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56 Nelson Mandela POR QUE NELSON é NOMEADO? Nelson Mandela é nomea- do à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por uma vida de lutas pela libertação das crianças sul-africanas, durante o Apartheid, e pelo grande apoio aos seus direitos. Depois de 27 anos de prisão, ele foi o primeiro presidente democratica- mente eleito na África do Sul – um país onde hoje, pela primeira vez, crianças de todas as cores desfru- tam os mesmos direitos. Nelson continua a ajudar as crianças sul-africanas e a exigir que seus direitos sejam respeitados. Ele diri- ge sua própria fundação – a Nelson Mandela Children´s Fund, NMCF (Fundo Nelson Mandela para Crianças) – que ajuda crianças cujos pais morre- ram de Aids, crianças de rua, crianças com necessi- dades especiais e crianças pobres. Quando presiden- te, ele doou a metade do próprio salário à crianças pobres, e quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, doou parte do prêmio às crianças de rua. Nelson não só deseja que todas as crianças se sintam ama- das, também quer ofere- cer-lhes um futuro melhor. É por isso que ele lhes dá apoio para que tenham a oportunidade de desenvol- ver os seus talentos. O pai de Graça Machel morreu antes dela nascer e sua mãe teve que prover sozinha para os sete filhos: Graça e seus seis irmãos. Antes da sua morte, o pai dissera que aquela criança na barriga da mãe deveria ir à escola. Assim, quando Graça completou sete anos, entrou para a primeira série. Sua profes- sora se chamava Ruth e era uma missionária norte- americana. Todas as crian- ças tinham medo dela. Mas a pequena Graça escreveu uma carta à Ruth, agradecendo por tudo o que havia aprendido. Graça ganhou uma bol- sa para estudar na capital, Maputo. Aos domingos, ela frequentava a igreja e acha- va injusto que apenas os meninos pudessem liderar o grupo de jovens da paró- quia. Ela se levantou na igreja e de pé exigiu direitos iguais para as meninas. Do lado das crianças Quando Graça era criança, Moçambique era ainda uma colônia portuguesa e quase todos os africanos eram pobres. Graça come- çou a lutar pela liberdade do país. Como os portugue- ses queriam colocá-la na prisão, Graça foi obrigada a se refugiar na Tanzânia. Em uma missão secreta no norte de Moçambique ela conheceu Samora Machel, líder do movimento de libertação. Os dois se casaram em 1975, ano em que Moçambique conquis- tou sua independência. Samora tornou-se presi- dente de Moçambique e Graça, Ministra da Educação. Muitas crianças começaram a frequentar a escola nessa época, mas logo começaria uma nova guerra. Em 1986, Samora morreu em um misterioso acidente de avião. Alguns anos depois, Graça começou a trabalhar na ONU, informando ao mun- do sobre a situação das crianças vítimas da guerra. Ela queria ajudar, especial- mente, as crianças soldados e as crianças feridas em explosões de minas. Graça era capaz de se confrontar com quem fosse, sempre que os direitos da criança esta- vam em questão. Logo que foi assinado o acordo de paz em Moçambique, começa- ram os trabalhos da ONU de busca e desativação de minas. Graça fundou a organiza- ção FDC (Fundação para o Desenvolvimento Comuni- tário), em Moçambique, que tem como objetivo realizar um trabalho de prevenção de doenças infantis fatais. – “Nós compramos vaci- nas e fazemos o possível para que crianças não mor- ram de doenças que podem ser evitadas’, ela conta. Graça ajuda também as Graça Machel e Nelson Mandela são casados. Eles são os melhores amigos das crianças de Moçambique e da África do Sul. Eles levantam suas vozes contra a violação dos direitos da criança sempre que necessário. Ambos dirigem organiza- ções que trabalham para ajudar crianças em difi- culdades e promover a garantia de seus direitos. TEXTO: ANNIKA FORSBERG LANGA FOTO: LOUISE GUBB Nomeados – Páginas 56–63

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zimbábue m o ç a m b i q u e raça Machel não conheceu seu pai. Ele morreu três semanas antes do seu nascimento. Por isso, seu segundo nome é ‘Despedida’. A família era pobre e, quando o pai faleceu, a mãe se viu sozinha com sete filhos: Graça e seus seis irmãos. Antes da sua morte, o pai dissera que aquela criança na barriga da mãe deveria ir à escola. Aos sete anos, Graça entrou para a primeira série em Inhambane. Sua professora se cha- mava Ruth e era uma namíbia 56

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Nelson Mandela & Graça MachelPor que NelsoN é NoMeado? Nelson Mandela é nomea-do à Herói dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por uma vida de lutas pela libertação das crianças sul-africanas, durante o Apartheid, e pelo grande apoio aos seus direitos. Depois de 27 anos de prisão, ele foi o primeiro presidente democratica-mente eleito na África do Sul – um país onde hoje, pela primeira vez, crianças de todas as cores desfru-tam os mesmos direitos. Nelson continua a ajudar as crianças sul-africanas e a exigir que seus direitos sejam respeitados. Ele diri-ge sua própria fundação – a Nelson Mandela Children´s Fund, NMCF (Fundo Nelson Mandela para Crianças) – que ajuda crianças cujos pais morre-ram de Aids, crianças de rua, crianças com necessi-dades especiais e crianças pobres. Quando presiden-te, ele doou a metade do próprio salário à crianças pobres, e quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, doou parte do prêmio às crianças de rua. Nelson não só deseja que todas as crianças se sintam ama-das, também quer ofere-cer-lhes um futuro melhor. É por isso que ele lhes dá apoio para que tenham a oportunidade de desenvol-ver os seus talentos.

o pai de Graça Machel morreu antes dela nascer e sua mãe teve

que prover sozinha para os sete filhos: Graça e seus seis irmãos.

Antes da sua morte, o pai dissera que aquela criança na barriga da mãe deveria ir à escola. Assim, quando Graça completou sete anos, entrou para a primeira série. Sua profes-sora se chamava Ruth e era uma missionária norte-americana. Todas as crian-ças tinham medo dela. Mas a pequena Graça escreveu uma carta à Ruth, agradecendo por tudo o que havia aprendido.

Graça ganhou uma bol-sa para estudar na capital, Maputo. Aos domingos, ela frequentava a igreja e acha-va injusto que apenas os meninos pudessem liderar o grupo de jovens da paró-quia. Ela se levantou na igreja e de pé exigiu direitos iguais para as meninas.

do lado das criançasQuando Graça era criança, Moçambique era ainda uma colônia portuguesa e quase todos os africanos eram pobres. Graça come-çou a lutar pela liberdade do país. Como os portugue-ses queriam colocá-la na prisão, Graça foi obrigada a se refugiar na Tanzânia.

Em uma missão secreta no norte de Moçambique

ela conheceu Samora Machel, líder do movimento de libertação. Os dois se casaram em 1975, ano em que Moçambique conquis-tou sua independência.

Samora tornou-se presi-dente de Moçambique e Graça, Ministra da Educação. Muitas crianças começaram a frequentar a escola nessa época, mas logo começaria uma nova guerra. Em 1986, Samora morreu em um misterioso acidente de avião.

Alguns anos depois, Graça começou a trabalhar na ONU, informando ao mun-do sobre a situação das crianças vítimas da guerra. Ela queria ajudar, especial-mente, as crianças soldados e as crianças feridas em explosões de minas. Graça era capaz de se confrontar com quem fosse, sempre que os direitos da criança esta-vam em questão. Logo que foi assinado o acordo de paz em Moçambique, começa-ram os trabalhos da ONU de busca e desativação de minas.

Graça fundou a organiza-ção FDC (Fundação para o Desenvolvimento Comuni-tário), em Moçambique, que tem como objetivo realizar um trabalho de prevenção de doenças infantis fatais.

– “Nós compramos vaci-nas e fazemos o possível para que crianças não mor-ram de doenças que podem ser evitadas’, ela conta.

Graça ajuda também as

Graça Machel e Nelson Mandela são casados. eles são os melhores amigos das crianças de Moçambique e da África do sul. eles levantam suas vozes contra a violação dos direitos da criança sempre que necessário. ambos dirigem organiza-ções que trabalham para ajudar crianças em difi-culdades e promover a garantia de seus direitos.

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Nelson Mandela & Graça MachelPOR QUE GRAÇA É NOMEADA? Graça Machel é nomeada à Heroína dos Direitos da Criança da Década do WCPRC 2009 por sua longa e corajosa luta pelos direitos da criança, principalmente em Moçambique. Ela lutou pelo direito das meninas de frequentar a escola. Quando foi Ministra da Educação, o número de estudantes nas escolas de Moçambique aumentou 80%. A meta de Graça é ter nas escolas o mesmo número de meninos e meninas. Nas áreas rurais, a maioria das meninas tem que trabalhar e é obrigada a se casar muito jovem. Por isso, Graça fundou um grupo de teatro para conscientizar os pais sobre a importância da educação para as meni-nas. Graça construiu escolas em comunidades onde estas não existiam ou onde a quantidade não era sufi cien-te. Depois das enchentes de 2000, Graça e sua organiza-ção – FDC (Fundação para o Desenvolvimento Comunitário) - doaram novos livros escolares aos alunos e realocaram famílias em novas casas. Graça também luta contra todas as formas de violência e abusos contra crianças. Graça trabalhou internacionalmente, ajudan-do crianças vítimas da guer-ra e no combate ao tráfi co de crianças.

crianças que não têm recur-sos a frequentar a escola.

– “Eu conheço bem a vida dessas crianças. Eu também fui uma menina pobre’, con-ta Graça.

Graças a seus esforços, em breve, metade dos estudan-tes das escolas moçambica-nas serão meninas. Antes, as famílias mandavam apenas os fi lhos homens à escola. As meninas tinham que fi car

em casa, trabalhando nas tarefas domésticas.

Salário para as criançasGraça Machel se casou com Nelson Mandela quando ele completou 80 anos. Ambos amam as crianças e empe-nharam suas vidas na luta pelos seus direitos. Nelson também cresceu em uma família pobre. Quando foi para a grande cidade de Joanesburgo, se deparou com o Apartheid, que signi-fi ca ‘segregação’. Os negros e os brancos viviam separa-dos e os negros eram maltra-tados.

Nelson tinha horror à injustiças e não podia acei-tar que uma pessoa fosse tratada de forma diferente por causa da cor de sua pele. Ele não queria ver seus fi lhos – e todas as outras crianças da África do Sul – crescerem sob o Apartheid. Ele disse que estava disposto a dar a própria vida para que as crianças tivessem um futuro melhor. Sua luta contra o Apartheid e pela liberdade das crianças sul africanas custou-lhe 27 anos de pri-são!

Nelson tinha 72 anos quando foi posto em liberda-de. Apesar dos maus tratos de que foi vítima, ele não queria se vingar dos respon-sáveis pelo Apartheid. Ele queria que brancos e negros

vivessem em paz, para cons-truir juntos um futuro melhor.

Em 1993, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, Nelson declarou:

– “Os fi lhos da África do Sul brincarão em campo aberto, sem serem tortura-dos pelas dores da fome e das doenças, e sem sofrerem ameaças de agressões. As crianças são nosso maior tesouro’.

Em 1994, Nelson Mandela foi eleito presiden-te da África do Sul e fez com que todas as leis injustas fos-sem suspensas. Hoje as crianças brancas e negras podem ser amigas, e todos têm direitos iguais.

Mas Nelson Mandela não parou por aí. Quando era presidente, ele doava a meta-de do seu próprio salário para as crianças pobres e, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, doou uma parte do prêmio para ajudar as crianças de rua.

Atualmente, Nelson Mandela está aposentado e dirige sua própria fundação, a Nelson Mandela Children s Fund, NMCF (Fundo Nelson Mandela para Crianças), que ajuda crianças cujos pais morre-ram de Aids, meninos de rua, crianças com necessida-des especiais e crianças pobres.

No www.worldschildrens-prize.org você poder ler a história em quadrinhos “O Pimpinela Negro” sobre toda a vida de Nelson Mandela.

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Graça e MandelaNós“Graça Machel é a mulher mais corajosa do mundo. Não tem medo de nada e sempre ajuda as crianças. Especialmente aquelas que passam por difi culdades, como as crianças de rua. Eu li no jornal que o Mandela também é assim. Ele ajudou muito a África do Sul.” Faustino, 10, Maputo

“Eu amo o Mandela. Eu e ele fazemos aniversário no mes-mo dia. Um dia, eu lhe mandei um cartão de aniversário e lhe perguntei se queria ser meu pai adotivo.” Kefi loe, 10, Soweto

“Graça Machel realmente ama as crianças. Ela constrói escolas e protege as crianças da Aids. Ela se veste super bem também. Um dia, ela visi-tou a nossa escola. Quando cantamos para ela, fi cou tão feliz que começou a dançar.” Lina, 13, Changalane

“Mandela lutou pelos nossos direitos e salvou nosso país. A vida seria muito difícil hoje, se ele não tivesse nos ajuda-do. Se eu o encontrasse, diria assim: – Prazer em conhecê-lo e obrigado por nos ter dado a liberdade!” Zanele, 12, Soweto

“Nelson Mandela tem um bom coração. Ele ajuda as crianças com defi ciências físicas e mostrou que o povo pode mudar para melhor. Ele esteve preso durante 27 anos, mas não pensou em vingança. O que queria era a paz e mos-trar que os negros e os bran-cos podem viver lado a lado. Acho fantástico!” Phumeza, 14, com necessidades especiais, e Alexandra

“Mamãe Graça nos mostrou o cami-nho para o futuro. Ela é a prova de que as meninas podem fazer tudo o que os meninos fazem. Ela me aju-dou a ser a pessoa que sou hoje.” Anabela, 14, Chaukwe

“Para mim, Nelson Mandela é um herói. Ele sempre acredita no melhor das pessoas e confi a nas crianças. Ele sabe que as crianças têm talento e que podem ter êxito, basta que lhes seja dada uma oportunidade. Tê-lo aqui é uma sorte.” Abae, 12, Sebokeng

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Graça e Mandela O maior presente de Mandela às crianças

Liberdade e igualdade de direitos

Crianças do apartheid

O maior presente de Nelson Mandela às crianças da África do Sul foi sua longa luta pela liberdade e pela igualdade de direitos dessas crianças. Essa luta lhe custou 27 anos de cárcere. Peliswa nos conta como era a vida, durante o Apartheid na África do Sul. As crianças negras eram maltrata-das, frequentavam as piores escolas e tinham que viver separadas dos pais.

Gogo Somlayi, prima Babalwa, mãe Nomonde e Pelizwa.

Eu moro em Khaye-litsha, na periferia da Cidade do Cabo, na

África do Sul. Eu pedi à minha mãe e à minha Gogo (avó materna) que explicas-sem o que era o Apartheid. Como vocês podem imagi-nar, na minha vida nunca houve Apartheid e não há nada que eu seja proibida de fazer só por ser negra.

A história da avóMinha avó conta que veio de Transkei para a Cidade do Cabo. Transkei era uma pobre ‘terra natal’, assim o governo do Apartheid cha-mava estes lugares onde os negros eram obrigados a

Racismo legalizado O racismo sempre existiu e ainda hoje existe no mundo inteiro. Porém, durante o século XX, havia mais do que apenas racismo na África do Sul. Nesse país, em 1948, o racismo foi legalizado e recebeu o nome de Apartheid.

Apartheid Apartheid quer dizer ‘segre-gação’ em africânder. Os negros e os brancos eram mantidos separados uns dos outros. O Apartheid era um

racismo legalizado, apoiado pelo governo, pelas leis e pelos tribunais de justiça.

Famílias proibidas O casamento entre negros e brancos era ilegal. Se um negro e um branco tivessem um fi lho juntos, ele era chama-do de ‘criança de cor’ e era obrigado a morar com quem fosse negro, o pai ou a mãe. Se a polícia descobrisse que os pais viviam juntos, estes eram processados e, às vezes, presos.

Lares ilegais A África do Sul foi dividida em áreas de brancos e áreas de negros. Milhões de crianças e suas famílias viram-se força-das a abandonar suas casas nas áreas de ‘brancos’, para se mudarem para os guetos de ‘negros’. Nesses lugares, o desemprego massivo obri-gava os chefes de família a deixarem seus fi lhos com parentes, em busca de traba-lho longe dali, nas residências dos brancos, na agricultura e nas fábricas. Muitas crianças negras viam seus pais apenas no Natal.

Escolas pobres para negros As escolas nos guetos ‘negros’ eram muito pobres. As crianças tinham que compartilhar as carteiras esco-lares e, com fre-quência, mais de 60 estudantes se empilhavam numa única sala de aula ou embaixo de alguma árvore. As crianças negras eram proibidas de

viver. Naquela época, todos os negros tinham que portar passes quando saíam de suas ‘terras natais’. O passe per-mitia-lhes transitar nas áre-as destinadas aos brancos. Minha avó não tinha esse passe, mas mesmo assim, foi de ônibus para a Cidade do Cabo e conseguiu trabalho na casa de uma senhora branca.

– Todos os dias, eu saía de casa às seis horas da manhã da favela em que vivia, pois às oito horas começava o controle de passes dos passa-geiros dos ônibus. Se você não tivesse um passe, levava uma surra e ia para a prisão. Depois, deportavam as pes-soas de volta para Transkei, onde acabavam passando fome, lembra Gogo.

Como um cão– Um dia, vi pela janela um inspetor na rua. Ele percor-ria todas as casas para con-trolar os passes das empre-gadas. Telefonei para a Madame, minha patroa. Ela mandou que eu me escon-

desse atrás de um armário até que ela voltasse para casa. Quando ela chegou, escutei-a dizendo ao inspe-tor que havia apenas um cão dentro de casa.

– Assim era a nossa vida, naquela época. Nós carregá-vamos os fi lhos dos brancos nas costas e os educávamos, enquanto nossos próprios fi lhos tinham que fi car sozi-nhos na ‘terra natal’.

A história da mãeMinha mãe cresceu em Transkei, na casa da mãe da Gogo, minha bisavó, que morreu enquanto minha avó trabalhava para os brancos. Então, minha mãe foi morar na casa de uns vizinhos em Transkei. Ela só podia encontrar Gogo no Natal.

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Nessas datas, Gogo trazia para ela as roupas velhas das crianças que ela cuidava.

– Eu nunca fui tão próxi-ma da minha mãe como eu e você somos. Eu sentia falta dela e quando minha Gogo morreu, fi quei praticamente órfã. Eu sabia que minha mãe cuidava de crianças brancas, longe de casa. Quando fi z onze anos, ela veio me buscar e passamos a morar juntas na favela.

– Um dia eu a acompanhei ao trabalho para ajudá-la a polir a prata da Madame. Quando chegamos à esta-ção de trem na área para brancos, pude ler cartazes por toda parte que diziam: ‘Exclusivamente para bran-

cos’. Eles estavam em todos os lugares: em ônibus, por-tas, lojas, bancos de praça. Achei muito estranho que os brancos não quisessem que nós, negros, nos sentássemos em seus bancos. Mamãe me explicou que nós nunca podíamos desobedecer aque-las ordens. Caso contrário, a polícia ou qualquer branco poderia nos bater. Mamãe me proibiu também de usar os copos da casa da Madame. Ela me disse que poderia perder o emprego. Eu bebia água de um pote de geléia que mamãe havia lava-do para mim.’

Adolescente revoltadaFoi nessa época que mamãe escutou falar de Nelson Mandela pela primeira vez. Ela viu uma fotografi a em

que negros fugiam de uma tenda onde fi cavam os tra-balhadores das minas de ouro. Gogo explicou que a polícia tinha chegado para agredir um grupo de mani-festantes, que protestavam contra o uso obrigatório dos passes. Gogo me contou que meu avô trabalhava nas minas, por isso nunca o vía-mos. Aquelas tendas eram como prisões para os escra-vos. Gogo me contou que Mandela era o presidente do CNA (Congresso Nacional Africano) que liderava os protestos.

Minha mãe me contou que durante a sua infância, ela vivenciou todas as coisas terríveis que o Apartheid fez contra as crianças. Quando chegou à adolescência, tinha muita raiva. Em 1976,

ela e milhares de crianças protestaram contra o baixo nível do sistema educacional para crianças negras. As escolas eram muito pobres e tinham alunos demais.

– Estávamos tão revolta-dos que decidimos lutar com todos os meios, para terminar de vez com o Apartheid. Na manhã de 16 de junho de 1976, eu e meus amigos nos juntamos atrás do barraco onde moráva-mos e fabricamos bombas com areia, gasolina, fósfo-ros e um pedaço de pano, que colocamos dentro de uma garrafa de Coca-Cola.

A história da minha primaMinha prima Babalwa é muito mais velha do que eu. A mãe dela era membro do CNA e deixava Babalwa e a

frequentar as escolas das crianças brancas. Além disso, as escolas para ‘negros’ con-tavam com poucos recursos e a meta do ensino era prepará-las para trabalharem para os brancos. Em 1975, o governo investia 42 rands na educação de cada criança negra e 644 rands, isto é, 15 vezes mais, na de cada criança branca.

Trabalho infantil Milhares de crianças trabalha-vam em fábricas e nas fazen-das de brancos. Elas eram mal alimentadas, mal remune-radas pelo seu trabalho e nun-ca iam à escola.

Preso por não ter passe Os negros eram obrigados a carregar um passe, denomi-nado ‘dompas’, que signifi ca ‘passe estúpido’. Se fossem pegos sem o passe, eram presos ou enviados de volta às ‘áreas dos negros’, perden-do, assim, seus empregos.

Crianças na Prisão Milhares de crianças foram às ruas porque não tinham um lar para viver. Elas formaram gangues de rua e criaram ‘famílias’ sem adultos. Elas tinham que roubar para comer e foram coloca-das na prisão por furto.

Apartheid em todo lugar Uma lei de 1953 tornou ilegal para crianças negras e seus pais o uso de ônibus, parques, bancos, banheiros públicos,

Crianças trabalhavam pulverizando o campo sem nenhum tipo de proteção contra os agrotóxicos.

Muitas vezes, havia mais de 60 crianças em cada sala de aula, nas escolas pobres para crianças negras.

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irmã sozinhas em casa, para ir a reuniões secretas, já que o CNA era uma organização clandestina. Babalwa conta:

– Quando mamãe viajou para uma reunião, nos disse para não abrirmos a porta para ninguém. Tínhamos muito medo, pois sabíamos que muitos tinham desapa-recido quando foram captu-rados pela polícia. O que aconteceria se a polícia vies-se e nos perguntasse onde estava nossa mãe? E se não lhes respondêssemos, sería-mos presas? Conhecíamos muitas crianças que, quando se recusaram a cooperar, tinham apanhado da polícia e sido postas na prisão.

Minha históriaEu nunca fi z protestos, nun-ca me escondi e não perdi minha mãe no Apartheid. Quando eu nasci, Mandela já estava livre e o CNA não era mais proibido. Hoje posso crescer e desfrutar da liberdade pela qual meus pais e Mandela lutaram tanto.

Nelson Mandela é tam-bém meu herói, porque ele se preocupa com todas as víti-mas do HIV/Aids. Ele fala em favor das famílias e crianças atingidas pelo vírus e, como é muito famoso, todos o escutam.

lojas, hotéis, restaurantes e muitos outros serviços desti-nados apenas aos brancos. A sinalização dizia: ‘Somente brancos’.

Parentes no exílio As organizações políticas dos negros, incluindo o CNA de Mandela, eram banidas. Centenas de pais tiveram que deixar o país e milhares foram presos. Muitos adultos tinham que viver viajando para esca-par da polícia. Como resultado, milhares de crianças tiveram que ser criadas pelas avós, enquanto seus pais lutavam contra o apartheid.

Protesto nas escolasEm 16 de junho de 1976, estudantes negros fi zeram um protesto contra a baixa quali-dade do ensino para os negros. A polícia respondeu com tiros e bombas de gás lacrimogêneo. Hector Pieterson, de 13 anos, foi assassinado. Hoje, na África do Sul, o dia 16 de junho é feriado nacional, em homena-gem a todos os jovens que perderam a vida na luta contra o Apartheid.

* Na África do Sul, muitos chamam Mandela de Madiba.

Leia a história em quadrinhos de Mandela na íntegra no www.worldschildrensprize.org

Nelson Mandela com crianças que hoje possuem direitos iguais, na inauguração do Fundo Nelson Mandela para Crianças, NMCF.

Crianças que foram presas porque protestavam contra o apartheid.

Violência con-tra crianças Os protestos estudantis conti-nuaram por 15 anos, até o fi m do Apartheid. A polícia e os mili-tares usaram de violência contra jovens e crian-ças. Muitos deles foram pre-sos, torturados e assassinados.

Pais encarcerados Os negros sul-africanos sentiam-se revoltados com as injustiças cometidas contra eles. Era-lhes impossível cuidar dos próprios fi lhos. Havia poucos hospi-tais pediátricos nos guetos negros para atender às crianças doentes. As mora-dias e as escolas eram pobres e não havia áreas de lazer. Os negros, então, se reuniam em grupos anti-Apartheid e protestavam. Milhares de crianças per-deram seus pais, que foram assassina-dos ou presos porque protestaram.

Não podemos viver como gatos gordos enquanto tantas crianças passam fome. Um terço do meu salário de presidente vai para o Fundo para Crianças.

Eu vi como o apartheid tornou difícil a vida de tantas crianças e criei o Fundo Nelson Mandela para Crianças.

Madiba, você pensa em todas as crianças sem lar. O Fundo Mandela é a melhor idéia que alguém já teve.

Madiba*, você deu 27 anos da sua vida pela minha vida.

Madiba, agora posso ir a qualquer escola graças a você.

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Leoa

Graça Machel e sua organização – FDC – trabalham para cessar a vio-lência e os abusos contra crianças. Fernando é uma das crianças que sofreu em consequência da violência dos adultos.

– Uma vez, meu professor ficou tão irritado comigo, que pegou uma bengala e começou a bater nas minhas mãos. Eu estava conversando com o colega ao lado e o professor ficou furioso. Ele bateu sem parar, até que errou a mira e golpeou o meu antebraço. Um médico me exami-nou e constatou que o meu braço estava fraturado.

O maior pesadelo de Leoa é ser obrigada a se casar contra a sua

vontade. Ela preferiria se formar na escola e conse-guir um bom trabalho. Seus pais, porém, são pobres e a menina teme que eles acei-tem a proposta de casamen-to do desconhecido.

Leoa suplicou aos pais e lhes explicou que sonhava em poder cursar o ensino médio para conseguir um bom emprego. A mãe de Leoa nunca foi à escola e não sabe ler nem escrever. O pai só estudou por pouco tempo. Mesmo assim, ambos compreenderam a

filha e disseram ao homem que ela era jovem demais para se casar.

A escola de Graça MachelLeoa mora na aldeia Metuge, ao norte de Moçambique. Como a maioria das famílias ali são pobres, quase nenhuma

menina acima de 12 anos tem permissão para ir à escola. Assim que escutou falar no problema, Graça Machel decidiu construir quatro novas escolas na aldeia. Assim, ninguém poderia dizer que as salas de aula estavam lotadas e que só havia lugar para os meninos.

Mas apenas construir escolas não era o bastante. Alguns pais não estavam convencidos do quanto a escola era importante para as meninas. Então, Graça fundou um grupo de teatro,

Certa noite, um homem foi visitar a casa de Leoa. Ela não o conhecia, mas sabia bem o que ele queria. Dois anos antes, um estranho estivera na casa de uma amiga dela e lhe pedira em casamento. Os pais da amiga consentiram e ela se casou contra a sua própria vontade.

– Foi horrível, ela só tinha doze anos. Agora ela tem um bebê e o marido a proibiu de ir à escola, conta Leoa.

vai à escola de Graça

O professor quebrou o braço de Fernando

Leoa e a melhor amiga Juliana a caminho da escola.

Leoa na escola.

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Mandela e as crianças de ruaUma manhã, antes de Nelson Mandela se tornar presi-dente, ele caminhava pelas ruas da Cidade do Cabo, quando avistou alguns meninos de rua que, na calça-da, se despertavam.

Nelson foi conversar com eles. Ele acabara de rece-ber o Prêmio Nobel da Paz e tinha decidido doar gran-de parte da quantia do prêmio para as crianças de rua da África do Sul. Os meninos lhe perguntaram porque ele os amava tanto. Nelson achou a pergunta bastante estranha. Ele respondeu que todo mundo gostava de crianças.

Os meninos não concordaram, pois tinham acaba-do nas ruas exatamente porque ninguém os amava. Nelson pensou que aquilo era uma tragédia e não conseguia parar de pensar naqueles meninos. Ele queria fazer algo a mais para ajudá-los. Quando foi eleito presidente em 1994, Nelson Mandela criou um fundo para ajudar as crianças abandonadas e órfãs.

Quando a água inundou Chaukwe, Carlitos, 13 anos, estava sozinho em casa. – Eu fiquei muito preocupado com meus irmãos e minha mãe.

A família de Carlitos conseguiu se salvar, mas a casa fora levada pela inundação. A família não tinha recursos para construir uma nova casa e Carlitos viu-se forçado a morar em uma barraca feita de gravetos e sacos plásticos. Ali, o menino viveu até o ano passa-

do, quando Graça Machel mandou construir 206 casas para as famílias mais pobres.

A inundação destruiu tudo. Sua escola, que estava velha e trincada, desmoronou e o dire-tor pediu que as crianças ficassem em casa.

A organização de Graça Machel construiu quatro novas escolas em Chaukwe, e deu às crianças materiais escolares novos e uma biblioteca.

que encenava peças que explicavam a importância da educação para a vida das meninas.

Para Juliana Adolfo, a melhor amiga de Leoa, as peças fizeram uma diferença muito grande na sua vida. Apesar de seus pedidos insistentes, os pais lhe diziam que não tinham recursos para colocá-la na escola. Mas depois de assis-tirem à peça, mudaram de idéia, e o sonho de Juliana tornou-se realidade.

Atualmente, Juliana e Leoa vão juntas para a esco-

la todos os dias. Mas elas não dizem que vão à escola, e sim, que vão à Graça Machel. É assim que as cin-co escolas da aldeia Metuge são conhecidas, mesmo que, na verdade, tenham outros nomes.

“Graça Machel é minha heroína. Ela se preocupa conosco e ela encontrou uma forma de explicar às pessoas, porque é muito importante que nós, as meninas, tenhamos permis-são de ir à escola”, disse Leoa.

vai à escola de Graça

Obrigado pela casa e pelas escolas!

Leoa sempre tem muito o que fazer em casa. A grandiosa arvoré Baobá, na vila de Leoa, pode viver milhares de anos. Acredita-se que ela é mágica.

Graça construiu casas para aqueles que perderam seus lares na inundação.

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