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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA E OUTROS ADVOGADOS : WALTER DE OLIVEIRA MONTEIRO E OUTRO(S) MÔNICA GOES DE ANDRADE MENDES DE ALMEIDA E OUTRO(S) RECORRENTE : GAFISA S/A E OUTRO ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS AMORIM E OUTRO(S) RECORRENTE : BANCO BBM S/A E OUTROS ADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S) RECORRIDO : OS MESMOS RECORRIDO : MELIÁ BRASIL ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA E COMERCIAL LTDA ADVOGADO : DANIEL CORRÊA CARDOSO COELHO E OUTRO(S) ADVOGADA : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA E OUTRO(S) EMENTA DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA. EMPREENDIMENTO DIVULGADO E COMERCIALIZADO COMO HOTEL. MERO RESIDENCIAL COM SERVIÇOS. INTERDIÇÃO PELA MUNICIPALIDADE. OCULTAÇÃO DELIBERADA DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES E POR DANOS MORAIS DEVIDA. 1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. 2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor. 3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão. 4. No caso concreto, desponta estreme de dúvida que o principal atrativo do projeto foi a sua divulgação como um empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação Documento: 1191715 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/02/2013 Página 1 de 31

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4)

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA E OUTROSADVOGADOS : WALTER DE OLIVEIRA MONTEIRO E OUTRO(S)

MÔNICA GOES DE ANDRADE MENDES DE ALMEIDA E OUTRO(S)

RECORRENTE : GAFISA S/A E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS AMORIM E OUTRO(S)RECORRENTE : BANCO BBM S/A E OUTROSADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)RECORRIDO : OS MESMOS RECORRIDO : MELIÁ BRASIL ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA E COMERCIAL

LTDA ADVOGADO : DANIEL CORRÊA CARDOSO COELHO E OUTRO(S)ADVOGADA : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA. EMPREENDIMENTO DIVULGADO E COMERCIALIZADO COMO HOTEL. MERO RESIDENCIAL COM SERVIÇOS. INTERDIÇÃO PELA MUNICIPALIDADE. OCULTAÇÃO DELIBERADA DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES E POR DANOS MORAIS DEVIDA.

1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual.

2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.

3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão.

4. No caso concreto, desponta estreme de dúvida que o principal atrativo do projeto foi a sua divulgação como um empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação

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que a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a falta de autorização do Município para que funcionasse empresa dessa envergadura na área, o que, à toda evidência, constitui publicidade enganosa, nos termos do art. 37, caput e § 3º, do CDC, rendendo ensejo ao desfazimento do negócio jurídico, à restituição dos valores pagos, bem como à percepção de indenização por lucros cessantes e por dano moral.

5. Recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia provido.

6. Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos. Prejudicadas as demais questões suscitadas.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia e não conhecer dos recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A, porque prejudicados, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de novembro de 2012(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4) RECORRENTE : ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA E OUTROSADVOGADA : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S)RECORRENTE : GAFISA S/A E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS AMORIM E OUTRO(S)RECORRENTE : BANCO BBM S/A E OUTROSADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)RECORRIDO : OS MESMOS RECORRIDO : MELIÁ BRASIL ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA E COMERCIAL

LTDA ADVOGADO : DANIEL CORRÊA CARDOSO COELHO E OUTRO(S)ADVOGADA : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

1. Antônio Rogério Saldanha Maia e outros ajuizaram ação de "anulação de

contratos, cumulada com perdas e danos materiais e morais" em face de Gafisa S/A,

Banco BBM S/A, Meliá Brasil Administração Hoteleira e Comercial Ltda. e Patrimóvel

Consultoria Imobiliária S/A, objetivando anulação das escrituras de promessas de compra

e venda de unidades do empreendimento denominado "Meliá Barra Confort First Class"

(investimento de cerca de R$ 2.174.961,18), ao argumento de que foram vítimas de

propaganda enganosa.

Afirmaram que lhes foi anunciada a venda de um projeto de hotel ou apart

hotel com serviços, a ser administrado em regime de pool hoteleiro pela empresa Meliá,

dolosamente omitido elemento essencial do negócio jurídico, qual seja, a ausência de

autorização municipal para atividade econômica naquele local, mormente por se tratar de

área de proteção ambiental (APA), razão pela qual houve a interdição do estabelecimento

pela Municipalidade, sendo certo que tal empreendimento está fadado a ser mero

condomínio residencial multifamiliar com serviços, destoando do projeto inicial e, por

conseguinte, da aspiração dos autores.

Ainda, aduziram que lhes foi cobrado o valor equivalente a R$ 1.900,00

mensais por unidade (são 7 ao todo) para fazer face às despesas do empreendimento e

reinício das operações.

A sentença julgou procedentes os pedidos formulados na inicial (fls.

1.156-1.185), reformada, todavia, pelo acórdão recorrido, que foi assim ementado (fls.

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1.533-1.534):

Direito Civil. Contrato misto. Compra e venda, locação e administração de imóveis. Pool locatício. Alegação de propaganda enganosa. Pretensão à anulação do negócio e restituição das quantias pagas.I) Agravos retidos conhecidos, mas improvidos. Preliminares que se afastam. Ilegitimidade passiva. Se os autores afirmam que a ação da ré lhes foi danosa, a questão é afeta ao próprio mérito. Também, se o réu integra o mesmo grupo econômico do pretenso legitimado, e ainda figurou na promessa de compra e venda, é parte legítima para responder a demanda.Inépcia da inicial que não se verifica. Não é inepta a exordial, se dos fatos coerentemente articulados decorre naturalmente o pedido indenizatório.II) Prescrição não consumada. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Relação de consumo. Macrossistema que não exclui a lei de regência da locação. Fornecimento de serviços. Pool locatício gerido por administradora especializada, de forma a gerar renda e reparti-la entre os proprietários das unidades imobiliárias. Autores que se revelam destinatários finais do serviço prestado pelas sociedades que conceberam o empreendimento.III) Debate sobre a natureza do empreendimento. Publicidade enganosa. Inocorrência. Qualidade de hotel não configurada. Referência a projeto residencial em todos os documentos adunados.IV) Interdição municipal das atividades econômicas no interior do empreendimento. Fato incontestável decorrente da inexistência de alvará específico. Negligência dos empreendedores que enseja sua responsabilidade pelos prejuízos correspondentes.V) Prejuízos provenientes da interdição. Cobrança dos investidores. Impossibilidade. Se os empreendedores praticam atividades incompatíveis com as licenças obtidas, os ônus decorrentes da irregularidade não podem ser partilhados entre os promitentes-compradores que, de boa-fé, ingressaram no negócio na crença de que os empreendedores agiam com zelo e em conformidade com a legislação. Origem do dano que não se relaciona ao fato do príncipe.VI) Lucros cessantes. Incomprovação. Ausência de perícia. Pedido hipotético. Existência de aluguel mínimo fixo pago independentemente de ocupação das unidades.VII) Desfazimento do negócio e restituição de valores pagos. Descabimento. Se, após alterações estruturais, o empreendimento volta a funcionar regularmente, impõe-se a preservação do contrato. Autores que revelam arrependimento em relação ao negócio, que tem o risco como elemento indissociável.VIII) Dano moral. Inexistência. Aborrecimentos e dissabores incapazes de ensejar reparação pecuniária.IX) Se determinado valor é ilegitimamente cobrado, mas os autores não chegam a efetuar o respectivo pagamento, remanesce a carga declaratória do pedido para reconhecer a inexigibilidade do crédito.X) Desprovido o recurso dos autores. Recursos dos réus parcialmente providos. Sucumbência da parte autora, já que ínfima a parte vitoriosa.

Os embargos de declaração opostos por Meliá Brasil Administração

Hoteleira e Comercial Ltda. foram acolhidos para prestar esclarecimentos quanto à

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repartição dos honorários de sucumbência (fls. 1.649-1650).

Os embargos de declaração opostos por Antônio Rogério Saldanha Maia e

outros foram rejeitados (fls. 1.652-1.657).

Houve a interposição de três recursos especiais.

No especial de fls. 1.663-1.670, Gafisa S/A e Patrimóvel Consultoria

Imobiliária S/A alegaram contrariedade ao artigo 20, § 3º e § 4º, do Código de Processo

Civil, dada a irrisão do montante fixado a título de verba honorária, qual seja, R$

40.000,00 (quarenta mil reais) na ação principal e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) na

cautelar, sendo certo que tal importância deverá ser dividida entre quatro advogados e

que o valor da causa é de R$ 2.174.961,18 (dois milhões, cento e setenta e quatro mil,

novecentos e sessenta e um reais e dezoito centavos). Por isso é que requereram a

majoração para, no mínimo, cem mil reais, equivalentes a cinquenta mil para cada ré.

Banco BBM S/A e outros, no recurso especial de fls. 1.872-1.877, também

apontaram violação ao artigo 20, § 4º, do CPC, pleiteando o arbitramento da verba

honorária em 10% do valor da causa, uma vez que, da forma como fixada, a verba

honorária corresponderá a parcos 0,60% do valor atribuído à demanda.

No recurso especial de fls. 1.681-1.716, Antônio Rogério Saldanha Maia e

outros indicam contrariedade aos artigos 6º, III, IV e VI, 18, § 1º e 3º, 30 e 37, caput e §§

1º e 3º do Código de Defesa do Consumidor; 186, 313, 402, 475 e 927 do Código Civil de

2002; e 21 do CPC.

Para tanto, sustentam foram vítimas de propaganda enganosa, pois a

promessa de compra e venda envolvia a participação em um empreendimento que

deveria funcionar como hotel. Ademais, sustentam que compraram produto com vício,

pois "o residencial com serviços não tinha os serviços, já que os mesmos - restaurante,

bar, etc. - eram irregulares, não tendo a autorização para funcionamento", o que

viabilizaria o desfazimento do negócio, com a devolução dos valores pagos e o

ressarcimento das perdas e danos.

Refutaram o entendimento do acórdão recorrido no tocante ao fato de que o

reconhecimento dos lucros cessantes estaria condicionado à quantificação por meio de

prova pericial.

Também afirmaram devida a indenização por dano moral, diante do

reconhecimento pelo acórdão recorrido do ato lesivo - a interdição dos serviços -, bem

como da culpa.

Alternativamente, sustentaram ter havido sucumbência recíproca a ensejar

a aplicação do artigo 21 do CPC.

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Contrarrazões de Antônio Rogério Saldanha Maia e outros às fls.

1.925-1.936 e 1.937-1.952, apontando para a impossibilidade de admissão dos recursos,

uma vez que ausente o prequestionamento do art. 20, § 4º, do CPC, bem como da

interposição de um único recurso contra decisões distintas (na ação principal e na ação

cautelar), violando o princípio da unicidade recursal. Sinalou, ainda, para a incidência da

Súmula 7 do STJ.

Contrarrazões de Gafisa S/A e outra às fls. 1.957-1.966, de Meliá Brasil

Administração Hoteleira e Comercial Ltda. às fls. 1.978-1.998 e do BBM S/A às fls.

1.968-1.977, todas ressaltando a inadmissibilidade do recurso em virtude da incidência

das Súmulas 5, 7 e 211 do STJ e da falta de prequestionamento.

Os três recursos especiais subiram a esta Corte em virtude do provimento

dos respectivos agravos de instrumento.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃORECORRENTE : ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA E OUTROSADVOGADA : ANNA MARIA DA TRINDADE DOS REIS E OUTRO(S)RECORRENTE : GAFISA S/A E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS AMORIM E OUTRO(S)RECORRENTE : BANCO BBM S/A E OUTROSADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)RECORRIDO : OS MESMOS RECORRIDO : MELIÁ BRASIL ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA E COMERCIAL

LTDA ADVOGADO : DANIEL CORRÊA CARDOSO COELHO E OUTRO(S)ADVOGADA : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA E OUTRO(S)

EMENTA

DIREITO DO CONSUMIDOR. PUBLICIDADE ENGANOSA. EMPREENDIMENTO DIVULGADO E COMERCIALIZADO COMO HOTEL. MERO RESIDENCIAL COM SERVIÇOS. INTERDIÇÃO PELA MUNICIPALIDADE. OCULTAÇÃO DELIBERADA DE INFORMAÇÃO PELO FORNECEDOR. ANULAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. INDENIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES E POR DANOS MORAIS DEVIDA.

1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual.

2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.

3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão.

4. No caso concreto, desponta estreme de dúvida que o principal atrativo do projeto foi a sua divulgação como um empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação que a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a falta

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de autorização do Município para que funcionasse empresa dessa envergadura na área, o que, à toda evidência, constitui publicidade enganosa, nos termos do art. 37, caput e § 3º, do CDC, rendendo ensejo ao desfazimento do negócio jurídico, à restituição dos valores pagos, bem como à percepção de indenização por lucros cessantes e por dano moral.

5. Recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia provido.

6. Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos. Prejudicadas as demais questões suscitadas.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. Os recursos serão julgados conjuntamente, uma vez que a questão

trazida nos dois primeiros - verba honorária de sucumbência - encontra-se contida

também nas razões do recurso interposto por Antônio Rogério Saldanha Maia e outros.

Cabe, primeiro, a correta especificação da moldura fática do caso ora em

julgamento.

Consoante delineado na sentença (fls. 1.169-1.177):

1. Trata-se de ação de anulação de contratos, cumulada com pedido de indenização, [...] sob o fundamento de que os autores celebraram com as rés promessas de compra e venda das unidades 501, 502, 503, 504, 506, 508 e 704 do empreendimento denominado “MELIÁ CONFORT BARRA FIRST CLASS", destinadas a funcionar como hotel ou apart-hotel com servicos, a ser administrado em regime de “pool hoteleiro" pela empresa Meliá, garantindo renda mensal aos investidores, tendo os réus omitido dolosamente o elemento essencial do negócio jurídico, sem o qual os contratos não teriam sido concluídos, de que não possuíam autorização municipal para tal tipo de atividade no local, especialmente porque inserido dentro da área de proteção ambiental (APA), o que deu causa à interdição do estabelecimento.Os suplicantes afirmaram que foram vitimas de propaganda enganosa e que as rés mantém a posse dos imóveis, de acordo com cláusula contratual, o que os impede de alugar ou vender as unidades. [...]DO TIPO DE EMPREENDIMENTO.15. O empreendimento imobiliário, denominado “Barra First Class", consistenum negócio jurídico atípico, que vem surgindo recentemente em nosso país.16. Através deste negócio é formado um grupo econômico composto por uma

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incorporadora, um Banco, uma rede de hotéis de renome e uma imobiliária, cada qual com sua função e atividade, previamente determinadas, antes mesmo do lançamento do empreendimento ao público.17. Note-se que é formada uma verdadeira sociedade de fato entre as mencionadas pessoas jurídicas, que ao serem acionadas judicialmente tentam fazer crer que inexiste qualquer relação jurídica entre elas.18. O aludido grupo econômico obtém o capital para a formação do empreendimento através do investimento, proporcionado por terceiros, no presente caso, por pessoas físicas, e promete a estas pessoas parte dos lucros, que serão obtidos com o negócio.19. O empreendimento, portanto, tem como público alvo pessoas investidoras, que pretendem auferir renda mensal, através da utilização das unidades imobiliárias.20. O negócio é atípico porque os investidores aplicam seu capital para erguer o empreendimento, financiado pelo Banco, e os incorporadores contratam antecipadamente a sua construção, uma rede hoteleira de renome, que irá gerenciar o negócio como um hotel, auferindo os investidores parte da renda com a utilização dos apartamentos.[...]22. Posteriormente à conclusão do edifício é celebrado um contrato de locação com a rede hoteleira e os investidores, autorizando-a a sublocar as unidades.23. Incumbe aos compradores arcar com as despesas condominiais e impostos incidentes sobre o imóvel.[...]DA RESPEITABILIDADE DAS EMPRESAS PARTICIPANTES DO EMPREENDIMENTO25. O consagrado nome de todos os réus e sua respeitabilidade e confiança no mercado imobiliário foi a causa essencial para que os compradores investissem vultoso capital na compra de quitinetes no empreendimento "Barra First Class", que, como o próprio nome indica, deveria ser de primeira classe, com o estrangeirismo típico da Barra da Tijuca.[...]27. Na promessa de compra e venda, firmada com os autores consta expressamente em sua clausula 1.4, letra "a", que o outorgante Gafisa e o outrogante Banco BBM "requereu e obteve perante a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, a aprovação de um projeto para construção de um empreendimento residencial, através do processo n°02/005770/97 para a qual esta prevista a denominação de “Barra First Class" e que recebera o n° 7.701 pela Avenida das Américas.28. A informação, prestada aos investidores, portanto, foi de que a autorização municipal tinha sido obtida por empresas com vasta experiência no mercado imobiliário e bancário.29. Na escritura declaratória constou em sua cláusula 29ª que "durante o perído de até 06 (seis) anos, renovável por igual período, a contar da instalação do Condomínio de utilização do edifício, tendo em vista as características do empreendimento e os serviços de que o mesmo será dotado e, visando dar continuidade administrativa ao empreendimento, as Incorporadoras contratarão em nome do Condomínio, antes mesmo da primeira assembléia de instalação, a empresa "Melia Brasil Administração Hoteleira e Comercial Ltda." para exercer as funções administrativas e operacionais do edifício. O contrato entre o Condomínio e a "Administrador" devera obedecer aos termos desta Convenção em especial os constantes da

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letra “b" do item “17”.30. A assembléia geral ordinária, realizada no dia 06 de março de 2001, visava aprovar orçamentos para a instalação do “pool hoteleiro", como demonstra o documento de fls. 145/48 da ação cautelar.31. As cláusulas contratuais conduziam o comprador a acreditar no futuro funcionamento do empreendimento como hotel e não como residencial com serviços.32. As matérias jornalísticas, juntadas aos autos, informam que o edifício funcionava como hotel e que foi interditado pela Prefeitura.33. O edital de interdição de fls. 1108 dos autos da ação ordinária demonstra que efetivamente houve a interdição em 10.07.2002 do edifício nº. 7897 da Av. das Americas, que é o Condominio “Barra First Class”.34. O documento de fls. 1106 e 1107 da ação ordinária demonstra declaração da Prefeitura do Rio de Janeiro, que foi interditado o edifício nº. 7897 da Av. das Americas, que consiste no Condomínio “Barra First Class”.35. Não resta dúvida, portanto, que o edifício foi interditado, porque não estava autorizado a realizar atividades econômicas em seu interior, funcionando como atividade hoteleira.36. A solução apresentada foi, então, adaptar o empreendimento, fazendo construir no anexo, que constituía o centro de convenções, o restaurante, coffee Shop, lavanderia e etc., com a cobrança de novos valores aos compradores, como comprovam os documentos de fls. 185/187 e de fls.189,190 e 191 dos autos da ação principal.[...]DA BOA FÉ OBJETIVA38. Faltou transparência ao negócio jurídico e houve, sim, propaganda enganosa, como deixou inequívoco a testemunha Roberto Gouvêa Costa Junior, ouvida na audiência de instrução e julgamento, que foi o corretor da Patrimóvel, responsável pela venda do produto.39. A testemunha afirmou em seu depoimento, às fls. 945/951, da ação principal: “ que vendeu os imóveis aos autores apenas com as informações passadas nas palestras feitas pela Gafisa e Patrimóvel"; "que o depoente como corretor da Patrimóvel participou de várias convenções da Gafisa e da Meliá em que era anunciado o empreendimento como a primeira rede hoteleira da Barra da Tijuca; que as unidades foram vendidas como Hotel; que a Meliá anunciava o empreendimento como hotel, junto com os diretores da Gafisa e da Patrimóvel;”40. Ressalte-se que no livro de hotéis da rede Melia o "Barra First Class" é divulgado como hotel no Rio de Janeiro, de acordo com o documento de fls. 1070.[...]

DO FUNCIONAMENTO DO EMPREENDIMENTO42. O empreendimento deixou, assim, de funcionar como hotel para ser um residencial com serviços, diferente do que foi vendido aos autores.43. Além disso, as unidades são compostas apenas de quarto e banheiro, tal como quarto de hotel, não existindo na planta qualquer cozinha ainda que americana, o que inviabiliza a utilização como residencial com serviços.

Os fatos são incontroversos, porém o acórdão recorrido retira deles

conclusão diferente da sentença, deixando de aplicar à espécie, a meu juízo, a legislação

pertinente.

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3. Nesse passo, assinala-se, à toda evidência, a relação de consumo,

consoante asseverado até mesmo pelo Tribunal de origem (fls. 1.538-1.539):

E, a despeito das respeitáveis opiniões em contrário, tem­se por nítida a configuração de uma relação de consumo no caso em tela, tendo em vista a natureza das relações jurídico-contratuais firmadas entre os autores e as rés.Veja-se que o contrato de administração de imóveis firmado entre empresa especializada e o particular, que objetiva, como destinatário final, a prestação de serviços profissionais para a locação de seus bens, com a finalidade de produção de renda destinada ao seu sustento, a meu sentir, caracteriza indiscutível relação de consumo, sujeitando-se, portanto, às normas da Iei específica.

Esposando o mesmo entendimento e aplicando o Código de Defesa do

Consumidor às operações de compra e venda de imóveis entre pessoa física e

construtora, incorporadora ou similar, os seguintes julgados desta Corte:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL PROPOSTA CONTRA A CONSTRUTORA E SEUS SÓCIOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 28, CAPUT E § 5º, DO CDC. PREJUÍZO A CONSUMIDORES. INATIVIDADE DA EMPRESA POR MÁ ADMINISTRAÇÃO.1. Ação de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel movida contra a construtora e seus sócios.2. Reconhecimento pelas instâncias ordinárias de que, em detrimento das consumidoras demandantes, houve inatividade da pessoa jurídica, decorrente da má administração, circunstância apta, de per si, a ensejar a desconsideração, com fundamento no art. 28, caput, do CDC.3. No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard doctrine, bastando a caracterização da dificuldade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária.4. Precedente específico desta Corte acerca do tema (REsp. nº 279.273/SP, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, DJ de 29.03.2004).5. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.(REsp 737.000/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 12/09/2011)

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DA CONSTRUTORA (VENDEDOR). DEFEITOS DE CONSTRUÇÃO. ARBITRAMENTO DE ALUGUÉIS EM RAZÃO DO USO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO, A TÍTULO DE SUCUMBÊNCIA, DE LAUDO CONFECCIONADO EXTRAJUDICIALMENTE PELA PARTE VENCEDORA. DESCABIMENTO. EXEGESE DOS ARTS. 19 E 20 DO CPC. INVERSÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVIA MULTA EXCLUSIVAMENTE EM BENEFÍCIO DO FORNECEDOR, PARA A HIPÓTESE DE MORA OU INADIMPLEMENTO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE.

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1. Apesar de a rescisão contratual ter ocorrido por culpa da construtora (fornecedor), é devido o pagamento de aluguéis, pelo adquirente (consumidor), em razão do tempo em que este ocupou o imóvel. O pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização de bem alheio. Daí por que se mostra desimportante indagar quem deu causa à rescisão do contrato, se o suporte jurídico da condenação é a vedação do enriquecimento sem causa. Precedentes.2. Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor - em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor - construtor de imóveis - em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel.3. Descabe, porém, estender em benefício do consumidor a cláusula que previa, em prol do fornecedor, a retenção de valores a título de comissão de corretagem e taxa de serviço, uma vez que os mencionados valores não possuem natureza de cláusula penal moratória, mas indenizatória.4. O art. 20, caput e § 2º, do Código de Processo Civil enumera apenas as consequências da sucumbência, devendo o vencido pagar ao vencedor as "despesas" que este antecipou, não alcançando indistintamente todos os gastos realizados pelo vencedor, mas somente aqueles "endoprocessuais" ou em razão do processo, quais sejam, "custas dos atos do processo", "a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico". Assim, descabe o ressarcimento, a título de sucumbência, de valores despendidos pelo vencedor com a confecção de laudo extrajudicial, mediante a contratação de perito de sua confiança. Precedentes.5. Recurso especial parcialmente provido.(REsp 955.134/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 29/08/2012)

4. Os pontos nodais desta demanda, em suma, limitam-se: a) à verificação

da efetiva ocorrência de publicidade enganosa a possibilitar a anulação do negócio

jurídico; b) à condenação ao pagamento de indenização por lucros cessantes e dano

moral; c) aos honorários advocatícios.

O cerne da controvérsia gira em torno da relevância do princípio da

informação para o direito do consumidor, suas implicações quanto à oferta de produtos e

serviços e à configuração de publicidade enganosa, tudo consoante devolvido ao exame

desta Corte tal como apurado os fatos pelas instâncias ordinárias.

4.1. É certo que o CDC é norteado principalmente pelo reconhecimento da Documento: 1191715 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/02/2013 Página 1 2 de 31

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vulnerabilidade do consumidor e pela necessidade de que o Estado atue no mercado

para minimizar essa hipossuficiência, garantindo, assim, a igualdade material entre as

partes.

O nascimento de um forte direito à informação é corolário de todas essas

normas relacionadas à função social e à boa-fé, por intermédio das quais a liberdade de

contratar assume novel feição, uma vez que a lei, detentora de preponderante papel

nessa nova realidade, impõe a necessidade de transparência em todas as fases da

contratação: desde o momento pré-contratual, passando pela formação e execução do

contrato, e até mesmo o momento pós-contratual.

É o que ressoa inequívoco do teor do art. 6º do CDC:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:[...]II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;

Abalizada doutrina sintetiza a preocupação do Código de Defesa do

Consumidor com o direito à informação:

No CDC, a informação deve ser clara e adequada (arts. 12, 14, 18, 20, 30, 33, 34, 46, 48, 52 e 54), esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou, se falha, representa a falha (vício) na qualidade do produto ou serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Da mesma forma, se é direito do consumidor ser informado (art. 6º, III), este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado (art. 1º). Assim, a cláusula ou prática que considere o silêncio do consumidor como aceitação (a exemplo do art. 111 do CC/2002), mesmo com falha da informação, não pode prevalecer (arts. 24 e 25), acarretando a nulidade da cláusula no sistema do CDC (art. 51, I) e até no sistema geral do Código Civil (art. 424 do CC/2002). O direito à informação assegurado no art. 6º, III, corresponde ao dever de informar imposto pelo CDC ao fornecedor nos arts. 12, 14, 18 e 20, nos arts. 30 e 31, nos arts. 46 e 54. (BENJAMIN, Antônio Herman V., MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 58-59)

Na mesma esteira, a jurisprudência deste Tribunal Superior:

PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. PORTARIAS, Documento: 1191715 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/02/2013 Página 1 3 de 31

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REGULAMENTOS E DECRETOS. CONTROLE. NÃO CABIMENTO. CURSO SUPERIOR NÃO. RECONHECIDO PELO MEC. CIRCUNSTÂNCIA NÃO INFORMADA AOS ALUNOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCER A PROFISSÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO. DANO MORAL. VALOR. REVISÃO PELO STJ. MONTANTE EXORBITANTE OU IRRISÓRIO. CABIMENTO.[...]3. O art. 6º, III, do CDC institui o dever de informação e consagra o princípio da transparência, que alcança o negócio em sua essência, porquanto a informação repassada ao consumidor integra o próprio conteúdo do contrato. Trata-se de dever intrínseco ao negócio e que deve estar presente não apenas na formação do contrato, mas também durante toda a sua execução.4. O direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada.[...]8. Recurso especial não provido.(REsp 1121275/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 17/04/2012)

DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DE APLICAÇÃO DA LEI DO GLÚTEN (LEI 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIA COM O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIO DA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE INICIATIVA E À COMERCIALIZAÇÃO DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OS RISCOS DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.[...]3. As normas de proteção e defesa do consumidor têm índole de “ordem pública e interesse social”. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e no atacado.4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios.5. O direito à informação, abrigado expressamente pelo art. 5°, XIV, da Constituição Federal, é uma das formas de expressão concreta do Princípio da Transparência, sendo também corolário do Princípio da Boa-fé Objetiva e do Princípio da Confiança, todos abraçados pelo CDC.

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6. No âmbito da proteção à vida e saúde do consumidor, o direito à informação é manifestação autônoma da obrigação de segurança.7. Entre os direitos básicos do consumidor, previstos no CDC, inclui-se exatamente a “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem” (art. 6°, III).8. Informação adequada, nos termos do art. 6°, III, do CDC, é aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, neste último caso, a diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia para o consumidor.9. Nas práticas comerciais, instrumento que por excelência viabiliza a circulação de bens de consumo, “a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores” (art. 31 do CDC).10. A informação deve ser correta (= verdadeira), clara (= de fácil entendimento), precisa (= não prolixa ou escassa), ostensiva (= de fácil constatação ou percepção) e, por óbvio, em língua portuguesa.11. A obrigação de informação é desdobrada pelo art. 31 do CDC, em quatro categorias principais, imbricadas entre si: a) informação-conteúdo (= características intrínsecas do produto e serviço), b) informação-utilização (= como se usa o produto ou serviço), c) informação-preço (= custo, formas e condições de pagamento), e d) informação-advertência (= riscos do produto ou serviço).12. A obrigação de informação exige comportamento positivo, pois o CDC rejeita tanto a regra do caveat emptor como a subinformação, o que transmuda o silêncio total ou parcial do fornecedor em patologia repreensível, relevante apenas em desfavor do profissional, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão.13. Inexistência de antinomia entre a Lei 10.674/2003, que surgiu para proteger a saúde (imediatamente) e a vida (mediatamente) dos portadores da doença celíaca, e o art. 31 do CDC, que prevê sejam os consumidores informados sobre o "conteúdo" e alertados sobre os "riscos" dos produtos ou serviços à saúde e à segurança.14. Complementaridade entre os dois textos legais. Distinção, na análise das duas leis, que se deve fazer entre obrigação geral de informação e obrigação especial de informação, bem como entre informação-conteúdo e informação-advertência.15. O CDC estatui uma obrigação geral de informação (= comum, ordinária ou primária), enquanto outras leis, específicas para certos setores (como a Lei 10.674/03), dispõem sobre obrigação especial de informação (= secundária, derivada ou tópica). Esta, por ter um caráter mínimo, não isenta os profissionais de cumprirem aquela.16. Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte.17. No campo da saúde e da segurança do consumidor (e com maior razão quanto a alimentos e medicamentos), em que as normas de proteção devem ser interpretadas com maior rigor, por conta dos bens jurídicos em questão, seria um despropósito falar em dever de informar baseado no homo medius

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ou na generalidade dos consumidores, o que levaria a informação a não atingir quem mais dela precisa, pois os que padecem de enfermidades ou de necessidades especiais são freqüentemente a minoria no amplo universo dos consumidores.18. Ao Estado Social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis, pois são esses que, exatamente por serem minoritários e amiúde discriminados ou ignorados, mais sofrem com a massificação do consumo e a "pasteurização" das diferenças que caracterizam e enriquecem a sociedade moderna.19. Ser diferente ou minoria, por doença ou qualquer outra razão, não é ser menos consumidor, nem menos cidadão, tampouco merecer direitos de segunda classe ou proteção apenas retórica do legislador.20. O fornecedor tem o dever de informar que o produto ou serviço pode causar malefícios a um grupo de pessoas, embora não seja prejudicial à generalidade da população, pois o que o ordenamento pretende resguardar não é somente a vida de muitos, mas também a vida de poucos.21. Existência de lacuna na Lei 10.674/2003, que tratou apenas da informação-conteúdo, o que leva à aplicação do art. 31 do CDC, em processo de integração jurídica, de forma a obrigar o fornecedor a estabelecer e divulgar, clara e inequivocamente, a conexão entre a presença de glúten e os doentes celíacos.22. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.(REsp 586.316/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJe 19/03/2009)

4.2. Paralelamente ao dever de informação, tem-se a faculdade do

fornecedor de anunciar seu produto ou serviço, sendo certo que, se o fizer, a publicidade

deve refletir fielmente a realidade anunciada, em observância à principiologia do Código

do Consumidor.

Nessa linha de intelecção, o princípio da vinculação da publicidade reflete a

imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos

contratos, de forma que a boa-fé exsurge como princípio máximo orientador do Código

Consumerista.

Dispõe o art. 30:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Ressoa inequívoco o caráter vinculativo da informação e da publicidade, de

modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da

publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às

informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor.

Recorro ao magistério do Ministro Antonio Herman Benjamin:

O art. 30 dá caráter vinculante à informação e à publicidade - andou bem o Documento: 1191715 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 05/02/2013 Página 1 6 de 31

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legislador ao separar as duas modalidades de manifestação do fornecedor, considerando que aquela é mais ampla do que esta. Por informação, quis o CDC, no art. 30, incluir todo tipo de manifestação do fornecedor que não seja considerado anúncio, mas que, mesmo assim, sirva para induzir o consentimento (= decisão) do consumidor. Aí estão incluídas as informações prestadas por representantes do fornecedor ou por ele próprio, bem como as que constam em bulas ou em alguns rótulos [...]A vinculação atua de duas maneiras: primeiro, obrigando o fornecedor, mesmo que se negue a contratar; segundo, introduzindo-se (e prevalecendo) em contrato eventualmente celebrado, inclusive quando seu texto o diga de modo diverso, pretendendo afastar o caráter vinculante.Daí que não impede a vinculação eventual informação do fornecedor, sempre a latere do anúncio, de que as alegações têm mero valor indicativo. Ainda assim, opera, integralmente, a força vinculante do alegado. (Op. Cit., p. 184)

É de se notar que a impossibilidade ou a recusa de cumprimento da oferta,

ainda que por equívoco no anúncio, a despeito de abrir espaço para a aplicação de

medidas penais e administrativas, cria para o consumidor a possibilidade de rescindir o

contrato e receber a devolução dos valores pagos, além de indenização por perdas e

danos, nos termos do art. 35 do CDC:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

É novamente o jurista Herman Benjamim que esclarece:

A regra do Código é "prometeu, cumpriu". Mas e se o fornecedor recusar o cumprimento da sua oferta ou publicidade? Ou, se, ainda com o mesmo resultado, não tiver condições de cumprir o que prometeu?Em síntese, além de uma série de outras providências, entre as quais a via persecutória penal e a das sanções administrativas, o consumidor, em caso de oferta desconforme com aquilo que o fornecedor efetivamente se propõe a entregar, tem a sua escolha três opções: a) exigir o cumprimento forçado da obrigação; b) aceitar um outro bem de consumo equivalente; c) rescindir o contrato firmado, cabendo-lhe, ainda, a restituição do que já pagou, monetariamente atualizado, e perdas e danos (inclusive danos morais). (Op. Cit. p. 185)

4.3. Nessa esteira, o art. 37 do CDC define a publicidade enganosa não

apenas em virtude da sua falsidade parcial ou integral, mas também como aquela "capaz

de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,

quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e

serviços", registrando, em seu § 3º, que "a publicidade é enganosa por omissão quando

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deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço".

Dessarte, se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o

consumidor ou restringir seus direitos, ela deve integrar o anúncio, de forma precisa,

clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de se ter configurada a

publicidade enganosa por omissão.

5. No caso concreto, o Juízo primevo, com exauriente cognição

fático-probatória, assentou a efetiva existência de publicidade enganosa, consoante se

dessume dos seguintes excertos da sentença, ainda que repetindo o que antes fora

transcrito (fls. 1.169-1.177):

14. A hipótese versa sobre empreendimento imobiliário, inicialmente, programado para funcionar com "pool” hoteleiro, sendo modificada a sua destinação, em virtude de interdição, efetuada pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, por não ter licença para desenvolver no local atividades econômicas, tais como restaurante, coffee shop, lavanderia e outros serviços hoteleiros.[...]25. O consagrado nome de todos os réus e sua respeitabilidade e confiança no mercado imobiliário foi a causa essencial para que os compradores investissem vultoso capital na compra de quitinetes no empreendimento "Barra First Class", que, como o próprio nome indica, deveria ser de primeira classe, com o estrangeirismo típico da Barra da Tijuca.26. Não é crível que tão renomadas empresas não tenham conhecimento da distinção de um alvará de funcionamento para apart hotel ou residencial com serviços e para hotel.28. A informação, prestada aos investidores, portanto, foi de que a autorização municipal tinha sido obtida por empresas com vasta experiência no mercado imobiliário e bancário.[...]31. As cláusulas contratuais conduziam o comprador a acreditar no funcionamento do empreendimento como hotel e não como residencial com serviços.32. As matérias jornalísticas, juntadas aos autos, informam que o edifício funcionava como hotel e que foi interditado pela Prefeitura.33. O edital de interdição de fls. 1108 dos autos da ação ordinária demonstra que efetivamente houve a interdição em 10.07.2002 do edifício no. 7897 da Av. das Américas, que é o Condomínio "Barra First Class”.34. O documento de fls. 1106 e 1107 da ação ordinária demonstra declaração da Prefeitura do Rio de Janeiro, que foi interditado o ediñcio no. 7897 da Av. da Américas, que consiste no Condomínio “Barra First Class”.35. Não resta dúvida, portanto, que o edifício foi interditado, porque não estava autorizado a realizar atividades econômicas em seu interior, funcionando como atividade hoteleira.36. A solução apresentada foi, então, adaptar o empreendimento, fazendo construir no anexo, que constituía o centro de convenções, o restaurante, coffee Shop, lavanderia e etc., com a cobrança de novos valores aos compradores, como comprovam os documentos de fls. 185/187 e de fls.189,190 e 191 dos autos da ação principal.[...]

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38. Faltou transparência ao negócio jurídico e houve, sim, propaganda enganosa, como deixou inequívoco a testemunha Roberto Gouvêa Costa Junior, ouvida na audiência de instrução e julgamento, que foi o corretor da Patrimóvel, responsável pela venda do produto.39. A testemunha afirmou em seu depoimento, às fls. 945/951, da ação principal: “ que vendeu os imóveis aos autores apenas com as informações passadas nas palestras feitas pela Gafisa e Patrimóvel"; "que o depoente como corretor da Patrimóvel participou de várias convenções da Gafisa e da Meliá em que era anunciado o empreendimento como a primeira rede hoteleira da Barra da Tijuca; que as unidades foram vendidas como Hotel; que a Meliá anunciava o empreendimento como hotel, junto com os diretores da Gafisa e da Patrimóvel;”40. Ressalte-se que no livro de hotéis da rede Melia o "Barra First Class" é divulgado como hotel no Rio de Janeiro, de acordo com o documento de fls. 1070.

O Tribunal, todavia, entendeu de forma inversa, com base no singelo

fundamento de que a divulgação jornalística que afirma ser o empreendimento um projeto

de hotelaria pode ser ignorado para fins de instrução probatória, em virtude da falta de

maior comprometimento dos jornais e periódicos no tocante aos anúncios comerciais por

eles veiculados.

Confira-se trecho do voto condutor (fl. 1.540):

Um dos cernes da controvérsia debatida nestes autos diz respeito à configuração do empreendimento como um hotel ou não.Os autores se dizem vítimas de propaganda enganosa, pois lhes teria sido anunciado um rentável investimento hoteleiro, porém, posteriormente, descobriu-se que o empreendimento - denominado "Barra First Class" - não poderia funcionar como hotel, apenas como residencial com serviços.Ocorre que a conclusão de que o empreendimento seria um hotel só existiu na concepção dos autores.Em momento algum as rés mencionaram que a incorporação seria de um hotel. Nos próprios prospectos a alusão era sempre a um "residencial com serviços", administrado mediante um "pool locatício". Outrossim, em todas as escrituras a referência é a um empreendimento residencial.Os autores colacionam inúmeras reportagens jornalísticas que, de fato, se referem ao "Barra First Class" como um projeto de hotelaria.Todavia, este tipo de material veiculado na imprensa não pode ser totalmente considerado para fins de instrução probatória e posterior indenização, uma vez que dos jornais e periódicos não se espera um alto grau de comprometimento com os termos técnicos inerentes a todos os tipos de negócios.

Logo depois, admite o Tribunal que, para o homem mediano, um residencial

com serviços pode ser concebido como um verdadeiro hotel, salientando a confusão na

utilização da linguagem técnica pelas empresas.

Não obstante, a despeito dessa premissa - que, por si só, leva exatamente à

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conclusão oposta -, entende que a falta de menção das rés quanto a não ser o

empreendimento um projeto de hotelaria, não teria o condão de desnaturar o negócio

jurídico firmado, uma vez que, na aparência, seriam a mesma coisa, devendo prevalecer,

portanto, o contido nas escrituras dos imóveis.

Ora, se as aparências levavam a crer tratar-se de um empreendimento

hoteleiro - a publicidade nacional e internacional, assim também a forma como

comercializado pelo corretor -, o que é contraditado apenas pelo registro dos imóveis no

cartório competente, deve-se forçosamente concluir que a publicidade não primou pela

veracidade, violando frontalmente as normas de ordem pública do Código de Defesa do

Consumidor.

6. A jurisprudência deste Tribunal Superior não destoa.

Por ocasião do julgamento do REsp 1.259.210/RJ, a eminente Ministra

Nancy Andrighi, ainda que não aplicando as normas do CDC à espécie, em razão de ser

a relação existente entre lojista e administrador de shopping center regulada pelo direito

civil, entendeu que o mero inadimplemento da promessa de que lojas âncora - instaladas

no estabelecimento -, seria motivo suficiente para a rescisão contratual.

Confira-se o referido precedente:

DIREITO CIVIL. SHOPPING CENTER. INSTALAÇÃO DE LOJA. PROPAGANDA DO EMPREENDIMENTO QUE INDICAVA A PRESENÇA DE TRÊS LOJAS-ÂNCORAS. DESCUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO.1. Conquanto a relação entre lojistas e administradores de Shopping Center não seja regulada pelo CDC, é possível ao Poder Judiciário reconhecer a abusividade em cláusula inserida no contrato de adesão que regula a locação de espaço no estabelecimento, especialmente na hipótese de cláusula que isente a administradora de responsabilidade pela indenização de danos causados ao lojista.2. A promessa, feita durante a construção do Shopping Center a potenciais lojistas, de que algumas lojas-âncoras de grande renome seriam instaladas no estabelecimento para incrementar a frequência de público, consubstancia promessa de fato de terceiro cujo inadimplemento pode justificar a rescisão do contrato de locação, notadamente se tal promessa assumir a condição de causa determinante do contrato e se não estiver comprovada a plena comunicação aos lojistas sobre a desistência de referidas lojas, durante a construção do estabelecimento.3. Recurso especial conhecido e improvido.(REsp 1259210/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 07/08/2012)

No mesmo sentido, mas em outro contexto:

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE COISA JULGADA. VIOLAÇÃO DO § 3º DO ART. 267 DO CPC NÃO

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CONFIGURADA. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. AVERBAÇÃO DA DEMANDA NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. LEGALIDADE. DIREITO DOS CONSUMIDORES À INFORMAÇÃO E À TRANSPARÊNCIA. PODER GERAL DE CAUTELA.1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obstar a construção de empreendimento imobiliário de grande porte em Área de Preservação Permanente situada em Jurerê Internacional, sem licenciamento do Ibama. O acórdão recorrido limitou-se a manter decisão liminar que determinou a averbação da demanda no cartório de registro de imóveis.2. As peculiaridades do Termo de Ajustamento de Conduta, mencionadas em Memorial, não foram analisadas pelo Tribunal a quo, nem debatidas nos Aclaratórios ou no Recurso Especial, sendo inviável, nessa oportunidade, o pronunciamento do STJ.3. Não está configurada a alegada violação do art. 267, § 3º, do CPC, porquanto o Tribunal de origem não afastou a possibilidade de reconhecimento, de ofício e em qualquer grau de jurisdição, da coisa julgada. Sua recusa em apreciá-la está justificada no fato de que tal preliminar já havia sido rechaçada por decisão anterior, pendente de recurso, sendo descabida e inoportuna a renovação da mesma questão. Nesse ponto, tampouco ficou demonstrada divergência jurisprudencial.4. Quanto ao mérito, observo que a recorrente carece de interesse jurídico tutelável porque a averbação, em si, obrigação alguma lhe impõe, servindo apenas para informar os pretensos adquirentes da existência de Ação Civil Pública na qual se questiona a legalidade do empreendimento.5. Na verdade, o interesse implícito da empresa, que não se mostra legítimo, é de que inexista prejuízo mediato à sua atividade comercial com a ampliação da publicidade acerca da demanda, em negativa ao direito básico à informação do consumidor, bem como aos princípios da transparência e da boa-fé, estatuídos pelo CDC.6. Impende anotar que a averbação foi determinada na esteira de acórdão (questionado no REsp 1.177.692/SC) que deferira em parte a liminar pleiteada pelo Ministério Público para condicionar o prosseguimento das obras à prestação de caução imobiliária equivalente a 15% do valor comercial dos imóveis, para fins de compensação ambiental, bem como à ciência dos adquirentes.7. Nesse contexto, o provimento encontra suporte no art. 167, II, item 12, da Lei 6.015/1973, que determina a averbação "das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados".8. Ressalto ainda que, ao contrário do que sustenta a recorrente, o amparo legal para proceder à averbação não se restringe ao art. 167, II, da Lei 6.015/1973, porquanto o rol nele estabelecido não é taxativo, e sim exemplificativo, haja vista a norma extensiva do art. 246 da mesma lei.9. Na hipótese, a averbação serve para tornar completa e adequada a informação sobre a real situação do empreendimento, o que se coaduna com a finalidade do sistema registral e com os direitos do consumidor.10. Ademais, tal medida está legitimada no poder geral de cautela do julgador (art. 798 do CPC), que, a par da decisão liminar, considerou-a adequada para assegurar a necessária informação dos adquirentes acerca do litígio existente.11. Recurso Especial não provido.(REsp 1161300/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,

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julgado em 22/02/2011, DJe 11/05/2011)

Dessarte, penso que, com muito mais razão na situação em apreço, por se

tratar de direito do consumidor, o qual tem como função precípua a proteção do

hipossuficiente, dispondo de normas rígidas e inafastáveis para a prestação da devida

tutela, deve-se entender pela anulação do negócio jurídico.

7. No caso dos autos, verifica-se de plano a absoluta omissão dos

responsáveis pela construção, venda e administração do suposto hotel quanto à

inexistência de autorização municipal para o soerguimento de empreendimento tal qual

amplamente anunciado, consoante se infere da sentença, cujo trecho, embora transcrito

anteriormente, merece reiteração (fls. 1.172-1.175):

26. Não é crível que tão renomadas empresas não tenham conhecimento da distinção de um alvará de funcionamento para apart hotel ou residencial com serviços e para hotel.28. A informação, prestada aos investidores, portanto, foi de que a autorização municipal tinha sido obtida por empresas com vasta experiência no mercado imobiliário e bancário.[...]31. As cláusulas contratuais conduziam o comprador a acreditar no funcionamento do empreendimento como hotel e não como residencial com serviços.32. As matérias jornalísticas, juntadas aos autos, informam que o edifício funcionava como hotel e que foi interditado pela Prefeitura.33. O edital de interdição de fls. 1108 dos autos da ação ordinária demonstra que efetivamente houve a interdição em 10.07.2002 do edifício no. 7897 da Av. das Américas, que é o Condomínio "Barra First Class”.34. O documento de fls. 1106 e 1107 da ação ordinária demonstra declaração da Prefeitura do Rio de Janeiro, que foi interditado o edifício no. 7897 da Av. da Américas, que consiste no Condomínio "Barra First Class".35. Não resta dúvida, portanto, que o edifício foi interditado, porque não estava autorizado a realizar atividades econômicas em seu interior, funcionando como atividade hoteleira.

Desponta estreme de dúvida, portanto, que o principal atrativo do projeto foi

a sua divulgação como um empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da

proeminente reputação que a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a

falta de autorização do Município para que fosse erigida empresa dessa envergadura na

área.

Isso, à toda evidência, constitui publicidade enganosa, nos termos do art.

37, caput, e § 3º, do CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito

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da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.[...]§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

8. O próprio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em hipótese

similar à do presente feito (AC 2007.001.25814), em que idênticos o pedido, a causa de

pedir e os réus, ainda que sem o trânsito em julgado, decidiu pela anulação do negócio

jurídico e pelo cabimento das perdas e danos, consoante se dessume da seguinte

ementa:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVOS RETIDOS. DIÁLOGO DAS FONTES. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL E DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. VÍCIO REDIBITÓRIO. POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO CONTRATO COM PERDAS E DANOS. SOLIDARIEDADE PASSIVA ENTRE A CORRETORA E OS EMPREENDEDORES. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. DATA DO CONHECIMENTO DO VÍCIO. VERBAS INDENIZATÓRIAS. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICES UTILIZADOS PELA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA QUE SE RECONHECE.AGRAVOS RETIDOS IMPROVIDOS. PROVIMENTO PARCIAL DO PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS. IMPROVIMENTO DOS DEMAIS.

Assim também outros casos semelhantes.

9. O Tribunal, entendendo pela validade do negócio jurídico, concluiu pelo

descabimento de dano moral e de lucros cessantes (fl. 1.547):

Também se observou que os autores estão insatisfeitos com o retorno que vem sendo auferido com o negócio, arrependimento este que não pode ser considerado para fins de desfazimento de um contrato que tem o risco como elemento indissociável.Da mesma forma, não há falar em lucro cessante, pois que completamente indemonstrado no presente caso, seja por existir um convencionado aluguel mínimo, seja por não se ter realizado perícia específica.Tem-se por inexistente, outrossim, qualquer espécie de dano moral, tanto porque o negócio continua em pleno funcionamento, quanto pelo fato de a interdição não ter sido capaz de enseja-lo, causando, no máximo, mero dissabor e aborrecimento.

Todavia, configurado o ato ilícito - publicidade enganosa -, e demonstrados

a perda de ganho prometido e o nexo de causalidade, é de rigor a fixação de indenização

por lucros cessantes.

Sergio Cavalieri Filho sintetiza as hipóteses de cabimento dessa modalidade

de dano material:

Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da

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vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado. (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Ed. Malheiros, 2003, p. 91)

De tal sorte, é direito do consumidor o desfazimento do negócio jurídico e a

percepção dos valores pagos, bem como indenização por perdas e danos, nos termos do

art. 35 do CDC:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

9.1. Não obstante, no caso em tela, verifica-se que os lucros cessantes são

devidos tão somente em relação às parcelas que os recorrentes deixaram de perceber

durante o tempo que mediou a interdição e o funcionamento do edifício anexo, a qual

deve ser calculada com base na média da rentabilidade do prédio vizinho correlato,

descontados valores eventualmente percebidos durante esse interregno temporal.

10. Quanto aos danos morais, a Corte estadual consignou a ocorrência de

mero dissabor, uma vez que o negócio estaria em pleno funcionamento (fl. 1.547):

Tem-se por inexistente, outrossim, qualquer espécie de dano moral, tanto porque o negócio continua em pleno funcionamento, quanto pelo fato de a interdição não ter sido capaz de enseja-lo, causando, no máximo, mero dissabor e aborrecimento.

É de se notar que a publicidade enganosa, que culminou na interdição do

empreendimento e, consequentemente, na alteração de sua função comercial precípua -

de hotel a mero residencial de serviços -, não pode ser considerada simples

contrariedade, porquanto atenta contra o direito do consumidor de não ser enganado, de

não nutrir falsas expectativas de um ganho que jamais terá, de se ver impelido a adentrar

o longo périplo de um processo judicial, sob pena de estar fatalmente atado a um

investimento que não condiz com os seus interesses.

Nítida, pois, a meu juízo, a existência de aflição e angústia a interferirem no

equilíbrio e no bem-estar do consumidor lesado, o que foge à normalidade do

aborrecimento corriqueiro do dia a dia.

Em verdade, não se está diante de mero inadimplemento contratual a

causar aborrecimento cotidiano, mas da configuração de ilícito rigorosamente sancionado

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pela legislação consumerista, a qual é norma de ordem pública e de relevante interesse

social, preconizada pela Carta Maior (art. 5º, XXXVII).

No mesmo sentido:

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EMPRESA DE TELEFONIA - PLANO DE ADESÃO - LIG MIX - OMISSÃO DE INFORMAÇÕES RELEVANTES AOS CONSUMIDORES - DANO MORAL COLETIVO - RECONHECIMENTO - ARTIGO 6º, VI, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA DESTA CORTE - OFENSA AOS DIREITOS ECONÔMICOS E MORAIS DOS CONSUMIDORES CONFIGURADA - DETERMINAÇÃO DE CUMPRIMENTO DO JULGADO NO TOCANTE AOS DANOS MATERIAIS E MORAIS INDIVIDUAIS MEDIANTE REPOSIÇÃO DIRETA NAS CONTAS TELEFÔNICAS FUTURAS - DESNECESSÁRIOS PROCESSOS JUDICIAIS DE EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CONDENAÇÃO POR DANOS MORAIS DIFUSOS, IGUALMENTE CONFIGURADOS, MEDIANTE DEPÓSITO NO FUNDO ESTADUAL ADEQUADO.1.- A indenização por danos morais aos consumidores, tanto de ordem individual quanto coletiva e difusa, tem seu fundamento no artigo 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor.2.-Já realmente firmado que, não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Ocorrência, na espécie. (REsp 1221756/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/02/2012, DJe 10/02/2012).3.- No presente caso, contudo restou exaustivamente comprovado nos autos que a condenação à composição dos danos morais teve relevância social, de modo que, o julgamento repara a lesão causada pela conduta abusiva da ora Recorrente, ao oferecer plano de telefonia sem, entretanto, alertar os consumidores acerca das limitações ao uso na referida adesão. O Tribunal de origem bem delineou o abalo à integridade psico-física da coletividade na medida em que foram lesados valores fundamentais compartilhados pela sociedade.4.- Configurada ofensa à dignidade dos consumidores e aos interesses econômicos diante da inexistência de informação acerca do plano com redução de custo da assinatura básica, ao lado da condenação por danos materiais de rigor moral ou levados a condenação à indenização por danos morais coletivos e difusos.5.- Determinação de cumprimento da sentença da ação civil pública, no tocante à lesão aos participantes do "LIG-MIX", pelo período de duração dos acréscimos indevidos: a) por danos materiais, individuais por intermédio da devolução dos valores efetivamente cobrados em telefonemas interurbanos e a telefones celulares; b) por danos morais, individuais mediante o desconto de 5% em cada conta, já abatido o valor da devolução dos participantes de aludido plano, por período igual ao da duração da cobrança indevida em cada caso;c) por dano moral difuso mediante prestação ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina; d) realização de levantamento técnico dos consumidores e valores e à operacionalização dos descontos de

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ambas as naturezas; e) informação dos descontos, a título de indenização por danos materiais e morais, nas contas telefônicas.6.- Recurso Especial improvido, com determinação (n. 5 supra).(REsp 1291213/SC, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/08/2012, DJe 25/09/2012)

CIVIL E PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE. RELAÇÃO DE CONSUMO. PROPAGANDA ENGANOSA. CONSUMIDORA. ATRAÍDA. CELULAR. MODIFICAÇÃO CONTRATUAL. DANO MORAL. COMPROVADO. VALOR INDENIZATÓRIO. REDUÇÃO. PATAMAR RAZOÁVEL. INTERVENÇÃO DO STJ. NECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.(AgRg no Ag 1045667/RJ, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 06/04/2009)

Dessarte, impõe-se a restauração da sentença na parte em que, declarando

a nulidade das promessas de compra e venda das unidades 501, 502, 503, 504, 506, 508

e 704 do empreendimento denominado “Meliá Confort Barra First Class”, condenou as

rés solidariamente: a) à restituição das quantias pagas, com correção monetária a contar

da distribuição da ação e incidência de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação; e

b) ao pagamento de R$ 17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais) para cada um dos

autores, a título de danos morais, a ser corrigida monetariamente e acrescida de juros de

mora de 1% ao mês, a contar da intimação da sentença.

11. Os demais recursos, que versam sobre o valor irrisório dos honorários

advocatícios fixados pelo Tribunal, encontram-se prejudicados.

12. Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso especial de Antônio

Rogério Saldanha Maia para determinar a anulação do negócio jurídico e a restituição

dos valores pagos, na forma e com os consectários da sentença, bem como o

pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$17.500,00 para cada autor,

também tal como estabelecido na sentença de piso. Indenização por lucros cessantes na

razão da média da rentabilidade do prédio vizinho correlato, durante o tempo que mediou

a interdição e o funcionamento do edifício anexo, descontados os valores eventualmente

percebidos durante esse interregno temporal. Os réus são solidários na condenação.

Honorários advocatícios consoante fixados na sentença (10% sobre o valor

da causa).

Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2010/0058615-4 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.188.442 / RJ

Números Origem: 20042090036419 200700155440 200802467398 200802467604 200802695978 200813510695

PAUTA: 06/11/2012 JULGADO: 06/11/2012

RelatorExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. HUGO GUEIROS BERNARDES FILHO

SecretáriaBela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA E OUTROSADVOGADOS : WALTER DE OLIVEIRA MONTEIRO E OUTRO(S)

MÔNICA GOES DE ANDRADE MENDES DE ALMEIDA E OUTRO(S)RECORRENTE : GAFISA S/A E OUTROADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS AMORIM E OUTRO(S)RECORRENTE : BANCO BBM S/A E OUTROSADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)RECORRIDO : OS MESMOSRECORRIDO : MELIÁ BRASIL ADMINISTRAÇÃO HOTELEIRA E COMERCIAL LTDAADVOGADO : DANIEL CORRÊA CARDOSO COELHO E OUTRO(S)ADVOGADA : PATRICIA VASQUES DE LYRA PESSOA ROZA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos - Compra e Venda

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). DANIANE MANGIA FURTADO, pela parte RECORRENTE: ANTÔNIO ROGÉRIO SALDANHA MAIA Dr(a). LUIZ FELIPE, pela parte RECORRENTE: GAFISA S/A Dr(a). MARCELO LAMEGO CARPENTER, pela parte RECORRENTE: BANCO BBM S/A

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia e não conheceu dos recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A, porque prejudicados, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.188.442 - RJ (2010/0058615-4)

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Sr. Presidente, quanto à

questão dos lucros cessantes, parece-me claro dos termos do acórdão recorrido

que houve, de fato, a venda de um produto como se fosse - pouco importa o rótulo -

hotel ou flat com serviços. Esses serviços eram inerentes ao imóvel, tanto pela

publicidade quanto até mesmo pelas características do próprio apartamento, o qual

não dispunha de cozinha, por pequena que fosse, sequer uma cozinha americana, o

que inviabilizaria considerar o imóvel como um apartamento destacado do conjunto.

O contrato que era misto, complexo. Havia a previsão de um pool que

permitiria que esses apartamentos ensejassem um rendimento mensal e havia um

contrato de locação com essa empresa administradora, que, por sua vez, o

sublocava a qualquer interessado em hospedagem. E havia a previsão de um

aluguel mínimo, ou seja, para aquele apartamento que estivesse no pool, mesmo

que não tivesse havido a sublocação, haveria um rendimento mínimo. Na época de

baixa temporada, por exemplo, isso garantiria pelo menos que o proprietário tivesse

uma renda mínima. E fora contratado que o imóvel funcionasse como um hotel ou

como um apartamento com os serviços, o que é totalmente diferente de um

apartamento sem cozinha e sem serviços.

Também ficou claro, dos fatos constantes do acórdão, que houve uma

interdição, durante certo período, de todos os serviços, ou seja, um apartamento

que não dispunha nem de uma cozinha ficou privado dos serviços previstos no

contrato. Não foi interditada a entrada no prédio, mas, na prática, ficou reduzida

substancialmente a utilização da coisa, o que, a meu sentir, prejudicou de forma

concreta a rentabilidade esperada.

Com efeito, a rentabilidade mínima deveria decorrer de fatores alheios

ao cumprimento do contrato, como, por exemplo, período de baixa temporada e não

do descumprimento da obrigação de entregar apartamento com serviços.

Verifico do acórdão recorrido o seguinte trecho:

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"Alguns esclarecimentos mostram-se oportunos.

Dois são os empreendimentos concebidos dentro de um mesmo

condomínio (Novo Mundo): Barra First Class (sub examen ) e Barra

Premium.

Por terem características muito semelhantes, nota-se, nos autos,

certa confusão documental, pois ora são juntados papéis relativos ao

Barra First, ora são juntados papéis do Barra Premium. Inclusive as

rés, por vezes, trazem precedentes jurisprudenciais que lhes foram

favoráveis, esquecendo-se de destacar o fato de se tratar de outro

empreendimento.

E o grande diferencial entre os dois projetos toca à aludida interdição

municipal, que somente atingiu o Barra First e constituiu uma causa

petendi , trazida pelos demandantes".

Verifica-se, pois, que eram dois prédios, um deles sofreu a interdição e

o outro não, e que a perspectiva empresarial de ambos era a mesma.

Consta que houve o início do funcionamento dos dois prédios e, no

final de 2003, em um dos dois, que é esse o objeto do litígio, foi interditada a

prestação de serviços. Penso que essa prestação de serviços é substancial no

caso. Começou-se, então, a cobrar, a partir de fevereiro de 2004, uma quota para a

reestruturação do empreendimento, a qual os autores não pagaram porque

obtiveram uma liminar. Com essa reestruturação do empreendimento, que consistiu

em instalar os serviços em um prédio anexo, que é denominado de Centro de

Convenções, parece-me que voltou a haver a possibilidade de utilização do imóvel,

embora com os serviços que, em vez de estarem instalados no próprio prédio,

ficaram instalados em um imóvel contíguo.

Parece-me, portanto, que nesse período de interdição - em que os

autores tiveram a seu dispor um imóvel vendido como apartamento com serviços,

sem os serviços, sem sequer a autonomia de uma cozinha, que é inerente ao

conceito de um apartamento - houve lucros cessantes a serem indenizados e não

uma mera expectativa frustrada.

Por outro lado, não penso que se possa dizer que esses lucros

cessantes seriam 1,5% (um e meio por cento) do capital investido, que foi o

parâmetro adotado pela sentença com base em um depoimento testemunhal,

porque, realmente, pode haver meses em que houvesse esse 1,5 (um e meio) de

retorno do capital, outros meses em que a temporada de turismo ou de negócios na

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Barra não estivesse tão boa.

Considero que, a partir da interdição dos serviços, até o dia em que a

empresa colocou para funcionar esses serviços no prédio contíguo, há lucros

cessantes a serem indenizados, porque houve redução objetiva e substancial das

possibilidades de utilização do bem. A partir do restabelecimento dos serviços no

prédio contíguo, não há prova de que o apartamento não tenha se destinado à sua

finalidade contratual ou de que tenha sido reduzida a rentabilidade em razão de os

serviços estarem sendo prestados em prédio anexo.

Penso que, mesmo com a reestruturação do empreendimento, não foi

sanado o vício a ponto de tirar do consumidor o direito ao desfazimento do negócio,

com base no art. 18 do CDC, porque ele comprou um apartamento com os serviços

no próprio prédio. Então, o fato de terem sido instalados esses serviços em um

prédio anexo não é suficiente para dizer que o negócio foi convalidado desde a

origem, sem possibilidade de desfazimento a critério do consumidor.

Mas, por outro lado, os lucros cessantes dependeriam de prova, não

constantes dos autos, de diminuição da rentabilidade decorrente de os serviços

estarem baseados no anexo.

Completando o raciocínio, então, se eu não aderiria ao 1,5% (um e

meio por cento) estipulado pela sentença, penso que teríamos, no próprio acórdão

recorrido, um parâmetro para fixar esses lucros cessantes nesse período, ou seja,

entre a interdição e a entrega aos compradores dos serviços, mesmo que no prédio

anexo.

Eu adoto como parâmetro o prédio gêmeo, porque eram dois prédios,

o Barra Premium e o Barra First Class, concebidos de uma forma tão semelhante

que a própria propaganda dos dois se confundia.

Penso que os autores devem ser indenizados, a título de lucros

cessantes nesse período, considerados os valores referentes à rentabilidade do

prédio vizinho, deduzidos os valores que eles receberam. Com efeito, no período

entre o final de 2003 e a data em que foram terminadas essas adaptações

necessárias aos serviços, eles receberam, de fato, uma rentabilidade mínima. Isso

tem que ser deduzido. Então, o valor dos lucros cessantes deve ser apurado em

liquidação de sentença, verificando-se quanto de lucratividade tiveram, em cada

mês, os proprietários de imóveis semelhantes no prédio gêmeo, no prédio que não

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Page 31: Superior Tribunal de Justiça · 1. Antônio Rogério Saldanha Maia e outros ajuizaram ação de "anulação de contratos, cumulada com perdas e danos materiais e morais" em face

Superior Tribunal de Justiça

teve embargo municipal, é o que presumo teria sido a lucratividade do prédio

embargado. Daí, deduz-se o que eles receberam. Seria essa a diferença.

Em síntese, estou concedendo os lucros cessantes relativos apenas

ao período em que ficaram interditados os serviços. Eles cessam a partir do

momento em que os serviços voltaram a funcionar no prédio anexo. A delimitação

do período deverá ser feita na liquidação.

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