12
Eloiza da Silva G omes de Oliveira rcia Denise Pletsh rio Lú cio de Lima Nogueira Patricia Braum picos Especiais em Educaçã o Inclusiva IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012 Ediçã o revisada

Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

Eloiza da Silva G omes de OliveiraMá rcia Denise Pletsh

Má rio Lú cio de Lima NogueiraPatricia Braum

Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusiva

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2012

Ediçã o revisada

Page 2: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

© 2006 – I ESDE Brasil S.A. É proibida a reproduçã o, mesmo parcial, por qua lque r processo, sem autorizaçã o por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP- BRASIL. CATALOG AÇ Ã O- NA- FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIV ROS, RJ __________________________________________________________________________________T634 Tópi cos especiais em educaçã o inclusiva / Eloiza da Silva G omes de Oliveira ... [ et al.] . - 1.ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 124p. : 28 c m Inclui bibliografia ISBN 978- 85- 387- 2971- 6 1. Educaçã o inclusiva. 2. Prá tica de ensino. 3. E ducaçã o e Estado. I. Oliveira, Eloiza da Silva G omes de, 1950- . 12- 4935. C DD: 371.9 CDU: 376

12.07.12 27.07.12 037430 __________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

IESDE Brasil S.A.Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

Page 3: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

SumárioEstigma e autoconceito ........................................................................................................... 5

Estigma: do que estamos falando? ............................................................................................................ 5A importâ ncia do autoconceito para o ser humano ................................................................................... 7Uma reexão sobre o estigma e a formação do autoconceito dos indivíduos portadores de necessidades especiais ................................................... 10

Dinâ mica das relaçõe s familiares ..........................................................................................13Família: visão teórica de uma instituição complexa ................................................................................14A família e o indivíduo portador de necessidades especiais ....................................................................17

A sexualidade e o indivíduo com necessidades especiais ....................................................23O desenvolvimento da sexualidade humana segundo Freud e Reich .......................................................23O indivíduo com necessidades especiais e a sexualidade ........................................................................27

A formaçã o da identidade do indivíduo com necessidades especiais ................................... 33O conceito de identidade segundo Erik E riks on ...................................................................................... 35As etapas do desenvolvimento de Erik E riks on ....................................................................................... 36O desenvolvimento da identidade do indivíduo com necessidades especiais: a importância do contexto social ........................................................................ 38E entã o, o que fazer? ................................................................................................................................. 39

O papel da escola na socializaçã o e na construçã o da cidadania do indivíduo com necessidades especiais ..............................43

A escola e o educar socializar ( re)construir ............................................................................45A escola, o professor, o aluno com necessidades especiais e o ser cidadã o .............................................46Algumas considerações finais ..................................................................................................................47

O respaldo e as bases legais para a inserçã o no mercado de trabalho ..................................49O que dizem as bases internacionais ........................................................................................................49No Brasil, qua is sã o as bases? .................................................................................................................. 52Alguns minutos para a reexão final ........................................................................................................ 55

A formação profissional na escola: oficinas protegidas e abertas ......................................... 57O que sabemos sobre oficinas protegidas ou abrigadas? ......................................................................... 58Outras consideraçõe s sobre o assunto ...................................................................................................... 61

A realidade do panorama nacional: programas de educação profissionalizante ................... 65O que fazer, como olhar esse panorama? ................................................................................................. 66Algumas propostas apresentadas no contexto nacional ........................................................................... 69Considerações finais ................................................................................................................................. 72

A visã o internacional e nacional sobre educaçã o inclusiva: o panorama real ..................... 75Panorama nacional: a realidade brasileira ................................................................................................ 75Panorama internacional ............................................................................................................................ 76Considerações finais ................................................................................................................................. 80

O que dizem as pesqui sas sobre educaçã o especial .............................................................. 81Ensino- aprendizagem ............................................................................................................................... 82Formaçã o e capacitaçã o de recursos humanos ......................................................................................... 82

Page 4: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

Atitudes e percepção de familiares e profissionais ................................................................................... 82Integraçã o e inclusã o educacional ............................................................................................................ 83Profissionalização ..................................................................................................................................... 83Autopercepçã o .......................................................................................................................................... 84Considerações finais ................................................................................................................................. 85

O ensino em ambientes informatizados ................................................................................ 87Ambientes informatizados de aprendizagem e educaçã o especial ........................................................... 87A importâ ncia e o desenvolvimento de projetos de ensino- aprendizagemem ambientes informatizados ................................................................................................................... 88Elaboraçã o de projetos em ambientes informatizados de aprendizagem ................................................. 89Considerações finais ................................................................................................................................. 90

Sof tw ar es educacionais na educaçã o especial ....................................................................... 91O que é um s of tw ar e educacional? .......................................................................................................... 91Os s of tw ar es na educaçã o especial ............................................................................................................ 93

A adaptaçã o do material tecnológi co à s necessidades especiais ........................................... 97O uso de tecnologias adaptadas ............................................................................................................... 97Estratégias de comportamento, adaptaçõe s tecnológi cas e/ou ajudas técnicaspara o desenvolvimento de pessoas com necessidades especiais ............................................................ 98Açõe s do governo no uso da tecnologia adaptada ..................................................................................100Considerações finais .............................................................................................................................. 101

A educaçã o a distâ ncia como recurso facilitador no processo ensino- aprendizagem de indivíduos com necessidades educacionais especiais .................103

A tecnologia na educaçã o ...................................................................................................................... 103Possibilidades da educaçã o a distâ ncia ................................................................................................. 105A educaçã o a distâ ncia e os portadores de necessidades educacionais especiais ...................................107

A informá tica como instrumento de comunicaçã o alternativa ............................................ 111A informá tica e a comunicaçã o ..............................................................................................................112A comunicaçã o alternativa .................................................................................................................... 113Algumas reexões à guisa de conclusão ............................................................................................... 115

Referências ......................................................................................................................... 119

Page 5: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

Estigma e autoconceito

M eus q ueridos alunos, o tema da aula de hoje é muito amplo e verdadeiramente fascinante. Ele tem grande impacto na compreensã o dos aspectos psicossociais q ue afetam as interaçõ es com pessoas portadoras de necessidades especiais. Trata- se da relaçã o entre estigma e

autoconceito.

Unir dois conceitos tã o fundamentais para a vida de todos nó s implica tocar em atitudes profundamente arraigadas dentro e fora da escola, em preconceitos e em estereót ipos.

Para facilitar a nossa tarefa, vamos começar delineando os dois conceitos, dentro do espírito bastante amplo, rico e variado, q ue bem posiciona Bartolomeu Campos de Carvalho, ao falar das lei tu r as feitas pela escola:

A escola não percebe que a literatura exige do leitor uma mudança, uma transferência movida pela emoção. Não importa o que o autor diz, mas no que o leitor o ultrapassa. E a literatura é feita de palavras, e é necessá rio um projeto de educação capaz de despertar o sujeito para o encanto das palavras. Eles não descobriram, por exemplo, que toda palavra é composta. Q uando se diz a palavra pai , sei que cada indivíduo ouvinte adjetiva essa palavra com sua experiência. Para alguém, pai é aquele que o abandonou, para outros, o que adotou, para outros, o que eles não conheceram, e assim por diante. Nenhuma palavra é solitá ria. Cada palavra remete o leitor ou o ouvinte para além de si mesma. Haverá tarefa mais significativa para a escola do que esta de sensibilizar o sujeito para desvendar as dimensõe s da palavra? Por ser assim, trabalhar com a palavra é compreender seus deslimites e apresentar para o leitor um convite para adivinhar o que está obscuro no texto e só ele pode desvendar. ( 2002, p. 37)

Com a beleza das palavras do autor, pretendemos iniciar o nosso tema de hoje sensibilizando- os nã o apenas para as palavras es ti gm a e aut oc onc ei to , mas para os seus de s li m i tes , para a metá fora que fica além do escrito e que abre portas para muitas e infinitas paisagens, como diz esse autor em outro ponto do texto.

Parafraseando Carvalho, quando se ouve a expressão i n d i v í d u o s c o m n ec es s i d ad es es p ec i ai s , nó s as adjetivamos de diferentes maneiras. Para uns, a leitura é de i n d i v í d u o s d i f er en tes , à medida q ue todos somos diferentes, mas com o mesmo direito à cidadania; para outros, pobr es i nf eli z es , qu e pr ec i s am de c ar i dade e aj uda ; para outros ainda, pessoas que nã o gostam de ver, pois trazem à consciência as própr ias limitaçõe s e fragilidades.

Estigma: do que estamos falando?Nã o se pode falar em estigma sem lembrar Erving G offman, sociól ogo canadense famoso pelo

seu estudo, entre outros temas, da interaçã o humana, das instituiçõe s totais e do estigma.

A palavra es ti g m a, que significa m ar c a o u i m p r es s ã o , é empregada, desde os gregos, como indicativo de uma de ge ne r es c ê nc i a: os estigmas do mal, da loucura, da doença. A obra de G offman, intitulada E s ti g m a: n o tas s o b r e a m an i p u laç ã o d a i d en ti d ad e d eter i o r ad a (1988), reexamina os conceitos de estigma e identidade social, o alinhamento grupal e a identidade pessoal, o eu e o outro.

Segundo o autor, o estigma pode se apresentar numa dupla perspectiva:

a característica q ue distingue o estigmatizado é conhecida ou imediatamente evidente. Temos, entã o, o indivíduo d es ac r ed i tad o – esse é o caso do indivíduo portador de necessidades especiais; 5

Page 6: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

a característica q ue distingue o estigmatizado nã o é conhecida nem imediatamente perceptível – temos, nesse caso, o indivíduo d es ac r ed i tá v el – que é a situação dos ex-presidiários ou das pessoas que já sofreram instituciona liza çã o f ec hada .1

A q uestã o sensível, q ue gostaríamos de destacar, é q ue, no nível cognitivo, o indivíduo acaba por absorver os elementos significativos do discurso estigmatizante.

Como esse mecanismo é autorreexivo, ele se reete no sujeito estigmatizado. A característica socioló gica fundamental dessa situaçã o de portador de um estigma é a de possuir “ um traço q ue pode se impor à atençã o e afastar aq ueles q ue ele encontra, destruindo a possibilidade de atençã o para outros atributos seus” ( G OFFMAN, 1988, p. 14) .

Isso nos faz lembrar as colocaçõe s de Paulo Freire ( 1976) sobre a dialética entre opressor e oprimido: o próprio oprimido acaba por justificar ou ac ei tar , de certa forma, as posiçõe s rigidamente estabelecidas e mantidas, a qua lqu er custo, pelo opressor.

No caso do estigma, o sujeito desacreditado acaba sendo definido, ou quase ganhando uma nova identidade, por meio da marginalizaçã o da totalidade de seus atributos.

Não é difícil perceber como é complexa, na vida de uma pessoa estigmatizada, a q uestã o da aceitaçã o pelos n o r m ai s . Essa q uestã o se coloca num painel bastante amplo: depende de um processo constante de n e g o c i a ç ã o , realizado pelo indivíduo, das normas da sociedade; depende da percepçã o dos pressupostos dos n o r m ai s a respeito da situaçã o; diferencia- se de acordo com determinados locais de moradia, convivência ou trabalho; varia de acordo com a etapa de vida do indivíduo, de acordo com as manifestaçõ es da d i f er en ç a o u an o r m ali d ad e, e por muitos outros motivos. A nã o aceitaçã o social de um indivíduo estigmatizado pode vir a configurar um processo cruel de alijamento, depreciação e isolamento q ue leva o indivíduo ao q ue se chama atualmente de m or te c i v i l – a antecipaçã o da morte pela perda da cidadania, do respeito e de todos os direitos.

A questão da morte civil não é apenas uma metáfora. Ela deixa uma espécie de medo que paira sobre a vida da pessoa, obrigando- a a tomar determinadas atitudes e mudando- lhe o comportamento.

Por outro lado, segundo G offman ( 19 8 8 , p. 8 5 ),[ ...] mesmo q uando alguém pode manter em segredo um estigma, ele descobrirá q ue as relações íntimas com outras pes soas, ratificadas em nossa sociedade pela confissão mútua de defeitos invisíveis, levá - lo- ã o ou a admitir a sua situaçã o perante a pessoa íntima, ou a se sentir culpado por nã o fazê- lo.

Outra questão significativa em se tratando da atribuição de estigmas é a que envolve visibilidade e encobrimento. Conforme G offman ( 1988, p. 58) ,

[ ...] a visibilidade é, obviamente, um fator crucial. O que pode ser dito sobre a identidade social de um indivíduo em sua rotina diá ria e por todas as pessoas que ele encontra nela será de grande importâ ncia para ele.

No oposto da visibilidade, temos as estratégias de enc obr i m ent o , destinadas a evitar o conhecimento do estigma pela sociedade mais ampla. Estas úl timas sã o

1Na aná lise q ue faz das instituiçõ es, G offman cons-

tata q ue todas pos suem uma cer-ta tendência ao “ fechamento” , simbolizado pela barreira à rela-ção social com o mundo exter-no e por proibiçõ es à saída q ue, muitas vezes, estã o incluídas no esq uema físico. Ocorrem a di-minuiçã o das trocas com o am-biente e o desenvolvimento de mecanismos internos de intera-çã o, de controle social e, inevi-tavelmente, de estigmatizaçã o dos q ue diferem da norma.

Estigma e autoconceito

6

Page 7: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

muito frequentes na escola em que, subjacentes às atitudes de compaixão e cuidado, estã o outras, de discriminaçã o e preconceito.

Para o autor, há uma sequê ncia de fases segundo a qua l o estigma se instala e torna- se, q uase de maneira cú mplice, aceito por todos os atores institucionais ou sociais:

a aprendizagem q ue o estigmatizado realiza, do ponto de vista dos n o r m ai s – ele percebe q ue é visto como diferente, mesmo q ue nã o tenha ainda plena clareza do processo que isso envolve;

a aprendizagem de que , segundo o ponto de vista dos nor m ai s , ele está desqua lificado, é menos valorizado socialmente – isso afeta de forma inequí voca o autoconceito desse indivíduo;

a aprendizagem da forma como lidar com o tratamento q ue os normais dã o aos d i f er en tes , implicando o desenvolvimento de mecanismos de defesa do ego;

a aprendizagem da dialética entre v i s i b i li d ad e e en c o b r i m en to , das formas como aque la sociedade lida com o processo de estigmatizaçã o.

O autor se detém muito no estudo das chamadas i ns ti tui ç õe s tot ai s , como manicôm ios, conventos e prisõe s, mas a nossa escola regular, de tempo parcial ou integral, também apresenta alguns traços do f ec ham ent o de que ele fala.

A ela podemos aplicar o q ue diz G offman:Um fator q ue tende a ser mais importante é a desculturaçã o, a perda ou impossibilidade de adquirir os hábitos atualmente exigidos na sociedade mais ampla. Outro fator é o estigma. Quando o indivíduo adquiriu um baixo s tatus proativo ao tornar- se um internado, tem uma recepçã o fria no mundo mais amplo – e tende a sentir isso no momento, difícil até para aque les que nã o têm um estigma, em que precisa candidatar- se a um emprego ou a um lugar para viver. ( 1974, p. 69)

A importâ ncia do autoconceito para o ser humano

V amos agora ao segundo conceito q ue compõ e o tema da nossa aula: o de au to c o n c ei to . Começaremos comentando q ue é muito freq uente a utilizaçã o indiscriminada dos termos aut oc onc ei to e aut oe s ti m a. Talvez nã o seja necessá ria – nem exista – uma distinção tão clara entre ambos, mas podemos dizer que a palavra es ti m a refere- se ao grau em que valorizamos alguma coisa. A ut oc onc ei to é a ideia que temos sobre nós mesmos, portanto a aut oe s ti m a é o valor que damos à qui lo que pensamos sobre nós mesmos. Em ambos está subjacente a elaboraçã o de juízos de valor como “ a concepçã o do indivíduo sobre si mesmo e sua própr ia identidade, capacidades, dignidade etc.” .

O nosso autoconceito provém da resposta a duas perguntas: “ Q ue tipo de pessoa eu sou? ” e “ Q uais sã o as evidências q ue eu tenho disso? ” A evidência é o q ue sentimos no mundo ao nosso redor. É o que vemos, ouvimos, sentimos, cheiramos e degustamos sobre nós mesmos.

Estigma e autoconceito

7

Page 8: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

Entã o, atribuímos significado à evidência, sob a forma de atributos, qualidades ou características. A soma disso tudo e o significado que atribuímos a essa soma é o nosso autoconceito. Indivíduos diferentes relacionam diferentes atributos à mesma evidência. Portanto, tem tudo a ver com a percepçã o pessoal desse processo.

Burns (1986) afirma que um amplo leque de designações (au to i m ag em , aut ode s c r i ç ão , aut oe s ti m a etc.) tem sido utilizado para designar a imagem que o indivíduo tem de si mesmo. Na sua opiniã o, porém, esses termos sã o designaçõe s excessi vamente estáticas para uma estrutura dinâmica e avaliativa como é o autoconceito. Este, na sua perspectiva, engloba uma descriçã o individual de si mesmo ( como autoimagem) e uma dimensã o avaliativa ( autoestima).

Para esse autor, o autoconceito é composto por imagens acerca do q ue nó s pró prios pensamos q ue somos, o q ue pensamos q ue conseguimos realizar, aq uilo q ue pensamos q ue os outros pensam de nó s e também de como gostaríamos de ser. O autoconceito consiste, entã o, em todas as maneiras como uma pessoa pensa q ue é nos seus julgamentos, nas avaliaçõ es e tendências de comportamento. Isso leva a q ue o autoconceito seja analisado como um conjunto de vá rias atitudes ú nicas de cada pessoa.

Ele é formado a partir das primeiras experiências infantis: a criança percebe no olhar e na expressão dos pais que está sendo amada e recebendo atenção, que aq ueles q ue a cercam se preocupam com ela e dela cuidam amorosamente. Sentindo--se merecedora de atenções, a criança cresce confiante de que é amada e de que a sua existência é importante para os que a cercam.

Pais e professores funcionam como espelhos que devolvem certas imagens à criança. Isso inclui o afeto e os juízos de valor demonstrados na interaçã o com ela. Nessa interaçã o, desenvolvemos nossos sentimentos, positiva ou negativamente, e construímos a nossa autoimagem. Aque les que estã o sempre opinando a partir de uma perspectiva negativa para a criança, sempre taxando-a de inútil e incapaz ou usando de zombarias e ironias, contribuem para a formaçã o de uma imagem pe que na de seu valor.

Se com o g r u p o d e p ar es , na rua e na escola, repetem- se as mesmas relaçõ es, teremos uma pessoa com autoconceito baixo e sentimento de autoavaliação prejudicado.

Ao contrá rio, interaçõ es afetuosas e estimulantes com os adultos significativos fazem com q ue a criança, mesmo nã o sendo tã o bonita e inteligente como as outras, sinta- se segura e tente usar todo o seu potencial para manter intacto o autoconceito conqui stado. Essa criança pode comportar- se de modo mais positivo e render mais nos estudos do que outras, que nã o foram devidamente valorizadas pela família.

Isso não significa que as crianças que não receberam esse tipo de atenção nã o possam encontrar, no convívio com outras pessoas, a oportunidade de viverem experiências que vão suprir o que lhes faltou anteriormente. Essas crianças que também possuem competências e nã o foram reconhecidas podem superar as sequelas deixadas pela omissão ou falta de sensibilidade dos que as cercaram em seus primeiros anos de vida e tornarem-se autoconfiantes, modificando-se internamente, q uando o reconhecimento de suas q ualidades vem de pessoas q ue elas valorizam e que têm autoridade, como é o caso dos professores. Elas modificam, dessa forma, o seu autoconceito.

Estigma e autoconceito

8

Page 9: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

Nem sempre é fá cil encontrar a fonte do comprometimento do autoconceito de crianças, pois elas manifestam isso de maneira muito diferente. Elas podem nem se dar conta disso – só sentem que nã o estã o bem, embora nem sempre percebam ou consigam expressar isso tão facilmente.

Alguns sinais comuns sã o: choramingar; q uerer vencer sempre; ter medo de nã o saber fazer as coisas; dispor de seus brinq uedos para dá - los à s outras crianças, buscando c o m p r ar - lh es o afeto; tentar chamar a atençã o; falar demais; gritar; agredir; culpar os outros por tudo; mentir; dar desculpas para tudo; pedir desculpas constantemente; ter medo de experimentar coisas novas; desconfiar das pessoas; colecionar coisas de forma obsessiva; sempre se submeter à s ordens de outras pessoas – entre outros exemplos possíveis.

Essas crianças demonstram possuir um conceito muito desvitalizado sobre si mesmas, sentem- se como se fossem inferiores à s outras, como se as pessoas só tivessem valor pelo que possuem materialmente e nã o pelo que sã o.

O autoconceito é, portanto, extremamente importante, à medida que tenta explicar e manter consistente o comportamento, explicitando a interpretação da experiência e fornecendo um certo grau de previsão.

Epstein (1973, p. 404) afirma mesmo que “para os fenomenologistas, o autoconceito é o constructo central da Psicologia, proporcionando a ú nica perspectiva por meio da qua l o comportamento humano pode ser compreendido” .

Concluindo, podemos dizer, como V az Serra ( 19 8 6 ), q ue o autoconceito é um constructo psicológi co que permite ter a noçã o da identidade da pessoa e da sua coerência e consistência. Segundo esse autor, o autoconceito é um constructo teór ico que

esclarece- nos sobre a forma como um indivíduo interage com os outros e lida com á reas que dizem respeito à s suas necessidades e motivaçõe s;

leva- nos a perceber aspectos do autocontrole, porq ue certas emoçõ es surgem em determinados contextos ou porque é que uma pessoa inibe ou desenvolve determinado comportamento; e

permite- nos compreender a continuidade e a coerência do comportamento humano ao longo do tempo.

O autoconceito, envolve cinco aspectos.

O as p ec to av ali ati v o , q ue permite q ue o indivíduo se autoavalie, o q ue lhe possibilita a realizaçã o de uma retrospectiva dos seus comportamentos diante de uma determinada situação, verificando quais são os mais adequados e daí retirando informaçõ es q ue lhe sejam ú teis em novas situaçõ es.

O as p ec to d es en v o lv i m en ti s ta, q ue torna o autoconceito cada vez mais específico e diferenciado à medida que a idade avança.

O as p ec to d i f er en c i á v el, q ue permite q ue o diferenciemos facilmente de outras variá veis (como o estado de saúde, por exemplo), permitindo compará - las entre si, de forma a estabelecer possíveis relaçõe s.

Estigma e autoconceito

9

Page 10: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

O as p ec to de s c r i ti v o , ou avaliativo, que permite ao indivíduo descrever e avaliar os seus comportamentos.

O as p ec to o r g an i z ati v o , q ue permite q ue os indivíduos, ao receberem informaçõe s acerca de si mesmos, vã o estabelecendo categorias que os tornam multifacetados ou multidimensionais.

Na opiniã o de autores como Byrne ( 1986) , uma das razõe s dos progressos da investigação científica sobre o autoconceito deve-se ao aparecimento deste modelo organizativo ou hierá rqui co e multidimensional. Esses autores destacam, no entanto, q ue as ligaçõ es do autoconceito geral com as restantes facetas sã o bastante complexas. Assim, consideram existir um au to c o n c ei to ac ad ê m i c o e um não ac adê m i c o . O autoconceito acadêmico se encontra ligado a á reas muito específicas como a Geografia, a Matemática, a História, entre outras.

Por outro lado, o autoconceito nã o acadêmico pode ainda ser dividido, tal como o faz V az Serra ( 19 8 6 ), em au to c o n c ei to f í s i c o ( aptidõ es e aparência física), em oc i onal ( estados emocionais particulares do indivíduo) e s oc i al ( é ainda subdividido em áreas específicas, variando de acordo com as pessoas significativas para o indivíduo).

Essas colocaçõ es ainda oferecem mais ênfase à s vivências escolares, na construçã o do autoconceito do indivíduo, aspecto para o q ual gostaríamos q ue vocês prestassem bastante atençã o.

Uma reexão sobre o estigma e a formaçã o do autoconceito dos indivíduos portadores de necessidades especiais

Essa que stã o será exaustivamente abordada, mas não poderíamos terminar a aula de hoje sem uma breve reexão sobre ela.

O estigma a que sã o submetidos os indivíduos que apresentam necessidades especiais tem forte impacto sobre a formaçã o do seu autoconceito, fazendo com que ele se estruture de uma forma comprometida.

Em primeiro lugar, devemos reconhecer a responsabilidade da instituiçã o escolar e dos educadores em relaçã o a todo o doloroso processo de comprometimento da formaçã o do autoconceito a partir da atribuiçã o de estigmas.

Oliveira faz um rico relato sobre uma pesqui sa desenvolvida com alunos da 3.ª série de uma escola da rede municipal de Campinas. Utiliza as enunciaçõe s dos alunos para demonstrar q uanto sã o imprecisas as interpretaçõ es feitas, no â mbito da educaçã o, sobre os problemas relativos ao autoconceito e as estratégias utilizadas para tentar solucioná-los. E afirma:

Freq uentemente sendo entendidos como d es aj u s tes p s i c o ló g i c o s , a estes p r o b lem as sã o propostas soluçõ es individualistas, as q uais nã o colocam em q uestã o a origem social e histó rica desses mesmos p r o b lem as . Se contradições, conitos e tensões envolvem as enunciações das crianças a respeito de si próprias, essas mesmas contradições, conitos e tensões circulam

Estigma e autoconceito

10

Page 11: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

pela sala de aula e vã o além dos muros da escola. Desta forma, para encaminhar “ problemas” q ue sã o de ordem social e histó rica, é necessá rio, antes de mais nada, q ue se pense esses p r o b lem as , também como sociais e histó ricos e nã o psicoló gicos. ( 19 9 3 , p. 17 5 )

A evitaçã o dos processos de marginalizaçã o – na escola e fora dela – passa por movimentos de negociaçã o com a diversidade, compromisso com a cidadania, formaçã o de atitudes, compreensã o progressiva do processo de inclusã o, entre outros.

É muito difícil esperar interesse pelas atividades escolares por parte de pessoas q ue nã o têm atendidas as suas necessidades educativas especiais, cuja presença provoca tensã o e mal- estar institucional, que sã o tratadas com desprezo por serem consideradas incompetentes, ou com atitudes de enc obr i m ent o da exclusão, como se ela não fosse real e dolorosa.

1. Na obra de Erving G offman Estigma: notas sobre a manipulaçã o da identidade deteriorada, que citamos diversas vezes na nossa aula, o autor estabelece uma pertinente aná lise dos efeitos do estigma sobre a identidade do indivíduo.

Leia este trecho:A identidade pessoal do indivíduo estigmatizado está relacionada com a pressuposiçã o de q ue ele pode ser diferençado de todos os outros e q ue, em torno desses meios de diferenciaçã o, podem- se apegar e entrelaçar, como açú car cristalizado, criando uma histór ia contínua e úni ca de fatos sociais que se torna, entã o, a substâ ncia pegajosa à qua l vêm-se agregar outros fatos biográficos. (1988, p. 67)

Analise essa afirmação transportando-a para o universo da escola e discutindo a estigmatização, realizada pela instituiçã o escolar, em relaçã o aos q ue apresentam necessidades educativas especiais. Se puder, enriqueça a sua análise com exemplos.

Estigma e autoconceito

11

Page 12: Tó picos Especiais em Educaçã o Inclusivaarquivostp.s3.amazonaws.com/qcursos/livro/LIVRO_topicos_especiai… · Eloiza da Silva omes de Oliveira Má rcia Denise Pletsh Má rio

2. O doutor Don A. Blackerby, professor de Matemática e ex-diretor de escolas, é o fundador doprograma H ab i li d ad es d e S u c es s o , nos Estados Unidos. Esse programa trabalha com pessoas q uetêm dificuldades escolares, muitas portadoras de necessidades especiais, altamente estigmatizadaspela escola e com severos prejuízos na formaçã o do autoconceito.

Em uma obra bastante conhecida (1996), ele fala que existem pelo menos cinco maneiras decomprometer a formação do autoconceito de uma criança. Veja quais são e reita sobre elas,elaborando, ao final, um texto sobre o assunto.

Enfatizar ou até mesmo deturpar os atributos ou comportamentos negativos. Chamar a criança de desajeitada q uando derrama algo ou fazer comentá rios negativos sobre sua aparência ou notas escolares. Não prestar nenhuma atenção aos comportamentos e atributos positivos. Se a cri an ça trouxer para casa um boletim com dois conceitos positivos e dois conceitos negativos, censurá - la em relação às deficiências e não dizer nada sobre os bons resultados.Transformar os erros em fracassos p es s o ai s da criança. Os erros podem ser corrigidos facilmente; os fracassos atingem diretamente a identidade e o autoconceito. Se ela tirar uma nota baixa ou não se sair bem num recital, o comentário Se v oc ê não m elhor ar , v oc ê nunc a c ons egui r á nada pode feri-la profundamente, por um longo tempo. Assim, uma nota baixa significa que a criança é preguiçosa ou não fazer a cama significa que ela é irresponsável. Apontar as qua lidades positivas de outra pessoa e mostrar que a criança nã o as tem. P or quev oc ê não pode s er um ót i m o al uno, c om o s ua i r m ã e s eu pr i m o? Nã o permitir que ela faça qua lque r coisa ou que assuma a responsabilidade e o crédito por seu progresso ou por suas conqui stas. Acusá - la de vaidade qua ndo tenta fazê- lo ou censurá - la por falar sobre elas, como se nã o fossem nada mais que a sua obrigaçã o.

Estigma e autoconceito

12