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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA Canoas/RS
UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
Danielle Schütz
ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
Canoas, 14 de novembro de 2013.
Danielle Schütz
ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
TRABALHO DE Curso apresentado como
pré-requisito parcial para a obtenção de título
acadêmico de Licenciado em Artes Visuais,
pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais
da Universidade Luterana do Brasil, sob
orientação dos professores Dra. Rejane Ledur,
Me. Ana Lúcia Beck e Me. Renato Garcia.
Canoas, 27 de novembro de 2013.
RESUMO
Este trabalho foi desenvolvido em função dos elementos obtidos na pesquisa sobre
características da arte contemporânea e posterior aplicação do planejamento de ensino
intitulado: “Acessibilidade à arte contemporânea”. Esse plano de ensino foi aplicado em
uma turma de 7ª série do ensino fundamental, na Escola Especial para surdos Frei
Pacífico, no município de Porto Alegre. O tema abordado versou sobre as principais
características existentes na arte contemporânea, bem como no estudo de dois artistas
relevantes desse período: William Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores
como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e Michel Archer embasaram tanto a elaboração das
praticas quanto a produção das reflexões realizadas. Inicialmente esse projeto havia
contemplado outro tema para a pesquisa, mas em função da grande necessidade da
turma em conhecer e se aprofundar nas questões que envolvem o atual período da arte, a
pesquisa passou a tratar do tema “arte contemporânea”. Durante o período de
observação da turma, ficou clara a carência de abordagem desse tema. A grande maioria
dos alunos ou não sabia ao certo o que era arte contemporânea, ou alegava não gostar do
assunto, sem ao menos saber do que se tratava. Posteriormente, durante a aplicação do
meu plano de ensino, a pequena turma de oito alunos surdos se mostrou bastante
receptiva a minha proposta. O objetivo desse trabalho era aproximar os alunos desse
movimento artístico, oferecendo-lhes as ferramentas necessárias para entrar em contato,
dialogar e experimentar obras de arte contemporâneas. A partir de uma experiência
direta dentro de um espaço expositivo, os alunos foram inseridos dentro desse contexto,
fato que favoreceu o inicio das atividades em sala de aula. A metodologia de ensino
propôs reflexões acerca das informações obtidas no Museu, e também buscou
desenvolver suas praticas com o auxilio das leituras de imagens realizadas em sala de
aula. O resultado desse trabalho foi significativo quando observadas as produções
plásticas dos alunos, que em grande parte dos momentos se mostraram muito receptivos
às propostas de trabalhos práticos, em especial às produções tridimensionais. O
rendimento das aulas foi mais significativo durante a produção dos trabalhos plásticos,
quando em comparação com as questões reflexivas, pois minha ação dentro dessa turma
acabou sofrendo limitações por conta barreira lingüística, tanto por conta da minha
pouca prática com a língua de sinais e por conta da falta de um vocabulário especifico
para artes em LIBRAS. Percebi, ao longo da aplicação desse planejamento, que meu
papel como educadora de artes é conduzir os alunos a elaborarem suas próprias
percepções, bem como mostrar-lhes que a arte não precisa apenas ser vista ou
entendida, mas que ela pode acima de tudo ser sentida.
Palavras-chave: Arte contemporânea, libras e artes, surdos.
SUMÁRIO
Introdução 05
CAPÍTULO 1. Reconhecimento do espaço de ensino 09
1.1 Dados gerais da escola 10
1.2 Observações silenciosas 11
1.2.1 Primeira observação silenciosa 11
1.2.2 Segunda observação silenciosa 12
1.2.3 Terceira observação silenciosa 13
1.2.4 Quarta observação silenciosa 14
1.3 Análise das observações silenciosas 15
1.4. Análise do questionário respondido pela professora 18
1.5 Análise do questionário respondido pelos alunos 19
CAPÍTULO 2. Acessibilidade à arte contemporânea 20
2.1 José Leonilson Bezerra Dias 21
2.2 Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson 33
2.2 William Kentridge 42
CAPÍTULO 3. Projeto de ensino 47
3.1 Dados gerais da escola e da turma 47
3.2 Dados gerais do projeto de ensino 47
3.2.1 Tema 47
3.2.2 Justificativa 48
3.2.3 Objetivo geral 48
3.2.4 Objetivos específicos 48
3.3 Prática de ensino 50
3.3.1 Observação silenciosa 01 50
3.3.2 Observação silenciosa 02 52
3.3.3 Observação silenciosa 03 54
3.3.4 Primeiro encontro 57
3.3.5 Segundo encontro 67
3.3.6 Terceiro encontro 75
3.3.7 Quarto encontro 84
3.3.8 Quinto encontro 92
3.3.9 Sexto encontro 101
3.3.10 Sétimo encontro 110
CONCLUSÃO 118
REFERÊNCIAS 133
APÊNDICES 134
5
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi elaborado com base nas experiências vividas durante a
aplicação do plano de ensino em estágio II, realizado na Escola Especial para surdos
Frei Pacífico, em uma turma de oito alunos surdos da 7ª série do ensino fundamental,
com idades entre 12 e 15. A escolha pela aplicação do meu plano de ensino, em uma
escola de educação especial para surdos, possui justificativa em um antigo vínculo
afetivo com a escola.
Este Trabalho de Curso (TC) está estruturado em capítulos, sendo que o primeiro
deles trata do reconhecimento do espaço de ensino, o segundo trata dos temas:
acessibilidade à arte contemporânea, utilizado para as práticas de ensino; e apropriações
da arte na publicidade, primeiro tema de pesquisa realizado em estágio I. E o terceiro
capitulo, que relata as experiências vividas durante a pratica de ensino.
Inicialmente, durante o estágio I, realizei quatro observações silenciosas nessa
mesma escola, porém em uma turma de oitava série. Como esse primeiro contato havia
sido realizado no segundo semestre de 2012, foi necessária a realização de outras três
observações na nova turma em que eu iria aplicar meu plano de ensino, em uma sétima
série, no primeiro semestre de 2013.
Como se trata de uma escola de educação para surdos, embora a escola acolha
também alunos com múltiplas deficiências, meu plano de ensino deveria ser aplicado
através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Num primeiro momento acreditei que
a aplicação de uma aula de artes em LIBRAS poderia acontecer sem maiores
dificuldades, porém, foi somente durante a prática de ensino que pude avaliar de fato a
complexidade desse processo.
Durante o estágio I, enquanto eu apenas observava as aulas de artes, acabei
escolhendo o tema da minha pesquisa sem muita preocupação com sua relevância para
os alunos. Havia muita pressa da minha parte em escolher um tema, de modo que eu
não considerei aquilo que havia observado na turma, e tampouco dei importância aos
resultados dos questionários aplicados. Inicialmente o tema da minha pesquisa versava
sobre apropriações da arte dentro da publicidade, escolhi esse tema apenas com base no
meu gosto pessoal, sem avaliar o que de fato essa escolha poderia acrescentar aos
alunos.
6
Já no estágio II, fui orientada a trocar minha pesquisa. Tratar de arte
contemporânea, com alunos que relataram não ter contato com esse tema, poderia ser
um meio de colocá-los em contato com esse período da arte, pouco explorado na escola.
Resolvi então, juntamente com minha orientadora, alterar o tema da minha pesquisa,
que passou a se chamar “Acessibilidade à arte contemporânea”. A acessibilidade tratada
aqui não possui referência com infra-estruturas instaladas em museus ou espaços
expositivos, mas refere-se ao acesso das pessoas à arte contemporânea, estudada com
base em suas características e particularidades mais relevantes.
Para trabalhar arte contemporânea, utilizei o sentimento como foco do meu
trabalho, minha intenção era proporcionar aos alunos a interação com as obras de arte,
de modo que a visualidade ocupasse uma posição secundária com relação à percepção
que os alunos iriam por em prática. Para tanto, procurei iniciar minha prática com uma
saída de campo, fato que não costumava ocorrer na escola. Colocar os alunos em
contato direto com a arte contemporânea, antes mesmo de aplicar qualquer aula sobre o
tema, seria uma forma de instigá-los a desenvolver um interesse maior pelo tema, de
modo que em sala de aula pudéssemos iniciar nosso trabalho a partir das experiências
vividas de forma direta dentro do Museu. Os resultados desse evento foram muito
significativos para a aplicação do meu plano de ensino.
Minha principal meta era quebrar a barreira que havia entre os alunos e a arte
contemporânea, meu desejo era mostrar a eles os aspectos, características e artistas que
produzem trabalhos relevantes nesse período. Um dos objetivos desse projeto era
mostrar aos alunos que arte não necessariamente tem de ser bela, pois beleza é um fator
subjetivo dentro desse contexto, minha intenção era que cada um deles pudesse
desenvolver suas percepções sobre beleza, e sobre valores estéticos, e que pudessem
também se permitir entrar em contato com algo que fosse capaz de despertar a
curiosidade e o questionamento. Minha intenção era ajudá-los a despertar um
pensamento crítico e investigativo, capaz de induzí-los a formular suas próprias
respostas, frente a uma arte diferente daquela que estava sendo vista por eles até então.
Esse novo enfoque apresentado foi muito bem recebido pelos alunos. Essa receptividade
foi comprovada tanto pelas produções plásticas da turma, quanto pela afetividade que,
durante todo o estágio, demonstraram para comigo.
Esse tema, utilizado no ensino fundamental, também foi aplicado ao ensino
médio, no Colégio Estadual Julio de Castilhos em Porto Alegre. Esse colégio divide as
aulas de artes em áreas especificas, sendo ofertados aos alunos as oficinas de pintura,
7
gravura, cerâmica e desenho. Quando busquei uma oportunidade junto à escola para
realizar meu estágio, foi me ofertada apenas a oficina de pintura, que possuía dezesseis
alunos do primeiro ano do ensino médio. Meu planejamento então foi adaptado para
produções referentes à pintura, pude então trabalhar com essa turma mais aspectos
referentes à pintura contemporânea. Com essa turma também tive a oportunidade de
realizar uma saída de campo. Diferentemente do ensino fundamental, essa saída foi
realizada em uma pequena galeria de arte em Porto Alegre, na penúltima prática que
realizei com a turma.
A metodologia empregada no ensino médio foi bastante diferente daquela
empregada no ensino fundamental, não apenas pela condição desses alunos, que eram
ouvintes, mas também em função da diferença de idade. Os alunos tinham idades entre
15 e 18 anos. Meu objetivo com essa turma era o mesmo que eu havia traçado para o
ensino fundamental, inicialmente enfrentei resistência dos alunos com relação à arte
contemporânea, porém, após as primeiras práticas, os alunos se mostraram muito
receptivos a minha proposta, de modo que nosso trabalho foi produtivo, os alunos
demonstraram interesse pela arte contemporânea, e esse fato ficou evidente em suas
produções.
O tema utilizado foi o mesmo tanto para o ensino médio, quanto para o
fundamental. Foram abordadas as principais características existentes na arte
contemporânea através do estudo de dois artistas relevantes desse período: William
Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e
Michel Archer embasaram tanto a elaboração das praticas quanto a produção das
reflexões realizadas.
Minha comunicação com a turma de ensino médio foi bastante satisfatória,
desenvolvemos discussões, concordamos e discordamos em vários aspectos, falamos
sobre os vários períodos que antecederam a arte contemporânea e por fim, ampliamos
nossas discussões com base na saída de campo.
Essa tranqüila comunicação que experimentei com o ensino médio não ocorreu
com o ensino fundamental. Quando optei pela aplicação do estágio em uma escola de
alunos surdos, acreditei que meu conhecimento em LIBRAS seria suficiente para a
aplicação das aulas. Foi somente em sala de aula que pude avaliar a significativa
diferença entre a comunicação em língua de sinais dentro do contexto familiar, com a
utilização dessa língua em uma sala de aula. É fato que professores ouvintes enfrentam
maior dificuldade em ensinar conteúdos em LIBRAS, pois nem sempre esses
8
profissionais possuem vivencia dentro de uma cultura surda, de modo que sua pratica
acaba se limitando ao ambiente escolar.
Outro fator relevante nesse processo é a falta de um vocabulário especifico para
artes em LIBRAS. Durante a aplicação das aulas tive de aplicar grande parte dos
conteúdos através da construção de palavras, utilizando o alfabeto em LIBRAS. Porém
nem sempre esse método supriu as lacunas que surgiram durante as aulas, pois havia
também a necessidade de construção das idéias trabalhadas, de modo que não bastava
apenas criar um sinal para determinado termo sem a construção de seu significado.
Embora meu plano de ensino não tenha sido aplicado da forma planejada, as
diversas situações que ocorreram durante as aulas, e que não haviam sido previstas, me
levaram a articular as aulas em prol da aprendizagem dos alunos, pois o objetivo
principal não era apenas a conclusão do estágio obrigatório, mas o que de fato a minha
aula poderia acrescentar na vida de cada aluno.
Poucos meses antes do inicio do estágio II, iniciei como bolsista de iniciação à
docência no projeto PIBID. Essa vivencia direta em sala de aula me ajudou a elaborar
melhor meus planejamentos de ensino, além de me ajudar a praticar minha postura em
sala de aula, observando minhas falhas e repensando meus métodos, uma vez que essa
foi a primeira oportunidade que tive de atuar em sala de aula.
Posso considerar que essa experiência acrescentou significativamente a minha
atuação com o ensino médio, porém no ensino fundamental, a barreira lingüística foi o
fato mais significativo do processo, a ponto de modificar profundamente o andamento
da prática. É fato que dificilmente um plano de ensino se desenvolverá da forma
idealizada, porém, tanto a minha pouca prática com os sinais, quanto o escasso
vocabulário para artes em Libras tenham sido os fatores determinantes sobre os
resultados dessa prática.
9
CAPÍTULO 1
RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO
10
1. RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO
1.1. Dados gerais da escola observada
Escola Especial para surdos Frei Pacífico
Endereço: Rua Tomaz Edson, n°75 – Bairro Santo Antônio – Porto Alegre – RS
Diretora: Maria Elizabeth Magalhães
Professora: Lucila dos Santos Vales
Graduação: Licenciatura em Artes Visuais ULBRA/Canoas
Alunos: Ensino Fundamental 8° série
Turma: 802
Turno: manhã, quartas-feiras nos dois últimos períodos.
Horário das aulas: 10h20min – 12h.
Número de alunos: 7 alunos
Aulas observadas: 4 aulas de períodos duplos de 50min cada.
Período de observação: Entre setembro e outubro de 2012
11
1.2. Observações Silenciosas
Observação 01
DATA: 12/09/2012
A aula de Artes Visuais teve início às 10h20min, nos dois períodos finais de
quarta-feira. A professora me apresentou aos alunos, em LIBRAS, sendo que muitos
deles já eram meus conhecidos por conta da minha relação com a escola, uma vez que
sou madrinha de uma ex-aluna, o que me levou muitas vezes a participar dos eventos
por lá realizados. Uma auxiliar ouvinte e intérprete de libras instalou na sala de aula um
retroprojetor para iniciar a aula de Artes.
A professora apresentou aos alunos uma série de imagens, denominadas de “arte
surda”, tratavam-se de pinturas, esculturas e gravuras da artista plástica Fernanda
Machado (surda), que nasceu no Rio de Janeiro na década de 80. Os alunos observavam
e faziam comentários junto com a professora, que simultaneamente foi passando as
imagens. Por diversas vezes durante a aula, a professora se dirigia a mim e explicava
mais calmamente a respeito da matéria, uma vez que meu conhecimento em libras é
recente, de modo que não sou capaz de acompanhar os sinais de forma rápida. Após a
análise do trabalho dessa artista, a professora apresentou imagens de outro artista surdo,
“Francisco Goulão”, nascido em Portugal na década de 1940.
A professora mostrou uma grande quantidade de imagens desse artista, bem
como suas exposições e eventos de arte. A professora se deteve na explicação de
pinturas de paisagens feitas por esse artista, e abordou o tema da profundidade utilizada
por ele, tentando esclarecer aos alunos sobre a facilidade de se produzir imagens como
essa. A aula de hoje foi basicamente teórica, expositiva e dialogada, mas com o intuito
de preparar os alunos para posteriores aulas práticas.
Ao final da aula a professora mostrou um vídeo feito pelo diretor da FENEIS
(Federação Nacional de Educação e Integração Surda), divulgando o evento que
acontece entre a comunidade surda, e que se chama setembro azul, por conta do dia do
surdo, 26 de setembro, os alunos ficaram animados com essa comemoração e saíram da
aula comentando a respeito. Fim da aula.
12
Observação 02
DATA: 19.09.12
Em função da comemoração farroupilha a escola estava elaborando atividades
especiais nessa semana. Encontrei-me com a professora e com os alunos no corredor
principal para nos dirigirmos à oficina de Artes da escola, onde seria realizada uma
atividade que relata as diversas etapas históricas do dia 20 de setembro. Esse trabalho
foi elaborado na disciplina de Artes, pois conta com uma bela ilustração feita pelos
alunos, a professora iniciou a aula contando um pouco da história da semana
farroupilha, ela utilizou os vídeos através de Power point e imagens projetadas para
complementar a aula.
Após as explicações a professora distribuiu materiais para a realização da tarefa
como papel A3, lápis de cor e pastel. Enquanto os alunos realizavam a tarefa, eu me
comunicava com a professora em LIBRAS. Perguntei sobre as atividades da pequena
turma de apenas seis alunos, ela me disse que eles não gostam de aulas teóricas, de
modo que ela ensina história da arte sempre através da leitura de imagens. Aos pouco os
trabalhos dos alunos foram tomando forma e a professora passou a auxiliá-los em seu
desenvolvimento.
Alguns alunos optaram pela realização do trabalho com tinta têmpera. Desenhos
de cavalos, estradas e farrapos foram recorrentes, outros que relatavam batalhas,
também estavam presentes nas produções.
Chega o momento em que a professora pede para os alunos encerrarem a
atividade, colocando os trabalhos sobre a bancada para secar, guardando os materiais e
ajudando na limpeza da sala. Antes de o sinal tocar (nesta escola o sinal é feito através
de uma lâmpada vermelha que se ascende sobre a porta da sala), despedi-me da
professora e dos alunos e a aula chegou ao fim.
13
Observação 03
DATA: 26/09/2012
Neste dia encontrei-me com a professora na sala dos professores, assim que
disparou o sinal de alerta para retorno da aula nos dirigimos ao pátio da escola para
pegar os alunos. Alguns deles são meus conhecidos, recebi abraços e cumprimentos em
LIBRAS e então nos dirigimos à sala de aula. A atividade de hoje retomou as aulas
teóricas de leitura de imagens de artistas surdos. A professora iniciou as explicações
com o auxílio de Power point e de pôsteres feitos pela turma de 5ª série da escola. Em
diversas situações, ao longo das explicações a professora me inseriu diálogos, pedi para
que dialogassem comigo com calma, pois meu conhecimento em língua de sinais não é
tão aprofundado a ponto de eu conseguir gesticular rapidamente.
A professora continuou mostrando imagens das obras do artista Francisco
Goulão e de Fernanda Machado, ambos surdos e produtores de um belo trabalho
artístico. Após essas leituras, a professora então passou a explicar a respeito da sing
writter, conhecida como escrita de sinais, trata-se de desenhos ou formas geométricas
que representam os sinais feitos com as mãos, lembrando que para os surdos a língua
mãe é a LIBRAS e depois o português, mas há casos em que a escrita se dá apenas em
sinais. Essa aula foi basicamente expositiva e discursiva, preparando os alunos para as
próximas aulas práticas.
14
Observação 04
DATA: 03/10/2012
Encontrei com a professora no corredor da escola e seguimos para o ginásio
onde encontraríamos as crianças, pois neste dia a aula seria na oficina de Artes que fica
no corredor anexo deste pavilhão. Ao chegarmos à oficina os alunos foram tomando
seus lugares em uma grande mesa que fica no centro da sala, enquanto isso a professora
iniciou a apresentação em Power point. As primeiras imagens tratavam de artistas do
renascimento, expressionismo e cubismo. Após analisar obras de artistas como
Leonardo Da Vinci, Van Gogh e Picasso, a professora passou a fazer leituras de
imagens de artistas surdos como Fernanda Machado, Marcos Antony e Maurício
Damasceno, os alunos observavam atentos as imagens que tratavam de apropriações
feitas por esses artistas em relação às obras dos artistas anteriormente apresentados.
Uma série de pinturas realizada pela artista plástica Fernanda Machado mostra a
Monalisa de Leonardo da Vinci se comunicando através da linguagem de sinais. A
professora então explicou sobre a técnica da apropriação e pediu para que os alunos
desenvolvam um desenho que una elementos artísticos já existentes com a cultura surda.
As atividades práticas se iniciaram os alunos pegaram seus materiais como folhas A4,
lápis de cor e pastel e começaram a esboçar suas idéias no papel, a professora ao mesmo
tempo em que os orientava também discutia algumas particularidades da turma,
conversamos também sobre o curso de Artes aqui da ULBRA, uma vez que ela também
fez sua graduação aqui.
Enquanto os alunos desenhavam eu observei alguns objetos tridimensionais
expostos na oficina de Artes, feitos por eles antes do início do meu estágio na escola.
Ao finalizarem a atividade, percebi a riqueza dos trabalhos que eles haviam
desenvolvido, eles trabalharam muito bem a questão da apropriação e tiveram ótimas
ideias, fato que me deixou mais à vontade para desenvolver meu plano de aula que v
tratar especificamente deste assunto. A aula chega ao fim, os alunos entregaram seus
trabalhos à professora e ajudaram na organização e limpeza da sala. A lâmpada
vermelha se acendeu indicando o fim do último período.
15
1.3. Análise das observações silenciosas
Muito antes de pensar em estudar artes eu já tinha um grande vínculo com a
cultura surda, esse fato se deve por conta de que minha afilhada e prima Juliana nasceu
surda.
Antes da sua existência eu sequer tinha conhecimento a respeito de escolas
especiais para surdos, não sabia da riqueza de sua cultura e muito menos que existiam
artistas surdos com belíssimas produções. Cursei a disciplina de LIBRAS aqui na
ULBRA no início desse ano, o que acabou complementando e enriquecendo meus
conhecimentos uma vez que eu já tinha alguma habilidade com os sinais em função da
Juliana.
Cada vez que tenho contato com essa escola fico mais encantada ao ver a
superação desses alunos, uma vez que lá não existem apenas alunos surdos, mas há
também aqueles que são portadores de múltiplas deficiências. Eu já havia feito nessa
escola a minha primeira observação silenciosa da cadeira de Tendências e Perspectivas
para o Ensino da Arte, no semestre seguinte realizei outra observação para a disciplina
de Projetos de Ensino em Arte. Essa nova experiência, aliada aos questionários que
apliquei aos alunos e a professora, reafirmaram minha certeza de que é nessa escola que
quero praticar meu estágio II.
Sei bem da dificuldade e das limitações que me esperam, uma vez que meu
conhecimento em LIBRAS não é avançado ao ponto de eu conseguir me comunicar
com rapidez, habilidade que os surdos possuem de sobra, sua comunicação é
extremamente rápida, de modo que quando vou me comunicar peço sempre desculpas
caso não os entenda e também peço calma na hora de estabelecermos contato gestual.
Em relação à linguagem de sainais, Marlene Canarim Danesi Ressalta:
Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos
sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não
consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o
mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64).
A língua de sinais proporciona aos surdos a descoberta do mundo, as mãos
vão ajudar os olhos a compreender a realidade (DANESI, 2007, P.64).
16
O universo dos surdos é fascinante, fui muito bem recebida na escola, tanto pela
diretora, que é ouvinte, quanto pelas professoras surdas e ouvintes, e por todos os alunos
surdos.
Considero muito positiva a minha experiência, de modo que a escola está de
portas abertas para mim e para outras pessoas que lá queiram desenvolver seus estágios,
como me disse a diretora, eles têm interesse e vêem de forma muito positiva esse
intercâmbio entre escola surda e a comunidade em geral.
Em relação às observações, evidencio a dedicação e o carinho da professora
Lucila, formada em 2003 pela ULBRA, seus planos de aula são muito bem organizados
e aplicados e os alunos respeitam tanto a professora quanto os colegas, não observei
nenhuma atitude de indisciplina em sala de aula, embora conheça o comportamento de
alguns dos alunos fora do ambiente escolar, dentro de sala de aula eles foram
impecáveis em seu comportamento. Observei também que a professora fundamenta seu
planejamento na abordagem triangular, proposta por Ana Mae Barbosa, que trata da
sistematização do ensino em Arte com base na contextualização histórica, no fazer
artístico e na leitura de imagem, tornando sua aula completa e produtiva.
Dentro das atividades propostas, a professora sempre insere questões da cultura
surda, seja através de produções artísticas realizadas por artistas surdos, seja através da
abordagem de linguagens e escritas de e para surdos.
A cultura surda refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de
organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte, etc.
Os surdos envolvidos com a cultura surda, auto-referenciam-se como
participantes da cultura surda, mesmo não tendo eles características que
sejam marcadores de raça ou de nação (SÁ, 2006, p85).
Acho importante manter sempre essa abordagem em evidência, mostrar aos
alunos que essa deficiência em nada afeta seu poder criativo, muito pelo contrário, a
professora lhes mostra como é possível desenvolver arte de qualidade vinculada à
condição de todos eles. Observando as produções dos alunos em sala de aula, percebo a
riqueza das criações de cada um deles, chegando até mesmo a superar a qualidade dos
trabalhos feitos por alunos ouvintes do ensino médio.
Finalizo essa análise enfatizando a importância de olharmos para essa realidade,
totalmente despidos de preconceito ou qualquer tipo de ressalvas, a cultura surda tem
muito a nos ensinar, e apesar do grande desafio imposto pela forma de comunicação,
superada essa barreira, percebo que desenvolver e quem sabe até seguir com algum
17
projeto de trabalho nesse meio parece-me uma excelente forma de trocar e
principalmente aprender com a arte surda.
As pessoas que têm dificuldade em entender a existência de uma cultura
surda, geralmente são pessoas que pensam que nada há fora de sua própria
referência cultural, então, entendem a cultura surda como uma anomalia, um
desvio, uma irrelevância. Geralmente estas pessoas desconhecem os processos
e os produtos desta cultura surda: desconhecem o que os surdos geram em
relação ao teatro, ao brinquedo, à poesia visual, à literatura em língua de
sinais, à tecnologia que utilizam para viverem o cotidiano, etc. (SKLIAR,
1998, p.xx).
18
1.4. Análise do questionário respondido pela professora
A professora Lucila, formada em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas em 2003,
elabora seus planos de aula com base em referenciais teórico-práticos, utilizando
principalmente as atividades de leitura de imagens de diversos artistas entre eles os
artistas surdos.
A cada novo trimestre, ela formula novos planos que englobam atividades
essencialmente práticas, buscando uma variedade de técnicas como escultura, pintura,
desenho e colagem. Os materiais destinados a esse trabalho são fornecidos pela escola,
que os mantém organizadamente guardados em armários dentro da sala destinada às
oficinas de Artes.
A professora, que dedica grande parte de seu tempo ao trabalho, visita
exposições e galerias de arte, mas em função da sua surdez, ela me relatou a dificuldade
que enfrenta com relação à acessibilidade desses locais, o que acaba também limitando
sua atuação em atividades fora do espaço escolar, como visitas guiadas com os alunos
surdos.
A professora, que prefere propor atividades individuais em sala de aula, trabalha
muito com a “Arte Surda”, tive a oportunidade de observar essas aulas e fiquei feliz ao
ver belas produções no campo das artes que foram realizadas por surdos, fato que
inevitavelmente gera uma conscientização e reflexão acerca da cultura surda.
A professora não realiza provas em sua disciplina, a avaliação é constante,
observando o empenho e dedicação de cada aluno ao longo dos trimestres. Segundo seu
relato, ela garante atingir seus objetivos com a turma e é bem flexível na hora de
modificar ou agregar novos elementos em seu plano de aula.
19
1.5. Análise do questionário respondido pelos alunos
Os alunos da oitava série foram unânimes ao dizer que se sentem a vontade e que
gostam muito das aulas de artes, sendo que a maioria costuma visitar museus ou espaços
de arte, não somente durante as atividades escolares, mas também com seus familiares
que incentivam essa prática, muito embora ela aconteça de forma limitada em função da
falta de acessibilidade, pois são poucos os lugares que disponibilizam mediadores
habilitados em LIBRAS, isso porque a visita das escolas nesses espaços requer a
presença desses profissionais que complementam e dão sentido àquilo que se está
observando, essa necessidade não está atrelada apenas aos alunos surdos, mas a toda
comunidade escolar.
Para a maioria desses alunos, artista é uma pessoa que possui dons especiais,
sendo que um aluno acredita que artista é uma pessoa comum que decida pintar algo, e
outro aluno acredita que arte e artesanato sejam a mesma coisa. Essa idéia que a maioria
dos alunos tem em relação à arte e seu vinculo com dom especial é muito presente no
contexto escolar. Os alunos que em sua totalidade estudou história da arte, alegam que
consideram a disciplina de Artes importante tanto para desenvolver o lado artístico,
quanto para se distrair entre as aulas, fato que demonstra uma certa falta de validação da
disciplina de Artes enquanto meio de aprendizagem e de desenvolvimento intelectual e
cultural.
O grupo é bem diversificado na hora de mostrar quais as técnicas artísticas que
gostariam de aprender, como colagens, tridimensionais, grafite, etc. quando questiono a
respeito da arte contemporânea, um aluno apenas responde que não gosta do assunto, os
demais se dividem nas respostas que apontam para o interesse e envolvimento com o
tema, e os demais respondem que se interessam, mas não entendem do assunto.
20
CAPÍTULO 2
ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
21
2. ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA
2.1. José Leonilson Bezerra Dias
José Leonilson Bezerra Dias nasceu em Fortaleza CE em 1957 e morreu em São
Paulo SP 1993. Foi pintor, desenhista, escultor, um artista completo. Movido pela
necessidade de expressar sua subjetividade, Leonilson construiu um grande acervo, que
inclui pinturas, desenhos, bordados e algumas esculturas e instalações.
Seguem alguns exemplos de sua produção
How to rebuild at least one eight part of the world, 1986
Madeira, metal e feltro
José Leonilson e Albert Hien
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
22
Ninguém tinha visto, 1988
Pintura sobre madeira
Doação Eduardo Brandão e Jan Fjeld
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
Empty man, 1991
Bordado sobre linho
Coleção Família Bezerra Dias
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
23
Sagrado Coração, 1991
Bronze fundido, 8,5 x 4,5 cm
Col. Família Bezerra Dias, São Paulo
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
A delicadeza dos materiais também obriga o espectador a conhecer
inesperadas associações visuais. Mas em todos os detalhes (...). E uma visão
de mundo e a atenção de um artista com os pequenos sentimentos, que
finalmente, são os que fazem a grandeza do ser humano (Mendonça, 2005).
Sem título, 1988
Tinta acrílica e chapa de cobre pregada sobre lona.
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
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Suas obras apresentam características que o acompanham do começo ao fim, faz
uso de estamparias, bordados, pedras, palavras, grandes extensões de tecido. Leonilson
lança mão de comentários autobiográficos confessionais e também costuma utilizar
seriações, repetições de imagens, justaposições de objetos que circulam no universo da
cultura popular.
Leonilson consegue transformar a arte em puro sentimento, consegue transmitir
através de suas obras sua personalidade, um ser luminoso, sincero e apaixonante.
Foi, por certo, devido aos efeitos inusitados das próprias associações e justaposições
desses materiais sobre a superfície de lonas ou de folhas de papel que os trabalhos do
artista adquiriram um apelo fortemente expressivo.
Em suas obras, Leonilson usa constantemente a palavra, frases criando uma mistura de
poesia e imagem, um elo entre as artes visuais e a literatura, os títulos de suas obras, são
quase que outra obra a parte, uma nova reflexão. Utiliza-se livremente do desejo
simbólico, da sedução e da poesia para criar um jogo narrativo com o público. Questões
sexuais, o romantismo, o conjunto de símbolos costuram, com grande simplicidade, sua
vida e sua produção artística.
As obras de Leonilson nos fazem viajar, entrar em um mundo que por vezes
ignoramos, e nos fazem experimentar sentimentos que desconhecemos com sua
genialidade e delicadeza, faz com que fiquemos inesperadamente perplexos diante de
suas obras, talvez não tão belas, aos olhos de quem julga apenas pela estética, mas
surpreendentemente fantásticas e cheias de elementos que nos fazem pensar.
A delicadeza dos materiais também conduz o espectador a conhecer inesperadas
associações visuais. Mas em todos os detalhes (“...), é uma visão de mundo e a atenção
de um artista com os pequenos sentimentos, que finalmente, são os que fazem a
grandeza do ser humano”. (Mendonça, Textos críticos 2005)
Seus procedimentos subjetivos e referências com a contemporaneidade
Não há como separar os aspectos de subjetividade, princípios morais, como o
artista pensa, trabalha as questões culturais e políticas do cotidiano. Esse diálogo está
presente de uma forma muito clara, porém acontece simultaneamente em todo o
desenvolvimento da sua Obra. Não é à toa que rapidamente foi considerado pela crítica
um artista de transvanguarda, pelo seu ecletismo, recorrendo à liberdade de referências,
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linguagens e materiais, transitando em várias épocas estilísticas pelo simples gosto de
fragmentar e unir questões particulares e contemporâneas.
É possível observar o seu pensamento numa obra essencialmente autobiográfica,
mas sempre atento às questões de ordem coletiva, numa crítica bem humorada aos
problemas da sua geração e da cidade de São o Paulo onde residiu e ilustrou as crônicas
do jornal Folha de São Paulo entre 1991 e 1993. “Paulistanos ensopados dão com os
burros n’água (1991)” e “São Paulo não é nenhuma Brastemp (1992)” são dois desses
exemplos em que se percebe que apesar de uma obra muito voltada introspectivamente,
ela não é egocêntrica. Muito pelo contrário, o artista se valia da exposição de sua vida
para se comunicar com as pessoas sobre suas críticas sociais. Essa é a maneira que ele
encontrou para fazer o ele entre o que era do seu universo particular e sua arte
contemporânea que para ele se tratava de uma coisa só.
Outro exemplo de crítica social é um trabalho de 1990 fazendo referência ao
machismo do casamento. Nela, um longo vestido de voile bordado na barra: “O que
você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo.” Aliás, os títulos
revelam essa poética em trabalhos que naturalmente se modificam na sua trajetória
artística. Só para citar alguns: O que seus olhos me dizem (1983), Da pouca paciência
(1987), Palavras violentas (1987), São tantas as verdades (1988), Cada delícia tem um
preço (1988), O deslocado (1989), Leo não consegue mudar o mundo (1989), Isolado
frágil urgente confuso (1990), O mentiroso (1992), Síndrome de abandono (1992),
J.L.B.D (1993).
Maria Ester Maciel in Cassundé resume o conjunto da obra questionando: “Em
que medida os objetos cotidianos podem contar a história de uma pessoa?” Acredita-se
que coisas guardadas em armários, gavetas e organização de coleções contam não
apenas a história de um indivíduo como descrevem os valores da sociedade daquele
momento histórico.
Exatamente o que inventário da poética do Leonilson se propõe guardando
objetos, diários, anotações, bilhetes de trem, cartazes de suas exposições, agendas. Seu
desejo era descrever quem era, no que acreditava, gostava e o quanto era significativo
para ele não se desvencilhar dessas coisas como uma referência de sua identidade e do
seu trabalho.
No catálogo da exposição em Porto Alegre (2012) a mesma autora mencionada
escolhe a seguinte frase de George Perec para sintetizar a poesia do artista: “O que não
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está ordenado de um modo definitivamente provisório, o está de modo provisoriamente
definitivo”.
Talvez por isso a sua concepção de arte muitas vezes parece contraditória porque
ele tenta estabelecer um diálogo com a vida cotidiana que é dialética, incerta, dinâmica,
preconceituosa e caótica. Obviamente tudo isso afeta a sua produção artística com
imagens, objetos ou palavras.
Incêndio a bordo, 1987
Tinta acrílica sobre guardanapos de tecidos costurados e rosa artificial costurada
Col. Museu de Arte Moderna de São Paulo
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
O que parece lona, na verdade são guardanapos costurados, têm um aspecto feio,
de pano de chão sujo. A maneira como a frase está escrita é displicente. A separação
silábica irregular tenta confundir, no entanto não desorganiza o sentido da palavra.
Assim como as dobras da costura soltas para um lado, hora para outro, também aberta e
fechada, mostram uma mobilidade, liberdade dada ao tecido pelo modo como foi
costurado, dando a ideia que a obra ‘deseja’, isso é possível através do material que
reage espontaneamente às contingências do tempo.
É uma obra em que os detalhes se multiplicam a cada nova impressão. O
incêndio parece organizado porque os furos são simétricos, com as bordas azuis,
preenchidos com a tinta branca contrastando o pano manchado.
Poderiam ser apenas pinturas sem cortes, já que os círculos são cortados com tanto
cuidado que só com atenção é que se percebe que são vazados. Sobre a intenção de
incêndio do artista é arriscado escrever sem seu próprio depoimento sobre o trabalho.
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Pode-se falar sobre o incêndio que o contato com a obra do artista proporciona.
À primeira vista o trabalho “incêndio a bordo” sugere um sentido negativo de morte,
abandono pela cor suja e a rosa de plástico. Depois a obra transforma o espectador, ela
comunica esperança através da rosa que mesmo artificial e lambuzada de amarelo
sinaliza o símbolo ‘flor’. No dicionário é o “desabrochar da vida, o viço da idade, o
belo”.
Aliás, Leonilson introduz a palavra no seu trabalho de uma forma séria e
divertida. Incêndio, por exemplo, tem duplo significado no dicionário Aurélio, pode ser
um fogo que lavra com intensidade, guerra, destruição, contudo também pode ser
entusiasmo, ardor, paixão e vida. O uso das palavras já mencionado anteriormente aqui,
segundo seus curadores é um dos focos principais que ao mesmo tempo em que
processa um diálogo, “se torna matéria de sedução e aspecto central na construção de
sua poesia visual”. É dessa forma que a palavra assume significado de imagem.
Provavelmente seja a palavra o primeiro elemento a chamar atenção numa obra como
essa porque se tenta relacioná-la com o restante dos materiais.
E isso, segundo os críticos, se intensificou depois de 1989, dois anos após esse
trabalho. “O seu desejo de conversar com o público na construção de suas realidades,
muitas vezes de fatos fantasiosos ou realmente subjetivos da autobiografia de
Leonilson”.
Ainda sobre “incêndio a bordo”, se observado atentamente o tecido não é homogêneo,
têm partes em que está mais desgastado, aparecendo a trama das linhas e também
marcas possivelmente deixadas por grampos ou pregos de outras exposições. Outro
sinal de cavidade, mas desta vez intencional revestido de ponto caseado, como usados
para fechar roupas, casas de botão.
Segundo o mediador, o artista contava com a ideia de o tecido branco amarelar,
ou seja, o aspecto de sujo foi conquistado com a interferência do tempo, que certamente
vai se deteriorar até o fim porque não há nada que proteja a obra e impeça a ação do
tempo nela. Também não há o que impeça a manifestação do tempo em nós
Há um depoimento do artista sobre essa intenção no site do Itaú Cultural:
As pessoas botam chassi para proteger o trabalho. Eu, não. Se acontece
alguma coisa com minhas telas, aconteceu acabou. Se tem um rasgo, dou
uma costuradinha. Entendo a tela como objeto e não apenas como pintura
para pôr na parede. A pintura interage: se está calor, ela 'engruvinha'; se está
frio, ela estica, sai um pouco da parede, volta. Os tecidos pré-colombianos
eram preciosíssimos e sobraram na forma de fragmentos.
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E quanto ao aspecto rude, Ricardo Rezende in Cassundé (2012, p. 18) explica
que entre as obras iniciais e finais houve uma depuração de formas, materiais e sentidos.
Segundo ele, o próprio Leonilson admite que foi preciso passar por uma pintura de
aspecto “violento” ou “agressivo” com pinceladas e cores vigorosas para chegar aos
objetos delicados, os “bordadinhos” na forma de saquinhos ou “paninhos” como ele
mesmo se referia. Não se sabe ao certo se é o processo de mudança do artista que
modifica a sua obra ou se é a dedicação pela arte que transforma o artista, diz Cassundé:
“Leonilson acreditava que para ser um artista seria preciso dedicar-se exclusivamente à
obra e não a si mesmo. Como um mártir.”
O que se vê é arte e vida se misturando tornando a sua obra genuína como ele
mesmo afirma numa entrevista: “eu só quero ser um homem de verdade: puro e livre”.
Essa liberdade aparece pelo seu fascínio por viagens, um tema recorrente nos mapas, a
mala, o avião, o barco, o carro, globos, bilhetes de trem. Além do hábito de colecionar
objetos e símbolos: o pato, a roupa, a ponte, o círculo (bolinhas, botões), o vulcão, o
peixe, a cadeira, o coração, o homem, o fogo, as pedras, o sangue, o copo, as árvores, a
escada, o espelho e diários. Signos que ilustram o seu espírito inquieto de nordestino
nômade que vai para a Europa em 1981 e em 1983 já é sinônimo de vanguardismo com
uma vida intensa de exposições. Cassundé p. 14
Ele narra um diário de bordo de suas aventuras:
“Amanhã é meu aniversário (35 anos). Não tô triste, não tô ansioso. (...) Sou
uma pessoa muito frágil. Me refugio no meu trabalho que é uma observação
sobre mim mesmo. (...) sou um peixe com o oceano inteiro para nadar. (...)
Hoje é 22 de maio. Vazio. Sinto falta para quem me dedicar. (...) Eu tenho
que ir embora. Tenho que mudar tudo na minha vida”.
Nessa gravação ele se revela frágil sem ser apelativo. Apenas considera um
traço de personalidade, assim como aceita sua condição solitária. Parece revelar isso
para admitir a imperfeição artística e simplicidade das suas obras, sabia que precisava
ser autêntico para ser feliz.
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Mirro, c. 1972
Bordado e assemblage com caixa de madeira, tecido, feltro, latão e papelão
39x40x8 cm
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
Esse trabalho foi incluído por ser o seu primeiro bordado aos 15 anos de idade. É
uma assemblage, que o site do Itaú cultural conceitua como a “estética da acumulação",
todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte, o que rompe
definitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana.
Há um pedaço de jeans bege rasgado, levemente manchado com tinta vermelha e
branca, costuras desfeitas, pontos rasgados mantidos no tecido, três pedaços de feltro
amarelados, dois deles sobrepostos em cruz, presos com pontos mal feitos, duas
pedrinhas ou sementes costuradas, possivelmente imitando olhos. Abaixo, o terceiro
feltro bordado a palavra “MIRRO” de cabeça para baixo preso por alguns pontos
aparentes e outros descosturados e mantidos no tecido como se tivessem mudado de
posição. A caixa de madeira é fechada na frente com um vidro. A superfície da madeira
é irregular e pintada de qualquer jeito na cor branca. No fundo há um pedaço de
papelão menor que o tecido, mas deslocado para que apareça no trabalho, também
pintado de branco, que não se entende porque está ali. Ainda no centro superior há um
disco pequeno de latão enferrujado preso por um prego. Suas bordas estão tortas e
falhas, sugerindo a idéia de que foi arrancado da sua origem.
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O significado da palavra “mirro” não foi encontrado. Mais uma característica de
Leonilson, sua liberdade no uso das palavras, como afirma Beck (2005, p. 13), para o
artista “a palavra e imagem, sentido e significado, língua e linguagem rompem limites
na tentativa de eliminar fronteiras e barreiras na comunicação”.
Depois de observar cada fragmento é o momento de integração. Num olhar mais
atento pode ser ele mesmo, afinal tem uma sugestão de olhos, nariz, boca. E na sua
biografia e nos seus trabalhos posteriores, Leonilson aparece como o pato da fábula
infantil “o patinho feio”. Tudo começa a fazer sentido e o mais provável é que “mirro”
seja uma alusão a mirror, ou seja, espelho em inglês.
Segundo as informações da exposição, o artista resgata o ato de bordar muitos anos
depois, quando desenvolveu alergia às tintas e seu traço no desenho perde a firmeza
com os efeitos do vírus HIV no seu organismo.
São momentos que exigem do artista uma adaptação que se ajusta ao seu trabalho de
uma forma natural. Ele aperfeiçoa o bordado enquanto possibilidade artística e o utiliza
para fazer uma arte delicada e amorosa.
Por isso a importância desse primeiro bordado, pois tanto tempo depois quando
ele o resgata temos um trabalho de um novo artista, mais simples e sucinto.
El Puerto, 1992
Bordado sobre tecido de algodão e espelho emoldurado
23x16 cm
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-
amores/
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Aqui se percebe que o seu diálogo com as questões contemporâneas se dão
através de material ‘vagabundo’ (comum), sensível: latão, pinho, lona, feltro, voile,
papelão, objetos de uso cotidiano como um espelho pequeno, que inclusive se repete em
outros trabalhos.
Temos um tecido de algodão listrado bordado. É como se fosse uma roupa para
vestir o espelho, ou quem sabe disfarçar a nudez do rosto que ele não queria refletido.
Dizem que depois que soube ser portador do vírus HIV o artista desenvolveu aversão
por espelhos. Então bordou as suas medidas, outra fixação que ele desenvolveu por
listas, números, classificações: Leo, 35 anos, 60 kg, 1,79cm. Há uma lenda que conta
que quando uma pessoa morre todos os espelhos da casa devem ser cobertos com pano
durante a semana seguinte após sua morte.
É o que pode parecer nessa obra, mas não para Ricardo Resende in Cassundé
(2012) que o conhecia bem. Para ele, esse trabalho é um dos mais preciosos de
Leonilson, de uma simplicidade absoluta trazia a ideia de receptividade pelo título: El
puerto. O porto que recebe e acolhe com segurança. O artista, segundo ele, que recebe
as energias dos amigos ou os amigos que recebem suas energias.
Uma característica dele, fazer da vida a sua arte e vice-versa. Usando o seu sofrimento,
mas de uma forma leve, poética, aceitando sua realidade. Um detalhe, esse trabalho foi
feito no ano anterior a sua morte.
Leonilson é especial. Dá uma lição de vida quando afirmava: “minha vida não é
um inferno e nunca deixaria que se tornasse”, e aparentemente não deixou mesmo. Dito
por quem conviveu com ele, nas entrevistas dos vídeos que transmitidos na exposição.
O compromisso de felicidade que é preciso ter com a vida, embora todas as aflições de
sonhos perdidos. Uma felicidade real de busca pelo que realmente interessa para
satisfazer a alma.
Mesmo com amores platônicos, inconformidades, vazios, o artista conseguia ter
o que doar às pessoas, era generoso com seu trabalho, expunha seus sentimentos, sua
imperfeição, o seu avesso.
Vê-se o mal feito, o inacabado, o arremate, o ponto que sustenta, a linha que
finaliza o trabalho como parte da obra principal. Isso é bonito porque traduz as pessoas
e o cotidiano, como ele se apresenta na maior parte do tempo. É o normal dos dias sem
graça, dos materiais de uso comum, sem moldura nem mise-en-scène. De uma maneira
crua, porém muito inteligente. Dessa forma Leonilson consegue atentar para o maior
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significado da arte contemporânea, que vai muito além da técnica e da estética porque
mostra o sentido da vida.
“Carregar o mundo nas costas é ouro de artista”, essa é a lição que ele deixa como
superação dos problemas da vida.
Esse é o ouro de artista, se doar como prova de amor.
A discussão de valores
Bom rapaz em embalagem ruim, 1991.
Bordado sobre voile 45X40
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-
amores/
• Leonilson não se considera um artista;
• Não desejava ser um bom rapaz em embalagem ruim;
• Ele não tinha o desejo de provocar dramas familiares ao não se enquadrar nos
padrões da sociedade;
• Sua Obra deixava à mostra seus sentimentos e emoções, e transmitia a mesma
melancolia que aflige o mundo contemporâneo;
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2.2. Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson
Ouro de artista... ouro pra vida toda
Ao fazer uma breve reflexão acerca dos conteúdos que fizeram parte da
disciplina de Introdução à Arte, realizada no primeiro semestre de 2012, consigo avaliar
a conseqüência positiva que o ato de ler imagens acarreta no desenvolvimento
acadêmico do estudante. Ler imagens, apoiada em pedagogias como as de Carlos
Gerbase - que nos impelem a adotar uma postura desconfiada, que avalia com rigor o
caráter ideológico e o conteúdo estético de quaisquer imagens que nos são apresentadas
- aliadas ao interesse e disposição de interagir com as obras, mencionados por Jorge
Coli, nos tornam observadores mais sensíveis, não somente no campo das artes, mas
sobretudo em relação a vida.
Ter a capacidade de desenvolver um olhar que ao mesmo tempo seja crítico e
desconfiado, mas que ainda assim consiga dar lugar a um estado contemplativo a ponto
de produzir sensações e estados emocionais diversos, completam o processo de análise,
leitura e interatividade com a obra. Essas minhas poucas palavras apenas tentam
elucidar, de forma clara e pouco superficial, o quanto as experiências trazidas por essa
disciplina me enriqueceram de um modo geral. Acredito ser pertinente realizar essa
breve reflexão antes de adentrar de forma mais discursiva e analítica no objeto desse
trabalho, a Obra do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993). Esse
trabalho, realizado em 2012, torna-se parte desse projeto de pesquisa, em que a obra do
artista foi analisada com base na exposição: “Sob o peso dos meus amores”, realizada
pela Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre.
O objetivo desse trabalho era realizar uma leitura e análise pormenorizada de
uma obra do artista Leonilson. Foi deixado livre o critério de escolha dessa obra por
parte do aluno, podendo ou não ser a mesma obra utilizada na pesquisa inicial, mas
devendo ser analisada em conjunto com outra obra do mesmo artista, para que possa ser
desenvolvido um comparativo, ampliando assim a análise da Obra como um todo. A
primeira obra analisada nesse trabalho é a mesma utilizada no texto de G1: “Cheio,
Vazio”. A segunda obra escolhida foi: “O inflexível”.
Estudar a Arte Contemporânea, de forma aprofundada, é fundamentalmente
importante para a formação de futuros professores de artes visuais. Como mencionado
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pela professora Ana Lúcia Beck (aula do dia 06 de junho), é muito importante que
estudemos a fundo esse período da arte, pois é o que mais teremos contato ao longo da
vida, também foi ressaltada a importância de possuirmos uma “bagagem”, e termos um
significativo conhecimento acerca de nós mesmos, para que possamos cumprir nosso
papel como educadores de arte.
Por vezes o professor de artes visuais acaba se colocando na posição de
mediador, e essa tarefa exige do educador o domínio de conteúdo e a experiência
empírica com as obras. A experiência com a Obra do artista Leonilson foi de
fundamental importância nesse processo, estudar um artista desse período da forma
como foi proposto em sala de aula nos tornou capazes de investigar, sentir e interagir
com os demais artistas contemporâneos.
Foram estudados em sala de aula diversos textos de autores que tratavam de
metodologias de ensino em arte, bem como os textos de autoria da professora Ana Lúcia
Beck. Aliado a essa base teoria, realizei três visitas à exposição objeto de estudo desse
trabalho: “Sob o peso dos meus amores”. Para a composição desse segundo estudo das
obras do Leonilson, foi proposta em sala de aula a seguinte metodologia: Coleta de
imagens; análise, confronto e crítica das obras e descrição detalhada das obras com
referências de pesquisa. Anexo a esse trabalho está a tabela utilizada como meio de
organização das idéias aqui expostas.
A Exposição
Realizada na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, a exposição “Sob o
peso dos meus amores”, do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993),
tem curadoria de Bitu Cassundé e Ricardo Resende, e permaneceu exposta de 17 de
março a29 de maio de 2012. Essa exposição é uma nova montagem da que foi realizada
em São Paulo no ano passado pelo Itaú Cultural. A edição apresentada aqui contou com
361 obras do artista, destas, 126 são inéditas, incluindo ilustrações realizadas entre os
anos de 1991 e 1993. O evento engloba desde o período de seus primeiros estudos em
1972, até o ano de sua morte.
O fio que costura, desdobra não somente os tecidos, mas também o
espaço de significação da obra. O fio que costura também, borda e escreve.
(BECK, 2004)
O fio pelo qual se desdobra a nossa vida é composto por diversos altos e baixos,
presentes ao longo da trajetória de todo o ser humano. “Experimentar” uma obra
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contemporânea sob a influência de alguns sentimentos, tanto os de grande euforia e
contentamento, quanto os de tristeza e desalento, é uma excelente oportunidade de
encontro com o “si mesmo”, também definido por Carl Gustav Jung como “Self”. Ter a
condição psíquica e emocional de experimentar esse autoconhecimento, auto avaliação
e por que não uma auto cura, é um processo por vezes demorado, ou simplesmente algo
que pode ser subitamente alcançado, o que vai depender das condições de cada um. É
importante mencionar esses aspectos, mesmo que de forma pouco aprofundada, pois a
experiência de estudo e conhecimento da Obra do Leonilson trouxeram para minha
vida, tanto pessoal quanto acadêmica, essas questões, de uma forma muito relevante.
A experiência que descrevo nesse trabalho faz parte de um processo muito maior
e mais complexo pelo qual minha vida acadêmica tem passado, e como mencionado
pela professora em sala de aula, a arte contemporânea agrega elementos de diversas
áreas da vida, e permite ao observador fazer essa relação. Trata-se de um campo
expandido.
Descrição e Estudo das obras
Cheio, Vazio, 1993.
Bordado sobre voil.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
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Elemento Formais
Trata-se de uma obra bidimensional, com superfície predominantemente plana
na forma como é apresentada, as texturas que possui vem dos bordados com linha que
formam as palavras. No tecido, há a presença das cores primárias, como o vermelho e o
amarelo, bem como o branco e a estampa listrada de branco e verde. Os contornos,
externos e internos, delimitam as formas geométricas do objeto, composto de retângulos
que são observados com certa distorção por conta da leveza do tecido e da forma como
está exposto, preso por ganchos nas extremidades superiores. Cada um desses
retângulos possui as palavras bordadas: Cheio e Vazio, que dão nome à obra.
Análise
Um sentimento e estado de espírito particular me permitiram parar e olhar uma
obra contemporânea com um sentimento diferente do que aquele que eu havia
experimentado até então. Cheio e vazio são sentimentos ou estados de espírito inerentes
a todos nós, mesmo para aqueles que não se permitem admitir tal condição. No trabalho
de G1 que tratou dessa mesma obra eu fiz o seguinte questionamento: Será que o
Leonilson expôs nessa obra sentimentos que também fazem parte do meu mundo? Hoje,
com mais experiência e maior carga de informações torna-se possível responder essa
questão com segurança. Sim, ele sabia muito bem o que estava fazendo, sabia lidar com
as próprias sensações, sabia olhar para dentro de si, algo muitas vezes difícil de fazer,
lembro-me de uma aula em que a profrssora fez esse comentário, não me recordo das
palavras certas, mas lembro quando ela exemplificou essa idéia com o fato de que
muitas vezes sonhamos com coisas horríveis, mas que na verdade podemos estar muito
bem traduzindo partes de nós que muitas vezes gostaríamos que nunca despertassem.
Seguindo esse pensamento, fico avaliando por que o Leonilson usou um tecido tão leve
como o voil, seria uma forma de evidenciar o vazio? Digo isso porque quando tenho
meus momentos de vazio me sinto tão frágil como esse tecido que deixa passar a luz
através de suas fibras, e assim, acaba mostrando seu outro lado.
E quanto aos bordados que a compõem? Seria o preenchimento das fibras com
linha, ocupando os espaços vazios para que se tornem cheios? Sei que uma das
características marcantes de sua obra é a utilização de costuras e bordados que não
seguem nenhum padrão estético, e tampouco podem ser considerados como bordados
que utilizam uma técnica específica de execução, mas nessa obra em particular não pude
deixar de questionar esse fato. Fica claro pra mim que seu trabalho evidencia uma
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marca singular, em que deixa transparecer a alma do artista, e mais ainda, permite que o
observador entre em contato com sua própria alma, algo nem sempre fácil com já foi
mencionado.
Leonilson acaba por desdobrar palavras em bordados e bordados em
palavras. Nesse ponto, a compreensão de sua obra como oração torna-se
evidente. O desejo dito – oração – adquire forma no desejo realizado – doar.
Oração que é, sobretudo, doação: discurso do amor. (BECK, 2004).
A oração bordada nesse trabalho apresenta apenas duas palavras, cheio e vazio,
as demais palavras, necessárias para a formulação de uma oração, devem ser elaboradas
pelo expectador em seu momento de contemplação diante da obra. É fato que quando
nos deixamos tocar por uma obra como essa, acabamos entrando em contato com nossas
emoções, e se tivermos humildade e maturidade suficientes, somos capazes ainda de
deixar vir â tona o produto de toda essa experiência. Foi o que aconteceu comigo, eu
orei diante dessa obra, essas duas palavras me levaram a uma reflexão muito
importante, que vai além dos limites da aula de introdução à arte, e até mesmo do curso
de artes visuais, fiz uma reflexão de vida que me levaram a um estado maior de
autoconhecimento. Acredito que pratiquei uma “arte terapia”, o resultado foi
surpreendente.
O outro revela a Leonilson não somente seus desejos íntimos, mas
também sua própria vontade e dela advinda realização: seu próprio ser,
(BECK, 2004).
O “outro”, acima mencionado, é o Leonilson, que revelou os meus desejos
íntimos, minha própria vontade e meu ser. Eu, Danielle, me deixei envolver por suas
obras num exercício inicialmente perturbador, mas que, passado esse desconforto
inicial, o encontro com o “si mesmo” através da arte pôde ser experimentado, esse
momento acima de tudo se deu através de um artista cuja principal marca é o amor e o
amor doação, o que me levou, naquele momento, a “amar bastante”, amar quem eu sou
e me perdoar, me absolver e me aceitar...
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O Inflexível, 1993.
Acrílico sobre lona.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
Elementos Formais
Essa pintura é feita sobre lona e não sobre a tradicional tela, utilizada por um
grande número de artistas, a presença de cores vivas como o azul, o verde, o vermelho e
o amarelo dão destaque ao branco, utilizado no centro da pintura. Essa obra traz um
elemento muito característico da obra do Leonilson, as palavras, escritas nas
extremidades superiores sobre um fundo branco, e trazendo informações que completam
o sentido da obra.
Análise
O pato jamais vira cisne? Se ele for inflexível é pouco provável que ele venha a
ser convidado a fazer parte do espetáculo de Tchaikovsky, “O Lago dos Cisnes”. Essa
obra me chamou a atenção de uma forma muito especial, pois pessoas que me
conhecem freqüentemente já me rotularam como “um ser inflexível”, e eles estavam
certos, até o dia em que essa realidade começou a mudar. Minha vida acadêmica
começou com a faculdade de Direito na PUCRS em 2000/2, por conta dessa
inflexibilidade que estava latente por volta dos meus 19 anos,essa não era a faculdade
que eu queria, mas o problema é que eu não sabia que faculdade eu realmente queria,
então me deixei levar por um caminho que, cinco anos depois, me fez ter a certeza de
que meu rumo era outro. Passei um longo período vagando, querendo ser um belo cisne,
mas com a cabeça de uma pata teimosa e bem pouco flexível, mas no fundo eu sabia
que, cedo ou tarde, me tornaria um cisne de corpo e alma, e ao ingressar nas artes
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visuais, não tinha a plena certeza de que esse era o caminho certo, cheguei a questionar
se novamente eu estava em outro caminho errado, que hoje percebo não ser tão errado
assim, pois aprendi com o Leonilson, que não é porque meus bordados não são retos
que minha obra não terá valor. Essa dúvida cessou a partir do momento que me descobri
dentro das Artes, é aqui que me sinto cisne.
A obra “O Inflexível” me faz lembrar também do inicio de tudo, dos cursos de
pintura sobre tela, dos experimentos com cores e das frustações, pois sempre que eu
pintava um cisne via projetado na tela um grande e borrado pato. Mas sinto que essa
obra me traz uma sensação de doçura, de aconchego, mas sem deixar em segundo plano
a mensagem principal, que, assim como a primeira obra, me leva a fazer reflexões mais
aprofundadas do meu próprio ser.
Leonilson faz-se Leonilson no confronto com o outro. (BECK, 2004).
Quando pensamos no outro, quase sempre nos remetemos “aos outros”,
exteriores ao nosso ser, mas e os outros que habitam dentro de nós? Esses também
devem fazer parte dessa análise, uma vez que, segundo o meu argumento, o pato pode
sim se tornar cisne, basta que dentro dele existam as condições básicas para que isso
ocorra. Autoconhecimento e consciência do próprio poder, inerentes a todo ser humano,
mas trabalhado e explorado por poucos, pois acredito que a maior parte das pessoas
passe pela vida na condição de pato, mas não num sentido pejorativo, mas por conta da
falta de exercício desses dois valores acima mencionados. Confronto-me com o outro,
quando, ao olhar para dentro de mim, identifico as reais possibilidades de me tornar
cisne, mas não consigo tomar posse de mim mesma, trabalhar o “eu”, enquanto objeto
dessa mudança e ao mesmo tempo autora desse processo.
Virar cisne não é do dia para noite, o caminho me remete aos bordados do nosso
artista, me faz lembrar as bordas assimétricas das suas telas sem bastidor, durante esse
percurso é comum o abatimento, a vontade de mandar esse cisne pra bem longe e tentar
se sentir feliz na condição de pato é uma opção válida, e quem disse que o pato também
não é feliz? Quem disse que o pato não sabe “amar bastante”? Convenhamos que o pato
é até mais popular do que o cisne, pois desde muito cedo na escola ele nos ensina com
seus dois patinhos na lagoa. Ao final dessa breve e singela análise, não sei dizer ao certo
onde estou nadando, se é no belo lago dos cisnes, ou na “Lagoa dos Patos”, ou se estou
pulando de um pra outro, o fato é que, esse movimento, e também a ânsia pela
mudança,nos acrescenta muito, a ponto de descobrir um terceiro ser capaz de tirar o
brilho tanto do cisne, quanto do pato, é só uma questão de se permitir.
40
Comparativo entre as obras
[...] a busca constante por este lugar é o que faz com que o artista
perceba que seu lugar não é a pintura tradicional, não é a alta-costura, não é a
literatura [...]. (BECK, 2004).
Segundo Resende, os bordados de Leonilson podem ser chamados de
desdobramentos ou outras dimensões do desenho. Há uma significativa mudança na
obra do artista quando se faz um comparativo entre as obras apresentadas, e também em
toda a Obra do Leonilson, num primeiro momento seu trabalho apresenta produções
com tinta - material artístico - e num segundo momento identificamos a presença de
elementos funcionais como tecidos e botões, deixando claro que seu trabalho trilhou um
caminho, passou por períodos distintos e evoluiu com o passar dos anos, pois a arte
materializada através de palavras bordadas evidencia a grande habilidade de expressão
dos próprios sentimentos por parte do Leonilson.
Eis meu coração
Ele te pertence
Ouro de artista é amar bastante
Leonilson
Menciono novamente algumas questões anteriormente expostas no decorrer do
semestre, minha incapacidade de aceitar as manifestações artísticas contemporâneas
como Arte, pois sob o meu antiquado ponto de vista, a tradução de arte encontrava-se
apenas nos períodos que englobam o barroco, o rococó e a renascença. Nunca ninguém
havia me colocado frente a frente com um artista contemporâneo, acredito que eu
também não havia permitido que tal fato acontecesse, mas através dessa disciplina e da
forma como esse processo se desenvolveu comigo, eu pude não apenas admirar e
interagir com a Obra de um artista desse período, mas acima de tudo eu aprendi a
trabalhar o ponto chave desse processo: Identificar qual a intenção do artista, expressão
que até então era erroneamente traduzida por: O que o artista quis dizer. Agora, em que
estamos a caminho do término dessa disciplina, sei dizer exatamente qual a intenção do
Leonilson (artista analisado nesse trabalho).
O Leonilson, falava diretamente a mim, e a todos aqueles que se permitiram
deixar de lado suas crenças e velhos conceitos, o Leonilson falava aos que, assim como
ele, eram capazes de amar, de sentir, de doar... E de bordar, mas não me refiro aqui a
bordados esteticamente perfeitos, cheios de técnica, mas faço uma referência aos
bordados que, ao longo da vida, todos nós estamos compondo, repletos de linhas curvas
41
e por vezes enredadas, cheios de cores vivas, ou apenas em preto e branco, falo da
costura da nossa trajetória, sempre bela e única. Entender o Leonilson é entender a nós
mesmos, é se permitir entrar em contato com áreas do inconsciente, é se descobrir; é
sentir vontade de bordar a própria vida; é se deixar amar mais e se preocupar menos,
menos com as costuras que não conseguimos manter em linha reta, menos com a
assimetria de nossas telas. Entender o Leonilson é não nos entristecermos com a perda
dos botões que deixamos pelo caminho. Entender o Leonilson é realmente descobrir que
o ouro de artista é amar bastante!
42
2.3. William Kentridge
Contraste, impacto, confronto, desconforto, fartura, riqueza... Fortuna! São
inúmeras as sensações que o contato direto com as obras de William Kentridge
provocam no expectador. Experimentar a Fortuna é enriquecer-se de fato com a
genialidade desse artista contemporâneo.
Em meio a um ambiente que descreve com primazia a trajetória e os processos
pelos quais o artista percorre na construção de seu trabalho, William produz gravuras,
esculturas e performances, mas são as séries de desenhos que realiza, através da
construção e desconstrução de seus elementos, que produzem animações repletas de
movimento, de seqüência, de história.
Utilizando materiais artísticos em seus desenhos, são realizados sobre papel os
traços com carvão e grafite, dando formas e significados às produções. Por vezes o
contraste entre o preto e o branco é quebrado por detalhes de cores primarias como o
azul e o vermelho, que funcionam como marcadores do processo pelo qual o artista
percorre, ou simplesmente compõem a obra dando-lhe contraste.
Desenho para o filme: Felix no exílio. 1994.
Carvão e pastel sobre papel. 93 × 120 cm.
Coleção do artista.
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
43
Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996,
Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm.
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
Embora o tema de suas obras trate de questões políticas e faça uma severa crítica
social ao apartheid, movimento de segregação racial ocorrido na África do Sul, é
impossível não sentir-se atraído por suas obras. (8) Seu desenho possui vida na medida
em que é capaz de reproduzir, a partir da realidade, fatos que num primeiro momento
assombram, mas ao passo em que se vai observando algumas cenas de violência, que
contrastam com a beleza dos traços de seu desenho, é possível inferir que seu trabalho
não está apenas se valendo da desgraça humana como forma de produzir arte, mas trata-
se também de uma relação com um propósito bem mais elevado. William Kentridge tem
compaixão pelas pessoas que retrata em eu trabalho, expor suas vidas através da arte
exigiu do artista um estudo bem apurado, que lhe tomou tempo, tempo esse que em
grande parte foi dedicado aos personagens reais dessa narrativa, personagens que
denotam a situação de pessoas tão sofridas, mas que puderam contar com a atenção de
quem estava disposto a descrever sua história.
Analisando outro procedimento de trabalhada que o artista utiliza: a escultura.
Podemos observar a escultura do rinoceronte, que está parcialmente coberta. De um
lado é possível observar o revestimento de sua estrutura feita com paginas de uma
enciclopédia. De outro lado é possível identificar que essa estrutura é construída com
44
papéis e cola que dão sustentação ao objeto. O artista não teve contato direto com o
animal, mas utilizou as descrições da percepção de outra pessoa para construir a obra.
Rinoceronte. 2007.
Construção com foamcore, cola, papel, carvão, páginas de enciclopédia.
Dimensões: 37 × 65 × 30 cm. Coleção do artista.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
Acredito que um dos traços mais marcantes da Obra de Kentridge é a presença
constante e reconhecível das marcas de seu processo artístico. As marcas da
45
desconstrução que constroem suas obras poderiam ser definidas como um processo
artístico exógeno. É possível estabelecer um contraponto com relação ao seu trabalho ao
analisar a Obra do artista, também contemporâneo, José Leonilson Bezerra Dias, que
trilha um processo bem particular durante a produção de seu trabalho, o processo de
Leonilson é mais facilmente observado quando se estuda suas motivações, suas paixões,
o artista percorre a si mesmo na construção de sua Obra. O processo de Leonilson
poderia ser classificado como um processo artístico endógeno.
Além dos valores políticos e sociais presentes em sua Obra, é possível propor
uma reflexão com base na entrevista: O que é a Arte? Lição de desenho nº 47.
Disponível em http://paraisonaotemnome.blogspot.com.br/. Quando pergunta a si
mesmo sobre sua vida enquanto artista, suas motivações e inspirações para criar,
Kentridge afirma que o tempo é curto demais para explicar. Enquanto espera por
respostas, o próprio Kentridge, na posição de entrevistador, faz anotações sobre a forma
como ele acredita que são produzidas as obras do artista. Esse trecho da entrevista de
Kentridge com Kentridge não chega a conclusões explícitas sobre seu trabalho. Sob o
meu ponto de vista, não há a necessidade de uma explicação criteriosa por parte do
artista, sua Obra o faz de maneira primorosa, as narrativas de suas animações,
juntamente expostas com os desenhos que servem de base, mostram a trajetória
completa pela qual seu trabalho passa, dando ao seu criador o luxo de brincar e invalidar
sua própria entrevista.
46
CAPÍTULO 3
PROJETO DE ENSINO
47
3. PROJETO DE ENSINO
3.1 Dados gerais da escola e da turma
O projeto Acessibilidade à arte contemporânea foi aplicado em uma turma de 7ª
série na Especial para Surdos Frei Pacífico, no Bairro Santo Antônio em Porto Alegre.
O projeto foi desenvolvido durante os meses de março à junho de 2013, contando com
as novas observações silenciosas, a saída de campo e aplicação das práticas de ensino.
os encontros foram realizados no turno da manhã, em períodos duplos de 50min cada,
com inicio às 7h40min e término às 9h20min. A turma era composta de oito alunos
surdos, com idades entre 12 e 15 anos. A professora titular, também surda, possui
Licenciatura em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas.
3.2. Dados gerais do projeto de ensino
3.2.1. Tema
Inicialmente desenvolvi minha pesquisa em estágio I sobre o tema: Apropriações
da arte na publicidade. Porém, discutindo alguns aspectos com a orientadora de estágio
II e III, optamos pela total modificação da pesquisa, que passou a tratar do tema:
Acessibilidade à arte contemporânea.
Esse novo tema foi escolhido com base nas observações silenciosas e nos
questionários aplicados em estagio I. Levando em conta a grande resistência
apresentada por parte dos alunos, e também de alguns professores, em entender,
trabalhar e interagir com obras de arte contemporâneas, essa pesquisa procurou destacar
características muito significativas desse período artístico através da Obra de dois
artistas: José Leonilson Bezerra Dias e William Kentridge. Processos artísticos;
utilização de materiais inicialmente não artísticos; a criação do artista executada,
produzida ou montada por outros profissionais e a discussão de valores implícitas nas
obras, são as quatro características da arte contemporânea que ganham destaque nesse
estudo.
48
3.2.2 Justificativa
Com base nas observações silenciosas realizadas nas turmas de ensino médio e
fundamental, torna-se evidente a significativa resistência em aceitar as manifestações
artísticas contemporâneas, tanto por grande parte dos alunos, quanto de alguns
educadores de artes visuais. Esse fato pode estar relacionado com a arraigada idéia de
que essa manifestação artística precisa ser “entendida”, enquanto que na verdade ela
poderia ser apenas sentida. Esse desconforto que muitos expectadores experimentam,
quando em contato com essas obras, atua como um convite.
Falar em acessibilidade à arte contemporânea é desconstruir um
conservadorismo que se coloca em posição de defesa diante dessa manifestação, é
destruir a idéia de que apenas através da mediação pela palavra essa produção
apresentará sentido. A arte contemporânea não precisa necessariamente ser explicada ou
entendida, ela precisa acima de tudo ser experimentada, uma vez que a grande
característica dessa manifestação encontra-se na posição do expectador, que atua
diretamente na construção do sentido das obras.
3.2.3. Objetivo Geral
Através do tema “Acessibilidade à arte contemporânea” busca-se desvincular a
idéia de que as produções artísticas contemporâneas necessitam de um sentido explicito,
quando na verdade a falta desse significado aparente atua como uma aproximação entre
obra e expectador, que já não ocupa mais essa posição definida, uma vez que na arte
contemporânea o expectador muitas vezes faz parte e torna-se um elemento
fundamental à obra, atuando dentro desse processo de forma ativa na construção de
sentidos. Essa aproximação visa quebrar a resistência em aceitar a arte contemporânea.
3.2.4. Objetivos Específicos
Trabalhar com os alunos o modo particular como experimentam a arte
contemporânea;
49
Estimular uma auto-conscientização acerca dos sentimentos por eles
experimentados quando confrontados com essa arte;
Realizar reflexões sobre a arte a partir do sentir;
Estimulá-los a elaborar suas próprias reflexões e provocar a leitura de
determinadas obras com base nos sentidos.
Desvincular a idéia de que essas produções artísticas contemporâneas
necessitam de um sentido explicito.
Motivar os alunos a produzirem trabalhos plásticos com características
contemporâneas.
50
3.3. Prática de Ensino
3.3.1 Observação silenciosa 1
Dia 03.04.2013
Horário: 7h40min às 9h20min
Ao chegar à escola, fui encaminhada à sala de artes pela coordenadora do turno
da manhã, cumprimentei a professora Lucila e os alunos com a língua de sinais
(LIBRAS). A professora iniciou o período da manhã com uma breve oração de
agradecimento e proteção. Como estou começando a observar uma nova turma, me
apresentei aos alunos com meu nome e meu sinal (possuir um sinal é algo obrigatório
dentro de uma cultura surda, funciona como um apelido, utilizo o mesmo sinal há mais
de 6 anos). Os alunos se empolgaram com a minha presença, vários deles me chamaram
para conversar, fizeram muitas perguntas ao mesmo tempo, fui respondendo a medida
que conseguia, pois não possuo muita agilidade e rapidez com os sinais.
A professora Lucila explicou à turma que sou estagiária e que estudo na mesma
Instituição em que ela se formou. A professora passou a distribuir esculturas feitas em
papel machê, esses trabalhos foram iniciados na aula anterior, esculturas de figuras
humanas, todas do mesmo modelo e tamanho. Os alunos forraram a grande mesa da sala
de artes com jornais, sentaram-se em seus lugares de costume e dispuseram suas
esculturas sobre a mesa. A professora Lucila pegou em um dos armários uma grande
caixa de madeira, dentro dela havia vários tipos de tinta acrílica e guache, e um dos
alunos ajudou a professora a pegar alguns pincéis de tamanhos variados em outro
armário. Enquanto os alunos conversavam a respeito das cores e escolhiam os pincéis
conforme os tamanhos, a professora desenhou no quadro a escultura já realizada por
eles, e deu as instruções de como a pintura deveria ser realizada.
À figura humana deveriam ser pintadas roupas e acessórios, a professora
solicitou também que a pintura do rosto e das mãos fosse feita com tintas no tom de
pele, a cor das roupas e dos cabelos era de livre escolha dos alunos. Os alunos fizeram
alguns questionamentos sobre o acréscimo de elementos que ela não havia solicitado,
como gravatas, botões e fitas no cabelo das esculturas. Após esclarecer suas dúvidas, a
professora sentou ao meu lado e conversamos um pouco a respeito das futuras aulas, das
observações e das minhas experiências no curso de artes.
51
Conversei com ela a respeito da visita à Fundação Iberê Camargo, que será
realizada na escola na próxima semana, ela me disse que irá nos acompanhar, pois os
alunos são muito indisciplinados e precisam de constante vigilância. Não observei
nenhum tipo de indisciplina, mesmo durante alguns momentos em que a professora se
ausentou da sala.
Os alunos seguiram com a atividade, percebi que eles tinham o cuidado de não
colocar o mesmo pincel em diferentes cores de tinta, havia um coleguismo muito grande
entre eles quando trocavam entre si os pincéis que utilizavam nas mesmas cores. Aos
poucos os alunos foram concluindo as pinturas, a professora buscou no corredor da
escola uma placa fina de madeira para que os alunos colocassem seus trabalhos para
secagem. Alguns alunos ajudaram a professora a levar essa placa para o corredor da
escola. Ao lado da porta da sala de artes existe um móvel grande de madeira em que os
trabalhos ficam expostos.
Faltando alguns minutos para o término da aula, a professora pediu aos alunos
que a ajudassem na organização e limpeza. Enquanto alguns alunos lavavam os pincéis
na pia, outros recolhiam os jornais sujos de tinta e outros armazenavam os potes de tinta
dentro da grande caixa de madeira. Após a organização, a professora realizou a
chamada.
Novamente ela explicou ao grupo que as futuras aulas seriam comigo, eu disse
aos alunos que seria um grande prazer e um enorme desafio. Os alunos se despediram
de mim e da professora Lucila. Fim da aula.
52
3.3.2 Observação silenciosa 2
Dia 03.04.2013
Horário: 7h40min às 9h20min
Ao chegar à escola, encontrei-me com a professora Lucila no pátio coberto, os
alunos da turma 712 já a aguardavam para serem conduzidos à sala de artes. A aula de
hoje começou com a oração matinal que a professora sempre realiza com o auxilio do
grupo, fui convidada por um dos alunos a participar da oração e então, através da língua
de sinais, agradeci pela oportunidade de estar com eles e pedi a Deus que tivéssemos
uma excelente aula.
Após a conclusão da oração, a professora solicitou aos alunos que fossem até o
corredor e recolhessem as esculturas que haviam sido pintadas na aula anterior, sob
forte agitação, os alunos saíram da sala e trouxeram seus trabalhos que foram dispostos
sobre a mesa. A professora pediu a atenção dos alunos mais inquietos, como sua
solicitação não estava sendo atendida, ela recorreu ao sinal luminoso da sala, pois ao
acender e apagar a lâmpada vermelha, que fica acima da porta, ela costuma obter mais
atenção do grupo.
Ela falou sobre a visita que estava programada na Fundação Iberê Camargo,
perguntou quais alunos iriam e se já haviam devolvido a autorização assinada pelos
pais. Dos oito alunos da turma, apenas um não iria comparecer. Retomando a atividade
da aula anterior, a professora colocou a caixa de tintas e de pincéis sobre a mesa e pediu
aos alunos que concluíssem suas pinturas, alguns seguiram trabalhando, mas como a
maioria deles já havia terminado a atividade na aula anterior, dois alunos pediram a
professora mais massa para o preparo de papel machê, um deles moldou um pequeno
vaso e o outro moldou um bloco retangular.
Na medida em que os demais alunos foram terminando as pinturas e colocando-
as para secagem, a professora entregava-lhes jornais para serem picados para a
produção de mais papel machê, ela me disse que esse deveria ser o tema de casa, porém,
como eles não costumam realizar o tema, ela preferiu pedir a atividade no final do
período, os alunos colocaram os jornais picados dentro de uma sacola e aos poucos
foram organizando e limpando os materiais da aula.
Faltando alguns minutos para o fim da aula, como de costume, a coordenadora
de turno interrompeu a aula para perguntar quantos alunos iriam almoçar na escola, pois
53
muitos deles têm atividades no turno da tarde. Ela fez suas anotações e se retirou da
sala.
A agitação se estabeleceu novamente na sala, a professora mais uma vez pediu
atenção para a realização da chamada, que foi rapidamente concluída. Os alunos, que já
estavam com suas mochilas em mãos, se despediram de mim e da professora e saíram.
Conversei mais um pouco com a Lucila e também me retirei da sala. A aula chegou ao
fim.
54
3.3.3 Observação silenciosa Escola 3
Visita à Fundação Iberê Camargo
Dia 13.04.2013
Horário: 13h30min às 16h30min
A visita à Fundação Iberê Camargo foi marcada para o dia 13 de abril (sábado)
às 14h, o ônibus da Fundação chegou à Escola por volta das 13h10min, e grande parte
dos alunos já aguardava a sua chegada. Juntamente com os alunos estavam: a diretora
da escola, a coordenadora do turno da manhã, a professora de artes das oitavas séries e a
professora Lucila, titular da turma em que estou estagiando. A convite da Lucila, o
Fernando, meu colega da ULBRA, também estava presente.
Por volta das 13h40min o grupo estava completo, a diretora autorizou a saída e
então conduzimos os alunos para o interior do ônibus, dois alunos iriam nos encontrar
na Fundação, um menino que iria junto com a família e uma menina da 8ª série que é
cadeirante e necessitava do auxilio da família no transporte.
A justificativa para a presença de outras turmas junto à visita se dá por conta do
pequeno número de alunos em cada turma, fui informada então pela equipe educativa do
Museu que eu deveria reunir um número maior de alunos para aproveitar o espaço no
ônibus, foi uma boa oportunidade de reunir as turmas de 6ª, 7ª e 8º series, no total havia
27 alunos.
Saímos da escola em direção à Fundação, o grupo manteve a ordem em todo o
trajeto. Ao chegar à Fundação, descemos do ônibus e ficamos a espera do mediador
Bruno, que foi ao nosso encontro acompanhado do intérprete de libras contratado pela
Fundação. Enquanto aguardávamos alguns instantes para que os dois alunos que foram
com suas famílias se juntassem ao grupo, percebi que os alunos estavam encantados,
tanto com o entorno, quanto com o prédio da Fundação, o diálogo estabelecido entre
eles relatava a beleza e as novidades que estavam experimentando.
O Bruno nos conduziu ao interior do Museu e deu inicio às explicações
referentes à segurança e organização durante nossa permanência no interior do prédio,
ele explicou que iniciaríamos a visita pelo quarto andar, e na medida em que fossemos
visitando os espaços iríamos nos deslocando aos outros andares até retornarmos ao
saguão, os alunos permaneceram atentos às recomendações, mas assim que foram
autorizados a levantar, um pequeno tumulto se estabeleceu. Alguns alunos apontavam
55
para todas as direções e, para obter a atenção dos demais, puxavam-nos pelas roupas ou
braços.
Seguimos em direção ao elevador e pouco a pouco fomos subindo até o 4° andar.
Uma vez que estávamos todos reunidos, o mediador deu inicio as explicações referentes
à exposição do artista sul africano William Kentridge, sempre acompanhado do
intérprete que traduzia com rapidez e grande habilidade as suas explicações, os alunos o
observavam com muita atenção e disciplina.
O mediador nos convidou para assistirmos à primeira série de vídeos do artista,
ele explicou que esses vídeos foram produzidos a partir das ilustrações que estavam
expostas, um dos alunos questionou a respeito da classificação etária na entrada de uma
das salas de vídeo, que permitia a entrada a partir de 16 anos, e grande parte do grupo
possuía idade inferior à 15 anos. O mediador explicou que muitos desses vídeos
possuem cenas de violência ou com conotação sexual, mas que pela sua experiência ele
era capaz de saber que naquele exato momento não havia nenhuma cena imprópria.
Entramos na pequena sala e permanecemos por volta de 7min observando os vídeos, os
alunos estavam encantados com a beleza e riqueza da exposição, para a grande maioria,
foi a primeira oportunidade de visitar um Museu com o auxílio de um intérprete, em
todos os momentos eles expressavam através de gestos e sorrisos a satisfação que
estavam experimentando.
Sempre sob a orientação do mediador, saímos da sala e partimos para a
observação dos desenhos expostos, o Bruno fez comentários a respeito das obras como
o contexto histórico em que estavam inseridas e sobre o método de desenhar e apagar
determinados elementos do desenho, processo no qual o artista produziu as séries de
vídeos.
Durante toda a visita os alunos permaneceram disciplinados e muito interessados
tanto em observar as obras, quanto prestar atenção às explicações traduzidas pelo
intérprete. Freqüentemente os alunos questionavam a mim, e as demais professoras que
estavam no grupo, sobre os desenhos, muitos deles não sabiam da possibilidade de se
realizar desenhos com carvão, essa técnica utilizada pelo artista chamou a atenção da
maioria dos alunos, que perguntavam incessantemente como esse processo era
realizado.
Seguimos para o próximo andar onde haviam as esculturas produzidas pelo
artista, a professora Lucila pediu minha atenção a essas produções, uma vez que o plano
de ensino da sua disciplina prevê a produção dessa técnica. O mediador deu seqüência
56
às explicações e seguimos em direção ao andar em que estavam expostas as pinturas de
Iberê Camargo, aqui os alunos não manifestaram o mesmo interesse demonstrado pelas
obras anteriormente vistas, não fizeram nenhum questionamento e tampouco
conversaram a respeito.
Ao chegarmos nesse ponto da visita fomos informados de que nosso tempo já
estava prestes a se esgotar, o mediador então fez algumas considerações sobre essas
obras e seguimos em direção ao saguão do Museu. O mediador encerrou a visita
agradecendo nossa presença e entregando o material pedagógico da exposição para a
diretora da escola. Todo o registro fotográfico da visita ficou por minha conta e do
Fernando, pois tivemos a preocupação em levar nossas câmeras fotográficas. Após o
encerramento da visita encaminhamos o grupo ao ônibus, um dos alunos que havia ido
com a família retornou no nosso ônibus e a menina cadeirante foi embora com a família.
O ônibus retornou a escola por volta das 16h30min.
57
3.3.4 Primeiro Encontro
Aula(s) 1 e 2
Data da aula: 17/04/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
Obras do artista William Kentridge observados na visita à Fundação Iberê Camargo.
Conteúdos:
Movimentos através da construção e desconstrução de desenhos.
Lista de Atividades:
Leitura de imagens realizadas durante a visita;
Análise das imagens fornecidas no material didático da exposição;
Construção e desconstrução de desenhos.
Objetivos:
Observar a reação e questionamentos de cada aluno com relação à exposição;
Provocar experiências sensoriais com relação às obras;
Incentivar os alunos a produzirem obras em seqüencia.
Metodologia:
Aula teórica, expositiva e dialógica;
Debates a partir das obras observadas;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Material didático da exposição;
Folhas A4;
Grafite, carvão e pastel oleoso.
Avaliação:
Interesse e disciplina durante a aula
Participação nas discussões
Comprometimento com relação à atividade proposta
58
PLANEJADO:
Com base na visita realizada na Fundação Iberê Camargo no dia 13 de abril, será
perguntado aos alunos sobre suas experiências durante a visita. Questões como: você já
havia visitado um museu de arte? Que sensações ou sentimentos você experimentou
durante a observação das obras? Qual obra ou vídeo apresentado mais chamou sua
atenção e por quê? Espera-se que a partir desses questionamentos surjam novas
perguntas por parte dos alunos.
A partir da observação das experiências de cada aluno, será proposta uma
atividade prática em que serão utilizados os mesmos materiais que o artista trabalhou
em suas obras: papel, grafite, pastel e carvão. A atividade busca a produção de um
desenho com referência a uma obra significativa para o aluno. A relevância dessas obras
deverá ser evidenciada por cada aluno. Questões como: Por que essa obra chamou sua
atenção em particular; que elementos ou características você observou nessa obra, ou
por que motivo você a escolheu para realizar essa atividade, devem ser realizadas
durante a execução da atividade, além desses fatores, pretende-se também que o aluno
desenvolva um trabalho marcado pela transformação, característica evidente na Obra de
William Kentridge.
Dessa forma, após a produção de cada desenho, que será fotografado, o aluno
realizará as modificações através da substituição ou remoção de detalhes, dando
movimento ao desenho. O desenho de cada aluno terá uma seqüência de três alterações.
Esse movimento, além de referenciar as obras do artista, visa preparar os alunos para o
estudo e entendimento dos processos artísticos trabalhados em obras contemporâneas.
“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.
Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
59
“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.
Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Cambio. William Kentridge. 1999.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
60
“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.
Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Avanço Inexorável. William Kentridge. 2007.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
61
Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996,
Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
Essas e outras imagens serão utilizadas juntamente com o material pedagógico
fornecido pela Fundação. A retomada dessa leitura de imagens é essencial para que os
alunos observem novamente os elementos e características que constam nas obras do
artista, além de oferecer embasamento teórico aos alunos que eventualmente não
comparecerem à visita.
REALIZADO
Após a oração matinal, realizada todos os dias pela professora e alunos, fui
novamente apresentada ao grupo como a professora responsável pelas próximas
atividades. Eu estava um pouco tensa com o primeiro dia de atividade prática, tanto por
conta do fato de ter de orientar uma turma em língua de sinais, quanto pela presença
constante da professora dentro da sala, pois no inicio tive certa preocupação com
relação ao meu desempenho diante dela.
Para dar inicio as atividades fiz uma retomada das obras que havíamos
observado durante a visita à Fundação, a professora Lucila e eu instalamos o data show
ao meu computador e mostrei aos alunos uma grande quantidade de fotos que havíamos
tirado durante a exposição. Os alunos ficaram empolgados ao ver as imagens,
mostravam seus amigos e colegas de outras turmas que também participaram da
62
atividade. Comentaram a respeito da beleza das obras, dos movimentos que os desenhos
possuíam nos vídeos e principalmente da vista observada através das janelas frontais do
edifício.
Por um instante interrompi a apresentação de imagens e perguntei do que mais
eles lembravam nessa visita. Perguntei se eles lembravam as explicações do intérprete,
alguns responderam que sim, mas não relataram a respeito, perguntei então sobre as
cores observadas nos desenhos, quais cores eles haviam observado? Dessa vez as
respostas foram objetivas: preto, branco, cinza, azul. Perguntei se alguém lembrava do
vermelho, e mais uma vez não obtive retorno. Aos poucos fui relaxando e me sentindo
mais confiante, a presença da professora não me perturbava mais, pois ela estava
sentada em um canto da sala sem interferir no meu plano de ensino, apenas observava
os alunos e, quando necessário, pedia disciplina aos mais agitados.
Segui com a apresentação das fotos e logo em seguida parti para a apresentação
de imagens das obras do artista, disse aos alunos que nossa atividade hoje seria a
produção de desenhos com movimento, da mesma forma que o artista trabalhou para
produzir seus vídeos. Utilizei também o material didático fornecido pela Fundação,
selecionei algumas imagens e as distribuí sobre a grande mesa da sala de artes. Essas
imagens ficaram a disposição dos alunos para consulta durante a execução da tarefa.
Como havia sido solicitado pela escola, o fornecimento de todo o material
utilizado durante as aulas seria da minha responsabilidade. Levei para essa prática duas
caixas de pastel oleoso, uma caixa com 12 lápis 6B, uma caixa de carvão e folhas A3 de
75g. Fiz a distribuição do material aos alunos que rapidamente começaram a desenhar
com lápis, observei que eles se interessaram pelos pastéis, mas ignoraram o carvão,
então comecei a orientá-los um a um, fiz demonstrações de como o carvão possibilita a
criação de várias nuances, ou até mesmo a remoção parcial ou total de seus traços, a
partir daí ouve um interesse maior por esse material, o lápis então foi deixado de lado
pela maioria.
63
Turma 712 durante a atividade
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Alunos Douglas e Cristiano desenhando
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
64
Desenho da aluna Carolina
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Desenho do aluno Tiago.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
65
Desenho do aluno Douglas de 10 anos.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Desenho do aluno Felipe.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Percebi que durante a execução da tarefa os alunos em nenhum momento
solicitaram a ajuda da professora, todas as suas dúvidas eram dirigidas a mim, como a
utilização dos materiais e das cores e a semelhança dos seus desenhos com as obras do
66
artista. Como alguns deles, por diversas vezes, solicitaram a minha ajuda ao mesmo
tempo, eu pedia que eles tivessem calma para que eu pudesse atendê-los em ordem. Para
cada um que me mostrava um desenho quase pronto, eu apontava algum detalhe que
poderia ser mais explorado, como os diversos tons de cinza obtidos com o carvão.
Durante a execução da atividade, que estava sendo realizada com disciplina, a diretora
da escola apareceu na sala para saber como estava sendo o meu primeiro dia prático, ela
observou os desenhos dos alunos e me disse que prometeu ao Bruno que levaria os
trabalhos até a Fundação para mostrá-los. Conversamos um pouco sobre o empenho dos
alunos na tarefa e nos despedimos.
Na medida em que os alunos concluíam a atividade eu ia explicando
individualmente a proposta que seria realizada, fotografei os desenhos prontos e para
minha surpresa, quando solicitei que as modificações fossem realizadas os alunos se
negaram. Disseram que os desenhos estavam bonitos e parecidos com os originais e
simplesmente não concordaram em realizar qualquer mudança. Percebi que na hora de
agregar elementos eles o fizeram com total disposição, mas quando chegou a hora de
retirar elementos, ou realizar uma modificação mais significativa, a solicitação havia
sido negada.
Eu não havia previsto essa possibilidade, porém na hora lembrei-me de como é
difícil desconstruir algo que nos pertence. Eu não soube como lidar com a situação e
minha alternativa foi pedir que um novo desenho fosse produzido a partir do primeiro,
porém com algumas modificações, como substituição de cores e formas. Os alunos que
finalizavam a atividade passavam para a realização do segundo desenho, que acabou
não sendo totalmente concluído pela maioria.
Faltavam alguns minutos para o término da aula quando a professora deu inicio à
chamada, comecei a recolher os materiais e desenhos realizados e inacabados, como de
costume a turma ajudou na organização e limpeza. Um pequeno tumulto se instalou em
frente a pia da sala, pois como havíamos trabalhado com carvão os alunos precisavam
lavar muito bem as mãos.
Enquanto aguardavam a troca de período, já com suas mochilas em mãos,
comecei a desligar o data show, que deveria ser entregue à coordenadora de turno. O
sinal luminoso se acendeu, o período havia acabado, os alunos se despediram de mim e
da Professora Lucila, que me acompanhou até o saguão da escola.
67
3.3.5 Segundo Encontro
Aula(s) 3 e 4
Data da aula: 24/04/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
Esculturas na Obra de William Kentridge
Conteúdos:
A produção de esculturas a partir da visão e descrição de outro observador;
Como o artista criou uma representação de algo que não conhecia.
Lista de Atividades:
Produção de esculturas a partir dos elementos descritos pelos colegas;
Elencar as características relevantes na descrição realizada pelos colegas;
Executar uma obra a partir da observação de outro colega.
Objetivos:
Incentivar os alunos a observar a visão que o outro tem de um determinado objeto ou
animal;
Trabalhar através da escultura a construção de um objeto com características e
elementos relevantes para outro observador;
Expressar a percepção de outra pessoa.
Metodologia:
Aula dialógica e prática;
Leitura de imagens das esculturas realizadas pelo artista;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Imagens em Data Show;
Papel, jornais, arames, galhos secos, cartolinas, réguas, tesouras e lápis.
Avaliação:
Empenho na descrição dos elementos a serem criados pelo colega;
Interesse em produzir a escultura a partir de uma descrição;
Conclusão da tarefa proposta
68
PLANEJADO:
A aula será iniciada pela observação das esculturas produzidas pelo artista
William Kentridge. Algumas dessas esculturas reproduzem animais africanos que foram
esculpidos não a partir da observação visual do artista, mas a partir de sua observação
nas descrições de alguém que observou esses animais de perto. Essa atividade, além de
trabalhar as obras tridimensionais de William Kentridge, tem por objetivo incentivar os
alunos a criar obras a partir da percepção de outra pessoa. Para essa atividade a turma
será dividida em duplas, cada membro da dupla fará uma descrição e uma produção
tridimensional.
Embora o plano de ensino da escola tenha sido realizado em função da arte
brasileira, a obra de Kentridge, que anteriormente foi trabalhada através de produções
bidimensionais, agora será trabalhada através de suas esculturas, técnica prevista no
planejamento de aula da sétima série, e que deveria fazer parte do meu plano de ensino.
O trabalho de descrição de objetos com essa turma não será feito através de palavras,
mas através da língua de sinais. Espera-se que os alunos usem sua percepção para
descrever detalhadamente os elementos que observaram na obra do artista, e sua
observação dessa descrição para se expressar através da matéria.
Para essa atividade serão mostradas algumas imagens coletadas durante a exposição.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
69
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
REALIZADO
Nesse dia encontrei-me com a professora no pátio interno da escola, os alunos já
a aguardavam em fila para serem conduzidos à sala de artes visuais. Ao entrarem na
70
sala, os alunos colocaram seus materiais sobre a bancada e ocuparam seus lugares de
costume, passamos então para a realização da nossa oração matinal.
Após a oração, assumi a turma e dei inicio às atividades que eu havia planejado, retomei
com os alunos as atividades que havíamos realizado na aula anterior, perguntei se todos
haviam gostado e se alguém tinha sentido alguma dificuldade em realizar os desenhos
do artista William Kentridge, os alunos foram unânimes ao dizer que haviam gostado de
trabalhar com carvão e pastéis e que não tiveram nenhuma dificuldade com relação aos
desenhos.
Enquanto conversávamos a respeito da aula passada, a diretora da escola entrou
na sala para verificar como estava o andamento da aula, ela me disse que o
funcionamento das atividades com os alunos surdos era um pouco diferenciado com
relação aos alunos ouvintes, isso porque com os surdos as atividades devem ser mais
bem explicadas, sendo de fundamental importância incentivá-los a refletir sobre o
porquê de determinadas práticas. Concordei com sua observação e novamente enfatizei
que essa era uma das minhas preocupações durante a aula.
Assim que a diretora se ausentou, segui com a aula dizendo aos alunos que
iríamos estudar a respeito do mesmo artista da aula anterior, porém nossa prática seria
em função de suas esculturas, como eu havia planejado, os alunos deveriam reunir-se
em duplas para que cada um pudesse descrever as esculturas que tinham observado na
exposição. Sugeri que as duplas sentassem de frente a frente, porém eles preferiram se
sentar lado a lado.
Após a organização do grupo, pedi que um dos integrantes da primeira dupla
iniciasse a descrição da escultura que havia observado na exposição, identificando cada
um dos elementos observados, enquanto isso, seu colega deveria prestar a atenção a
essas descrições, a fim de construir uma escultura a partir da visão de outra pessoa.
Normalmente peço aos surdos que executem os sinais com calma, pois somente assim
consigo entendê-los, porém como se tratava da descrição para outro colega surdo, o
primeiro aluno foi extremamente rápido em suas descrições, tive então de pedir que ele
iniciasse novamente suas descrições, pois eu também precisava observá-las. O primeiro
aluno seguiu minha recomendação, assim como os demais alunos da turma, todos
descreveram calmamente suas visões a respeito das esculturas observadas, chamando a
atenção para os detalhes que mais lhe chamaram a atenção. Alguns alunos foram mais
específicos ao relatar a presença das cores pretas e brancas, outros descreveram os
materiais utilizados pelo artista, como jornais, papelão e galhos de árvores, alguns
71
tiveram uma maior preocupação em descrever os arranjos que compunham as estruturas,
mostrando como de fato eles acreditavam que elas haviam sido feitas. Por fim, dois
alunos discordaram sobre a descrição de um mesmo objeto, fato que evidenciou as
diferentes percepções que eles possuíam sobre uma mesma obra. Desse modo, a
atividade proposta não apenas buscou o entendimento dos alunos com base na
percepção dos colegas, mas também funcionou como um meio de cada um deles
identificar e estruturar aquilo que observou.
Enquanto identificamos algo, algo também se esclarece para nós e em nós;
algo se estrutura. Ganhamos um conhecimento ativo e de auto-cognição, uma
noção que, ao identificar as coisas, ultrapassa a mera identificação. Em
qualquer situação em que nos encontremos, por exemplo, haverão de surgir
inúmeros dados, dos quais alguns talvez já nos sejam familiares, outros
novos, alguns talvez desconexos, e outros até mesmo insólitos.
(OSTROWER, 2012, pg. 57).
Passadas as descrições iniciais, coloquei sobre a mesa o material para a
confecção das esculturas, imediatamente alguns alunos foram pegando esses materiais e
iniciando a montagem das esculturas, duas duplas em especial chamaram a minha
atenção: a primeira dupla foi extremamente rápida, dois meninos que possuem uma
grande habilidade em construir objetos com formas bem definidas, assemelhando-se em
muito com as obras do artista em questão; a outra dupla composta por uma menina e um
menino, apresentou uma grande dificuldade em realizar a tarefa, os dois não sabiam por
onde começar, percebi então que eles observavam os colegas que estavam trabalhando,
porém não conseguiam sequer iniciar a montagem. Resolvi sentar junto deles e ajudá-
los a iniciar o trabalho, o menino disse que jamais ficaria igual à escultura do artista,
expliquei a ele que essa preocupação era desnecessária, pois a escultura original
funcionava apenas como um modelo, um ponto de partida para a execução do seu
trabalho, e que mesmo que sua escultura ficasse totalmente diferente, ainda assim
teríamos uma obra com valor especial, pois havia sido executada a partir da visão do
aluno. Fato mais importante do que a semelhança com a obra original.
72
Os alunos Vinicius e Cristiano durante a atividade.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
O aluno Douglas montando sua escultura.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
73
Trabalho realizado pelo aluno Cristiano.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho realizado pela aluna Carolina.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Ao avaliar os resultados produzidos nessa aula, percebi que houve uma interação
muito grande entre todos os alunos, eles sabem se comunicar muito bem entre si, sabem
expressar com clareza tudo que sentem, pensam e observam. Essas habilidades, comum
a todos os alunos dessa turma, foram evidenciadas no momento da descrição dos
74
objetos por eles observados. Além daquilo que viram - análise formal - suas opiniões
pessoais como: “achei feio”, “achei horrível”, ou “não entendi o que é isso”- aspectos
subjetivos – foram recorrentes durante o detalhamento. Esse era meu objetivo principal
ao elaborar essa atividade, trabalhar a percepção dos alunos. De que modo eles
interagem com o meio e de que forma expressam essa relação. Fiquei satisfeita com o
resultado desse primeiro momento da aula.
Analisando as produções artísticas, poderia dividir a turma em três grupos
específicos: aqueles que executam a atividade sem questionamentos, como o aluno
Douglas; aqueles que se sobressaem aos colegas em rapidez e habilidade, como o aluno
Cristiano, e por fim aqueles que se julgam incapazes de realizar determinada atividade,
como a aluna Carolina. Este último grupo é o que mais desperta meu interesse, por
conta tanto da elaboração das atividades futuras, quanto da atenção que deverá ser
dispensada a esses alunos. Não pretendo de forma alguma diminuir o nível de
dificuldade das atividades práticas, mas pretendo trabalhar com esses alunos o
desenvolvimento de suas inúmeras habilidades, mostrando-os que a produção de uma
arte contemporânea não está focada na beleza e simetria das formas, embora esses
atributos possam existir, mas essa arte possui maior valor pelos conceitos que carrega.
75
3.3.6 Terceiro Encontro
Aula(s) 5 e 6
Data da aula: 08/05/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
O processo criativo na arte contemporânea.
Conteúdos:
Estudo da Obra do artista William Kentridge;
Estudo comparativo com as obras do artista brasileiro José Leonilson Bezerra Dias;
Os diferentes tipos de processos criativos;
A importância das diversas etapas do processo criativo.
Lista de Atividades:
Leitura de imagens com ênfase nas diversas etapas de sua construção;
Trabalhar a construção de uma obra contemporânea;
Construir obras contemporâneas individuais.
Objetivos:
Trabalhar com os alunos as diversas etapas de um processo artístico;
Produção de um trabalho em que o produto final apresente os vestígios de sua
construção;
Criação de obras a partir da pintura e do desenho.
Metodologia:
Aula teórica, expositiva, dialógica e prática;
Debates a partir das leituras de imagens;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Data show
Imagens impressas;
Papel A3, grafite 6B, pincéis e tinta guache.
Avaliação:
Os alunos foram capazes de identificar os diferentes processos artísticos usados pelos
artistas;
76
Os alunos demonstraram interesse pela construção de uma obra em etapas;
O produto final dessa atividade apresentou as diversas etapas de sua produção.
PLANEJADO:
Nessa aula será iniciado o estudo da arte brasileira, conforme previsto no
planejamento da escola. Este tema será trabalhado a partir da Obra do artista
contemporâneo brasileiro José Leonilson Bezerra Dias. A aula terá inicio com a
apresentação de algumas das imagens já trabalhadas pela turma, como as do artista Sul
africano William Kentridge. A partir daí, serão propostas algumas questões como: quais
aspectos ou elementos constantes nessas obras mais chamaram sua atenção? Você
encontrou alguma dificuldade ao reproduzir os desenhos e esculturas desse artista?
Você observou qual o processo que o artista utiliza para construir suas obras? Poderia
descreva-los? Que outros processos você acredita que possam ser usados na arte
contemporânea?
A partir desses debates, será introduzida a Obra do artista Leonilson, de forma
comparativa serão estudados os seus processos de produção artística, bem como a
introdução de palavras que complementam o sentido de suas obras. As leituras de
imagens serão feitas observando-se os aspectos formais das obras, bem como os seus
elementos subjetivos, que devem ser baseados nas experiências vividas por cada aluno,
bem como suas lembranças e seus significados adquiridos. Espera-se que as reflexões
sobre o trabalho de Leonilson possam ajudar os alunos a produzir trabalhos artísticos a
partir de vínculos afetivos, de emoções e sentimentos, que podem ser expressos de
diversas formas, principalmente através do uso de palavras.
Partindo para a atividade prática, será proposta a realização de um trabalho
bidimensional, enfatizando a idéia de que processo artístico e obra são a mesma coisa.
Busco com essas reflexões ajudar os alunos a valorizar o processo artístico que fica
marcado na obra, e também o desenvolvimento da percepção de seus próprios percursos
internos, demonstrando assim de que forma suas emoções são trabalhadas através da
arte.
Dentre as obras que serão analisadas, destacam-se:
77
Os pensamentos do coração. Leonilson, 1988.
Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson
“Puros e duros”. Leonilson, 1991.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
78
“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.
Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge
“Cambio. William Kentridge. 1999.
Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560
REALIZADO
Nesse dia cheguei na escola um pouco mais cedo do que de costume. Fui então
me encontrar com a professora Lucila na sala dos professores, como faltavam alguns
minutos para o inicio do primeiro período, aproveitei para conversar um pouco com
outras professoras que ainda estavam na sala. Passados alguns instantes, a professora
Lucila e eu fomos até o pátio interno da escola, onde os alunos sempre aguardam a
chegada de seus professores. Algumas crianças de outras turmas sempre me
cumprimentam, chegando até a mencionar a visita que fizemos à Fundação, isso me
79
deixa muito feliz, pois mais uma vez percebo o quanto esse evento foi significativo para
eles.
Ao chegar à sala de aula, e após realizarmos a oração, os alunos organizaram-se
em seus lugares, nesse momento a responsável pelo audiovisual entrou na sala para
instalar o projetor, enquanto aguardávamos, a professora Lucila e eu começamos a
forrar a mesa com jornais, pois nossa atividade seria realizada com tintas guache e
nanquim.
Dei inicio à leitura de imagens das obras do artista Leonilson. Em cada uma das
imagens, eu mantive sempre a preocupação de focar minhas explicações no processo
artístico, tema do meu plano de aula. Antes de iniciar a leitura de imagens do artista
William Kentridge, pois minha intenção era traçar um paralelo entre os diferentes
processos criativos desses artistas, interrompi a apresentação de imagens por alguns
instantes para tentar propor algumas questões.
Perguntei à turma se eles achavam importante que uma obra de arte apresentasse
as marcas das etapas de sua criação. Acredito que não me expressei de maneira clara,
pois não obtive resposta, apesar de insistir um pouco, tentei perguntar novamente a cada
aluno, mas as respostas não foram muito diferentes. Alguns deram com os ombros,
outros disseram que não sabiam, e apenas uma menina respondeu que não. Para
confirmar sua resposta afirmei novamente se ela acredita que as marcas do processo não
deveriam aparecer na obra. Apesar de manifestar um pouco de insegurança em sua
opinião, ela novamente disse que não podia aparecer nada. Nesse momento fiquei
frustrada, senti certo bloqueio, não estava sabendo me expressar, ou pior ainda, eu não
estava sabendo estabelecer um diálogo com a turma. Respirei fundo e tentei pensar
rápido, pensei na orientação anterior de estágio e foquei na idéia de que estou lidando
com pessoas que não haviam estudado essas questões de forma aprofundada, eu
precisava ensiná-los levando em consideração suas experiências de vida, bem como
suas memórias e na bagagem cultural.
Controlei um pouco a minha ansiedade e formulei uma nova questão: Quando
vocês desenham com grafite e apagam algumas marcas com borracha, vocês se
preocupam em apagar bem? A resposta foi unânime. Todos disseram que sim. Perguntei
então porque as marcas anteriores não poderiam aparecer? Lembrando a todos eles que
no nosso primeiro encontro estudamos os desenhos de William Kentridge, em que essas
marcas apagadas eram identificáveis. Novamente o silencio se instaurou. Segui com as
explicações, buscando cada vez mais obter respostas e novos questionamentos, a essa
80
altura eu já não estava mais focada na leitura de imagens, e sim em retomar as aulas
anteriores, pois para mim a questão dos desenhos de William já havia sido trabalhada e
esclarecida, porém com o diálogo que se apresentou nessa aula eu comecei a questionar
os resultados anteriores. Lembrei então que na primeira atividade os alunos se negaram
a apagar seus desenhos, essa resistência à transformação estava novamente em
evidencia.
Faço uma breve reflexão acerca do meu desempenho, acreditei que o processo
artístico dessa aula estaria bem fundamentado, pois na primeira aula havíamos
trabalhado bem esse tema. Não sei se o rendimento da primeira aula não foi tão
satisfatório como eu havia acreditado, ou se ao longo da semana os alunos já não estão
mais focados no assunto, a ponto de ser necessária a realização de uma retomada das
aulas de forma mais aprofundada.
Dei uma breve retomada na leitura de imagens, pois eu precisava iniciar a
atividade prática. Distribui o material aos alunos, perguntei se eles conheciam ou já
haviam usado tinta nanquim. Eles responderam que não. Então preparei a tinta com
diferentes concentrações de água e fiz algumas demonstrações dos efeitos e tonalidades.
Os alunos se interessaram bastante já foram selecionando seus pincéis para trabalhar.
Na verdade essa turma aprecia muito mais as atividades práticas, observei que a teoria e
as reflexões não são muito relevantes para eles, porém eu precisava abordar o tema
antes de iniciar a prática.
Antes de iniciar a prática, enfatizei novamente que deveríamos trabalhar o
processo artístico, relacionar o movimento de Kentridge, com a sensibilidade da turma.
81
Alunos da turma 712
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Desenho do aluno Giovani
Fonte: Danielle Schütz
Perguntei ao aluno Giovani por que ele colocou essas linhas ao redor do piano,
(Piano da obra: Quem morre comigo, Leonilson), e onde estava a relação com o
movimento da obra de Kentridge? O aluno respondeu que a música do piano serve para
82
dançar. Ele fez a relação instrumento musical (Leonilson) com o som e a dança
(movimento de William Kentridge).
Embora muitos surdos não consigam escutar música com a mesma equalização
que os ouvintes, eu já observei que eles apreciam muito os temas música e som. Certo
dia minha afilhada, que é surda, me disse que a música lhe dava sono, perguntei como
isso era possível, e ela me explicou que a vibração sonora é captada, eles são capazes de
dançar apenas pela vibração do som, sem terem de ouvir os acordes ou a letra da
música.
A frustração que experimentei no inicio da aula foi dando lugar à satisfação. Ao
observar os resultados da atividade prática fui percebendo que, embora os alunos não
tivessem respondido as questões da forma como eu esperava, eles haviam captado a
idéia de processo, eles relacionaram as obras dos artistas e fizeram observações muito
interessantes.
Trabalho da aluna Carolina
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Eu já havia observado que a aluna Carolina gosta muito de corações, em seus
trabalhos ela sempre procurou inserir um coração, mesmo que isso não tivesse relação
com a atividade. Quando mostrei a imagem da obra: “Os pensamentos do coração” de
Leonilson, percebi pelo seu interesse que essa seria sua obra favorita. Ela fez uma
reprodução da obra do artista, mas sem deixar de lado a questão do movimento. Ela me
questionou se poderia desenhar o fundo da obra com três lápis vermelhos na mão, eu
83
disse a ela eu sim, mas que seria importante ela dar movimento ao desenho. Ela então
segurou os três lápis na mão e foi riscando o fundo da obra. Ali estava o movimento, ela
manteve a cor do fundo que aparece na obra original, mas o fez com movimentos
repetitivos. Gostei dos traços da borda do desenho, além da sensação de movimento eles
dão também uma idéia de volume.
Fazendo uma análise geral da aula, percebi que as questões teóricas, trabalhadas
no primeiro período, foram bem representadas durante as atividades práticas, os alunos
produziram trabalhos com base nas características dos artistas apresentados, a questão
do movimento ficou evidenciada em todas as produções, os alunos tiveram uma clara
preferência em elaborar desenhos a partir das obras de Leonilson, utilizando apenas
alguns elementos das obras de Kentridge. Acredito que eles tenham sentido uma maior
proximidade com as obras de Leonilson pois os alunos surdos, não apenas dessa turma,
são muito sensíveis, eles demonstram muito carinho pelas pessoas, até mesmo pelas
estranhas, e um desejo de expressar seus sentimentos, de se relacionar e de criar
vínculos afetivos. Acredito que a grande carga emocional presente na Obra de
Leonilson produziu bons resultados nessa turma, pois ao comparar essas atividades,
com as realizadas exclusivamente a partir das obras de William Kentridge, percebi um
maior comprometimento da turma com a execução dos trabalhos, além da preferência
pelas obras de Leonilson. Fiquei muito satisfeita com os resultados.
Criar é tanto estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados
e é transmiti-los. Ao criar, procurarmos atingir uma realidade mais profunda
do conhecimento das coisas. Ganhamos concomitantemente um sentimento
de estruturação interior maior; sentimos que nos estamos desenvolvendo em
algo essencial para o nosso ser. Daí se torna tão importante, para o artista ou
para qualquer pessoa sensível, saber do trabalho de outros, ter contato com
seres criativos, não no sentido de uma rivalidade, mas no sentido de um
crescimento interior que também em nós se realiza quando podemos
acompanhar a realização de outro ser humano. (OSTROWER, pg. 143,
2012).
84
3.3.7 Quarto Encontro
Aula(s) 7 e 8
Data da aula: 15/05/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
A escultura na arte contemporânea;
Conteúdos:
A produção de obras tridimensionais a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson;
Estudo da relação entre palavras e imagens na obra de Leonilson;
Breve discussão introdutória sobre o elemento costura na obra do artista;
Lista de Atividades:
Leitura de imagens;
Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson;
Produção de esculturas em papel machê.
Objetivos:
Construir obras tridimensionais a partir de obras bidimensionais;
Relacionar as obras do artista com suas produções;
Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras.
Proporcionar aos alunos um breve contato com as obras que envolvem costura, a fim de
introduzir o próximo tema a ser trabalhado.
Metodologia:
Aula teórica, expositiva e dialógica;
Debates a partir das obras observadas;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Imagens em Power point;
Papel machê;
Avaliação:
Criatividade na elaboração de um objeto contemporâneo;
Capacidade dos alunos em construir obras tridimensionais a partir de obras
bidimensionais;
85
Qual o entendimento dos alunos sobre o uso de palavras na obra de Leonilson;
PLANEJADO:
A aula terá inicio com a leitura de imagens do artista José Leonilson Bezerra
Dias. Novamente serão discutidos os elementos formais, visando desenvolver a
capacidade dos alunos de identificar e descrever os elementos que compõem uma obra
de arte. Alguns aspectos subjetivos também serão discutidos. Os sentimentos, emoções
e paixões que o artista evidencia em suas obras devem ser discutidos com bastante
atenção, procuro mostrar aos alunos a importância de saber lidar com suas próprias
emoções, podendo assim expressá-las através da arte. Aliados a esses sentimentos e às
vivências de cada um, os alunos serão motivados a escolher uma obra do artista para ser
trabalhada.
Espera-se que os alunos se identifiquem com as imagens selecionadas por eles
não apenas utilizando o critério visual, mas também pela relação sentimental que a obra
lhe desperta, sendo que essa escolha deverá ser justificada pelo aluno. Questões como: o
que essa obra significa para você? Você sentiu algo especial ao se deparar com essa
obra? Caso tenha sentido, você poderia descrever essa sensação? Que elementos dessa
obra você escolheria para produzir uma escultura?
Acredita-se que essa atividade é um excelente meio de trabalhar as emoções dos
alunos, através da arte desse artista, conhecido pelo valor romântico e sentimental de
suas obras. Espera-se que os alunos consigam se identificar com os valores presentes
nas obras de Leonilson, e produzir um objeto tridimensional a partir de elementos
extraídos da obra de Leonilson;
Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
86
“Puros e duros”. Leonilson, 1991.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
“O mentiroso. Leonilson. 1992.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
87
José Leonilson Bezerra Dias. O inflexível, 1983.
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992.
Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br
REALIZADO
Nesse dia cheguei cedo à escola e fui direto à sala dos professores, conversei um
pouco com a professora de artes visuais da 6ª, ela me contou a respeito das atividades
que realizou na sua turma com o material didático fornecido pela Fundação. A
professora Lucila e eu nos retiramos da sala e fomos em direção ao pátio interno da
escola. Os alunos já estavam reunidos esperando para serem encaminhados à sala de
artes visuais. Um dos alunos me perguntou por que eu carregava tantos pacotes e até
mesmo um balde, respondi a ele que estava levando os materiais para fazermos
esculturas, ele ficou feliz pois disse que não gosta de desenhar.
Eu já havia observado a preferência da turma pelos trabalhos tridimensionais,
porém elaborei as três primeiras aulas baseada na proposta triangular de Ana Mae
88
Barbosa. Iniciei as aulas a partir da leitura de imagens, como forma de explicar os
processos artísticos dentro da arte contemporânea, e parti para a produção de desenhos,
que além de reproduzir o tema estudado em aula, também expressou as observações
feitas na Fundação Iberê Camargo.
Nem a arte-educação como investigação dos modos pelos quais se
aprende arte, nem a arte-educação como facilitadora entre a arte e público
podem prescindir da inter-relação entre história da arte, leitura da obra de arte
e fazer artístico (BARBOSA, 1992, pg 32).
Levando em conta a preferência dos alunos, e principalmente a proposta
pedagógica da escola, as atividades práticas baseadas na produção de esculturas tiveram
inicio nessa aula. Através da produção de esculturas em papel machê, os alunos tiveram
de produzir objetos que expressassem valores e sentimentos importantes para cada um
deles, para essa atividade foram utilizadas imagens do artista Leonilson, expliquei à
turma que os trabalhos desse artista possuem grande carga emocional, que ele os
produziu durante um profundo contato interior. Um aluno então disse que o artista “fez
de coração”, eu concordei com sua afirmação e enfatizei que essa era a proposta da aula:
fazer de coração, e fazer com alma, expressar através da arte algo muito significativo
para cada um deles. Expliquei à turma que os trabalhos do artista funcionavam como
um ponto de partida para que eles tomassem uma postura sensível para consigo próprios
durante a aula, e que suas produções não necessariamente deveriam ser parecidas com
as de Leonilson.
Os resultados superaram minhas expectativas, comparando essa prática com as
anteriores, observei o comprometimento dos alunos com a atividade proposta. Quando
realizam desenhos, os alunos ficavam inquietos, e sempre havia algum tipo de conversa
paralela, durante a produção das esculturas, os alunos ficaram muito concentrados em
moldar o papel machê, eles próprios regulavam a quantidade de cola e recorreram a
objetos diversos, como régua e pincéis, para moldar e criar relevos. O assunto dos
poucos diálogos que observei referia-se à própria atividade. Acredito que grande parte
desse entusiasmo seja por conta da preferência geral pela escultura, porém considero
que ao trabalhar a leitura de imagens de Leonilson de uma forma um pouco mais
simplificada, enfatizando não apenas as características da Obra, mas principalmente o
caráter sensível e romântico da personalidade do artista, consegui atingir um grau maior
de entrosamento da turma com a atividade.
89
Grande parte dos alunos produziu objetos muito significativos para cada um
deles, objetos que demonstravam algum tipo de vínculo afetivo e que apesar de
possuírem elementos presentes, ou com algum tipo de conexão com a obra de
Leonilson, traduziam elementos muito particulares de cada um. Um aluno disse ter se
inspirado na obra “Quem morre comigo” para realizar sua escultura. Trata-se da pintura
de um piano que, segundo o aluno, equivale a um violão. Perguntei a ele o porquê dessa
relação. Ele me respondeu que seu irmão possui um violão, e que quando se reúnem em
família é comum a união em torno do instrumento. Era nesse ponto que eu queria
chegar, o aluno foi capaz de expressar algo significativo em sua vida a partir da
inspiração da obra de Leonilson. O violão esculpido não apenas se relaciona com o
piano por que ambos produzem som, mas porque também significa a união familiar para
o aluno.
Trabalho do aluno Douglas
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Não pude deixar de perceber que o aluno Pedro produziu um objeto que ele já
havia citado durante a oração matinal. Como cada aluno faz seus pedidos e
agradecimentos, o Pedro pediu pelo mundo todo, desejando paz, alimento e saúde. Esse
pedido se manifestou claramente em sua escultura, percebi então que as explicações
sobre realizar os trabalhos com o coração haviam sido consideradas.
90
Escultura produzida pelo aluno Pedro
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
A cada prática aplicada com base nas obras de Leonilson percebo que consigo
me aproximar mais dos alunos, considero que, ao mostrar aos alunos a sensibilidade que
o artista demonstra em suas criações, estreitamos nossa relação afetiva. Os alunos
passaram a demonstrar um interesse maior pelo artista, enxergaram no Leonilson essa
sensibilidade, que eu tanto quis trabalhar com eles, ficou evidente nas produções
realizadas pela turma, todos os trabalhos apresentavam características da personalidade
e dos vínculos afetivos que cada aluno traz consigo. Os vínculos familiares foram
abordados na grande maioria das produções, os alunos deixaram claro o quanto a
relação familiar é importante para eles. Muitos alunos surdos vêm de famílias de
pessoas ouvintes, fato que faz com que as famílias tenham de se adaptar à realidade dos
filhos.
Os alunos dessa situação demonstram claramente uma gratidão aos seus
familiares. Tive a oportunidade de conversar com alguns pais e mães de alunos surdos
que me relataram a respeito das mudanças pelas quais passaram em suas vidas,
principalmente com relação à língua de sinais que tiveram de aprender.
Outra situação que estreita esse vínculo familiar é a dos alunos surdos que nasceram de
pais surdos. Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde, 5,1% da
população brasileira possui deficiência auditiva severa, equivalendo em números a
344,2 mil pessoas, distribuídas em pequenas comunidades pelo país. Essa estatística
91
mostra que a quantidade de surdos no país é pequena, fato que acaba limitando as
relações de surdos com ouvintes por conta da necessidade do uso da língua de sinais ou
de intérpretes, nem sempre acessíveis a todos. Resta aos surdos então se manterem de
certo modo “fechados” entre si, sem estreitarem suas relações com os ouvintes. Gostaria
de usar a arte para tentar mudar essa realidade, ao menos dentro da turma em que estou
estagiando.
92
3.3.8 Quinto Encontro
Aula(s) 9 e 10
Data da aula: 21/05/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
A escultura na arte contemporânea brasileira;
Conteúdos:
A produção de objetos a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson;
O valor sentimental presente nas obras de Leonilson;
Lista de Atividades:
Leitura de imagens;
Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson;
Produção de esculturas com base de massa e cola.
Objetivos:
Construir obras tridimensionais utilizando pelo menos uma característica mostrada na
Obra de Leonilson;
Relacionar as obras do artista com suas produções;
Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras.
Metodologia:
Aula teórica, expositiva e dialógica;
Debates a partir das obras observadas;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Imagens em Power point;
Arame, fita adesiva, rolo de gaze engessada.
Avaliação:
Criatividade na elaboração de escultura;
Capacidade dos alunos em extrair elementos da Obra de Leonilson para a construção de
objetos;
Qual a relação que os alunos fizeram entre suas produções e as produções do artista.
93
PLANEJADO:
A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas produzidas pelo artista
José Leonilson Bezerra Dias. Serão propostas questões como: Você pode fazer alguma
comparação entre essas as esculturas e os outros trabalhos de Leonilson mostrados nos
últimos encontros? Você identificou alguma diferença ou semelhança significativa?
Poderia explicar que diferenças ou semelhanças você observou?
No encontro anterior trabalhamos esculturas a partir de obras bidimensionais. Na aula
de hoje serão produzidas esculturas a partir de obras tridimensionais, realizadas pelo
mesmo artista, portanto com os mesmos valores subjetivos tais como: presença de
grande carga emocional; processos artísticos que se desenvolvem com base nas paixões
e sentimentos experimentados pelo artista.
Essa leitura de imagens será utilizada para dar ênfase aos valores sentimentais
presentes na obra do artista, esse tema está sendo abordado de forma repetitiva em
alguns planejamentos de aula, isso porque essas características são consideradas
extremamente relevantes, tanto no entendimento dos valores implícitos na Obra de
Leonilson, quanto nas produções dos alunos. Incentivar os alunos a desenvolver um
olhar cuidadoso, não apenas com relação aos elementos formais, mas também com os
valores implícitos na obra, é um excelente meio de ajudá-los a realizar leituras de
imagens diversas, relacionadas com todas as áreas de suas vidas, não apenas com
relação à arte.
Os objetivos dessa aula se assemelham muito com os das aulas anteriores, pois a
insistência em fazer com que os alunos se mostrem através da arte é o meio pelo qual
eles são motivados a trabalhar os próprios sentimentos. Os alunos serão motivados a
identificar os elementos formais das imagens apresentadas, uma vez que esse exercício
já foi realizado em outras aulas, torna-se mais fácil pedir à turma que realize essa
leitura.
Os elementos subjetivos que deverão aparecer nos trabalhos da turma não se
referem somente às obras de Leonilson, mas espera-se que os alunos consigam
representar suas próprias características e personalidade nos objetos produzidos. As
imagens de um artista, considerado autobiográfico por alguns autores, pretendem
também motivar os alunos a relacionar a materialidade das obras com o seu significado
implícito. A observação dos diferentes materiais utilizados nas esculturas de Leonilson
produz que sentimentos no expectador? A leitura de imagens realizada de forma
94
comparativa será um meio de propor aos alunos uma análise que envolve: o valor
estético com relação às emoções que estão sendo traduzidas.
Os alunos não irão escolher uma imagem como ponto de partida para a
confecção de seus trabalhos. Quero com isso evitar que apareçam cópias das obras do
artista, os alunos deverão seguir apenas o modo pelo qual o artista se expressa. Através
das emoções, paixões e sentimentos.
Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
“Sagrado coração, 1991.
Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/
95
Escadinha, 1991.
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992.
Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br
REALIZADO
A aula teve inicio como de costume, encontrei-me com a professora e os alunos
no pátio interno da escola. Fomos para a sala de artes e realizamos nossa oração
matinal. Antes de iniciarmos as atividades, a professora Lucila fez uma breve
explicação sobre um acontecimento que iria acontecer na escola. Nesse dia os alunos
iriam receber a vacina contra gripe, ela perguntou se algum deles já havia se vacinado,
apenas um aluno respondeu que sim, outros questionaram a professora pedindo mais
detalhes sobre o fato, ela disse apenas que a vacina causava dor no braço e, em algumas
96
pessoas, reações como febre e mal estar. A breve discussão se encerrou e eu assumi a
turma.
Forramos a grande mesa da sala com jornais, pois hoje faríamos esculturas com
massa de farinha e cola. Eu havia realizado a preparação dessa massa em casa, calculei
aproximadamente dois quilos, sabendo que possivelmente a turma não usaria toda essa
quantidade, porém eu não queria correr o risco de ficar sem matéria para a produção dos
trabalhos, além disso existem alguns alunos nessa turma que são extremamente rápidos
e caprichosos na produção de esculturas, de modo que quando terminam a atividade
antes de seus colegas eu aplico uma nova tarefa, pois não poderia deixá-los parados.
Antes de iniciar a prática, propus aos alunos uma reflexão sobre as atividades da
aula anterior, perguntei o que eles lembravam sobre as atividades realizadas até o
momento. Um menino descreveu os desenhos e esculturas de William Kentridge,
demonstrando sua grande preferência pela escultura. Outros dois alunos concordaram
com ele, dizendo que não gostavam de desenhar. Perguntei então o que eles pensavam
sobre as leituras de imagens, perguntei se eles achavam importante fazermos essas
leituras antes de iniciarmos as práticas. Um menino respondeu dizendo que preferia
iniciar direto com as esculturas, e o restante da turma concordou com ele.
Essa resposta me deixou um pouco preocupada. Isso porque, partindo do
principio de que era de fundamental importância ler as imagens, pois só assim
poderíamos extrair e utilizar os elementos da obra do artista, os alunos deveriam
apresentar maior entendimento a respeito dos momentos iniciais da aula. Fazendo essa
análise me pergunto onde eu poderia estar errando nesse aspecto, se eu por acaso estaria
sendo pouco objetiva, ou muito rápida nas explicações a ponto deles não demonstrarem
interesse nessas leituras. Ou se de fato os alunos se importavam apenas com o momento
prático da aula de artes. Fato que poderia não ter relação com o meu desempenho.
Como meu planejamento envolve a produção de trabalhos a partir das emoções e
sentimentos experimentados por cada aluno, esse aspecto deveria ser bem trabalhado a
ponto de não restarem dúvidas a respeito das aulas anteriores. Dessa forma torno a
insistir na leitura de imagens que privilegia esse aspecto das obras.
Os alunos dessa turma são muito educados, e embora não sinta que não consigo
atrair totalmente a atenção deles, percebo que minhas explicações ainda assim são
consideradas pelo grupo. Porém, na hora das reflexões, é preciso muita insistência da
minha parte para conseguir obter respostas, percebo que os alunos estão mais curiosos a
respeito do material que irei fornecer do que propriamente nas explicações. Eu havia
97
percebido esse comportamento nas primeiras práticas de ensino, porém nos demais
encontros tudo pareceu correr normalmente, exceto por esta aula, em que notei uma
grande dispersão do grupo durante as leituras de imagens.
A professora Lucila já havia me dito que esta turma aprecia somente as práticas
em sala de aula, mesmo com esse fato, mantive firme o meu propósito de aplicar a aula
expositiva, não queria de forma alguma aplicar a pratica simplesmente para cumprir
meu planejado. Insisti nas reflexões sobre as imagens apresentadas, fiz algumas
perguntas ao grupo, tais como: Cite o elemento mais importante que você identificou
nas imagens de arte contemporânea. Observe os trabalhos que você produziu e diga se
existe algum desses elementos em suas produções. Os alunos manifestaram empolgação
em poder comparar seus trabalhos com os do artista, identificaram semelhanças de cores
e tamanho, mas ao perguntar sobre as diferenças principais eles apresentaram certa
dificuldade. Percebi que este deveria ser um item mais trabalhado durante a aula
expositiva.
Partindo para a execução das atividades práticas, os alunos rapidamente se
interessaram pelo material que disponibilizei, eles rapidamente começaram a dar forma
à massa, conversavam ente eles sobre as quantidades e peso que cada um tinha nas
mãos. Enfatizando o tema das esculturas, paixões, emoções e sentimentos que
Leonilson emprega em suas obras, tentei propor a tarefa sem deixar nenhuma imagem à
mostra, minha intenção com isso era evitar a produção de cópias, fato que ocorreu com
certa freqüência nos últimos encontros. Inicialmente consegui evitar as cópias, e
consegui ainda uma aproximação maior com os alunos, uma vez que sem imagens eles
me solicitaram praticamente durante toda a aula. pediam opinião e sugestões sobre as
esculturas, segui dizendo que o mais importante era produzir um trabalho que
contivesse suas marcas e características, e que deixasse à mostra os sentimentos que
estavam experimentando.
Um dialogo discreto se estabeleceu entre dois alunos, não quis interromper, pois
queria prestar atenção em suas idéias, eles combinaram entre si que fariam suas próprias
figuras, achei interessante essa troca, pois em momento nenhum eu disse que o trabalho
poderia ser realizado em duplas, porém essa iniciativa me deixou bastante satisfeita, os
resultados foram muito interessantes, a figura humana da próxima imagem, apesar de
não ser uma cópia, apresenta grande semelhança com os rostos desenhados por
Leonilson. E a aluna Carolina, que sempre expressa seu lado romântico através do
excesso de corações em suas produções, deixou essa característica mais uma vez a
98
mostra, considero que ela é uma das alunas que mais chegou perto da proposta da aula,
ela produz os trabalhos solicitados, mas sempre coloca um toque muito particular, e
quem a conhece, rapidamente identifica seu trabalho. Já o trabalho do aluno Giovani é
um exemplo de produção que revela seu gosto por cavalos, não evidenciando nenhum
traço da Obra de Leonilson.
Escultura feita pelo aluno Thales
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
99
Trabalho produzido pela aluna Carolina
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho do aluno Giovani
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Avaliando as produções da turma, considero que avancei em relação às aulas
anteriores, pois me aproximei mais dos alunos na medida em que eles se sentiram à
vontade em colocar sentimentos em suas obras.
Todo processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais, fatores de
elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, repetimos, em
nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não
existe. Vale dizer então que a criação exige do individuo criador que atue.
100
Atue primeiro e produza. Depois o trabalho poderá ser avaliado com critérios
e interpretações. (OSTROWER, PG. 71, 2012)
101
3.3.9 Sexto Encontro
Aula(s) 11 e 12
Data da aula: 29/05/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
Esculturas contemporâneas
Conteúdos:
Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas;
Materiais não artísticos utilizados nas esculturas contemporâneas;
Comparativo entre as esculturas de Leonilson e de dois escultores brasileiros
contemporâneos;
Lista de Atividades:
Leitura de imagens de esculturas contemporâneas brasileiras;
Produção de esculturas que contemplem pelo menos uma característica contemporânea;
Objetivos:
Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas;
Motivar os alunos a identificar características contemporâneas nas esculturas de
diferentes artistas brasileiros;
Incentivar os alunos a produzir esculturas que contenham algum elemento presente nas
imagens observadas;
Metodologia:
Aula expositiva e dialogada;
Leitura de imagens;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Imagens em Power point;
Imagens de processos criativos de esculturas;
Argila.
Avaliação:
Demonstração de interesse durante a leitura de imagens;
Participação nas discussões propostas durante o debate;
102
Participação na elaboração de questionamentos referentes ao tema;
Conclusão da atividade prática proposta em aula.
PLANEJADO:
A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas dos artistas Leonilson.
Em comparação com suas obras serão analisadas as produções de outros dois escultores
brasileiros que produziram obras contemporâneas: Francisco Stokinger e Vasco Prado.
Serão propostos alguns questionamentos tais como: Que elementos existentes nas obras
desses três artistas você identifica com mais facilidade? Quais as semelhanças e
principais diferenças que você identifica entre as obras desses artistas? Com base nos
estudos acerca do processo artístico, defina como você acredita que funciona o processo
criativo desses dois novos artistas apresentados. Você observa alguma característica
nessas obras que poderia ser oposta às características de uma obra contemporânea? O
objetivo primeiro dessa aula é motivar os alunos a identificar semelhanças e diferenças
entre esculturas de diferentes artistas. O planejamento que envolve a Obra de Leonilson
necessitou entrar pelo caminho da escultura, em função do planejamento de ensino da
escola. Essa pode ser uma boa oportunidade para trabalhar características presentes na
Obra de Leonilson, e que também constam na Obra outros escultores brasileiros. Os
alunos já realizaram diversos tipos de leituras de imagem, e podem ser levados a
identificar muitos elementos de forma comparativa entre as obras.
Espera-se que os alunos não percam de vista às produções com base nos valores
sentimentais, utilizados por Leonilson, porém agreguem a esses valores outras
características do processo artístico desses escultores. O material oferecido aos alunos
para a produção de suas obras é argila, pretende-se com isso proporcionar uma
variedade de materiais para as produções dos alunos, de modo que se torne possível
trabalhar esculturas com uma maior diversidade de matéria prima.
Dentre as imagens apresentadas destacam-se:
103
Espadinha. Escadinha. Sagrado Coração: 1991.
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
O material utilizado para a produção dessas obras, bronze fundido, também aparece
nas obras de Vasco Prado e Xico Stokinger. Esses dois artistas possuem obras em barro
(material que será utilizado nesse plano de aula), e embora Leonilson não possua
produções nesse material, as características de seu trabalho poderão ser incorporadas
nas produções dos alunos.
Esculturas em mármore, aço e ferro de Xico Stokinger
Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/
Espera-se que os alunos identifiquem as similaridades entre essas obras, tais
como origem dos materiais utilizados. Alguns questionamentos serão propostos: você
identifica alguma relação entre os artistas, e se existem, quais são elas? As obras de
Leonilson apresentam características de seu processo, marcado pelo sentimento e pelas
paixões que fizeram parte de sua vida. Você acredita que as obras dos demais artistas
também possuem essa qualidade? Que qualidades ou elementos estão presentes nas
obras de Stokinger e de Vasco Prado? Esses elementos também constam nas obras de
Leonilson? Você conseguiria apresentar essas qualidades em seu trabalho de aula?
104
REALIZADO
Encontrei-me com a professora de artes no saguão da escola por volta das
7h30min, conversamos um pouco a respeito das atividades planejadas para o dia e
seguimos ao encontro da turma. Os alunos já nos aguardavam no pátio interno da
escola. Em ordem, seguimos para a sala de artes visuais e, como de costume, realizamos
nossa oração matinal.
A professora Lucila me entregou sua turma para que eu desse inicio à aplicação
do meu plano de ensino. Iniciei dizendo à turma que esse seria meu penúltimo encontro
com eles. Um aluno me perguntou se eu iria trabalhar na escola, e eu lhe respondi que
não, pois eu já trabalho eu outro local e não teria tempo de me dedicar à escola.
Perguntei aos alunos se haviam gostado das aulas, ou se queriam fazer alguma
reclamação a respeito do meu desempenho como professora. Três meninos, o Pedro, o
Thiago e o Gustavo, sorriram e disseram que haviam gostado de tudo, menos de
desenhar. Os outros alunos não demonstraram nenhuma insatisfação, apenas
concordaram com os colegas. Já o aluno Giovani não quis responder a minha pergunta.
Normalmente ele não me cumprimenta e tampouco fala comigo, apenas me encara
seriamente. Não saberia dizer ao certo o porquê dessa aparente antipatia porém acredito
que eu não tenha conseguido me aproximar dele da mesma forma que consegui me
aproximar dos outros alunos. Observei que durante todas as atividades ele se dirige à
Lucila, seja para esclarecer suas dúvidas, seja para mostrar seus trabalhos realizados.
Como observo seu comportamento com os colegas e com os outros professores, percebo
que essa resistência pode ter acontecido também tem função do meu fraco desempenho
com a língua de sinais.
Escolhi aplicar meu estágio nessa escola por conta de um vínculo afetivo, porém
não avaliei que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas para um convívio
familiar esporádico, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais fossem
suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui percebendo que
esse conhecimento deveria ser aprofundado. Era necessário possuir um vocabulário
amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e muitas vezes
não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse caso, era
preciso utilizar o alfabeto em libras, fato que demandava mais tempo durante a aula,
além de não ser totalmente suficiente, pois os alunos são capazes de identificar a palavra
construída em LIBRAS, mas muitas vezes não possuem seu significado concreto. Foi
preciso identificar até que ponto os alunos conheciam os significados das palavras
105
utilizadas em artes, e a partir daí tentar construir os significados conjuntamente. Embora
esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, venho tentando
compensar as resumidas explicações que faço em aula através de uma elaborada
proposta de prática artística.
Mostrei algumas imagens de esculturas do artista Leonilson e dos artistas Vasco
Prado e Xico Stokinger. Como os alunos já estão trabalhando com a Obra de Leonilson
desde as primeiras práticas de ensino, perguntei a eles se conheciam os outros dois
artistas. Apenas um aluno respondeu que já tinha visto os cavalos de Vasco Prado.
Insisti na pergunta, mas novamente os alunos não se manifestaram. Perguntei à
professora sobre suas experiências com esses artistas. Ela disse que os conhecia, e fez
uma breve e rápida explicação ao grupo dizendo que os artistas fizeram importantes
trabalhos aqui no Rio Grande do Sul.
Mostrei algumas imagens dos três artistas e perguntei se haviam semelhanças
entre eles, além do fato de serem brasileiros. Um aluno respondeu perguntando se eles
produziam os trabalhos da mesma forma? Respondi que alguns trabalhos possuíam
semelhanças com relação à técnica e materiais. Perguntei aos alunos se havia
semelhança com relação ao tema e ao processo utilizado pelos artistas. Novamente não
obtive resposta, nesse momento a professora Lucila chamou a atenção da turma a meu
favor e disse que eles deveriam pensar e responder, uma vez que anteriormente ela já
havia trabalhado esculturas brasileiras com essa turma. Um aluno respondeu dizendo
que as cores utilizadas pelos artistas eram parecidas, porém ele estava se referindo à cor
do bronze, material que foi utilizado pelos três artistas.
As discussões não se estenderam por muito tempo, achei melhor então dar inicio
às atividades práticas. Forramos a grande mesa com jornais, pois hoje iríamos trabalhar
com argila, material já conhecido dos alunos, pois a professora Lucila já havia trabalho
esculturas com esse material. Como a escola não possui forno para queima do barro,
expliquei aos alunos que as esculturas deveriam ser produzidas e colocadas em local
seguro, uma vez que sem a queima ficariam mais suscetíveis a rachaduras.
Distribui pequenos blocos de argila a cada um dos alunos, nesse momento a
professora Lucila me aconselhou a esperar para distribuir a água, pois a modelagem e
alisamento da argila deveria ser realizada ao final do trabalho. Por diversas vezes
durante as práticas eu acabei ficando ansiosa e aplicando as etapas do trabalho de uma
só vez, acredito que a professora tenha observado esse meu comportamento ao pedir que
eu não desse todas as orientações de uma só vez.
106
Como eu havia previsto no planejamento de ensino, pedi aos alunos que
produzissem esculturas a partir de elementos que eles haviam observado nas imagens,
como formas, gêneros e temas. Insisti com os alunos que seus trabalhos não deviam ser
cópias das produções dos artistas, mas que pudessem ser relacionados com suas obras
apenas por pequenas semelhanças.
Os alunos passaram a amassar a argila, que possuía alguns grãos e pequenas
pedrinhas, alguns alunos retiraram essas impurezas e me entregaram, outros não se
importaram com o fato da argila não ser pura e deram continuidade ao trabalho. Percebi
que alguns alunos estavam com dificuldade para começar a atividade, enquanto dois
alunos partiram para a produção, pois já sabiam que trabalho queriam executar. Outros
dois alunos pegaram os blocos de argila e, sem que eu percebesse, construíram dados,
apenas observei o que estava acontecendo quando escutei risos altos, pois os dois alunos
estavam brincando de atirar os dados. Na verdade não deixei de achar engraçado a
finalidade que deram aos blocos de argila, porém tive de interrompe-los e pedir que
começassem seus trabalhos.
Como eu estava um pouco tensa com a aplicação da aula, enquanto observava os
alunos eu peguei uma pequena quantidade de argila e comecei a modelar, percebi que
essa atitude, apesar de não planejada, ajudou os alunos na produção de suas próprias
esculturas, pois nos momentos em que solicitaram minha ajuda, pude mostrar-lhes como
modelar através do meu trabalho, não precisando interferir diretamente em suas
produções.
Os alunos modelaram com entusiasmo, porém reclamaram que o barro de
quebrava com facilidade. Quando as esculturas dos alunos já estavam bem adiantadas,
resolvi então distribuir pequenos potes com água para auxiliar na modelagem. Mostrei-
lhes como poderiam moldar as regiões quebradiças e como o trabalho ficava mais
bonito após ser alisado com água.
Mesmo após insistir que os trabalhos deveriam ser produzidos apenas com elementos
das obras estudadas, alguns alunos ainda assim produziram esculturas muito
semelhantes às obras dos artistas.
107
Pedro, produzindo seu trabalho.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho produzido pelo aluno Pedro, segundo ele, inspirado nos cavalos de Vasco Prado.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Um dos alunos dessa turma, considerado pela Lucila e pelos colegas como: o
artista da sala, sempre produz seus trabalhos com rapidez e grande habilidade. Seus
108
trabalhos sempre apresentam características muito semelhantes com as imagens
mostradas em aula. Ele produziu uma obra inspirado no “Inflexível” de Leonilson, mas
deixou a mostra características estereotipadas.
Trabalho produzido pelo aluno Mozart.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Ao utilizar imagens de dois escultores brasileiros, como forma de comparar as
obras do artista Leonilson, minha intenção era incentivar os alunos a observar e
identificar semelhanças e diferenças entre os artistas, bem como identificar traços da
obra de cada um. Esses traços, ou marcas dos artistas, deveriam ser selecionados pelos
alunos e incorporados às suas produções. Novamente faço uma avaliação a respeito do
meu desempenho, e percebo que pela grande quantidade de alunos que optou por
representar os cavalos de Vasco Prado, minhas explicações podem não ter esclarecido
completamente o objetivo da aula para todos os alunos. Apenas um aluno realizou seu
trabalho com base em uma característica da obra de Leonilson, o que confirma minha
auto-avaliação. Novamente considero que esse fato ocorreu por conta da barreira
existente na comunicação que tenho com a turma.
Analisando não apenas essa aula, mas todas aquelas que apliquei até agora,
percebo que o rendimento do meu plano de ensino teria sido muito diferente, caso eu
dominasse completamente a língua de sinais. Apesar de algumas limitações, que até
mesmo um hábil intérprete de línguas enfrentaria, como a questão dos significados
concretos das palavras, se meu domínio sobre a LIBRAS fosse completo, eu teria tido
109
mais chance de conseguir explicar de forma mais consistente as questões artísticas
contemporâneas. Fato que certamente teria sido evidenciado nas produções artísticas
dos alunos, não na forma de cópia, mas representando de forma mais clara os objetivos
propostos pelo plano de ensino.
Esse contato mais aprofundado que pude experimentar com uma comunidade
surda me fez valorizar ainda mais a cultura surda. Esses alunos, mesmo sem falar
dialogar comigo, têm me ensinado a olhar a vida de outras maneiras. O silencio muitas
vezes nos obriga a desenvolver outras percepções, e a valorizar outras formas de
interagir com os seres humanos.
Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos
sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não
consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o
mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64).
110
3.3.10 Sétimo Encontro
Aula(s) 13 e 14
Data da aula: 05/06/2013
Horário: 7h40min à 9h20min
Tema da Aula:
Encerramento de estágio;
Processo escultórico na contemporaneidade.
Conteúdos:
Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas;
Materiais utilitários utilizados para produção de esculturas contemporâneas;
Diferenças entre modelagem e escultura;
Lista de Atividades:
Discussão e avaliação de todas as aulas aplicadas durante o estágio;
Produção de esculturas em sabão;
Objetivos:
Avaliação, discussão e retomada das aulas anteriores com o grupo;
Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas;
Desenvolver um trabalho a partir do desgaste e remoção de partes de um bloco maciço;
Incentivar os alunos a produzir esculturas a partir de um bloco de sabão;
Metodologia:
Aula expositiva e dialogada;
Leitura de imagens;
Prática artística.
Materiais e recursos a serem utilizados:
Imagens em Power point;
Imagens de processos criativos de esculturas;
Placas de sabão macio, palitos de churrasco, facas de plástico sem ponta.
Avaliação:
O aluno conseguiu manusear o sabão com base nas orientações;
O resultado final se assemelha com o esboço feito no papel;
O aluno se empenhou para conseguir um bom acabamento;
111
Conclusão da atividade prática proposta em aula.
PLANEJADO
A aula terá inicio com a leitura de algumas das diversas imagens vistas durante
as últimas seis aulas. Será perguntado aos alunos sobre suas experiências durante essas
aulas. O que mais lhes chamou a atenção no estudo dos processos criativos? Como eles
enxergam hoje a arte contemporânea, em comparação com a idéia que possuíam antes
dessas aulas? De que modo as obras do artista Leonilson tocaram cada uma deles.
O que eles podem dizer sobre o valor sentimental das obras, tema muito
trabalhado durante as aulas. Espera-se que os alunos apontem e descrevam as
experiências que mais lhes chamaram a atenção durante esse plano de ensino. Essa
conversa inicial é importante para dar encerramento ao estágio, para avaliar as
experiências que cada aluno viveu durante esse período, e principalmente para serem
avaliadas as falhas e lacunas existentes durante o planejamento e avaliação das aulas.
Após essa discussão, será aplicada a última prática de ensino, na qual os alunos irão
esculpir em blocos de sabão de côco.
A escolha desse material foi feita por conta de sua funcionalidade, enfatizando a
característica da arte contemporânea de utilizar materiais não artísticos em suas
produções. Antes de iniciar a atividade prática, será feita uma breve retomada dos
desenhos e esculturas realizadas nas aulas anteriores. Isso porque as práticas dessas
aulas, além dos desenhos, trabalharam com modelagem, realizadas em papel machê;
massa de amido de milho com cola, e argila.
A prática dessa aula não inclui a modelagem trabalhada anteriormente, mas trata-se da
produção de esculturas a partir da remoção de partes de um bloco maciço. A partir da
leitura de imagens dos próprios trabalhos realizados pelos alunos, e também da
observação e análise dos trabalhos prontos, que estão à mostra no corredor em frente à
sala de artes, será iniciada a prática em que eles deverão produzir esculturas com base
nos elementos contemporâneos trabalhados até o momento. Espera-se que os alunos não
realizem cópias de obras dos artistas, fato que foi recorrente ao longo das práticas.
Novamente será enfatizado o valor emocional que deve estar presente nas produções
artísticas, dessa forma, espera-se realizar um encerramento do estágio com uma nova
prática que contemple os aspectos trabalhados durante todo o planejamento de ensino e
aprendizagem.
112
REALIZADO
Estava a caminho da escola quando recebi uma mensagem da professora Lucila.
Ela dizia que iria se atrasar e pediu que eu encontrasse os alunos e os levasse para a sala
de artes. Cheguei à escola e fui direto à secretaria solicitar a chave da sala explicando a
situação. No pátio interno da escola, os alunos já aguardavam a chegada da professora.
Quando me viram, perguntaram pela Lucila, disse a eles que ela estava muito gripada e
por conta disso iria se atrasar. Então pedi que eles me acompanhassem até a sala, pois
começaríamos nossa pratica sem a presença dela.
Ao abrir a sala, os alunos se posicionaram em seus lugares, eu já estava prestes a
começar a aula quando um menino disse que deveríamos orar. Eu havia esquecido a
oração matinal, então pedi que cada um deles fizesse sua pequena oração, do mesmo
modo como a professora sempre os conduzia. Encerrada a oração, comecei a preparar o
projetor para a apresentação das imagens. Nesse momento, a diretora da escola entrou
na sala, ela queria conversar comigo a respeito do estagio que estava se encerrando,
combinamos então que, ao final da aula, eu passaria em sua sala para tratarmos do
assunto.
Momentos antes de dar inicio à leitura de imagens, a professora Lucila chegou.
Resolvemos então ir até o corredor com a turma para olhar os trabalhos produzidos nas
aulas anteriores, e assim, iniciarmos uma análise sobre tudo que havia sido produzido
até o momento. Pedi aos alunos que dissessem o que mais eles haviam achado
importante aprender sobre arte contemporânea. Um menino respondeu que gostou de
saber que o artista trabalha com o coração. Eu já havia percebido que essa era a
característica de Leonilson que a turma mais apreciou, pois em outras oportunidades
eles mencionaram esse fato. Outro menino disse que gostou muito de modelar a massa
feita à base de cola, e outro menino, que durante as praticas sempre reclamou da
dificuldade enfrentada em modelar os trabalhos, disse que achou difícil mas gostou de
tudo mesmo assim. Essa análise era importante, além da leitura das imagens, pois nosso
último encontro deveria contemplar todas as produções realizadas por eles, além dos
diferentes tipos de processos artísticos, e também levar a reflexões sobre os valores
sentimentais presentes nas produções artísticas, fato que foi muito explorado durante
todo o planejamento de ensino.
Voltamos para a sala de aula para começar o trabalho prático. Mostrei aos alunos
algumas imagens das aulas anteriores e expliquei que nossa aula seria em função do
processo escultórico na arte contemporânea. Interrompi brevemente as explicações e
113
distribuí a cada aluno uma barrinha de sabão de côco. Muitos acharam engraçado,
alguns disseram que conheciam e que iriam usar para lavar as mãos. Perguntei se eles
lembravam de uma aula anterior em que expliquei o uso de materiais, a princípio não
artísticos em arte, e apenas um menino disse que lembrava. Retomei o assunto dizendo
que a arte contemporânea nos permitia usar qualquer tipo de material, disse a eles que
hoje iríamos esculpir um trabalho em sabão, mas que o mesmo sabão poderia ser
utilizado em outro contexto e sem intervenções e, ainda assim, ganhar o valor de arte.
Distribuí aos alunos os palitos e facas de plástico para que o trabalho pudesse ser
iniciado. Peguei uma barra de sabão, juntamente com o palito, e demonstrei ao grupo
como o trabalho poderia ser iniciado, mostrei-lhes como o sabão era macio e como
deveriam ter calma e cuidado na hora de esculpi-lo. O grupo começou a produzir seus
trabalhos de forma bastante entusiasmada, e durante toda a prática eu fui bastante
solicitada para o esclarecimento de dúvidas como tamanho, quantidade de sabão que
deveria ser retirada, profundidade dos traços. Uma dúvida que foi comum a vários
alunos foi com relação à base das esculturas. Mostrei-lhes que a escultura deveria ficar
em pé e que para isso sua base deveria estar lisa e reta. Superadas algumas dificuldades,
toda a turma produziu trabalhos bem elaborados, embora as cópias dos trabalhos dos
artistas estudados ainda aparecessem em suas produções. A aluna Carolina, que
freqüentemente realizava cópias dos trabalhos de Leonilson, produziu um rosto que,
segundo ela, estava torto. Ela queria abandonar a produção e iniciar uma nova, pois ela
afirmou que não havia meio de “consertar” seu trabalho. Eu expliquei a ela que não
havia nada de errado com sua escultura, disse que o modo como ela via um rosto e a
forma como ela o representou eram características que marcavam seu trabalho, de modo
que eu não iria avaliar se seu trabalho estava torto ou reto, certo ou errado. Mas que eu
iria valorizar seu processo de criação, bem como sua evolução e atuação durante a
produção de seus trabalhos desde as aulas iniciais Percebi uma evolução da produção
dessa aluna, em comparação com seus trabalhos realizados nas aulas anteriores, que
sempre apresentavam formas estereotipadas ou simplesmente cópias das obras de
Leonilson.
Todo o processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais,
fatores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois,
repetimos, em nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como
obra, ainda não existe. Vale dizer, então, que a criação exige do individuo
criador que atue. Atue primeiro e produza. Depois, o trabalho poderá ser
avaliado com critérios e interpretações. (OSTROWER, PG 71, 2012).
114
Trabalho da aluna Carolina.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Trabalho realizado pela aluna Thalia.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
115
Trabalho do aluno Giovani.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
Turma 712 produzindo esculturas.
Fonte: Danielle Schütz, 2013.
116
Faltando alguns minutos para o término do segundo período, os alunos
concluíram as esculturas, que foram colocadas juntamente com os demais trabalhos
produzidos nas últimas seis aulas. Realizamos a limpeza da sala e nos reunimos
novamente, pois eu havia planejado uma pequena conversa com o grupo, como forma
de nos despedirmos. Primeiramente agradeci a professora Lucila por ter me dado a
oportunidade de trabalhar com sua turma, em todos os momentos ela esteve ao meu
lado, sempre me auxiliando para manter a ordem da turma e me ajudando com relação à
comunicação com o grupo. Apesar da Lucila também ser surda, sempre tive mais
facilidade em me comunicar com ela. Agradeci a cada um dos alunos que me aceitaram
e, com boa vontade e disposição, realizaram as atividades que propus. Um menino me
perguntou por que eu não iria mais. Disse a ele que meu estágio havia sido concluído. A
professora Lucila novamente explicou que eu iria me formar em artes visuais na
ULBRA, assim como ela. Para encerrar, perguntei aos alunos se eles haviam gostado de
aprender sobre arte contemporânea, sobre o artista Leonilson, e sobre os demais artistas
que foram trabalhados de forma comparativa com Leonilson. Toda a turma afirmou que
havia gostado das aulas. Perguntei qual técnica artística eles haviam gostado mais. Três
alunos disseram que gostaram de modelar a massa à base de cola, os demais afirmaram
que a escultura em sabão havia sido a melhor aula. Perguntei se a partir desses nossos
estudos eles iriam refletir a respeito das obras contemporâneas, dos processos artísticos
e dos valores sentimentais que as obras muitas vezes carregam. Todos responderam
afirmativamente. Como não havia mais tempo, os alunos me abraçaram e se
despediram. Uma aluna disse que eu deveria visitá-los e outra aluna perguntou quando
iríamos novamente ao museu. Respondi que certamente iríamos nos ver novamente e
realizar outras atividades em artes visuais.
Quando planejei aplicar minhas aulas na escola, acreditei que enfrentaria alguns
desafios, e sabia que não poderia prever todas as situações que apareceriam em meu
caminho. Ao final do estágio obrigatório, avalio meu desempenho durante todo esse
processo, fico muito feliz de estar concluindo essa etapa, porém fazendo uma auto-
avaliação, percebo que meu desempenho não foi satisfatório da forma como eu gostaria.
Não avaliei com precisão que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas
para um convívio familiar, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais
fossem suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui
percebendo que esse conhecimento deveria ir além, era necessário possuir um
vocabulário amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e
117
muitas vezes não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse
caso, precisei utilizar o alfabeto em libras, fato que demanda mais tempo durante a aula.
Embora esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, tentei
compensar as resumidas explicações que fiz em aula através de uma boa proposta de
prática artística. No inicio do estágio, optei por não ter a presença de intérprete durante
as práticas, minha intenção era estreitar minha relação com a turma. Se por um lado
percebo que esse contato ocorreu de forma mais próxima, por outro lado reconheço que
meu desempenho não foi plenamente satisfatório.
Embora eu saiba que o estágio obrigatório possui a função de nos avaliarmos
enquanto futuros professores, gostaria de ter tido um rendimento melhor com a turma,
me senti frustrada com relação ao meu desempenho com a língua de sinais, e percebi o
quanto eu ainda preciso aprender, mas também percebi que fiz uma excelente escolha.
Aprendi muito com essa turma, e gostaria de aprender muito mais. A frustração que
senti por não ter uma excelente habilidade com a LIBRAS, divide lugar com meu desejo
de continuar me dedicando ao ensino de artes para alunos surdos. Sinto certo pesar por
acreditar que a turma possa ter sido pouco beneficiada com minhas práticas de ensino,
porém, sem essa experiência eu jamais poderia ter avaliado o quanto o ensino e
aprendizagem de alunos surdos são significativos.
Analisando as aulas de um modo geral, conseguimos concluir todas as atividades
propostas, utilizei temas como a visita que realizamos no Museu, bem como o trabalho
de alguns artistas brasileiros. Embora o planejamento da escola estivesse prevendo
como conteúdo as esculturas, tive de aplicar algumas praticas de desenho antes de
iniciar a produção dessas esculturas. Eu precisava conhecer os alunos através dos
desenhos, e precisava saber como eles trabalhariam a transição do bi para o
tridimensional.
Com relação aos alunos, todos foram extremamente simpáticos e bem dispostos
durante as aulas, pude contar com a cooperação e boa vontade de todos eles, realizando
todas as tarefas propostas de forma organizada e com disciplina.
118
CONCLUSÃO
Ao realizar uma análise pormenorizada da minha experiência em estágio II,
inicio esse capítulo desenvolvendo uma auto-avaliação do meu desempenho enquanto
futura docente em artes visuais. Quando optei pela realização do estágio curricular em
uma escola especial para surdos, não avaliei inteiramente a proporção do desafio que eu
iria experimentar. Acreditei que os poucos cursos em língua de sinais que eu havia feito
até então, bem como a relação que tenho com a minha afilhada, que é surda, seriam
capazes de me dar o suporte necessário para enfrentar uma turma de ensino
fundamental.
Antes mesmo de iniciar as observações silenciosas em estágio I, eu já possuía
uma relação com a escola, pois minha afilhada realizou todo seu ensino fundamental
nessa Instituição, de modo que muitas vezes eu participei de atividades como festinhas
de final de ano e apresentações teatrais dos alunos, sem nenhum tipo de problema com a
comunicação.
Quando iniciei as observações silenciosas em estágio I, não enfrentei maiores
dificuldades em descrever os fatos ocorridos em sala de aula. A professora titular da
turma, que é surda, sempre foi muito solidária comigo. Durante essa prática silenciosa
ela sempre se dirigia a mim com a intenção de me aproximar dos alunos, e de me situar
do porquê das atividades que ela estava desenvolvendo com o grupo. Por diversas
vezes, enquanto os alunos executavam suas tarefas, a professora Lucila conversou
comigo a respeito do ensino de artes para surdos. Muitas das informações que ela me
passou foram utilizadas na formulação das minhas práticas de ensino. Segundo a
professora, os alunos não apreciavam aulas teóricas, e tinham maior interesse em
trabalhos tridimensionais.
Concluído o estágio I, com as observações e questionários aplicados, senti-me
segura para começar a prática de ensino, procurei levar em consideração o perfil da
turma, para que meu trabalho fosse aceito por todos. O fato de ter sido necessário
realizar novas observações no inicio do estágio II - por conta da troca de turma em que
eu iria atuar, pois em estágio I eu observei uma turma de 8ª série – ajudou-me a
complementar as observações até então realizadas.
119
Iniciando o Estágio II
Tive de realizar novas observações na turma 712, pois em estágio I esse mesmo
trabalho havia sido feito na turma 810. Inicialmente realizei duas observações
silenciosas, em que os alunos produziam esculturas de figuras humanas em papel
machê. A terceira observação silenciosa foi realizada na Fundação Iberê Camargo.
Como tenho o hábito de participar dos cursos de formação para professores que a
Instituição oferece, conversei com a diretora da Escola sobre a possibilidade de levar os
alunos à exposição do artista William Kentridge, uma vez que o Museu disponibilizaria
ônibus, mediador e intérprete de libras durante a visita. Como a escola é particular a
Fundação não iria disponibilizar o ônibus para o transporte dos alunos, mas tendo em
vista que a grande maioria desses alunos possui bolsa por serem de baixa renda,
consegui argumentar esse fato junto ao setor educativo da Fundação que abriu uma
exceção. Minha proposta foi bem aceita pela escola, e não apenas minha turma
participou do evento, como outras turmas também se uniram ao nosso grupo.
Minha intenção ao agendar essa visita à Fundação não era apenas a de observar
o grupo fora do ambiente escolar. Como eu já havia investigado, a escola dificilmente
realizava saídas de campo especificas para as artes, quase a totalidade dos alunos nunca
havia visitado um Museu, e tampouco conhecia a Fundação Iberê Camargo. Até mesmo
as professoras de artes nunca haviam visitado o local. Oferecer aos alunos essa vivência
em artes foi extremamente satisfatório. Durante todo o evento eles se mantiveram
atentos às explicações do intérprete, fizeram muitos questionamentos a respeito do
trabalho do artista, sobre os materiais utilizados e sobre o tema das obras. Uma aluna,
que não aceitou que determinadas obras pudessem ser classificadas como arte, abriu
uma discussão com o mediador, que tentou convencê-la sobre as características e
particularidades da arte contemporânea, mostrando-lhe que arte não precisa
necessariamente estar ligada aos materiais artísticos. Essa discussão, embora a aluna
tenha mostrado que não aceitou determinadas obras como arte, pode ter sido muito
importante no processo de construção de significados, uma vez que na arte
contemporânea o expectador atua de forma significativa na produção de sentidos. Ao
término da visita, a alegria e a satisfação estavam estampadas no olhar de cada um
deles, que tiveram não apenas a oportunidade de aprender sobre a vida e Obra de um
artista contemporâneo, mas puderam experimentar a rotina de um Museu, o trabalho do
mediador e principalmente, segundo a diretora, ter contato com um intérprete
120
desconhecido, fato que lhes ajudaria a enxergar outras pessoas, que não às de seu
convívio, utilizando a língua de sinais. A grande habilidade e rapidez do intérprete
provocaram em mim certa preocupação, pois passei a criar uma consciência de que não
possuía tamanha prática para lidar com os sinais de forma tão precisa. Finalizada a
última observação silenciosa, minha prática de ensino estava pronta para ser aplicada.
Atuando como docente em Artes Visuais
Conforme havíamos combinado inicialmente, a professora titular da turma iria
acompanhar todas as aulas do meu estágio. Ao mesmo tempo em que esse fato me
causou certa ansiedade, pois havia a preocupação com relação ao meu desempenho
diante dela, senti-me aliviada em poder contar com sua ajuda, pois eu sabia bem o
quanto essa turma era indisciplinada e, principalmente, o quanto ela poderia me auxiliar
durante minha comunicação com os alunos. Uma vez dentro da sala de artes da escola, a
professora me entregou sua turma e passou a observar os fatos.
Apesar do meu visível nervosismo, consegui dar inicio às atividades planejadas,
expliquei aos alunos sobre meu interesse em trabalhar com eles, sobre minha vontade de
aprender sobre o universo dos surdos, e sobre minhas limitações com a língua de sinais.
Pedi ao grupo que se comunicasse comigo sem pressa, pois só assim eu seria capaz de
compreendê-los com clareza. Procurei conversar com os alunos a respeito da
experiência vivida no Museu, e tentei saber de cada um deles sobre suas opiniões a
respeito do trabalho do artista.
Na medida em que a aula se desenvolvia, minha ansiedade aumentava, eu havia
planejado uma longa discussão a respeito da arte contemporânea e sobre processos
artísticos, e esperava que os alunos me dessem retorno a respeito desses debates. Muitas
das questões que propus ao grupo ficaram sem resposta, não consegui estabelecer um
diálogo claro com eles, que mesmo assim, continuavam se mostrando receptivos a
minha proposta.
Esse estado de ansiedade fez parte da minha vida durante todo o
desenvolvimento do meu estágio, não se tratava apenas de um estado alterado em
função de uma nova experiência, e sim da conscientização que aos poucos fui
adquirindo sobre a complexidade dessa atividade. E também em função de eu ser uma
pessoa ansiosa nas demais áreas da vida. Inicialmente acreditei que a barreira lingüística
seria facilmente superada por mim, então me vi dentro de uma escola especial, em que
121
todos os alunos eram surdos, inclusive a professora de artes, e percebi então que a maior
deficiência estava em mim. Não apenas minha incapacidade de articulação rápida com a
LIBRAS passou a ser deficiente, mas também meu planejamento de ensino, que não
previu a complexidade dos eventos, também se mostrou deficiente.
No primeiro encontro consegui discutir brevemente sobre as experiências dos
alunos durante a exposição, mostrei algumas imagens para complementar a aula e em
seguida comecei a aplicar a atividade prática. O plano de ensino da escola previa que a
7ª série teria de trabalhar esculturas de artistas brasileiros, assim, tive de adaptar meu
plano conforme suas exigências. Porém na primeira aula minha proposta previa a
execução de uma atividade bidimensional que contemplasse os aspectos da arte
contemporânea vivenciados na Fundação. A partir desses trabalhos bidimensionais, os
alunos passariam a executar esculturas nas aulas seguintes.
Em função da grande dificuldade que experimentei já na primeira prática, por
conta da minha pouca experiência com alunos surdos, e também por conta do
nervosismo, resolvi não tentar mais aprofundar as discussões sobre arte e antecipar a
produção artística. Essa minha conduta foi uma forma de amenizar o desespero pelo
qual eu estava passando. Acreditei que mantendo os alunos ocupados com a atividade
prática eu conseguiria voltar a ter calma e repensar os planejamentos das próximas
aulas.
Eu estava segura do tema que havia escolhido, pois ao observar novamente os
alunos e estudar as respostas de seus questionários, avaliei a importância de trocar o
tema da minha pesquisa e trabalhar com eles os diversos aspectos da arte
contemporânea, tema muito pouco explorado pela escola. Eu estava feliz por ter tido a
chance de iniciar meu estágio com uma saída de campo, estava confiante da minha
escolha pela Escola de Surdos, porém nesse momento eu não levei em consideração os
fatores positivos, deixei-me contagiar pela preocupação de não possuir muita prática
com a língua de sinais. A vaidade foi uma grande inimiga, pois já no primeiro encontro,
a aula não se desenvolveu da maneira como eu havia previsto. Eu tinha a falsa idéia de
que meu estágio seria motivo de orgulho e que eu conseguiria proporcionar experiências
enriquecedoras aos alunos, colocando-os em contato com a arte contemporânea e
ampliando suas visões de mundo. O que experimentei foi uma enorme frustração e até
vergonha por não ter aprofundado as discussões a respeito da arte contemporânea de
forma plenamente satisfatória. Hoje, reconheço ser absolutamente normal o
desenvolvimento da aula se dar de forma diversa ao planejado pelo professor, e vejo que
122
além do domínio de conteúdo, e nesse caso em especial, o domínio da língua, o
professor enfrenta ainda o grande desafio de se articular diante de uma realidade
inesperada. Hoje percebo que tirei pouco proveito dos momentos que vivi com eles,
pois estava muito focada no meu desempenho, de modo que valorizei pouco a troca de
experiências que tivemos. Livre da ansiedade, consigo enxergar a riqueza dessa
experiência, consigo enxergar a produção artística da turma como um resultado bastante
positivo desse processo. Em um momento de grande tensão, cheguei a conversar com a
diretora da escola sobre a minha intenção de contratar um intérprete para me auxiliar
durante as aulas, porém a diretora não se mostrou favorável, e disse que esse
procedimento iria limitar meu convívio com os alunos, gerando um afastamento, de
modo que eu acabaria perdendo o contato direto com eles.
No decorrer da semana seguinte, após a primeira prática de ensino, senti muito
abatimento. Por conta do meu desempenho, eu acreditava que a aula teria de se
desenvolver com total equivalência aos planejados, como esse fato não estava
ocorrendo, tinha a certeza de que eu não daria conta de acrescentar algo na vida dos
alunos, cheguei a pensar em desistir do estágio, para no semestre seguinte procurar uma
escola de ouvintes. Era uma derrota pela qual eu não queria passar, mas não descartei a
possibilidade de assumir minha incapacidade de ensinar artes em LIBRAS.
LIBRAS e Artes Visuais
A experiência com educação para surdos, dentro das artes, colocou-me diante de
uma realidade que há muito necessita de mudanças: a falta de um dicionário específico
para os termos artísticos utilizados em sala de aula. Como eu poderia construir uma
idéia sem o conhecimento prévio de um sinal representativo? De que maneira eu
conseguiria construir um vocabulário a partir das experiências vividas em arte?
Durante esse processo pude avaliar a real carência de um vocabulário de artes
para LIBRAS, em especial sinais que dêem conta dos temas trabalhados em arte
contemporânea. A LIBRAS é uma língua viva, acredito que sua construção esteja
constantemente se desenvolvendo, e essa experiência endossou a necessidade de
estruturação de um sistema que supra essa carência. Consultando o site de busca
http://www.acessobrasil.org.br/libras/ fiquei surpresa ao ver que a palavra “arte” sequer
consta no dicionário de sinais. Com o auxilio da minha afilhada, que tem maior domínio
123
sobre as informações referentes à LIBRAS, realizamos outras pesquisas a respeito dos
sinais que eu precisaria utilizar.
O alfabeto de LIBRAS e alguns sinais que foram muito utilizados em aula
foram:
Alfabeto de LIBRAS
Figura 01
Escultura
Figura 02
124
Materiais de arte
Figura 03
Perceber (percepção)
Figura 04
125
Sentimento
Figura 05
As duas melhores formas que encontrei para preencher essa lacuna foram: a
utilização do alfabeto em LIBRAS (Figura 01), fato que demandava tempo, pois a cada
explicação eu tinha de construir as palavras, que muitas vezes não possuíam significado
para os alunos; e a adaptação de alguns sinais já existentes, como por exemplo, o sinal
representativo do verbo perceber (Figura 04). Essa pratica de ensino buscava colocar o
aluno em contato com a arte contemporânea através da percepção, dos sentimentos
(figura 05) e do uso de outros sentidos que não fosse apenas o visual.
Também encontrei apoio na experiência vivida por um colega que realizou seu
estágio antes do meu na mesma escola. Eu me considero beneficiada nesse particular,
pois pude contar com a ajuda alguém que enfrentou essa mesma dificuldade, e que,
apesar de não ter sanado o problema, contribuiu em muito para a construção de sinais
representativos dentro das artes.
Reconheço que inúmeras vezes nenhum desses recursos funcionaram comigo,
nessas horas a professora Lucila me socorria. Como ela estava entendendo minhas
intenções e minhas idéias, ela acabava explicando aos alunos parte do conteúdo que eu
estava tendo dificuldade de expressar através de sinais, de modo que ela acabava
mediando nossos diálogos. Em casos extremos, quando eu não encontrava sinais que
pudessem expressar minhas idéias, eu recorria ao uso da escrita no quadro negro, ou
126
tentava através da leitura de imagens, descrever os diversos conteúdos. Essa dificuldade
foi significativa quando comecei a trabalhar o conteúdo referente aos processos
artísticos, em que eu precisava descrever aos alunos as etapas pelas quais uma obra se
desenvolve.
Acredito também que a escolha do meu tema tenha dificultado muito a
aplicação do meu plano de ensino, pois trabalhar arte contemporânea envolve diversos
aspectos subjetivos, percepções individuais e vivências que, muitas vezes, sequer são
semelhantes entre os diferentes expectadores.
O desenvolvimento de todo meu estágio, da primeira à última prática de ensino,
foi acompanhado de muita tensão, não por parte dos alunos nem da professora, mas por
conta das cobranças que inevitavelmente eu me colocava. Consegui aplicar todas as
aulas, mas de forma diversa do que eu havia planejado.
O apoio dos alunos
Certo dia, conversando com a diretora da escola, comentei a respeito do meu
desempenho em sala de aula, e de como eu estava me sentindo impotente diante da
situação. Ela me contou sobre sua trajetória com a educação para surdos, e sobre todas
as dificuldades que ela havia enfrentado, inclusive com a língua de sinais, e me garantiu
que mesmo assim tudo tinha valido a pena.
Desde o inicio do estágio eu senti a boa receptividade dos alunos, os surdos de
um modo geral são muito afetivos, e dedicam especial atenção aos ouvintes que
demonstram interesse em aprender sua língua. Sempre fui recebida com abraços, com
assuntos sobre os fatos ocorridos durante a semana, e com a grande curiosidade a
respeito das nossas futuras práticas em sala de aula.
Essa boa vontade dos alunos para comigo ficou evidente já nas primeiras
observações. Como de costume, a professora iniciava a aula com uma oração matinal,
ela realizava sua oração e em seguida cada um dos alunos realizava a sua. Como eu
estava presente na sala, um aluno reclamou que eu não havia feito minha oração,
brinquei com ele dizendo que eu não precisava orar, pois estava só observando a turma,
mas ele foi muito firme ao afirmar que eu precisaria rezar. Nesse momento a turma toda
passou a me observar, os papéis se inverteram e eu não tive outra saída a não ser realizar
minha oração em língua de sinais.
127
A diretora comentou a respeito dessa receptividade, dizendo-me que se os alunos
não tivessem me aceitado como professora, jamais teriam executado os trabalhos
propostos. A grande quantidade e variedade de produções confirma esse fato, ao final
do último encontro, reunimos em exposição todos os trabalhos produzidos. Ao olhar
para os trabalhos concluídos, meu sentimento de frustração deu lugar a alegria de ver
que ao menos a produção plástica não ficou prejudicada.
Prestes a finalizar o estágio, um aluno questionou a respeito da minha
permanência na turma, ele queria saber por que eu não seria professora na escola.
Expliquei a ele que não poderia, pois eu já trabalhava em outro local e não teria como
conciliar o tempo. Esse questionamento foi interessante, não me preocupei em perguntar
ao aluno se ele gostaria que eu fosse sua professora, mas o fato de se interessar em saber
por que eu estava indo embora me fez pensar que, se caso eu me tornasse professora
titular na escola, eu poderia ser novamente bem aceita pelo grupo.
A produção dos alunos
Procurei oferecer aos alunos uma grande variedade de materiais para a produção
de seus trabalhos. Trabalhamos com carvão, pastéis secos e oleosos, tinta guache, papel
machê, massa a base de cola branca (biscuit), argila, sabão de coco, cartolinas e arames.
Durante todas as praticas tive a preocupação em oferecer esses materiais aos alunos em
grande quantidade, embora eu fizesse uma distribuição sem desperdícios ao grupo,
havia a preocupação de que não faltasse material para suas produções.
Alguns alunos dessa turma eram extremamente rápidos na execução de seus
trabalhos, de modo que, por diversas vezes, tive de lhes oferecer mais materiais para
que pudessem iniciar novos trabalhos, pois não poderia deixá-los sem atividade.
Embora eu tivesse a preocupação em solicitar aos alunos a produção de trabalhos bem
elaborados, que demandassem certo tempo, ainda assim alguns concluíram produções
com rapidez e riqueza de detalhes.
Por outro lado, outros alunos demonstraram certa dificuldade na execução das
tarefas tridimensionais, ao passo que eu precisava ajudar-lhes, me questionei a respeito
dessa intervenção. Até que ponto eu deveria intervir com as próprias mãos no trabalho
de um aluno? De que forma eu poderia ajudá-lo sem acabar interferindo
demasiadamente em seu trabalho? Quando me vi desesperada por conta de não
conseguir auxiliar esses alunos, solicitei aos colegas que já haviam terminado seus
128
trabalhos que auxiliassem os colegas. Essa estratégia foi surpreendentemente eficaz,
acredito que foi por conta da estreita relação que possuíam uns com os outros, e da
facilidade de comunicação existente entre eles. De modo que os alunos com mais
dificuldade conseguiram concluir com êxito a tarefa de aula.
Somente no final do estágio, tive uma idéia que se mostrou bastante eficaz.
Resolvi trabalhar, juntamente com os alunos, na minha produção plástica. Reservei uma
porção do material da aula para mim, dessa forma eu poderia auxiliá-los mostrando
como eu executava o mesmo trabalho proposto. Tomei sempre o cuidado de usar essa
estratégia apenas para facilitar a exemplificação da motricidade, bem como da força que
eu estava aplicando ao material. De forma alguma tentei influenciar os alunos sobre o
que seria correto e o que seria errado na execução dos trabalhos. Sempre enfatizei muito
a idéia de que seus traços e suas marcas deveriam fazer parte de suas produções, e que
nunca deveriam se preocupar em realizar cópias, sejam elas dos artistas ou dos colegas.
O que acrescentou na vida dos alunos
Se por um lado a escolha do tema dificultou meu trabalho pelos motivos já
citados, por outro, pude explorar a produção de arte através dos sentimentos dos
próprios alunos, usando como base as obras do artista José Leonilson Bezerra Dias.
Como uma das minhas metas era trabalhar inicialmente o processo artístico
dentro da arte contemporânea, e também proporcionar ao grupo uma vivência artística
fora do ambiente escolar, utilizei as produções de William Kentridge, experimentadas
pelos alunos durante a visita à Fundação. Procurei extrair da Obra do artista algumas
características contemporâneas também identificáveis na Obra de Leonilson, objeto
principal da minha pesquisa.
O fato de escolher a Obra de um artista como Leonilson, que de uma forma
genuína expressa sua trajetória interna de autoconhecimento e relação com as próprias
emoções, tornou-se um meio eficaz de instigar os alunos a trabalharem suas próprias
emoções. Durante as aulas realizamos alguns debates a respeito das produções do
artista, e a idéia mais fortemente traduzida pelo grupo foi de que o artista “trabalha com
o coração”. A afetividade marcante na Obra de Leonilson foi bem recebida pelo grupo,
que sempre mostrou maior interesse pelas obras de maior conotação amorosa. Corações
e frases que expressam sentimentos foram as preferidas do grupo.
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Esse foi o meu enfoque durante todo o estágio, instigar os alunos a trabalharem a
arte muito mais através dos sentimentos e sensações do que pela experiência apenas
visual. Paralelamente aos estágios eu estava freqüentando a disciplina de Fundamentos
da percepção, que nos levava a utilizar todos os nossos sentidos, e não apenas
utilizarmos a visão como única, ou melhor, forma de ver o mundo. Exercícios de olhos
fechados eram muito praticados em sala de aula, fato que me fez pensar sobre a ao dos
alunos que não podem contar com a audição em seu processo de aprendizagem. A Obra
de Leonilson foi um excelente meio para tornar minha proposta viável. Grande parte da
produção do artista possui uma característica estética muito particular, em que há uma
valorização e exploração de formas assimétricas, e a utilização de suportes não
artísticos, de modo que pude desmistificar a idéia que muitos alunos possuíam a
respeito do valor de um trabalho artístico que, segundo eles, “só poderia ser arte se fosse
belo”. Essa preocupação era muito forte entre o grupo, pois sempre que solicitavam meu
auxilio durante as práticas, demonstravam insatisfação com o próprio trabalho por não o
considerarem bonito, bem executado ou semelhante ao modelo tido por eles como
“ideal”. Nesses momentos eu procurava meios de desconstruir esses conceitos, muitas
vezes questionei os alunos sobre o que de fato eles entendiam por beleza e se aquilo que
era belo para uma pessoa deveria ser belo para outra.
Aqui se tornaria necessário um aprofundamento a respeito dos conceitos de
cultura, de cultura visual e de significados partilhados, porém novamente essa discussão
ficou prejudicada por conta da barreira lingüista. A estratégia mais viável que encontrei
foi traçar um paralelo entre os seres que habitam os grandes centros urbanos, daquelas
tribos indígenas que vivem nas matas e pintam seus corpos. Para nós, que vivemos no
primeiro grupo, o ideal, e considerado belo é cobrir o corpo com panos ao invés de
apenas tintas.
De um modo geral, após analisar as produções dos alunos e também com base
nas breves discussões que realizamos em aula, acredito que essa turma tenha se
beneficiado muito mais através das experiências práticas. Como já mencionado, nossos
debates não foram aprofundados, por diversas vezes os alunos não participaram de
forma ativa nos questionamentos propostos, de forma que eu acabava tentando
compensar esse diálogo reduzido com a aplicação das atividades práticas. Nesse
momento, utilizava a leitura de imagens para mostrar lhes as características das obras
contemporâneas que poderiam constar em suas produções. De posse dos materiais para
produzir seus trabalhos, os alunos se mostravam muito mais receptivos às explicações
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teóricas, podendo assim relacionar os elementos das imagens apresentadas com aquilo
que de fato iriam produzir.
A grande maioria da turma me surpreendeu com relação ao trabalho que estavam
dispostos a executar. Embora a turma tenha apresentado sempre um comportamento
receptivo às aulas que propus, por diversas vezes foram categóricos na defesa de suas
idéias. Esse fato pode ser comprovado pelos resultados obtidos já na primeira aula, em
que foi proposta a produção de desenhos com movimento, da mesma forma que
William Kentridge elaborava suas animações. Meu propósito era trabalhar o processo
artístico, a construção e desconstrução de elementos em um mesmo projeto, que
identificasse as marcas de sua produção. Os alunos aceitaram a proposta de trabalhar
com base nas animações observadas no Museu, mas negaram-se a desconstruir suas
produções, a grande maioria disse não achar correto apagar e desenhar novamente,
muitos disseram que poderiam desenhar em uma nova folha, mas sem “estragar”o
desenho anterior.
Esse resultado pode se justificar tanto pela minha argumentação em realizar a
tarefa, que pode ter sido falha ou superficial, quanto pela resistência em desconstruir um
trabalho tido como pronto. Isso me leva a pensar o quanto essas produções foram
significativas para os alunos, o quanto aqueles trabalhos significaram para eles a ponto
de não aceitarem qualquer nova intervenção. Percebi desde os primeiros momentos que
os alunos valorizavam muito suas obras, tinham sempre o cuidado de guardarem ou
colocarem em exposição no local destinado aos trabalhos concluídos. Certo dia me
confundi com relação à autoria de dois trabalhos e acabei trocando os nomes, um dos
alunos imediatamente me corrigiu, dizendo que eu não poderia trocar os nomes, e
segurando seu trabalho em mãos afirmou com muita segurança que aquele trabalho
havia sido feito somente por ele.
Algumas considerações
Ao finalizar a aplicação das práticas de ensino em estágio II, e observando as
produções que os alunos realizaram, considero que meu desempenho como docente em
artes visuais poderia ter sido mais bem planejado. Hoje sou capaz de apontar meus
erros, minhas limitações e minha pouca prática em lidar com uma turma de alunos
surdos.
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Quando menciono a necessidade de melhor elaboração da minha prática de
ensino, foco no aspecto referente a minha prática para trabalhar em uma escola especial
para surdos. Se por um lado minha prática de ensino procurou contemplar o ensino do
contexto histórico, aliado à leitura de imagens e produção plástica, por outro lado, não
pude executar esse plano de forma primorosa por conta da barreira lingüística.
Mesmo com a falta de um vocabulário em LIBRAS abrangente ao campo das
artes, percebo que esse limitador poderia ter sido mais bem articulado em meu projeto
durante todas as aulas. Não apenas com a utilização de uma tabela de sinais previamente
construída pelo meu colega, mas através da elaboração de representações fundamentais
para o ensino de arte contemporânea, bem como de suas características mais
expressivas. Somente após o término do meu estágio é que pude perceber o quanto a
execução dessa idéia poderia ter feito a diferença no meu trabalho.
O carinho dos alunos e da professora titular, bem como as observações da
diretora da escola, levam-me a acreditar que acrescentei algo na vida dos alunos.
Segundo a diretora, a escola está sempre de portas abertas aos estagiários, pois ela
acredita que esse contato seja muito produtivo, pois há uma valorização dispensada
àqueles que, como eu, se propõem a desenvolver um trabalho com a comunidade surda.
Espero não ter deixado apenas uma clara demonstração do meu interesse por
eles, mas também ter contribuído para a formação artística de cada aluno. Espero que, o
estudo da arte contemporânea, tenha ao menos despertado nos alunos um maior
interesse e espírito investigativo com relação ao desconhecido, ao estranho e ao
esteticamente incompreensível.
Não posso traduzir com precisão os sentimentos que cada aluno experimentou
durante nosso contato, nem mesmo relatar o grau de aprofundamento do tema que cada
um adquiriu, mas posso expressar com total segurança o quão importante essa
experiência foi para mim. Passados todos os momentos difíceis, de estresse e
preocupação com a aplicação das aulas, sinto-me feliz por não ter desistido desse
desafio. Hoje posso calcular e avaliar com maior propriedade as dificuldades existentes
na vida de um professor de educação surda, que além de ensinar os conteúdos, precisa
estar atento na busca por soluções como a criação de sinais para áreas muito específicas
e para a construção dos significados desses novos sinais.
Penso hoje, que a questão da acessibilidade, vai muito além da estrutura física de
um espaço destinado às artes, mas trata-se de um envolvimento por parte daqueles que,
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de alguma forma, podem viabilizar o acesso dos alunos às discussões e reflexões que a
arte contemporânea nos provoca.
Ampliar o universo desses alunos, através dos elementos presentes nessa
manifestação artística, denota não apenas um compromisso com o ensino, mas uma
preocupação em proporcionar experiências sensoriais que enriquecem a vida de todos os
seres, sejam eles surdos ou ouvintes.
Hoje percebo que essa experiência me colocou em outra posição dentro desse
contexto. Eu passei a ser a pessoa que necessitava de inclusão, eu era a minoria dentro
de um grupo que tinha a opção de me incluir ou não. Felizmente eu fui aceita pelo
grupo, que mesmo percebendo minhas limitações com a comunicação, optou por me
incluir em seu meio e traçar experiências que foram além do estágio em artes visuais.
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APÊNDICES
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