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Spinoza nasceu em uma família judia a 24 de novembro de 1632, em Amsterdã, Holanda, no mesmo ano do nascimento de Locke-1632-1704, e veio a falecer em Haia, em 1677. Seu nome hebreu era Baruch, significando abençoado, e em suas obras publicadas em Latim, Benedictus. Viveu dentro da chamada "Idade de Ouro" da história da Holanda, uma era de grandeza econômica, política, e cultural, apoiada na expansão comercial, durante a qual a pequena nação do Atlântico Norte ombreou com as mais poderosas e influentes nações da Europa. A qualidade de vida tinha um padrão geral de bem estar marcado pela simplicidade e uma proximidade de nível entre as classes e respeito entre as pessoas que não existiam nos demais países europeus, e isto é importante ressaltar para compreender que Spinoza, seguindo sua própria filosofia, viveu simplesmente, o que na rica Holanda daquela época não significava pobreza e muito menos indigência. Nessa época, além do próprio Spinoza, o filósofo René Descartes viveu e escreveu suas obras na Holanda, por duas décadas. A Idade de Ouro produziu cientistas como o físico Christian Huygens, o matemático Simon Stevin e os microscopistas Antonie van Leeuwenhoek e Jan Swammerdam. Na literatura Joost van den Vondel e na pintura De Vermeer, Ruysdael e principalmente Rembrandt van Rijn. E apesar de tanta grandeza, a Idade de Ouro foi também um período de guerras. As províncias unidas dos países baixos, atualmente Bélgica e Holanda, rebelaram-se contra o domínio espanhol e seguiram-se anos de confronto com a Espanha, em que se destacaram como chefes militares holandeses os príncipes de Orange. FILOSOFIA de SPINOZA Teoria do Conhecimento A filosofia de Spinoza é considerada uma evidente resposta ao dualismo da filosofia de Descartes (1596-1650) a qual, na opinião dele, fazia o mundo impossível de ser entendido. Era impossível explicar a relação entre Deus e o mundo, ou entre o espírito e o corpo, ou apresentar fatos devidos a uma vontade livre. Spinoza sustentava que existe um sentido no qual as definições podem ser corretas ou incorretas. Uma definição confiável, ele afirmava, deveria deixar clara a possibilidade ou a necessidade, conforme possa ser o caso, da existência do objeto que foi definido. Portanto, uma definição correta é sempre verdadeira e a partir dessa definição se podem deduzir outras verdades; e por via de tais deduções é possível construir um sistema metafísico isto é, uma apresentação do mundo como um todo perfeitamente inteligível. Estava convencido de que cada aspecto da realidade é necessário

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Spinoza nasceu em uma famlia judia a 24 de novembro de 1632, em Amsterd, Holanda, no mesmo ano do nascimento de Locke-1632-1704, e veio a falecer em Haia, em 1677

Spinoza nasceu em uma famlia judia a 24 de novembro de 1632, em Amsterd, Holanda, no mesmo ano do nascimento de Locke-1632-1704, e veio a falecer em Haia, em 1677. Seu nome hebreu era Baruch, significando abenoado, e em suas obras publicadas em Latim, Benedictus. Viveu dentro da chamada "Idade de Ouro" da histria da Holanda, uma era de grandeza econmica, poltica, e cultural, apoiada na expanso comercial, durante a qual a pequena nao do Atlntico Norte ombreou com as mais poderosas e influentes naes da Europa. A qualidade de vida tinha um padro geral de bem estar marcado pela simplicidade e uma proximidade de nvel entre as classes e respeito entre as pessoas que no existiam nos demais pases europeus, e isto importante ressaltar para compreender que Spinoza, seguindo sua prpria filosofia, viveu simplesmente, o que na rica Holanda daquela poca no significava pobreza e muito menos indigncia. Nessa poca, alm do prprio Spinoza, o filsofo Ren Descartes viveu e escreveu suas obras na Holanda, por duas dcadas.

A Idade de Ouro produziu cientistas como o fsico Christian Huygens, o matemtico Simon Stevin e os microscopistas Antonie van Leeuwenhoek e Jan Swammerdam. Na literatura Joost van den Vondel e na pintura De Vermeer, Ruysdael e principalmente Rembrandt van Rijn. E apesar de tanta grandeza, a Idade de Ouro foi tambm um perodo de guerras. As provncias unidas dos pases baixos, atualmente Blgica e Holanda, rebelaram-se contra o domnio espanhol e seguiram-se anos de confronto com a Espanha, em que se destacaram como chefes militares holandeses os prncipes de Orange.

FILOSOFIA de SPINOZATeoria do Conhecimento A filosofia de Spinoza considerada uma evidente resposta ao dualismo da filosofia de Descartes (1596-1650) a qual, na opinio dele, fazia o mundo impossvel de ser entendido. Era impossvel explicar a relao entre Deus e o mundo, ou entre o esprito e o corpo, ou apresentar fatos devidos a uma vontade livre.

Spinoza sustentava que existe um sentido no qual as definies podem ser corretas ou incorretas. Uma definio confivel, ele afirmava, deveria deixar clara a possibilidade ou a necessidade, conforme possa ser o caso, da existncia do objeto que foi definido. Portanto, uma definio correta sempre verdadeira e a partir dessa definio se podem deduzir outras verdades; e por via de tais dedues possvel construir um sistema metafsico isto , uma apresentao do mundo como um todo perfeitamente inteligvel. Estava convencido de que cada aspecto da realidade necessrio e que toda possibilidade logicamente coerente deve existir. Portanto possvel demonstrar a metafsica dedutivamente, atravs de uma srie de teoremas derivados, etapa por etapa, de conseqncias necessrias a partir de premissas auto-evidentes, expressas em termos que so auto-explicativos ou definidos com uma correo inquestionvel. Porm tal mtodo garante concluses verdadeiras somente se os axiomas so verdadeiros e as definies corretas. Com este pensamento, voltou-se para o mtodo geomtrico maneira dos Elementos, de Euclides. Sua obra prima, a tica, foi escrita desse modo - Ordine Geometrico Demonstrata.

A Famlia A fanlia de Spinoza, como o seu nome indica, originaria da cidade castelhana de Spinoza dos Monteros, na regio da cordilheira cantbrica, norte da Espanha. Deixou a Espanha quando o clebre decreto da Alhambra do ano 1492, dos Reis Catlicos Fernando e Isabel, proibiu aos judeus a residncia no pas. Quem no queria o desterro devia aceitar a f catlica. Portugal ofereceu asilo aos emigrados judeus e uma grande parte destes, inclusive a famlia Spinoza, se estabeleceu l no mesmo ano de 1492. Mas em 1498, por desejar o monarca portugus, Dom Manuel o Venturoso, a mo da princesa espanhola, os reis catlicos impuseram como condio que Portugal tambm expulsasse os judeus ou os fizesse batizar. Em consequncia a famlia Spinoza se converte foradamente ao catolicismo em 1498. O pai de Spinoza, Miguel de Spinoza, nasceu cerca de um sculo depois, na pequena cidade portuguesa de Vidigueira, na cercania de Beja.

A condio de cristos novos no final do sculo XVI era extremamente perigosa, devido caprichosa investigao que fazia a Santa Inquisio sobre a autenticidade de sua vida catlica. Por esta razo, ou por razo de negcios, a famlia Spinoza, quando Miguel de Spinoza , o pai do filsofo, era ainda criana, foi conduzida por seu chefe, Isaac de Spinoza, av do filsofo, de Vidigueira para o importante porto de Nantes, no esturio do rio Loire, noroeste da Frana. Em Nantes, devido ao dito de tolerncia religiosa de Henrique IV, promulgado em 1598, havia uma colnia marrana bem aceita pelos habitantes predominantemente protestantes. Mas esta no durou muito tempo, pois em 1615 todos os marranos foram expulsos.

De l o velho Isaac de Spinoza se trasladou a Roterd, onde morre em 1627. Miguel de Spinoza e seu tio Manuel foram para Amsterd. Talvez porque no fosse prudente ser catlico em um pas que era oficialmente calvinista e que estava em guerra contra a catlica Espanha, Miguel e o tio abraam o judasmo, este ltimo assumindo o nome de Abrao de Spinoza, embora continuasse sua atividade comercial sob o nome cristo de Manuel Rodrigues.

Miguel de Spinoza se casou trs vezes. Sua primeira mulher, Raquel, morreu em 1627 deixando-lhe uma filha chamada Rebeca. No ano seguinte, se casa com Ana Dbora, me de Spinoza e de mais trs filhos, Miriam, Isaac, e Gabriel. Sabemos pouco da me de Spinoza, seno que padecia de tuberculose e que morreu em 5 de novembro de 1638, quando Baruch tinha seis anos de idade. Casou pela terceira vez com sua prima Ester de Spinoza, de Lisboa, e esta quem cuida da educao de seus filhos. Ester morreu em 1652, dois anos antes que seu esposo, que falece o 28 de maro de 1654.

Miguel, que se tornou scio do estabelecimento comercial de seu sogro e tio Abraham e que o sucedeu na direo do negcio, - foi um dos comerciantes judeus mais respeitados de Amsterd. A famlia residia onde atualmente o bairro Waterlooplein, no qual viviam muitos judeus. Sua casa descrita, com base nos desenhos que ficaram, como uma casa muito espaosa porm sem luxo. Foi demolida ainda no sculo XVIII.

Estudos A educao recebida por Baruch a de um jovem judeu de famlia de posses e isto inclua o estudo fundamental do hebreu e o conhecimento minucioso da Bblia Sagrada. Supe-se que Spinoza estivesse entre os primeiros a freqentar a escola rvore da Vida, criada em Amsterd em 1637 para iniciar no judasmo aos jovens da comunidade. Em 1638 essa Escola foi confiada a Manasseh ben Israel , um rabino sefardin de cultura humanista, que influiria muito sobre a formao de Spinoza.

O ensino que ministravam os rabinos estava dividido em sete classes, que abarcavam desde os fundamentos do idioma at as culminncias do Talmud; de modo que as ltimas classes s se ministravam aos maiores de treze anos que desejassem tornar-se rabinos. Os que no tinham vocao religiosa, como foi o caso de Baruch, podiam aperfeioar sua educao religiosa, filosfica e mstica na A Academia da Coroa da Lei (Kether Thora), criada em 1643 por outro rabino, Morteira, um radical ortodoxo Askenazi, cujo esprito radical terminou por dominar tanto na escola talmdica rvore da Vida como na A Academia da Coroa da Lei que Spinoza tambm freqentou.

Os estudos superiores compreendiam a obra do filsofo judeu-espanhol Jasdai Crescas e vrios ensaios que ensejavam debates, entre eles os Dilogos do Amor do filsofo renascentista judeu, Len Hebreu. Este, do platonismo renovado pelo Renascimento, faz a combinao do conceito de uma razo universal com a teoria das idias de Plato da qual extrai uma concepo do mundo baseada no amor como fora csmica, e de onde Spinoza desenvolver sua teoria da razo infinita e das essncias.

igualmente importante a cultura que Spinoza adquiriu com o ex-padre jesuta Francis van den Enden, estudioso da filosofia clssica, poeta e dramaturgo, e que abriu uma escola para crianas em Amsterd. Spinoza foi professor em sua escola e com ele aprendeu cincias naturais (fsica, mecnica, qumica, astronomia e fisiologia), latim, grego, e a filosofia de Descartes, alem da filosofia neo-escolstica. Van den Enden fazia seus discpulos representarem as comedias latinas. A ele, com certeza, Spinoza deve seu conhecimento profundo do latim, lngua em que escreveu sua obra. Van den Enden tinha uma filha, Clara Maria, nascida em 1644 a qual, ainda menina, falava to bem o latim que, com freqncia, substitua ao pai em suas aulas. Parece que Spinoza a apreciava muito pela sua inteligncia e precoce erudio e, mais tarde, segundo seu bigrafo Colerus, se enamorou dela e at quis despos-la. Clara Maria porm se casou com um condiscpulo de Spinoza, o mdico Dirck Kerckrinck, de Hamburgo, que, de acordo com o mesmo Colerus, havia conquistado seu favor com um valioso presente e que se converteu ao catolicismo a seu pedido.

Como matemtico Spinoza realizou observaes e clculos sobre o arco-ris, e ocupou-se do clculo de probabilidades, recm descoberto por Johan de Witt e outros. A caminho da maturidade seu interesse intelectual conduziu-o a uma cultura cientfica e mdica que em todos os terrenos o coloca altura de seu tempo. Como parte dos estudos de fsica, tal como todos os sbios de ento, inclusive Leibniz e Christian Huyghens, polia ele mesmo suas lentes. Sabe-se que suas lentes eram de grande perfeio, seja pela preciso de seu clculo matemtico, seja por sua habilidade manual, e provvel que tenha aceito pedidos de amigos para prepar-las.

No ano de 1650 falece Guilherme II, Conde de Nassau e Prncipe de Orange, chefe dos Estados Gerais e tambm Descartes que, tendo deixado a Holanda para viver na corte da Rainha Cristina, falece aquele ano na Sucia. Em 1654 faleceu Miguel de Spinoza.

Ceticismo de Spinoza O jovem Spinoza aos vinte anos de idade comea a levantar suspeitas quanto ao que ensinava e discutia de religio. Seu ceticismo manifesto no estranho aos jovens das famlias de cristos novos reconvertidos ao judasmo. Nem difcil entender a origem desse ceticismo no prprio esprito marrano. Entre os que foram para Amsterd, muitos desejavam voltar a ser livremente judeus, porm outros vacilaram em aceitar a f judaica, continuando catlicos. Outros ainda, desejam voltar ao judasmo, mas no encontram l a mesma tradio judaica de Portugal e Espanha, a grande tradio do judasmo sefardim, representada por Maimnides.

Um exemplo o caso de Uriel da Costa, membro de uma famlia de cristos-novos rigorosamente catlicos, e que chega em Amsterd, por volta de 1612. Havia recebido j os hbitos sacerdotais quando se converte ao judasmo de seus ancestrais. Porm o judasmo ashkenasi holands, sistemtico e fanaticamente ortodoxo, no o satisfaz, e vive um drama que o leva ao suicdio. Em geral a comunidade portuguesa de Amsterd, unida pelo idioma e a procedncia, se considera a si mesma como uma nao; est constituda por um mundo de altos comerciantes para quem a religio no um problema fundamental. Si aderem ao judasmo porque em um Estado fundado pelos calvinistas se sentem mais seguros assim que sendo catlicos, e no tm necessidade de se fazerem calvinistas.

O estudo da Bblia levou Spinoza s obras dos comentadores judeus e entre estes aprendeu a estimar, em primeiro lugar, a Abraham ibn Ezra quem deve ter-lhe despertado as primeiras dvidas sobre a unidade do Pentateuco, o que pode t-lo movido ao exame crtico das Escrituras. Tambm Gersonides, ao assinalar as discrepncias da cronologia bblica. Em Maimnides, que rene, como escolstico judeu, a Bblia e a concepo aristotlica do mundo, encontra talvez Spinoza sua maior inspirao humanista e anti-ortodoxa. No grupo de autores judeus que Spinoza chegou a estudar na comunidade de Amsterd, pertence tambm Abraham Herrera, que em seu Porta do Cu une em forma original a mstica do neoplatonismo com as especulaes da Cabala.

Outra grande influncia sobre Spinoza a do mdico Juan (Daniel) de Prado, que com ele ser expulso da comunidade; este exerce sobre Spinoza uma influencia maior e mais imediata. Aceita um naturalismo puro enquanto nega a verdade da Escritura e do Deus nela revelado, para substitui-lo por um Deus-Natureza que se manifesta nas leis naturais. Para o ceticismo de Spinoza contriburam igualmente as disputas dentro da prpria comunidade judaica de Amsterd, dividida na oposio pessoal dos dois rabinos principais, os citados Menass ben Israel e Sal Levi Morteira. O primeiro, sefardim nascido em Lisboa, humanista, e o segundo, Morteira, nascido em Veneza, aschkenasi, um fantico radical.

A oposio dos dois rabinos determina conflitos dramticos. Menass ben Israel busca uma snteses do judasmo com o humanismo e goza de mais alto conceito entre os intelectuais holandeses. Morteira, ao contrrio, quer um judasmo voluntariamente segregado, a forma religiosa estreita dos judeus orientais ou aschkenasis, dominada pela Cabala, a teologia emanatista medieval, carregada de profundo sentido mstico penetrado de supersties pueris. Seu livro Providncia de Deus com Israel (ou "Esperana de Israel"), devido orientao fantica anticrist, no teve permisso para publicao mas cpias circularam na comunidade e, graas a ele, Morteira triunfa sobre seu adversrio: o esprito do judasmo aschkenasi domina na comunidade judaica de Amsterd, uma frmula religiosa do sculo XV em desacordo com o esprito cientfico do sculo XVII. Os judeus que, portadores da tradio humanista portuguesa, eram socialmente integrados e viviam em palcios, viram-se constrangidos por uma religio de gueto, potencialmente criadora de profundos conflitos.

O que a todos comentaristas de Spinoza parece, que, em um mundo de tantas tendncias variadas e algo contraditrias, ele teve que buscar uma soluo prpria. No seguiu a Morteira como toda a comunidade, pela senda do judasmo aschkenasi, nem to-pouco aceitou a linha de Menass.

Expulso da Comunidade JudaicaSpinoza logo incorreu na desaprovao das autoridades da sinagoga por suas afirmaes junto aos rabinos, como a de que no havia nada na Bblia afirmando que Deus no possua um corpo fsico, que os anjos realmente existissem como espritos sem corpo ou que a alma humana fosse imortal fora do corpo. Porm, depois daquelas afirmaes, o acusaram de atesmo ante a comunidade e foi instaurada a correspondente devassa. Spinoza foi convidado a comparecer ante Morteira, e frente ameaa de excomunho, teve uma atitude arrogante. Declarou que j havia desejado romper com a Sinagoga, mas evitara faze-lo para no provocar um escndalo.

Frente acusao, dirigiu aos rabinos um escrito em que reafirma suas convices. Deve ser desta ocasio, em 1655, a preparao por Spinoza do seu Tractatus de Deo et homine et jusque felicitate, em que se defende explicando seus pontos de vista. A congregao no teve alternativa seno aplicar-lhe a excomunho. O texto da excomunho de Spinoza, publicado o 27 de julho de 1656, diz ao final: "Ordenamos que ningum mantenha com ele comunicao oral ou escrita, que ningum lhe preste nenhum favor, que ningum permanea com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ningum leia nada escrito ou transcrito por ele". At que ponto havia chegado a rejeio a Spinoza pelos fanticos da comunidade mostra o atentado que o vitimou: uma noite, algum tentou apunhala-lo no caminho de sua casa, quando voltava da Sinagoga. Conseguiu esquivar-se ao golpe do punhal que apenas rasgou sua casaca.

A vida de Spinoza fatalmente sofreria uma mudana quando ele se afastou do judasmo. Estava ento, juntamente com seu irmo Gabriel, frente do negcio deixado por seu pai quando este faleceu em 1654. Tratava-se de um comercio de importao e exportao, uma tradio de negcio que vinha de Portugal, onde as transaes ultramarinas estavam quase inteiramente em mos dos marranos portugueses. Essa prtica comercial envolvia vultosas operaes bancrias e importantes contratos de seguros entre os judeus. Porm o negcio de Miguel d Spinoza havia decado muito nos ltimos anos de sua vida, correspondentes ao perodo em que a guerra entre Inglaterra e Holanda havia prejudicado o comercio com o exterior. Esta dificuldade e principalmente o peso de sua condenao levaram Spinoza a renunciar profisso mercantil.

Seus bigrafos acreditam que se dedicou medicina, pois em seus escritos mostra profundos conhecimentos mdicos, e sua biblioteca contem todas as obras de medicina terica e prtica necessrias ao mdico em aquela poca. At uma carta de Leibniz est dirigida ao "Mdecin tres clebre et philosophe tres profonde". Com estos estudos mdicos esto relacionados seguramente seus conhecimentos qumicos. Quando aconselha De Vries no planejamento de seus estudos de medicina, lhe recomenda que estudasse primeiro anatomia e depois qumica. Seus estudos qumicos so os que lhe permitem manter com o grande qumico Roberto Boyle uma correspondncia cientfica, baseada em experimentos prprios, acerca da natureza do salitre.

Alm do negcio, seu pai deixou um legado que foi objeto de contenda entre Spinoza e uma meia irm. Os parentes tentaram ento excluir a Spinoza da herana, pretextando, tal vez, sua apostasia, pois segundo a lei judaica permitido deserdar ao que ha desertado do judasmo. Para defender seus interesses frente aos credores de seu pai, se lhe designou um tutor o 23 de maro de 1656. (Em Holanda a maioridade de comeava ento aos 25 anos). Embora tenha ganho a causa na justia, Spinoza deixou para ela praticamente tudo. Quando teve lugar a repartio de bens, solo se ficou com uma cama e sua correspondente cortina para seu uso pessoal. Com essa injustia, o distanciamento de sua famlia foi definitivo.

Os colegiantesDepois de sua voluntria ruptura com o judasmo, Spinoza se liga a uma irmandade ecumnica leiga, de pessoas das mais diversas comunidades religiosas que se reuniam para ler e interpretar a Bblia. Sequer a condio de ser cristo era exigida. Conhecidas como os colegiantes, faziam da Bblia o centro de sua vida religiosa, e certamente estimaram muito a entrada de Spinoza, por seus profundos conhecimentos bblicos.

O primeiro de seus amigos do crculo dos colegiantes foi o rico comerciante Jarig Jelles, o qual havia abandonado seu negcio em mos de um gerente de confiana a fim de viver em retiro silencioso para meditar. Jelles empregava fundos em mandar traduzir obras filosficas, entre as quais as obras de Descartes, de quem era admirador. Fez traduzir o pensamento estico de Sneca e inclusive a Homero e ao Coro. Deve ter se alegrado em receber Spinoza no grupo, pois seus pensamentos se afinavam, tanto quanto ao interesse pela filosofia de Descartes quanto por suas posies religiosas em comum. Fixou uma penso para que Spinoza pudesse ocupar-se exclusivamente de escrever e financiou a publicao de seus livros e, aps a morte do filsofo, mandou cuidadosamente, junto com outros amigos de Spinoza, editar em latim e holands suas obras.

O outro amigo, colegiante como Jelles foi Pedro Balling, tambm comerciante e cujos negcios o levavam por toda Pennsula Ibrica, donde a possvel base de sua amizade com Spinoza ser o fato de poder conversar com o filsofo na lngua materna de sua famlia. Inteligente e conhecer do grego e do latim, foi quem traduziu para o holands os primeiros escritos de Spinoza.

Um terceiro amigo, mais jovem e tambm colegiante, foi o citado Simn de Vries. Filho de um prspero comerciante pretendia ser mdico contando para isto com a orientao de Spinoza. Juntamente com os demais amigos, de Vries funda, em Amsterd, uma agremiao para estudar e discutir a filosofia de Spinoza, com a assistncia do prprio filsofo. Era mais moo que Spinoza, porm falece em l 667. De Vries ofereceu a Spinoza a soma de dois mil guldens para que pudesse viver mais folgadamente, mas o filsofo recusou a oferta alegando que em absoluto necessitava daquela quantia, que poderia inclusive leva-lo a distrair-se de seu trabalho e de suas pesquisas. De Vries, que veio a falecer solteiro, tambm quis fazer de Spinoza seu nico herdeiro, quando o filsofo exigiu dele que deixasse sua fortuna para seu irmo Isaac de Vries, seu herdeiro legal, que vivia em Schiedam. Vries obedeceu, porm com a condio de que Isaac pagasse a Spinoza uma penso vitalcia. Cumprindo essa condio, Isaac de Vries fixou a penso em quinhentos guldens, porm Spinoza o fez reduzi-la a apenas trezentos.

Alguns colegiantes amigos de Spinoza foram polticos importantes. Conrado van Beuningen, foi prefeito de Amsterd e embaixador na Frana e na Sucia. Mandou publicar as obras do filsofo alemo Jacobo Boehme e aceitou a concepo de Deus postulada por Spinoza. Outro foi Conrado Burgh, ministro das finanas. Um terceiro poltico foi Nicols Tulp, cunhado de Burgh, mdico e tambm prefeito de Amsterd, famoso pelo retrato feito por Rembrandt de uma de suas aulas de anatomia; e tambm ainda outro prefeito de Amsterd, conhecido por seus trabalhos de ptica, Juan Hudde, com quem Spinoza manteve correspondncia filosfica sobre o problema da unidade de Deus. Por ltimo, pertenceu ao mesmo crculo Juan Rieuwertsz, o editor da maior parte dos livres-pensadores que procuravam editores holandeses, e que editou toda a obra de Spinoza.

Em 1661 Spinoza sentiu a necessidade de buscar um local de residncia mais tranqilo para melhor meditar as obras que preparava. Refugiou na tranqila aldeia de Rijnsburg, que era o centro dos colegiantes, nas proximidades de Leyden. Em Rijinsburk, de 1661 a 1662, Spinoza dividiu a morada com o cirurgio Hermann Homam, e ali escreveu "Pequeno tratado sobre Deus, o homem e sua felicidade" e o seu Tractatus de Intellectus Emendatione ("Tratado sobre o melhoramento do Intelecto").

Ele tambm completou a maior parte da sua "verso geomtrica" da obra de Descartes, Principia Philosophiae com o apndice Cogitata Metaphysica ("Pensamentos metafsicos") e tambm a primeira parte de sua "tica", a qual dividiu em cinco partes: A respeito de Deus; A natureza e origem do esprito humano; Natureza e origem das emoes; A escravido humana, ou a Fora das emoes; e Poder do conhecimento, ou Liberdade humana. Nessas obras Spinoza envereda pela contestao ao dualismo cartesiano, e utiliza notas que havia feito nos debates do crculo de Amsterd. Em Rijnsburg foi visitado, no vero de 1661, pelo acadmico anglo-alemo Heinrich Oldenburg, que logo seria um dos dois primeiros secretrios da Royal Society em Londres. O ano de 1662 provavelmente aquele em que Spinoza, completa o Tractatus de intellectus emendatione.

Perodo do Tratado PolticoA partir de 1663 e at 1670 Spinoza viver na pequena aldeia de Voorburg, nas imediaes de Haia, e onde seus contactos polticos sero maiores. O mesmo grupo de amigos polticos de Amsterd, os citados Conrado van Beuningen, Juam Hudde e Conrado Burgh, pode encontrar-se com ele mais facilmente, por virem freqentemente tratar assuntos polticos em Haia, sede da Assemblia dos Estados Gerais que governava as provncias unidas do estado holands. Porm trava relaes com vrias outras figuras importantes, membros da Assemblia, cuja proteo ser importante para poder publicar suas obras. Aqui comea o conhecimento e amizade de Spinoza com o chefe do Estado Holands, Johan de Witt. Consta que Spnoza no os procurava porm os recebia em sua casa onde polticos e pessoas eminentes iam visit-lo.

Em Vooburg Spinoza alugou seus aposentos em casa do pintor Daniel Tydeman. No gozou boa sade no perodo em que l residiu. Sofria febre freqente, e tratava-se com sangrias e extratos de rosa, um antitrmico ento em uso. Evitava sair conforme o tempo no estivesse favorvel. Permanecer em casa provavelmente motivou-o a aprender desenho, possivelmente com o prprio pintor. Pelo menos dois bigrafos afirmam que tiveram em mos um livro de desenhos de Spinoza, em que apareciam retratos de muitos homens eminentes seus amigos.

O Princpios da Filosofia escrito por Spinoza em Rijnsburg apareceu em 1663 em lngua latina, com o ttulo Renati des Cartes Principiorum Philosophiae Pars I et II, com o apndice Cogitata Metaphysica, e no ano seguinte vertido para o holands pelo amigo Pedro Balling. Foi sua nica obra assinada, publicada durante sua vida. Em parte o propsito desse trabalho era evidenciar que conhecia Descartes, o qual ele refutava nas obras que iria completar e publicar. Parece que em meados de 1665 ele estava prximo de completar sua "tica". Durante os prximos anos, no entanto, ele prefere trabalhar no seu Tractatus Theologico-Politicus o qual, seguindo a mesma cautela ento em voga entre os filsofos, ele fez publicar anonimamente em Amsterd em 1670. Com certeza Spinoza considerava esse trabalho indispensvel para desarmar os espritos, a fim de lanar em seguida a sua tica.

O Tratado teolgico-poltico foi escrito para mostrar que no apenas a liberdade de filosofar era compatvel com a piedade religiosa e com a paz do Estado, mas que tirar essa liberdade era destruir a paz pblica e inclusive prpria piedade. Ele argumenta tambm que a inspirao dos profetas do Velho Testamento compreendia apenas sua doutrina moral e que em matria de mundo fsico as crenas que tinham eram meramente aquelas prprias do seu tempo e no tinham importncia filosfica. Completa liberdade para a especulao cientfica e metafsica era portanto consistente com tudo que importante na Bblia. Os milagres so explicados como eventos naturais mal interpretados e exagerados para maior efeito moral. Buscou demonstrar que a Bblica, propriamente interpretada, no da nenhum apoio intolerncia religiosa ou para a interferncia do clero nos assuntos civis e polticos.

poca em que Spinoza escreveu seu Tratado, o destino poltico da Holanda estava em jogo. Parecia inevitvel que, quando De Witt deixasse o poder, o prncipe de Orange trataria de ser soberano. Seria o fim da Repblica colegiada e a volta da monarquia desejada pelo partido orangista. Spinoza se preocupa com a constituio do Estado, fosse ele monrquico ou aristocrtico, "para que no sucumbisse tirania e ficassem intactas a paz e a liberdade dos cidados", fazendo uma minuciosa exposio e crtica das constituies do tipo monrquico e aristocrtico. Exige a participao do povo no Estado e a cooperao regular do povo com a aristocracia. Suas idias tinham, portanto, enorme importncia poltica, porque favoreciam aos partidrios da repblica, ento comandada por Johan de Witt, e contrariavam as pretenses de Guilherme III, prncipe da casa de Orange, de transformar as provncias unidas em uma monarquia, o que contava com o apoio dos calvinistas ortodoxos.

Em maio de 1670 Spinoza mudou-se para Haia, imediatamente depois da publicao do Tratado teolgico-poltico. Vai morar no bairro mais tranqilo da cidade, onde viviam ento numerosos intelectuais e artistas., primeiro em casa de uma senhora viuva, van Velen, e depois, na primavera de 1671, em casa do pintor Hendrick van der Spyck, em Paviljoensgracht, onde ficou at sua morte.

Em Haia os calvinistas ortodoxos, dominantemente monarquistas ou do "partido orangista", levantaram denuncias contra o Tratado, que em 1669 foi denunciado pelo Conselho da Igreja calvinista de Amsterd como "um instrumento forjado no inferno por um judeu renegado e o demnio, e publicado com o conhecimento do Senhor De Witt". Para os contemporneos era evidente que seu autor estava em ntima relao com a pessoa e a poltica do Chefe da Confederao das Provncias ou Estados Gerais. Suas relaes eram muito prximas e conhecidas. Seu bigrafo e contemporneo Lucas diz que De Witt ouvia a opinio de Spinoza sobre questes polticas importantes, discutia com ele questes de matemtica, pois ele mesmo, De Witt, conquistou fama de matemtico notvel no estudo das sees cnicas e no clculo de probabilidades, enquanto Spinoza, por sua vez, escreveu um opsculo sobre o clculo de probabilidades, motivo pelo qual manteve em correspondncia com um tal van der Meer. Os protestos contra o Tratado no alcanaram nenhum resultado enquanto Johan de Witt teve em suas manos o leme do Estado. A obra provocou grande interesse e teve cinco edies sucessivas nos cinco anos seguintes. Mesmo depois do assassinato De Witt em 1672 no se produziu nenhuma interveno e o livro alcanou ainda duas edies mais devido ao extraordinrio interesse que despertou em toda a Europa. Mas quando Guilherme III, para afirmar seu poder, se liga cada vez mais com a ortodoxia calvinista, tem fim a liberdade do Tratado. Por um dito de 1674 a Assembleia dos Estados Gerais, agora chefiada pelo prncipe de Orange, o probe junto com outros livros considerados contrrios religio do Estado.

ltimos anos. Certamente Spinoza sentiu a morte do pintor Rembrandt (nascido em Leiden em 1606) ocorrida em Amsterd, em 1669. Em 1671 Leibniz, sabendo-o uma autoridade em tica enviou para Spinoza o seu Notitia opticae promoteae; Spinoza retribuiu a gentileza enviando-lhe uma cpia do Tractatus Theologico-Politicus que interessou profundamente o filsofo alemo.

Em 1672 os franceses invadiram as Provncias Unidas. Os holandeses abriram os diques do mar e conseguiram manter o inimigo a um dia de marcha de Amsterd. Johan de Witt e seu irmo foram considerados responsveis pela invaso e foram linchados por uma multido em 20 de agosto. Guilherme de Orange foi feito Capito-General das Provncias Unidas. O linchamento de De Witt levou Spinoza a planejar colocar cartazes denunciado a barbrie - um ato que poderia ter custado sua vida no tivesse ele sido fora impedido de execut-lo pelo senhorio da casa em que morava. Elaborou um cartaz taxando de brbaros os responsveis pelo assassinato e pretendia fix-lo no lugar do crime. Mas seu senhorio van der Spyck fechou a porta impedindo-o de sair, de modo que teve de desistir de seu intil e perigoso propsito.

No ano seguinte, l673, recebeu um convite da Universidade de Heidelberg. O nobre prncipe eleitor palatino Carlos Lus, que reconstruiu seu pas sobre as runas da Guerra dos Trinta Anos, pretendendo superar os conflitos religiosos funda um Templo da Concrdia para o culto comum das trs confisses crists. Spinoza, que em seu Tratado teolgico-poltico expe os dogmas de uma f comum, devia parecer-lhe o homem mais indicado para ensinar filosofia em sua Universidade. Encarrega ao gelogo Lus Fabritius de escrever a Spinoza oferecendo-lhe a ctedra de professor titular de filosofia. Porm no fica claro para Spinoza se poderia gozar de completa liberdade de pensamento o que o faz recusar o convite.A deciso de Spinoza foi sensata porque, de fato, a Universidade de Heidelberg foi fechada no ano seguinte, ao ser ocupada a cidade pelos franceses.

A situao de Spinoza em Haia ficou perigosa em maio de 1673, quando ele foi para Utrecht (ento sob ocupao francesa) com vistas a uma possvel negociaes de paz. Spinoza recebeu um convite do chefe supremo do exrcito francs, o grande Cond, que havia ocupado a maior parte de Holanda, para que o filsofo lhe fizesse uma visita em seu quartel general de Utrecht. O oficialato francs em campanha desejava de Spinoza um esclarecimento sobre a situao religiosa da Holanda, que supunham no era puramente protestante e estava cheia de catlicos e de sectrios de vrias correntes.

Spinoza aceita o convite e empreende a viagem a Utrecht atravs das tropas inimigas com a aprovao dos regentes holandeses que viram com esperana a probabilidade de se fazer a paz, e aquela era a ocasio para sondar as perspectivas por meio de uma conversao, no comprometedora, com o general inimigo. Mas a misso de Spinoza no teve xito, porque Cond havia partido de Utrecht e Spinoza esperou inutilmente seu regresso durante algumas semanas. No seu retorno, vrias semanas depois, ele foi recebido mal pela desconfiada populao de Haia, correndo rumores de que era espio francs.

Em Haia Spinoza comeou a compor uma gramtica hebraica (Compendium Grammatices Linguae Hebraeae), mas no a terminou; em lugar disso, ele retomou o trabalho de redao da tica. Apesar de toda a cautela guardada ao preparar sua tica, transpirou que preparava uma publicao cheia de idias revolucionrias. Os representantes da Igreja calvinista iniciaram a luta em toda Holanda contra o livro, e apelaram ao governo para impedir sua publicao. Quando em 1675 termina essa obra, no consegue public-la. Havia se difundido o rumor de que estava no prelo um libro seu sobre Deus, no qual tratava de demostrar que Deus no existia. Alguns telogos apoiados por certos cartesianos que queriam limpar-se de toda suspeita de simpatizar com Spinoza, o acusam ante o prncipe de Orange. "O assunto toma dia a dia um vulto mais grave", escreve Spinoza a Oldenburg. Porm a obra circulou em cpias manuscritas entre seus amigos mais ntimos.

Spinoza no para de escrever. Empreende alguns trabalhos menores, faz anotaes margem do Tratado teolgico-Poltico, e trabalha em sua gramtica da lngua hebrea que antecipa posies da moderna filosofia do linguagem, alm de um opsculo sobre o arco-iris, publicado depois de sua morte. Mas o trabalho fundamental dos dois ltimos anos de sua vida foi o Tratado Poltico, no qual expe sua teoria do Estado e projetos de constituies para os estados monrquicos e aristocrticos, e que no viveu para completar.

Depois que a tica ficou conhecida, Spinoza foi procurado por muitas pessoas importantes. Destes, o mais notvel foi Gottfried Wilhelm Leibniz, o qual era, como Spinoza, um dos mais destacados racionalistas da poca. Ambos os filsofos haviam trocado exemplares de obras suas alguns anos antes ( vide acima) e por ltimo Leibniz havia tentado em vo conseguir uma cpia manuscrita da tica. Vindo de Paris, Leibniz visita a Spinoza em Haya em 1676. Na ocasio Leibniz, nascido em 1646, contava 29 anos. Falaram sobre as leis cartesianas do movimento, sobre uma nova forma da prova ontolgica proposta por Leibniz, ocasio em que Spinoza lhe mostra o manuscrito de sua tica e l para o colega algumas partes. De acordo com Leibniz, nessa visita eles conversaram longamente muitas vezes. Outro ilustre visitante foi Ehrenfried Walter von Tschirnhaus (em 1675), um cientista e filsofo que se interessava especialmente pela teoria do mtodo. Com Tschirnhaus trocou uma correspondncia sobre questes filosficas relativas ao conhecimento, com grande interesse por parte de Tschirnhaus que mais tarde publicaria uma Medicina do Esprito ou Psicologia. mdica.

De declaraes de quase todos os que o visitaram ou com ele conviveram se pode compor os traos gerais da personalidade de Spinoza. Leibniz diz da figura de Spinoza que ele tinha uma cor azeitonada, o que comum aos povos do Mediterrneo. Tinha traos tpicos portugueses e espanhis conforme a descrio de seu principal bigrafo, o citado Colerus, que o apresenta de mediana estatura, rosto moreno, cabelos negros e ondulados e sobrancelhas largas e negras.

Segundo os donos da casa onde alugou seus aposentos suas maneiras eram tranqilas e reservadas; s crianas da casa ele aconselhava obedincia aos pais, e que assistissem aos servios religiosos. Estando em casa passava a maior parte do tempo recolhido ao seu trabalho, se bem que gostasse de conversar com o senhorio sobre variados assuntos enquanto se dava ao prazer de fumar um cachimbo. Sua simplicidade impedia que suas maneiras reservadas fossem tomadas por algum como pretenso de superioridade. Vestia-se bem e disse do esteretipo dos filsofos: "Uma aparncia suja e descuidada no nos transforma em sbios". Diz um seu bigrafo que no ambiente refinado do quartel general francs onde foi recebido, se admiraram da natural distino de seu porte. O marechal francs Charles Saint Dnis, Seigneur de Saint Evremont, hospede do prncipe de Orange, Guilherme III, ateu e autor de memrias, logo que chega Holanda, em 1665, visita a Spinoza em Voorburg e o descreve: "Spinoza era de mediana estatura e de fisionomia agradvel. Seu saber, sua discrio e sua independncia faziam que todas as pessoas inteligentes de Haia o apreciassem e buscassem seu convvio". Se diz geralmente que no s ensinou sua filosofia, como tambm que ele prprio a seguiu. Viveu suas prprias mximas: "Dos prazeres fazer uso s do necessrio para conservar a sade. Adquirir dinheiro ou outros bens s na medida necessria para subsistir e conservar nossa sade e para adaptar-se a uma vida social que no seja contraria a nossos fins". Aceita a alegria como um bem em si e rechaa a tristeza porque nos deprime. "Quanto maior a alegria que nos invade, tanto maior a perfeio que alcanamos".

Spinoza morreu inesperadamente em 21 de fevereiro de 1677. Havia chamado ao mdico Jorge German Schuller, de seu crculo de amizades, um alemo nascido em Wesel em 1651 que exercia sua profisso em Amsterd e era aficionado aos experimentos de alquimia. Schuller estava presente quando faleceu. Seu corpo foi sepultado na Nieuwe Kerk (Igreja Nova), no Spuy, a igreja da aristocracia crist. Faleceu solteiro sem deixar herdeiros, e seus pertences foram leiloados. A lista de objetos foi conservada e inclui 160 ttulos de livros.

Seguindo instrues do filsofo, vrios amigos prepararam seus manuscritos secretamente para publicao e os enviaram a um editor em Amsterd. A Opera Posthuma ( Ethica, Tractatus politicus, Tractatus de intellectus emendatione, Epistolae, Compendium Grammatices Linguae Hebrae e tambm suas cartas foram publicados antes do fim do ano de 1677. O seu "Sobre o arco-ris" e o seu "Sobre o clculo das oportunidades" foram impressos juntos em 1687. O "Pequeno tratado sobre Deus, o homem e sua felicidade" somente foi conhecido quando publicado bem mais tarde, em 1852.

O que Spinoza quer dizer com prova geomtrica precisamente que, se aceitamos as definies e os axiomas dados, e desde que as dedues sejam corretamente feitas, ento temos que aceitar as concluses. Cada uma das cinco partes da "tica", sua obra fundamental, abre com uma lista de definies e axiomas, dos quais so deduzidas vrias proposies, ou teoremas. Porm, porque a tica comea justamente com uma definio bsica, a definio de "substncia", que aquilo que necessariamente existe, fica claro que, se rejeitamos sua definio de substncia estamos rejeitando todas as dedues que ele faz a partir dela; rejeitando, portanto, todo o seu sistema.

Spinoza recomenda que faamos uma cuidadosa distino entre as vrias formas de conhecimento e confiemos apenas nas melhores. Primeiro, existe o conhecimento por ouvir dizer, pelo qual, por exemplo, sei o dia de meu nascimento. Segundo, existe a experincia vaga, o conhecimento emprico no sentido depreciativo, como quando um mdico sabe de um tratamento, no atravs da formulao cientfica de testes experimentais, mas por uma impresso de que costuma dar certo. Terceiro, existe a deduo imediata, ou seja, conhecimento a que se chega pelo raciocnio, como quando concluo da imensidade do sol por saber que a distancia diminui o tamanho aparente dos objetos. Este ltimo tipo de conhecimento superior aos outros dois, mas est ainda sujeito a uma repentina refutao pela experincia direta.Quarto, a forma mais elevada de conhecimento, que provm da deduo imediata e da percepo direta, como quando vemos imediatamente que 6 o nmero que falta na proporo, 2: 4 :: 3: x; ou quando percebemos que o todo maior que a parte. Spinoza acredita que os homens versados em matemtica conhecem Euclides principalmente por essa forma intuitiva; mas confessa tristemente que "as coisas que com segui saber atravs dessa forma conhecimento tm sido muito poucas at agora".

Comentando o conhecimento emprico, Spinoza sustentou que toda experincia dos sentidos e toda generalizao no cientfica a partir dessas experincias inadequada. Nenhum objeto pode ser isolado do resto da natureza; portanto, ningum pode afirmar a verdade total sobre ele, uma vez que isto envolveria a natureza inteira. O conhecimento deste tipo foi chamado por Spinoza opinio ou imaginao. Se, no entanto, como acontece na terceira forma, a conscincia dirigida somente para aquelas propriedades que todos os objetos tem em comum, no haver a distoro que ocorre na experincia dos sentidos. Este tipo de conhecimento chamado razo. Por esse caminho Spinoza dava conta da possibilidade do conhecimento a priori na geometria, fsica geral e psicologia geral.A quarta forma, que a intuio, parece ser adequada ao conhecimento dos objetos individuais. possvel, pela intuio afirmar de qualquer coisa que ela depende de Deus como sua causa completa, imanente. Talvez pelo termo intuio Spinoza referisse a um tipo de experincia mstica, o insight acompanhado por uma forte emoo que ele chamou "o amor intelectual de Deus" na dependncia de todas as coisas, incluindo o ser humano ele mesmo, no total da natureza.

Deus Na primeira parte da tica, Com respeito a Deus, Spinoza, aps apresentar as definies e axiomas pertinentes, deduz 36 proposies sobre a natureza de Deus.

Destas a mais importante sem dvida a 14, que diz: "Alm de Deus, nenhuma substncia pode ser dada ou concebida". Ela a proposio pantesta de Spinoza, na qual ele faz Deus idntico ao universo; tudo que existe, sob qualquer forma, parte de Deus. Esta proposio conflita com a idia mais comum de que Deus transcendente, distinto da sua criao, separado do mundo fsico e dos homens. O argumento de Spinoza a esse respeito o seguinte: No possvel existirem duas substancias com os mesmos atributos; ora, Deus tem todos os atributos; ento no sobra qualquer atributo possvel que j no esteja em Deus e portanto nenhuma outra substancia pode existir alm de Deus mesmo.

Pensamento e extenso so dois atributos. Existem coisas que so pensamento e existem as coisas do mundo fsico que tm a extenso. No entanto, para Spinoza, Deus j possui necessariamente esses dois atributos, pensamento e extenso, porque sua perfeio exige que tenha todos os atributos possveis. Consequentemente esses atributos no pertencem a uma substncia pensamento ou a uma substncia coisa fsica e sim pertencem a Deus que tem todos os atributos possveis. Logo, Deus a nica coisa que existe. Necessariamente, as outras coisas s existem em Deus mesmo, como parte d ELe.

Spinoza chama de substancia aquilo que verdadeiramente existe, o ser interior ou a essncia. Substancia ento aquilo que eterna e imutavelmente , aquilo que pode ser pensado como tendo existncia completamente independente e do qual todo o resto participa como forma ou modo transitrio. Porque no pode ser explicada por nenhuma outra coisa, ela deve ser sua prpria causa, ou necessariamente existente. Como tal, pode haver apenas uma nica substncia, e Spinoza a identifica com Deus e ao mesmo tempo com a Natureza inteira. Spinoza assim aporta ao pantesmo.

Mas, ainda assim, Spinoza no exclui que haja um Criador e a coisa criada. Spinoza concebe a natureza, que Deus, sob um duplo aspecto. Como um processo ativo e vital, que chama "natura naturans", natureza criadora; e como o produto passivo desse processo, "natura naturata" natureza criada, a matria e o contedo da natureza, suas florestas e ventos e guas, suas colinas e campos e mirades de formas externas. E assim explica essas duas naturezas contidas na substncia (que seria Deus ou uma natureza geral): Se duas coisas, dois universos, tiverem os mesmos atributos, ento trata-se da mesma coisa, ou do mesmo universo, ou da mesma substncia, como visto. No entanto, a substncia nica, que contem todos os atributos, pode mostrar diferenas, no nos atributos, porm no que Spinoza chama "modos". Um modo (ou modificao) uma propriedade mais restrita do universo, o modo como um atributo aparece em um nvel inferior. Modos variam, aparecem e desaparecem.

Um modo uma coisa ou acontecimento individual, qualquer forma ou aspecto especial, que a realidade assume transitoriamente; voc, seu corpo, seus pensamentos, seu grupo, sua espcie, seu planeta, so modos; tudo isso so formas, modos, quase que literalmente estilos, de alguma realidade eterna e invarivel que est por trs e por baixo deles. Por exemplo, a forma de um objeto, se redondo, se tem superfcie irregular, quadrado, etc., uma modificao ou modo do atributo extenso. Os

Todas as coisas, ainda que em grau diverso, so animadas. Vida ou mente um aspecto ou fase de tudo que conhecemos, assim como a extenso material ou corpo uma outra fase; so essas as duas fases ou atributos (como os denomina Spinoza) atravs dos quais percebemos a ao da substancia ou Deus. Nesse sentido, Deus, o processo universal e realidade eterna por trs do fluxo das coisas, pode ser considerado como tendo uma mente e um corpo. Nem a mente nem a matria so isoladamente Deus; mas os processos mentais e os processos moleculares que constituem a histria dupla do mundo eles sim, suas causas e leis, so Deus. A vontade de Deus antes a soma de todas as causas e de todas as leis e o intelecto de Deus a soma de todas as mentes. A mente de Deus, como Spinoza a concebe, " toda a mentalidade que est espalhada pelo espao e pelo tempo, a conscincia difusa que anima o mundo". Portanto, Deus no transcendente ao universo, nem pode ter personalidade, providencia, livre vontade e propsitos. Ento, mesmo o homem bom, apesar de que ame a Deus, no pode esperar que Deus o ame em retorno.

Corpo e EspritoA substncia, que nica na viso de Spinoza, tem uma infinidade de atributos. Por "atributos" entenda-se "aquilo que o intelecto pode perceber da substncia, como constituinte de sua essncia". Desses atributos somente o pensamento e a extenso so conhecidos do homem. Aplicando seu esquema metafsico ao ser humano, Spinoza argumenta que o corpo do homem um modo sob a extenso, um modo complexo devido a sua unidade, que vem da manuteno de um modelo constante de relaes entre partes cambiantes. O esprito humano , similarmente, um sistema mantendo o mesmo modelo de relaes enquanto mudando as partes. No homem no h seno uma entidade, vista interiormente como mente, e exteriormente como matria. O que existe na realidade a mistura inextricvel, a unidade de ambas. A mente e o corpo no agem um sobre o outro, porque no h outro. "O corpo no pode determinar que a mente pense; nem pode a mente determinar que o corpo fique em movimento ou em repouso, ou em qualquer outro estado", pela simples razo de que "a deciso da mente e o desejo e determinao do corpo... so uma s coisa". Pois no existem dois processos nem duas entidades. No h seno um processo, visto interiormente como pensamento e exteriormente como movimento.

E o mundo todo dessa forma unamente duplo; onde quer que haja um processo "material" externo, ele ser apenas um lado ou aspecto do processo real, que a um exame mais amplo, mostraria incluir tambm um processo interno que correlativo, em graus diferentes e variados, ao processo mental que vemos dentro de ns. O processo "mental" e interior corresponde em cada estgio ao processo "material" e externo; "a ordem e conexo das idias a mesma que a ordem e conexo das coisas." Isto quer dizer que o universo um todo espacial que consciente em toda sua extenso, e "Todas as coisas..., como ele diz, "so vivas"- uma posio conhecida como panpsiquismo.

Da mesma forma que a emoo parte de um todo, - do qual as mudanas nos sistemas circulatrio, respiratrio e digestivo so a base -, a idia, juntamente com as modificaes "corpreas", parte de um processo orgnico complexo. Ate mesmo as sutilezas infinitesimais da reflexo matemtica tm repercusso no corpo e, inversamente "no pode acontecer nada ao corpo que no seja percebido pela mente, e consciente ou inconscientemente por ela captado" diz Spinoza. "Substancia pensante e substancia extensa so uma coisa nica, compreendida ora atravs deste, ora atravs daquele atributo" ou aspecto. "Certos judeus parecem ter percebido isso, ainda que confusamente, pois disseram que Deus e seu intelecto e as coisas concebidas pelo seu intelecto eram uma s coisa."

Vontade e liberdadeDepois de eliminar a distino entre corpo e mente, Spinoza nega que haja "faculdades" na mente, ou entidades tais como intelecto ou vontade, muito menos imaginao ou memria. A mente consiste das prprias idias em seu processo e associao. Intelecto meramente um termo para uma srie de idias; e vontade um termo para uma srie de aes ou volies. A vontade primeiramente pensamento de um curso de aes a ser seguido e, quando no h fatores contrrios, a ao em questo inevitavelmente se segue. A iluso de uma determinada escolha surge da ignorncia do indivduo das causas precedentes do pensamento e da ao. Assim, "vontade e intelecto so uma s e a mesma coisa"; pois uma volio apenas uma idia que, pela riqueza de associaes (ou talvez pela ausncia de idias rivais), permaneceu tempo suficiente no consciente para passar ao. Cada idia transforma-se em ao a menos que seja sustada na transio por uma idia diferente; a idia , ela prpria, o primeiro estgio de um processo orgnico unificado do qual a ao externa o desfecho.

O que freqentemente chamado vontade, como fora compulsiva, deveria ser chamado desejo: um apetite ou instinto do qual temos conscincia. "Os homens pensam que so livres, porque tm conscincia de suas volies e desejos, mas ignoram as causas pelas quais so levados a querer ou a desejar." Cada instinto um artifcio desenvolvido pela natureza para preservar o indivduo. Por trs dos instintos est o esforo variado e vago de auto-observao (conatus sese preservandi). Spinoza v isso em todas as atividades humanas e mesmo infra-humanas, como sua motivao bsica. "Todas as coisas, quanto delas depende, esforam-se em persistir em suas prprias naturezas; e o esforo com o qual uma coisa procura persistir em seu prprio ser, nada mais do que a verdadeira essncia daquela coisa." O prazer e a dor so a satisfao ou a represso de um instinto; no so as causas de nossos desejos, mas seus resultados; no desejamos as coisas porque elas nos do prazer; mas elas nos do prazer porque as desejamos; e ns as desejamos porque temos que desej-las. Conseqentemente no existe vontade livre; as necessidades da sobrevivncia determinam o instinto, o instinto determina o desejo e o desejo determina o pensamento (a idia de vontade) e a ao. "As decises da mente so apenas desejos que variam conforme as disposies". "Na mente no existe uma vontade absoluta ou livre; a mente levada a querer isto ou aquilo por uma causa, que por sua vez, determinada por outra causa, e esta por outra e assim por diante, at o infinito".

O bem, o mal e o beloA vontade de Deus e as leis da natureza sendo uma nica e mesma realidade diversamente expressa, segue-se que todos os acontecimentos so a ao mecnica de leis invariveis. um mundo de determinismo, no de desgnio, no de vontade.

A filosofia moral de Spinoza como ele a apresenta na "tica", define "o bom" em termos largamente subjetivos: o bom para diferentes espcies (Por exemplo, para o homem e para o cavalo) diferente. O que nossa razo considera como mal, no um mal em relao ordem e s leis da natureza universal, mas somente em relao s leis de nossa prpria natureza, tomada separadamente. Assim, para Deus a distino entre bom e mau no teria sentido, uma vez que tal distino essencialmente relativa a finalidades das criaturas finitas. Da nosso "problema do mal": lutamos para reconciliar os males da vida com a bondade de Deus, esquecendo de que Deus est acima do bem e do mal. Bom e mau so ligados a gostos e finalidades humanas e muitas vezes individuais e no tm validade para um universo no qual os indivduos so coisas efmeras. Assim, quando qualquer coisa na natureza parece-nos ridcula, absurda ou m, porque no temos seno um conhecimento parcial das coisas e ignoramos em geral a ordem e a coerncia da natureza como um todo e porque desejamos que tudo se arrume conforme os ditames de nossa prpria razo.

E tal como acontece com "bom" e "mau", o mesmo se d com "feio" e "belo"; esses termos so tambm subjetivos e pessoais. Sua esttica tambm totalmente subjetiva, pois segundo ela a beleza no mais que um efeito sobre o espectador.

Spinoza no atribui natureza nem beleza nem deformidade, nem ordem nem confuso. Somente com relao nossa imaginao podem as coisas ser chamadas de belas ou feias, bem ordenadas ou confusas."

Teoria PolticaOs filsofos modernos formularam hipteses sobre a vida do homem anteriormente formao das sociedades organizadas, buscando, naqueles primrdios, os fundamentos da ordem poltica e social.. Tambm Spinoza pretendeu lanar-se sobre esse problema, porm veio a falecer antes de completar seu trabalho. Da sua teoria poltica ficou apenas o esquema de seu pensamento.

Spinoza formula sua hiptese partindo do homem primitivo que age sem preocupaes com o certo e o errado, sem leis ou organizao social, consultando apenas sua prpria vantagem e decidindo o que bom ou ruim conforme a sua fora. A lei e a regra da natureza sob a qual todos os homens nascem, e na maior parte vivem, no probe nada a no ser o que ningum deseja e no se ope contenda, ao dio, ira, traio ou a qualquer outra coisa que os apetites sugiram.

Spinoza exemplifica o egosmo do estado natural com a conduta dos Estados no seu tempo: "no h altrusmo entre as naes", diz ele. Porm, devido necessidade de ajuda mtua, "porque na solido ningum forte bastante para se defender e obter todas as coisas necessrias vida", os homens tendem organizao social. Os homens no esto, por tanto, preparados por natureza, para a ordem social; mas o perigo pede a vida em comunidade. Uma parte do poder natural, ou soberania, do indivduo passada para a comunidade organizada. Como consequncia, a lei do poder individual cede o lugar ao poder legal e moral do todo.

O Estado perfeito limitaria os poderes de seus cidados apenas na medida necessria sua finalidade que no "dominar os homens, nem coibi-os pelo medo", mas, ao contrrio, a de libertar de tal modo o homem do medo, que ele possa "viver e agir com total segurana sem prejuzo para si nem para seus semelhantes".

Estabelecidas essas premissas, a forma de governo pode ser escolhida, democrtica, aristocrtica ou monrquica, porque qualquer uma dessas formas polticas pode governar "de maneira que todos os homens... prefiram o direito publico vantagem particular". Considera a Monarquia eficiente, porm opressiva e militarista, e sua preferncia parece tender para a democracia, como melhor forma de governo pois nela "cada um se submete ao controle da autoridade sobre seus atos, mas no sobre seus julgamentos e raciocnio; isto , vendo que todos no podem pensar igual, a voz da maioria tem fora de lei". A fora de sustentao da democracia seria o servio militar geral, conservando os cidados suas armas durante a paz; e a sua base fiscal seria o imposto nico.

Porm lamenta o defeito da democracia, de permitir o poder aos medocres, e favorecer com os melhores cargos os maiores bajuladores. "O carter inconstante da multido quase leva ao desespero aqueles que dele tm experincia; pois governada unicamente pelas emoes e no pela razo." Assim, o governo democrtico torna-se um desfile de demagogos de vida curta e homens de valor relutarn em ver seus nomes em listas para serem julgados e catalogados por pessoas inferiores. Mais cedo ou mais tarde os homens mais competentes rebelam-se contra um tal sistema, ainda que estejam em minoria. "Por isso, acho eu, que as democracias passam para aristocracias e estas afinal para monarquias"; o povo, enfim, prefere a tirania ao caos.

A igualdade de poder uma condio instvel; os homens so desiguais por natureza; e "aquele que pretende a igualdade entre desiguais pretende uma coisa absurda". A democracia tem ainda de resolver o problema de atrair os melhores esforos dos homens, ao mesmo tempo em que d a todos o direito de escolha daqueles por quem desejam ser governados.

Religio No "Tratado teolgico-poltico" e no "Breve Tratado acerca de Deus, o homem e Sua felicidade suprema" Spinoza expe suas idias sobre a religio. Seu modo de considerar a religio e seu papel no Estado claramente coincidente com o daquele grupo de amigos de cujas convices religiosas e polticas, bem definidas, ele compartilha como "colegiante". A posio que tinham em comum, de tolerncia frente rivalidade das seitas, o amor e obedincia a Deus como somente o que importava, constitui tambm o ncleo do pensamento de Spinoza a respeito da religio. Cristo considerado por Spinoza como a sabedoria divina que rege o mundo. Mostrando a influncia do pensamento de Descartes, os colegiantes pretendem que a f religiosa " um conhecimento claro e distinto da verdade na mente de cada homem, pelo qual adquire uma convico tal do ser e das qualidades das coisas que lhe resulta impossvel duvidar delas".

Spinoza no aceita-a divindade de Cristo, mas d-lhe o primeiro lugar entre os homens. "A eterna sabedoria de Deus... mostrou-se em todas as coisas, mas principalmente na mente do homem, e principalmente em Jesus Cristo." "Cristo .foi enviado para ensinar no s aos judeus mas a toda a raa humana"; da "Ele acomodou-se compreenso do povo... e ensinava mais freqentemente por meio de parbolas." Considera que a tica de Jesus quase sinnimo de sabedoria; reverenciando-O ns nos elevamos ao "amor intelectual de Deus".

Foi esperana de Spinoza que a religio judaica e a crist, - que na verdade seriam uma s -, quando fossem afastados o dio e as incompreenses e quando a anlise filosfica encontrasse o mago e a essncia ocultos dessas crenas rivais, haveriam de unir-se. Mas, em seu tempo assim no era, e por isso diz: "Admiro-me com freqncia de que pessoas que se ufanam de professar a religio crist, ou seja, a religio do amor, da alegria, da paz, da temperana e da caridade para com todos os homens, briguem to rancorosamente e manifestem um dio to amargo uns para com os outros. Esquecem que isso, mais do que as virtudes que professam, oferece um critrio decisivo para o julgamento de sua f."

O primeiro passo para essa unio, na opinio de Spinoza, seria a concordncia em relao a Jesus. Uma figura to nobre, livre do cerceamento de dogmas, que levam apenas a divises e disputas, atrairia todos os homens; e talvez em seu nome, um mundo dilacerado por lutas suicidas de palavras e armas, pudesse afinal encontrar uma unidade de f e uma possibilidade de fraternidade.

O pensamento de Spinoza no "Tratado teolgico-poltico" enfoca trs aspectos da religio: a Bblia, sua prpria defesa contra a acusao de ser ateu, e a separao entre Igreja e Estado. Com respeito Bblia, Spinoza ataca o dogma da revelao que interpreta a Bblia como uma mensagem de Deus para os homens. Sua polmica com o judasmo era de grande atualidade dado o valor que o calvinismo atribua ao Antigo Testamento. Aplicando pela primeira vez na histria a crtica histrica s Escrituras, busca demostrar a origens dos livros bblicos e funda a cincia bblica. Ope-se interpretao bblica racionalista de Maimnides. principio fundamental de Spinoza que a Bblia s deve ser interpretada no contexto da prpria bblia, pelas suas possveis contradies, reafirmaes, etc. e de modo algum pela verdade racional da filosofia. Neste particular, as colocaes de Spinoza coincidiriam de certo modo com o pensamento ortodoxo e contrariando o liberalismo. Mas esta interpretao pode mostrar apenas o sentido prprio da Bblia, impedindo que se submeta prova da razo.

Spinoza no podia aceitar que o taxassem de ateu porque acreditava em Deus, apenas era um Deus no personificado, no humanizado, e sinttico com a natureza. Spinoza quer demostrar que sua f coincide com todas as religies no principio do amor e da obedincia a Deus. Chegou a pensar que, com a tolerncia dos colegiantes e a neutralidade dos regentes, haveria a possibilidade de uma religio comum que poderia unir a todos os homens.Busca, finalmente, na sua obra, defender a liberdade de pensamento contra os pregadores fanticos. Talvez por influncia sua Johan de Witt lutava pelo direito do Estado, tentando tirar totalmente das autoridades eclesisticas sua jurisdio nos assuntos temporais. Em 1656 Johan de Witt havia promulgado um decreto proibindo que se confundisse teologia e filosofia.

Educao A filosofia da educao de Spinoza determinista e estica, compreendendo que Deus no uma personalidade caprichosa absorvida nos assuntos particulares dos homens mas sim a ordem invarivel que sustenta o universo.

Precisamente porque as aes dos homens so determinadas pelas suas lembranas, a sociedade tem de formar os cidados manipulando suas esperanas e receios, para alcanar uma certa dose de ordem social e cooperao. Quer nossas aes sejam livres ou no, nossas motivaes ainda so a esperana e o medo. Aquele que considera todas as coisas como determinadas no se pode queixar, ainda que possa resistir; pois "percebe as coisas sob uma certa luz de eternidade" e compreende que suas desventuras no so acasos no esquema total; que elas tm alguma justificativa na eterna seqncia e estrutura do mundo. Com esse esprito, ele se ergue dos prazeres caprichosos da paixo para a elevada serenidade da contemplao, que v todas as coisas como partes da ordem e do desenvolvimento eternos; aprende a sorrir diante do inevitvel e "quer receba o que lhe devido agora ou dentro de mil anos, permanece contente".

O determinismo conduz a uma vida moral melhor: ensina-nos a no desprezar ou ridicularizar ningum, a no ficar zangado com ningum; os homens "no so culpados"; e ainda que punamos os canalhas, ser sen dio; ns os perdoamos porque no sabem o que fazem. Acima de tudo, o determinismo fortalece-nos para acolher as duas faces da fortuna com igual esprito; lembramo-nos de que todas as coisas sucedem conforme as leis eternas de Deus.

Ballone GJ - Spinoza, in. PsiqWeb - Internet, disponvel emwww.psiqweb.med.br, revisto em 2005.

Estas pginas so, predominantemente, resumos do artigo Spinoza, in. Filosofia Moderna - Rubem Queiroz CobraCOBRA.PAGES.nom.br, Internet, Braslia, 1997. Disponvel na internet em Filosofia Moderna