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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
SILVIA MARIA DAMASCENO RIBEIRO NATÁRIO
TAIWANESES PROTESTANTES EM MOGI DAS CRUZES -
A IGREJA PRESBITERIANA DE FORMOSA: UM ESTUDO DE CASO
São Paulo, SP
2017
Silvia Maria Damasceno Ribeiro Natário
Taiwaneses Protestantes em Mogi das Cruzes -
A Igreja Presbiteriana e Formosa: um estudo de caso
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito à obtenção de Título de Mestre em Ciências da Religião.
Orientador: Prof. Dr. Ricardo Bitun
São Paulo, SP
2017
N273t Natário, Silvia Maria Damasceno Ribeiro. Taiwaneses protestantes em Mogi das Cruzes - A Igreja Presbiteriana de Formosa : um estudo de caso / Silvia Maria Damasceno Ribeiro Natário 133 f. : il. ; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Bitun Bibliografia: f. 103-109 1. Taiwaneses. 2. Aculturaçăo. 3. Protestantes. 4. Igreja Presbiteriana de Formosa. I. Bitun, Ricardo, orient. LC: BL65.C8
“A vida espiritual dos homens, os seus
impulsos profundos, o seu estímulo à ação
são as coisas mais difíceis de prever, mas é
justamente delas que depende a morte ou a
salvação da humanidade.”
(Andrei Sakarov)
Dedico este trabalho a minha querida mãe
pelo constante incentivo em prol da minha
formação acadêmica. Aos meus
familiares, esposo e amigos pela
confiança na realização deste.
AGRADECIMENTOS
À Deus, fonte de toda sabedoria e ciência, pela direção e coragem no
decorrer da caminhada, proporcionando a plena realização desta conquista por anos
aguardada.
Aos meus pais que estiveram sempre ao meu lado, em todas as
circunstâncias, ensinando os princípios a serem seguidos na vida. Aos meus irmãos,
pelo companheirismo e apoio.
À Igreja Presbiteriana de Formosa pela contribuição como campo de
pesquisa. Aos Professores e Doutores do programa de Pós-graduação em Ciências
da Religião da Universidade Presbiteriana Mackenzie por compartilharem conosco
seus enriquecedores conhecimentos transmitidos ao longo do curso.
Ao Prof. Dr. João Baptista Borges Pereira pela orientação, transmissão de
seus conhecimentos, comentários e sugestões apontadas durante o decorrer do
curso e no desenvolvimento do trabalho de pesquisa.
Aos Professores Dr. Ricardo Mariano, Dr. Ricardo Bitun e Dr. Antônio Maspoli
de Araújo Gomes, componentes da banca, pelos apontamentos realizados e
sugestões que contribuíram para o aprofundamento da pesquisa.
À instituição Presbiteriana Mackenzie pela oportunidade na evolução
acadêmica e no desenvolvimento das habilidades e competências que norteiam a
prática docente.
À Igreja Presbiteriana do Brasil, da qual faço parte como membro, pela qual
tenho profunda estima e consideração.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar a composição da etnicidade e da
identidade religiosa, que desempenha papel unificador no grupo de imigrantes
taiwaneses protestantes, que ao longo de meio século de aculturação e interação
social vem compondo o cenário da diversidade cultural e religiosa na cidade de Mogi
das Cruzes no Estado de São Paulo.
Esta pesquisa tem como objeto de estudo a Igreja Presbiteriana de Formosa,
localizada em Mogi das Cruzes e composta em sua maioria por taiwaneses
imigrados para o Brasil, provindos da Ilha Formosa-Taiwan, que se estabeleceram
nessa cidade na segunda metade do século XX. A análise faz uma abordagem
histórica da formação da Igreja Presbiteriana de Formosa e seus desdobramentos,
com a dedicação e trabalho das seis primeiras famílias que chegaram ao município
em 1963, responsáveis pela construção do primeiro templo no bairro de Botujuru. A
preocupação coletiva e prioritária de preservação da fé protestante em solo
brasileiro norteava a forma de viver do grupo; motivado pela esperança de ser o
Brasil uma terra próspera, assim como foi a terra de Canaã para os israelitas.
Palavras-chave: taiwaneses, aculturação, protestantes, imigração, etnicidade, Igreja
Presbiteriana de Formosa, Mogi das Cruzes.
ABSTRAT
This work aims to analyze the composition of ethnicity and religious identity, which
plays the unifying role of the group of Taiwanese protestant immigrants, who during
half a century of acculturation and social interaction has been composing the
scenario of cultural and religious diversity in City of Mogi of the Crosses in the State
of São Paulo.
This research has as object of study the Presbyterian Church of Formosa, composed
mostly of Taiwanese emigrants to Brazil from Taiwan Island, who settled in the city of
Mogi of the Crosses in the second half of the twentieth century. The analysis takes a
historical approach to the formation of the Presbyterian Church of Formosa and its
unfolding, with the dedication and work of the first six families who arrived in the
municipality in 1963, responsible for the construction of the first temple in the
neighborhood of Botujuru. The collective and priority concern for the preservation of
the Protestant faith in Brazilian soil, guided the way of living of the group; Motivated
by the hope of Brazil as a prosperous land, just as it was the land of Canaan for the
Israelites.
Key words: Taiwanese, acculturation, Protestants, immigration, ethnicity,
Presbyterian Church of Taiwan, Mogi of the Crosses.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: População Recenseada - Região Metropolitana de Sã o Paulo e
Municípios, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010. ........................ 110
Tabela 2: População residente, total, urbana total e urbana na sede municipal em
números absolutos e relativos, com indicação da área total e densidade
demográfica, segundo as Unidades da Federação e municípios/2010. . 110
Tabela 3: Religião de acordo com o Censo 2010, cidade de Mogi das Cruzes. ..... 110 Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores por tipo de estabelecimento - Estado de
São Paulo – 1940, 1950, 1960, 1970 ..................................................... 111
Tabela 5: Informação sobre a membresia das Congregações da Igreja Presbiteriana
de Formosa nos Bairros de Mogi das Cruzes/SP ................................... 111
Tabela 6: Informação sobre a membresia da sede da Igreja Presbiteriana de
Formosa em Mogi das Cruzes – Bairro Mogilar ..................................... 111
Tabela 7: Calendário Anual de Programações da Igreja Presb. de Formosa ......... 112
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa Político de Mogi das Cruzes ........................................................... 18 Figura 2: Mapa Político do Estado de São Paulo .................................................. 18
Figura 3: Vista parcial da cidade de Mogi das Cruzes, 2017 .................................. 19 Figura 4: Mogi das Cruzes, década de 1940 ........................................................... 20 Figura 5: Trem Alvorada, parado na antiga estação de Mogi das Cruzes, no dia
de sua primeira viagem.............................................................................24
Figura 6: Vista parcial de Mogi - Rua Senador Dantas, antiga Rua Oriente Mogi ... 25
Figura 7: Imigrantes taiwaneses na embarcação para o Brasil ............................... 34 Figura 8: Primeiros imigrantes taiwaneses e o primeiro templo da Igreja
Presbiteriana de Formosa no bairro de Botujuru - Mogi das Cruzes/SP .. 47
Figura 9: Interior do primeiro templo ....................................................................... 48
Figura 10: Interior do primeiro templo. Os quadros afixados na parede retrata a
trajetória da viagem migratória dos taiwaneses, desde sua saída de
Taiwan até a construção do templo em Botujuru. .................................. 49
Figura 11: Parte externa do primeiro templo da Igreja Presbiteriana de Formosa no
bairro do Botujuru em Mogi das Cruzes ................................................. 50
Figura 12: Parte externa do templo atual: representação de duas palmas de mãos
em sentido de oração ............................................................................. 56
Figura 13: Portal de entrada da Igreja Presbiteriana de Formosa .......................... 57
Figura 14: Templo da congregação no bairrp do Botujuru ...................................... 63 Figura 15: Logotipo: Presbyterian Church in Taiwan (PCT), o mesmo utilizado
pelos taiwaneses presbiterianos no Brasil. ............................................ 64
Figura 16: Celebração dos 150 anos da Presbyterian Church in Taiwan ............. 68
Figura 17: Festa Caipira Naite, na quadra esportiva da Igreja em 2016. ................ 90
Figura 18: Igreja Presbiteriana em Taiwan. ............................................................. 97
Figura 19: Sala de aula da escola bíblica dominical, multirracial. ......................... 101
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ROC: .............................. República da China
RPC: ............................... República Popular da China
PCT: ............................... Presbyterian Church in Taiwan
IDHM: ............................. Índice de Desenvolvimento Humano Municipal
PNB: ............................... Produto Nacional Bruto
IPF: ................................. Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes
ISP: ................................ Primeira Igreja Presbiteriana de Formosa em São Paulo
PIB: ................................ Produto Interno Bruto
IBGE: ............................. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPÍTULO I - A CIDADE DE MOGI DAS CRUZES NO CONTEXTO DA
IMIGRAÇÃO ............................................................................................................. 18
1.1. Localização e Aspectos Geográficos de Mogi das Cruzes ............................. 18
1.2. Retrato de Mogi das Cruzes: Breve Histórico ................................................. 20
1.3. Atividade Econômica de Mogi das Cruzes: O Cinturão Verde e Avicultura .... 26
1.4. Diversidade Étnica da População Mogiana ..................................................... 32
1.5. Os Primeiros Desafios na Nova Terra ............................................................. 34
1.6. As Primeiras Atividades Econômicas: Cultivo de Cogumelos e Avicultura ..... 37
CAPÍTULO II - ESTABELECIMENTO E FORMAÇAO DE UMA COMUNIDADE
ÉTNICA PROTESTANTE: A Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das
Cruzes ...................................................................................................................... 40
2.1. O Cenário de Taiwan, após 1949: Fatores que impulsionaram a emigração .. 40
2.2. Brasil: Uma Terra Messiânica: O Altar de Abraão ........................................... 42
2.3. Breve Histórico da Primeira Igreja Presbiteriana de Formosa em São Paulo . 44
2.4. Motivação da migração para a cidade de Mogi das Cruzes ............................ 46
2.5. O Primeiro Templo .......................................................................................... 47
2.6. A Inauguração do Templo em Botujuru e o Primeiro Pastor ........................... 50
2.7. Mudança de Templo: Crescimento e Conquistas ............................................ 52
2.7.1. Simbolismo Arquitetônico do Templo ........................................................... 55
2.8. Governo e Liderança Eclesiástica ................................................................... 58
2.9. As Congregações: Ministério de Evangelização entre aos Brasileiros ........... 61
CAPÍTULO III – RELIGIÃO E ETNICIDADE ............................................................. 64
3.1. Identidade Religiosa: A Herança da Fé Protestante ....................................... 64
3.2. Confissão de fé da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes .... 68
3.3. Religiosidade: Fatos e memórias .................................................................... 70
3.4. Identidade Étnica ............................................................................................ 78
3.4.1. Sociabilidade e Aculturação ......................................................................... 85
3.5. Vida de Privações e Ascensão Social: Cinquentenário no Brasil .................... 91
3.6. Rede de Contato Ministerial Nacional e Transnacional ................................... 95
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 103
ANEXOS ................................................................................................................. 110
14
INTRODUÇÃO
Ao visitar pela primeira vez a Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das
Cruzes, a sensação de imediato foi de estar em um outro país dentro do Brasil.
Deparei-me admirada com uma espantosa quantidade de cristãos taiwaneses e seus
descendentes congregando em um templo espaçoso, com uma ordem litúrgica e
ministração de sermão na língua materna, o taiwanês.
Missões transculturais sempre me chamaram a atenção e estar no ambiente do
templo da Igreja Presbiteriana de Formosa foi como se eu estivesse vivenciando uma
missão em outra etnia, sem sair do país. Participar pela primeira vez do culto em um
ambiente composto por um grupo étnico diferente do meu foi uma experiência
singular, que me levou a alguns questionamentos acerca dos fatores que estão
estreitamente relacionados à aglutinação dos taiwaneses na cidade de Mogi das
Cruzes: os aspectos étnicos, a identidade religiosa, ou ambas as possibilidades que
coexistem. Surge, então, a pesquisa: Taiwaneses Protestantes em Mogi das Cruzes:
A Igreja Presbiteriana de Formosa – um estudo de caso. Outras indagações
permeiam a questão, dentre elas: como se descreve a história desses imigrantes?
Que fatores impulsionaram a vinda das primeiras famílias de Taiwan para ao Brasil?
Quais foram os primeiros desafios na nova terra? Como se deu a busca pela
manutenção da identidade étnica ao longo do tempo? Como tem sido o processo de
aculturação? Qual é a história de formação da Igreja?
Ao analisar a estrutura do templo, que comporta aproximadamente
quatrocentas pessoas e conta ainda com um amplo refeitório, um prédio educacional
ao lado, reservado para as salas de aula e uma ampla quadra esportiva, considerei
que toda essa estrutura física fosse uma demonstração de que os taiwaneses, além
de se estabelecerem na região, expandiram-se em seus projetos de vida,
consolidaram sua identidade religiosa e reconstruíram sua etnicidade em um outro
país.
A imigração dos taiwaneses na segunda metade do século XX para a cidade
de Mogi das Cruzes marca o panorama da rica diversidade religiosa no perfil do Brasil
plural. A trajetória histórica da Igreja Presbiteriana de Formosa (IPF) no município de
Mogi contribui para a compreensão da complexidade da igreja étnica no Brasil. Neste
15
trabalho há um esforço para descrever os fatores que contribuíram para a composição
desse grupo étnico e religioso, desempenhando a função de unificadores sociais para
esse grupo de imigrantes taiwaneses em processo de aculturação.
A experiência religiosa trazida pelos imigrantes da ilha de Taiwan completou 54
anos de história em solo brasileiro em outubro de 2017. Essa experiência carrega, em
mais de meio século, quatro gerações de transmissão cultural, social e religiosa que
compõem o cenário de pluralismo étnico na região metropolitana de São Paulo e por
que não dizer no Brasil.
Para o procedimento da pesquisa em questão, os instrumentos metodológicos
utilizados consistiram em análise bibliográfica e pesquisa de campo antropológica
através da etnografia, fazendo uso do método indutivo empírico de convivência
participante do pesquisador no processo de investigação nas programações sócio
religiosas do grupo. Foram registradas as informações orais realizadas através de
conversas formais e informais que abrangem o resgate das memórias, dos relatos da
história dos membros do grupo e das experiências pessoais, que fazem parte de
peças de um mosaico, que unidos, abrangem um todo, com a finalidade de se
observar as tradições étnicas, as práticas sociais, as crenças religiosas, os anseios,
as aspirações e o comportamento do grupo social. Através da pesquisa participante,
foi possível coletar informações por intermédio de questionários e entrevistas que
abrangeram diversas faixas etárias, entre elas, as pessoas mais idosas do grupo,
bem como a geração mais jovem da comunidade e os oficiais1 da Igreja. A pesquisa
documental foi realizada através da análise de depoimentos registrados no Álbum de
Aniversário da Igreja, que contém informações preciosas sobre a história da Igreja,
seus desdobramentos, a experiência religiosa individual e coletiva dos seus membros
e o significado da fé vivenciada e compartilhada pelos anseios do grupo, além de
recurso audiovisual e material jornalístico com informações contextualizadas do
grupo.
O primeiro contato com os taiwaneses ocorreu em uma reunião de culto num
domingo pela manhã no mês de março de 2016, no templo da Igreja Presbiteriana de
Formosa. A recepção foi acolhedora, o que possibilitou o acesso ao salão de culto.
Para minha surpresa, deparei-me com um considerável número de taiwaneses, bem
1 Os oficiais da igreja taiwanesa protestante são membros eleitos pela membresia da igreja a ocuparem cargos
de serviço na igreja de acordo com seus dons e talentos, tais como diáconos, presbíteros e pastores.
16
trajados, uníssonos, entoando cânticos2 protestantes, em taiwanês. A experiência de
ver um grupo coeso de aspecto oriental compartilhando do mesmo espaço físico,
surpreendeu-me a ponto de sentir como se estivesse introduzida no interior de uma
outra cultura, transcultural. A língua dominante era o taiwanês, contudo, a
compreensão do conteúdo foi possível devido à tradução simultânea do sermão e dos
cânticos espirituais para a língua portuguesa. Até mesmo os avisos eram transmitidos
primeiramente na língua materna e posteriormente traduzidos. Após o encerramento
do culto, uma fila se formou para os tradicionais cumprimentos com o pastor,
momento oportuno em que me apresentei pedindo-lhe algumas informações e fui logo
convidada para descer as escadas e me dirigir ao espaçoso refeitório no andar térreo
a fim de participar do almoço comunitário com o grupo. A participação dos taiwaneses
no almoço comunitário é uma extensão da comunhão, compartilhada por todos. Outra
surpresa foi perceber que a grande maioria se comunicava em taiwanês, inclusive as
crianças, o que tornou inicialmente um grande desafio a minha comunicação com
eles. Por várias vezes tive a impressão de ser um peixe fora d’água - devido às
dificuldades linguísticas - o que criou, de início, um estranhamento cultural. Contudo,
com o passar do tempo, essas barreiras foram diminuindo e me aproximei daqueles
que permitiam o diálogo. No período de quase dois anos de pesquisa, os contatos
também se deram por meio de telefonemas e através das redes sociais, o que
contribuiu para dinamizar a pesquisa.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: Etnicidade e Aculturação
Com referência às teorias relacionadas à identidade, Roberto Cardoso de
Oliveira, em sua obra: Os Caminhos da Identidade, realiza uma abordagem que
permite elucidar a identidade como um objeto de investigação antropológica ou
sociológica, inerente ao estudo de caso do grupo pesquisado. A teoria que trata da
identidade étnica e de sua natureza contrastiva nos processos culturais, construída
pelo grupo de taiwaneses, é vista, também, sob as lentes da teoria da pesquisadora
Manoela Carneiro da Cunha organizadora do livro: Identidade Étnica. Com base na
teoria da identidade, João Baptista Borges Pereira escreve sobre: Identidade
2 Os hinos utilizados pelos presbiterianos taiwaneses são provindos do hinário de Taiwan e não fazem parte do
hinário Novo Cântico, informações obtidas em entrevista com a liderança da Igreja, pastor Jônatas Chen.
17
Protestante no Brasil de Ontem e de Hoje, artigo do livro: Religare: Identidade,
Sociedade e Espiritualidade, baseado no esquema de Roberto Cardoso de Oliveira.
Para a compreensão dos fatores que contribuíram para o estabelecimento e
permanência do grupo em Mogi das Cruzes, na área rural da cidade, foi realizada a
contextualização da região em seus aspectos geográficos e socioeconômicos,
abordados no primeiro capítulo. O segundo capítulo discorre sobre a formação da
comunidade étnica protestante, com levantamento histórico dos fatores
impulsionadores da imigração de Taiwan, dos desafios enfrentados na nova terra e
seu estabelecimento. A abordagem realizada no terceiro capítulo nos remete a uma
compreensão da construção da identidade étnica religiosa e dos processos de
aculturação e ascensão social do grupo.
Considerada a maior Igreja que agrega a etnia taiwanesa e seus descendentes
na América Latina, a Igreja Presbiteriana de Formosa esforça-se em preservar a
língua materna – o taiwanês – como a primeira língua dentro do espaço religioso. A
conservação dos costumes, da língua, das crenças e dos casamentos endógenos,
tornam-se elos de identidade étnica contrastiva e de preservação cultural, no decorrer
de 54 anos de história em Mogi das Cruzes.
Esta dissertação apresenta investigações baseadas em fatos narrados que
revelam descobertas culturais de um grupo minoritário, originariamente oriental, em
processo de aculturação, cujo protagonista – o imigrante taiwanês – demonstra atos
de coragem e determinação, não relatada em livros. Observei inclusive uma
considerável escassez de estudos e raras pesquisas acadêmicas relacionadas à
imigração e à interação entre a cultura taiwanesa e a brasileira. Este trabalho
fornecerá dados para futuros pesquisadores ampliarem seus conhecimentos nas
múltiplas áreas das ciências humanas e das ciências da religião, porque ele se insere
no universo do campo religioso protestante, dotado de notório valor étnico-cultural, o
que enriquece o panorama histórico brasileiro.
18
CAPÍTULO I - A CIDADE DE MOGI DAS CRUZES NO
CONTEXTO DA IMIGRAÇÃO
1.1. Localização e Aspectos Geográficos de Mogi das Cruzes
Figura 1: Mapa Político de Mogi das Cruzes3
Figura 2: Mapa Político do Estado de São Paulo, em destaque a cidade de Mogi das Cruzes4
3 Informações obtidas em:<https://viniciuscarvalhoblog.wordpress.com/2014/09/01/mogi-das-cruzes. Acesso
em: 24.Mar.2017. 4 Informações obtidas no site do Município de Mogi das Cruzes, disponível
em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:SaoPaulo_MunicipMogdasCruzes.svg. Acesso em: 24.Mar.2017.
19
Figura 3: Vista parcial da cidade de Mogi das Cruzes, 20175
Apontada como sétima na colocação entre as melhores cidades brasileiras
para se viver,6 o município de Mogi das Cruzes está localizado na parte leste do
Estado de São Paulo, que compreende a área do Alto do Tietê, na região
Metropolitana da cidade de São Paulo. Mogi das Cruzes faz divisa com os municípios
de Suzano, Itaquaquecetuba, Arujá, Santa Isabel, Guararema, Biritiba Mirim, Santos e
Santo André. A topografia é relativamente plana, com pequenas elevações, salvo a
Serra de Itapeti e Serra do Mar. A altitude é de 743.710 metros, em relação ao nível
do mar e sua superfície é de 731 quilômetros quadrados. O clima é temperado úmido
e a vegetação abrange o bioma da Mata Atlântica.
Devido à ocupação dos índios Tupi na região, a paisagem geográfica recebeu termos de origem indígena; raro é o nome cujo vocábulo não seja indígena. Em Mogi os índios nomearam Botujutu, Capetuba, Sabaúna, Cocuera, Capichinga, Itapety, Tayassupeba, Guararema, Mogy, Pindorama, e outros. (...). O rio Tietê é o principal curso d’água que corta o município, sendo seus tributários principais os rios Biritiba, Jundiaí e Taiaçupeba. (Grinberg, 1981, p.78).
Tendo em vista o vertiginoso desenvolvimento que atingiu a região, esta sofreu
uma média de crescimento da ordem de 5% ao ano, o que significa que em 1975 a
população do Município que era de 180.000 habitantes passou para
5 Informações obtidas em:<http://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/especial-publicitario-mogi-
agora/platb/2014/11/06/mogi-das-cruzes-e-eleita-a-7a-melhor-cidade-para-se-viver/. Acesso em: 18. Abr.2017.
6 O ranking foi produzido com exclusividade para a publicação “América Economia Brasil”, publicado em 2013 e levou em consideração dados do IBGE e da ONU, fatores como a qualidade de vida da população local, dados do Censo 2010, do Produto Interno Bruto (PIB) e do Índice de Desenvolvimento dos Municípios (IDHM).
20
aproximadamente, 387.779 em 2010, de acordo com o levantamento de dados do
IBGE, 2010.
1.2. Retrato de Mogi das Cruzes: Breve Histórico
Figura 4: Mogi das Cruzes, década de 19407
Desde 1601, nos mais antigos primórdios, quando povoadores se
estabeleceram em Sant’Ana das Cruzes de Mogi Mirim, como era denominada, até os
dias atuais são 416 anos de registros da história da cidade de Mogi das Cruzes.
Taunay havia escrito, em 1935 que “a história de Mogi das Cruzes está por se
fazer”, (GRÍNBERG, 1961, p. 9). Ela foi interpretada e traduzida através de
documentos do Arquivo da Prefeitura Municipal e descrita por historiadores, entre
eles, Isaac Grínberg8, “que contribuiu para legitimar a identidade do povo mogiano”.
(MORAES, 2010, p. 17).9 Um levantamento dessa história revela um material rico em
7 Imagem extraída do livro "Memória Fotográfica de Mogi das Cruzes", de Isaac Grímberg,1986.
Disponível em> http://pauloaugustomkt.blogspot.com.br/2010/01/historia-de-mogi-das-cruzes.html. Acesso em 18.Mai.2017. Mogi Cruzes década de 1940, Rua Dr. Deodato Wertheimer - a ligação norte-sul e um dos principais corredores comerciais da cidade, no trecho hoje transformado em calçadão, traz à esquerda a Igreja do Rosário, que deu lugar a um hotel, e em frente a popular Praça João Pessoa (Gogelis, 1949).
8 Isaac Grínberg, historiador obstinado no empenho de consagrar a história de sua querida cidade de Mogi das Cruzes, escreve com dedicação um repositório de milhares de acontecimentos registrados no município desde seus primórdios. De todos os pesquisadores sobre temas mogianos, o que deixou maior produção foi sem dúvida, Isaac Grínberg. São dele os livros: História de Mogi das Cruzes (1961); Mogi das Cruzes de Antigamente (1964), Retrato de Mogi das Cruzes (1974), História da Justiça em Mogi das Cruzes (1977), Gaspar Vaz fundador de Mogi das Cruzes (1980), Mogi das Cruzes de 1601 a 1640 (1981); Folclore de Mogi das Cruzes (1983); Memória Fotográfica de Mogi das Cruzes (1986), e Viajantes Ilustres em Mogi das Cruzes (1992). Com formação jornalística e ligação afetiva com a cidade, sempre se dedicou a pesquisar a respeito dela, da qual colecionou grande acervo documental. (Dias, 2010, p. 30;31).
9 Mário Sérgio de Moraes é doutor pela Universidade de São Paulo (USP), professor universitário na
FAAP (Faculdade Armando Álvares Penteado) e na UMC (Universidade de Mogi das Cruzes). Publicou as seguintes obras: “O Ocaso da Ditadura” “Pedra da Vigia”, “Eros”; “História da Imigração Japonesa em Mogi das Cruzes” e “Nova História de Mogi das Cruzes”. Editora Mogi News. São Paulo, 2010.
21
descobertas, envolvendo mitos e heróis com atos de bravura e desbravamento de
terras, como narra Moraes:
(...) envolvendo desde sua fundação, o povoado, os indígenas, a religião (catolicismo acentuado), o relevo, um rio de águas puras (Tietê), uma serra própria (Serra do Mar: Mogi-Bertioga), privilégio de poucas cidades do Brasil (Moraes, 2010, p.13).
Com mais de quatro séculos de fundação, muitos sítios arqueológicos foram
encobertos por construções. Estudos arqueológicos realizados pela doutora
Margarida Andreatta, revelaram restos de cerâmica e líticos polidos referentes ao
início do contato entre os brancos e os habitantes originais da terra, entre os séculos
XVI ao XVII. “Através do levantamento dessas fontes históricas é possível fazer uma
pré-história da região” (Moraes 2010, p.15).
Até a metade do século XIX, Mogi das Cruzes serviu de passagem para
viajantes e tropeiros que se dirigiam ao estado de Minas Gerais e ao litoral paulista.
No seu livro “Cultura e opulência do Brasil”, André João Antonil aponta Mogi como
passagem de tropeiros e entreposto comercial:
“Dahí vão à aldeia de Tacuaquisetuba, caminho de um dia. Gostarão da dita aldeia até a Villa de Mogi dois dias. De Mogi vão as laranjeiras, caminhando quatro ou cinco dias até as três horas...” (ANTONIL, 1711).
A história nos remete à memória de que na região onde é hoje a cidade de
Mogi não havia brancos. A região era habitada por índios ferozes que matavam
bandeirantes em expedições pela conquista da região. Em 1590 o bandeirante
Domingos Luís Grou morreu com quase todos os seus cinquenta homens em
combate com os índios. Os que restaram embrenharam-se nas matas e somente em
1593 conseguiram regressar a São Paulo, onde compareceram à Câmara Municipal
fazendo declarações que deixaram os vereadores apavorados com as ameaças dos
silvícolas de fazer um cerco em São Paulo. Em consequência, a Câmara paulista deu
ordens ao capitão Jorge Correia para que se organizasse uma guerra contra os
nativos de Mogi. Em 1594, o capitão Jorge Correia comandou uma entrada de guerra
22
contra os índios “pés largos”, dizimando-os. Os poucos que se salvaram, fugiram para
o sertão (GRÍNBERG, 1992, p. 14).10
No entanto, os índios Tupi deram grande contribuição para o crescimento da
povoação e da vila nos primeiros anos de Sant’Ana de Mogi das Cruzes, formando
aldeamentos compostos por mamelucos, que eram filhos de portugueses com as
índias. A contribuição indígena também é notada nos nomes dos bairros, rios e
serras, além de alguns termos utilizados até hoje como carpir, cutucar, sapecar, e,
ainda, arapuca, pipocar, caipira, tapera, capoeira, canoa, jururu, caipora, cuia e outros
tantos de origem Tupi. Os bugres serviam como escravos aos seus senhores.
(GRÍNBERG,1981, p. 78, 79, 80). Os nativos não eram bem vistos pelos povoadores
da Vila de Mogi. O ofício do governador de São Vicente, Dom Luiz Antônio de Souza
Botelho Mourão, datado de 21 de dezembro de 1776, enviado ao Rei, declara essa
realidade:
“As aldeãs de índio que Sua Majestade que Does guarde…no território da vila de Mogi das Cruzes pela mistura das cores melhoria a civilização visto que os índios gozam de muito baixa reputação...”.
A partir da dizimação de parte dos indígenas e da domesticação dos que
restaram, criou-se condições para o início do povoamento de brancos. Com a
chegada de Dom Francisco de Souza, governador geral do Brasil, em 1599, os
brancos desejaram a todo custo pesquisar e descobrir as riquezas minerais que
acreditavam existir, e com razão, na região de Minas Gerais, onde efetivamente foram
encontradas. O caminho de acesso à região, no entanto, era muito penoso, em alguns
trechos era feito apenas pelo rio Tietê.
Em 1601, Dom Francisco decidiu abrir o primeiro trecho de estrada de acesso
à região e entregou a empreitada a Gaspar Vaz e seus homens, que construíram a
estrada e chegaram à região, hoje ocupada por Mogi das Cruzes.
Ao chegar, gostaram da região e decidiram morar no novo sítio. Tornaram-se
proprietários de uma gleba para plantar, o que era impossível em São Paulo, pois as
terras já eram bem povoadas. O sítio se tornaria, logo em seguida, o início do
povoamento em Mogi das Cruzes. A abertura da estrada possibilitou muitos
10 GRÍMBERG, Isaac. Viajantes Ilustres em Mogi das Cruzes. Editora São Paulo: São Paulo, 1992,
p.14.
23
paulistanos transitarem por ela e alguns, com certeza decidiram residir no novo
povoado (GRÍNBERG, 1992, p. 16, 17, 24).
Através de um requerimento encaminhado ao Governador Dom Francisco,
Gaspar Vaz e seus companheiros pediram a elevação do lugarejo à vila, o que
despertou grande simpatia do governador pela sua povoação, pois ele tinha interesse
na criação da vila de Mogi. Sérgio Buarque de Hollanda apontou boa razão para
justificar essa suspeita sobre o interesse do governador na criação da vila de Mogi:
“embora o mínimo exigido fosse de trinta assinaturas, o requerimento de Gaspar foi
aceito com apenas vinte assinaturas”.
Gaspar Vaz assinou o requerimento que o identificava como primeiro morador
em Mogi Mirim e afirmava que seus subscritores iniciaram a povoação a mandado do
Governador que incentivava a povoação e declarava que “a terra é boa e que em São
Paulo não têm terras” (...). Com a justificativa de que se devia ter outra vila porque os
moradores de São Paulo – naquele ano de 1611 – “viviam muito juntos e apertados!”
Finalmente em 15 de Agosto de 1611 o Capitão Gaspar Coqueiro atestou, entre
outras razões, que a criação da nova vila não prejudicava a cidade de São Paulo “por
haver muita gente, e estarem apertados, e não terem donde lavrarem” (GRÍNBERG,
1992, p.18).
Com o falecimento do governador Dom Francisco, o seu filho e sucessor Dom
Luís e Souza, decretou o despacho criando a vila em 17 de Agosto de 1611, que até
então, pelos documentos, era conhecida por Boigi, Mogymirim, Boixi Miri, Boisi Mirim,
Boigi Mirim, povoação de Sant’Anna e Povoação Nova” (Sesmarias, vol. I, 1921, p.
28, 38). Criada a vila, era preciso proceder à sua solene instalação, marcada para o
dia 1º. de Setembro de 1611. Nesta data chegou à vila o primeiro viajante ilustre:
Gaspar Conqueiro, poderoso capitão da Capitania (GRÍNBERG, 1992, p.19). Em
1561, Brás Cubas tomou posse das terras que lhe são dadas por sesmaria, fundando
a fazenda Pequeri, que teria sido a semente de que nasceu Mogi das Cruzes, que na
época denominou Boigy11 (GRÍNBERG, 1961, p. 15).
11 Mogi é uma alteração de Boigy que, por sua vez, vem de M'Boigy, o que significa "Rio das Cobras",
denominação que os índios davam a um trecho do Tietê. Quando a Vila foi criada em 1611, devido ao costume de adotar o nome do padroeiro, passou a ser denominada "Sant'Anna de Mogy Mirim". Na língua indígena, Mirim quer dizer pequeno. Provavelmente, uma referência ao riacho Mogi Mirim. A linguagem popular tratou de acrescentar o termo "cruzes" ao nome oficial da Vila. Era costume dos povoadores sinalizar com cruzes os marcos que indicavam os limites da Vila, de acordo com tese de Dom Duarte Leopoldo e Silva, confirmada pelo historiador e professor Jurandyr Ferraz de Campos. Informações obtidas no site do COMPHAP (Conselho
24
Há, no entanto divergências à cerca da data e do fundador de Mogi das Cruzes. Oficialmente a fundação remonta a 1560 e o fundador sendo Brás Cubas - o que vem sendo comemorado anualmente, porém estudos realizados com base na documentação do Prof. Emílio Ferreira em 1935, apontam Gaspar Vaz como principal fundador da cidade, que nasceu por volta de 1601 (GRÍNBERG, 1974, p.117).
Figura 5: Trem Alvorada, parado na antiga estação de Mogi das Cruzes, no dia de sua primeira viagem, 06/05/1960.12
Com as novas tendências econômicas e as mudanças no modo de vida da
população, os ares de cidade pacata e sossegada, passaram a ser “história do
passado de Mogi”. A agitação quebrou a harmonia da população.
Essa modernização registrada no final da II Guerra Mundial, com a exploração
da mineração no Brasil, e acelerada pelos anos 50, correspondeu em todo o país à
chamada era dos “Anos Dourados”. Nesse período, o crescimento foi de 9% a 11% do
PNB (Produto Nacional Bruto), bem acima dos países desenvolvidos. Esse período de
crescimento econômico no Brasil ocorreu no governo de Juscelino Kubitschek
(1956/1960). Um período de euforia da elite brasileira e de consumo de produtos
como os eletrodomésticos, entre outros (MORAES, 2010, p.205).
A transição entre o moderno e o tradicional se deu através de rupturas do
passado e suas permanências. A constatação do aspecto de mudança para a
modernidade pode ser exemplificada através do depoimento de Miled Cury Andere:
Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural, Artístico e Paisagístico de Mogi das Cruzes, disponível em:<http://www.comphap.pmmc.com.br/pages/mogi_das_cruzes.html. Acesso em 19.Jun.2017
12 Informações obtidas da Revista Ferroviária, disponível em: <http://www.estacoesferroviarias.com.br/trens_sp/alvorada.htm. Acesso em 31.Mai.2017.
25
Figura 6: Vista parcial de Mogi - Rua Senador Dantas, antiga Rua Oriente Mogi13
A passagem de Mogi para o desenvolvimento começou com a Mineração. A cidade era muito pacata. Os padeiros deixavam o pão na janela e os leiteiros deixavam o leite. Ninguém pegava. Eu lembro também da demolição da Igreja do Rosário. Foi a coisa mais triste que eu vi na vida. Aquilo fazia parte da vida da gente. Na Igreja, ouvi a reza cantada e triste das freiras. Elas tinham um canto triste batido, e isto nunca me saiu da lembrança. A reação da população foi de ficar chateada (Moraes, 2010, p. 205).
Os influxos de desenvolvimento na cidade de Mogi das Cruzes são marcados
pela chegada da estação ferroviária em meados do século XIX; pela entrada de
imigrantes entre os séculos XIX e XX, direcionados à zona urbana e rural que
compreende o Cinturão Verde; pela fundação da Mineração do Brasil em 1942, a
primeira grande indústria que se instalou na cidade e pela criação das Universidades
Braz Cubas e a UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), com destaque para o curso
de Medicina....”O curso de Medicina era famoso. E por quê? Eles eram considerados
os ricos. A sensação e o terror do país” (MORAES, 2010, p. 276).
Com as instalações das faculdades Braz Cubas, da UMC e em 1972, da
Faculdade de Educação Física do Clube Náutico, a cidade além de contribuir como
celeiro do “Cinturão Verde” dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, passou a
beneficiar os aspetos sócio-econômico-culturais, ao oferecer cursos universitários
para a população local e das cidades adjacentes.
Paralelamente a esse panorama de crescimento, devemos notar que o
desenvolvimento capitalista de grupos empresariais atuando no poder político
13 DIAS, Madalena Marques, 2010. Madalena Marques Dias é bacharel e licenciada em História pela
Universidade de São Paulo (1992-1996) e mestre em História Social (História de São Paulo Colonial) pela Universidade de São Paulo (2001). Autora do livro "História Colonial de Mogi das Cruzes. Elites e formação da vila."
26
incentivou princípios econômicos individualistas que fragmentaram os alicerces
comunitários de pertencimento social que norteavam a vida dos mogianos. O
mercado consumidor passou a regulamentar a ordem social e o estilo de vida,
rompendo com as velhas formas de viver em nome do “progresso”. Com o progresso,
as desigualdades sociais se acentuaram, a desagregação social e a criminalidade
aumentaram. Entretanto, a configuração atual da cidade ainda evidencia
características importantes do seu passado: o predomínio da média e pequena
propriedade, calcada na mão-de-obra familiar (até os anos 70) para o abastecimento
do mercado interno incentivado pela aproximação da capital de São Paulo, tanto para
compra como para revenda; o conviver comunitário até o início do século XXI; a
produção do celeiro agrícola, a policultura (Cinturão Verde), com a chegada dos
imigrantes japoneses a partir de 1919 e a busca pela ascensão sócio-econômica da
classe média.
Após o século XX a cidade passou a ser gerida com ampla visão de
empreendedorismo, com investimentos na qualidade de vida dos seus munícipes, o
que tem elevado a classificação do ranking de sétima cidade melhor para se viver, de
acordo com o levantamento realizado com base nos dados do censo de 2010.
1.3. Atividade Econômica de Mogi das Cruzes: O Cinturão Verde e Avicultura
A vasta extensão territorial de Mogi das Cruzes propícia à agricultura e, com
isso, tornou-se um fator de atração para o imigrante taiwanês. Em 1974, a área
urbana de Mogi das Cruzes abrangia o centro da cidade e em volta os bairros
centralizados.
Quando terminavam os bairros, começava a Zona Rural. Esta também possuía bairros onde estavam localizadas as chácaras, as granjas, as plantações e as criações. Exemplos de bairros da zona rural: Cocuera, Botujuru, Caputera, Aroeiras, Barroso, Biritiba Uçu, Itapeti, Pindorama, Quatinga, Rio Acima, Varinha, Lambari, Taboão, Rio Baixo entre outros (GRÍNBERG, 1974, p. 33 e 34).
A zona rural do município de Mogi das Cruzes era caracterizada pela alta
subdivisão de suas terras em pequenas áreas de produção: Distribuídas entre as
culturas de: folhas (alface, escarola, acelga, repolho, agrião); raízes (cenoura,
beterraba, nabo, cebola, rabanete, mandioquinha, batata doce); frutas de clima
27
temperado (pêssego, uva Itália, caqui, goiaba, ameixa, tangerina); cogumelos -
champignon e tubérculos (batata inglesa). O valor dessa produção representava em
1.975, 50% do total do valor bruto da produção agrícola do município.
A produção agrícola de Mogi das Cruzes tornou-se muito diversificada, quer
pelo volume significativo de produção com que concorrem as diversas espécies
agrícolas, quer no abastecimento das duas maiores capitais brasileiras: São Paulo e
Rio de Janeiro. Dados da história agrícola de Mogi das Cruzes apontam que o
município era produtor de café, algodão e fumo em 1852, como relata o historiador
local Isaac Grínberg (1995), em seu livro Mogi das Cruzes de Antigamente:
Em 19 de março de 1852 a Câmara Municipal comunicava ao Presidente da Província “que este Município exporta cento e cinquenta mil arrobas de café mais ou menos; quatrocentos mil varas de pano de algodão e oitocentas a mil arrobas de fumo” (...). Na mesma época, em 1857, as fazendas de café eram compostas de 875 trabalhadores escravos, trabalhadores livres e nenhum colono estrangeiro (GRÍNBERG, 1995, p.153,154).
Além da localização estratégica entre os dois maiores centros consumidores e
industriais brasileiros: São Paulo e Rio de Janeiro, Mogi das Cruzes, conta com
condições climáticas e de solo privilegiadas, como são as cidades do entorno da
capital paulista. O clima contribui favoravelmente para a produção de verduras,
legumes, raízes, frutas e tubérculos, que são produzidos durante todo o ano. Houve
um notável desenvolvimento da pequena agricultura de abastecimento voltada às
grandes populações urbanas.
Todo esse processo ocorreu no início do século XIX, quando os primeiros
agricultores espanhóis e posteriormente os japoneses realizaram um verdadeiro
trabalho de pioneirismo, revelando as ótimas condições de clima e solo. Como
resultado desse pioneirismo, o município ocupou a posição de sucesso como
vanguardeiro na produção chamada de “pequena agricultura”, conforme a
comprovação da arrecadação imobiliária rural de 1972, em que as terras constituíam
em grandes fazendas e grandes sítios a ponto de 90% (noventa por cento) do total de
3.200 (três mil e duzentas) propriedades agrícolas, terem menos de 30 (trinta)
hectares ou 10 alqueires paulistas. Toda essa produção de legumes, ovos e aves
advinda em sua maioria de pequenas propriedades distribuídas por toda a zona rural,
28
evidenciam que em Mogi das Cruzes a reforma agrária há muito tempo é uma
realidade.14
A predominância de pequenas propriedades rurais é a característica do
município. A maioria das terras é cultivada por imigrantes japoneses, taiwaneses ou
descendentes dos mesmos, que conduziram a agricultura à modalidade de
exploração altamente intensiva, sempre no sentido de elevar o rendimento por
unidade de área, adotando técnicas cada vez mais modernas, em relação à
adubação, melhores variedades, tratamentos fitossanitários, chegando a uma
extraordinária produção de hortifrutigranjeiros.
Outro destaque na atividade econômica de Mogi das Cruzes era a produção de
ovos. O município se classificou em 1º. lugar como produtor de ovos do estado de
São Paulo e do país na década de 70. Somados os valores de produção agrícola,
avícola e pecuária, o município de Mogi ficou em 2º. lugar dentre os 575 municípios
do Estado de São Paulo em renda bruta agropecuária, suplantando até mesmo os
maiores municípios cafeicultores, canavieiros e algodoeiros do Estado. Essa
classificação honrosa é uma prova do poderio da terra, principal ponto de atração à
imigração oriental, iniciada no século XIX e se estendendo até o século XX.15
“Os 100 anos de imigração japonesa no Brasil (18/06/1908) em que chegaram
os primeiros imigrantes japoneses no porto de Santos” (MORAES, 2008, p.220),
marca a história do setor agrícola na região de Mogi das Cruzes e abre caminho aos
imigrantes taiwaneses, também de origem oriental, meio século mais tarde, na
região.16 Com o passar do tempo, cresceu o número de imigrantes japoneses
trabalhando na lavoura, o que favoreceu para a formação do Cinturão Verde na região
de Mogi das Cruzes:
No ano de 1919, o primeiro japonês a se estabelecer na região de Mogi das Cruzes, no bairro do Cocuera, foi Shiguetoshi Suzuki e sua esposa Feijie Suzuki e seus dois filhos. Aos 32 anos Shiguetoshi era formado no Japão pela Escola Superior de Agricultura, o que não era comum naquela época (MORAES, 2008, p.221).
14 Informações obtidas da Revista da Casa da Agricultura de Mogi das Cruzes. VII Festa do Pêssego e
II da Avicultura, Mogi das Cruzes, 1977, p. 133. 15 Informações obtidas da Revista da Casa da Agricultura de Mogi das Cruzes. VII Festa do Pêssego e II da
Avicultura, Mogi das Cruzes, 1977, p.125. 16 Um dos fatos sociais mais importantes para a cidade de Mogi das Cruzes foi a chegada de
imigrantes de várias nacionalidades, dentre eles os japoneses, na zona rural, que contribuíram para que a formação Cinturão Verde de São Paulo.
29
Dentre os fatores que contribuíram para a entrada de imigrantes no Brasil estão
entre outros, o histórico agrícola da produção brasileira e a aceitação dessa
mercadoria no mercado internacional. Esse foi o caso da produção do café, que
passou por um período áureo, sendo considerado “Ouro Verde”. De fato a história da
região metropolitana de São Paulo em que está inserida a cidade de Mogi das Cruzes
confunde-se, nos primeiros tempos, com a história de sua sede. Alguns autores
afirmam que a metrópole paulista surgiu com a expansão da cidade de São Paulo, na
época do café e que o "ciclo do café" fundou a cidade de São Paulo pela segunda
vez.
De fato, quando aquele produto passou a ser exportado pelo porto de Santos, a cidade de São Paulo, pela sua posição geográfica, já assumia as feições de base comercial, centro do capital financeiro do Brasil e sede da burguesia agrário-comercial (VERÁS, 1991).
O fluxo migratório para o Brasil está relacionado ao acesso a grandes
extensões de terra; baixo custo na aquisição de propriedades; consumo no mercado
interno; baixo custo da mão-de-obra e a fama de país pacífico, longe dos rumores de
guerras. Esses fatores faziam com que o Brasil se tornasse um país atrativo para os
imigrantes orientais. No período de exportação do café para o mercado europeu, o
país era visto como um verdadeiro “eldorado agrícola”.
Afirmava-se no exterior que as pessoas que aqui chegassem ficariam ricas em
pouco tempo, porém a realidade era outra. O trabalho era árduo. Diuturnamente era
necessário muito esforço e dedicação para ver o fruto produzido. Mas, a favor dos
agricultores estavam o clima e o solo favoráveis de Mogi das Cruzes, que contribuíam
para evitar a proliferação de pragas nas lavouras, característica do clima ameno da
região. Todos esses fatores proporcionaram a fixação dos primeiros imigrantes
japoneses e posteriormente, taiwaneses na região. Na história da imigração de Mogi
das Cruzes, o imigrante assumiu a condição de arrendatário de pequenas
propriedades.
Na década de 80 alguns se tornaram proprietários e patrões na região da zona rural da cidade. O ideal destes, na sua primeira fase, era trabalhar na terra, ascendendo socialmente a fim de deixar sua condição rústica de vida (MORAES, 2010, p.222).
30
Devido a aquisição da terra em Mogi ser de baixo custo, havia facilidade na
aquisição de uma propriedade legitimada pelo seu uso:
A grande maioria desses brasileiros não tinha a terra legalizada, isto é, não eram firmadas em cartório. Eram donos de suas posses mais por sua legitimidade de uso, amparada por um direito consuetudinário, pelos costumes e tempos (MORAES, 2010, p.222).
O imigrante japonês serviu como esteira para o imigrante taiwanês na condição
de pequeno agricultor como atividade econômica, com o cultivo de verduras e
legumes, compatíveis com o clima da região e de ciclos curtos entre a plantação e a
colheita. A principal característica da agricultura da região: minifúndios, baseados na
mão de obra familiar, voltados ao abastecimento interno. Diante deste contexto,
criava-se o “Cinturão Verde” (MORAES, 2010, p.223).
Apesar dos avanços da agricultura mecanizada e dos problemas enfrentados
na economia brasileira, a pequena propriedade continua resistindo na região “A
cidade de Mogi das Cruzes foi e é um verdadeiro laboratório de experiências
genéticas” (MORAES, 2008, p. 230).
Os taiwaneses seguem a estrutura agrícola de desenvolvimento econômico
baseada na pequena agricultura familiar e na produção voltada para o abastecimento
do mercado interno. A definição de agricultura familiar é apoiada em ABRAMOVAY
(apud STROPASOLAS, 2006, p. 115) que “concebe a agricultura familiar como aquela
em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho vêm de indivíduos que
mantêm entre si laços de sangue ou de casamento”.
Com o intuito de fortalecer o comércio, os taiwaneses associaram-se a
cooperativas locais, porém esse esforço não atingiu os resultados esperados pelo
grupo, o que os levou a assumir a venda dos seus produtos nas feiras e no comércio
em São Paulo. Carregavam as caixas de cogumelos nas costas e as transportavam
no caminho que faziam de trem e metrô, levando-as até a capital paulista para
comercializá-las.
A agricultura, porém, deixou de ser a principal atividade econômica dos
taiwaneses, nas últimas três décadas. A partir dessa época, ocorreram mudanças nas
atividades econômicas do grupo, que se entrelaçaram com as atividades econômicas
urbanas da sociedade brasileira. De acordo com Abramovay e Camarano (1998):
Houve nas últimas décadas um intenso esvaziamento do campo, principalmente de
31
jovens em busca de novas oportunidades de trabalho. Além do êxodo rural da
população jovem, o envelhecimento é uma outra realidade do grupo taiwanês no
cultivo dos cogumelos em Mogi das Cruzes. Além de ser considerado um trabalho
pesado e de baixa remuneração, a possibilidade de se viver na cidade tornou-se mais
promissor do que simplesmente a aceitação de se assumir o estabelecimento
paterno, associado à possibilidade de renda regular na profissão urbana, através do
ensino superior. A perspectiva de melhores condições de vida pela ampliação do
capital através da inserção no mercado de trabalho descaracterizou os núcleos rurais
e reestruturou as famílias a partir de novos componentes econômicos, culturais,
sociais e percepção de mundo - o que atraiu os jovens a partir da segunda geração e
seus descendentes até os dias atuais (CARNEIRO, 1998, p. 58).
Os mais velhos - da primeira geração – não dispõem de forças físicas para
continuarem ativos na agricultura e seus filhos, ao longo dos 54 anos de inserção no
viver urbano, vêm se moldando aos diversos grupos que formam os profissionais
liberais, comerciantes, autônomos, funcionários públicos, que nas últimas décadas
contribuem com sua mão-de-obra e cultura para o avanço do progresso do país e da
região. As propriedades agrícolas continuam pertencendo aos proprietários
taiwaneses que as arrendam para os brasileiros trabalharem nelas.
O histórico agrícola de Mogi das Cruzes a privilegia, ainda hoje, como a
principal fornecedora de produtos hortifrúti aos mercados da região e ocupa a posição
especial no sistema Rio de Janeiro-São Paulo.
Atualmente, Mogi das Cruzes é responsável pelo abastecimento do CEASA
(Central de Abastecimento), feiras livres e mercados, não só da capital paulistana,
como também do Vale do Paraíba, Baixada Santista e Rio de Janeiro.
Segundo o engenheiro agrônomo Roberto Teruo, da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) de Mogi das Cruzes, na região, há um grande destaque para a produção de flores, folhosas e maçarias (produtos vendidos em maço), tais como salsinha, cebolinha e coentro, entre outros. Ainda segundo ele, o município de Mogi e região é um dos maiores produtores de hortaliças e frutas do Brasil. A região é considerada a maior produtora nacional de cogumelos comestíveis, além de ser a capital do caqui e da nêspera. O clima fresco e ameno, devido à alta altitude, favorece o desenvolvimento de verduras na região e garante uma maior qualidade dos produtos. Para a agricultura familiar a importância do cinturão verde é muito grande, pois a maioria dos produtores tem propriedades pequenas.
32
Boa parte destas propriedades conduz a atividade em nível familiar ou com no mínimo dois empregados (TERUO, 2004).17
1.4. Diversidade Étnica da População Mogiana
Os séculos XIX e XX deixaram marcas no avanço para a modernidade na região com a introdução da primeira estrada de ferro Central do Brasil, em 1876 e a instalação do trem em setembro de 1911, apelidado pelos mogianos de “arranca sertão”. O trem saía de Mogi das Cruzes pela manhã e regressava de São Paulo à tarde (MORAES, 2010, p. 97).
Os avanços nos meios de transporte, com a instalação da estação ferroviária,
contribuíram para as transformações do cenário sócio-econômico-cultural de Mogi,
possibilitando a vinda de imigrantes espanhóis, italianos, sírios e libaneses, o que
fortaleceu o comércio local, com ganhos mais imediatos do que no meio rural.
A partir de 1919 houve avanços significativos na agricultura da região. Os
imigrantes orientais, principalmente os japoneses, trabalharam como arrendatários de
pequenas propriedades na zona rural dos bairros de Mogi, como Cocuera, Porteira
Preta e Pindorama, preparando o caminho para que posteriormente os imigrantes
taiwaneses cultivassem a terra. Progressivamente Mogi das Cruzes fortaleceu a área
urbana em detrimento da zona rural, deixando o aspecto de vila e se tornando cidade,
modificando o aspecto da fisionomia urbana. Mais tarde em 1963, os imigrantes
taiwaneses reforçaram a mão-de-obra nas pequenas propriedades da zona rural, no
bairro de Botujuru em Mogi das Cruzes. O imigrante taiwanês contribuiu para a
formação do mosaico étnico-cultural da cidade composto de várias etnias.
Mogi das Cruzes é uma confluência de diversas identidades ao longo de sua existência, como silvícolas, ancestrais indígenas, escravos negros e depois a vinda dos imigrantes europeus, árabes, voltados à atividade comercial, e com a chegada dos imigrantes japoneses, o impulso na agricultura” (MORAES, 2010, p. 25).
O imigrante em Mogi das Cruzes é descrito dentro de características
contraditórias à modernidade como sendo bom trabalhador, agricultor, ou comerciante
e de pouca cultura como, descreve Moraes, 2010:
17 Informações obtidas da Revista Rural: CINTURÃO - O VERDE MAR DE SÃO PAULO, rev. 82–novembro 2004,
disponível em <http://www.revistarural.com.br/Edicoes/2004/Artigos/Rev82_cinturao.htm. Acesso em 17.Jun.2017.
33
O imigrante em Mogi das Cruzes não é um mero mercenário e sim um pequeno proprietário que moureja naquilo que é seu. Aqui nunca existiram as grandes lavouras presas em mãos de alguns proprietários abastados pelo natural da terra, pelo caipira, de alma cândida e nobre, mas de cultura intelectual completamente nula, analfabetos em quase sua totalidade dedicam-se ao trabalho, mas sem estímulo, sem ambição, sem alegria de viver... Entretanto, já se adaptaram às novas estradas de rodagem e, sem esforço, compreenderam argutamente quanto é oneroso e devastador o colonial carro de boi de eixo móvel, berrando nas divisas e nas várzeas com seu chiar monótono e irritante (MORAES, 2010, p. 119; 120).
O ideário capitalista levou esses imigrantes de Mogi a almejarem “subir na
vida”, o que os incentivou a serem donos de lojas ou de roças no campo. Enquanto se
fortalecia o comércio no núcleo urbano entre os séculos XIX e XX, no setor comercial
varejista; na área rural, a horticultura ganhava espaço com características de pequena
propriedade familiar, o que fortalecia o caráter social da cidade.
Além do setor agrícola, os imigrantes também deixaram suas contribuições no município, nos setores de serviços, comércio, indústria e na fundação de associações e escolas. (...) São Paulo continuou sendo o maior polo de recepção da imigração, bem como o “coração da economia nacional”. Portanto, no imaginário migratório – principalmente para os migrantes de áreas menos desenvolvidas – essa área continuará fazendo parte da geografia mental da população (VAINER, 1991).
O município de Mogi das Cruzes com seus milhares de habitantes, divide
atualmente seu espaço geográfico entre a zona urbana e o parque industrial ao lado
de uma moderna agricultura e pequenas propriedades rurais, cujos proprietários são
brasileiros e descendentes de imigrantes taiwaneses e japoneses.
Talvez a relação imigração/industrialização não seja tão nítida e direta como nos anos 60 e 70, mas para os movimentos interestaduais, permanece a forte e complexa relação migração/emprego e, certamente as redes sociais constituem elementos importantes para a manutenção de históricos fluxos migratórios para a metrópole (BAENINGER, p. 87, 2005).
34
Retratar a história dos imigrantes protestantes taiwaneses na cidade de Mogi
das Cruzes desde sua chegada em 1963: seus desdobramentos até seu
estabelecimento; ascensão social e econômica; compreendendo os ideários do grupo
social; da individualização e determinação pessoal dos seus agentes, compartilhado
com o grupo étnico que compõe um todo histórico, revela a outra face de Mogi das
Cruzes, da diversidade cultural.
Compreender o contexto histórico, econômico e migratório da cidade,
possibilita o acesso às informações que levaram a permanência do grupo de minoria
taiwanês protestante e ao mesmo tempo a reconstrução da diversidade étnica e
religiosa da população mogiana. Os primeiros investimentos e atividades econômicas
desenvolvidas pelos taiwaneses - agricultura e avicultura - nas primeiras décadas da
imigração na cidade, convergiram com o forte potencial característico da região de
Mogi, colaborando para a consagração e a ascensão sócio-econômica do grupo
minoritário - o taiwanês protestante. Sem dúvida, as características do solo e do clima
favoráveis possibilitaram a permanência dos taiwaneses que há mais de cinco
décadas fazem parte do cenário da população mogiana. “A história das comunidades
é uma somatória de histórias de vida que se entrelaçam umas às outras e articulam-
se a um todo muito maior” (DIAS, 2010, p.121).
1.5. Os Primeiros Desafios na Nova Terra
Figura 7: Imigrantes taiwaneses na embarcação para o Brasil
Ao chegarem ao porto de Santos, em nove de outubro de 1963, os imigrantes
taiwaneses foram encaminhados à um pequeno sítio em Pindorama, na cidade de
35
Mogi das Cruzes, do Dr. Yang – “o primeiro taiwanês presbiteriano de que se tem
notícia no estado de São Paulo, entre os anos de 1955 e 1956” (TOLLENTINO, 2016,
p. 53)18. No primeiro momento, logo que chegaram, os imigrantes ficaram estarrecidos
pelo ambiente de mata nativa ao redor do sítio, de acordo com os relatos do Sr. Ming,
imigrante taiwanês, que na época de sua chegada no Brasil tinha nove anos de idade.
Ele relembra a manhã do dia em que amanheceu em Pindorama19:
Pela manhã vi minha mãe chorar ao ver uma paisagem de densas matas ao redor do sítio, parecia que a situação era até pior comparada com Taiwan, o que provocou tristeza e saudades do país de origem (MING, 2017).
O alojamento que os abrigava era um galinheiro desativado. Era um ambiente
fedido e sujo das fezes das galinhas que ficaram por ali.
Pindorama nessa época não passava de um lugarejo recoberto de matas,
muito deserto e ao longo de uma picada profundamente sulcada pelos rastros de
carros de boi, avistavam-se alguns poucos casebres dos carvoeiros. Aos poucos o
lugarejo cresceu, adquirindo aspecto de uma colônia. Uma colônia japonesa se
estabeleceu na região.20
A topografia de Pindorama, recoberta por matas, muito deserta e com
declividade não agradou a grupo de imigrantes. No dia 13 de outubro, o primeiro
domingo desde que chegaram ao Brasil, os seis pais das famílias e cinco senhoras
18 TOLENTINO, Marcelo Cliffton. Protestantes Taiwaneses em São Paulo – a fundação da Primeira
Igreja Presbiteriana em São Paulo – um estudo de caso. Dissertação (mestrado em Ciências da Religião) Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016, p. 53.
19 A topografia da região é constituída por uma área de declividade suave que faz divisa de um lado com a cidade de Suzano e do outro lado, com a Serra do Mar. Banhada por diversos afluentes do rio Tietê, com uma altitude de 150 metros, supõe-se que muitos anos atrás essa região era toda recoberta por coqueiros, uma vez que “Pindorama” em linguagem indígena significa “Terra de Coqueiros”.
20 Em 1947 durante o período áureo da Cooperativa Suburbana em Pindorama, a diretoria da Cooperativa planejou a instalação de um núcleo de produção hortícola através de seus associados e escolheu essa área como sendo a “Terra Prometida”. Nessa ocasião ocorreram muitas confusões no seio da colônia japonesa que se estabeleceu em Pindorama, situada a 14 Km no sentido sudeste a partir de uma pequena estação de Estrada de Ferro do Brasil que pertence ao município de Mogi das Cruzes. Nesse período, após a 2ª. Guerra Mundial, não querendo aceitar a derrota do Japão, alguns japoneses entraram em conflitos entre seus patrícios, o que trouxe divisão entre eles. Para a realização do levantamento de dados foram feitas visitas de pesquisas na Biblioteca Municipal de Mogi das Cruzes “Benedicto Sérvulo de Sant’Anna”, situada na Praça Monsenhor Roque Pinto de Barros, 360 - Centro de Mogi e ao acervo histórico da cidade de Mogi das Cruzes, com a supervisão do bibliotecário Auro Malaquias dos Santos, que exerce essa função desde 2006 e que contribuiu com importantes materiais históricos levantados para a pesquisa.
36
foram à cidade de São Paulo para participarem do culto no templo da Primeira Igreja
Presbiteriana de Formosa em São Paulo (ISP)21.
O percurso era longo. Seria necessário pegar um ônibus até Jundiapeba e
depois se transferirem para um trem até São Paulo e ainda andar por vários
quilômetros. Como dependiam de transporte público, era preocupante o retorno para
Mogi das Cruzes depois do culto, pois teriam que voltar a tempo de pegar o último
ônibus até Jundiapeba. Com isso, o grupo teve que se retirar antes que o culto
terminasse. Mesmo assim, não conseguiram, naquela noite, pegar o último ônibus
que os levariam de volta à Pindorama. Com isso, tiveram que fazer uma longa
caminhada até o sítio. O grupo chegou depois das 10 horas da noite, cansados pelo
percurso realizado. Devido à distância e às dificuldades com os horários do transporte
público, decidiram, naquela noite, que os cultos de domingo seriam celebrados entre
eles, nas dependências do sítio em Pindorama e não iriam mais viajar até São Paulo.
No dia 14 de outubro, o grupo de taiwaneses visitou a casa do Sr. Wu Huan
Long, no bairro de Botujuru22. Após a visita, enquanto esperavam o ônibus,
perguntaram ao Sr. Wu, se haveria algum terreno à venda naquelas proximidades. Ao
saberem que o terreno ao lado do ponto de ônibus onde eles aguardavam, estava à
venda, demonstraram interesse em adquiri-lo, por ser plano e bem localizado. Após
dois dias de negociações e análise, fecharam o negócio. No dia 20 de outubro após
assinarem o contrato de compra e venda, todos concordaram em ofertar uma porção
do terreno da esquina, de 30x30m2 para a construção do templo da igreja. O restante
do terreno foi sorteado, em partes iguais, entre as famílias.
No mesmo dia, 20 de outubro de 1963, ocorreu pela primeira vez, a celebração
de culto dirigida pelo próprio grupo de imigrantes taiwaneses em terra brasileira, no
sítio em Pindorama. No dia 27 de outubro realizaram pela última vez o culto no sítio.
No dia seguinte, as seis famílias partiram do sítio, contudo, quatro se mudaram para o
terreno recém-adquirido em Botujuru e duas famílias foram para Iguape, no sítio do
21 A ISP foi fundada oficialmente em 22 de Setembro de 1962, de acordo a pesquisa de mestrado realizada por
TOLENTINO, 2016, p. 56. 22 O bairro do Botujuru registrou um crescimento demográfico de 64,57% entre os anos de 2000 e 2017. A
população passou de 6.611 para 10.880, respectivamente, segundo os dados do IBGE. Isso significa que este é o terceiro bairro mais populoso de Mogi das Cruzes, perdendo apenas para a região de Jundiapeba, com cerca de 36 mil, e o Mogi Moderno com aproximadamente 17 mil. Botujuru está deixando suas características rurais, embora ainda mantenha muito do seu verde.
37
Sr. Wu Chia Ming. A passagem dos taiwaneses por Pindorama foi breve. As famílias
permaneceram no sítio em Pindorama por 18 dias23.
No dia 03 de novembro, primeiro domingo das primeiras famílias taiwanesas
morando no bairro de Botujuru, foi realizado o primeiro culto no bairro e iniciada a
escola dominical para as crianças, nas dependências do antigo proprietário do
terreno, bem como, a primeira reunião de planejamento para a construção do primeiro
templo. A fundação da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes,
portanto, não foi um projeto missionário financiado pela Igreja Presbiteriana de
Taiwan, mas uma iniciativa dos pioneiros taiwaneses presbiterianos em Botujuru.
1.6. As Primeiras Atividades Econômicas: Cultivo de Cogumelos e Avicultura
No portal de entrada que dá acesso às dependências da Igreja, a arquitetura
nos remete a uma demonstração simbólica da importância das atividades econômicas
para o grupo protestante taiwanês - em cima das colunas do portal há duas esferas
brancas que simbolizam: um ovo de um lado da coluna e um cogumelo do outro lado
da coluna. Essas duas primeiras atividades econômicas que os imigrantes e seus
descendentes desenvolveram no país possibilitaram a edificação do atual templo e
suas dependências no bairro Mogilar, em Mogi das Cruzes.
O cultivo de cogumelos e a avicultura foram, de início, a marca registrada do
grupo taiwanês protestante na cidade de Mogi. Após investigações em documentos
históricos sobre a inserção dos imigrantes taiwaneses e de sua atividade econômica
na rotina da cidade, raras informações foram obtidas. Contudo, o registro do
historiador Isaac Grínberg, em 1974, contribuiu para legitimar a presença dos
taiwaneses no bairro de Botujuru, como “cultivadores de sucesso na produção de
cogumelos”, o que elevou a produção anual da cidade em relação a outros estados
brasileiros também produtores de cogumelos. Em seu livro Retrato de Mogi das
Cruzes (1974, p.42), o saudoso historiador da cidade de Mogi das Cruzes, Isaac
Grinberg24, descreve:
23 Informações obtidas do site da Igreja, disponível em>
http://www.ipfmogi.org.br/wb/pages/historico/pt.php. Acesso em 21/03/2017 24 Grinberg, Isaac.Colaborador dos Institutos Históricos de São Paulo, Santos e Minas Gerais - da
União Brasileira de Escritores. Escritor do livro Retrato de Mogi das Cruzes (Geografia – História - Zoologia - Botânica - Estatística - Assuntos Gerais - Civismo). São Paulo, 1974, p. 42.
38
A cultura do cogumelo ou champignon desenvolveu-se de tal forma no município que é hoje um produto de grande expressão nas estatísticas locais. Vejamos. Em todo Estado de São Paulo, inclusive norte do Paraná, há 250 cultivadores de cogumelos que colhem 2.600.000 quilos por ano. Pois, só em Mogi das Cruzes estão 125 desses cultivadores, produzindo 1.200.000 quilos de cogumelos anuais! Outra curiosidade: a maioria das 125 famílias é constituída de chineses vindos de Formosa, que se estabeleceram em Mogi das Cruzes (...)
Em seu país de origem os imigrantes agricultores possuíam experiência no
cultivo de arroz, porém, no município de Mogi essa atividade não foi bem sucedida.
Outras tentativas foram sendo realizadas com sucesso, entre elas: atividades em
granja, plantação de verduras e o cultivo de cogumelos. Apesar de não possuírem
experiência no cultivo de cogumelos em Taiwan, as tentativas deram certo em
Botujuru e a colheita abundante animou os taiwaneses a continuarem produzindo.
A fungicultura pode ser desenvolvida em pequenas propriedades, ao redor das cidades, com as características fundamentais de preservar a fixação do homem no campo e viabilizar a modalidade de “agricultura
familiar” (ABE, 2015) 25.
A implementação da fungicultura pela comunidade dos taiwaneses em Mogi
das Cruzes contribuiu para o aumento da produção agrícola da região. Ao tratar da
importância dos produtores taiwaneses como ”pioneiros no cultivo de cogumelos
comestíveis no Brasil”, o líder rural Junji Abe26, afirmou que:
Na década de 1950, aproximadamente dez famílias de imigrantes chineses de Taiwan (China Nacionalista) iniciaram em Mogi das Cruzes, no bairro de Botujuru, na zona rural, o cultivo de cogumelo. Foram contemplados pelo microclima, similar ao do país de origem e, portanto, ideal para a proliferação do fungo conhecido como cogumelo comestível (2015).
25 Trabalho acadêmico de Daphne Pinheiro, da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp do Curso
de Graduação em Ciências Sociais, “Implementação da fungicultura pelos chineses” na ocasião entrevistou o Deputado Federal Suplente Junji Abe, líder ruralista, em 09 de Setembro de 2015, São Paulo. Informações obtidas em http://junjiabe.com/galeria/?p=41401, acesso em 21/Mar/2017.
26 Junji Abe ativo líder rural, representante classista (Sindicato Rural de Mogi das Cruzes, Federação
da Agricultura do Estado de São Paulo e Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária), foi também gestor público e político e secretário municipal de Agricultura, Abastecimento, Indústria e Comércio de Mogi das Cruzes, deputado estadual, prefeito municipal e deputado federal suplente, São Paulo, 2015.
39
Atualmente Mogi das Cruzes é responsável por 70% da produção nacional de
cogumelos27. Aproximadamente 20% dos membros da Igreja Presbiteriana de
Formosa, atualmente, continuam cultivando cogumelos. Através da dedicação e
empenho desses produtores, gradativamente, os cogumelos foram se popularizando
e conquistando o mercado consumidor.
Vale a pena lembrar que tanto as técnicas de cultivo como as inovações, foram sendo obtidas por seus esforços próprios, o que tornou possível introduzir no Brasil o pioneiro champignon, de 60 anos atrás, e também mais de dez variedades de cogumelos: shitake, shimeji, castanho, porto belo, ostra, porcini, nameko, salmão, entre outros (ABE, 2015).
27 Isto significa 6 mil toneladas por ano, cultivadas por aproximadamente 200 produtores - taiwaneses,
japoneses e seus descendentes e brasileiros, que geram cerca de 2,1 mil empregos diretos no setor produtivo e 12 mil indiretos através de pesquisa, assistência técnica, indústria, ... ...transporte, máquinas, equipamentos, insumos, varejo, atacado e outros serviços. No entanto, as importações de cogumelos in natura da China, desencadearam uma concorrência desleal com os produtores brasileiros.
40
CAPÍTULO II - ESTABELECIMENTO E FORMAÇAO DE UMA
COMUNIDADE ÉTNICA PROTESTANTE: A Igreja Presbiteriana de
Formosa em Mogi das Cruzes
2.1. O Cenário de Taiwan, após 1949: Fatores que impulsionaram a emigração
No final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, as Forças Aliadas instruíram o
Governo Nacionalista Chinês, Kuo-ming-tang, a aceitar a rendição japonesa de
Taiwan e a empreender temporariamente a ocupação militar da ilha. Em 1949, o
governo da ROC28 mudou-se da China para Taiwan com muitos soldados e civis, com
o objetivo de continuar a luta contra o comunismo e unificar o país sob os ideais de
liberdade, democracia e prosperidade. A partir de então, o governo da ROC começou
a implementar reformas políticas e econômicas em Taiwan, apesar das sérias
ameaças que o continente chinês representava para a segurança nacional de Taiwan.
A Lei Marcial implantada incluía uma política de uma língua.
Se por um lado o rival governo da China não aceitava a independência de
Taiwan, por outro lado o sonho do governo nacionalista em Taiwan não considerava
ser de fato necessário nem desejável tentar unir-se à China.
A ROC elegeu pela primeira vez o seu presidente e vice-presidente pelo voto
popular em março de 1996. A comunidade internacional nesse período reconheceu as
reformas democráticas de Taiwan, mesmo diante de algumas restrições políticas e
sociais que o governo obrigou a população a aceitar. Com o passar do tempo, Taiwan
tornou-se um modelo para os países em desenvolvimento. O continente da China
aplica atualmente a política da reunificação pacífica e a solução da questão de
Taiwan segue o seguinte princípio “um país, dois sistemas”.29
28 ROC: República da China continental e comunista. 29 XI ERXIAO, História de Taiwan. Beijing: Editora Bianyi, 1994.https://books.google.com.br/books.
Enciclopédia de Guerras e Revoluções-Vol. III:1945-2014. Acesso em 23.Fev.2017.
41
Tanto o ambiente externo como interno de Taiwan estavam marcados pela
insegurança nacional, diplomática e econômica. Com respeito à segurança nacional,
os comunistas chineses constituíam uma ameaça militar real e constante durante todo
esse período. A Batalha de Quemoy em Kuningtou em 1949, a Batalha das Ilhas
Tachen em 1954 a 1955, e a Batalha do Estreito de Taiwan em 2 de Agosto de 1958,
foram todas lutas ferozes entre a ROC e as forças comunistas.
Promovia-se por parte dos comunistas chineses políticas tais como “lavar
Taiwan em um mar de sangue” ou “libertar Taiwan pela força das armas”. Essa
gravíssima ameaça militar colocava tanto o governo da ROC quanto a população em
constante estado de alerta.
Com o apoio dos Estados Unidos, o governo de Taiwan desfrutava de estreitos
laços diplomáticos com a grande maioria dos países democráticos, sendo
reconhecida como legítima representante de toda a China até 1971. Porém, com a
saída de Taiwan da ONU (Organização das Nações Unidas) em 1971, seu status
internacional enfraqueceu e suas relações diplomáticas decresceram de forma
acentuada. De acordo com o ministério das relações exteriores, ficou estabelecido em
1974, que as relações diplomáticas entre Brasil e China seriam intensificadas,
assumindo crescente complexidade e a relação exterior com Taiwan se daria a nível
comercial: Nos termos do Comunicado Conjunto assinado quando do estabelecimento
das relações diplomáticas, o Brasil reconhece que "a República Popular da China é o
único Governo legal da China", e o Governo chinês reafirma que "Taiwan é parte
inalienável do território da República Popular da China". Com isso, o Brasil deixou de
reconhecer Taiwan como entidade de governo soberano e autônomo, rompendo
relações diplomáticas com a ilha. O Brasil apoia a política de "uma só China" e os
esforços pacíficos pela reunificação do território chinês, em conformidade com a
Resolução nº 2758 da Assembleia Geral das Nações Unidas (1971), pela qual
Pequim retomou seu assento na ONU – inclusive no Conselho de Segurança30.
Desde 1949 a situação sócio-econômica de Taiwan era desesperadora e a
população era extremamente pobre, uma história de miséria e sofrimento. O
desenvolvimento econômico tornou-se prioridade absoluta do governo da ROC. Entre
as décadas de 1950 e 1960, o objetivo fundamental do governo era melhorar o
30 Informações obtidas em:http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/4926-republica-popular-da-
china. Acesso em 29.Ago.2017.
42
padrão de vida dos habitantes, aprimorar o poder nacional e promover a estabilização
da economia no país.
O governo da ROC colocou em vigor o Decreto de Emergência em 1949, que
continha várias restrições e limitações acerca dos direitos dos cidadãos. Dentre os
direitos garantidos pela Constituição que foram temporariamente congelados,
estavam a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito a reuniões e a
liberdade de associação. Foram estabelecidos controles rigorosos sobre as defesas
costeiras e das montanhas, a fim de bloquear as tentativas de invasões e de
subversão dos comunistas chineses. O decreto também restringiu a formação de
novos partidos políticos para impedir políticas multipartidárias que pudessem dividir a
força da nação31.
O sistema de governo da ROC aplicado em Taiwan foi de início autoritário, nas
primeiras etapas de sua implantação, a fim de promover a ordem pública e um
ambiente político estável, com perspectiva de se alcançar a modernização do país. Ao
longo desse processo político, Taiwan testemunhou um grande afluxo de
trabalhadores emigrantes, “realizando cruzamentos culturais de fronteiras”.
Levando em conta as circunstâncias da época; a constante ameaça militar por
parte dos comunistas chineses na Ilha de Taiwan; o sistema de autoritarismo político
implantado pelo partido dominante (ROC), a situação de ordem econômica e social
em que se encontrava a maioria da população pobre do país - sem perspectiva de
aquisição de terra para cultivo. Em contrapartida, havia a expectativa de aquisição de
maiores extensões de terras para o cultivo no Brasil. Estes foram os fatores que
influenciaram decisivamente o fluxo migratório das seis primeiras famílias de
camponeses para o Brasil em 1963, que se estabeleceram na cidade de Mogi das
Cruzes, no Estado de São Paulo.
2.2. Brasil: Uma Terra Messiânica: O Altar de Abraão
No ano de 1963, na região central de Taiwan, no distrito de Chiong-Hòa, seis famílias de agricultores cristãos, quatro da Igreja Gôan-táu, e duas da Igreja Khe-chiu, no total de 32 pessoas, das quais 11
31 Yeong-Kuang, Ger. A História de Taiwan: Política. Gráfica Sargirard Ltda. 1ª. Edição, 1999. São
Paulo, pág. 2-5.
43
adultos e 21 crianças, desejaram obter, com a bênção de Deus, a oportunidade para se desenvolverem como agricultores, assim como Abraão foi abençoado, indo à terra de Canaã. Apesar de estarem longe de suas terras e familiares, guardavam a expectativa de encontrarem no Brasil um país em que poderiam glorificar a Deus, trazer benefícios à humanidade e construírem igrejas a fim de expandirem seus princípios de fé (...). No caminho, todos gostavam de cantar o hino 65 do hinário: “Pela bela terra”. Com ele, louvavam e agradeciam a Deus32.
A emigração das primeiras famílias taiwanesas para o Brasil representava mais
que uma oportunidade de realização sócio-econômica em outro país; associava-se à
crença judaico-cristã de encontrarem no Brasil uma terra abençoada, uma analogia
com a terra prometida de Canaã. Há cerca de 4.000 anos atrás Deus fez uma
promessa a Abraão:
Deus chamou Abraão e disse: Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que eu lhe mostrarei.... Assim partiu Abraão para a terra de Canaã.... E edificou ali um altar dedicado ao Senhor, e invocou o nome do Senhor (Gênesis 12:01;04;08).
Em 1620 um grupo de cristãos ingleses, em busca de liberdade religiosa,
motivados pela fé, embarcaram no navio Mayflower e chegaram ao Novo Mundo, à
América, e deram continuidade à fé protestante na nova terra, com o objetivo de
prosperá-la.
De acordo com esses exemplos, as seis primeiras famílias basearam sua fé na
esperança de uma terra prometida no ocidente. Com base na palavra profética
direcionada a Abraão, as primeiras famílias taiwanesas deixaram Taiwan e
embarcaram no porto Keelung em 20 de Agosto de 1963 e viajaram 49 dias à bordo
do navio. No segundo dia de viagem, após o navio ter partido de Taiwan houve o
primeiro culto, e desde esse dia em diante, todos os dias, com horário marcado, era
celebrado o culto pela manhã e à tarde. “Quando chegaram no solo brasileiro já
tinham o hábito de cultuarem a Deus todas as famílias juntas” (Hui, 2017).
A viagem para o Brasil representava, antes de tudo, uma atitude de fé
acompanhada de espírito desbravador, pois só conheciam como era o Brasil por
comunicação precária, através de cartas escritas de parentes e amigos que aqui
moravam; em rumo ao desconhecido, para eles seria uma viagem sem volta. As seis
32 Informações obtidas do site da Igreja, disponível em:> http://ipfmogi.org.br/v2/menu/historico.php. Acesso
em 21.Mar.2017
44
famílias não tinham grau de escolaridade, eram desprovidos financeiramente e diante
deles haveria vários desafios novos a enfrentar. A fé na providência divina levava-os a
colocar “Deus em primeiro lugar em suas vidas”, por isso “oravam constantemente
para que Deus os conduzisse na direção certa”. A “fé era o fundamento espiritual e a
razão central de suas vidas” e se transformou em forte coluna que sustentava a
determinação para o recomeço na nova terra: “Este estilo de vida pode bem ser
considerado a germinação da nova Igreja dos imigrantes posteriormente constituída”
(Álbum do Cinquentenário, 2013).
No litoral brasileiro, chegaram primeiro ao porto do Rio de Janeiro, e no dia 9
de outubro atracaram no porto de Santos. No dia 10 de outubro de 1963,
desembarcaram.
Em um curto período em solo brasileiro, as famílias de imigrantes compraram
um terreno no bairro de Botujuru em Mogi das Cruzes e a primeira decisão tomada foi
a “escolha da melhor porção de terra de 30X30 metros que seria dedicada à
construção do templo, um local de adoração ao Senhor” (Álbum do Cinquentenário,
2013).
A construção do templo representava um ato simbólico de fé, um “altar de
adoração” que seria ali edificado, assim como ocorreu com Abraão na terra de Canaã,
ao construir um altar ao Senhor quando entrou na terra de sua possessão. As
primeiras famílias vieram para o Brasil motivadas pela esperança e fortalecidas pelos
laços afetivos e culturais que os uniam. Acreditavam que o “Brasil fosse uma terra
próspera, uma herança de Deus, destinada aos seus filhos e às futuras gerações”
(Álbum do Cinquentenário, 2013).
2.3. Breve Histórico da Primeira Igreja Presbiteriana de Formosa em São Paulo
Na história da primeira Igreja Presbiteriana de Formosa em São Paulo,
destacam-se como pioneiros o Dr. Yu-chi Yang e sua esposa Yang Hong Sui-len,
considerados os primeiros imigrantes taiwaneses presbiterianos em São Paulo, entre
os anos de 1955 e 1956. Este período, que ficou conhecido na história brasileira como
os “anos dourados”, ocorreu durante o governo de Juscelino Kubitschek e nos
posteriores. Caracterizou-se como um período de grande desenvolvimento
45
econômico, industrial e de liberdade religiosa, vivenciada nos grandes centros do país
como em São Paulo.
Os taiwaneses tinham a esperança de prosperar em outro país, distante dos
conflitos políticos que ocorriam entre Taiwan e a China. Para eles, o Brasil era um
país referencial, no contexto migratório, pela liberdade religiosa, ao mesmo tempo,
pela experiência bem sucedida da migração japonesa no Brasil, desde 1908.
A disposição no serviço a Deus em solo brasileiro, possibilitou a implantação
da Igreja étnica em 1962, através de cultos domésticos no lar do “casal Sr. e Sra.
Yang, considerados os fundadores oficiais da ISP” (TOLENTINO, 2016, p. 56)33. Com
o passar do tempo, imigrantes taiwaneses recém-chegados em São Paulo
promoveram o crescimento do grupo. A Igreja possibilitava um espaço de
relacionamentos, ao mesmo tempo tornava-se a manutenção da identidade do grupo
pelo fator linguístico. Com a inauguração do templo em 1984, a Igreja Presbiteriana
de Formosa em São Paulo consolidou seu estabelecimento e demarcou seu espaço
na sociedade brasileira.
A participação do Dr. Yang como pioneiro presbiteriano taiwanês no Estado de
São Paulo, foi imprescindível no que diz respeito, tanto para a fundação da primeira
Igreja Presbiteriana de Formosa, “apontado como primeiro grupo taiwanês
presbiteriano em todo o Brasil” (TOLENTINO, 2016, p. 51), relevante no fator que
abrange o aspecto religioso, quanto no aspecto sócio-econômico, ao abrir caminho
para o fluxo migratório que se sucedeu após sua chegada ao Estado de São Paulo.
A organização da primeira Igreja Presbiteriana de Formosa no Estado de São
Paulo, somada ao contexto econômico desenvolvimentista pelo qual o Brasil estava
passando, propiciou a migração de outras famílias para este Estado, como relata
Tolentino, 2016, p.49:
O Dr. Yang também foi importante na fundação de mais uma igreja. Ele foi o elo para a vinda de seis famílias taiwanesas para a região de Mogi das Cruzes. Eram presbiterianos. E ali fundaram, em 1963, a Igreja Presbiteriana de Formosa de Mogi das Cruzes e construíram um templo que permanece até os dias de hoje.
33 TOLENTINO, Marcelo Cliffton. Protestantes Taiwaneses em São Paulo – a fundação da Primeira
Igreja Presbiteriana em São Paulo – um estudo de caso. Dissertação (mestrado em Ciências da Religião) Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.
46
Como contato fundamental no Brasil, o Dr. Yang e sua família contribuíram,
inclusive, para a vinda das seis primeiras famílias taiwanesas que se estabeleceram
no bairro de Botujuru em 1963, que se tornaram os pioneiros e fundadores da Igreja
Presbiteriana de Formosa na cidade de Mogi das Cruzes. Possivelmente o Dr. Yang
não calculou à abrangência dos fatos que se desencadeariam após sua vinda ao
Brasil, na contribuição para o fluxo migratório dos taiwaneses e seu estabelecimento
em São Paulo e na construção da história que continua sendo escrita pelo grupo
étnico presbiteriano taiwanês e sua inserção social e religiosa na cidade de Mogi das
Cruzes.
2.4. Motivação da migração para a cidade de Mogi das Cruzes
A situação de ordem econômica e social das famílias taiwanesas que migraram
para a cidade de Mogi das Cruzes em 1963, era considerada de baixo poder
aquisitivo. “Eram roceiros em Taiwan, tinham que lutar e suar diariamente de sol a sol
para terem o que comer, aos olhos humanos não havia a possibilidade de terem
futuros brilhantes” (Álbum do Cinquentenário, 2013, p. 139). Camponeses, sem
formação escolar, pobres e sem prestígio e que em um amplo aspecto, esses fatores
de ordem econômica, social e cultural desencadearam a emigração.
Em Taiwan não havia perspectiva para a obtenção de terras para a produção
agrícola, por outro lado, a expectativa de aquisição de maiores extensões de terras
para o cultivo na lavoura a baixos custos e a possibilidade de se tornarem grandes
proprietários rurais e produtores agrícolas influenciaram decisivamente o fluxo
migratório das seis primeiras famílias taiwanesas para a cidade de Mogi das Cruzes,
“o Brasil que estavam indo era um lugar estranho (...), apenas sabiam
superficialmente que era um país em desenvolvimento e de oportunidades” (Álbum do
Cinquentenário, 2013, p. 140).
Através de cartas, que antecederam a viagem, trocadas com parentes e
amigos que moravam no Brasil, as famílias se informaram a respeito de uma cidade
inserida na região do Alto do Tietê, onde poderiam adquirir terras a baixo custo para
lavoura.
Mesmo diante do desconhecido e das futuras dificuldades a ser enfrentadas, a
“disposição para o trabalho não faltava ao grupo e um espírito desbravador tomava
47
conta de seus membros, que incessantemente recorriam a fé para fortalecimento de
seus propósitos”.
O fator econômico decisivo para a entrada e permanência do imigrante
taiwanês na cidade de Mogi das Cruzes foi o incentivo ao agronegócio estabelecido
na região - pequena propriedade rural familiar - iniciada pelos japoneses no início do
século XIX, que deu origem ao Cinturão Verde de São Paulo. Esse incentivo, somado
às características do solo e do clima, foram os fatores favoráveis às atividades de
hortifrutigranjeiros, desenvolvidas pelos imigrantes desde sua chegada à cidade.
2.5. O Primeiro Templo
“Sei que naquela época cada um deu o que tinha para comprar o primeiro
terreno, não importava o valor, era um ajudando o outro” (Chen, 2017).
Figura 8: Primeiros imigrantes taiwaneses e o primeiro templo da Igreja Presbiteriana de Formosa no bairro de Botujuru - Mogi das Cruzes/SP
O primeiro templo da Igreja Presbiteriana de Formosa edificado no bairro de
Botujuru, na cidade de Mogi das Cruzes agrega elementos simbólicos relevantes para
o grupo étnico. Além da estrutura física representar um “altar de adoração a Deus” em
gratidão pela posse da nova terra, o espaço interno é um ambiente que conserva a
história do grupo - desde a despedida dos parentes e amigos, no porto de Taiwan; a
viagem na embarcação; a chegada ao Brasil; a compra do terreno e a construção do
48
templo - que “contou com a participação de todos, até sua finalização”. Toda essa
trajetória e seus desbravamentos estão representados em quadros pintados a óleo,
em exposição no interior do primeiro templo. Além do templo ser um patrimônio
material de elementos simbólicos, o espaço interno utilizado para as reuniões,
conserva a manutenção da fé e das tradições étnico-culturais, no ambiente religioso.
Religião, pois, é uma categoria de análise histórica e social que pode ser definida como um conjunto de crenças, preceitos e valores que compõem artigo de fé de determinado grupo em um contexto histórico e cultural específico, lembrando que a religião é sempre coletiva (SILVA & SILVA, 2009, p. 354).
Figura 9: Interior do primeiro templo em Botujuru
49
Figura 10: Interior do primeiro templo. Os quadros afixados na parede retratam a trajetória da viagem migratória dos taiwaneses, desde sua saída de Taiwan, até a construção do primeiro templo
em Botujuru.
“De início todas as decisões eram tomadas em conjunto. A construção do
templo exigiu muito esforço e dedicação tanto dos adultos como até mesmo das
crianças”. Tendo em vista que nenhum dos taiwaneses tinha a experiência em
construção civil, a edificação das suas próprias casas tornou-se uma “oportunidade
para desenvolverem as habilidades necessárias à construção do templo”.
Em dezembro de 1963, começou a construção do primeiro templo da Igreja em
Botujuru. Desmatar o terreno foi o primeiro passo. Como não possuíam maquinários,
como tratores, os troncos das árvores foram arrancados pela força física. O Natal
daquele ano marcou significativamente aquelas famílias, “pois todos estavam unidos
dando seu sangue e suor” em prol de um bem material unificador do grupo. Na
véspera do Natal, as duas famílias que moravam em Iguape, vieram para somar às
famílias em Botujuru. Unidas as famílias, a comemoração do Natal tornou-se ainda
mais significativo para eles. A construção exigia empenho para a consolidação dos
ideários do grupo:
Alguns homens realmente sangraram por causa do carregamento dos pesados troncos, mas ninguém reclamava, pelo contrário, todos sentiam alegria no coração. Desde a fundação até a colocação da viga principal, os corações eram um só. Observar a igreja sendo construída era uma satisfação que contagiava os corações repletos de alegria e gratidão, por isso, louvavam a Deus em retribuição (Álbum do Cinquentenário, 2013).
50
Em março de 1964, finalizaram a construção do templo. O empenho dos
taiwaneses na construção do primeiro templo é um marco na história do grupo no
Brasil.
Apesar do cansaço atingir a todos, o espírito de alegria pelo fato do templo do Senhor ter sido erguido, em terreno próprio, era maior. O templo era simples, mas utilizou a energia e o suor ofertado de cada um para sua finalização (Álbum do Cinquentenário, 2013).
O templo recebe visitas de pessoas interessadas em ouvir o legado da saga
migratória do grupo. Uma rede de emissora taiwanesa realizou uma matéria
jornalística contando o sucesso da história migratória do grupo e sua importância, não
somente para a sociedade mogiana, como também para seus compatriotas que
ficaram em seu país de origem, Taiwan.
2.6. A Inauguração do Templo em Botujuru e o Primeiro Pastor
Figura 11: Parte externa do primeiro templo da IPF, no bairro do Botujuru em Mogi das Cruzes
O templo ainda estava em construção quando os pioneiros decidiram a
“contratação de um pastor, da mesma etnia, que falasse a língua taiwanesa, a fim de
ministrar à igreja e dar assistência ao grupo, no intuito de promover um crescimento
espiritual adequado”. No final de 1963, contratou-se o pastor Tseng Tien Lai (Daniel),
morador de Suzano, que na ocasião ministrava na Primeira Igreja Presbiteriana de
51
Formosa em São Paulo (ISP). Desde janeiro de 1964, o culto era realizado, pela
manhã, na casa do diácono Chuang em Botujuru e à tarde o pastor Tseng retornava
para São Paulo ministrar na ISP.
A decisão de inaugurar o templo na Páscoa teve um significado ainda maior
para o grupo, uma analogia do simbolismo religioso para a fé cristã, “a libertação da
escravidão do povo hebreu no Egito para a terra de Canaã, terra que manava leite e
mel”. Agora no Brasil, longe dos rumores e dos conflitos políticos e militares que
envolviam China-Taiwan, os taiwaneses estavam livres para trabalharem e cultuarem
a Deus em uma terra próspera para o cultivo. No dia 05 de abril de 1964, foi realizado
dois significativos cerimoniais: a celebração da Páscoa e a inauguração do primeiro
templo. A consagração do templo representava “o centro organizador do mundo
religioso que ali se estruturava” (RIBEIRO, 2014, p.179).
Na ocasião da inauguração, a ISP presenteou o primeiro templo com um
instrumento musical, um órgão. A consagração do santuário foi acompanhada por um
cerimonial que introduziu a música na ordem litúrgica. “No Antigo Testamento, a
inauguração do Templo de Jerusalém, no reinado de Salomão se faz mediante a
presença de orações e cânticos” (RIBEIRO, 2014, p.178). O pastor Tseng dirigiu o
culto com 35 pessoas presentes.
Um momento único na vida de cada uma das famílias que presenciavam a realização de um sonho. A gratidão tomou conta de todos os presentes. Foi um momento de agradecerem a Deus pela viagem, por chegarem em paz ao Brasil, pela conquista do novo sítio e pelo término da construção do templo. Aproveitaram também o ensejo para pedirem a Deus que continuasse a conduzi-los na nova terra onde também estavam cercados de desafios. Na ocasião, a igreja foi denominada “Igreja Cristã de Motozul”, pela aproximação da pronúncia de “Botujuru”.34
As duas famílias que estavam em Iguape plantando arroz, fixaram moradia em
Botujuru, a fim de se juntarem às quatro famílias, agregando assim o total do grupo
que inicialmente vieram de Taiwan. “Alguns criaram galinhas, outros plantaram
verduras e alguns cultivaram cogumelos”. Com o passar do tempo e os “bons
resultados das colheitas, era unânime o reconhecimento das bênçãos e dos cuidados
34 Informações obtidas no site da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, disponível em:
http://www.ipfmogi.org.br/wb/pages/historico/pt.php, acesso em 21/03/2017.
52
de Deus” sobre eles, e com isso a vida foi se estabilizando (Álbum do Cinquentenário,
2013).
Em meados de abril de 1965, o pastor Hsu Yu Tsai veio de Taiwan para o
Brasil morar com seu filho mais velho no sítio do Dr. Yang, que mantinha uma granja.
Em 18 de abril, ao participar pela primeira vez do culto no templo, houve o convite
para ministrar a primeira ceia. Desde então, o pastor Hsu passou a dirigir o culto
todos os domingos. Em razão da necessidade de obreiros, a igreja requisitou junto ao
presbitério de Taiwan uma autorização para que o pastor Hsu liderasse o conselho.
Em 26 de setembro estabeleceu-se o “primeiro conselho e a primeira junta
administrativa” composta pelos primeiros imigrantes que já exerciam cargos de
presbíteros e diáconos.
Os presbíteros eram: Wang Shou Pao, Chen Chen-Chang, Chi Ching-Cheng; e os diáconos: Chen Jung-Hoa e Chuang Yung-Te. Ao mesmo tempo Chen Jung Hoa foi designado diretor da escola dominical. Em 2 de dezembro de 1966, houve Assembleia Geral, que elegeu o Pastor Hsu como o primeiro pastor da igreja35.
2.7. Mudança de Templo: Crescimento e Conquistas
Devido o aumento do número de imigrantes que chegavam ao Brasil, a cada
ano, houve a necessidade de se planejar um templo maior. Isso se tornou prioridade
para o grupo, tendo em vista que o primeiro templo não comportava mais do que 50
pessoas.
No final de 1966, a Igreja enviou o Pr. Hsu para Taiwan e durante o culto de
despedida, ele compartilhou com o grupo sua opinião com relação à ampliação da
igreja, “aconselhando todos a colocarem como meta a construção do futuro templo no
centro da cidade de Mogi das Cruzes”, distante 7 km de Botujuru. Ele utilizou a Bíblia
como guia, afirmando que “a igreja primitiva utilizava as cidades grandes como pontos
de referência para evangelização”.
Na época 95% dos membros da igreja moravam em Botujuru, na zona rural e
nenhuma família morava no centro urbano de Mogi das Cruzes. Por essa razão, a
maioria do grupo não aceitou a mudança do templo, por não desejarem se deslocar
35 Informações obtidas no site da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, disponível em:
http://www.ipfmogi.org.br/wb/pages/historico/pt.php, acesso em 21/03/2017
53
até o centro da cidade. Um ano depois o Pr. Hsu voltou ao Brasil e foi oficializado
como pastor da IPF, no dia 03 de janeiro do ano seguinte. Nesse contexto, modificou
a denominação para “Igreja Cristã em Botujuru”.
Com o passar do tempo, o número de membros aumentou gradativamente, e
conjuntamente, cresceu também a necessidade de deslocamento da zona rural para
zona urbana. Devido o envolvimento nas atividades de trabalho tipicamente urbana e
o prosseguimento nos estudos em nível superior nas universidades públicas - a partir
da segunda geração - os “taiwaneses passaram a concordar com a opinião do Pr.
Hsu, quanto à construção de um novo templo no centro da cidade”.
Do dia 12 de novembro de 1968 foi adquirida a quinta parte de um terreno no
centro de Mogi. No dia 22 de outubro de 1973, concluiu-se a compra da totalidade do
imóvel, como se configura atualmente.
Os taiwaneses realizaram tanto a compra do terreno como a construção do
templo, “com as ofertas doadas pelos membros da igreja”. Sempre que eram
desafiados a construírem novas instalações, “experimentavam Deus os abençoando
através de uma farta colheita” (Álbum do Cinquentenário, 2013, p. 9).
O Pr. Hsu Yu Tsai, após um ano ministrando em Botujuru, passou também a
atender às necessidades da ISP. Em 23 de dezembro de 1969, foi aprovado em
Assembleia Geral, a contratação do Pr. Hsu Hui Shih, oriundo de Taiwan. No dia 25
de dezembro ele tomou posse, tornando-se pastor adjunto. Em dezembro de 1970, o
Pr. Hsu Yu Tsai assumiu o pastoreio integral da ISP e o Pr. Hsu Hui Shih se tornou o
segundo pastor titular da história da Igreja em Botujuru.
Durante a construção do novo templo, os “taiwaneses continuaram colocando a
mão na massa e sendo os principais obreiros do templo, reforçando a mão de obra
dos pedreiros contratados”. Dessa forma, “faziam com que a obra progredisse
rapidamente” (Álbum do Cinquentenário, 2013). Em 05 de novembro foi celebrado o
culto de agradecimento no estabelecimento provisório. Nessa ocasião ocorreu a
mudança da denominação da Igreja que passou a ser chamada de “Igreja
Presbiteriana de Formosa de Mogi das Cruzes”, conservando a denominação do seu
país de origem. Todas as seis famílias eram presbiterianas em Taiwan. “Após essas
mudanças, o número de integrantes da Igreja aumentou consideravelmente”36.
36 Informações obtidas no site da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, disponível
em:>http://www.ipfmogi.org.br/wb/pages/historico/pt.php, acesso em 21/03/2017
54
Em razão do número de imigrantes ter aumentado significativamente, o local de
culto, que acomodava aproximadamente cem pessoas, ficava sempre lotado. Para
atender a essa demanda, o templo teria que abranger um espaço físico ainda maior.
Após a aquisição de um novo terreno, agora no bairro do Mogilar, foram estabelecidas
algumas etapas para a construção do novo templo, a fim de atender às necessidades
do grupo, como a construção da casa pastoral, das salas de aula para a escola
dominical e a etapa final: a construção do templo com espaço para acomodar 400
pessoas.
Para a construção do novo templo foi constituída uma comissão, que visitou
outros templos a fim de realizar uma análise e pesquisa arquitetônica. Um fato que
provoca profunda admiração é a prosperidade vivenciada pelos membros do grupo
étnico, no período da construção do templo e suas dependências, independente de
qual fosse o ramo de trabalho desempenhado.
“Na realização de concretar o piso do templo, mais uma vez todos
participaram, os homens cimentaram e as mulheres ficaram na cozinha preparando uma iguaria chinesa para a refeição: arroz embrulhado na folha de bambu. Todos ajudaram e cooperaram para a construção do templo, e assim Deus abençoou a todos os que se dedicaram a Ele”.
No dia primeiro de janeiro de 1978, foi celebrado o culto de inauguração do
novo templo, com a participação do pastor convidado Huang Wu Tong. “As
comemorações da inauguração do templo duraram cinco dias de avivamento
espiritual”. A contratação de pastores vindos de Taiwan reforçava a manutenção da
identidade étnica do grupo, que crescia a cada ano em sua membresia. Em 20 de
maio de 1984, foi eleito o Pr. Chuang Chiu Wei como pastor adjunto. A família do Pr.
Chuang chegou ao Brasil no dia 7 de dezembro após os trâmites para imigração
terem sido bem sucedidos, no dia 23 de dezembro foi realizada a cerimônia de posse,
tornando-se o terceiro pastor da Igreja.
Os serviços ministeriais demandavam por mais obreiros, o que levou à
contratação do quarto pastor da história da Igreja, o Pr. Chi Tsung-Nan, emigrado de
Taiwan. Fizeram também parte do corpo de pastores da IPF, o Pr. Cheng Kwo King,
55
como pastor adjunto e o Pr. Herman Wu (2000), que auxiliou também no ministério
pastoral37.
A IPF em Mogi das Cruzes, ao longo de sua história, manteve no ministério
pastoral quatro pastores, formados no seminário teológico em Taiwan e três pastores
formados no Seminário Teológico Servos de Cristo em São Paulo. Contabilizados,
foram sete pastores com dupla cidadania que lideraram a Igreja ao longo dos 54 anos
de existência, até o presente trabalho.
Atualmente a Igreja conta com o pastor titular, o Rev. Jônatas Chen, desde
agosto de 2013. Como pastor auxiliar, o Rev. Wu Chun Hsien, desde 2014 e o
Ministro Lin Ying Tsung, desde 2015.
2.7.1. Simbolismo Arquitetônico do Templo
A arquitetura externa do templo da IPF em Mogi das Cruzes agrega elementos
de valor simbólico para a confirmação da fé do grupo étnico protestante. A construção
arquitetônica externa simboliza “duas palmas de mãos que se unem em sentido de
oração e gratidão a Deus” (Chen, 2017). No topo, uma cruz, símbolo do cristianismo.
Para os colonizadores portugueses “a colocação da cruz equivalia à consagração da nova terra descoberta”. Era um marco, um sinal de que aquela terra não era mais profana, impura, mas havia sido purificada mediante a presença do simbolismo cristão (RIBEIRO, 2014, p.178).
A Igreja busca transmitir através da fachada do seu edifício uma mensagem a
todos os que passam em frente a ele - a importância da oração, tendo como
fundamento a fé cristã. O simbolismo no sonho de Jacó em Gênesis 28:12,16-17,
demonstra que o santuário desempenha um papel organizador na vida de Jacó, ele
ergue um altar ao qual denomina “Casa de Deus”. “E este lugar torna-se marco na
vida de Jacó, um ponto de mudança de direção na sua vida, um local onde se ouviu a
voz de Deus” (RIBEIRO, 2014, p.180,181). A primeira experiência da dimensão do
espaço temporal revela um local de sacralidade, de encontro com Deus “por algumas
37 Informações obtidas no site da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, disponível em:
http://www.ipfmogi.org.br/wb/pages/historico/pt.php, acesso em 21/03/2017
56
horas, o templo parece parar ou retornar a uma época anterior, sagrada na presença
da divindade” (RIBEIRO, 2014, p.183).
Figura 12: Parte externa do templo atual: representação de duas palmas de mãos em sentido de oração
A segunda experiência da dimensão do espaço temporal revela um local de
construção e reorganização da vida social. O templo simboliza além de um espaço de
manifestação do sagrado, um ponto de encontro dos fiéis para renovarem seus laços
étnicos e afetivos.
A inauguração do tempo constituiu um marco e simbolizava a reconstrução do
mundo na nova terra, além de demonstrar poder, confirmava os projetos de vida de
um povo. Assim como o Templo de Salomão perpetua a fé judaica, a inauguração do
templo de Formosa dá sentido à vida da Igreja taiwanesa.
Construído no segundo piso, o templo comporta aproximadamente 400
pessoas somando com a galeria. No térreo um amplo refeitório é utilizado todos os
domingos para o almoço comunitário.
57
O espaço consagrado da igreja torna-se assim o pilar central a partir do qual o homem reorganiza a sua vida secular e religiosa, comportando-se em unidade como se estivesse em um mutirão, só que com fins de benefício espiritual de toda a comunidade envolvida (RIBEIRO, 2014, p. 182).
O amplo refeitório tem capacidade para acomodar 400 pessoas. A Igreja
também conta com uma ampla cozinha, quadra esportiva e um prédio educacional
com cerca de 30 salas. Na escola dominical, as salas de aula são separadas em
ciclos de dois anos, desde as crianças até os jovens, de acordo com a idade. Já as
salas dos adultos são separadas pelos temas abordados nas revistas da escola
dominical. O número de salas ativas na escola dominial é de aproximadamente 20.38
Além da representação simbólica do templo, vale a pena resgatar os elementos
simbólicos identificados no portal de entrada da igreja. “A porta da igreja ou capela
passa a desempenhar a função de limiar entre dois modos de ser: o profano e o
sagrado” (RIBEIRO, 2014, p.179).
Figura 13: Portal de entrada da IPF no bairro Mogilar
A arquitetura do portal de entrada nos remete a uma demonstração simbólica
da importância das primeiras atividades econômicas exercidas pelo grupo protestante
38 Informações obtidas com a liderança da Igreja Presbiteriana de Formosa, realizada em 24.Mai.2017.
58
taiwanês. Duas esferas brancas em cima das colunas representam: “um ovo de um
lado da coluna e um cogumelo do outro lado da coluna; uma demonstração das
atividades econômicas abençoadas por Deus”, que resultou na prosperidade do grupo
e na edificação do atual templo e suas dependências, no bairro Mogilar, em Mogi das
Cruzes (Chen, 2017). “O sagrado constitui para o homem religioso, o real por
excelência, ao mesmo tempo poder, eficiência, fonte de vida e fecundidade”
(RIBEIRO, 2014, p.178).
2.8. Governo e Liderança Eclesiástica
Ao tratar do governo e da liderança eclesiástica, aborda-se o campo teórico
dos tipos de representação da dominação. A dominação procura despertar e cultivar a
crença em sua “legitimidade”. De acordo com Max Weber, a dominação é
“probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de
determinado grupo de pessoas” (Weber, 1921, p. 139).
A dominação requer, em vias gerais, um quadro de pessoas que está vinculado
à obediência ao senhor por costume ou de modo puramente afetivo, ou por interesses
materiais ou por motivos ideias racionais referentes a valores. Essa relação de
dominação “normalmente juntam-se a esses fatores outro elemento: a crença na
legitimidade” (Weber, 1921, p.139).
O tipo de dominação que se exerce influência às relações sociais e os
fenômenos culturais em um amplo espaço de atuação. Um exemplo disso está na
“dominação exercida pelos pais sobre a vida dos seus filhos, ainda quando crianças,
estende-se sobre os bens culturais formais até a formação do caráter” (Weber, 1921,
p.141), desempenhando o reflexo dessa dominação em seu comportamento social.
Nessa perspectiva, a dominação, iniciada pelos pais, dentro do contexto étnico
taiwanês, reproduz os bens culturais formais e de caráter oriental, visivelmente
refletida na vida social e percebida no comportamento disciplinado e reservado do
taiwanês.
O governo e a liderança da Igreja Presbiteriana de Formosa reforça seu
compromisso com a continuidade das tradições familiares étnicas no que se aplica à
boa formação de caráter virtuoso, dentro dos limites e das ordenanças cristãs, como
59
base sustentadora da família, mantendo um equilíbrio entre os pilares: fé, família,
Igreja e trabalho.
Há três tipos puros de dominação legítima defendidos por Max Weber, que classifica o caráter da dominação em: racional, tradicional e carismática. Ele considera que o caráter racional de dominação é baseado na crença da legitimidade das ordens, daqueles nomeados para exercer a dominação legal, institucional. A dominação de caráter tradicional é baseada na crença das tradições que legitima a autoridade tradicional. A dominação de caráter carismático é baseada na crença do poder heroico ou exemplar de uma pessoa com dominação carismática (Weber, 1921, p.141).
Ao ser analisada a forma de governo e o tipo de dominação exercido na Igreja
Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, percebe-se que tanto a dominação
burocrática quanto a dominação tradicional são praticadas no governo eclesiástico do
grupo de taiwaneses. A aplicação de regras e o cuidado racional de interesse previsto
pela ordem da associação estão diretamente vinculados à obediência às normas. Há
funções oficiais e competentes para aplicar meios coercivos disciplinadores pelo
superior ou autoridade institucional.
A dominação legal e burocrática é racionalmente vinculada aos valores
relevantes da instituição para a sua ordem, administração e manutenção bem como a
observância às normas e funções oficiais instituídas, baseada em estatutos e
obediência à ordem impessoal.
A dominação tradicional que também é exercida na IPF, sustenta a obediência
à pessoa nomeada pela tradição em virtude da devoção aos hábitos culturais do
grupo, principalmente na conservação da língua taiwanesa como identificador do
grupo, conservada na linhagem da liderança pastoral tradicionalmente vinculada à
etnia taiwanesa e preservada como elemento valorativo do grupo: a manutenção
cultural e o convívio étnico.
A instituição presbiteriana de Formosa prima pela competência requerida do
líder para a realização do serviço sacerdotal, com pleno grau de qualificação e
formação teológica, certificado por diploma, a fim de se manter a racionalidade na fé e
a postura ética cristã, ao exercer o cargo como profissão única ou principal, num
sistema rigoroso de disciplina e controle de serviço. Por outro lado, cumpre-se
também a tradição em se manter na liderança um representante do grupo étnico, que
ocupa a função oficial. A liderança está atrelada ao grau de qualificação profissional
60
de administração burocrática que exige a instituição, objetivando concomitantemente
o racional e o tradicional. Ao descrever a representação da dominação burocrática,
Max Weber afirma:
O desenvolvimento de formas de associação “modernas” em todas as áreas (Estado, Igreja, exército, partido, empresa econômica, associação e interessados, união e fundação e o que mais seja) é pura e simplesmente o mesmo que o desenvolvimento e crescimento contínuos da administração burocrática: o desenvolvimento desta constitui, por exemplo, a célula germinativa do moderno Estado ocidental. (.....) Toda nossa vida cotidiana está encaixada nesse quadro. Pois uma vez que a administração burocrática é por toda parte – ceteris paribus – a mais racional do ponto de vista técnico-formal, ela é pura e simplesmente inevitável para as necessidades da administração de massas (de pessoas ou objetos) (Weber, 1921, p. 146).
Percebe-se uma profunda relação dos valores étnicos afetivos com a
identidade religiosa na qual estão inseridos, em virtude de interesse cultural, imaterial
e subjetivo. No que tange à legitimação da dominação na Igreja Presbiteriana de
Formosa, destaca-se em primeiro lugar, a posição tradicional do pastor, sustentada
em virtude à obediência aos fundamentos da fé cristã reformada.
O líder espiritual no caráter de dominação tradicional não é um dominador “superior” mas um senhor pessoal, uma pessoa indicada pela tradição. A Igreja torna-se um lugar de piedade, caracterizada por princípios comuns de educação transmitida de geração em geração. Por outro lado os seus membros são companheiros tradicionais, cooperadores que servem uns aos outros, não motivados pela obrigatoriedade, mas pela fidelidade pessoal e voluntária de servir coletivamente o grupo (Weber, p. 148, 1999).
Por outro lado, a transgressão a esses fundamentos cristãos poderia, sem
dúvida, colocar a posição do pastor em perigo, deixando de exercer o poder legítimo
de representação do grupo étnico cristão.
Denominamos uma dominação tradicional quando sua legitimidade repousa na crença na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais (“existentes desde sempre”). Determina-se o senhor (ou os vários senhores) em virtude de regras tradicionais. A ele se obedece em virtude da dignidade pessoal que lhe atribui a tradição (Weber, 1999, p.148).
61
Em segundo lugar, a dominação na IPF é legitimada pelo espírito voluntário do
líder/pastor em obedecer aos costumes tradicionais que determina, também, o
conteúdo das ordens e das regras em virtude do dever de piedade e de valores
afetivos. Na trajetória histórica do ministério pastoral da IPF, todos os seus pastores,
até a presente pesquisa, nasceram em Taiwan e falam fluentemente o taiwanês na
transmissão da mensagem bíblica no ambiente religioso.
Durante o tempo de existência da IPF, até a presente pesquisa, não havia sido
registrado nenhum caso de desvio de conduta que exigisse aplicação de correção
disciplinar por parte da liderança, segundo os relatos de oficiais da Igreja. Esta
constatação, apesar de provocar um estranhamento, pode ser explicada pelo fato da
membresia resolver as questões de correção disciplinar da Igreja em âmbito familiar.
A disciplina familiar bastaria para correção de valor moral, conforme os costumes
tradicionais da cultura taiwanesa. Levar o problema de indisciplina no âmbito da Igreja
poderia trazer desconforto e desonra para a família. Logo, o poder de influência
étnico-cultural exercido pela dominação dos pais e familiares nas relações sociais e
religiosas é muito maior do que parece à primeira vista.
2.9. As Congregações39: Ministério de Evangelização entre os Brasileiros
Desde sua chegada ao Brasil, os imigrantes da primeira geração encontraram
grandes dificuldades em se comunicar na língua portuguesa, por esse fato,
conservaram entre si a comunicação na língua materna. Mantinham através do
aspecto linguístico o instrumento de identidade que os unia. Os filhos que vieram
quando crianças para o Brasil foram os interlocutores entre seus pais e os brasileiros.
Com o passar dos anos, a língua portuguesa se tornou cada vez mais fluente entre as
novas gerações o que intensificou o processo de aculturação. A interação entre a
segunda geração de taiwaneses – do que cresceram no Brasil - com os brasileiros,
expandiu a visão do campo missionário no alcance dos brasileiros através da
evangelização nos bairros.
No ano de 1993, foram abertas salas de aula para a realização de escola
dominical em Botujuru com a parceria da Igreja Presbiteriana do Brasil. O Pr. Divino
39 Congregação é um grupo de pessoas reunidas para o determinado propósito de iniciar uma implantação da
igreja sede em bairro ou cidade adjacente.
62
trabalhou na evangelização de brasileiros até o fim de 1994. Após esse período, o
trabalho passou a ser realizado pelos jovens da IPF, no formato de escola dominical,
com o mesmo objetivo de alcançar os brasileiros através de atividades de
evangelização. Em 16 de abril de 1995, a escola bíblica dominical de Botujuru
somava de 30 a 40 alunos matriculados.
No mesmo ano de 1995, foram criadas salas de aula para a realização de
escola dominical entre os brasileiros, no bairro de César de Souza, na cidade de Mogi
das Cruzes. Para auxiliar na escola bíblica foi contratada, por um período de um ano,
a evangelista Miriam. Uma outra atividade evangelística entre os brasileiros teve início
em 7 de abril de 1996, com o apoio do evangelista Éber Quaresma, que se dedicou à
evangelização de crianças carentes no bairro de Jundiapeba, em Mogi das Cruzes.
Em 16 de setembro de 1999, a IPF contratou o seminarista Walter de Oliveira
para auxiliar na escola dominical em Botujuru e em 2003, o evangelista Mauro Gomes
foi contratado para auxiliar nos serviços pastorais em César de Souza.
A partir do ano 2000, os trabalhos evangelísticos realizados no formato de
escola bíblica dominical, que eram realizados somente para alcançar as crianças,
passaram a ser realizados entre os adultos.
Os três bairros em que eram realizados os trabalhos evangelísticos da escola
bíblica dominical se tornaram três congregações evangelísticas da Igreja
Presbiteriana de Formosa entre os anos de 2001 e 2003. A inauguração e dedicação
do templo da congregação de Botujuru ocorreu em 5 de outubro de 2003. “Um
sentimento de realização e alegria contagiou a todos que desejavam retribuir todo o
bem que conquistaram em solo brasileiro através da evangelização dos brasileiros”
(Hui, 2017).
63
Figura 14: Templo da congregação da IPF no bairro de Botujuru
Na fachada do templo da congregação de Botujuru - as palmas das mãos e as
escadarias - remetem às características arquitetônicas da sede da IPF, localizada na
região central de Mogi das Cruzes.
A visão da obra missionária dos taiwaneses entre os brasileiros resultou em
três congregações que recebem apoio financeiro, literaturas para as classes de
escola dominical e acompanhamento espiritual dos oficiais da IPF, através de
reuniões com as lideranças das congregações. Tanto a liderança das congregações
como a membresia é composta exclusivamente por brasileiros. As lideranças das
congregações possuem autonomia, contudo, devem manter a base doutrinária da fé
reformada, calvinista. A existência e permanência das congregações, é fruto da
diversidade étnico-religiosa e da interação social consolidada entre os taiwaneses e
os brasileiros.
64
CAPÍTULO III – RELIGIÃO E ETNICIDADE
3.1. Identidade Religiosa: A Herança da Fé Protestante
As Igrejas Presbiterianas espalhadas pelo mundo, compartilham o símbolo do
arbusto ardente que "queima, mas não é consumido".
Figura 15: Logotipo: Presbyterian Church in Taiwan (PCT)40 , o mesmo utilizado pelos taiwaneses presbiterianos no Brasil.
A identidade religiosa dos taiwaneses protestantes em Mogi das Cruzes se
projetou nos sólidos alicerces fincados pela Presbyterian Church in Taiwan (PCT). Os
taiwaneses que emigraram para a América, principalmente entre os países dos
Estados Unidos, Canadá e Brasil, iniciaram igrejas na língua taiwanesa e mantém
40 Informações obtidas em:<https://en.wikipedia.org/wiki/Presbyterian_Church_in_Taiwan. Acesso em
09.Maio.2017. Desde 1865 a Igreja Presbiteriana em Taiwan têm sido um arbusto aceso pelo fogo do Espírito de Deus, que a mantém queimando fielmente como luz na escuridão e como um farol de esperança na sociedade de Taiwan, superando a repressão e o assédio nesses 152 anos de história na Ilha. The Presbyterian Church in Taiwan é fortemente envolvida na evangelização entre os aborígines, desde a década de 1930. Hoje cerca de 30% dos nativos taiwaneses pertencem à denominação presbiteriana de Taiwan, que tem sido defensora dos direitos dos aborígenes. (...) mais de 64%, dos aborígenes taiwaneses, se identificam como cristãos ... Durante décadas, a Igreja Presbiteriana em Taiwan usou seus pontos Fortes organizacionais para mobilizar seu povo para campanhas repetidas e forneceu uma sólida base institucional contínua para a maioria das iniciativas políticas aborígines ... organizações como a aliança de aborígines de Taiwan. (Stainton, 2002) Fonte: Stainton, Michael (2002). "Presbyterians and the Aboriginal Revitalization Movement in
Taiwan". Cultural Survival Quarterly.
65
vínculos ministeriais e de amizade com a Presbyterian Church in Taiwan (PCT),
seguindo a tradição doutrinária, enraizada na fé reformada calvinista e suas
concepções, no que diz respeito à ordem litúrgica, governo e à interpretação
sistemática das Escrituras.
A PCT associa-se ao movimento de independência de Taiwan. Sob a
perspectiva da fé cristã; apoia os direitos soberanos da democracia e da dignidade
humana. Defende, também, o direito de liberdade para escolher o futuro do país, sem
interferência externa.
Em sua Confissão de Fé (1985), a PCT afirma claramente que "a Igreja é a
comunhão do povo de Deus, chamada a proclamar a salvação em Jesus Cristo e a
ser embaixadora da reconciliação. Baseia-se na crença de um único Deus verdadeiro,
o Criador e Governador dos seres humanos e de todas as coisas, Senhor da história
e do mundo”:
Crê em Jesus Cristo, o Salvador da humanidade que foi concebido pelo Espírito Santo no ventre da Virgem Maria. Através do seu sofrimento, crucificação, morte e ressurreição, Ele manifestou o amor, a justiça, e a reconciliação com Deus. Concedeu a todos que aceitassem a Cristo como Salvador, o poder do Espírito Santo para testemunhar entre todos os povos até a Sua volta. Crê que a Bíblia é revelada por Deus, o único livro sagrado de fé e conduta. Acredita que a salvação do pecador é por meio da graça de Deus a fim de que venham a glorificar a Deus por meio de suas vidas de devoção e amor através dos dons e talentos dispensados aos seus filhos. Portanto, eles devem depender da graça salvadora de Jesus Cristo. Ele livrará a humanidade do pecado, libertará os oprimidos e os tornará iguais, para que todos se tornem criaturas novas em Cristo, e o mundo Seu Reino, cheio de justiça, paz e alegria.41
A história do trabalho missionário protestante em Taiwan iniciou logo após a
chegada dos missionários católicos romanos. A consolidação da fé reformada em
Taiwan foi resultado do empenho evangelístico do médico e missionário Dr. James L.
Maxwell, em 1865, e do Rev. Dr. George L. Mackay, 1872. O Dr. James foi enviado
pela Igreja Presbiteriana da Inglaterra, atualmente Igreja Reformada Unida e o Rev.
Dr. Mackay pela Missão Presbiteriana Canadense, em Tamsui. O trabalho desses
missionários serviu de alicerce histórico para os taiwaneses de Mogi das Cruzes
sustentarem sua identidade religiosa, seguindo a tradição enraizada da Igreja
41 Esta tradução, baseada no texto originário taiwanês, autorizado pela 32ª. Assembleia Geral, foi
oficialmente adotada pelo Comitê de Fé e Ordem da Assembleia Geral em 10 de janeiro de 1986.
66
Presbiteriana em Taiwan, na ordem litúrgica e nas práticas da Igreja. Como resultado
dos esforços dos missionários britânicos do sul e dos missionários canadenses no
norte, a Presbyterian Church in Taiwan foi implantada em 1865, data da sua
fundação.
Há uma curiosa coincidência na história das missões protestantes no Brasil e em Taiwan. O primeiro missionário a vir para o Brasil foi Robert Kalley, em 1855, e o primeiro missionário a ir para Taiwan foi James Maxwell, em 1865. Os dois eram médicos, presbiterianos e britânicos. Além disso, os dois países, quase no mesmo ano, por ocasião das invasões holandesas, tornaram-se campos missionários da Igreja Reformada dos Países Baixos: Taiwan, a partir de 1627, e o Brasil, a partir de 1630. Além de pastorear os invasores holandeses, esses missionários evangelizaram os indígenas do Nordeste brasileiro e os aborígenes da parte meridional de Taiwan. Outra triste coincidência é que todo esse trabalho com os naturais do Brasil e da ilha chinesa se perdeu com a expulsão dos holandeses do litoral brasileiro em 1654 e de Taiwan, 12 anos depois (CÉSAR, 1999, p. 17)42.
Antes de Taiwan experimentar um desenvolvimento econômico iniciado pelo
governo, muitas instituições modernas foram introduzidas na sociedade através da
Igreja Presbiteriana: a primeira escola que incluía o ensino para as meninas, cegos e
surdos, a instalação do primeiro hospital ocidental que tratava de pacientes com
hanseníase e a fundação da primeira imprensa no país.
Durante o período colonial japonês, embora sob forte pressão das autoridades
para falar a língua japonesa, a “PCT continuou a usar a língua taiwanesa em suas
atividades”. Devido ao crescente militarismo do Japão, no final da década de 1930,
todos os missionários estrangeiros foram expulsos de Taiwan, temporariamente.
“Esse fato levou a igreja a passar por uma experiência inicial de autonomia”. O
evangelismo entre os aborígenes começou nesse momento de oposição japonesa,
considerada impiedosa. A perseguição não impediu o avanço do evangelismo. No
final do período da guerra cerca de 4.000 a 5.000 pessoas entre os aborígenes
estavam preparadas para receberem o batismo43. Desde a Segunda Guerra Mundial,
Taiwan tem sido inundada por uma variedade de missões interdenominacionais
42 Informações obtidas da Revista Ultimato. CÉSAR, Èlben M. Lenz... O mineiro com cara de matuto ao redor do
mundo: Áustria, Cuba, Índia, Japão, Marrocos, Moçambique, Taiwan e Turquia. Editora Ultimato. Viçosa/MG, 1999.Disponível em: http://www.ultimato.com.br/file/capitulos/Mineiro-leia.pdf, acesso em 04.Set.2017.
43 Disponível em: http://www.globalministries.org/eap_partners_presbyterian_church_in_taiwan, acesso em 09.Mai.2017.
67
cristãs e seitas. Entre as igrejas protestantes em Taiwan, a Igreja Presbiteriana
continua sendo a maior denominação.
Cerca de 70% dos aborígenes se declaram cristãos. Esses dados incluem os católicos romanos e outras igrejas protestantes. Cerca de 30% dos aborígenes são presbiterianos. O evangelismo tem sido mais lento entre o povo Han - cerca de 3,5% são cristãos, incluindo os presbiterianos que somam aproximadamente l%. A maioria da população adere à prática da religião popular, o budismo e o taoísmo. As crenças populares chinesas abrangem aproximadamente 48,5%, o budismo 43%, o cristianismo 7,4%, o islamismo 0,5%, outras 0,6%44.
O período de maior crescimento da PCT foi de 1955 a 1965, que culminou no
centenário da igreja, quando duplicou o número de igrejas e membros, inclusive entre
às comunidades aborígenes. Durante os anos autoritários de 70 e 80, a PCT
promoveu a mobilização do povo taiwanês para a causa da democracia e dos direitos
humanos, emitindo numerosas declarações; o que levou muitos líderes da igreja
serem presos pelo governo45.
Com uma história de mais de 150 anos de inserção na sociedade taiwanesa,
predominantemente budista, a PCT, manteve, desde a sua fundação, a preocupação
social e um testemunho honroso:
(...) tornando uma "voz para os taiwaneses sem voz”, compartilhando as aspirações de seu povo, comprometidos com a oração e o empenho pela justiça, paz, integridade e garantia dos direitos humanos plenos em Taiwan. Desde a sua fundação, a PCT entendeu que a proclamação do evangelho incluía a ação social; cuja prática é muito evidente nos esforços dos primeiros missionários, que não apenas implantaram igrejas, mas também estabeleceram hospitais e
escolas como ministérios da Igreja46.
44 Informações obtidas em:>https://www.portalbrasil.net/asia_formosa.htm. Acesso em 22.Ago.2017. 45 Informações obtidas em https://www.oikoumene.org/en/press-centre/news/wcc-general-secretary-highlights-
significance-of-presbyterian-church-in-taiwan-in-asian-church-history. Acesso em 09.Mai.2017. 46 Uma série de instituições médicas e educacionais foram iniciadas pelos missionários pioneiros e têm servido
Taiwan através de uma história longa e honrosa. A PCT tem três seminários teológicos, um Colégio Bíblico, duas universidades, três escolas secundárias, três hospitais e uma escola de enfermagem, além da imprensa As instituições relacionadas à PCT são: PCT Taiwan Igreja Imprensa, Faculdade Teológica de Taiwan e Seminário, Colégio Teológico e Seminário de Yushan, Faculdade Bíblica Presbiteriana, Escola secundária de meninas de Chang-Jung, Escola secundária de Chang Jung, Universidade de Chang-Jung, Aletheia University, Hospital Sin-Lo Christian, Hospital Cristão de Chang-Hua, Hospital Mackay Memorial, Escola de enfermagem Mackay, Faculdade de Medicina Mackay.
68
Figura 16: Celebração dos 150 anos da Igreja Presbiteriana em Taiwan (PCT)47.
“Atualmente existem 1.205 igrejas presbiterianas espalhadas por todo o país,
organizadas em vinte e três presbitérios, com aproximadamente 238.372 membros”
(dados de 2009)48.
3.2. Confissão de fé da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes
A Igreja Presbiteriana de Formosa é herdeira da reforma protestante, iniciada
na Alemanha, sob a liderança de Martinho Lutero no século XVI e do movimento
reformado que surgiu na Suíça, no século XVI, “tendo como líderes originais Ulrico
Zuínglio, em Zurique, e João Calvino, em Genebra” (NASCIMENTO; MATOS, 2007, p.
11). A IPF adota a confissão de fé das igrejas reformadas ou calvinistas:
As igrejas reformadas abrangem todas aquelas igrejas da Alemanha que subscrevem o Catecismo Heidelberg; as igrejas protestantes da Suíça, França, Holanda, Inglaterra e Escócia; os Independentes e Batistas da Inglaterra e América; e os vários ramos da Igreja Presbiteriana da Inglaterra e América (HODGE, 2008, p. 30).
47 Parte da história da igreja na Ásia foi chamada de "significativa e dramática", declaração do Rev. Dr. Olav
Fykse Tveit, secretário-geral do Conselho Mundial das Igrejas em Taiwan. Disponível em https://www.oikoumene.org/en/about-us, acesso em 09.Mai.2017 e [email protected]. tw www.pct.org.tw.
48 Informações obtidas do site da PCT, disponível em:> http://english.pct.org.tw/enWho_int_Sta.htm. Acesso em 25.Set.2017.
69
“Protestantes seriam, portanto, aquelas igrejas que se originaram da Reforma”
(MENDONÇA, 2012, p. 73). O sistema teológico adotado pela IPF é o calvinismo. O
calvinismo foi “elaborado pelo mais articulado e profundo dentre os reformadores,
João Calvino (1509-1564)”. Um dos principais fundamentos do calvinismo baseia-se
“na noção da absoluta soberania de Deus como criador, preservador e redentor”.
Além de interpretar sistematicamente as principais doutrinas das Sagradas Escrituras e concepções específicas a respeito do culto, da liturgia, do ministério, da evangelização e do governo da igreja (NASCIMENTO; MATOS, 2007, p. 12).
“Para a maioria dos defensores de Calvino, a ênfase da sua teologia não
estava na doutrina da predestinação, mas na da soberania” (MENDONÇA, 2008,
p.57). “Deus suplanta todas as soberanias humanas e extrai os eleitos de qualquer
classe social, não levando em conta nem ricos nem pobres” (MENDONÇA, 2008,
p.61). A base doutrinária adotada pela IPF é baseada na Confissão de Fé da
Assembleia de Westminster e os Catecismos Maior e Breve “usados como meios de
instrução pública por todas as entidades congregacionais de rebanhos puritanos no
mundo inteiro” (HODGE, 2008, p. 45).
O nome “igreja presbiteriana” vem da maneira como a igreja é administrada, ou seja, através de “presbíteros” eleitos pelas comunidades locais. Essas comunidades são governadas por um “Conselho” de presbíteros e estes oficiais também integram os concílios superiores da igreja, que são os Presbitérios, os Sínodos e o Supremo Concílio. (...) O termo presbiteriano foi adotado pelos reformadores nas Ilhas Britânicas (Escócia, Inglaterra e Irlanda) (NASCIMENTO; MATOS, 2007, p. 10 e 12).
A Igreja Presbiteriana de Formosa sustenta que a Escritura é absoluta regra de
fé e pratica.
“A única e infalível regra de interpretação das Escrituras são as próprias Escrituras”. Há um só Deus vivo e verdadeiro. Esse Deus é um Espírito pessoal. Que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são cada um igualmente o único Deus e possuem em comum todas as divinas perfeições. Que eles são três pessoas distintas ainda que uma só substância. Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. Cristo é o cabeça de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do mundo. A fé salvífica é obra do Espírito Santo por intermédio da Palavra (HODGE, 2008, p. 9, 12, 14).
70
As igrejas reformadas ou presbiterianas utilizam a Confissão de Fé de
Westminster49 para doutrinar os crentes na verdade do evangelho, considerada a
mais perfeita organização doutrinária cristã, baseada na Escritura. “A igreja e a
literatura ou reflexão de edificação, constituíam os apoios que cada crente encontrava
para o exercício da sua condição de protestante” (PEREIRA, 2005, p.108).
3.3. Religiosidade: Fatos e memórias
A experiência da religiosidade dos taiwaneses é algo muito particular e
singular, para aquela minoria camponesa migrante em Botujuru, especialmente pelo
modo como se deu a saída em Taiwan até seus desdobramentos no Brasil. Com
pouca escolaridade e desprovidos de recursos financeiros, não era o sentimento de
pátria que os unia e sim a religião protestante, pela necessidade de dar continuidade
as suas práticas religiosas. Era ela que ordenava seu mundo e lhes permitia encontrar
significado na experiência pela qual estavam passando, mediante as perdas da
migração. Segundo Dantas:
A mudança de país impõe ao migrante múltiplas perdas, já que deixa para trás familiares, amigos, trabalho, ambiente físico, língua, normas sociais, locais conhecidos e a memória social (DANTAS, 2012, p.116).
Com o passar do tempo, cresceu o fluxo migratório de taiwaneses
predominantemente budistas para a região, engrossando o número de camponeses,
na produção agrícola em Botujuru. A maioria dos imigrantes, recém-chegados, não
possuíam grau de parentesco, com os pioneiros que aqui estavam, nem ao menos
tinham relações de amizade em seu país de origem. O Dr. Chen Jen Shan é
presbítero da IPF e fez parte das famílias pioneiras e fundadoras da Igreja em
Botujuru, declarou:
Quando os imigrantes taiwaneses recém-chegados, vinham até nós, dividíamos com eles uma parte do barracão para que eles pudessem
49 Desde julho de 1643 até fevereiro de 1648, reuniu-se em uma das salas da Abadia de Westminster,
na cidade de Londres, o Concílio, composto por teólogos e civis, conhecido na história pelo nome de Assembleia de Westminster. Esse Concílio foi convocado pelo Parlamento inglês, para preparar uma nova base de doutrina, uma forma de culto e um governo eclesiástico que devia servir para a igreja do Estado. (HODGE, 2008, p. 38)
71
ter condições de plantar seus cogumelos e terem uma renda própria. Era dividido, até mesmo, o espaço onde morávamos com outras famílias e assim ficávamos juntos. No horário do culto e das reuniões de oração, eles eram convidados a adorarem a Deus conosco. Aos poucos foram concordando e após conhecerem o evangelho, foram se convertendo e aumentando o número da membresia da Igreja (Shan, 2016).
O acolhimento aos novos imigrantes, pelo fator étnico, foi fundamental para
aglutinação e aceitação no grupo religioso. O compromisso étnico social de
acomodação e inserção desses imigrantes na sociedade brasileira, promoveu
simultaneamente, a evangelização dos seus compatriotas.
A religião protestante tornou-se a base de segurança que pautava os
propósitos e ações desses imigrantes: o ponto de apoio que os sustentava, enquanto
passavam de sua cultura de origem para uma nova realidade.
A prática religiosa associada à assistência social étnica, norteava as relações
interpessoais, as atividades de trabalho e as aspirações de vida. Seja do ponto de
vista emocional, psicológico ou econômico, o elo étnico religioso foi vital no processo
de enraizamento daqueles migrantes em terras brasileiras. Diria, parafraseando
Durkheim (1996), “que a religião permitiu a continuidade de certa ordem de mundo, de
classificações, representações e hierarquias em que a Igreja, como instituição,
desempenhou papel fundamental”.
As primeiras famílias narram em suas memórias que ao decidirem partir de
Taiwan para o Brasil, “procuraram realizar seus rituais religiosos, ainda em viagem, no
barco em alto mar, a fim de preservarem a fé que seria praticada na nova terra”
(Álbum do Cinquentenário, 2013, p. 8). Nesse contexto, a “construção da memória
pessoal está ligada à memória grupal, e esta, por sua vez, à memória coletiva”
(OLIVEN, 2016, p.132).
No levantamento das memórias do grupo étnico, foram resgatadas histórias de
vida da migração taiwanesa para a cidade de Mogi das Cruzes. São histórias
verídicas que narram a vida de personagens originariamente da cultura oriental e
seus descendentes brasileiros, que revelam na fé e na etnicidade, o alicerce do
grupo. A memória coletiva é “composta por lembranças vividas pelo indivíduo ou que
lhe foram repassadas e são entendidas como propriedade de uma comunidade, um
grupo”. Segundo Jacques Le Goff:
72
(...) a memória é a propriedade de conservar certas informações, propriedade que se refere a um conjunto de funções psíquicas que permite ao indivíduo atualizar impressões ou informações passadas, ou reinterpretadas como passadas (SILVA & SILVA, 2009, p. 275).
A história de um grupo humano é a sua memória coletiva e cumpre a respeito
dela a mesma função que a memória pessoal num indivíduo: a de dar-lhe um sentido
de identidade que o faz ser ele mesmo e não outro. A história de cada membro
taiwanês é uma forma particular de conservar a memória coletiva do grupo.
As nossas recordações não são os restos descoloridos de uma imagem fotográfica que reproduz fielmente a realidade, mas sim uma construção que fazemos a partir de fragmentos de conhecimento que já eram, na sua origem, interpretações da realidade e que, ao voltarmos a reuni-los, reinterpretamo-los à luz de novos pontos de vista. Os que estudam os processos de conhecimento mostram-nos a complexidade disso que é aparentemente tão simples, como a evocação de uma recordação, e insistem em dizer que não há relação com o ato de tirá-la por inteiro de lugar do cérebro em que está alojada, mas sim a compomos com os fragmentos de recordação tirados de registros distintos.50
Dos fundadores da IPF, o único dos patriarcas, da primeira geração, que
permanece vivo é o Sr. Chen Johg Hoa, nascido em 24 de setembro de 1927, hoje
com noventa anos. Chegou ao Brasil com trinta e sete anos de idade. A família do Sr.
Chen Johg Hoa, compõe o grupo dos pioneiros imigrantes taiwaneses que vieram
para a cidade de Mogi das Cruzes e participaram da construção do primeiro templo,
no bairro do Botujuru Km 7. Ao ser questionado a respeito dos motivos que o levaram
a sair do seu país, ele declarou:
Em Taiwan as condições eram precárias. Por influência da família do Dr. Chen Jen Shan, que estava no Brasil, recebi o convite, por meio de carta, para formar uma cooperativa de produtos agrícolas em um espaço de terra de 300 hectares, para o cultivo agrícola. Em Taiwan a área de cultivo era pequena, no Brasil a porção de terra a ser cultivada seria maior (Hoa, 2016).
Na embarcação vieram cinco pessoas da família, a esposa e três filhos, todos
nascidos em Taiwan. “Trouxemos em nossos corações a fé cristã como herança
50 FONTANA, Josep. "Reflexões sobre a história, do além do fim da história". In: História: análise do passado e
projeto social. Bauru: Edusc, 1998, p. 267.
73
religiosa a ser cultivada na nova terra” disse o Sr. Hoa. Em Taiwan eram membros
congregantes da Igreja Presbiteriana.
O Sr. Chen Johg Hoa é diácono, fala fluentemente o taiwanês, porém pouco se
expressa na língua portuguesa, razão pela qual, precisei de um intérprete para a
realização da entrevista. O Sr. Chen Johg Hoa, tem visto a sua descendência se
multiplicar no Brasil, na condição de tataravô, têm contribuído com quatro gerações
de descendentes desde o início da migração até os dias atuais.
Na sequência dos registros das memórias, foi entrevistado o doutor e
presbítero Chen Jen Shan, que fez parte das famílias pioneiras, fundadoras da Igreja
Presbiteriana de Formosa em Botujuru. O Dr. Chen Jen Shan chegou ao Brasil, no
porto de Santos/SP, em 10 de outubro de 1963, com nove anos de idade,
acompanhado de sua família, formada de cinco membros, pai, mãe e três filhos.
A vinda da família foi incentivada por um primo médico aposentado que vivia no
Brasil, o Dr. Yu-Chi Yang, que se comunicava através de cartas, dizendo que a
situação sócio econômica no Brasil na época, era favorável à migração. Relatou:
A vida em Taiwan tornou-se precária no período pós-guerra, a família que possuísse três hectares de terra era considerada rica. No Brasil a proposta de possuir uma extensão maior de terra despertou interesse na imigração. Esperava-se um futuro melhor e uma boa qualidade de vida para os filhos (Shan, 2016).
Com nove anos de idade o Sr.Chen Jen Shan, tinha terminado o 3º. ano
escolar em Taiwan e quando chegou ao Brasil, retornou ao 1º. ano do ensino
fundamental. A sua maior dificuldade enfrentada no Brasil estava relacionada à
linguagem, pois a sua comunicação se restringia à língua chinesa. Ele desconhecia a
língua portuguesa, o que o levou a enfrentar muitas dificuldades na escola. Por não
entender o que a professora ensinava, somente sabia do dia da prova quando via a
professora distribuindo a folha de papel almaço para a turma de alunos. Contudo,
mesmo diante da grande barreira linguística, o Sr. Chen Jen Shan nunca foi
reprovado na escola.
A escola distanciava-se 1 Km e meio de casa e o percurso era feito a pé e ainda descalço. Na época enfrentávamos dificuldades econômicas, por isso não possuíamos sequer sapatos. O único sapato que havia era o tamanco de fabricação própria, feito de madeira e de
74
couro ou de tecido, utilizado depois que se tomava banho para dirigir-se ao quarto para dormir (Shan, 2016).
O Sr. Chen Jen Shan relatou como foram os desafios ao conciliar as atividades
rurais com a dedicação aos estudos, nos primeiros anos de estabelecimento no
Brasil.
O tempo era escasso para se dedicar aos estudos. Pela manhã ele tinha que levantar cedo, dar ração para as galinhas na granja, regar as verduras e colher os cogumelos. Após o almoço, na parte da tarde, dirigia-se à escola. Quando retornava, tinha que voltar ao trabalho, ainda mais intenso: preparar a terra para o plantio de verduras, carpir o campo, e dar mais ração para as galinhas e recolher os ovos. Quando anoitecia no campo, dirigia-se ao barracão, por ser iluminado, continuava o trabalho preparando a estufa de cogumelos e sua colheita. O trabalho acabava por volta das dez horas da noite e às vezes se estendia até à meia noite (Shan, 2016).
Toda a produção agrícola era inicialmente comercializada na cooperativa
agrícola de Mogi das Cruzes. Porém, como a venda da produção não cobria os custos
de carreto, passou-se a vender diretamente na feira-livre e no Mercadão em São
Paulo. “A comercialização dos produtos no Mercadão de São Paulo contava com a
participação tanto dos jovens como das crianças. Eles levavam as mercadorias em
caixotes de 5kg nas costas”. O percurso era realizado de trem até a estação do Brás
e depois se seguia a pé até o mercado (Shan, 2016).
Esse cotidiano estendeu-se até a juventude. Quando completou dezoito anos
de idade, o Sr. Shan começou a se preparar para a prova do vestibular. Pela manhã
cursava o ensino médio e à tarde estudava no curso pré-vestibular. A dedicação aos
estudos rendeu ao Sr.Chen Jen Shan, a aprovação no vestibular no curso de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP), “uma conquista para toda a família,
Igreja e sociedade brasileira”. O Sr. Chen Jen Shan é médico especialista em
urologia, formado há trinta e seis anos, é pesquisador no Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) e presbítero na Igreja Presbiteriana de
Formosa em Mogi das Cruzes.
As histórias de vida se entrelaçam e formam um quadro de experiências
notáveis que revelam o espírito desbravador e a perseverança dos imigrantes.
Outro exemplo é o resgate das memórias do Dr. Wang Ming Hui, hoje com
sessenta e dois anos. Chegou ao Brasil aos nove anos de idade. Na embarcação
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vieram cinco pessoas da família, pai, mãe e três irmãos. A irmã mais velha veio ao
Brasil cinco anos depois. O Dr. Wang Ming Hui é presbítero da IPF e exerce a
medicina na especialidade de cirurgião geral há trinta e cinco anos. É formado pela
Universidade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e atende em consultório
particular e em hospital público.
Os pais das seis primeiras famílias taiwanesas sempre incentivaram seus filhos a estudarem nas escolas públicas, pois as condições financeiras não eram favoráveis para investir nos estudos em escolas particulares, o que levou os filhos a concorreram às vagas em universidades públicas como a USP (Hui, 2017).
Ao ser indagado sobre os motivos da emigração para o Brasil, o Dr. Wang Ming
Hui declarou:
Em 1962 a Ilha de Taiwan era pobre e não havia perspectiva de futuro para seus filhos. Os pais receberam notícias de que o Brasil era um país próspero e que esta seria uma oportunidade única para dar uma reviravolta financeira. A partir daí dez famílias interessadas se juntaram para discutirem sobre a oportunidade de emigração. Apenas seis famílias conseguiram sair do país (Hui, 2017).
Devido aos impedimentos e dificuldades impostas pelo governo taiwanês,
quanto à emigração, os trâmites se tornaram lentos e a espera durou longos meses
até a saída de Taiwan. “Algumas famílias haviam vendido todos os seus bens, e após
a compra das passagens do navio, havia sobrado pouquíssimo dinheiro” (Álbum
Comemorativo do 45º Aniversário, 2008, p.15).
Durante os dias de percurso da viagem no navio, as famílias se reuniam para oferecer culto de ações de graças a Deus, pela manhã e à tarde. Quando chegaram, em solo brasileiro, as famílias já haviam criado o hábito de cultuarem a Deus em grupo de famílias (Hui, 2017).
Ao chegarem ao Brasil, desembarcaram no porto de Santos. Não sabiam ao
certo para onde iriam. Foram encaminhados para um pequeno sítio em Pindorama, na
cidade de Mogi das Cruzes. O alojamento das famílias foi em um galinheiro
desativado, ainda sujo pelas galinhas que ali ficaram. Estarrecidos pelo ambiente de
mata nativa ao redor, as famílias não se adaptaram e logo foram encaminhadas para
o bairro de Botujuru na cidade de Mogi das Cruzes a fim de trabalharem em uma
76
granja. O terreno que iriam trabalhar foi sorteado entre as famílias para plantarem
cogumelos em galpões.
Nos primeiros meses em Botujuru, a precariedade era tanta que não sobrava
tempo para se pensar em adaptação, mas em como sobreviver frente à dura
realidade do momento:
Faltava dinheiro, não entendíamos a língua portuguesa, nem tampouco éramos entendidos. As dificuldades eram extremas para nos manter sobrevivendo. O casebre de dois cômodos, emprestado, ainda era dividido entre duas famílias. As famílias que detinham melhores condições econômicas construíram casas simples, na porção do terreno comprado, porém, meu pai, no início, não dispunha de recursos, por isso morávamos em casebre. Nos faltava tudo, porém não faltava a fé em nossos corações (Hui, 2017).
Após o estabelecimento das seis famílias em terreno próprio, em Botujuru,
outros imigrantes recém-chegados buscaram acolhimento com os compatriotas.
As famílias taiwanesas recém-chegadas na região de Mogi das Cruzes não sabiam para onde ir, nem mesmo tinham um lugar para acomodarem suas famílias. Ao saberem que havia um grupo de agricultores taiwaneses em Botujuru, encontraram não somente acolhimento e moradia compartilhada, mas eram motivados a trabalharem na lavoura e alugarem sítios para plantação de cogumelos; receberam incentivo para abertura dos seus próprios negócios; assistência voltada às técnicas agrícolas para seu próprio sustento e manutenção das suas famílias em Mogi das Cruzes (Hui, 2017).
De acordo com os relatos do Dr. Wang Ming Hui, o "crescimento da membresia
da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes se deu de uma forma natural
e espontânea”. A convivência entre as famílias e a assistência social dispensada aos
novos imigrantes recém-chegados, foi preponderante para a aproximação e
aglutinação dos taiwaneses à fé cristã compartilhada.
Uma das características da cultura taiwanesa, entre outras, que contribuíram
para a aproximação das famílias foi a preocupação no aspecto alimentar. Os
brasileiros ao se cumprimentarem perguntam: “- Como vai?” Os taiwaneses têm o
costume de perguntar: “- Está bem alimentado ou saciado?” O costume da cultura
promovia assistência básica alimentar aos novos imigrantes e a sua inserção no
grupo:
77
Os visitantes não saem sem almoçar ou jantar da casa de um taiwanês. É inaceitável um visitante ser despedido sem fazer uma refeição junto com a família. A primeira preocupação era encher a barriga dos que estavam com fome. Essa atitude instigou-os a desejar conhecer os motivos que nos levavam a frequentar a Igreja. Em Atos dos Apóstolos aconteceu o mesmo. O evangelho deve ser pregado não somente em palavras, mas em ação e em verdade, proporcionando que outros sonhos se tornem possíveis e reais, especialmente para aqueles que viam no Brasil uma oportunidade de futuro para seus filhos e netos (Hui, 2017).
Ao ser questionado sobre a discriminação racial enfrentada no Brasil, Sr. Wang
Ming Hui declarou que: “- por incrível que pareça, não passei por discriminação racial
entre o povo brasileiro”, acrescentou:
O povo brasileiro por ser uma mistura de vários povos, possui uma tolerância étnica maior que em outros países. Esse fato possivelmente explique o motivo de eu não ter sofrido discriminação no Brasil” (Hui, 2017).
A maioria dos imigrantes e seus descendentes entrevistados, não
manifestaram intenção de regressar a Taiwan. Assim como o Dr. Wang Ming Hui, a
maioria da membresia possui uma vida estabilizada no Brasil e mantém vínculos de
relacionamentos no país de adoção, como relata o Dr. Hui: “- adotei o Brasil como
minha pátria”.
No Álbum Comemorativo do Cinquentenário, há várias citações sobre a
preponderância da vida religiosa para os taiwaneses e seus descendentes, com
registros referentes ao sentimento de gratidão pela conquista patrimonial do templo e
o crescimento da Igreja ao longo de meio século, o que revela na religião a grande
força que os guiou em seus propósitos e trajetórias de vida, constituindo fator basilar
da vida social e econômica, tanto na adaptação e acomodação como no seu
progresso na nova pátria de adoção.
As novas gerações do grupo se projetam para uma estabilidade de vida no
Brasil. Os jovens entrevistados, em sua maioria, declararam não possuir fluência no
mandarim o que dificultaria a vida em Taiwan, além disso, permanece a relevância do
ideário religioso dos pioneiros do grupo no Brasil, como declara o jovem S.( 2017):
Assim como Deus direcionou meus pais a virem para o Brasil, acredito que o propósito de Deus seja continuarmos aqui no Brasil, mesmo diante do elevado desenvolvimento econômico e da qualidade de vida
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que Taiwan alcançou nos últimos anos em comparação com a do Brasil.
As reuniões no templo, a língua materna, os costumes orientais, as crenças e
os ritos religiosos lembravam os taiwaneses de quem eles eram e dos seus
propósitos de vida. Pelo fato de extrair da fé cristã protestante a força para lidarem
com as adversidades cotidianas, considero que a religiosidade, naquele contexto,
fortaleceu ainda mais os laços que os uniam no Brasil, em comparação aos
sentimentos que os uniam à própria Taiwan.
Com a criação do Seminário Teológico Servos de Cristo, em 1990, que conta
com a colaboração de várias denominações chinesas na formação de pastores,
missionários e evangelistas, contribuiu para reforçar a identidade étnica religiosa dos
taiwaneses através do ensino teológico voltado ao atendimento de chineses,
taiwaneses, japoneses, coreanos e brasileiros. O seminário também contribuiu para a
divulgação de literaturas, folhetos e publicações em chinês a fim de atender as Igrejas
orientais no Brasil.
Na área rural, alguns permaneceram produtores de cogumelos, mantendo os
costumes religiosos e as atividades ligadas à terra. Apesar da mudança das
atividades econômicas, predominantemente urbanas, entre as novas gerações, as
propriedades rurais continuam pertencendo às famílias taiwanesas que as arrendam
para os brasileiros cultivarem nelas. Contudo, a maioria dos que migraram para as
zonas urbanas, mantiveram a religiosidade como importante sinal adscritivo, conforme
verificado nesta pesquisa etnográfica realizada de 2016 a 2017.
3.4. Identidade Étnica
A maioria das famílias taiwanesas que vieram para Mogi das Cruzes eram
camponeses vindos da região central de Taiwan, do distrito de Chiong-Hòa. De fato
eram famílias pobres, pouco instruídas, porém de boa conduta moral como resultado
da influência religiosa compartilhada pelo grupo étnico. O conceito de etnia51
elaborado por Vancher de Lapouge define:
51 O termo etnia surgiu no início do século XIX para designar as características culturais próprias de um grupo,
como a língua e os costumes. Foi criado por Vancher de Lapouge, antropólogo que acreditava que a raça era o fator determinante na história... Já Max Weber, por sua vez, fez uma distinção não apenas entre raça e
79
(...) etnia para se referir às características não abarcadas pela raça, (...) como um agrupamento humano baseado em laços culturais compartilhados, de modo a diferenciar esse conceito do de raça (que estava associado a características físicas), (SILVA &SILVA, 2009, p.124).
Desde o início no Brasil, o grupo se manteve coeso; todas as decisões
contavam com a concordância e participação de todos os membros taiwaneses
vinculados à Igreja. A moradia, o trabalho e a fé compartilhada, foram elos que
fortaleceram a unidade entre as famílias. Os imigrantes recém-chegados que não
confessavam a mesma fé eram aos poucos, introduzidos no grupo religioso pela
necessidade social de pertença. As identidades religiosas (...) ajudam a constituir
comunidades de pessoas que podem apoiar-se umas às outras na busca de metas
que compartilham como membros daquela religião (APPIAH, 2016, p. 23)52.
A sociabilidade do grupo desenvolveu-se aos domingos, nos cultos, nas festas
religiosas e nas atividades esportivas na Igreja. Devido às ocupações com o trabalho
e os estudos, durante a semana, o dia de domingo ficou reservado, como sendo “o
dia do Senhor” para a realização das práticas religiosas e ao mesmo tempo um dia de
encontro entre as famílias para renovarem seus laços étnicos. Atualmente o culto
continua sendo realizado aos domingos pela manhã. Após o culto, o almoço coletivo é
servido aos membros e visitantes, no amplo refeitório da Igreja, tornando-se um
momento em que as famílias compartilham suas experiências da semana através de
diálogo informal. Após o almoço, inicia-se a Escola Bíblica Dominical. As atividades
de domingo encerram-se com jogos esportivos para os jovens, na quadra da Igreja. A
conversação que se estabelece entre eles é no idioma taiwanês, dando a impressão
de se estar nos lugarejos de Taiwan.
No que tange as coletividades (ou comunidades) étnicas e de nação, (Max Weber, 1991, p.270) parte de princípios semelhantes em relação “a crença na afinidade de origem (objetivamente fundada ou não) e os habitus, costumes etc, fazendo referências, inclusive, à imigração (SEYFERT, 2011, p.50).
etnia, mas também entre etnia e Nação. Para ele, pertencer a uma raça era ter a mesma origem (biológica ou cultural), ao passo que pertencer a uma etnia era acreditar em uma origem cultural comum. A Nação também possuía tal crença, mas acrescentava uma reivindicação de poder político. A etnia é um objeto de estudo da Antropologia. (SILVA &SILVA, 2009, p.124).
52 KWAME, Anthony Appiah é professor da Princeton University. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira e revisão
técnica de Ana Maria Sallum. Identidade Étnica. In: JÙNIOR, Brasílio Sallum; ...SCHWARCZ, Lilia Moritz; VIDAL, Diana; CATANI, Afrânio (orgs.). Identidades. São Paulo: Edusp, 2016.
80
Os jovens se sociabilizam nas reuniões de mocidade aos sábados nas
dependências do templo, na escola dominical, em programações esportivas e em
acampamentos.
As mulheres atuam ativamente na sociabilidade e nas práticas religiosas da
IPF, ocupam cargos de liderança e são responsáveis em transmitir as tradições
culinárias dos pratos típicos que as avós confeccionavam em Taiwan.
As famílias tradicionais mantêm o costume de se alimentar com a comida típica do país de origem, conservando a forma tradicional de confeccionar os alimentos. O prato mais convencional da culinária doméstica taiwanesa é o Bah-chang, feito de arroz moti, uma mistura de temperos, ovos de codorna, carne de porco e embrulhado com folha de bambu. Outro prato tradicional preservado e ensinado às novas gerações, em curso de culinária, é a Tartaruga Vermelha, uma comida em formato de tartaruga, feito com massa de arroz moti, de coloração vermelha. O curso chama-se Ang-Ku-Kóee, é realizado pela Liga Feminina, ministrado nas dependências da Igreja Presbiteriana de Formosa a todos que desejam aprender as técnicas orientais utilizadas na confecção. A bebida tradicional é o chá oriental.
A identidade étnica do grupo de imigrantes taiwaneses que se estabeleceram
em Mogi das Cruzes, no século XX, foi construída na condição clássica de minoria,
num regime de trabalho familiar.
Banton elabora o conceito de minoria a partir da ideia de “limite” e tendo como base o fato de que, nas situações intergrupais, as minorias são definidas em dois sentidos: por si mesmas (limites inclusivos) e pela maioria (limites exclusivos), (Banton, 1977, cap.8).
O pequeno grupo de agricultores instalou-se em um núcleo etnicamente
homogêneo, a fim de manter os vínculos sociais de pertença e de comunicação,
tendo em vista apresentar, no início da migração, extrema dificuldade na
comunicação com os brasileiros. O Sr. Cheng declarou que “levou um período de três
a cinco anos para o início do processo de adaptação à cultura brasileira”.
A identidade étnica vista como expressão de etnicidade é manifesta através de
ideologias baseadas na afirmação do próprio grupo étnico. De acordo com essa
perspectiva a “etnicidade será abordada como um fenômeno de identidade étnica no
sentido em que se define limites grupais” (Cf. Epstein, 1978, Cap. I).
81
Outro elemento que difere o taiwanês do brasileiro é a visível estética física das
pregas mongólicas nos olhos, características biológicas que nos dá a noção do “outro”
diferente.
A emergência da noção de identidade étnica, como é sabido, deu-se em contraposição à noção de raça. Raça, supostamente, era uma característica biológica, enquanto a identidade étnica seria uma característica cultural (CUNHA, 2016, p.44)53.
Elemento preponderante de identificação étnica, naquele momento, era o uso
cotidiano da língua materna, utilizada nas situações intergrupais, tanto no ambiente
doméstico como nas reuniões no templo, “a linguagem, que, nesse contexto social,
serve para expressar diferenças” (CUNHA, 2016 p.46). Atualmente, há um esforço
dos pais em manter a tradição no uso da língua materna na comunicação cotidiana -
“entendida como um conjunto de orientações valorativas consagradas pelo passado”
(OLIVEN, 2016, p.135)54.
Os filhos são ensinados a falar primeiro a língua materna, e somente na fase
escolar e de sociabilização com outras crianças, o português é introduzido como a
segunda língua. “A manutenção da língua materna tornou-se um elemento
identificador do grupo” (SEYFERTH, 1982) e ao mesmo tempo um diferenciador entre
os brasileiros, “toda identidade é necessariamente contrastiva, ou não seria
identidade” (CUNHA, 2016, p.44).
A transmissão do idioma taiwanês como primeira língua, para as novas
gerações, acontece, inclusive, pela preocupação de não se perder o contato com os
familiares que residem em Taiwan.
Outro diferenciador entre os brasileiros predominantemente católicos e os
taiwaneses é a fé cristã reformada protestante, comunicada durante as primeiras
décadas, exclusivamente na língua materna, “um constante exemplo de choque
cultural” (MENDONÇA, 2008, p.38), o que contribuiu para a coesão e fortalecimento
do grupo e, ao mesmo tempo, distanciamento e fechamento para o relacionamento
com outros grupos étnicos, tornando-se uma “ilha social”.
53 Manuela Carneiro da Cunha foi professora da University of Chicago e da USP (Universidade de São Paulo),
Identidade étnica. In: JÙNIOR, Brasílio Sallum; SCHWARCZ, Lilia Moritz; VIDAL, Diana; CATANI, Afrânio (orgs.). Identidades. São Paulo: Edusp, 2016.
54 Ruben George Oliven é professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A Atualização da Nação Identidade Étnica. In: JÙNIOR, Brasílio Sallum; SCHWARCZ, Lilia Moritz; VIDAL, Diana; CATANI, Afrânio (orgs.). Identidades. São Paulo: Edusp, 2016.
82
Fazer parte de uma comunidade étnica é uma declaração pública de que se compartilha com outros membros dessa comunidade, em maior ou menor grau, parcialmente ao menos, uma história comum. Pois é nisso que a identidade étnica difere de outros tipos de identidade: sua razão última é, pressupõe-se, de natureza histórica (CUNHA, 2016, p.46).
O protestantismo no Brasil se construiu como o “outro”, em oposição à matriz
do catolicismo, como ressalta Borges Pereira:
Como grupo minoritário, ou minorizado, o protestante se colocou estrategicamente numa situação de oposição entre nós/outros, que em última instância pode ser vista como pares dialéticos ou dicotômicos entre o bem e o mal, o puro e o impuro (PEREIRA, 2005, p. 107).
Os pastores incentivam a conservação da língua taiwanesa entre os
descendentes da membresia, nas dependências do templo e nas práticas religiosas
de culto: liturgia, pregação do sermão, cânticos entoados, avisos e nas literaturas, “fé
que é expressa na língua materna” (SEYFERTH, 1982).
O casamento endogâmico é incentivado tanto pela família, como pela liderança
da Igreja, o que reforça a preservação cultural-religiosa, aliado à conservação da
língua materna, que se transforma em símbolo de identificação e pertencimento. Para
Durkheim, a religião diz respeito a uma superioridade do coletivo sobre o individual,
sua autoridade moral e sua proteção. “Os indivíduos que compõem essa coletividade
sentem-se ligados uns aos outros pelo simples fato de terem uma fé comum”
(DURKHEIM, 2000, p. 28).
No que tange à criação de filhos, os pais taiwaneses seguem culturalmente a
educação oriental, contrapondo à cultura ocidental. Os adolescentes e os jovens
obedecem às regras e os limites cobrados pelos pais. Mesmo diante do processo de
aculturação, os descendentes taiwaneses não adotam o padrão de educação de filhos
das famílias brasileiras, “a cultura oriental de orientação e educação de filhos é como
uma raiz que trouxemos conosco, não podemos arrancar de nós, nem aceitar a forma
como é ensinada no Brasil” (Hui, 2017). “Ao falar dos outros, de alteridade, o sujeito
afirma algo sobre si mesmo, expressão de sua própria identidade” (VIERTLER, 2006,
p.48).
Os idosos taiwaneses, de acordo com a cultura oriental, representam uma
figura de respeito, devem ser sempre ouvidos e considerados, pois agregam valores e
83
experiência de vida. Nas famílias tradicionais, os idosos centralizam a família ao redor
de si. Os mais velhos são detentores da cultura original, decorrente do seu
conhecimento acumulado, são considerados como referência grupal da tradição vivida
e acrescida em cada novo tempo pela contribuição de cada geração.
A respeito da tradição Hobsbawn55 considera que a invenção de tradições é essencialmente um processo de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição (HOBSBAWM, 1984, p.13).
No caso dos taiwaneses há uma ligação estabelecida entre os valores étnicos
e religiosos particularmente para os membros da Igreja Presbiteriana de Formosa. A
taiwanicidade e o evangelho se unem para reafirmar a ética cristã e tradições culturais
entre os membros da comunidade protestante. Os elementos da fé e língua materna
são “identidades contrastivas que distinguem e contrastam na construção da
identidade étnica”, que tem função importante na preservação da cultura do grupo
(CUNHA, 2016, p.44).
O assistencialismo aos imigrantes taiwaneses recém-chegados, tornou-se um
marco fundamental que contribuiu para o aumento da membresia da Igreja
Presbiteriana de Formosa. Os imigrantes taiwaneses que se aproximaram do grupo
estabelecido em Mogi das Cruzes, buscavam receber ajuda mútua dos seus
compatriotas, apoio e solidariedade, na esperança de prosperarem no Brasil.
Independente da religião que professavam em Taiwan, as primeiras famílias
dispensavam apoio assistencial em vários aspectos da existência humana - moradia
compartilhada em barracões, técnicas agrícolas, terra para o cultivo e assistência
mútua profissional - que gerou em conversões e adesão de novos imigrantes à fé
protestante.
A identidade (étnica) permite associar o indivíduo, ou o grupo, a um passado, uma raça, uma cultura compartilhada, suscita sentimentos de pertença, mas o interesse comum também une, permitindo laços concretos de comunidade (SEYFERTH, 2011, p.55).
56 Informações obtidas no site:
http:http://lutasocialista.com.br/livros/V%C1RIOS/HOBSBAWM,%20E.%20Introdu%E7%E3o.%20In%20A%20inven%E7%E3o%20das%20Tradi%E7%F5es.pdfiado por Baden Powell. Eric Hobsbawm & Terence Ranger (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. Acesso em 09.Out.2017.
84
A agricultura familiar e de granja foram atividades econômicas que
desempenharam um papel de coesão ao grupo étnico a partir dos seus interesses
mais imediatos socioeconômicos, como acolhimento, moradia, trabalho e
desenvolvimento econômico. A comunidade étnica estimulava a afirmação de valores
culturais e sociais.
A etnicidade se refere à construção social da descendência e da cultura, marcada pelo comportamento do indivíduo dentro e fora do grupo étnico, um comportamento determinado por sua herança de valores e tradições. Cultura e etnicidade estão entrelaçados, o que põe em evidência a diferença (em relação aos “outros”) e o embasamento da identidade (SEYFERTH, 2011, p.51, 53).
Os hábitos alimentares são cultivados como marcadores étnicos entre o
taiwanês e o “outro” brasileiro. A culinária taiwanesa é conservada tanto no cotidiano,
nas casas das famílias, como no templo: no almoço coletivo realizado todos os
domingos, após o culto matutino ou em outros eventos. “As avós cozinham e ao
mesmo tempo, transferem as tradições culinárias às gerações mais novas” (Sr. S.).
“As práticas cotidianas, habitus, modo de vida, organização social e outros
aspectos da realidade cultural tem importância na contextualização da etnicidade”
(SEYFERTH, 2011, p.51, 53). O modo de comemorar as festas é cultivado com pratos
culinários, do tradicional hábito alimentar, próprio do grupo étnico.
A dedicação ao trabalho duro como produtores de alimentos; a valorização da
família unida no trabalho; a visão do trabalho como enobrecedor e vocação divina; o
espírito empreendedor e a cultura de não desperdiçar, são alguns dos sinais
adscritivos mais comuns entre os taiwaneses e seus descendentes.
O protestante deveria ser educado para ser o exemplo edificante de superioridade religiosa: exemplo nas atitudes morais, exemplo na escola, no trabalho, exemplo nas suas relações pessoais e sociais (BORGES PEREIRA, 2005, p. 108).
Por outro lado o estereótipo do brasileiro contrasta com o do taiwanês, pelo
fato do brasileiro ser visto como um indivíduo de “pouco esforço, avesso ao trabalho e
preguiçoso”; esse pensamento contribuiu para o reforço do casamento entre os
membros da própria comunidade étnica. O imigrante taiwanês revelou em seu perfil
extremamente reservado e altamente disciplinado no trabalho, características
85
culturais orientais, que os diferem culturalmente a dos brasileiros. Segundo o
presidente da ONG JCI Brasil-China, Chang Kuo I, a interação entre brasileiros e
chineses é harmoniosa, relata: “brasileiros e chineses têm uma convivência pacífica e
respeitosa. Os brasileiros têm consideração com o povo, reconhecem que é um povo
trabalhador”.56
Apesar da estabilidade econômica e profissional no Brasil, os taiwaneses não
renunciam aos valores étnicos de sua identidade de origem, razão pela qual, alguns
conservam o desejo de retornar à pátria dos seus antepassados, a fim de visitar seus
parentes, mantendo harmoniosamente a dupla cidadania.
3.4.1. Sociabilidade e Aculturação
Por mais de quatro décadas os cultos eram realizados somente em taiwanês. A
fluência na língua era devido ao esforço dos pais em transmitir a cultura linguística
aos seus filhos. Apesar de multiplicado, o grupo se manteve coeso nas primeiras
décadas, portanto, não havia necessidade da tradução do culto para o português.
Contudo, nem todos os pais das novas gerações conservaram a preocupação de
seguirem os mesmos costumes de ensinar o taiwanês fluente para seus filhos. As
dificuldades linguísticas com o taiwanês começaram a aparecer entre as novas
gerações, pelo fato de não compreenderem o culto na íntegra. Houve com isso, a
necessidade de se traduzir o conteúdo do culto para a língua portuguesa. Segundo
Dantas:
(...) toda cultura é um processo permanente de construção, desconstrução e reconstrução que, em tempos de rápidos deslocamentos e constante contato intercultural, torna-se extremamente dinâmico (DANTAS, 2012, p.114).
56 A Comunidade chinesa em São Paulo é estimada em 200 mil pessoas, incluindo os nascidos na China e os
descendentes, a maior do Brasil, segundo o presidente da ONG JCI Brasil-China, Chang Kuo I. Essa estimativa considera os chineses continentais e também os nascidos em Taiwan e Hong Kong. “A comunidade chinesa no Brasil não é homogénea, há muitos grupos que se identificam mais pela região ou pelo idioma”, afirmou Chang Kuo I, que reside no Brasil há mais 25 anos. Uma das principais atividades da ONG JCI Brasil-China é a realização de eventos culturais de caráter educacional, com foco tanto na cultura chinesa como na brasileira, com o objetivo de promover a integração. Informações obtidas em>http://www.revistamacau.com/2015/05/18/comunidade-chinesa-em-sao-paulo-estimada-em-200-mil-pessoas/Acesso em 10.Out, 2017.
86
Aproximadamente nos últimos sete anos, a Igreja Presbiteriana de Formosa
inseriu a tradução simultânea para o português.
Para explicar o termo aculturação Watchel considera que “aculturação é todo fenômeno de interação social que resulta do contato entre duas culturas, e não simplesmente a sujeição de um povo por outro” (SILVA & SILVA, 2009, p. 15)57.
Na proposta de Oliveira, a “fricção interétnica” propõe explicar as relações
sociais que acontecem dentro das sociedades que se interagem através de contatos e
conflitos em relação à difusão, transmissão e assimilação da cultura. De acordo com
Viertler, “no jogo das relações intergrupais, Interétnicas (...) estes vários “outros” são
apenas semelhantes enquanto seres humanos, mas de qualidades e valores
desiguais” (VIERTLER, 2006, p. 45).
Os taiwaneses não perderam sua identidade étnica, apesar da interação com a
sociedade brasileira, “as transformações sofridas pelas sociedades em contato
interétnico não são os resultados da influência da cultura de uma sobre a outra”, nem
mesmo “o produto de uma criação comum determinada pelos fatores postos em
interação pelos grupos étnicos” (OLIVEIRA, 1976). Os resultados da interação
reestruturam os interesses do grupo e se mantém como forma de sobrevivência, sem
perder a identidade étnica do grupo. OLIVEIRA segue “o princípio de Durkheim de
estudar o social pelo social, sendo, portanto, a identidade étnica uma forma de
identidade social” (VERAS & DE BRITO)58.
“Chamamos 'fricção Interétnica' o contato entre grupos tribais e segmentos da sociedade brasileira, caracterizados por seus aspectos competitivos e, na maioria das vezes, conflituais, assumindo esse contato muitas vezes proporções 'totais', i.e., envolvendo toda a conduta tribal e não tribal que passa a ser moldada pela situação de fricção Interétnica". A formulação do conceito significava, em primeiro lugar, uma atitude crítica frente a abordagens correntes à época no Brasil, como aquelas que focalizavam os processos de "aculturação"
57 O termo aculturação foi inicialmente cunhado por antropólogos norte-americanos, sendo o historiador francês
Nathan Watchel um dos principais responsáveis por sua adaptação para a História. De acordo com ele, o conceito de aculturação é útil para o desenvolvimento de reflexões sobre as mudanças que podem acontecer em uma sociedade a partir da inclusão de elementos externos, ou seja, do contato com outras culturas. (SILVA & SILVA, 2009, p.15).
58 Informações extraídas da Revista de Antropologia: ANTROPOS. VERAS, Marcos Flávio Portela. DE BRITO, Vanderlei Guimarães. Ano 4, Vol. 5 – Maio de 2012. Artigo 4: Identidade Étnica: A dimensão política de um processo de reconhecimento.
87
ou de "mudança social", inspirados, respectivamente, nas teorias funcionalistas norte-americanas ou britânicas59.
Viertler (2006, p. 45, 46), declara que “esta dinâmica de relações intergrupais,
acaba cristalizando certas marcas ou atributos dos vários grupos envolvidos”, essas
“marcas” são construções culturais que visam classificar outros que se diferem de
acordo com as “novas conjunturas que assume”. “A identidade é, assim, marcada
pela diferença” (SILVA, 2000, p.9). “Assim como a identidade depende da diferença, a
diferença depende da identidade, sendo ambas inseparáveis” (SILVA, 2000).
Segundo Dantas, o imigrante deve ajustar-se ao novo local e aprender novos
códigos sociais, colocando em xeque o seu universo cultural.
Fica claro, portanto, que o contato contínuo com outra cultura supõe um conflito, crise e uma posterior “adaptação” ao novo ambiente cultural. Interessante lembrar que a palavra “crise” em chinês é formada por dois ideogramas, em que um significa perigo e o outro, oportunidade (DANTAS, 2012, p.116).
São poucos os casamentos mistos entre taiwaneses e brasileiros. O incentivo
maior é para uniões matrimoniais endogâmicas, a fim de se evitar conflitos culturais.
“Uma etnia pode manter sua identidade étnica mesmo quando o processo de
aculturação em que está inserida tenha alcançado graus altíssimos de mudança
cultural” (OLIVEIRA,1976)60.
A aculturação dos taiwaneses foi se solidificando com o passar do tempo,
identificada principalmente, nos hábitos alimentares adquiridos dos brasileiros, como
o costume de comer churrasco e a feijoada, pratos típicos da culinária brasileira, que
fazem parte do cardápio dos taiwaneses em eventos e nos almoços coletivos aos
domingos, hábito praticado até mesmo pelos anciãos do grupo.
(...) “A cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável também, mas algo constantemente reinventado, recomposto investido de novos significados e é preciso perceber (...) a dinâmica, a produção cultural” (CUNHA, 1986, p.99, 101).
59 Informações extraídas da Revista de Antropologia. OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. O Movimento dos
Conceitos na Antropologia Universidade Estadual de Campinas São Paulo, USP, 1993, V. 36. Disponível em:<https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/111381/109565. Acesso em 06.Out.2017.
60 Informações extraídas da Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 9, vol. 16(2), 2005, p.19. Disponível em:> http://www.revista.ufpe.br/revistaanthropologicas/index.php/revista/article/viewFile/56/53. Acesso em 06.Out.2017.
88
A introdução da música brasileira no cotidiano taiwanês é percebida na liturgia
de culto, em que se alternam música de bandas evangélicas nacionais e hinos em
taiwanês. Hall (2004) defende que a identidade de um grupo é algo construído ao
longo do tempo por meio de “processos inconscientes”. A identidade é uma
construção social que “se forma através da comunicação com diferentes grupos (..)
sendo assim, dinâmica e em constante construção ou formulação” (VERÁS & DE
BRITO, 2012, p. 109, 110). A esse respeito Borges Pereira declara: “a identidade não
é um dado da natureza: ela é construída socialmente” (PEREIRA, 2005, p.104).
Segundo Dantas o migrante enfrenta uma crise psicológica e uma reorganização de
mundo, frente a uma outra cultura um complexo processo de negociação relativo à
própria identidade, a identidade grupal, os próprios valores, (...), vivência de
preconceito, educação dos filhos, relações familiares, questões Inter geracionais
(DANTAS, 2012, p.116).
Com isso tornam-se inevitáveis os conflitos geracionais, por se tratar de
imigrantes inseridos em uma sociedade marcada pela cultura multirracial, como a do
Brasil. “Ocorrem conflitos de mentalidade entre os anciãos e os jovens. A cultura
ocidental é diferente da cultura oriental, porém a maioria dos casos de conflitos são
resolvidos com diálogo” (Sr. S., 2017).
A transmissão da cultura acontece pela oralidade, tendo em vista a grande
barreira linguística enfrentada pelos taiwaneses da primeira geração. A oralidade
desempenha um papel central na preservação e difusão de saberes, como ocorre no
grupo étnico taiwanês. Concentra-se na comunicação oral a materialização ou
exteriorização cultural através da palavra que encerra um legado da própria coesão
do grupo. A oralidade torna-se assim importante fonte histórica e para reconstituição
do passado e a figura do ancião é primordial como guardião da memória e
responsável por ativar o passado às novas gerações.
O conhecimento é a própria palavra. É ela que transmite os conhecimentos de uma geração para outra. (...) daí que os mais novos são treinados anos afora na arte da memorização. A autenticidade da transmissão é assegurada pela existência de uma série de normas rigorosamente observadas na chamada cadeia de transmissão61.
61 BÁ, A. Hampaté. História Geral da África, vol. I. 2ª. Edição. Revisão - Brasília: UNESCO, 2010, capítulo 8, p.168,
169.
89
No que tange a aculturação no ambiente religioso, destaca-se o evento que
ocorre todos os anos, chamado Caipira Naite, que tem promovido adaptação e
reelaboração de elementos que expressam a manifestação cultural brasileira, no
interior de uma festa taiwanesa.
Houve adaptação quando foi necessário conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins. Instituições antigas, com funções estabelecidas, referências ao passado e linguagens e práticas rituais podem sentir necessidade de fazer tal adaptação. Mais interessante, do nosso ponto de vista, é a utilização de elementos antigos na elaboração de novas tradições inventadas para fins bastante originais. Sempre se pode encontrar, no passado de qualquer sociedade, um amplo repertório destes elementos; e sempre há uma linguagem elaborada, composta de práticas e comunicações simbólicas. Às vezes, as novas tradições podiam ser prontamente enxertadas nas velhas; outras vezes, podiam ser inventadas com empréstimos fornecidos pelos depósitos bem supridos do ritual, simbolismo e princípios morais oficiais (HOBSBAWM, 1984, p. 13 e 14).
A festa Caipira Naite representa a ressignificação da cultura, com a tradição de
pratos típicos da culinária taiwanesa e, ao mesmo tempo, uma adaptação da festa
junina brasileira, representada através da decoração com bambus, bandeirinhas
coloridas e vestimentas em xadrez. Realizada próxima da data da festa junina
brasileira, tem atraído um número significativo de visitantes a cada ano, de valor
social plural, a festa recebe a cobertura da imprensa local: TV O Diário, filial da Rede
Globo, divulgadora do evento na região do Alto do Tietê62.
62 O Diário de Mogi, filial da Rede Globo, realizou a reportagem da Festa “Caipira Naite” no ano de 2017.
disponível em:> http://odiariodemogi.com.br/mogi-tem-festa-da-cultura-de-taiwan-neste-sabado/05/Ago/2017. Acesso em 11.Nov.2017. Reportagem de Natan Lira.
90
Figura 17: Festa Caipira Naite, na quadra esportiva da IPF em 2016.
A festa possui significados relevantes para o grupo étnico - a integração dos
departamentos em prol do sucesso do evento; a transmissão da cultura às novas
gerações através da culinária; oportunidade de outras Igrejas, vizinhos e convidados
conhecerem a cultura taiwanesa. A arrecadação da festa é encaminhada às missões
evangelísticas.
No dia 05 de agosto de 2017, a Igreja Presbiteriana de Formosa comemorou a
18ª. edição da festa Caipira Naite, com a participação ativa dos seus membros,
colaboradores e voluntários externos. A festa contou com aproximadamente 1.400
pessoas que visitaram o evento, realizado nas dependências externas da Igreja.
Desde o início da sua realização, a Caipira Naite conta com a participação direta da
juventude da IPF, com o objetivo de levantar ofertas para os missionários da Igreja. A
brincadeira da prisão é um atrativo que faz sucesso entre os adolescentes e jovens,
uma adaptação das brincadeiras juninas brasileiras.
Hobsbawm considera que as rupturas são inevitáveis mesmo em movimentos
que se denominam “tradicionalistas”:
(...) Provavelmente, não há lugar nem tempo investigados pelos historiadores onde não haja ocorrido a “invenção” de tradições (...)
91
mesmo os grupos considerados por unanimidade repositórios da continuidade histórica e da tradição, tais como os camponeses. Aliás, o próprio aparecimento de movimentos que defendem a restauração das tradições, sejam eles “tradicionalistas” ou não, já indica essa ruptura (HOBSBAWM, 1984, p. 12, 15, 16).
De acordo com Borges Pereira (2005, p.103 e 104), o crescente processo de
globalização, emerge como uma preocupação atual das identidades singulares: uma
“espécie de homogeneização da vida sociocultural de povos diferentes e assim
liquidaria com as especificidades desses povos ou grupos”. O que fortalece as
“reelaborações de identidades étnicas, a fim de reencontrar e recontar a sua história,
recuperar as suas tradições culturais e afirmar-se como grupo social nos espaços
sociais e políticos”. “A chamada “crise de identidade” pode ter origem nessas
identidades globalizadas, as quais massificam as culturas entrando em choque com
as identidades locais” (SILVA, 2000).
Nessa perspectiva, vêm se acentuando os sentimentos de que participamos de uma sociedade global com fronteiras geográficas mais tênues, em função, sobretudo da disseminação de novos modos de comunicação e sociabilidade63.
3.5. Vida de Privações e Ascensão Social: Cinquentenário no Brasil
“No imaginário do migrante, a América representava uma terra de
prosperidade” (GROSSELLI, 1987, p.78). Criou-se a expectativa de que a sonhada
terra do Brasil possibilitaria deixar para trás condições de limitações sociais adversas,
e ao mesmo tempo, alcançar um futuro promissor. Em busca de uma posição social
favorável e próspera, a migração taiwanesa em Mogi das Cruzes difere daquelas
vivenciadas pelos imigrantes taiwaneses na capital paulista. Enquanto os taiwaneses
em Mogi das Cruzes tornaram-se, de início, proprietários de terras e agricultores
rurais, os taiwaneses da capital, empreenderam atividades tipicamente urbanas e
tornaram-se, em sua grande maioria, comerciantes.
Reverter a condição social vivida pelas famílias de camponeses em Taiwan,
sem prestígio sócio-econômico e sem perspectivas, reservou para o chamado “Novo
63 JÚNIOR, Brasílio Sallum. Schwarcz, Lilia Moritz. Vidal Diana. Catani, Afrânio. (Orgs.) Identidades. Edusp, 2016,
p. 12.
92
Mundo” a esperança da ascensão social e da satisfação espiritual, tendo em vista
serem eles, despenseiros da promessa de Deus, no tocante ao cumprimento da
missão de viver em novidade de vida e serem prósperos em outro país, fator
relevante que fez com que o migrante taiwanês continuasse no Brasil, mesmo diante
da posterior ascensão econômica e social alcançada por Taiwan, décadas depois da
sua saída.
De acordo com os relatos que recebiam do Brasil, por correspondências, no
imaginário dos candidatos à migração, acreditava-se que brotava ouro do solo
brasileiro, com isso, deslumbravam a possibilidade de serem proprietários de terras.
Os imigrantes eram camponeses em Taiwan e viviam num regime de privações e sem
perspectiva de adquirem maiores extensões de terras em seu país.
No bairro do Botujuru, as famílias poupavam o máximo que podiam para
conseguirem melhorar suas propriedades e adquirirem outras, a fim de ampliar o
cultivo de cogumelos, condição por meio da qual, conseguiriam ascender socialmente
nas primeiras décadas, atividade que até hoje é enaltecida pelo grupo. Afinal, no
Brasil tornaram-se proprietários, livres e abençoados por Deus, pelas colheitas fartas.
Entretanto, as privações, de início, enfrentadas pela condição social no Brasil,
obrigavam os membros da família, como um todo, a unirem esforços e lutarem pela
sobrevivência e pelo progresso. O fato dos homens terem consigo filhos e esposas,
suavizou os sofrimentos e proporcionou o conforto da família unida.
Os frutos colhidos durante estes 50 anos no Brasil são resultados de alicerces
fincados, que se soma a uma vida de dedicação à fé protestante, à família e suas
tradições e ao trabalho intenso e cooperativo. Historicamente, a prosperidade
econômica sustentou-se, de início, no trabalho agrícola e se consolidou quando da
formação profissional da segunda geração de taiwaneses. A conservação da família
unida e multiplicada é outro pilar de sustentação para o progresso da comunidade
religiosa presbiteriana de Formosa.
Os tempos de trabalho duro, na terra e na enxada, iniciados com as primeiras
famílias, são recordados com apreço, em forma de memorial, constantemente
relembrado pelos mais velhos do grupo, às novas gerações, a fim de se valorizar o
início da vida no bairro do Botujuru, em que foram lançadas as primeiras sementes
dos frutos que se colhem hoje.
De acordo com Max Weber “o protestante trabalha porque encontra no seu
ofício sua vocação divina”. Há uma casualidade histórica em que o judeu
93
compreendia o trabalho como forma de servir a Deus e não visava somente ao capital
como resultado do seu trabalho. No caso do grupo étnico protestante, o sentido de
trabalho segue esse mesmo fim: o salário não é o fim principal do trabalho e sim a
vocação em servir a Deus. “O calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que
deu ao trabalho um caráter religioso” (BIÉLER, 1970, p. 68)64.
Se formos definir a ação econômica capitalista, notaremos que ela se apoia na
expectativa do lucro por meio da utilização de oportunidades de troca, a fim de obter
mais lucro. O Ocidente desenvolveu a organização capitalista racional do trabalho
livre, um capitalismo tanto em uma extensão quantitativa quanto em tipos, formas e
dimensões que jamais existiram em outros lugares, o que tornou possível, dentro
dessa perspectiva capitalista, o desenvolvimento e a ascensão econômica dos
presbiterianos taiwaneses em Mogi das Cruzes (WEBER, 2013, p. 19).
A separação entre os negócios e a vida doméstica foi fundamental para a
expansão econômica dos filhos dos imigrantes que deixaram a ocupação rural
familiar, em lidar com a terra, e se inseriram no mercado de trabalho urbano,
tornando-se profissionais liberais, comerciantes e empresários.
A influência de certas ideias religiosas na formação de um espírito econômico,
ou de um ethos, no caso dos taiwaneses, associado ao espírito da moderna vida
econômica ocidental e da ética racional do protestantismo, resultou na ascensão
social do grupo étnico religioso.
O termo ethos na sociologia em geral é utilizado para designar um conjunto de costumes de determinado grupo, seus valores éticos, morais e culturais. Na perspectiva de Weber, o ethos estaria vinculado a esse conjunto de elementos que dariam base à ação prática dos sujeitos (WEBER, 2013, p.26).
A afirmação destacada por Weber a respeito de “tempo é dinheiro”, para o
espírito da sociedade capitalista, em que “as obrigações são realizadas antes do
divertimento e desperdiçar o tempo é gastar, ou melhor, jogar fora valores em
dinheiro” (WEBER, 1989, p.29). Isso nos remete a uma mentalidade que traduz as
práticas de vida dos taiwaneses, no que diz respeito à produtividade, ao incentivo
para economizar, ao não desperdiçar o tempo e as energias naquilo que não seja útil.
64 André Biéler, O humanismo social de Calvino. São Paulo: Edições Oikoumene, 1970, p 68. Disponível
em:>http://www.monergismo.com/textos/resenhas/weber_capitalismo.pdf. Acesso em 12.Set.2017
94
O trabalho intenso na agricultura familiar e nas granjas gerou oportunidade de
ganhar a sua própria renda e aumentar sua eficiência. Para isso, todos se uniam
juntando forças para o trabalho. “A diferença entre os altos lucros e a grande perda
dependem da dedicação e presteza com que é realizado o serviço” (WEBER, 1989,
p.37).
“O trabalho deve, ao contrário, ser executado como um fim absoluto por si
mesmo - como uma vocação” (WEBER, 1989, p.39). Essa concepção de trabalho é
reproduzida no grupo étnico protestante taiwanês, demonstrada pelos depoimentos
obtidos por membros do grupo a respeito da finalidade do trabalho, como sendo uma
forma de serviço a Deus e à prosperidade, como sendo um resultado da bênção de
Deus sobre o serviço de devoção.
A transição do trabalho tipicamente rural para o urbano, conquistado pela
qualificação e formação universitária e acadêmica, da maioria do grupo, busca além
do prestígio e do status sócio-econômico, a justificação baseada no estilo de vida da
ética protestante, do fim virtuoso e mais elevado do serviço a Deus e ao próximo.
A posição social que ocupa a maioria da membresia da IPF é considerada de
classe social média a elevada, com profissionais atuantes em várias áreas do
conhecimento na sociedade. No aniversário que se celebrou o cinquentenário da IPF,
comemorou-se além da multiplicada membresia, a satisfação no seio do grupo étnico,
pelo fato de haver mais de 50 médicos formados, imigrantes e seus descendentes,
vinculados ao rol de membresia; profissão status, enaltecida por todos do grupo. O
número de médicos formados acompanha a idade de existência da Igreja, em mais de
cinquenta anos de estabelecimento em Mogi das Cruzes, o que torna possível dizer
que o sonho de uma terra próspera e farta foi alcançada no Brasil.
A medicina era vista como uma profissão que lhes abriria as portas para
alcançar pessoas, que em estado de vulnerabilidade pela doença, tornavam-se
propensas a escutar mensagens sobre o amor de Deus: “uma forma de servir aos
homens em nome de Deus, o que provavelmente influenciou a muitos a exercer essa
profissão. Amar a Deus é servir aos homens”. O status social foi uma consequência
das primeiras escolhas, “servir ao próximo com as habilidades profissionais, a fim de,
com isso, expressar amor a Deus” (Hui, 2017).
Além dos profissionais formados em medicina, que atuam dentro e fora do
país; a membresia também conta com profissionais liberais, advogados, pedagogos,
engenheiros, dentistas e outros: comerciantes, empresários e funcionários
95
contratados. Os agricultores que eram a maioria, hoje são aproximadamente 20% da
parcela dos trabalhadores da Igreja.
Com a transição das atividades econômicas de tipicamente rural para urbana; a
modernização socioeconômica; o impacto dos meios de comunicação e transporte
associado ao constante processo de aculturação no Brasil, tornou-se inevitável,
rupturas quanto a continuidade da tradição religiosa, em alguns casos, entre as novas
gerações, evidenciando os efeitos da secularização.
Essa situação representa uma severa ruptura com a função tradicional da religião, que era precisamente estabelecer um conjunto integrado de definições de realidade que pudesse servir como um universo de significado comum aos membros de uma sociedade. Restringe-se assim o poder que a religião tinha de construir o mundo ou da construção de mundos parciais, universos fragmentários, cuja estrutura de plausibilidade, em alguns casos, pode não ir além do núcleo familiar (BERGER, 1985, p. 146).
Peter Berger considera que “a crise de credibilidade na religião é uma das
formas mais evidentes do efeito da secularização para o homem comum”. Nesse
caso, as “mudanças sociais empiricamente observáveis tiveram consequências a
nível de consciência religiosa e idealização”. Para alguns que se distanciaram do
grupo, a instituição religiosa deixou de acompanhar suas motivações pessoais, e “de
exercer o poder sobre o fiel”. “A religião não legitima mais o “mundo” nem seus
propósitos” (BERGER, 1985, p.140 e 163).
De todos os pressupostos, permanece, no entanto, a predominância do grupo
étnico presbiteriano taiwanês da IPF e sua relevância na missão em que foram
destinados a realizarem no Brasil, da experiência em “servir a Deus em outro país”,
cuja aprovação divina se tornou evidente por meio da prosperidade, sinal de bênçãos
alcançadas: no crescimento da membresia, na multiplicação da família e do bem-estar
social.
3.6. Rede de Contato Ministerial Nacional e Transnacional
Apesar de receber a nomenclatura de Igreja Presbiteriana, a Igreja
Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes não está vinculada à ordem
96
institucional das Igrejas Presbiterianas do Brasil. A IPF está vinculada ao Presbitério
das Igrejas chinesas-taiwanesas no Brasil, que totalizam doze igrejas e que no Estado
de São Paulo formam sete igrejas65.
A IPF em Mogi das Cruzes mantém vínculo ministerial com a Igreja
Presbiteriana do Brasil, em âmbito de amizade, no que concerne à troca de
experiência ministerial-teológica e na preleção em eventos que ocorrem na IPF. Os
pastores da Igreja Presbiteriana do Brasil também integram parte do quadro docente
do Seminário Teológico Servos de Cristo66, criado para atender às demandas
ministeriais das Igrejas chinesas-taiwanesas no Brasil.
No atendimento às demandas de conferências e simpósios teológicos a nível
internacional de preleção, seja na Igreja taiwanesa ou no Seminário Servos de Cristo,
torna-se mais viável convidar preletores taiwaneses residentes nos Estados Unidos
da América, do que propriamente os que residem em Taiwan, devido minimizar o
custo com transporte aéreo.
Projetos missionários de evangelização dos imigrantes chineses da China
continental, que residem no estado de São Paulo, vem sendo realizados em parceria
com a Missão Evangélica Luca Sulamérica67, através de literaturas em chinês. As
revistas são oferecidas em dois conteúdos: artigos bíblicos para atender as Igrejas
chinesas e mensagens evangelísticas para alcançar a comunidade chinesa.
65 O presbitério das igrejas chinesas no Brasil são: 1- Igreja Presbiteriana de Formosa de São Paulo- Liberdade- São Paulo 2-Igreja Presbiteriana de Formosa de Mogi das cruzes- Mogilar-Mogi das Cruzes 3-Igreja Presbiteriana de Formosa Vida Nova -Vila Mariana -São Paulo 4-Igreja Presbiteriana de Formosa Poco Celestial -Liberdade -São Paulo 5-Igreja Presbiteriana de Formosa Tau An -Aclimação- São Paulo 6-Igreja Presbiteriana de Formosa Botujurú - Botujurú- Mogi das Cruzes 7-Igreja Presbiteriana de Formosa Santo Eterno- Ipiranga- São Paulo 8-Igreja Chinesa de Curitiba -Curitiba 9-Igreja Chinesa de Porto Alegre- Porto Alegre 10-Igreja Presbiteriana de Formosa de Manaus- Manaus 11-Igreja Presbiteriana de Formosa de Fortaleza -Fortaleza 12-Iglesia Presbiteriana Oriental - Ciudad Del Leste- Paraguay 66 Em 1990, o seminário foi fundado oficialmente com o nome de “Seminário Teológico Servos de Cristo da
América do Sul”; como uma escola filial do “Christian Witness Theological Seminary” de Berkeley, Califórnia (EUA), com a finalidade de atender às demandas teológicas das futuras gerações de chineses imigrantes protestantes no Brasil. O Seminário Teológico Servos de Cristo é interdenominacional, multicultural e independente (sem vínculo com presbitério da Igreja Presbiteriana de Formosa). Informações obtidas da Edição Comemorativa do 20º. Aniversário do STSC (1990-2010, p. 10).
67 A Missão Luca – Sul América Evangelismo (Centro de Comunicação Evangélica da América do Sul) tem como objetivo o alcance de chineses para o evangelho na América do Sul, através de materiais literários em mandarim, que atendam a comunidade chinesa. Informações obtidas através de Boletim Informativo Vol. 48 – no. 37/2017, fornecido pela IPF e pelo site:> http://sulamev.wunme.com/. Acesso em 25.Set.2017.
97
Outra parceria de vínculo étnico religioso é estabelecido entre a Igreja
Presbiteriana de Taiwan, que possui alojamentos para acolher taiwaneses e seus
descendentes das diversas Igrejas Presbiterianas de Formosa do Brasil, quando
estão em viagem pelo país.
Em comemoração ao 55º aniversário do trabalho missionário da Igreja étnica
Presbiteriana de Formosa no Brasil, o presbitério realizou um culto de Ação de
Graças na Primeira Igreja Presbiteriana de Formosa em São Paulo (ISP)68, com
participação da visita do secretário geral e uma comitiva do Concílio da Igreja
Presbiteriana em Taiwan. Essa rede de contato ministerial transnacional tem
fortalecido os laços étnicos e religiosos que envolvem uma parceria de amizade e de
identidade étnico-cultural.
Figura 18: Igreja Presbiteriana em Taiwan
68 O culto de ação de graças aconteceu no dia 08 de outubro de 2017, na ISP, com a
participação do secretário geral e uma comitiva do Concílio da Igreja Presbiteriana em Taiwan.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer a história e a experiência religiosa dos taiwaneses presbiterianos
estabelecidos em Mogi das Cruzes foi uma descoberta cultural enriquecedora e, ao
mesmo tempo empolgante. Uma história de bravuras que antecedeu desde a saída
em Taiwan até o seu desbravamento no Brasil. A história nos remete ao imaginário de
traços messiânicos da cultura judaico-cristã, ao fazer a analogia da história de Abraão
e sua saída de Ur, para a terra de Canãa (Gn 11:31 e 12:01), com a experiência da
saída do imigrante taiwanês para o Brasil. Considerado no imaginário, um país de
prosperidade, o Brasil representava a esperança de uma terra prometida pela fé,
como sendo a terra de Canãa. A esperança baseada na fé protestante tornou possível
a convicção do chamado ao Brasil, como sendo uma missão comissionada por Deus
de se desenvolverem como agricultores.
A história da imigração no Brasil foi marcada pela aceitação e a integração de
novas culturas, que teve início desde a chegada dos primeiros colonizadores
portugueses no século XVI e posteriormente, os negros africanos, e uma variada
mistura de povos europeus, até chegar aos orientais japoneses, chineses e
taiwaneses. Considerado até hoje, como um país de atrativos para as diversas etnias
estabelecidas e distribuídas pelo vasto território, compondo-se assim, o mosaico
étnico cultural da pluralidade brasileira.
A Segunda Guerra Mundial e a guerra civil na China contribuíram para
intensificar os movimentos migratórios de taiwaneses e chineses para o Brasil, nas
décadas de 1940 e 1950. Durante o século XIX, o Brasil era visto na Europa e na Ásia
como um país de muitas oportunidades e ao mesmo tempo um refúgio seguro para
aqueles que buscavam estar longe dos perigos provocados pelos conflitos e guerra.
A liberdade de vida e a esperança na aquisição de maior extensão de terras
atraiu o grupo de camponeses taiwaneses para o Brasil. Por outro lado, a cidade de
Mogi com seu potencial agrícola e áreas rurais a serem exploradas a baixo custo,
tornaram-se atrativos promissores para o grupo desenvolver suas primeiras atividades
econômicas. A herança espiritual de raiz cristã protestante trazida como bagagem
cultural e religiosa pelos taiwaneses foi demonstrada pelo temor e devoção,
preservada em suas práticas e confiada aos seus descendentes a fim de darem
continuidade a ela na nova terra.
99
Na condição de grupo minoritário, conservaram a língua materna como
elemento identificador; a fé protestante como base norteadora dos seus projetos de
vida; a dedicação à família como um dos pilares fundamentais; o trabalho e os
estudos como instrumentos transformadores da vida social e econômica do grupo.
O acolhimento e assistência étnico-social nas diversas áreas da vida dos seus
compatriotas - imigrantes recém-chegados - e a multiplicação da família através dos
casamentos endogâmicos, contribuíram fundamentalmente para a aglutinação e
aumento da membresia da Igreja étnica.
ATUALIDADES E TENDÊNCIAS
No cenário político e econômico de Taiwan houve uma revolução pós-
migração. Nos últimos anos, com a redução das tensões no estreito de Taiwan, a
aproximação Taiwan-China tem se intensificado. Apesar da China não reconhecer
Taiwan como um país independente, mas “Uma só China”, os acordos de livre-
comércio promoveram o restabelecimento das comunicações e dos meios de
transporte entre os dois lados. De meados da década de 1970 em diante, o governo
de Kuomintang empenhou-se em um processo de melhoria e modernização da
indústria, sobretudo nos setores de alta tecnologia. Com uma economia baseada em
exportações, Taiwan cresceu no extraordinário ritmo anual de 8,6%, entre 1953 e
1985. Com a conquista de sua identidade e da estabilidade política e econômica,
Taiwan diminuiu consideravelmente o fluxo migratório para o Brasil69.
Com o declínio migratório de taiwaneses, nas últimas décadas, para a região
de Mogi das Cruzes, estabilizou-se o grupo étnico, constituído de imigrantes, da Igreja
Presbiteriana de Formosa. No que tange ao regresso ao país de origem de seus pais,
a grande maioria dos descendentes entrevistados não apresentaram expectativa de
fixarem moradia em Taiwan, apenas visitam o país com o objetivo de reverem seus
familiares, tendo como justificativa, o argumento da estabilidade de vida, dos vínculos
familiares no Brasil e a pouca fluência no idioma mandarim.
A Igreja Presbiteriana de Formosa, caracterizada como Igreja étnica, desde a
sua formação, priorizava o atendimento religioso à população de colonos taiwaneses
da cidade. O objetivo da IPF sempre foi a preservação cultural e a reconstrução da
69 Informações obtidas em>:https://oglobo.globo.com/boa-viagem/taiwan-formosa-terra-dos-cinco-mil-
templos-4856041#ixzz4tvz3D2yL. Acesso 27.Set.2017
100
vida e dos laços afetivos e religiosos do grupo na nova pátria. Contudo, ao longo do
tempo, com a diminuição do fluxo migratório e com a construção das relações sociais
com os brasileiros, outras necessidades foram sendo consideradas.
Enquanto a migração taiwanesa diminuiu significativamente nas últimas três
décadas, a migração chinesa cresceu consideravelmente no estado de São Paulo,
como isso, o migrante chinês - da China continental - tem se tornado um campo de
atividade missionária, explorado pelos taiwaneses presbiterianos, resultando em
conversões e aumentando o quadro de membros. A identificação com a cultura
oriental e com o idioma, tornou-se um elemento cultural facilitador de acesso aos
chineses, ao mesmo tempo que abrange a internacionalização na rede de atuação da
Igreja. A parceria dos presbiterianos taiwaneses com a Missão Evangélica Luca:
Sulamérica Evangelismo, tem facilitado a divulgação do evangelho através de
materiais evangelísticos, impressos em chinês, distribuídos na comunidade chinesa,
na região metropolitana de São Paulo e cidades adjacentes, conforme os informes da
revista Sulamérica Evangelismo Vol. 48 – no. 37/2017, em anexo.
A ressignificação dos propósitos, no caráter de expansão da Igreja, abre a
visão para um horizonte ainda maior, desencadeado pelo processo de globalização
que atenua as fronteiras culturais, em função da disseminação de novos modos de
comunicação e de sociabilidade, dentro do universo religioso. O templo, que
inicialmente, simbolizava um espaço privilegiado de reprodução cultural e religiosa de
traços étnicos, atualmente abre espaço para o convívio e sociabilização com outras
etnias que se reproduzem no seu interior.
Atualmente o crescimento da membresia não se baseia no fator migratório,
mas na multiplicação das famílias através de casamentos endogâmicos e nos raros
casos de casamentos exógenos com brasileiros e outras etnias, além da inserção dos
chineses no rol de membresia da Igreja.
A fluência na língua materna se conserva até a 3ª. geração dos taiwaneses,
porém a quarta geração apresenta dificuldades em se comunicar com a língua dos
seus bisavôs. A continuidade e a descontinuidade permeiam as relações sociais
recentes, promovida pela atração religiosa protestante, que abrange não somente a
sociabilização de taiwaneses e seus descendentes, mas a interação da diversidade
étnica entre chineses, japoneses, bolivianos, paraguaios e brasileiros que compõe a
Igreja de Formosa. Paradoxalmente os indivíduos acentuam a coletividade de
101
pertencimentos, ao mesmo tempo que sentem-se cada vez mais desenraizados de
suas culturas de origem.
Para atender à demanda de brasileiros e de outras etnias no seu espaço
religioso, a IPF criou uma sala de aula, na escola dominical, direcionado ao grupo
multirracial. A aculturação, resultante da interação social, é responsável pela
transposição de barreiras construídas pela cultura étnica de distanciamento do outro.
A tendência cultural do grupo prevê que após algumas décadas de aculturação
na sociedade brasileira, a língua portuguesa assumirá a posição de primeira língua no
ambiente religioso e os casamentos mistos serão mais frequentes entre a futuras
gerações, possibilitando um grupo mais plural, o que evidencia ser mais uma peça do
grande mosaico que compõe o pluralismo étnico religioso brasileiro.
Figura 19: Sala de aula da escola bíblica dominical, multirracial.
Apesar de manter a forte característica de traços étnicos, presente na
comunidade, o templo é aberto ao público em geral. A maioria dos taiwaneses
entrevistados declararam que o “templo deve ser um espaço aberto para outras
etnias”. Ainda que de maneira discreta, outras etnias contribuem para a tendência,
cada vez mais presente, da pluralidade étnica na comunidade presbiteriana
taiwanesa.
A convivência entre os brasileiros em mais de meio século de interação social,
promoveu a intensificação de trabalhos evangelísticos e a implantação de três
congregações, criadas há dezesseis anos, espalhadas pelos bairros da cidade de
Mogi das Cruzes. As congregações têm o objetivo de alcançar os brasileiros
estrategicamente, para a manutenção e crescimento da Igreja. “O reino de Deus não
102
é restrito somente aos taiwaneses no Brasil, os brasileiros devem ser alcançados para
continuarmos a crescer” ( Ming Hui, 2017).
O TAIWANÊS PROTESTANTE SOB OLHAR DO OUTRO
Elementos da cultura oriental são visíveis no comportamento do migrante
taiwanês sob o olhar do brasileiro, no exercício de alteridade. O taiwanês é visto como
um indivíduo extremamente reservado, seleto nas amizades, de boa conduta,
disciplinado e dedicado ao trabalho. Brasileiros que mantém um relacionamento direto
com o taiwanês, seja por meio de vínculo religioso ou empregatício, declararam que
os taiwaneses presbiterianos deixam um legado singular de abnegação ao serviço a
Deus, de dedicação à família e de uma vida de esmero no trabalho como meio
enobrecedor do homem, ao mesmo tempo, um instrumento utilizado para honrar a
Deus e servir ao próximo.
Depoimentos obtidos por brasileiros, membros da IPF, declararam que, no
início, apesar de enfrentarem certo distanciamento causado pelas barreiras étnico-
culturais, o processo de adaptação foi consideravelmente rápido devido à aceitação e
acolhimento por parte da liderança que presidia a IPF na época. “No início, éramos
chamados de irmãos beijoqueiros e de fácil amizade e comunicação”. Os brasileiros
consideraram que ao longo dos anos de interação na comunidade presbiteriana
taiwanesa, o “jeito brasileiro de ser” trouxe mudanças no relacionamento interpessoal
do grupo. “Hoje, são os taiwaneses que adquiriram o hábito de se cumprimentarem
com ósculo santo como forma de saudação” (brasileiros entrevistados, 2017).
Os brasileiros envolvem-se em atividades evangelísticas no grupo familiar do
ministério em português. As experiências do convívio são enaltecidas sob o olhar do
brasileiro: “Tem sido enriquecedor para ambas as partes esse convívio,
reconhecemos a mão de Deus estreitando a nossa comunhão e nos tornando mais
próximos, nas diversas situações que convivemos, seja no ato de comer, chorar ou
sorrir juntos”, (brasileiros entrevistados, 2017)70.
70 Casal de brasileiros mais antigos, membros da IPF, sem vínculo de parentesco taiwanês. Oriundos
da capital paulista, buscaram encontrar, na época, uma Igreja Evangélica em que pudessem congregar, no bairro Mogilar. O primeiro contato com os taiwaneses se deu em uma programação de culto, sem convite prévio, movidos pela voluntariedade de congregar. Há onze anos os brasileiros congregam na Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes.
103
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110
ANEXOS
Tabela 1: População Recenseada - Região Metropolitana de São Paulo e
Municípios, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991, 2000, 2010.
Município 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
Mogi das Cruzes 51.829 93.937 138.751 197.946 273.175 330.241 387.779 Fonte: IBGE - Censos Demográficos: 1950, 1960, 1970, 1980, 2000, 201071
(adaptado)
Tabela 2: População residente, total, urbana total e urbana na sede municipal
em números absolutos e relativos, com indicação da área total e densidade
demográfica, segundo as Unidades da Federação e municípios/2010.
Município de Mogi das Cruzes
Pop. Total 2000
Pop. Total 2010
Pop. Estimada
2016
Pop. Urbana 2010
Pop. Urbana
Percentual 2010
Pop. Rural 2010
Dens. Demogr.
2010 Área
330.241 387.779 429.321 357.313 92,00% 30.456 544,1 712,54 Fonte: Censo IBGE 201072 (adaptado)
Tabela 3: Religião de acordo com o Censo 2010, no mun. de Mogi das Cruzes.
Católicos Romanos
Segmentos Evangélicos
Espíritas Sem
religião
51,47% 35% 11% 2,53% Fonte: Censo IBGE 201073. (Adaptado)
71 Informações obtidas em: Sinopses Preliminares dos Censos Demográficos de 1950 e 1960.
SMDU/Dipro - Retro estimativas e Recomposição dos Municípios da RMSP para os anos 1950,1960 e 1970. Elaboração: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano/SMDU - Departamento de Estatística e Produção de informação/Dipro, disponível em:< http://infocidade.prefeitura.sp.gov.br/htmls/7_populacao_recenseada_1950_10552.html. Acesso em 08.Jun.2017.
72 Informações obtidas em:<http://censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=1&uf=35. Acesso em 08.Jun.2017.
73 Informações obtidas em:<https://pt.wikipedia.org/wiki/Mogi_das_Cruzes#Clima, Acesso em:08.Jun.2017
111
Tabela 4: Distribuição dos trabalhadores por tipo de estabelecimento - Estado
de São Paulo – 1940, 1950, 1960, 197074
Tipos de estabelecimento
Número de estabelecimentos
Total Produção e membros da
Família Contratados
Minifúndios 86.001 207.118 185.402 21.716
Tipo familiar 113.091 403.861 321.440 82.421
Tipo médio 101.284 611.767 286.247 325.520
Latifúndios 16.991 504.537 46.019 458.338
Total 317.367 1.727.283 839.108 887.995 Fonte: Censo Agrícola de São Paulo de 1940, 1950, 1960 e 1970. (Adaptado)
Tabela 5: Informação sobre a membresia das Congregações da Igreja
Presbiteriana de Formosa nos Bairros de Mogi das Cruzes/SP
Congregação Membros Adultos
Crianças Adolescentes
Brasileiros Taiwaneses Ano
Inauguração do templo
Botujuru 35 10 45 0 2003
Jundiapeba 30 15 45 0 2002
César de Souza 35 30 65 0 2003 Elaborado pela autora
Tabela 6: Informação sobre a membresia da sede da Igreja Presbiteriana de
Formosa em Mogi das Cruzes – Bairro Mogilar
Igreja Sede
Membros Adultos
Crianças Adolescentes
Brasileiros Taiwaneses Ano
Inauguração
Mogi das Cruzes
250 70 3 320 Out/1963
Elaborado pela autora
74 Informações obtidas da Revista da Casa da Agricultura de Mogi das Cruzes, Agropecuária de Mogi
das Cruzes. V Festa do Pêssego e Avicultura, Mogi das Cruzes, 1975. - GRÌNBERG, Isaac. Mogi das Cruzes de 1601 a 1640. São Paulo,1981.
112
Tabela 7: Calendário Anual de Programações da Igreja Presb. de Formosa.
Abril Maio Julho
-14/04: Sexta feira Santa - 27/05: Blassing Kids.
Palestra de treinamento para evangelização de Crianças
- 17`a 21/07: Acampamento de Jovens em Ibiúna
- 16/04: Páscoa – Culto da Ressurreição
- 05/10/07: Caipira Naite. Evento para 1.200 visitantes
Setembro Outubro Dezembro
- 07/09: Olimpíada Chinesa de Atletismo. Reúne em torno de 2.000 a 3.000 pessoas.
- 07/10: Evangelismo de crianças na cidade de Suzano com meta para alcançar 1.500 crianças.
- 08/10; Comemoração dos 55 anos da Igreja Presbiteriana de Taiwan, na ISPE/SP. Com a visita do secretário geral do concílio da Igreja em Taiwan.
- 24/12: Comemoração de Natal
- 12/10: Congresso de Educação Cristã
-15/10: Aniversário da Igreja
Elaborado pela autora
113
Placa de fundação da Igreja Presbiteriana de Formosa e sua expansão
Bíblia Bilíngue: Português - Mandarim
114
Jornal Sulamérica Evangelismo, escrito em mandarim: Vol. 48 – no. 37/2017.
115
Construção da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes, bairro Mogilar
Pastor Jônatas Chen e Pastor Wu Chun
116
Coral da IPF
Conjunto de Senhoras da IPF
117
Banner de fotos que contam a história da Igreja. Comemoração dos 50 anos da IPF. Pastor Jônatas Chen ao lado.
Apresentação do coral de taiwaneses presbiterianos, no templo da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes
118
Momento de adoração com projeção em taiwanês e em português – IPF
Ministração do sermão dominical com tradução simultânea no templo da IPF
119
Anciãos da membresia dos taiwaneses presbiterianos da IPF
Sala de aula infantil - Escola Bíblica Dominical
120
Família representada por quatro gerações de taiwaneses. Refeitório da Igreja Presbiteriana de Formosa em Mogi das Cruzes.
Casal de brasileiros membros da IPF – refeitório da Igreja
121
Troféus esportivos da IPF
Campeonato esportivo da comunidade chinesa em São Paulo – 2017
Campeonato esportivo da comunidade chinesa em São Paulo – membros da IPF
122
Pastor Wu Chun ao lado do Sr. Chen Johg Hoa, nascido em 24 de setembro de 1927 (o único ancião vivo, remanescente das seis primeiras famílias).
Comemoração do aniversário dos 90 anos de idade do Sr. Chen Johg Hoa (24/09/2017).
Bazar comunitário
123
Cozinha da IPF
Quadra esportiva e estacionamento da IPF
124
Sequência de fotos da festa CAIPIRA NAITE – 2017
Cartaz de divulgação do evento
Portão de entrada da IPF - Festa Caipira Naite/2017
125
Diácono e presbítero seguram as Bah-Chàm, uma espécie de pamonha de Taiwan.
(Foto: Eisner Soares)75
75 Informações extraídas do Jornal O Diário, filial da Rede Globo em Mogi das Cruzes, disponível em:>
http://odiariodemogi.com.br/mogi-tem-festa-da-cultura-de-taiwan-neste-sabado/05/Ago/2017. Acesso em 11.Nov.2017. Reportagem de Natan Lira: A ‘Caipira Naite’ chega à sua 18ª edição em Mogi e promete manter a tradição em reverenciar, num único espaço, as culturas taiwanesa e brasileira a partir das 16 horas deste sábado, na sede da Igreja Presbiteriana Formosa de Mogi, no Mogilar. A entrada é simbólica e custa R$ 1. O valor arrecadado será utilizado para manter as quatro comunidades da igreja na Cidade. No cardápio, pastel, pernil e comidas típicas das festas juninas e outras populares da cozinha asiática, como guioza, mas a evidência será a culinária de Taiwan. Os destaques são para uma espécie de pamonha, chamada Bah-Chàm, feita de arroz moti, com diversos temperos. Ela pode ser recheada com carne moída, camarão, ovo de codorna e é envolta na folha de bambu taiwanês e cozida no vapor. O doce é o Âng-Ku (tartaruga vermelha) que tem base do moti vermelho recheado de amendoim. A Igreja Formosa de Mogi das Cruzes foi fundada por seis famílias vindas de Taiwan para o Botujuru em outubro 1963. Logo que chegaram, fundaram uma pequena igrejinha do Distrito. “Eu vim com os mais pais e todos éramos agricultores. Aqui iniciamos o cultivo e comércio do cogumelo champignon no Brasil, tanto que não existia no mercado”, relembra o presbítero da Wang Ming Chaang.Com a vinda de mais imigrantes que já conheciam a doutrina Presbiteriana – disseminada pela Ásia e América do Sul, há 150 anos, pelos europeus, conta Chhang, em janeiro de 1978 foi fundado o templo no Mogilar, a fim de atender a colônia de toda a Mogi e cidades vizinhas. “Conforme foram chegando mais imigrantes, eles foram também para Suzano, São Paulo e as demais cidades. Eu acredito que hoje temos 300 famílias que congregam aqui”, diz Chaang. Segundo ele, hoje, boa parte dos fiéis é formada por chineses donos de lanchonetes e lojas de R$ 1,99 do Centro, que não conheciam o cristianismo.
126
Recepção da festa Caipira Naite 2017
Recepção da festa Caipira Naite 2017
127
Quadra esportiva – Festa Caipira Naite
Quadra esportiva
128
Pátio
Barraca de comida típica taiwanesa
129
Barraca de variedades
Brincadeira da pesca
130
Barraca de comida típica brasileira
Barraca de comida típica brasileira
131
Barraca de comida típica taiwanesa
Barraca de comida típica taiwanesa
132
Barraca de comida típica taiwanesa
Barraca de suco e refrigerante
133
Barraca de comida japonesa
A brincadeira da prisão é uma adaptação da festa junina brasileira
134
Entrevistado: Ver. Cheng Kwo King Data 29/01/2018
Diretor da Missão Evangélica LUCA, desde 2014
Até os anos 1970 a Lei Marcial implantada pelo governo da ROC (República
Popular da China) fez restrições moderadas, brandas a fim de desenvolver Taiwan.
Após a segunda Guerra Mundial Taiwan que tinha o domínio do Japão volta para o
domínio do governo da China e não havia perspectivas de desenvolvimento
econômico. Quando as forças comunistas tomaram o poder, o governo da situação se
refugiou em Taiwan com o objetivo de retornar para o poder na China, o que não
aconteceu. Taiwan obteve grande desenvolvimento na década de 1990 quando se
tornou um dos membros do grupo dos tigres asiáticos juntamente com Hong Kong
Coréia do sul e Cingapura. Atualmente, porém, a efervecência econômica da década
de 90 diminuiu. Taiwan vive independente da China há 60 anos, sempre sofreu
pressão da China seja pela ameaça militar, hoje pela pressão econômica que
ameaça engolir com seu potencial industrial. Com o capitalismo entrando na China os
imigrantes atuais são influenciados pelo sistema capitalismo selvagem a ganharem
dinheiro no Brasil e por isso se submetem a trabalharem em sistema de escravião
sem descanso, dos 365 dias no ano só folgam dois dias. Na década de 1990 vieram
os chineses continental para o Brasil com visão diferente dos primeiros imigrantes
chineses das décadas anteriorres.
No caso dos taiwaneses a visão de vir para o Brasil era em busca de se
dessenvolverem como agricultores e servir a Deus em outro país, apesar de haver em
Taiwan liberdade religiosa, os agricultores não tinham, terras para o cultivo nem
mesmo perspectiva de conquistá-las, eram analfabetos e pobres. No Brasil a
esperança de aquisição de terra para se desenvolverem era muito maior. Se
depararam com as pressões no Brasil e incentivaram com maior veemência o
investimento na educaççao dos filhos a fim de serem melhor colocados
profissionalmente. Talvez em Taiwan esse não seria o caso, continuariam
campoeneses pois não havia perspectiva de futuro. Por volta das duas últimas
décadas o perfil dos imigrantes chineses é serem muito materialistas e não possuírem
religião e pelo fato de terem um maior número de compatriotas no Brasil a ajuda
mútua os torna independentes da ação da Igreja.
As Igrejas chinesas oferecem curso de língua portuguesa para os imigrantes
chineses e conservam dois cultos: Para chineses e brasileiros separadamente.
135
O Rev. Cheng veio de Taiwan para o Brasil com 14 anos, em 1972, já foi pastor
da Igreja Presbiterian de Formosa em um período de 16 anos. A adaptação levou de
3 a 5 anos para poder sentir a outra cultura. Sentia-se cego, mudo e surdo, sem
entender a nova culltura..
Hoje ele é diretor da Missão LUCA. De início o objetivo era atender as Igrejas
da comunidade chinesa no Brasil, porém o alcance se expandiu para a América do
Sul e Central e outros continentes. Possui versão eletrônica com acesso no celular e
We Shat ( é para os chineses o what zap).
A revista possui dois conteúdos:
- Edificação para os crentes com seleção de artigos.
- Para não crente mensagem evangelística.
TENDENCIAS
A língua materna taiwanês é fluente até a 3ª. geração, a quarta geração possui
muitas dificuldades em se comunicar com a língua materna dos seus bisavôs.
A fluência do taiwanês vai diminuindo e a língua portuguesa passa a ser a
principal língua.
Mais casamentos mistos cam brasileiros.
Classificação
1ª. Geração. Taiwaneses que vieram adultos
1.5 Geração: vieram crianças e se criaram no Brasil: aprenderam o taiwanês e
o português se tornando os interlocutores dos seus pais.
2ª.Geração nasceu no Brasil