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PLATÃO, “Sofista”, em Os Pensadores, vol. III, São Paulo, Abril Cultural, 1972, PP. 195-198 (261e a 264b). No excerto apresentado, o diálogo se dá entre o Estrangeiro e Teeteto e procura determinar o que se deve entender por discurso, bem como distinguir falso do verdadeiro. Sofista ESTRANGEIRO - [...] Possuímos, na verdade, para exprimir vocalmente o ser, dois gêneros de sinais. TEETETO - Quais? ESTRANGEIRO - Os nomes e os verbos, como os chamamos. TEETETO - Explica tua distinção. ESTRANGEIRO - O que exprime as ações, nós chamamos verbo. TEETETO - Sim. ESTRANGEIRO - Quanto aos sujeitos que executam essas ações, o sinal vocal que a eles se aplica é um nome. TEETETO - Perfeitamente. ESTRANGEIRO - Nomes apenas, enunciados de princípio a fim, jamais formam um discurso, assim como verbos enunciados sem o acompanhamento de um nome. TEETETO - Eis o que eu não sabia. ESTRANGEIRO 1

Sofista - Platão

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PLATÃO, “Sofista”, em Os Pensadores, vol. III, São Paulo, Abril Cultural, 1972, PP. 195-198 (261e a 264b).

No excerto apresentado, o diálogo se dá entre o Estrangeiro e Teeteto e procura determinar o que se deve entender por discurso, bem como distinguir falso do verdadeiro.

Sofista

ESTRANGEIRO- [...] Possuímos, na verdade, para exprimir vocalmente o ser, dois gêneros de sinais.TEETETO- Quais?ESTRANGEIRO- Os nomes e os verbos, como os chamamos.TEETETO- Explica tua distinção.ESTRANGEIRO- O que exprime as ações, nós chamamos verbo.TEETETO- Sim.ESTRANGEIRO- Quanto aos sujeitos que executam essas ações, o sinal vocal que a eles se aplica é um

nome.TEETETO- Perfeitamente.ESTRANGEIRO- Nomes apenas, enunciados de princípio a fim, jamais formam um discurso, assim como

verbos enunciados sem o acompanhamento de um nome.TEETETO- Eis o que eu não sabia.ESTRANGEIRO- É que, certamente, tinhas outra coisa em vista, dando-me, há pouco, teu assentimento;

pois o que eu queria dizer era exatamente isso: enunciados numa seqüência como esta, eles não formam um discurso.

TEETETO- Em que seqüência? ESTRANGEIRO- Por exemplo, anda, corre, dorme, e todos os demais verbos que significam ação, mesmo

dizendo-os todos, uns após os outros, nem por isso formam um discurso.TEETETO- Naturalmente.

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ESTRANGEIRO- E se dissermos ainda: leão, cervo, cavalo, e todos os demais nomes que denominam

sujeito executando ações, há, ainda aqui, uma serie da qual jamais resultou discurso algum; pois nem esta, nem na precedente, os sons proferidos indicam nem ação, nem inação, nem o der, de um ser, ou de m não ser, pois não unimos verbos os nomes. Somente unidos haverá o acordo e, desta primeira combinação, nasce o discurso que será o primeiro e mais breve de todos os discursos.

TEETETO- Que entende com isso?ESTRANGEIRO- Ao dizer: o homem aprende não reconheces ali um discurso, o mais simples e primeiro?TEETETO- Para mim, sim.ESTRANGEIRO- É que, desde esse momento, ele nos dá alguma indicação relativa a coisas que são, ou se

tornaram, ou foram, ou serão; não se limitando a nomear, mas permitindo-nos ver que algo aconteceu, entrelaçando verbos e nomes. Assim, dissemos que ele discorre, e não somente nomeia, e, a esse entrelaçamento, demos o nome de discurso.

TEETETO- Justamente.ESTRANGEIRO- Assim, do mesmo modo que, entre as coisas, umas concordam mutuamente, outras não;

assim, também, nos sinais vocais, alguns deles não podem concordar, ao passo que outros, por seu mútuo acordo, criaram o discurso.

TEETETO- Perfeitamente exato.ESTRANGEIRO- Mais uma pequena observação.TEETETO- Qual?ESTRANGEIRO- O discurso, desde que ele é, é necessariamente um discurso sobre alguma coisa; pois

sobre o nada é impossível haver discurso.TEETETO- Certamente.ESTRANGEIRO- Não será necessário, também que ele possua uma qualidade determinada?TEETETO- Sem dúvida.ESTRANGEIRO- Tomemos, pois, a nós mesmos, por objeto de nossa observação.TEETETO- É o que devemos fazer.ESTRANGEIRO- Vou pronunciar diante de ti um discurso, unindo um sujeito a uma ação por meio de um

nome e de um verbo; e tu dirás sobre o que é esse discurso.TEETETO- Se puder, assim farei.

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ESTRANGEIRO- Teeteto está sentado, será um longo discurso?TEETETO- Não; aliás, bem curto.ESTRANGEIRO-Cabe-te, pois, dizer a propósito de quem e sobre o que ele discorre.TEETETO- Evidentemente, a propósito de mim e sobre mim.ESTRANGEIRO- E este?TEETETO- Qual?ESTRANGEIRO- Teeteto, com quem agora converso, voa.TEETETO- Aqui, ainda, só há uma resposta possível: a propósito de mim e sobre mim.ESTRANGEIRO- Mas cada um desses discursos tem, necessariamente, uma qualidade.TEETETO- Sim.ESTRANGEIRO- Que qualidade devemos, pois, atribuir a um e outro?TEETETO- Poderemos dizer que um é falso, outro verdadeiro.ESTRANGEIRO- Ora, aquele que, dentre os dois, é verdadeiro, diz, sobre ti, o que é tal como é.TEETETO- Claro!ESTRANGEIRO- E aquele que é falso diz outra coisa que aquela que é.TEETETO- Sim.ESTRANGEIRO- Diz, portanto, aquilo que não é.TEETETO- Mais ou menos.ESTRANGEIRO- Ele diz, pois, coisas que são, mas outras, que aquelas que são a teu respeito; pois como

dissemos, ao redor da cada realidade há, de certo modo, muitos seres e muitos não seres.TEETETO- Certamente.ESTRANGEIRO- Assim, o último discurso que fiz a teu respeito deve, em primeiro lugar, e tendo em vista o

que definimos como a essência do discurso, ser, necessariamente, um dos mais breves.TEETETO- Pelo menos é o que resulta de nossas conclusões de há pouco.ESTRANGEIRO- Deve, em segundo lugar, referir-se a alguém.

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TEETETO- CertamenteESTRANGEIRO- Ora, se não se refere a ti, não se refere, certamente, a ninguém mais.TEETETO- Evidentemente.ESTRANGEIRO- Não discorrendo sobre pessoa alguma, não seria, então, nem mesmo um discurso. Na

verdade demonstramos que é impossível haver discurso que não discorra sobre alguma coisa.TEETETO- Perfeitamente exato.ESTRANGEIRO- Assim, o conjunto formado de verbos e de nomes, que enuncia, a teu respeito, o outro

como sendo o mesmo, e o que não é como sendo, eis, exatamente, ao que parece, a espécie de conjunto que constitui, real e verdadeiramente, um discurso falso.

TEETETO- É a pura verdade.ESTRANGEIRO- E então? Não é evidente, desde já, que o pensamento, a opinião, a imaginação, são

gêneros suscetíveis, em nossas almas, tanto de falsidade como de verdade?TEETETO- Como?ESTRANGEIRO- Compreenderás mais facilmente se me deixares explicar em que eles consistem e em que

diferem um dos outros.TEETETO- Explica.ESTRANGEIRO- Pensamento e discurso são, pois, a mesma coisa, salvo que é ao diálogo interior e

silencioso da alma consiga mesmo, que chamamos pensamento.TEETETO- Perfeitamente.ESTRANGEIRO- Mas a corrente que emana da alma e sai pelos lábios em emissão vocal, não recebeu o

nome de discurso?TEETETO- É verdade.ESTRANGEIRO- Sabemos, além disso, que há, no discurso, o seguinte...TEETETO- O quê?ESTRANGEIRO- Afirmação e negação.TEETETO- Sim, sabemos.ESTRANGEIRO- Quando, pois, isto se dá na alma, em pensamento, silenciosamente, haverá outra palavra

para designá-lo além de opinião?

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TEETETO- Que outra palavra haveria?ESTRANGEIRO- Quando, ao contrário, ela se apresenta, não mais espontaneamente, mas por intermédio

da sensação, este estado de espírito poderá ser corretamente designado por imaginação, ou haverá ainda outra palavra?

TEETETO- Nenhuma outra.ESTRANGEIRO- Desde que há, como vimos, discurso verdadeiro e falso, e que, no discurso, distinguimos o

pensamento que é o diálogo da alma consigo mesma, e a opinião, que é a conclusão do pensamento, e esse estado de espírito que designamos por imaginação, que é a combinação de sensação e opinião, é inevitável que, pelo seu parentesco com o discurso, algumas delas sejam, algumas vezes, falsas.

TEETETO- Naturalmente.ESTRANGEIRO- Percebes como descobrimos a falsidade da opinião e do discurso bem mais prontamente

do que esperávamos, quando, há bem pouco, receávamos perder nosso trabalho, empreendendo tal pesquisa?

TEETETO- Sim, percebo.

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