mas são alternâncias do mesmo processo.

De acordo com Dupas (apud PASSERINO; MONTARDO, 2000), a exclusão social é um fenômeno multidimensional que extrapola a dimensão de pobreza (ainda que esta seja uma dimensão fundamental na constituição do mesmo), e por esse motivo devem-se levar em conta também outras dimensões, como educação, saúde, lazer, religião, cultura, etnia, política, economia, entre outras. De qualquer modo, as pessoas perseguem uma autonomia de renda que contemple suas necessidades vitais culturais e sociais de modo a desenvolver plenamente seu potencial, perseguem a garantia de igualdades e direitos de modo a atingir uma qualidade de vida que lhes pareça satisfatória.

A noção de inclusão digital, por sua vez, é empregada em muitos contextos, porém raros autores a mencionam em sua positividade. Em geral, fala-se sempre de exclusão digital como falta de recursos computacionais, de rede, da falta de acesso à informação.

A inclusão digital é a possibilidade de acesso à rede virtual por todas as pessoas, independente de renda e inclusão social, visando ao aprimoramento da educação, da aquisição de conhecimentos e à participação intelectual, técnica e operacional no mundo contemporâneo.

Mais do que simplesmente ter acesso a computadores em rede, é preciso primeiro ter as infor-mações sobre esse novo meio e treinar a capacidade de operá-los com autonomia. Isso significa que não basta ter acesso ao hardware, (computador) e ao software (programas) é preciso participar de um contexto social adequado, isto é, deve-se manter uma ligação com os processos das comunidades que empregam essa tecnologia. Num sentido mais amplo, promover a inclusão implica focalizar as trans-formações do grupo ou comunidade e não só a informação tecnológica. Isso contradiz uma ideia de senso comum segundo a qual a inclusão ou a exclusão digital significa simplesmente ter ou não ter a informação digital e o acesso ao computador. Os projetos de inclusão devem se voltar mais para as possibilidades de interação social do que para a superação de exclusão técnica. Para Warschauer (2006)

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134 | Acessibilidade digital

(apud PASSERINO; MONTARDO, 2007), estar incluído socialmente pressupõe verificar o que significa estar incluído em cada época, noção intrinsecamente ligada ao surgimento e alcance dos meios de comunicação na sociedade: “a capacidade de acessar, adaptar e criar novo conhecimento por meio do uso das novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) é decisiva para a inclusão social na época atual” (WARSCHAUER, 2006, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007).

Nesse sentido, apenas haverá inclusão se os recursos físicos (computadores e conectividade); re-cursos digitais (material digital disponível on-line em termos de conteúdo e linguagem); recursos huma-nos (letramento e educação para utilização da informática e da comunicação online); e recursos sociais (estrutura comunitária, institucional e da sociedade que apoiam o acesso às TIC), forem igualmente empregados para acessar, adaptar e criar conhecimento. Então, poderá haver a ampliação na utilização de recursos digitais. Desse modo, projetos de inclusão que se valham das TIC devem estar abertos à inovação e à flexibilidade para que sejam aplicados a realidades locais, satisfazendo assim necessidades da economia, da sociedade, da informação em mudança acelerada.

A inclusão via TIC está centrada em práticas sociais de grupos específicos e pode proporcionar não só o uso da tecnologia, como também pode favorecer o aperfeiçoamento de outras técnicas. Essa perspectiva de inclusão digital está relacionada com a noção de inclusão social proposta anteriormente, pois prevê ação permanente e progressiva no interagir dos grupos ou comunidades, não se limitando à instalação de má-quinas ou programas. O que visa é a renovação dos processos inclusivos a partir da autonomia dos usuários. As TIC podem ajudar portadores de deficiência física a superarem problemas de mobilidade, limitações físi-cas ou discriminação social. Para Warschauer, “o propósito real das TIC é reestruturar as comunicações e as relações humanas.” (WARSCHAUER, 2006, p. 279, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007).

A TIC permite o desenvolvimento sociocognitivo das pessoas portadoras de deficiência e é esse item que a torna relevante. Se o uso do computador no ensino é capaz de favorecer o processo educacional, no caso dos portadores de deficiência, esse é um recurso que favorece a sua vida, segundo Schlunzen (2005, apud PELLANDA et al., 2005), já que se trata de um meio de comunicação, de produção, de construção, de diagnóstico, entre outros, também para pessoas deficientes.

Além disso, por meio da formalização, da representação, da execução de suas ideias, os alunos podem encontrar e corrigir seus próprios erros com maior facilidade e, ao mesmo tempo, refletir sobre o processo de construção do conhecimento. Com o computador, o aluno consegue realizar tarefas de maneira independente, sem o auxílio de outras pessoas, superando ou minimizando as barreiras com o mundo, sem que o seu comprometimento se evidencie (SCHLUNzEN, 2005 apud PELLANDA et al., 2005).

As questões físicas e arquitetônicas na construção das cidades, dos prédios, dos parques, dos transportes, isto é, barreiras arquitetônicas e de mobilidade específicas a cada local, tornam-se preocupação primeira quando se pensa em inclusão e exclusão de deficientes. O mesmo se pode dizer na questão da informática e de acesso à rede. Essa questão do acesso foi estudada a partir do final da Segunda Guerra na Europa e nos Estados Unidos; entre as décadas de 1940 e 1960, o termo acessibilidade teve uma aplicação direta em questões físicas e funcionais. No entanto, foi a partir dos anos 1980, impulsionada pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), que a questão da acessibilidade e eliminação de barreiras arquitetônicas ganhou destaque internacional e se transformou em meta para todos os países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento (PASSERINO; MONTARDO, 2007).

Nesse mesmo período, surgiu o conceito de design universal com a concepção de um design adaptável às diversas necessidades da população. Na década de 1990, com a popularização da internet

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135|Acessibilidade digital

e de comunidades virtuais nos EUA, percebeu-se a necessidade de prover esse mesmo acesso universal na web com a construção de ambientes virtuais acessíveis. Consórcios mundiais surgiram e difundiram a noção de acessibilidade digital no final dos anos 1990. A partir daí a internet tornou-se mais expressiva e estabeleceu padrões e protocolos para os sistemas computacionais se tornarem acessíveis.

A acessibilidade digital, portanto, resultou de décadas de discussão dos ambientes físicos e funcionais das cidades e da popularização desses ideais através de consórcios globais. Apesar de todos esses debates e avanços, a acessibilidade física, funcional e digital é ainda hoje difícil e existem obstáculos para portadores de deficiência, do mesmo modo que são obstáculos à educação, ao trabalho e ao lazer. A preocupação atual dos defensores da acessibilidade universal é garantir que os princípios destacados sejam observados também no espaço digital, isto é, no da informática e das comunicações. Uma rede virtual acessível implica que ela esteja disponível às pessoas, tanto no aspecto financeiro quanto no formato, ou na mídia em que as informações são divulgadas. A flexibilização da apresentação da informação em formas distintas, com correspondências de conteúdos, deve ser considerada tanto como uma questão de necessidade como de preferência de alguns usuários.

Segundo Torres , Mazzoni e Alves (2002), informação divulgada de uma única forma pode não ser captada por todas as pessoas e essa forma pode se tornar inacessível, seja devido às características técnicas dos equipamentos dos usuários (qualidade e custo das tecnologias utilizadas) ou às características corporais das pessoas (por exemplo: deficiências sensoriais, problemas de coordenação motora etc.).

Para esses autores, a preferência por uma ou outra forma se manifesta quando os usuários optam por ter acesso à informação através da mídia que mais lhes convêm, ou mais lhes agrada, conforme seja o seu estilo de aprendizagem.

Por exemplo, o virtual vision foi um programa criado com o intuito de ser utilizado por clientes com deficiência visual, financiado por um banco. Já em várias versões, ele se espalhou entre as pessoas cegas, pois atende às suas necessidades, permite o acesso à internet, inclusive apresentações de Power point, porque faz a leitura em voz alta para o usuário. O programa não exige recursos de hardware muito sofisticados para um sintetizador de voz amigável, impressora e formatadora em braille, o que facilita o compartilhamento de textos com terceiros.

Segundo Torres, Mazzoni e Alves (2002), no Brasil, assim como no mundo, não existem mecanismos intergovernamentais que promovam a acessibilidade dos conteúdos disponibilizados via internet. Alguns países vêm adotando políticas nesse sentido, particularmente no que diz respeito aos sites de suas repartições públicas. Foi assim que foram definidas algumas recomendações para a construção de páginas na web, aplicáveis também a outros documentos disponibilizados no espaço digital, que podem ser resumidas por meio dos seguintes princípios:

assegurar uma transformação harmoniosa da informação que a apresente de várias maneiras. ::::Por exemplo: o que for áudio deve ter uma versão em texto; o que for imagem deve ser descrito. Esse princípio se justifica tanto em função de possíveis limitações dos usuários quanto da existência de tecnologias de qualidades distintas;

fazer o conteúdo compreensível e navegável em um estilo simples e que observe a estrutura ::::lógica do documento, em termos da compreensão dos seus diversos pontos de enlace. O usuário pode ter dificuldades em compreender a informação, ou por causa do idioma ou por causa da maneira como é apresentada (TORRES, MAzzONI; ALVES, 2002).

Desse modo, segundo esses autores, é importante lembrar que essas mesmas recomendações se aplicam aos textos e documentos de interesse público, que podem ser encontrados em bibliotecas

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136 | Acessibilidade digital

ou outros suportes digitais como CD-ROM, DVD etc. A não observância dessas recomendações pelos autores dos materiais disponibilizados pode ser considerada discriminação. Os movimentos de pessoas portadoras de deficiências nos países em que o processo de informatização está mais avançado lutam pela acessibilidade digital do mesmo modo que lutam por igualdade de condições.

Segundo Passerino e Montardo (2007), a partir do final da década de 1990 começaram a surgir no Brasil iniciativas de inclusão digital, como o Programa Sociedade da Informação, por meio do Decreto 3.298/99. Com o lançamento, por parte do governo, do Livro Verde, que contém alguns resultados de pesquisas sobre o programa citado, foi possível esboçar um primeiro mapa de acesso tanto aos computadores quanto à internet no país. Os autores também destacam a atuação do Comitê Gestor de Internet (CGI), que tem desenvolvido projetos de políticas sociais baseadas em pesquisas feitas em parcerias com o IBGE e o Ibope, na tentativa de construir indicadores que possibilitem a comparação entre o Brasil e outros países quanto à utilização das TIC. No entanto, a simples quantificação comparativa do número de computadores não significa acesso digital, porque não leva em conta os programas disponíveis no Brasil.

Ao apontar a pertinência da utilização de software livre nas políticas de inclusão digital no Brasil, Silveira (2002, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007) refere-se à inclusão digital como “a universaliza-ção do acesso ao computador conectado à Internet, bem como ao domínio da linguagem básica para manuseá-lo com autonomia”. O autor afirma ainda que a possibilidade de acesso e a abrangência de um projeto de inclusão digital são determinadas por elementos e instrumentos disponibilizados, entre eles os acessos: à rede de computadores; aos conteúdos; à caixa postal eletrônica e a modos de armazena-mento de informações; às linguagens básicas e instrumentos para usar a rede; às técnicas de produção de conteúdo; à construção de ferramentas e sistemas voltados às comunidades.

Esse autor identifica três pontos distintos e complementares em relação às propostas de inclusão digital feitas no Brasil:

cidadania, baseada no direito de interagir e de se comunicar na web; ::::

combate à exclusão digital, voltada à profissionalização e à capacitação de camadas pauperi-::::zadas por meio de cursos que forneçam noções básicas de informática;

educação, visando à formação sociocultural dos jovens para uma inserção autônoma na socie-::::dade da informação (SILVEIRA, 2002, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007).

Os projetos que reivindicam a ampliação da cidadania vêm ganhando força nos últimos anos e trazem a novidade de não privilegiarem somente a profissionalização como era feito anteriormente. Como exposto acima, as TIC são também um importante fator de acesso à informação e preparação para o mercado de trabalho, favorecendo o diálogo no âmbito da inclusão digital.

Pode-se compreender a inclusão digital, segundo Costa e Lemos (2005, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007), em quatro tipos de capital: o capital cultural ou a memória de uma sociedade; o social, ou potência política e identitária; o intelectual, ou competência individual; e o técnico, ou potência de ação e de comunicação, e categorizá-los em três tipos de semânticas: técnica, econômica e cognitiva. Para esses autores, essa perspectiva parte do pressuposto de que o processo de “inclusão” deve ser visto sob os indicadores econômicos (ter condições financeiras de acesso às novas tecnologias), cognitivos (estar dotado de uma visão crítica e de capacidade independente de uso e de apropriações dos novos meios digitais) e técnicos (possuir conhecimentos operacionais de programas e de acesso à internet) (COSTA, LEMOS, 2005, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007).

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Sob a óptica da inclusão digital das pessoas portadoras de deficiência, percebe-se que os três indicadores apontados devem ser levados em conta. No entanto, as semânticas cognitivas e técnicas são as que merecem maior atenção na medida em que a ausência de indicadores quanto à acessibilidade digital em plano nacional ou internacional pode ser o indicativo de um desconhecimento quanto à utilização das TIC pelas pessoas portadoras de deficiência e dos benefícios advindos dessa prática.

O espaço digital compreende todo o espectro das comunicações, via televisão digital, computadores e redes telemáticas, e nele o direito à informação, de uma forma acessível, deve ser reivindicado e praticado por todos. Se, como vimos, a acessibilidade no espaço digital consiste em tornar disponível ao usuário, de forma autônoma, toda a informação que lhe for franqueável, independentemente de suas características corporais, sem prejuízos quanto ao conteúdo da informação, uma das maneiras de obtê- -la é combinando a apresentação da informação de formas múltiplas, quer por meio de uma simples redundância, de um sistema automático de transcrição de mídias, quer através de ajudas técnicas (sistemas de leitura de tela, sistemas de reconhecimento da fala, simuladores de teclado etc.) que maximizam as habilidades dos usuários que possuem limitações físicas. Existem níveis distintos de obstáculos para a acessibilidade digital. Romañach (2002, apud TORRES, MAzzONI, ALVES, 2002) faz uma analogia com os obstáculos criados por escadas no espaço físico e considera a existência de três degraus. Para se alcançar acessibilidade, é necessário superar os obstáculos correspondentes aos três degraus:

Degrau 1:::: – poder acionar os terminais de acesso à informação: telefones, computadores, caixas de autoatendimento bancário, quiosques virtuais etc.

Degrau 2:::: – poder interagir com os elementos da interface humano-máquina, tais como os menus de seleção, botões lógicos, sistemas de validação etc.

Degrau 3:::: – poder aceder aos conteúdos que são disponibilizados nos terminais, sejam infor-mação financeira, lúdica, geral, vídeos, imagens, áudio etc.

Para Torres, Mazzoni e Alves (2002), a preocupação com a acessibilidade digital está presente nas políticas públicas de informatização, em muitos países que refletem a respeito de sociedade de informação para todos e na introdução de ajudas técnicas que contribuem para o acesso à informação e à construção do conhecimento. Considera-se ajuda técnica qualquer produto, instrumento, equipa-mento ou sistema utilizado por uma pessoa com limitações de deficiência, fabricado especificamente ou disponível no mercado, e que previne, compensa, mitiga ou neutraliza a deficiência, incapacidade ou autoimagem negativa da pessoa. Essa definição foi adotada pela Organização Internacional de Normalização, em sua ISO 99991. Uma tecnologia qualquer tem sempre em potencial possibilidades de novas utilizações.

Esses autores ressaltam que até bem pouco tempo seria impensável para uma pessoa surda usar, sem intermediários, um aparelho de telefone. Hoje, essa facilidade já está disponível para os usuários de telefones celulares de mensagem. Uma outra tecnologia que atende a distintas categorias de usuários são os programas de reconhecimento da fala. Embora essa tecnologia esteja sendo aperfeiçoada, vários produtos já estão sendo comercializados. Entre os seus possíveis usuários, estão pessoas com deficiência de coordenação motora para digitar, pessoas com deficiência visual e qualquer pessoa que prefira ditar em vez de digitar.

1 A Norma Internacional ISO 9999 define Tecnologia Assistiva, também chamada de ajudas técnicas, como:[...] qualquer produto, instrumento, estratégia, serviço e prática utilizado por pessoas com deficiência e pessoas idosas, especialmente produzido ou geralmente disponível para prevenir, compensar, aliviar ou neutralizar uma deficiência, incapacidade ou desvantagem e melhorar a autonomia e a qualidade de vida dos indivíduos.

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No caso dos surdos que dominam a técnica da oralidade, eles podem utilizar esse produto do mesmo modo que as pessoas que acreditam ser mais prático ditar do que digitar, e podem também encontrar nesse produto outra finalidade: utilizá-lo para exercitar e aperfeiçoar a sua oralidade. Na prática cotidiana, a pessoa com comprometimento no desempenho de tarefas está em primeiro plano e motiva pesquisas por ajudas técnicas adequadas. No entanto, ao se apresentar as inovações em categorias, conforme Sanchez Montoya (1999, apud TORRES, MAzzONI, ALVES, 2002), fica mais claro fazer a descrição da contribuição feita por determinada tecnologia. É a partir da descrição das categorias que se pode analisar quem se beneficiará de tal ferramenta, pessoas com deficiência visual, com deficiência auditiva, com deficiência de motricidade, as com deficiência cognitiva ou, até mesmo, as pessoas sem deficiência.

A presença da informática, em sistemas utilizados por pessoas portadoras de deficiência, pode ser, para fins de análise, estabelecida em algumas categorias. A seguir, é apresentada uma categorização das ajudas técnicas informáticas, segundo Mazzoni e Torres (2001).

No âmbito da educação, encontram-se sistemas de ajuda para:

Trabalhar com o computador:::: – como dar instruções, compreender as ações executadas pela máquina, obter e analisar as saídas, acessar os periféricos etc.

Aprender :::: – a respeito de ajudas técnicas específicas de interesse próprio (como o uso de um sistema que faz a leitura de telas), desenvolver a fala, aprender e desenvolver a língua de sinais, conhecer a língua de sinais de outros povos, aprender línguas e culturas de outros países, conhecimentos sobre braille, fixar condutas esperadas, exercitar determinadas habilidades etc.

Comunicar-se por meio do computador :::: – utilizar o computador como intermediário na conversa com outra pessoa, com ou sem deficiência, utilizando linguagens verbais ou linguagens não verbais, como os pictogramas.

No âmbito mais geral, podem ser relacionados:

Sistemas para mobilidade :::: – auxiliam no deslocamento da pessoa, seja em casa ou na rua, permitindo deslocamentos com algum grau de autonomia, como sistemas para reconheci-mento eletrônico de referenciais espaciais, sistemas para acionamento de semáforos, disposi-tivos para anotações e veículos adaptados às características dos usuários, sistemas para iden-tificação de conduções (ônibus e trens) conforme a linha desejada.

Sistemas para controle do entorno:::: – facilidades tais como acender ou apagar as luzes, abrir portas, acionar os aparelhos domésticos, fazer ligações telefônicas para números selecionados etc.

Deve-se destacar que, se para algumas pessoas as ajudas técnicas atuam como complemento, permitindo que melhorem a forma como desempenham as atividades, para outras elas são imprescindíveis, tendo em vista que por meio delas conseguem se expressar. Para esse segundo grupo de pessoas, é a tecnologia que faz a intermediação de sua comunicação com o mundo, tanto nas situações de educação como nas demais interações sociais.

De acordo com o site Acessibilidade Brasil (2006, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007), acessibilidade

[...] representa para o nosso usuário não só o direito de acessar a rede de informações, mas também o direito de elimi-nação de barreiras arquitetônicas, de disponibilidade de comunicação, de acesso físico, de equipamentos e programas adequados, de conteúdo e apresentação da informação em formatos alternativos.

Em função dessa especificidade, a acessibilidade digital pode ser vista como conceitualmente diferente da acessibilidade arquitetônica e urbanística e considera-se a acessibilidade universal o

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construto teórico que engloba todas as concepções relacionadas com a acessibilidade, incluindo aí a questão do governo eletrônico que representa uma nova forma de acesso aos processos públicos e políticos da cidadania que ainda se encontra em consolidação. Conforto e Santarosa (2002, p. 92-94, apud TORRES; MAzzONI; ALVES, 2002) consideram a acessibilidade (a web)

[...] como sinônimo de aproximação, um meio de disponibilizar a cada indivíduo interfaces que respeitem suas neces-sidades e preferências [...]. Muitas vezes as discussões sobre acessibilidade ficam reduzidas às limitações físicas ou sen-soriais dos sujeitos com necessidade especiais, mas esses aspectos podem trazer benefícios a um número bem maior de usuários, permitindo que os conhecimentos disponibilizados na web possam estar acessíveis a uma audiência muito maior, sem, com isso, prejudicar suas características gráficas ou funcionais.

É importante destacar que a acessibilidade digital só pode ser proporcionada através de uma combinação entre hardware e software que ofereça, respectivamente, mecanismos físicos para superar barreiras de percepção e acesso a funções e informações.

Por vezes, as noções de acessibilidade e usabilidade se confundem. Enquanto a usabilidade se refere às expectativas e à capacidade do usuário para entender e perceber as estratégias de utilização do software, a acessibilidade está voltada para as condições de uso, para o modo como o usuário se apresenta frente às interfaces interativas, como acontece essa troca e, principalmente, como se dá o acesso do usuário às informações disponíveis.

Estar visível, ou perceptível, não fornece necessariamente a uma interface a propriedade de ser acessível. Por isso é preciso considerar as necessidades especiais de cada sujeito, embora atender a esse requisito não forneça acessibilidade à interface. De acordo com Dias (2003, apud PASSERINO, MONTARDO, 2007), a acessibilidade mede-se em termos de flexibilidade do produto para atender às necessidades e preferências do maior número de pessoas. Mas isso não é suficiente, ele também deve ser compatível com tecnologias assistivas ao viabilizar sua própria adaptabilidade de acordo com as necessidades e demandas dos usuários, independente do grau, nível ou intensidade das necessidades deles, destaca Dias (2003, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007).

Pode-se dizer que a inclusão digital de pessoas portadoras de deficiência torna-se possível por meio do desenvolvimento de três grandes áreas:

Tecnologias assistivas:::: – acesso ao computador através de dispositivos de hardware e software.

Acesso ao :::: software por meio do “desenho universal” – o software acessível é concebido e desenvolvido para o maior número possível de pessoas, incluindo as pessoas portadoras de deficiência.

Acesso à internet (conteúdos e :::: software para web) – caracteriza-se pela flexibilidade da informação e interação relativamente ao respectivo suporte de apresentação. Essa flexibilidade permite compreensão e utilização por pessoas portadoras de deficiência, bem como a utilização em diferentes ambientes e situações e através de diversos equipamentos e navegadores.

Entende-se que a acessibilidade e inclusão digital não dizem respeito apenas ao acesso à rede de informações, mas também à eliminação de barreiras de comunicação, equipamentos e software adequados às diferentes necessidades especiais, bem como conteúdo e apresentação da informação em formatos alternativos e contextualizados que atendam às demandas da comunidade na qual o sujeito está inserido, ou seja, garantam mobilidade e usabilidade de recursos computacionais para pessoas portadoras de deficiência. Assim, a questão da acessibilidade está intimamente relacionada com a inclusão, pois somente a partir de espaços acessíveis é que poderemos realmente incluir os indivíduos (PASQUALOTTI; PASSERINO, 2006).

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Ao considerar a inclusão digital como um processo para a inclusão social, não estamos nos refe-rindo meramente à utilização e manuseio de computadores e da internet pelas pessoas. Considera-se que tal uso, embora necessário, esgota-se em si mesmo quando não é voltado a apoiar o desenvolvi-mento sociocognitivo do sujeito (PASSERINO, 2002; SANTAROSA, 2003) de forma a garantir a acessibi-lidade universal.

Por esse motivo, faz-se necessário trabalhar na busca de soluções efetivas para que pessoas portadoras de deficiência, ou não, tenham amplo acesso às TIC, já que estas atuam como ferramentas de inclusão ao permitir que programas e aparelhos materiais estabeleçam comunicação entre um sistema informático e seus usuários humanos abranjam os equipamentos de entrada e saída de dados (síntese de voz, software de reconhecimento de voz, braille), auxílios alternativos de acesso (ponteiras de cabeça, de luz), teclados adaptados ou alternativos, chaves, acionadores, sistemas de comunicação alternativa e aumentativa etc., que permitem às pessoas com necessidades especiais usarem o computador.

Para tanto, é necessário ainda a formulação de políticas públicas de orientação, educação formal e não formal, proficiência tecnológica, de uso das tecnologias da informação e comunicação e das tecnologias assistivas, pois esses recursos podem servir de suporte a inúmeras atividades para todas as pessoas.

A popularização do uso e das ferramentas de socialização on-line pode ser uma frente de ação nesse sentido. Na medida em que se constata que a socialização é fundamental no desenvolvimento cultural para as pessoas portadoras de deficiência, percebe-se que as tecnologias da informação podem ser utilizadas para esse fim.

Texto complementar

Acessibilidade ainda é um sonho distante(SOuzA, 2008)

Estudo das Nações Unidas com sites no mundo inteiro e em várias categorias reprova 97% dos exemplos, que não cumprem sequer os requisitos mínimos para pessoas com algum tipo de deficiência. A acessibilidade é fundamental por uma série de fatores. Além de permitir o acesso de pessoas com algum tipo de deficiência aos inúmeros recursos da internet, permite que possamos acessar os sites através de dispositivos e navegadores alternativos.

Recentemente, a ONU encomendou um estudo da acessibilidade em nível mundial. Os resul-tados revelaram uma situação catastrófica: a grande maioria dos sites avaliados não cumpre sequer os requisitos mínimos.

Foram escolhidos 20 países com um nível considerável de desenvolvimento na infraestrutura relacionada à internet. Buscou-se também escolher de quase todos os continentes.

A partir da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, definida em dezembro de 2006, foram escolhidos sites de cinco setores, considerados áreas importantes na interação de pes-

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soas com a internet: viagens (companhias aéreas), finanças (bancos), mídia (jornais), política (sites governamentais) e vendas (e-commerce).

Em cada um dos países foi escolhido um exemplo por setor, num universo total de 100 sites. Foi assim realizada uma avaliação de conformidade das páginas em relação ao documento que é a referência em termos de acessibilidade, o Web Content Accessibility Guidelines (WCAG), atualmente na versão 1.0.

O documento consiste em 65 pontos de verificação que são divididos em três níveis de prio-ridade. Cumprir apenas os requisitos de Prioridade 1 designa um site como Single-A. Satisfazer aos pontos de Prioridade 1 e 2 define um site como Double-A. Atender a todos os requisitos, nos três níveis de prioridade, significa Triple-A.

No estudo, foram considerados todos os pontos de verificação e se utilizou uma combinação de avaliação manual com o uso de ferramentas de validação automática.

Os resultados são realmente alarmantes. Dentre os sites pesquisados, 97% não cumprem sequer requisitos básicos de acessibilidade segundo o W3C, os pontos de verificação de Prioridade 1 do WCAG.

Entre os erros mais corriqueiros encontrados estão a falta de textos alternativos adequados, informações só acessíveis através de Javascript e contraste insuficiente entre texto e fundo, entre outros. Os resultados podem ser verificados no Sumário Executivo do estudo.

Percebe-se através do estudo que muito ainda há a ser feito para se tornar a web um espaço verdadeiramente inclusivo. Contudo, temos a nosso favor o fato de que a internet é a mídia com maior capacidade de transformação. Cabe a nós promovermos a mudança de perspectiva em direção a uma sociedade de informação para todos.

(SOUzA, E. R. de. Acessibilidade ainda é um sonho distante. Disponível em: www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/

rm_materia_conteudo.asp?idioma=1&idMenu=5&label=Artigos&v_nome_area=Artigos&v_id_conteudo=68357. Acesso

em: 5 mar. 2008.)

Atividades1. A inclusão digital serve apenas para possibilitar a entrada de pessoas que não têm acesso à rede

e aos computadores a entrarem no mercado de trabalho com mais facilidade?

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2. Por que é tão importante que junto ao processo de inclusão digital esteja entrelaçado o acesso à Tecnologia de Informação?

3. Com que frequência se encontram sites que cumpram os requisitos mínimos para pessoas com algum tipo de deficiência?

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Gabarito1. Não, a inclusão digital não só permite que pessoas com renda baixa aprendam a mexer em

computadores e na rede a fim de conseguir algum tipo de trabalho que exija isso, mas também ajuda no acesso à informação, educação e outras. No caso dos portadores de deficiência, isso vai ainda mais longe: a inclusão digital dá a essas pessoas a oportunidade de socializar, entre tantas outras coisas; porém, a socialização é o mais importante fator para que o portador de deficiência tenha uma qualidade de vida maior.

2. Pois não adianta apenas dar computadores ou fornecer software para as pessoas que estão participando desse processo, tem-se que ensinar como os software e hardware funcionam, pois só assim as pessoas poderiam operar com autonomia computadores e rede. Sem que os indivíduos tivessem acesso à tecnologia da informação, a inclusão digital não funcionaria de forma correta, pois eles não entenderiam de forma completa do que se trata esse assunto.

3. É muito raro encontrar algum site que faça isso. No texto complementar está claro que são pouquíssimos sites, em todos os países, que cumprem esses requisitos. Tal constatação só aponta mais uma vez o descaso com os portadores de deficiência também nessa esfera da acessibilidade.

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Acessibilidade no mundo do trabalho

Existem no mundo 600 milhões de pessoas com deficiência, das quais 400 milhões vivem em países em desenvolvimento. No Brasil, segundo o IBGE, 14,5% da população apresenta alguma deficiência. De acordo com o Censo de 2000, dos 24 650 000 brasileiros com deficiência, 53% são pobres. Outros cálculos indicam que uma em cada cinco pessoas pobres apresenta deficiência (BIELER, 2008).

A maior proporção se encontra no Nordeste (16,8%) e a menor no Sudeste (13,1%). Dos 9 milhões de portadores de deficiência que trabalham, 5,6 milhões são homens e 3,5 milhões mulheres. Mais da metade (4,9 milhões) ganha até dois salários mínimos (PRESIDÊNCIA DA REPúBLICA, 2007).

Algumas estimativas sugerem que entre 15 e 20% das pessoas pobres nos países em vias de desenvolvimento vivem em situação de deficiência: alimentar, de higiene, econômica etc. Além de serem particularmente vulneráveis à exclusão social, as pessoas com deficiências físicas são em sua maioria pobres, o que quer dizer que entre as pessoas pobres a presença de deficiências é extremamente alta. Estudos recentes revelam que cerca de 80% das deficiências têm causas associadas à pobreza e às baixas condições de vida.

Estima-se que 100 milhões de pessoas no mundo adquiriram uma deficiência devido à desnutrição (GIL, 2007). Esse levantamento aponta também para o fato de o nível de deficiência aumentar por grupo de idade, tornando-se mais frequente em pessoas acima de 65 anos.

Ora, vivemos um momento na história da humanidade em que ocorre uma tendência de envelhecimento das populações com a concomitante diminuição de habilidades funcionais conforme o indivíduo envelhece. Esses dados demonstram claramente a importância que o tema da deficiência e da acessibilidade ao mundo do trabalho adquire atualmente para todos os grupos sociais e não só para os excluídos onde a situação se agrava. No entanto, é importante salientar mais uma vez, o impacto da pobreza e da falta de oportunidades no mundo do trabalho para pessoas afetadas por deficiências.

Em meados da década de 1990, o movimento feminista levantou um argumento com profundas implicações para as políticas públicas de inclusão no mercado de trabalho e para pessoas portadoras de deficiência: a experiência da deficiência é uma experiência familiar com recorte de gênero. Ao mostrar que a deficiência é acompanhada de arranjos familiares voltados para o cuidado da pessoa deficiente,

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146 | Acessibilidade no mundo do trabalho

evidenciaram que não são apenas as pessoas com algum tipo de restrição corporal que necessitam da atenção dessas políticas. Como, devido à divisão sexual do trabalho, os cuidadores são predominan-temente mulheres, a deficiência, quando entendida como um fenômeno familiar, possui um viés de gênero. São as mulheres, por exemplo, que se afastam do mercado de trabalho para cuidar das pessoas com deficiência, de crianças pequenas, ou idosos. Nos casos dos homens idosos, este recorte inclui uma sobreposição de gênero à idade. Dado o padrão típico de arranjo familiar, são as mulheres idosas que cuidam desses homens. Esse afastamento tem uma série de implicações para as mulheres, como a ausência de recolhimentos para o sistema previdenciário entre as mulheres em idade economicamente ativa, e isso não pode passar esquecido pelas políticas sociais (BARTON; OLIVER, apud MEDEIROS e DINIz, 1997).

A atenção à inclusão das pessoas deficientes no mercado de trabalho brasileiro teve um grande impulso em 1989 com a Lei 8.213/91, que exige cota de 2 a 5% de pessoas com deficiência nas empresas com mais de 100 funcionários. As ações do grupo de fiscalização da Secretaria de Inspeção do Trabalho têm por objetivo garantir o cumprimento dessa lei. As empresas que desrespeitam a lei de cotas são multadas em valores que variam de R$1.195,13 a R$119.512, 33 (PRESIDÊNCIA DA REPúBLICA, 2007).

A fiscalização é realizada nas empresas com 100 ou mais empregados e pode ser oriunda de denúncia do trabalhador ou do sindicato, mediante solicitação do Ministério Público do Trabalho ou da execução do planejamento da chefia.

A partir de então e nas últimas décadas, as empresas passaram a contratar pessoas com deficiência, embora no todo o número de contratados ainda seja muito pequeno.

Estudos a respeito dos números de contratados sugerem que a legislação vigente não é suficientemente clara. Ela pode desorientar em vez de orientar o empregador. Além disso ela pode ser usada como coerção, ao invés de servir como sugestão educacional para a adequação das empresas às pessoas portadoras de deficiência a serem contratadas. A manutenção no emprego não significa um progresso na carreira e ao mesmo tempo os empresários não recebem nenhum incentivo governamental para qualificar profissionalmente os deficientes contratados, o que cria um círculo vicioso.

Cumpre-se a porcentagem exigida pela legislação, contrata-se pessoas deficientes que não são encorajadas e nem têm grandes possibilidades de crescimento profissional.

A pesquisa Retratos da Deficiência no Brasil, recentemente publicada pela Fundação Getulio Vargas em parceria com a Fundação Banco do Brasil, mostra que, num universo de 26 milhões de trabalhadores formais ativos, 537 mil são pessoas com deficiência, representando apenas 2% do total (apud RIBAS, 2008). Ribas salienta o fato de que apesar de essa pesquisa ter sido realizada em 2000, o número de pessoas com deficiência formalmente empregadas no Brasil não aumentou substancialmente.

Para esse autor, essas dificuldades se devem à falta de responsabilidade social e cidadania empresarial. Grande parte das empresas, além de contratar apenas por causa da obrigação legal, não formula critérios de contratação, não planeja e não tem um verdadeiro comprometimento com esses empregados.

Deve-se ressaltar o fato de que o nível de escolaridade da maioria das pessoas com deficiência no Brasil é baixo, assim como é precário o grau de preparação para o mundo do trabalho. É sabido que as pessoas que concluem o Ensino Médio e, mais ainda, o ensino universitário têm mais facilidade de colocação no mercado de trabalho. Na população brasileira, no entanto, essas pessoas não são maioria. Ao contrário: estatísticas mostram a interrupção dos estudos na infância e adolescência para a maioria

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da população, o que torna muito mais difícil a obtenção de um emprego formal. Nesse sentido, a falta de qualificação pode ser vista como uma das principais razões pelas quais a obtenção de uma colocação no mundo do trabalho se torne ainda mais difícil para as pessoas portadoras de deficiência. Muitas das vagas oferecidas não são preenchidas justamente porque os profissionais não estão aptos para o exercício das funções.

Deve-se, entretanto, considerar que a inclusão de portadores de deficiência no mercado de trabalho mostrou um pequeno aumento em 2007, provavelmente fruto das ações de fiscalização para o cumprimento da lei de cotas: 22 314 trabalhadores portadores de algum tipo de deficiência conseguiram um emprego em 2007, 12% mais que em 2006. O Sistema Nacional de Emprego (Sine) ofereceu 36 837 vagas em todo o Brasil para esses trabalhadores, mas apenas 20% foram preenchidas em 2007 (PRESIDÊNCIA DA REPúBLICA, 2007).

A legislação e a Constituição garantem o direito ao trabalho para todos. A acessibilidade ao mercado de trabalho exige a adoção do desenho universal em todas as cidades, pois estabelece requisitos que devem ser seguidos nas edificações, espaços internos e externos, mobiliário, equipamentos e rotinas de trabalho das empresas, para que os trabalhadores com deficiência possam ser incorporados à força de trabalho.

Nesse sentido, e por influência dos movimentos sociais dos portadores de deficiência que têm trabalhado com princípios como diversidade, inclusão, equiparação de oportunidades, autonomia pessoal e desenho universal, os estudos sobre acessibilidade podem contribuir para a implementação das medidas sugeridas pelos estudos em relação ao desenvolvimento inclusivo.

Os estudiosos entendem por “desenvolvimento inclusivo”:

[...] a concepção e implementação de ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, que procuram a liberdade, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independentemente do status social, gênero, idade, condição física ou mental, etnia, religião, opção sexual etc., em equilíbrio com o seu meio ambiente. (BIELER, 2006)

A sugestão da autora é que o desenvolvimento inclusivo aproveite e potencialize a ampliação dos direitos e capacidades de cada uma das dimensões do ser humano (econômica, social, política, cultural) na sua diversidade e especificidade, com base na procura e garantia do acesso universal e da igualdade.

Percebe-se assim que essas noções não discriminam, ao contrário, promovem a diferença, apreciam-na e a transformam numa vantagem e oportunidade. Esse tipo de abordagem surge como uma tentativa de também lutar contra a pobreza e dar visibilidade aos grupos vulneráveis chamando-os a participar de programas e políticas sociais. O conceito de desenvolvimento inclusivo tem sido empregado em discussões a respeito da exclusão dos portadores de deficiência do mundo do trabalho. O debate amplia-se abarcando ainda outros setores da sociedade chamando a atenção para o fato básico de que a sociedade não poderá mudar enquanto não melhorar a situação de vida da população em geral.

Esse conceito e essas discussões não propõem respostas específicas e isoladas, mas tentam ter uma perspectiva mais ampla e genérica que envolva todos os segmentos sociais tendo em vista que a questão da acessibilidade ao mundo do trabalho constitui um dos pilares fundamentais para a formação de uma sociedade participativa, sustentável e inclusiva.

O eixo principal dessa abordagem não está em suas propostas teóricas mas sim em estratégias práticas amplas e gerais para a aplicação dos princípios que atendam às necessidades humanas e implementem políticas sociais de inclusão.

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Para Bieler (2006), essa reivindicação ultrapassa a questão da inclusão e do acesso universal como tema de direitos humanos e princípio de igualdade, pois trata-se fundamentalmente de considerá-los como condições necessárias para o desenvolvimento socioeconômico sustentável.

Para garantir a inclusão no mercado de trabalho de pessoas portadoras de deficiência, é preciso antes de tudo permitir que tenham acesso ao desenvolvimento socioeconômico da comunidade. No entanto, a maior parte dos programas atualmente não interagem nem trocam informações, o que faz com que serviços sejam duplicados e recursos sejam mal utilizados. Geralmente contemplam as pessoas que vivem em centros urbanos, excluindo, portanto, o restante que vive em áreas distantes ou rurais do país. É certo que a maior parte da população brasileira atualmente vive nas cidades, mas isso não justifica o esquecimento das populações rurais.

Além de ser um tema de Direitos Humanos, a inclusão, a cidadania, a participação ativa de todas as pessoas nos programas de desenvolvimento não apenas é consequente e responsável, é também a opção mais efetiva em termos de custos e, portanto, mais sustentável. As políticas e estratégias orientadas para o desenvolvimento procuram a redução do custo social e econômico da deficiência através do investimento em capital humano, do aumento da capacidade funcional destas pessoas e da redução das barreiras que impedem o seu acesso aos serviços e às oportunidades em geral. A esse processo se deveria associar o amplo conceito de acessibilidade – o que leva a uma efetiva inclusão social.(BIELER, 2006)

As propostas de acessibilidade dentro das noções de desenvolvimento inclusivo devem incorporar o princípio do desenho universal na construção dos edifícios, das vias de acesso e todos os espaços envolventes para a planificação de programas de proteção social com a inclusão de grupos de pessoas portadoras de deficiência. Esses grupos que devem ser beneficiários de políticas sociais têm também uma contribuição a oferecer a partir de experiências diferenciadas, que vão amealhando no correr dos anos, nas áreas de saúde, habitação, infraestrutura e transporte e mercado de trabalho. O desenvolvimento inclusivo e o desenho universal enriquecidos pelas experiências propõem uma sociedade que se reconhece na diversidade humana, social e cultural.

Uma nova perspectiva traria essas contribuições para políticas públicas e remodelações urbanas que poderiam contribuir para a vida de todos os cidadãos, uma vez que as deficiências fazem parte da vida de todos.

Estudo recente elaborado para o Banco Mundial1 demonstrou a necessidade de superação de algumas noções intuitivas e de agregar embasamento teórico à noção de desenvolvimento inclusivo.

A palavra desenvolvimento é tradicionalmente empregada para a transformação estrutural na economia e pode ser medido com base no PIB2. O processo de desenvolvimento abrange vários aspectos da sociedade, da produção ao consumo, da cultura aos valores, do comércio e indústria aos investimentos. Isso implica que a palavra desenvolvimento venha agregando várias dimensões como avaliação nas melhorias na vida da população, como a qualidade da educação e do atendimento na área da saúde e ao mesmo tempo o desenvolvimento político, isto é, o exercício dos direitos dos cidadãos.

1 O Manual sobre Desenvolvimento Inclusivo para Mídia e Profissionais de Comunicação, elaborado pela Escola de Gente – Comunicação em Inclusão para o Banco Mundial – tem distribuição gratuita. Disponível em português e espanhol (versões impressa, digital e em braille). Disponível em: <www.escoladegente.org.br>. Acesso em: 20 mar. 2008.2 O Produto Interno Bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos em uma determinada região (países, estados, cidades) durante um período determinado (mês, trimestre, ano etc). O PIB é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia objetivo de mensurar a atividade econômica de uma região. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Produto_interno_bruto>. Acesso em: 26 mar. 2008.

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Muitos estudiosos têm tentado definir e medir o desenvolvimento em suas várias dimensões. O índice prevalecente é o IDH3, criado por um programa da ONU e empregado desde 1990. No entanto, críticas são feitas a esse índice por não incluir a análise das liberdades civis e políticas e a participação das pessoas nas decisões.

Para alguns especialistas, é errôneo tentar medir o desenvolvimento humano com poucos indi-cadores, pois os processos humanos são muito mais complexos que os índices que os avaliam e a mul-tiplicação de indicadores leva a resultados inexpressivos na análise.

O conceito de desenvolvimento inclusivo, seguindo o Manual sobre Desenvolvimento Inclusivo para Mídia e Profissionais de Comunicação, parte de um enfoque que coloca os indivíduos no centro dos processos de desenvolvimento, garantindo a eles:

(WER

NEC

K, 2

004,

p. 9

3)

EquidadeGarantia de igualdade de oportunidades a todas as pessoas, eliminando todo obstáculo de

acesso a elas.

EmpoderamentoDireito que todas as pessoas têm de participar da elaboração e da aplicação das decisões e

processos que afetam sua vida.

ProdutividadeParticipação plena de todas as pessoas no processo de geração de renda e no emprego

remunerado, para o que são indispensáveis investimentos voltados para o aumento da

criatividade e o desenvolvimento da potencialidade.

SustentabilidadeCompromisso de assegurar oportunidades não apenas para as gerações atuais, mas também

para as gerações futuras, mediante a reposição de capital físico, ambiental, humano e social.

SegurançaExercício das oportunidades de desenvolvimento de forma livre e segura, impedindo que

estas desapareçam subitamente no futuro.

CooperaçãoPossibilidade assegurada de participação e pertencimento a comunidades e grupos como

modo de enriquecimento recíproco e fonte de sentido social.

Observa-se nesse quadro que a noção de desenvolvimento inclusivo resgata a ideia de diver-sidade como ponto forte de desenvolvimento. Fala-se de diversidade social, cultural, étnica, política religiosa, educacional, sexual, ambiental etc. e, portanto, pressupõe-se uma diversidade que ultrapassa o plano individual e incentiva ações relacionadas à inclusão de pessoas deficientes.

As relações entre desenvolvimento e deficiência são muito estreitas e mutuamente interferentes, embora não possam ser apreendidas pelos indicadores quantitativos comuns. “Quanto mais limitado ao fator econômico for o conceito de desenvolvimento, mais difícil será atuar a favor da inclusão de pessoas com deficiência na sociedade e de uma sociedade inclusiva global” ( WERNECK, 2006).

Um outro aspecto que deve ser levado em conta na inclusão das pessoas deficientes no mercado de trabalho é a transformação da gestão empresarial, que precisa atender à diversidade de seus funcionários.

A incorporação da diversidade passa pela adoção de medidas de curto, médio e longo prazo para incentivar a transformação cultural nas organizações empresariais, uma vez que o respeito à diversidade terá consequências positivas para as pessoas com deficiência e também para as corporações.

3 O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida comparativa de riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros fatores para os diversos países do mundo. É uma maneira padronizada de avaliação e medida do bem-estar de uma população, especialmente bem-estar infantil. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem sendo usado desde 1993 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em seu relatório anual. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano>. Acesso em: 26 mar. 2008.

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A inserção das pessoas portadoras de deficiência nas empresas ou em qualquer ambiente de trabalho exige pequenas alterações em escalas de trabalho e modificações no ambiente físico e nos equipamentos.

Vale destacar alguns projetos de capacitação de pessoas portadoras de deficiência para atividade de trabalho que estão sendo desenvolvidos no Brasil.

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro foram desenvolvidas metodologias de ensino para deficiência visual e motora que resultaram, entre outros, nos programas DoVox e Motrix, que são amplamente utilizados em âmbito nacional e latino-americano. Esses instrumentos ofereceram às pessoas portadoras de deficiência alternativas funcionais profissionais e de aprendizado.

O mesmo núcleo universitário nos esforços feitos nos últimos 10 anos estabeleceu ações de capacitação profissional que permitiram aos portadores de deficiência ter acesso ao mercado de trabalho e assim resgatar sua cidadania. Esse projeto foi intitulado “Projeto Habilitar” e integrou estratégias de ensino e ferramentas de acessibilidade.

O programa também mostrou que não basta uma boa ferramenta de acessibilidade para capacitação da pessoa deficiente para o mercado de trabalho, é preciso também uma mudança de metodologia no ensino. A integração entre ensino e ferramentas tem que ser permeável e exige investimentos humanos e financeiros consideráveis e também é preciso envolver os deficientes no processo para que no fim do treinamento consigam exercer com liberdade de ação o futuro trabalho, já que as empresas que os empregarão provavelmente não oferecerão pessoal habilitado em adaptação de ferramentas de acessibilidade. “Para que o Projeto Habilitar atinja seus objetivos dentro da consciência de que o Brasil é um país de dimensões continentais, é necessário, também, promover adequação e capacitação de outras instituições e seus profissionais para serem replicadoras das metodologias desenvolvidas (UFRGS, 2003).

É preciso também estabelecer convênios com instituições públicas e privadas visando à ampliação da inserção da mão de obra capacitada.

Há também na cidade de São Paulo o Programa Inclusão Eficiente, formado a partir da parceria entre as Secretarias Municipais do Trabalho e da Pessoa com Deficiência. O programa oferece um serviço de cadastro que é encaminhado aos Centros de Apoio ao Trabalho (CATs), para agilizar a entrada no mercado de trabalho das pessoas com deficiência. O cadastro serve ainda como banco de dados para as secretarias saberem quantas e quais vagas são necessárias na promoção de cursos de capacitação profissional.

Ainda em São Paulo, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/SP) mantém um convênio com o Sindicato da Indústria da Construção Civil, chamado Pacto de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mercado de Trabalho, no qual 682 empresas da construção civil se comprometeram a desenvolver uma série de ações para a capacitação de profissionais portadores de deficiência física em funções compatíveis com as necessidades das empresas. Para tanto, as empresas terão o apoio do Senai.

Segundo dados do Ministério do Emprego e Trabalho (apud PRESIDÊNCIA DA REPúBLICA, 2007), o estado de São Paulo ofereceu o maior número de vagas para portadores de deficiência: 19 104 em 2007, das quais apenas 2 122 foram preenchidas. Alagoas e Paraná ocuparam 100% das vagas, mas a oferta de empregos era muito pequena em relação ao total nacional: seis em Alagoas e um no Paraná.

Um outro programa que tem trabalhado nesse sentido é o Programa de Apoio à Pessoa Porta-dora de Deficiência (Padef ). Além da qualificação profissional do deficiente, o Padef também realiza a intermediação de mão de obra, ou seja, faz contato com empresas e procura quebrar as barreiras para

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a contratação dos deficientes apresentando a potencialidade e a capacidade desses trabalhadores. O Padef já atendeu mais de 4 570 trabalhadores.

Outros projetos de capacitação para portadores de deficiência têm sido desenvolvidos em todo o país. Em 2007, cerca de 300 jovens portadores de deficiência foram qualificados em cursos distribuídos em vários estados no âmbito do Consórcio Social da Juventude.

O governo federal pretende investir, até 2010, R$2,4 bilhões na ampliação dos programas voltados para educação, saúde, habitação, transporte acessível e inserção de deficientes no mercado de trabalho.

Texto complementar

A pessoa portadora de deficiência e o mercado de trabalho(mAzzILLI, 2008)

Nas últimas décadas, houve sensível evolução do tratamento jurídico dado às pessoas portadoras de deficiência. A Constituição de 1988 trouxe normas protetivas e garantias de sua integração, como na acessibilidade a edifícios e transportes. E a Lei 7.853/89 disciplinou sua proteção e integração social. Quanto ao acesso ao mercado de trabalho, a Constituição vetou qualquer forma de discriminação nos salários e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, bem como exigiu que lhes fosse reservado percentual dos cargos e empregos públicos (arts. 7.º, XXXI, e 37, VIII). O Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União assegurou-lhes o percentual de até 20% (art. 5.º, §2.º). No estado de São Paulo, a Lei Complementar 683/92, em seu artigo 1.º, impôs o percentual de até 5%. Assim, os editais de concurso devem consignar a reserva de cargos; no requerimento de inscrição, os candidatos devem indicar a natureza e o grau da incapacidade, bem como as condições especiais necessárias para que participem das provas. Eles concorrerão em igualdade de condições com os demais, no que diz respeito ao conteúdo e à avaliação das provas. Após o julgamento das provas, haverá duas listas: a geral, com a relação de todos os candidatos aprovados, e a especial, com a relação dos portadores de deficiência aprovados. Em outras palavras, a reserva de percentual não afasta a necessidade de aprovação no concurso (ROMS 10.481-DF, STJ; ARMI 153-DF, STF), devendo ser compatíveis com a deficiência as atribuições a serem desempenhadas (ROMS 2.480-DF, STJ).

Mas ainda há indevidas resistências. Um acórdão do STF afirmou inexistir discriminação quando se eliminou do concurso um candidato com cegueira bilateral, porque isso geraria impossibilidade de desempenho pleno da função de juiz federal (RE 100.001-DF, j. 29/03/1984). O acórdão por certo não seria proferido se os juízes tivessem considerado que é muito diferente a situação de quem conseguiu tornar-se habilitado para exercer os ofícios do direito já quando portador da deficiência, e a daquele que, tendo visão normal, supervenientemente, se torna cego

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bilateral. Enquanto este último será aposentado por invalidez, já o primeiro fez seu curso jurídico iluminado apenas pela luz interna de sua força e sua vontade, que, não raro, é bastante para ver muito além dos limites estreitos de quem não lhe reconhece aptidão para levar vida operosa e produtiva na sociedade.

Conheço Promotor de Justiça, no Estado de São Paulo, que, por falta de ambos os membros superiores, longe de inválido, exerce com zelo as atribuições de seu cargo; conheço Procurador do Trabalho com cegueira bilateral, que, apesar de discriminado em anterior concurso de ingresso à Magistratura, não só entrou no Ministério Público sem dever favor algum aos demais candidatos, como ainda, mercê de sua maturidade e cultura jurídica invulgares, tornou-se líder entre seus próprios colegas de visão normal… Como ele exerce suas funções se não enxerga? Da mesma maneira que um juiz, que tem dois olhos sadios, que, para ler e entender algo em língua estrangeira, deve valer-se de um intérprete, tradutor ou ledor – ou seja, um intermediário, compromissado e autorizado a tanto.

Já na iniciativa privada, coube à Lei 8.213/91, que cuida do sistema da previdência social, assegurar em favor dos beneficiários reabilitados, ou das pessoas portadoras de deficiência, desde que habilitadas, de 2 a 5% das vagas para trabalho em empresas com mais de 100 empregados. O Decreto 3.298/99 estabelece as proporções: a) 2%, para empresas de 100 a 200 empregados; b) 3%, de 201 a 500; c) 4%, de 501 a 1 000; d) 5%, para as que excedam 1 000. Grandes empresas alegam que, se tiverem que contratar 5% de trabalhadores deficientes, teriam de demitir igual número de não deficientes… Mas o argumento é irreal, pois que, na rotatividade normal dos empregos, basta ir cumprindo a lei gradualmente, que em pouco tempo o problema estará resolvido, sem que se ponha alguém na rua. Outros alegam que não há condições de transporte ou acesso adaptado para recebê-los… Mas o que está tardando são essas adaptações! De todos, o mais indigno é o argumento de que se deveria criar uma contribuição de cidadania, para as empresas que, não querendo manter o percentual, pagassem um valor a um fundo, o que as dispensaria de contratar pessoas portadoras de deficiência… Ou seja, pagariam uma taxa para poder discriminar!

É preciso deixar claro que não se trata de um ato de caridade que o Estado ou as pessoas devem em relação a alguns dos membros da sociedade. Ao contrário. A pessoa portadora de deficiência – qualquer que seja ela: motora, sensorial, intelectual – essa pessoa é inteira, no que diz respeito à dignidade e direitos. No que diz respeito ao papel do Ministério Público, tem ele diversos instrumentos para assegurar o cumprimento das leis de proteção à pessoa portadora de deficiência: a) o inquérito civil, para investigar lesão a direitos individuais ou coletivos relacionados com a proteção da pessoa portadora de deficiência (Constituição, art. 129, III; Leis 7.347/85, 7.853/89 e 8.625/93; Lei Complementar 75/93); b) compromisso de ajustamento de conduta (Lei 7.347/85, art. 5.º, §6.º); c) audiências públicas e expedição de recomendações aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública, para que observem os direitos constitucionais (Constituição, art. 129, II, e Lei 8.625/93); d) ação civil pública, para defesa de interesses transindividuais (Constituição, art. 129, III, e Leis 7.347/85, 7.853/89 e 8.625/93, e Lei Complementar 75/93); c) ação penal pública (Constituição, art. 129, I; Lei 7.853/89, art. 8.º).

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Atividades1. Defina desenvolvimento inclusivo.

2. O que é necessário para a inclusão no mercado de trabalho.

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3. Defina desenho universal.

ReferênciasMAzzILLI H. N. A Pessoa Portadora de Deficiência e o Mercado de Trabalho. Disponível em: <www.entreamigos.com.br/textos/direitos/apessoa.htm>. Acesso em 20 ago. 2012.

PRESIDÊNCIA DA REPúBLICA, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Fome Zero, 2006. Disponível em: <www.fomezero.gov.br/noticias/portadores-de-deficiencia-tem-mais-vagas-no-mercado-de-tra-balho>. Acesso em: 20 ago. 2012.

RIBAS, J . Inclusão de Pessoas com Deficiência no Mundo do Trabalho: situação e perspectivas. O acesso das pessoas com deficiência ao emprego formal. Disponível em: <http://www.prattein.com.br/prattein/texto.asp?id=141>. Acesso em: 20 ago. 2012.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Capacitando Deficientes para o Mercado de Trabalho no Brasil através da Integração de Estratégias de Ensino e Ferramentas de Acessibilidade. 2003. Disponível em: <www.niee.ufrgs.br/ciiee2003/COMUNICACIONES/BLOQUE%204/Capacitando%20deficientes%20para%20o%20mercado%20de%20trabalho%20no%20Brasil.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012.

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Gabarito1. Os estudiosos entendem por “desenvolvimento inclusivo” a concepção e implementação de

ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, que procuram a liberdade, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independentemente do status social, gênero, idade, condição física ou mental, etnia, religião, orientação sexual etc., em equilíbrio com o seu meio ambiente.

A sugestão é que o desenvolvimento inclusivo aproveite e potencialize a ampliação dos direitos e capacidades de cada uma das dimensões do ser humano (econômica, social, política, cultural) na sua diversidade e especificidade, com base na procura e garantia do acesso universal e da igualdade.

Percebe-se assim que essas noções não discriminam, ao contrário, promovem a diferença, apreciam-na e a transforma numa vantagem e oportunidade. Esse tipo de abordagem surge como uma tentativa de também lutar contra a pobreza e dar visibilidade aos grupos vulneráveis chamando-os a participar de programas e políticas sociais. O conceito de desenvolvimento inclusivo tem sido empregado em discussões a respeito da exclusão dos portadores de deficiência do mundo do trabalho. O debate amplia-se abarcando ainda outros setores da sociedade, chamando a atenção para o fato básico de que a sociedade não poderá mudar enquanto não melhorar a situação de vida da população em geral.

2. Para garantir a inclusão no mercado de trabalho de pessoas portadoras de deficiência, é preciso, antes de tudo permitir que tenham acesso ao desenvolvimento socioeconômico da comunidade.

Além de ser um tema de Direitos Humanos, a inclusão, a cidadania, a participação ativa de todas as pessoas nos programas de desenvolvimento não apenas é consequente e responsável, é também a opção mais efetiva em termos de custos e, portanto, mais sustentável. As políticas e estratégias orientadas para o desenvolvimento procuram a redução do custo social e econômico da deficiência através do investimento em capital humano, do aumento da capacidade funcional dessas pessoas e da redução das barreiras que impedem o seu acesso aos serviços e às oportunidades em geral. A esse processo deveria associar-se o amplo conceito de acessibilidade – o que leva a uma efetiva inclusão social.

3. As propostas de acessibilidade dentro das noções de desenvolvimento inclusivo devem incorporar o princípio do desenho universal na construção dos edifícios, das vias de acesso e todos os espaços envolventes para a planificação de programas de proteção social com a inclusão de grupos de pessoas portadoras de deficiência. Esses grupos que devem ser beneficiários de políticas sociais têm também uma contribuição a oferecer a partir experiências diferenciadas que vão amealhando no correr dos anos, nas áreas de saúde, habitação, infra-estrutura e transporte e mercado de trabalho. O desenvolvimento inclusivo e o desenho universal enriquecidos pelas experiências propõem uma sociedade que se reconhece na diversidade humana, social e cultural.

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Fundação Biblioteca NacionalISBN 978-85-387-3170-2

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Carla Cristina Garcia

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