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FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL. ESTAMOS PREPARADOS? Desafios, experiências e possibilidades Tatiana Meirelles * [email protected] A história da filosofia no país pode ser contada por diferentes campos, contudo a questão política tem demarcado fortemente os rumos desta disciplina nos currículos escolares, esse, dentre outros é um dos motivos pelos quais a Filosofia esteve, e em algumas regiões ainda está, ausente dos currículos escolares. Contudo, junto às questões ideológicas, políticas, culturais, enfim, dentre os males e benefícios que produzimos, cabe ressaltar a atual rapidez e socialização de informações, que em muitas vezes tem sido determinante no rumo da história. A “luta” para a inserção e obrigatoriedade da filosofia no Ensino Médio, por exemplo, foi acompanhada por diversas pessoas. Movimento esse, que iniciou-se em meados dos anos 90 pela organização de estudantes, professores, instituições de ensino, pesquisadores, entre outros que passaram a organizar diversas atividades em defesa da Filosofia e da Sociologia como disciplinas curriculares em todo território nacional, o que acabou gerando uma ampla mobilização e valorização da formação * Licenciada e Bacharel em Filosofia. Concluindo Curso de Especialização em “Culturas Juvenis, subjetividade e educação”. Educadora da Rede Municipal de Ensino de Esteio.

Tatiana Meirelles SMED Esteio

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FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL. ESTAMOS PREPARADOS?

Desafios, experiências e possibilidades

Tatiana Meirelles*

[email protected]

A história da filosofia no país pode ser contada por diferentes campos,

contudo a questão política tem demarcado fortemente os rumos desta

disciplina nos currículos escolares, esse, dentre outros é um dos motivos

pelos quais a Filosofia esteve, e em algumas regiões ainda está, ausente

dos currículos escolares. Contudo, junto às questões ideológicas,

políticas, culturais, enfim, dentre os males e benefícios que produzimos,

cabe ressaltar a atual rapidez e socialização de informações, que em

muitas vezes tem sido determinante no rumo da história.

A “luta” para a inserção e obrigatoriedade da filosofia no Ensino Médio,

por exemplo, foi acompanhada por diversas pessoas. Movimento esse,

que iniciou-se em meados dos anos 90 pela organização de estudantes,

professores, instituições de ensino, pesquisadores, entre outros que

passaram a organizar diversas atividades em defesa da Filosofia e da

Sociologia como disciplinas curriculares em todo território nacional, o

que acabou gerando uma ampla mobilização e valorização da formação

* Licenciada e Bacharel em Filosofia. Concluindo Curso de Especialização em “Culturas Juvenis, subjetividade e educação”. Educadora da Rede Municipal de Ensino de Esteio.

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filosófica no âmbito da sociedade civil, que culminou na aprovação por

unanimidade do Parecer nº 38/2006 que insere a Filosofia e a Sociologia

nos currículos de Ensino Médio de todo país e, posteriormente, em 11 de

agosto de 2006 sua homologação, pelo ministro da educação Fernando

Haddad.

Desta forma a capacidade humana de refletir criticamente e filosofar

estão deixando de ser um conhecimento hermético, privilégio de alguns

“iniciados” ou um “produto” de erudição que está ao alcance de poucos,

para estar cada vez mais ao alcance de todos. “Filosofia é um assunto

que não interessa só ao especialista porque, por mais estranho que isto

pareça provavelmente não há homem que não filosofe; ou pelo menos,

todo homem se torna filósofo em alguma circunstância da vida. (…) o

importante é que todos nós filosofamos, e até parece que estamos

obrigados a filosofar”. (BOCHENSKI, 1977, p. 21)

Desafios

Com a difusão da filosofia vem uma antiga questão: é possível ensinar

filosofia? Lembremo-nos da máxima kantiana: “Não é possível ensinar

filosofia, só podemos ensinar a filosofar”. Com esta, outras questões

surgem:

O que deve ser ensinado nas aulas de filosofia?

Que critérios são utilizados na avaliação de filosofia?

Que temáticas são pertinentes para as aulas de filosofia?

Os cursos de graduação estão preparando os estudantes para lecionar

filosofia no Ensino Médio?

Os livros didáticos de Filosofia têm dado conta das necessidades do

ensino da filosofia?

E a Filosofia no Ensino Fundamental?

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É sabido que nos cursos de graduação em Filosofia, pouco é trabalhado

questões pedagógicas relativas ao ensino da Filosofia, de maneira que

os estudantes que se formam em licenciatura chegam as escolas

precariamente preparados para trabalhar com crianças e adolescentes.

A maioria das escolas não tem um currículo de filosofia próprio e quando

tem, ele foi elaborado por alguém que geralmente não está mais na

escola e para um público e uma realidade que também são diferentes.

Os “jovens” professores de filosofia acabam se deparando com o

impasse: ao ensino de filosofia cabe exercitar o próprio pensamento ou

conhecer o desenvolvimento da tradição filosófica? Questões como essa

se agravam no Ensino fundamental.

Filosofia no Ensino Fundamental: possibilidades

Na década de 60, o filósofo estadunidense Matthew Lipman criou um

programa de ensino de filosofia para crianças, com o objetivo de

reformar o sistema educacional, desenvolvendo uma metodologia e um

currículo específico de filosofia para aplicar nas escolas, abrindo

caminhos para a filosofia com crianças. Lipman organizou um programa

normativo de ensino de filosofia para crianças que parte de quatro

conceitos: filosofia, investigação, diálogo e educação democrática. Sua

metodologia é centrada em “novelas filosóficas” que contém, segundo o

autor, “temas comuns”, ou seja, que tem a ver com toda a humanidade,

tais como: liberdade, amizade, vida, morte, etc.e a partir desses temas

criar conflitos e investigá-los. Em sua metodologia, propõe as

comunidades de investigação, que é o espaço no qual o diálogo,

baseado no respeito e reconhecimento de todos participantes acontece e

oportuniza, através da disciplina e análise lógica, que o saber

abrangente sobre as questões investigadas se efetive. Desta forma as

salas de aulas se transformam em círculos de investigação filosófica.

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Lipman propõem através desse programa à busca de um ideal de

homem a ser alcançado pela educação filosófica das crianças, de

maneira que a filosofia se tornaria a base da educação, na medida em

que se apresenta como ferramenta para o desenvolvimento do ato de

pensar. Essa proposta chegou ao Brasil na década de 80 e desde então

é estudada e questionada, enfrentado algumas críticas procedentes, por

se tratar de uma proposta baseada no pragmatismo norte-americano,

com pouca relação com a nossa realidade, e por estar enraizada em

uma determinada concepção de mundo e pretender-se neutra do ponto

de vista teórico.

Contudo, isso não anula o mérito de Lipmam por ter defendido o direito

da infância em praticar a filosofia. Depois de décadas de pesquisas,

Lipman chega à conclusão de que o impacto dessa filosofia nas crianças

pode não ser observado imediatamente, mas o impacto nos adultos de

amanhã poderá ser determinante no modo de organização das futuras

sociedades, sobre isso diz Kohan:

Serão as crianças que construirão suas filosofias e seus modos de produzi-las. Não é mostrando que as crianças podem pensar como adultos que vamos revogar o desterro de sua voz. Pelo contrário, nesse caso haveremos cooptado, o que constitui uma outra forma de silenciá-las. Seria mais adequado preparar-nos para escutar uma voz diferente como expressão de uma filosofia diferente, uma razão diferente, uma teoria do conhecimento diferente, uma ética diferente e uma política diferente: aquela voz historicamente silenciada pelo simples fato do emanar de pessoas estigmatizadas na categoria de não adultos” (KOHAN, 1999, p. 70).

Lipman abre caminho, então, do filosofar para crianças e com isso,

outras propostas, sistematizações, métodos e organizações têm surgido

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com o propósito de pensar alternativas e criar modos próprios de se

trabalhar com o filosofar nas escolas.1

Aqui no Rio Grande do Sul, temos vários professores que participam do

mais antigo fórum com atuação efetiva pela qualificação da Filosofia no

país, que é o Fórum Sul-brasileiro de Filosofia e Ensino, os quais

pesquisam e produzem referenciais teóricos muito relevantes para o

ensino de filosofia. Há professores/ pesquisadores que tem desenvolvido

muitos materiais e norteado diversas experiências riquíssimas de ensino

da filosofia com crianças2, que é uma alternativa de trabalho para a

filosofia no ensino fundamental, diferente da proposta de filosofia para

crianças de Matthew Lipman.

A filosofia com criança é pautada em um filosofar construído com as

crianças, a partir de seu ponto de vista, dessa maneira anula a

possibilidade de doutrinação, pois não se quer impor algo de fora, mas

extrair algo de dentro. Assim o filosofar não pode ter uma receita

pronta, apostilada, pois trata-se também de partir do interesse, da

realidade e do contexto dos alunos e construir com eles análises e

reflexões críticas acerca de questões de sua existência.Um ótimo

exemplo que ilustra essa proposta é o trabalho do professor Sérgio A.

Sardi com seu livro “Ula”, esta obra nos possibilita trabalhar questões

relativas a existência humana e conseqüentemente filosóficas, de

maneira lúdica e acessível à infância. A “Ula” nos abre infinitas

possibilidades de trabalho sem determinar o raciocínio e o caminho que

a turma deve percorrer em suas investigações. Desta maneira

professores e alunos se admiram, se surpreendem, descobrem,

aprendem e filosofam sobre o mundo que pertencem, um exercício que

1 Considero muito interessante e indico pesquisa sobre as produções e experiências do professor Sérgio A. Sardi, aqui no RS e GESEF (Grupo de estudos sobre o Ensino de filosofia) de SP, coordenado pelo professor Sílvio Gallo.2 Tem como principal referência o professor Walter Omar Kohan.

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precisa de disciplina, mas que não precisa ser disciplinador. Esse

movimento com os outros abre possibilidades, não traz possibilidades

fechadas, desta forma:

O que anima o aprendiz do filosofar? Dentre os mais diversos motivos, é possível apontar um que faz dele desde cedo um filósofo: ambos (professor e aluno) possuem aquele distanciamento do mundo e aquela intimidade que só pode ser obtida pela via da reflexão. Nesse sentido, não se ensina filosofia, mas se alimenta o desabrochar de uma recusa secreta, de uma necessidade de recuo, de encontrar um caminho produtivo para um estranhamento atávico” (GIANNOTTI, 1995, p. 13).

Cada vez mais escolas inserem o ensino da filosofia no currículo do

ensino fundamental, o que é muito positivo, pois quanto mais novo o

aluno, menos formatado está seu olhar e sua interpretação do mundo, a

criança possui uma intensa capacidade de admirar-se com a vida,

significando suas descobertas e a realidade que acerca, o que possibilita

que as reflexões e debates filosóficos sejam mais ricos e

conseqüentemente que os alunos se tornem cada vez mais cedo

cidadãos críticos e atuantes no meio em que vivem, pois “A filosofia não

tem uma ”receita mágica” para resolver problemas da vida de ninguém,

mas pode ser um instrumento interessante para entendermos melhor as

situações pelas quais passamos, possibilitando que façamos escolhas

mais bem pensadas.” (GALLO, 2002, p.12)

Há diversos professores e pesquisadores estudando e organizando

metodologias para o trabalho com filosofia no Ensino Fundamental e

Médio, citei a cima, de maneira superficial duas “vertentes” de

pensamento que, acredito, continuam norteando novas possibilidades de

sistematização do trabalho com filosofia e o fazer pedagógico de muitos

professores. Considero relevante socializar, brevemente, um pouco da

minha experiência como professora de filosofia no Ensino Fundamental e

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da importância da formação continuada de professores para a autoria

dos mesmos e o surgimento de novas possibilidades de trabalho.

Filosofia no Ensino Fundamental: experiências

Sou educadora do município de Esteio, trabalhei com filosofia no Ensino

Fundamental de 2002 a 20053, com crianças entre 10 e 14 anos de

idade. A educação no município de Esteio, atualmente, é pautada em

pressupostos de uma educação popular e progressista e tem como

princípios norteadores de suas ações: Qualidade Social da Educação,

Acesso e Permanência e Gestão Democrática e Participativa. Por isso,

cada escola da rede municipal tem autonomia para organizar seu

Projeto Político Pedagógico, Regimento escolar e Planos de Estudos,

dentro dos pressupostos acima citados. O que possibilitou que algumas

escolas optassem em incluir a filosofia como disciplina dos anos finais

(5ª a 8ª série) do Ensino Fundamental e desde então4 o município

possui professores habilitados e concursados. Os professores de Filosofia

do município de Esteio desenvolvem diversos trabalhos, cada um trilha

sua caminhada na construção do conhecimento com seus alunos a partir

de suas experiências, características da comunidade escolar, Projeto

Político Pedagógico da escola, etc. e essas experiências são socializadas

nas formações continuadas. Formações continuadas são momentos

organizados pela Secretaria Municipal de Educação, dentro do horário de

trabalho dos professores, para atualização, com palestrantes,

socialização de suas práticas, realização de encaminhamentos

específicos para cada disciplina, enfim, momentos de trocas, avaliações

e aprendizagens.

3 Desde então trabalho como assessora pedagógica na Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Esteio.4 Desde o ano 2000.

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A formação continuada torna-se fundamental para professores de

disciplinas como a Filosofia que não têm “conteúdos fechados”, o que

possibilita aos mesmos trabalhar o que, e como considerarem mais

adequado, contudo esse “mar de possibilidades” pode nos levar a um

relativismo e prejudicar os alunos. O encontro de formação de

professores de uma mesma disciplina possibilita que os mesmos

compartilhem práticas, estudem e troquem opiniões sobre uma mesma

temática, dividam suas angústias e desafios relativos aos alunos e,

sobretudo que criem alternativas e possibilidades. Nas formações

continuadas do ano passado,5 os professores de Filosofia de Esteio

organizaram o I Fórum de Filosofia do município e iniciaram discussão

sobre as construções de referenciais teóricos norteadores para o ensino

de filosofia no Ensino Fundamental.

Desta forma a formação continuada de professores torna-se uma aliada

imprescindível dos professores de filosofia, pois nelas é possível

socializar dificuldades e construir possibilidades sobre a realidade que

estão trabalhando, uma vez que durante a formação acadêmica pouco

se fala de aprendizagem, ‘ensinagem’ e alunos.

Dentre minhas experiências como professora de filosofia escolhi a

primeira, para relatar brevemente, não saberia dizer se foi a mais

significativa, mas utilizando a linguagem de meus alunos, certamente foi

a mais “punk”.

O principal desafio que encontrei no início do trabalho de filosofar com

crianças, além do fato da escola não ter um plano de estudos dessa

disciplina, foi ser a primeira professora de filosofia desta escola e

conseqüentemente ter a tarefa de apresentar essa disciplina à

comunidade escolar e explicar o que era Filosofia. Como fazer isso com

crianças de 10 anos? Fiz algumas tentativas de conceituação, contudo,

como nessa faixa etária a abstração ainda está em construção,

5 2006

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combinamos de construir esse conceito coletivamente ao longo de

nossos encontros.

No início trabalhei basicamente com a questão do admirar-se com as

coisas, com o "ouvir" e, "ver" o de outra forma que o habitual com o

pensar diferente sobre as coisas que pensamos em nosso cotidiano, com

o "ver" com outros olhos, para isso trabalhamos com músicas de

diversos estilos, diferentes textos e linguagens, diversas formas de se

expressar, se posicionar, escutar, respeitar opiniões diferentes sem a

pretensão de chegar a um consenso, trabalhamos sucintamente

Aristóteles e a questão da metáfora, liberdade, mídia, direitos dos

consumidores, entre outros trabalhos. Pois em meio a tanta excitação,

ansiedade, insegurança e porque não imaturidade profissional,

sustentei-me nas leituras de Marilena Chauí que no momento me

nortearam, cito:

A Filosofia se interessa por aquele instante em que a realidade natural (o mundo das coisas) e a histórica (o mundo dos homens) tornam-se estranhas, espantosas, incompreensíveis e enigmáticas, quando o senso comum já não sabe o que pensar e dizer e as ciências e as artes ainda não sabem o que pensar e dizer” ( CHAUÌ, 1995, p. 17).

Percebi que a cada trabalho que realizávamos, a questão problema "O

que é filosofia?", ficava insignificante, pois estávamos filosofando, assim

as coisas foram acontecendo até que eles mesmos conceituaram o que

era filosofia.

Durante este primeiro ano, meu trabalho com essas turmas fluía como

se estivéssemos trabalhando com a matemática, ou seja, uma disciplina

“normal”, onde alguns apresentaram maior facilidade e

conseqüentemente se destacaram, e outros demoraram um pouco mais

para se apropriar do trabalho. Com o passar do tempo percebi que a

ansiedade e necessidade em conceituar a Filosofia eram minhas, pois a

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cada encontro com os alunos mais rica e madura foram nossas

discussões. Assim o trabalho foi se delineando a partir de temáticas da

realidade e reflexões acerca do pensamento dos filósofos sobre tais

temas, construindo coletivamente um outro pensar e novas

possibilidades para cada problema analisado. Para elucidar, eis um

breve relato de um trabalho realizado neste primeiro ano6.

Tendo em vista que nesta época a temática recorrente era a questão da

violência, devido ao atentado de 11 de setembro e o início da guerra

entre Estados Unidos da América e Iraque, uma das temáticas que

trabalhamos neste ano foi à questão da violência e a forma de

relacionamento entre as pessoas.

Este trabalho iniciou-se com uma conversa sobre os acontecimentos que

estavam ocorrendo no mundo envolvendo violência.

Discutimos os fatos citados por eles, as situações elencadas que

ocorrem com freqüência e demonstram violência, o que é considerado

normal, se existem outras maneiras de resolver os problemas, sem

violência, etc. Em seguida pedi que escrevessem o que era violência

para eles e por quais motivos ela era gerada. Conversamos sobre as

hipóteses levantadas e suas respectivas causas.

Lemos um texto sobre violência em sala de aula. Levantei a questão de

que geralmente quando falamos de violência nos referimos aos fatos

que sabemos pela mídia, ou que aconteceram no bairro, com um

conhecido, um vizinho, etc, e não nos damos conta de que também

somos vítimas da violência e que muitas vezes a praticamos.

Listamos coletivamente situações de violência que ocorrem na escola,

suas causas e conseqüências, compondo um quadro diagnóstico sobre a

violência na escola.

6 Esse trabalho foi realizado em 5 semanas, em 2 períodos de aula em cada semana.

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Analisamos o “quadro” sobre violência e pensamos alternativas para tais

questões.

Propus que analisassem figuras e dissessem o que elas estavam

retratando.

Mostrei três figuras, duas de agressões e uma de carinho. Quando

mostrava a figura questionava, do que se tratava, se a pessoa estava

feliz, quem era o agressor e quem era agredido, se a situação poderia

ser invertida, quais os possíveis motivos, se havia alguma situação que

justificava tal atitude, se somos capazes de tais atitudes, o que nos

levaria a agir assim, etc. Sempre que respondiam, eu apresentava uma

hipótese que contradizia suas respostas levando-os a repesá-las.

Após a discussão sobre as figuras comentei que havia um filósofo que

tinha pensado sobre o “agir” das pessoas, que era Immanuel Kant.

Falei um pouco sobre Immanuel Kant e expliquei o imperativo

categórico, de uma maneira simplificada. Conversamos bastante sobre

essa “idéia” de Kant e sobre o que pensavam dela.

Para concluir esse trabalho fiz algumas perguntas relativas à violência,

sobre a maneira de como a humanidade se relaciona, e entre outras, se

concordavam com o filósofo Kant no que havíamos conversado sobre

suas idéias. Transcrevo aqui algumas respostas:

“Sim, Kant era uma pessoa muito geniosa, que pensava pelo mundo e

pelas atitudes de cada cidadão.” Jorge - 10 anos

“Sim, eu concordo com ele, pois ele fala que devemos pensar bem antes

de agir é por isso que eu concordo com ele, se uma pessoa mata a

família da outra tu não pode sair matando todo mundo”.Patrícia – 11

anos

“Sim, porque se todos pensassem antes em vez de fazer algo que outros

não gostem o mundo seria melhor”. Régis – 10 anos

Esse foi um breve relato de uma experiência inicial da minha caminhada

como professora de Filosofia no Ensino Fundamental, depois dessa

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houveram outras, com modificações, talvez superações de algumas

dificuldades e enfrentamento de novos desafios. Hoje certamente faria

muitas coisas diferentes, contudo o que não abro mão é de propor aulas

de filosofia a partir da interlocução entre a realidade dos alunos e o

saber sistematizado dos clássicos, pois “o filósofo não se afasta de modo

algum da realidade cotidiana, mas sim das interpretações e valorações

cotidianas do mundo (…)” (LAUAND, 1988 p. 68).

Considerações finais

Muitos são os caminhos que o ensino da Filosofia pode percorrer, pois a

filosofia tem ligação direta com a vida e a existência humana, o que nos

abre diversas possibilidades de trabalho com os alunos. Contudo é

justamente a infinidade de possibilidades de trabalho que angustia a

muitos professores. Nestes momentos de angústia e insegurança,

considero importante ouvir o que os alunos estão dizendo da própria

vida, como eles pensam e se movem no mundo e a partir dessa escuta

propor, através do pensamento dos filósofos, diferentes maneiras de

pensar tais questões; vinculando, desta forma, o cotidiano dos alunos as

aulas de Filosofia. Esse exercício corporifica a filosofia e possibilita que o

“reino das idéias” esteja ao alcance de todos e, conseqüentemente, ter

aulas de filosofia passe a fazer sentido para os alunos assim como a

atividade filosófica possa ser vivida mais intensamente.

A metodologia certa para trabalhar com o ensino de filosofia, seja no

Ensino Fundamental ou Médio, é aquela que possibilita que professores

e alunos entreguem-se ao filosofar e, a partir desse filosofar, seja

possível traçar um caminho com metas e objetivos a serem atingidos,

pois para filosofar é preciso arriscar-se e para ensinar e aprender é

necessário estar aberto tanto ao acerto quanto ao erro. Acredito que

esse caminho deva ser percorrido através do exercício filosofante de

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conexão entre a vida real, vivida por nossos alunos e os clássicos, que

pensaram questões relativas a toda humanidade.

Que o filosofar é inerente ao humano, muitos sabem, mas que esse

filosofar pode mudar a nossa maneira de ver e interagir com o mundo,

nós filósofos e filósofas precisamos auxiliar outras pessoas a descobrir,

pois o mundo que vivemos é conseqüência de nossas atitudes e o

exercício filosofante faz-se cada vez mais necessário na sociedade que

vivemos atualmente, onde a vida, a verdade, a justiça e o bem, são

questões sob as quais refletimos e talvez valoramos em momentos

esporádicos, geralmente em situações que nos “choquem”, como a

morte do menino João Hélio, mas que infelizmente não estão refletidas

em nossas ações cotidianas. Cito:

(...) Qual seria, então, a utilidade da Filosofia? Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos de senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes” (CHAUÌ, 1995).

Longe de mim pensar na Filosofia de maneira utilitarista, ou seja, de

que seu ensino é importante, porque nos tornará seres humanos

melhores, certamente não há aprendizagem que determine a evolução

do ser humano, como uma conseqüência.

Somos seres inteligentes, que fazemos escolhas e é justamente por isso

que penso ser fundamental que desenvolvamos a capacidade de análise,

reflexão e distanciamento das imposições sociais as quais produzimos e

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estamos, muitas vezes, imersos. E para o desenvolvimento de tais

capacidades, certamente, a Filosofia é importante.

Referências bibliográficas

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