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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL ULBRA Canoas/RS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS Danielle Schütz ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA Canoas, 14 de novembro de 2013.

Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL – ULBRA Canoas/RS

UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS

Danielle Schütz

ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA

Canoas, 14 de novembro de 2013.

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Danielle Schütz

ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA

TRABALHO DE Curso apresentado como

pré-requisito parcial para a obtenção de título

acadêmico de Licenciado em Artes Visuais,

pelo Curso de Licenciatura em Artes Visuais

da Universidade Luterana do Brasil, sob

orientação dos professores Dra. Rejane Ledur,

Me. Ana Lúcia Beck e Me. Renato Garcia.

Canoas, 27 de novembro de 2013.

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RESUMO

Este trabalho foi desenvolvido em função dos elementos obtidos na pesquisa sobre

características da arte contemporânea e posterior aplicação do planejamento de ensino

intitulado: “Acessibilidade à arte contemporânea”. Esse plano de ensino foi aplicado em

uma turma de 7ª série do ensino fundamental, na Escola Especial para surdos Frei

Pacífico, no município de Porto Alegre. O tema abordado versou sobre as principais

características existentes na arte contemporânea, bem como no estudo de dois artistas

relevantes desse período: William Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores

como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e Michel Archer embasaram tanto a elaboração das

praticas quanto a produção das reflexões realizadas. Inicialmente esse projeto havia

contemplado outro tema para a pesquisa, mas em função da grande necessidade da

turma em conhecer e se aprofundar nas questões que envolvem o atual período da arte, a

pesquisa passou a tratar do tema “arte contemporânea”. Durante o período de

observação da turma, ficou clara a carência de abordagem desse tema. A grande maioria

dos alunos ou não sabia ao certo o que era arte contemporânea, ou alegava não gostar do

assunto, sem ao menos saber do que se tratava. Posteriormente, durante a aplicação do

meu plano de ensino, a pequena turma de oito alunos surdos se mostrou bastante

receptiva a minha proposta. O objetivo desse trabalho era aproximar os alunos desse

movimento artístico, oferecendo-lhes as ferramentas necessárias para entrar em contato,

dialogar e experimentar obras de arte contemporâneas. A partir de uma experiência

direta dentro de um espaço expositivo, os alunos foram inseridos dentro desse contexto,

fato que favoreceu o inicio das atividades em sala de aula. A metodologia de ensino

propôs reflexões acerca das informações obtidas no Museu, e também buscou

desenvolver suas praticas com o auxilio das leituras de imagens realizadas em sala de

aula. O resultado desse trabalho foi significativo quando observadas as produções

plásticas dos alunos, que em grande parte dos momentos se mostraram muito receptivos

às propostas de trabalhos práticos, em especial às produções tridimensionais. O

rendimento das aulas foi mais significativo durante a produção dos trabalhos plásticos,

quando em comparação com as questões reflexivas, pois minha ação dentro dessa turma

acabou sofrendo limitações por conta barreira lingüística, tanto por conta da minha

pouca prática com a língua de sinais e por conta da falta de um vocabulário especifico

para artes em LIBRAS. Percebi, ao longo da aplicação desse planejamento, que meu

papel como educadora de artes é conduzir os alunos a elaborarem suas próprias

percepções, bem como mostrar-lhes que a arte não precisa apenas ser vista ou

entendida, mas que ela pode acima de tudo ser sentida.

Palavras-chave: Arte contemporânea, libras e artes, surdos.

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SUMÁRIO

Introdução 05

CAPÍTULO 1. Reconhecimento do espaço de ensino 09

1.1 Dados gerais da escola 10

1.2 Observações silenciosas 11

1.2.1 Primeira observação silenciosa 11

1.2.2 Segunda observação silenciosa 12

1.2.3 Terceira observação silenciosa 13

1.2.4 Quarta observação silenciosa 14

1.3 Análise das observações silenciosas 15

1.4. Análise do questionário respondido pela professora 18

1.5 Análise do questionário respondido pelos alunos 19

CAPÍTULO 2. Acessibilidade à arte contemporânea 20

2.1 José Leonilson Bezerra Dias 21

2.2 Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson 33

2.2 William Kentridge 42

CAPÍTULO 3. Projeto de ensino 47

3.1 Dados gerais da escola e da turma 47

3.2 Dados gerais do projeto de ensino 47

3.2.1 Tema 47

3.2.2 Justificativa 48

3.2.3 Objetivo geral 48

3.2.4 Objetivos específicos 48

3.3 Prática de ensino 50

3.3.1 Observação silenciosa 01 50

3.3.2 Observação silenciosa 02 52

3.3.3 Observação silenciosa 03 54

3.3.4 Primeiro encontro 57

3.3.5 Segundo encontro 67

3.3.6 Terceiro encontro 75

3.3.7 Quarto encontro 84

3.3.8 Quinto encontro 92

3.3.9 Sexto encontro 101

3.3.10 Sétimo encontro 110

CONCLUSÃO 118

REFERÊNCIAS 133

APÊNDICES 134

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INTRODUÇÃO

Este trabalho foi elaborado com base nas experiências vividas durante a

aplicação do plano de ensino em estágio II, realizado na Escola Especial para surdos

Frei Pacífico, em uma turma de oito alunos surdos da 7ª série do ensino fundamental,

com idades entre 12 e 15. A escolha pela aplicação do meu plano de ensino, em uma

escola de educação especial para surdos, possui justificativa em um antigo vínculo

afetivo com a escola.

Este Trabalho de Curso (TC) está estruturado em capítulos, sendo que o primeiro

deles trata do reconhecimento do espaço de ensino, o segundo trata dos temas:

acessibilidade à arte contemporânea, utilizado para as práticas de ensino; e apropriações

da arte na publicidade, primeiro tema de pesquisa realizado em estágio I. E o terceiro

capitulo, que relata as experiências vividas durante a pratica de ensino.

Inicialmente, durante o estágio I, realizei quatro observações silenciosas nessa

mesma escola, porém em uma turma de oitava série. Como esse primeiro contato havia

sido realizado no segundo semestre de 2012, foi necessária a realização de outras três

observações na nova turma em que eu iria aplicar meu plano de ensino, em uma sétima

série, no primeiro semestre de 2013.

Como se trata de uma escola de educação para surdos, embora a escola acolha

também alunos com múltiplas deficiências, meu plano de ensino deveria ser aplicado

através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Num primeiro momento acreditei que

a aplicação de uma aula de artes em LIBRAS poderia acontecer sem maiores

dificuldades, porém, foi somente durante a prática de ensino que pude avaliar de fato a

complexidade desse processo.

Durante o estágio I, enquanto eu apenas observava as aulas de artes, acabei

escolhendo o tema da minha pesquisa sem muita preocupação com sua relevância para

os alunos. Havia muita pressa da minha parte em escolher um tema, de modo que eu

não considerei aquilo que havia observado na turma, e tampouco dei importância aos

resultados dos questionários aplicados. Inicialmente o tema da minha pesquisa versava

sobre apropriações da arte dentro da publicidade, escolhi esse tema apenas com base no

meu gosto pessoal, sem avaliar o que de fato essa escolha poderia acrescentar aos

alunos.

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Já no estágio II, fui orientada a trocar minha pesquisa. Tratar de arte

contemporânea, com alunos que relataram não ter contato com esse tema, poderia ser

um meio de colocá-los em contato com esse período da arte, pouco explorado na escola.

Resolvi então, juntamente com minha orientadora, alterar o tema da minha pesquisa,

que passou a se chamar “Acessibilidade à arte contemporânea”. A acessibilidade tratada

aqui não possui referência com infra-estruturas instaladas em museus ou espaços

expositivos, mas refere-se ao acesso das pessoas à arte contemporânea, estudada com

base em suas características e particularidades mais relevantes.

Para trabalhar arte contemporânea, utilizei o sentimento como foco do meu

trabalho, minha intenção era proporcionar aos alunos a interação com as obras de arte,

de modo que a visualidade ocupasse uma posição secundária com relação à percepção

que os alunos iriam por em prática. Para tanto, procurei iniciar minha prática com uma

saída de campo, fato que não costumava ocorrer na escola. Colocar os alunos em

contato direto com a arte contemporânea, antes mesmo de aplicar qualquer aula sobre o

tema, seria uma forma de instigá-los a desenvolver um interesse maior pelo tema, de

modo que em sala de aula pudéssemos iniciar nosso trabalho a partir das experiências

vividas de forma direta dentro do Museu. Os resultados desse evento foram muito

significativos para a aplicação do meu plano de ensino.

Minha principal meta era quebrar a barreira que havia entre os alunos e a arte

contemporânea, meu desejo era mostrar a eles os aspectos, características e artistas que

produzem trabalhos relevantes nesse período. Um dos objetivos desse projeto era

mostrar aos alunos que arte não necessariamente tem de ser bela, pois beleza é um fator

subjetivo dentro desse contexto, minha intenção era que cada um deles pudesse

desenvolver suas percepções sobre beleza, e sobre valores estéticos, e que pudessem

também se permitir entrar em contato com algo que fosse capaz de despertar a

curiosidade e o questionamento. Minha intenção era ajudá-los a despertar um

pensamento crítico e investigativo, capaz de induzí-los a formular suas próprias

respostas, frente a uma arte diferente daquela que estava sendo vista por eles até então.

Esse novo enfoque apresentado foi muito bem recebido pelos alunos. Essa receptividade

foi comprovada tanto pelas produções plásticas da turma, quanto pela afetividade que,

durante todo o estágio, demonstraram para comigo.

Esse tema, utilizado no ensino fundamental, também foi aplicado ao ensino

médio, no Colégio Estadual Julio de Castilhos em Porto Alegre. Esse colégio divide as

aulas de artes em áreas especificas, sendo ofertados aos alunos as oficinas de pintura,

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gravura, cerâmica e desenho. Quando busquei uma oportunidade junto à escola para

realizar meu estágio, foi me ofertada apenas a oficina de pintura, que possuía dezesseis

alunos do primeiro ano do ensino médio. Meu planejamento então foi adaptado para

produções referentes à pintura, pude então trabalhar com essa turma mais aspectos

referentes à pintura contemporânea. Com essa turma também tive a oportunidade de

realizar uma saída de campo. Diferentemente do ensino fundamental, essa saída foi

realizada em uma pequena galeria de arte em Porto Alegre, na penúltima prática que

realizei com a turma.

A metodologia empregada no ensino médio foi bastante diferente daquela

empregada no ensino fundamental, não apenas pela condição desses alunos, que eram

ouvintes, mas também em função da diferença de idade. Os alunos tinham idades entre

15 e 18 anos. Meu objetivo com essa turma era o mesmo que eu havia traçado para o

ensino fundamental, inicialmente enfrentei resistência dos alunos com relação à arte

contemporânea, porém, após as primeiras práticas, os alunos se mostraram muito

receptivos a minha proposta, de modo que nosso trabalho foi produtivo, os alunos

demonstraram interesse pela arte contemporânea, e esse fato ficou evidente em suas

produções.

O tema utilizado foi o mesmo tanto para o ensino médio, quanto para o

fundamental. Foram abordadas as principais características existentes na arte

contemporânea através do estudo de dois artistas relevantes desse período: William

Kentridge e José Leonilson Bezerra Dias. Autores como Ana Mae Barbosa, Jorge Coli e

Michel Archer embasaram tanto a elaboração das praticas quanto a produção das

reflexões realizadas.

Minha comunicação com a turma de ensino médio foi bastante satisfatória,

desenvolvemos discussões, concordamos e discordamos em vários aspectos, falamos

sobre os vários períodos que antecederam a arte contemporânea e por fim, ampliamos

nossas discussões com base na saída de campo.

Essa tranqüila comunicação que experimentei com o ensino médio não ocorreu

com o ensino fundamental. Quando optei pela aplicação do estágio em uma escola de

alunos surdos, acreditei que meu conhecimento em LIBRAS seria suficiente para a

aplicação das aulas. Foi somente em sala de aula que pude avaliar a significativa

diferença entre a comunicação em língua de sinais dentro do contexto familiar, com a

utilização dessa língua em uma sala de aula. É fato que professores ouvintes enfrentam

maior dificuldade em ensinar conteúdos em LIBRAS, pois nem sempre esses

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profissionais possuem vivencia dentro de uma cultura surda, de modo que sua pratica

acaba se limitando ao ambiente escolar.

Outro fator relevante nesse processo é a falta de um vocabulário especifico para

artes em LIBRAS. Durante a aplicação das aulas tive de aplicar grande parte dos

conteúdos através da construção de palavras, utilizando o alfabeto em LIBRAS. Porém

nem sempre esse método supriu as lacunas que surgiram durante as aulas, pois havia

também a necessidade de construção das idéias trabalhadas, de modo que não bastava

apenas criar um sinal para determinado termo sem a construção de seu significado.

Embora meu plano de ensino não tenha sido aplicado da forma planejada, as

diversas situações que ocorreram durante as aulas, e que não haviam sido previstas, me

levaram a articular as aulas em prol da aprendizagem dos alunos, pois o objetivo

principal não era apenas a conclusão do estágio obrigatório, mas o que de fato a minha

aula poderia acrescentar na vida de cada aluno.

Poucos meses antes do inicio do estágio II, iniciei como bolsista de iniciação à

docência no projeto PIBID. Essa vivencia direta em sala de aula me ajudou a elaborar

melhor meus planejamentos de ensino, além de me ajudar a praticar minha postura em

sala de aula, observando minhas falhas e repensando meus métodos, uma vez que essa

foi a primeira oportunidade que tive de atuar em sala de aula.

Posso considerar que essa experiência acrescentou significativamente a minha

atuação com o ensino médio, porém no ensino fundamental, a barreira lingüística foi o

fato mais significativo do processo, a ponto de modificar profundamente o andamento

da prática. É fato que dificilmente um plano de ensino se desenvolverá da forma

idealizada, porém, tanto a minha pouca prática com os sinais, quanto o escasso

vocabulário para artes em Libras tenham sido os fatores determinantes sobre os

resultados dessa prática.

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CAPÍTULO 1

RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO

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1. RECONHECIMENTO DO ESPAÇO DE ENSINO

1.1. Dados gerais da escola observada

Escola Especial para surdos Frei Pacífico

Endereço: Rua Tomaz Edson, n°75 – Bairro Santo Antônio – Porto Alegre – RS

Diretora: Maria Elizabeth Magalhães

Professora: Lucila dos Santos Vales

Graduação: Licenciatura em Artes Visuais ULBRA/Canoas

Alunos: Ensino Fundamental 8° série

Turma: 802

Turno: manhã, quartas-feiras nos dois últimos períodos.

Horário das aulas: 10h20min – 12h.

Número de alunos: 7 alunos

Aulas observadas: 4 aulas de períodos duplos de 50min cada.

Período de observação: Entre setembro e outubro de 2012

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1.2. Observações Silenciosas

Observação 01

DATA: 12/09/2012

A aula de Artes Visuais teve início às 10h20min, nos dois períodos finais de

quarta-feira. A professora me apresentou aos alunos, em LIBRAS, sendo que muitos

deles já eram meus conhecidos por conta da minha relação com a escola, uma vez que

sou madrinha de uma ex-aluna, o que me levou muitas vezes a participar dos eventos

por lá realizados. Uma auxiliar ouvinte e intérprete de libras instalou na sala de aula um

retroprojetor para iniciar a aula de Artes.

A professora apresentou aos alunos uma série de imagens, denominadas de “arte

surda”, tratavam-se de pinturas, esculturas e gravuras da artista plástica Fernanda

Machado (surda), que nasceu no Rio de Janeiro na década de 80. Os alunos observavam

e faziam comentários junto com a professora, que simultaneamente foi passando as

imagens. Por diversas vezes durante a aula, a professora se dirigia a mim e explicava

mais calmamente a respeito da matéria, uma vez que meu conhecimento em libras é

recente, de modo que não sou capaz de acompanhar os sinais de forma rápida. Após a

análise do trabalho dessa artista, a professora apresentou imagens de outro artista surdo,

“Francisco Goulão”, nascido em Portugal na década de 1940.

A professora mostrou uma grande quantidade de imagens desse artista, bem

como suas exposições e eventos de arte. A professora se deteve na explicação de

pinturas de paisagens feitas por esse artista, e abordou o tema da profundidade utilizada

por ele, tentando esclarecer aos alunos sobre a facilidade de se produzir imagens como

essa. A aula de hoje foi basicamente teórica, expositiva e dialogada, mas com o intuito

de preparar os alunos para posteriores aulas práticas.

Ao final da aula a professora mostrou um vídeo feito pelo diretor da FENEIS

(Federação Nacional de Educação e Integração Surda), divulgando o evento que

acontece entre a comunidade surda, e que se chama setembro azul, por conta do dia do

surdo, 26 de setembro, os alunos ficaram animados com essa comemoração e saíram da

aula comentando a respeito. Fim da aula.

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Observação 02

DATA: 19.09.12

Em função da comemoração farroupilha a escola estava elaborando atividades

especiais nessa semana. Encontrei-me com a professora e com os alunos no corredor

principal para nos dirigirmos à oficina de Artes da escola, onde seria realizada uma

atividade que relata as diversas etapas históricas do dia 20 de setembro. Esse trabalho

foi elaborado na disciplina de Artes, pois conta com uma bela ilustração feita pelos

alunos, a professora iniciou a aula contando um pouco da história da semana

farroupilha, ela utilizou os vídeos através de Power point e imagens projetadas para

complementar a aula.

Após as explicações a professora distribuiu materiais para a realização da tarefa

como papel A3, lápis de cor e pastel. Enquanto os alunos realizavam a tarefa, eu me

comunicava com a professora em LIBRAS. Perguntei sobre as atividades da pequena

turma de apenas seis alunos, ela me disse que eles não gostam de aulas teóricas, de

modo que ela ensina história da arte sempre através da leitura de imagens. Aos pouco os

trabalhos dos alunos foram tomando forma e a professora passou a auxiliá-los em seu

desenvolvimento.

Alguns alunos optaram pela realização do trabalho com tinta têmpera. Desenhos

de cavalos, estradas e farrapos foram recorrentes, outros que relatavam batalhas,

também estavam presentes nas produções.

Chega o momento em que a professora pede para os alunos encerrarem a

atividade, colocando os trabalhos sobre a bancada para secar, guardando os materiais e

ajudando na limpeza da sala. Antes de o sinal tocar (nesta escola o sinal é feito através

de uma lâmpada vermelha que se ascende sobre a porta da sala), despedi-me da

professora e dos alunos e a aula chegou ao fim.

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Observação 03

DATA: 26/09/2012

Neste dia encontrei-me com a professora na sala dos professores, assim que

disparou o sinal de alerta para retorno da aula nos dirigimos ao pátio da escola para

pegar os alunos. Alguns deles são meus conhecidos, recebi abraços e cumprimentos em

LIBRAS e então nos dirigimos à sala de aula. A atividade de hoje retomou as aulas

teóricas de leitura de imagens de artistas surdos. A professora iniciou as explicações

com o auxílio de Power point e de pôsteres feitos pela turma de 5ª série da escola. Em

diversas situações, ao longo das explicações a professora me inseriu diálogos, pedi para

que dialogassem comigo com calma, pois meu conhecimento em língua de sinais não é

tão aprofundado a ponto de eu conseguir gesticular rapidamente.

A professora continuou mostrando imagens das obras do artista Francisco

Goulão e de Fernanda Machado, ambos surdos e produtores de um belo trabalho

artístico. Após essas leituras, a professora então passou a explicar a respeito da sing

writter, conhecida como escrita de sinais, trata-se de desenhos ou formas geométricas

que representam os sinais feitos com as mãos, lembrando que para os surdos a língua

mãe é a LIBRAS e depois o português, mas há casos em que a escrita se dá apenas em

sinais. Essa aula foi basicamente expositiva e discursiva, preparando os alunos para as

próximas aulas práticas.

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Observação 04

DATA: 03/10/2012

Encontrei com a professora no corredor da escola e seguimos para o ginásio

onde encontraríamos as crianças, pois neste dia a aula seria na oficina de Artes que fica

no corredor anexo deste pavilhão. Ao chegarmos à oficina os alunos foram tomando

seus lugares em uma grande mesa que fica no centro da sala, enquanto isso a professora

iniciou a apresentação em Power point. As primeiras imagens tratavam de artistas do

renascimento, expressionismo e cubismo. Após analisar obras de artistas como

Leonardo Da Vinci, Van Gogh e Picasso, a professora passou a fazer leituras de

imagens de artistas surdos como Fernanda Machado, Marcos Antony e Maurício

Damasceno, os alunos observavam atentos as imagens que tratavam de apropriações

feitas por esses artistas em relação às obras dos artistas anteriormente apresentados.

Uma série de pinturas realizada pela artista plástica Fernanda Machado mostra a

Monalisa de Leonardo da Vinci se comunicando através da linguagem de sinais. A

professora então explicou sobre a técnica da apropriação e pediu para que os alunos

desenvolvam um desenho que una elementos artísticos já existentes com a cultura surda.

As atividades práticas se iniciaram os alunos pegaram seus materiais como folhas A4,

lápis de cor e pastel e começaram a esboçar suas idéias no papel, a professora ao mesmo

tempo em que os orientava também discutia algumas particularidades da turma,

conversamos também sobre o curso de Artes aqui da ULBRA, uma vez que ela também

fez sua graduação aqui.

Enquanto os alunos desenhavam eu observei alguns objetos tridimensionais

expostos na oficina de Artes, feitos por eles antes do início do meu estágio na escola.

Ao finalizarem a atividade, percebi a riqueza dos trabalhos que eles haviam

desenvolvido, eles trabalharam muito bem a questão da apropriação e tiveram ótimas

ideias, fato que me deixou mais à vontade para desenvolver meu plano de aula que v

tratar especificamente deste assunto. A aula chega ao fim, os alunos entregaram seus

trabalhos à professora e ajudaram na organização e limpeza da sala. A lâmpada

vermelha se acendeu indicando o fim do último período.

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1.3. Análise das observações silenciosas

Muito antes de pensar em estudar artes eu já tinha um grande vínculo com a

cultura surda, esse fato se deve por conta de que minha afilhada e prima Juliana nasceu

surda.

Antes da sua existência eu sequer tinha conhecimento a respeito de escolas

especiais para surdos, não sabia da riqueza de sua cultura e muito menos que existiam

artistas surdos com belíssimas produções. Cursei a disciplina de LIBRAS aqui na

ULBRA no início desse ano, o que acabou complementando e enriquecendo meus

conhecimentos uma vez que eu já tinha alguma habilidade com os sinais em função da

Juliana.

Cada vez que tenho contato com essa escola fico mais encantada ao ver a

superação desses alunos, uma vez que lá não existem apenas alunos surdos, mas há

também aqueles que são portadores de múltiplas deficiências. Eu já havia feito nessa

escola a minha primeira observação silenciosa da cadeira de Tendências e Perspectivas

para o Ensino da Arte, no semestre seguinte realizei outra observação para a disciplina

de Projetos de Ensino em Arte. Essa nova experiência, aliada aos questionários que

apliquei aos alunos e a professora, reafirmaram minha certeza de que é nessa escola que

quero praticar meu estágio II.

Sei bem da dificuldade e das limitações que me esperam, uma vez que meu

conhecimento em LIBRAS não é avançado ao ponto de eu conseguir me comunicar

com rapidez, habilidade que os surdos possuem de sobra, sua comunicação é

extremamente rápida, de modo que quando vou me comunicar peço sempre desculpas

caso não os entenda e também peço calma na hora de estabelecermos contato gestual.

Em relação à linguagem de sainais, Marlene Canarim Danesi Ressalta:

Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos

sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não

consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o

mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64).

A língua de sinais proporciona aos surdos a descoberta do mundo, as mãos

vão ajudar os olhos a compreender a realidade (DANESI, 2007, P.64).

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O universo dos surdos é fascinante, fui muito bem recebida na escola, tanto pela

diretora, que é ouvinte, quanto pelas professoras surdas e ouvintes, e por todos os alunos

surdos.

Considero muito positiva a minha experiência, de modo que a escola está de

portas abertas para mim e para outras pessoas que lá queiram desenvolver seus estágios,

como me disse a diretora, eles têm interesse e vêem de forma muito positiva esse

intercâmbio entre escola surda e a comunidade em geral.

Em relação às observações, evidencio a dedicação e o carinho da professora

Lucila, formada em 2003 pela ULBRA, seus planos de aula são muito bem organizados

e aplicados e os alunos respeitam tanto a professora quanto os colegas, não observei

nenhuma atitude de indisciplina em sala de aula, embora conheça o comportamento de

alguns dos alunos fora do ambiente escolar, dentro de sala de aula eles foram

impecáveis em seu comportamento. Observei também que a professora fundamenta seu

planejamento na abordagem triangular, proposta por Ana Mae Barbosa, que trata da

sistematização do ensino em Arte com base na contextualização histórica, no fazer

artístico e na leitura de imagem, tornando sua aula completa e produtiva.

Dentro das atividades propostas, a professora sempre insere questões da cultura

surda, seja através de produções artísticas realizadas por artistas surdos, seja através da

abordagem de linguagens e escritas de e para surdos.

A cultura surda refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de

organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte, etc.

Os surdos envolvidos com a cultura surda, auto-referenciam-se como

participantes da cultura surda, mesmo não tendo eles características que

sejam marcadores de raça ou de nação (SÁ, 2006, p85).

Acho importante manter sempre essa abordagem em evidência, mostrar aos

alunos que essa deficiência em nada afeta seu poder criativo, muito pelo contrário, a

professora lhes mostra como é possível desenvolver arte de qualidade vinculada à

condição de todos eles. Observando as produções dos alunos em sala de aula, percebo a

riqueza das criações de cada um deles, chegando até mesmo a superar a qualidade dos

trabalhos feitos por alunos ouvintes do ensino médio.

Finalizo essa análise enfatizando a importância de olharmos para essa realidade,

totalmente despidos de preconceito ou qualquer tipo de ressalvas, a cultura surda tem

muito a nos ensinar, e apesar do grande desafio imposto pela forma de comunicação,

superada essa barreira, percebo que desenvolver e quem sabe até seguir com algum

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projeto de trabalho nesse meio parece-me uma excelente forma de trocar e

principalmente aprender com a arte surda.

As pessoas que têm dificuldade em entender a existência de uma cultura

surda, geralmente são pessoas que pensam que nada há fora de sua própria

referência cultural, então, entendem a cultura surda como uma anomalia, um

desvio, uma irrelevância. Geralmente estas pessoas desconhecem os processos

e os produtos desta cultura surda: desconhecem o que os surdos geram em

relação ao teatro, ao brinquedo, à poesia visual, à literatura em língua de

sinais, à tecnologia que utilizam para viverem o cotidiano, etc. (SKLIAR,

1998, p.xx).

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1.4. Análise do questionário respondido pela professora

A professora Lucila, formada em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas em 2003,

elabora seus planos de aula com base em referenciais teórico-práticos, utilizando

principalmente as atividades de leitura de imagens de diversos artistas entre eles os

artistas surdos.

A cada novo trimestre, ela formula novos planos que englobam atividades

essencialmente práticas, buscando uma variedade de técnicas como escultura, pintura,

desenho e colagem. Os materiais destinados a esse trabalho são fornecidos pela escola,

que os mantém organizadamente guardados em armários dentro da sala destinada às

oficinas de Artes.

A professora, que dedica grande parte de seu tempo ao trabalho, visita

exposições e galerias de arte, mas em função da sua surdez, ela me relatou a dificuldade

que enfrenta com relação à acessibilidade desses locais, o que acaba também limitando

sua atuação em atividades fora do espaço escolar, como visitas guiadas com os alunos

surdos.

A professora, que prefere propor atividades individuais em sala de aula, trabalha

muito com a “Arte Surda”, tive a oportunidade de observar essas aulas e fiquei feliz ao

ver belas produções no campo das artes que foram realizadas por surdos, fato que

inevitavelmente gera uma conscientização e reflexão acerca da cultura surda.

A professora não realiza provas em sua disciplina, a avaliação é constante,

observando o empenho e dedicação de cada aluno ao longo dos trimestres. Segundo seu

relato, ela garante atingir seus objetivos com a turma e é bem flexível na hora de

modificar ou agregar novos elementos em seu plano de aula.

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1.5. Análise do questionário respondido pelos alunos

Os alunos da oitava série foram unânimes ao dizer que se sentem a vontade e que

gostam muito das aulas de artes, sendo que a maioria costuma visitar museus ou espaços

de arte, não somente durante as atividades escolares, mas também com seus familiares

que incentivam essa prática, muito embora ela aconteça de forma limitada em função da

falta de acessibilidade, pois são poucos os lugares que disponibilizam mediadores

habilitados em LIBRAS, isso porque a visita das escolas nesses espaços requer a

presença desses profissionais que complementam e dão sentido àquilo que se está

observando, essa necessidade não está atrelada apenas aos alunos surdos, mas a toda

comunidade escolar.

Para a maioria desses alunos, artista é uma pessoa que possui dons especiais,

sendo que um aluno acredita que artista é uma pessoa comum que decida pintar algo, e

outro aluno acredita que arte e artesanato sejam a mesma coisa. Essa idéia que a maioria

dos alunos tem em relação à arte e seu vinculo com dom especial é muito presente no

contexto escolar. Os alunos que em sua totalidade estudou história da arte, alegam que

consideram a disciplina de Artes importante tanto para desenvolver o lado artístico,

quanto para se distrair entre as aulas, fato que demonstra uma certa falta de validação da

disciplina de Artes enquanto meio de aprendizagem e de desenvolvimento intelectual e

cultural.

O grupo é bem diversificado na hora de mostrar quais as técnicas artísticas que

gostariam de aprender, como colagens, tridimensionais, grafite, etc. quando questiono a

respeito da arte contemporânea, um aluno apenas responde que não gosta do assunto, os

demais se dividem nas respostas que apontam para o interesse e envolvimento com o

tema, e os demais respondem que se interessam, mas não entendem do assunto.

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CAPÍTULO 2

ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA

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2. ACESSIBILIDADE À ARTE CONTEMPORÂNEA

2.1. José Leonilson Bezerra Dias

José Leonilson Bezerra Dias nasceu em Fortaleza CE em 1957 e morreu em São

Paulo SP 1993. Foi pintor, desenhista, escultor, um artista completo. Movido pela

necessidade de expressar sua subjetividade, Leonilson construiu um grande acervo, que

inclui pinturas, desenhos, bordados e algumas esculturas e instalações.

Seguem alguns exemplos de sua produção

How to rebuild at least one eight part of the world, 1986

Madeira, metal e feltro

José Leonilson e Albert Hien

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

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Ninguém tinha visto, 1988

Pintura sobre madeira

Doação Eduardo Brandão e Jan Fjeld

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

Empty man, 1991

Bordado sobre linho

Coleção Família Bezerra Dias

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

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Sagrado Coração, 1991

Bronze fundido, 8,5 x 4,5 cm

Col. Família Bezerra Dias, São Paulo

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

A delicadeza dos materiais também obriga o espectador a conhecer

inesperadas associações visuais. Mas em todos os detalhes (...). E uma visão

de mundo e a atenção de um artista com os pequenos sentimentos, que

finalmente, são os que fazem a grandeza do ser humano (Mendonça, 2005).

Sem título, 1988

Tinta acrílica e chapa de cobre pregada sobre lona.

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

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Suas obras apresentam características que o acompanham do começo ao fim, faz

uso de estamparias, bordados, pedras, palavras, grandes extensões de tecido. Leonilson

lança mão de comentários autobiográficos confessionais e também costuma utilizar

seriações, repetições de imagens, justaposições de objetos que circulam no universo da

cultura popular.

Leonilson consegue transformar a arte em puro sentimento, consegue transmitir

através de suas obras sua personalidade, um ser luminoso, sincero e apaixonante.

Foi, por certo, devido aos efeitos inusitados das próprias associações e justaposições

desses materiais sobre a superfície de lonas ou de folhas de papel que os trabalhos do

artista adquiriram um apelo fortemente expressivo.

Em suas obras, Leonilson usa constantemente a palavra, frases criando uma mistura de

poesia e imagem, um elo entre as artes visuais e a literatura, os títulos de suas obras, são

quase que outra obra a parte, uma nova reflexão. Utiliza-se livremente do desejo

simbólico, da sedução e da poesia para criar um jogo narrativo com o público. Questões

sexuais, o romantismo, o conjunto de símbolos costuram, com grande simplicidade, sua

vida e sua produção artística.

As obras de Leonilson nos fazem viajar, entrar em um mundo que por vezes

ignoramos, e nos fazem experimentar sentimentos que desconhecemos com sua

genialidade e delicadeza, faz com que fiquemos inesperadamente perplexos diante de

suas obras, talvez não tão belas, aos olhos de quem julga apenas pela estética, mas

surpreendentemente fantásticas e cheias de elementos que nos fazem pensar.

A delicadeza dos materiais também conduz o espectador a conhecer inesperadas

associações visuais. Mas em todos os detalhes (“...), é uma visão de mundo e a atenção

de um artista com os pequenos sentimentos, que finalmente, são os que fazem a

grandeza do ser humano”. (Mendonça, Textos críticos 2005)

Seus procedimentos subjetivos e referências com a contemporaneidade

Não há como separar os aspectos de subjetividade, princípios morais, como o

artista pensa, trabalha as questões culturais e políticas do cotidiano. Esse diálogo está

presente de uma forma muito clara, porém acontece simultaneamente em todo o

desenvolvimento da sua Obra. Não é à toa que rapidamente foi considerado pela crítica

um artista de transvanguarda, pelo seu ecletismo, recorrendo à liberdade de referências,

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linguagens e materiais, transitando em várias épocas estilísticas pelo simples gosto de

fragmentar e unir questões particulares e contemporâneas.

É possível observar o seu pensamento numa obra essencialmente autobiográfica,

mas sempre atento às questões de ordem coletiva, numa crítica bem humorada aos

problemas da sua geração e da cidade de São o Paulo onde residiu e ilustrou as crônicas

do jornal Folha de São Paulo entre 1991 e 1993. “Paulistanos ensopados dão com os

burros n’água (1991)” e “São Paulo não é nenhuma Brastemp (1992)” são dois desses

exemplos em que se percebe que apesar de uma obra muito voltada introspectivamente,

ela não é egocêntrica. Muito pelo contrário, o artista se valia da exposição de sua vida

para se comunicar com as pessoas sobre suas críticas sociais. Essa é a maneira que ele

encontrou para fazer o ele entre o que era do seu universo particular e sua arte

contemporânea que para ele se tratava de uma coisa só.

Outro exemplo de crítica social é um trabalho de 1990 fazendo referência ao

machismo do casamento. Nela, um longo vestido de voile bordado na barra: “O que

você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo.” Aliás, os títulos

revelam essa poética em trabalhos que naturalmente se modificam na sua trajetória

artística. Só para citar alguns: O que seus olhos me dizem (1983), Da pouca paciência

(1987), Palavras violentas (1987), São tantas as verdades (1988), Cada delícia tem um

preço (1988), O deslocado (1989), Leo não consegue mudar o mundo (1989), Isolado

frágil urgente confuso (1990), O mentiroso (1992), Síndrome de abandono (1992),

J.L.B.D (1993).

Maria Ester Maciel in Cassundé resume o conjunto da obra questionando: “Em

que medida os objetos cotidianos podem contar a história de uma pessoa?” Acredita-se

que coisas guardadas em armários, gavetas e organização de coleções contam não

apenas a história de um indivíduo como descrevem os valores da sociedade daquele

momento histórico.

Exatamente o que inventário da poética do Leonilson se propõe guardando

objetos, diários, anotações, bilhetes de trem, cartazes de suas exposições, agendas. Seu

desejo era descrever quem era, no que acreditava, gostava e o quanto era significativo

para ele não se desvencilhar dessas coisas como uma referência de sua identidade e do

seu trabalho.

No catálogo da exposição em Porto Alegre (2012) a mesma autora mencionada

escolhe a seguinte frase de George Perec para sintetizar a poesia do artista: “O que não

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está ordenado de um modo definitivamente provisório, o está de modo provisoriamente

definitivo”.

Talvez por isso a sua concepção de arte muitas vezes parece contraditória porque

ele tenta estabelecer um diálogo com a vida cotidiana que é dialética, incerta, dinâmica,

preconceituosa e caótica. Obviamente tudo isso afeta a sua produção artística com

imagens, objetos ou palavras.

Incêndio a bordo, 1987

Tinta acrílica sobre guardanapos de tecidos costurados e rosa artificial costurada

Col. Museu de Arte Moderna de São Paulo

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

O que parece lona, na verdade são guardanapos costurados, têm um aspecto feio,

de pano de chão sujo. A maneira como a frase está escrita é displicente. A separação

silábica irregular tenta confundir, no entanto não desorganiza o sentido da palavra.

Assim como as dobras da costura soltas para um lado, hora para outro, também aberta e

fechada, mostram uma mobilidade, liberdade dada ao tecido pelo modo como foi

costurado, dando a ideia que a obra ‘deseja’, isso é possível através do material que

reage espontaneamente às contingências do tempo.

É uma obra em que os detalhes se multiplicam a cada nova impressão. O

incêndio parece organizado porque os furos são simétricos, com as bordas azuis,

preenchidos com a tinta branca contrastando o pano manchado.

Poderiam ser apenas pinturas sem cortes, já que os círculos são cortados com tanto

cuidado que só com atenção é que se percebe que são vazados. Sobre a intenção de

incêndio do artista é arriscado escrever sem seu próprio depoimento sobre o trabalho.

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Pode-se falar sobre o incêndio que o contato com a obra do artista proporciona.

À primeira vista o trabalho “incêndio a bordo” sugere um sentido negativo de morte,

abandono pela cor suja e a rosa de plástico. Depois a obra transforma o espectador, ela

comunica esperança através da rosa que mesmo artificial e lambuzada de amarelo

sinaliza o símbolo ‘flor’. No dicionário é o “desabrochar da vida, o viço da idade, o

belo”.

Aliás, Leonilson introduz a palavra no seu trabalho de uma forma séria e

divertida. Incêndio, por exemplo, tem duplo significado no dicionário Aurélio, pode ser

um fogo que lavra com intensidade, guerra, destruição, contudo também pode ser

entusiasmo, ardor, paixão e vida. O uso das palavras já mencionado anteriormente aqui,

segundo seus curadores é um dos focos principais que ao mesmo tempo em que

processa um diálogo, “se torna matéria de sedução e aspecto central na construção de

sua poesia visual”. É dessa forma que a palavra assume significado de imagem.

Provavelmente seja a palavra o primeiro elemento a chamar atenção numa obra como

essa porque se tenta relacioná-la com o restante dos materiais.

E isso, segundo os críticos, se intensificou depois de 1989, dois anos após esse

trabalho. “O seu desejo de conversar com o público na construção de suas realidades,

muitas vezes de fatos fantasiosos ou realmente subjetivos da autobiografia de

Leonilson”.

Ainda sobre “incêndio a bordo”, se observado atentamente o tecido não é homogêneo,

têm partes em que está mais desgastado, aparecendo a trama das linhas e também

marcas possivelmente deixadas por grampos ou pregos de outras exposições. Outro

sinal de cavidade, mas desta vez intencional revestido de ponto caseado, como usados

para fechar roupas, casas de botão.

Segundo o mediador, o artista contava com a ideia de o tecido branco amarelar,

ou seja, o aspecto de sujo foi conquistado com a interferência do tempo, que certamente

vai se deteriorar até o fim porque não há nada que proteja a obra e impeça a ação do

tempo nela. Também não há o que impeça a manifestação do tempo em nós

Há um depoimento do artista sobre essa intenção no site do Itaú Cultural:

As pessoas botam chassi para proteger o trabalho. Eu, não. Se acontece

alguma coisa com minhas telas, aconteceu acabou. Se tem um rasgo, dou

uma costuradinha. Entendo a tela como objeto e não apenas como pintura

para pôr na parede. A pintura interage: se está calor, ela 'engruvinha'; se está

frio, ela estica, sai um pouco da parede, volta. Os tecidos pré-colombianos

eram preciosíssimos e sobraram na forma de fragmentos.

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E quanto ao aspecto rude, Ricardo Rezende in Cassundé (2012, p. 18) explica

que entre as obras iniciais e finais houve uma depuração de formas, materiais e sentidos.

Segundo ele, o próprio Leonilson admite que foi preciso passar por uma pintura de

aspecto “violento” ou “agressivo” com pinceladas e cores vigorosas para chegar aos

objetos delicados, os “bordadinhos” na forma de saquinhos ou “paninhos” como ele

mesmo se referia. Não se sabe ao certo se é o processo de mudança do artista que

modifica a sua obra ou se é a dedicação pela arte que transforma o artista, diz Cassundé:

“Leonilson acreditava que para ser um artista seria preciso dedicar-se exclusivamente à

obra e não a si mesmo. Como um mártir.”

O que se vê é arte e vida se misturando tornando a sua obra genuína como ele

mesmo afirma numa entrevista: “eu só quero ser um homem de verdade: puro e livre”.

Essa liberdade aparece pelo seu fascínio por viagens, um tema recorrente nos mapas, a

mala, o avião, o barco, o carro, globos, bilhetes de trem. Além do hábito de colecionar

objetos e símbolos: o pato, a roupa, a ponte, o círculo (bolinhas, botões), o vulcão, o

peixe, a cadeira, o coração, o homem, o fogo, as pedras, o sangue, o copo, as árvores, a

escada, o espelho e diários. Signos que ilustram o seu espírito inquieto de nordestino

nômade que vai para a Europa em 1981 e em 1983 já é sinônimo de vanguardismo com

uma vida intensa de exposições. Cassundé p. 14

Ele narra um diário de bordo de suas aventuras:

“Amanhã é meu aniversário (35 anos). Não tô triste, não tô ansioso. (...) Sou

uma pessoa muito frágil. Me refugio no meu trabalho que é uma observação

sobre mim mesmo. (...) sou um peixe com o oceano inteiro para nadar. (...)

Hoje é 22 de maio. Vazio. Sinto falta para quem me dedicar. (...) Eu tenho

que ir embora. Tenho que mudar tudo na minha vida”.

Nessa gravação ele se revela frágil sem ser apelativo. Apenas considera um

traço de personalidade, assim como aceita sua condição solitária. Parece revelar isso

para admitir a imperfeição artística e simplicidade das suas obras, sabia que precisava

ser autêntico para ser feliz.

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Mirro, c. 1972

Bordado e assemblage com caixa de madeira, tecido, feltro, latão e papelão

39x40x8 cm

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

Esse trabalho foi incluído por ser o seu primeiro bordado aos 15 anos de idade. É

uma assemblage, que o site do Itaú cultural conceitua como a “estética da acumulação",

todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte, o que rompe

definitivamente as fronteiras entre arte e vida cotidiana.

Há um pedaço de jeans bege rasgado, levemente manchado com tinta vermelha e

branca, costuras desfeitas, pontos rasgados mantidos no tecido, três pedaços de feltro

amarelados, dois deles sobrepostos em cruz, presos com pontos mal feitos, duas

pedrinhas ou sementes costuradas, possivelmente imitando olhos. Abaixo, o terceiro

feltro bordado a palavra “MIRRO” de cabeça para baixo preso por alguns pontos

aparentes e outros descosturados e mantidos no tecido como se tivessem mudado de

posição. A caixa de madeira é fechada na frente com um vidro. A superfície da madeira

é irregular e pintada de qualquer jeito na cor branca. No fundo há um pedaço de

papelão menor que o tecido, mas deslocado para que apareça no trabalho, também

pintado de branco, que não se entende porque está ali. Ainda no centro superior há um

disco pequeno de latão enferrujado preso por um prego. Suas bordas estão tortas e

falhas, sugerindo a idéia de que foi arrancado da sua origem.

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O significado da palavra “mirro” não foi encontrado. Mais uma característica de

Leonilson, sua liberdade no uso das palavras, como afirma Beck (2005, p. 13), para o

artista “a palavra e imagem, sentido e significado, língua e linguagem rompem limites

na tentativa de eliminar fronteiras e barreiras na comunicação”.

Depois de observar cada fragmento é o momento de integração. Num olhar mais

atento pode ser ele mesmo, afinal tem uma sugestão de olhos, nariz, boca. E na sua

biografia e nos seus trabalhos posteriores, Leonilson aparece como o pato da fábula

infantil “o patinho feio”. Tudo começa a fazer sentido e o mais provável é que “mirro”

seja uma alusão a mirror, ou seja, espelho em inglês.

Segundo as informações da exposição, o artista resgata o ato de bordar muitos anos

depois, quando desenvolveu alergia às tintas e seu traço no desenho perde a firmeza

com os efeitos do vírus HIV no seu organismo.

São momentos que exigem do artista uma adaptação que se ajusta ao seu trabalho de

uma forma natural. Ele aperfeiçoa o bordado enquanto possibilidade artística e o utiliza

para fazer uma arte delicada e amorosa.

Por isso a importância desse primeiro bordado, pois tanto tempo depois quando

ele o resgata temos um trabalho de um novo artista, mais simples e sucinto.

El Puerto, 1992

Bordado sobre tecido de algodão e espelho emoldurado

23x16 cm

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-

amores/

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Aqui se percebe que o seu diálogo com as questões contemporâneas se dão

através de material ‘vagabundo’ (comum), sensível: latão, pinho, lona, feltro, voile,

papelão, objetos de uso cotidiano como um espelho pequeno, que inclusive se repete em

outros trabalhos.

Temos um tecido de algodão listrado bordado. É como se fosse uma roupa para

vestir o espelho, ou quem sabe disfarçar a nudez do rosto que ele não queria refletido.

Dizem que depois que soube ser portador do vírus HIV o artista desenvolveu aversão

por espelhos. Então bordou as suas medidas, outra fixação que ele desenvolveu por

listas, números, classificações: Leo, 35 anos, 60 kg, 1,79cm. Há uma lenda que conta

que quando uma pessoa morre todos os espelhos da casa devem ser cobertos com pano

durante a semana seguinte após sua morte.

É o que pode parecer nessa obra, mas não para Ricardo Resende in Cassundé

(2012) que o conhecia bem. Para ele, esse trabalho é um dos mais preciosos de

Leonilson, de uma simplicidade absoluta trazia a ideia de receptividade pelo título: El

puerto. O porto que recebe e acolhe com segurança. O artista, segundo ele, que recebe

as energias dos amigos ou os amigos que recebem suas energias.

Uma característica dele, fazer da vida a sua arte e vice-versa. Usando o seu sofrimento,

mas de uma forma leve, poética, aceitando sua realidade. Um detalhe, esse trabalho foi

feito no ano anterior a sua morte.

Leonilson é especial. Dá uma lição de vida quando afirmava: “minha vida não é

um inferno e nunca deixaria que se tornasse”, e aparentemente não deixou mesmo. Dito

por quem conviveu com ele, nas entrevistas dos vídeos que transmitidos na exposição.

O compromisso de felicidade que é preciso ter com a vida, embora todas as aflições de

sonhos perdidos. Uma felicidade real de busca pelo que realmente interessa para

satisfazer a alma.

Mesmo com amores platônicos, inconformidades, vazios, o artista conseguia ter

o que doar às pessoas, era generoso com seu trabalho, expunha seus sentimentos, sua

imperfeição, o seu avesso.

Vê-se o mal feito, o inacabado, o arremate, o ponto que sustenta, a linha que

finaliza o trabalho como parte da obra principal. Isso é bonito porque traduz as pessoas

e o cotidiano, como ele se apresenta na maior parte do tempo. É o normal dos dias sem

graça, dos materiais de uso comum, sem moldura nem mise-en-scène. De uma maneira

crua, porém muito inteligente. Dessa forma Leonilson consegue atentar para o maior

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significado da arte contemporânea, que vai muito além da técnica e da estética porque

mostra o sentido da vida.

“Carregar o mundo nas costas é ouro de artista”, essa é a lição que ele deixa como

superação dos problemas da vida.

Esse é o ouro de artista, se doar como prova de amor.

A discussão de valores

Bom rapaz em embalagem ruim, 1991.

Bordado sobre voile 45X40

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-

amores/

• Leonilson não se considera um artista;

• Não desejava ser um bom rapaz em embalagem ruim;

• Ele não tinha o desejo de provocar dramas familiares ao não se enquadrar nos

padrões da sociedade;

• Sua Obra deixava à mostra seus sentimentos e emoções, e transmitia a mesma

melancolia que aflige o mundo contemporâneo;

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2.2. Análise formal e subjetiva de duas obras de Leonilson

Ouro de artista... ouro pra vida toda

Ao fazer uma breve reflexão acerca dos conteúdos que fizeram parte da

disciplina de Introdução à Arte, realizada no primeiro semestre de 2012, consigo avaliar

a conseqüência positiva que o ato de ler imagens acarreta no desenvolvimento

acadêmico do estudante. Ler imagens, apoiada em pedagogias como as de Carlos

Gerbase - que nos impelem a adotar uma postura desconfiada, que avalia com rigor o

caráter ideológico e o conteúdo estético de quaisquer imagens que nos são apresentadas

- aliadas ao interesse e disposição de interagir com as obras, mencionados por Jorge

Coli, nos tornam observadores mais sensíveis, não somente no campo das artes, mas

sobretudo em relação a vida.

Ter a capacidade de desenvolver um olhar que ao mesmo tempo seja crítico e

desconfiado, mas que ainda assim consiga dar lugar a um estado contemplativo a ponto

de produzir sensações e estados emocionais diversos, completam o processo de análise,

leitura e interatividade com a obra. Essas minhas poucas palavras apenas tentam

elucidar, de forma clara e pouco superficial, o quanto as experiências trazidas por essa

disciplina me enriqueceram de um modo geral. Acredito ser pertinente realizar essa

breve reflexão antes de adentrar de forma mais discursiva e analítica no objeto desse

trabalho, a Obra do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993). Esse

trabalho, realizado em 2012, torna-se parte desse projeto de pesquisa, em que a obra do

artista foi analisada com base na exposição: “Sob o peso dos meus amores”, realizada

pela Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre.

O objetivo desse trabalho era realizar uma leitura e análise pormenorizada de

uma obra do artista Leonilson. Foi deixado livre o critério de escolha dessa obra por

parte do aluno, podendo ou não ser a mesma obra utilizada na pesquisa inicial, mas

devendo ser analisada em conjunto com outra obra do mesmo artista, para que possa ser

desenvolvido um comparativo, ampliando assim a análise da Obra como um todo. A

primeira obra analisada nesse trabalho é a mesma utilizada no texto de G1: “Cheio,

Vazio”. A segunda obra escolhida foi: “O inflexível”.

Estudar a Arte Contemporânea, de forma aprofundada, é fundamentalmente

importante para a formação de futuros professores de artes visuais. Como mencionado

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pela professora Ana Lúcia Beck (aula do dia 06 de junho), é muito importante que

estudemos a fundo esse período da arte, pois é o que mais teremos contato ao longo da

vida, também foi ressaltada a importância de possuirmos uma “bagagem”, e termos um

significativo conhecimento acerca de nós mesmos, para que possamos cumprir nosso

papel como educadores de arte.

Por vezes o professor de artes visuais acaba se colocando na posição de

mediador, e essa tarefa exige do educador o domínio de conteúdo e a experiência

empírica com as obras. A experiência com a Obra do artista Leonilson foi de

fundamental importância nesse processo, estudar um artista desse período da forma

como foi proposto em sala de aula nos tornou capazes de investigar, sentir e interagir

com os demais artistas contemporâneos.

Foram estudados em sala de aula diversos textos de autores que tratavam de

metodologias de ensino em arte, bem como os textos de autoria da professora Ana Lúcia

Beck. Aliado a essa base teoria, realizei três visitas à exposição objeto de estudo desse

trabalho: “Sob o peso dos meus amores”. Para a composição desse segundo estudo das

obras do Leonilson, foi proposta em sala de aula a seguinte metodologia: Coleta de

imagens; análise, confronto e crítica das obras e descrição detalhada das obras com

referências de pesquisa. Anexo a esse trabalho está a tabela utilizada como meio de

organização das idéias aqui expostas.

A Exposição

Realizada na Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre, a exposição “Sob o

peso dos meus amores”, do artista cearense José Leonilson Bezerra Dias (1957 – 1993),

tem curadoria de Bitu Cassundé e Ricardo Resende, e permaneceu exposta de 17 de

março a29 de maio de 2012. Essa exposição é uma nova montagem da que foi realizada

em São Paulo no ano passado pelo Itaú Cultural. A edição apresentada aqui contou com

361 obras do artista, destas, 126 são inéditas, incluindo ilustrações realizadas entre os

anos de 1991 e 1993. O evento engloba desde o período de seus primeiros estudos em

1972, até o ano de sua morte.

O fio que costura, desdobra não somente os tecidos, mas também o

espaço de significação da obra. O fio que costura também, borda e escreve.

(BECK, 2004)

O fio pelo qual se desdobra a nossa vida é composto por diversos altos e baixos,

presentes ao longo da trajetória de todo o ser humano. “Experimentar” uma obra

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contemporânea sob a influência de alguns sentimentos, tanto os de grande euforia e

contentamento, quanto os de tristeza e desalento, é uma excelente oportunidade de

encontro com o “si mesmo”, também definido por Carl Gustav Jung como “Self”. Ter a

condição psíquica e emocional de experimentar esse autoconhecimento, auto avaliação

e por que não uma auto cura, é um processo por vezes demorado, ou simplesmente algo

que pode ser subitamente alcançado, o que vai depender das condições de cada um. É

importante mencionar esses aspectos, mesmo que de forma pouco aprofundada, pois a

experiência de estudo e conhecimento da Obra do Leonilson trouxeram para minha

vida, tanto pessoal quanto acadêmica, essas questões, de uma forma muito relevante.

A experiência que descrevo nesse trabalho faz parte de um processo muito maior

e mais complexo pelo qual minha vida acadêmica tem passado, e como mencionado

pela professora em sala de aula, a arte contemporânea agrega elementos de diversas

áreas da vida, e permite ao observador fazer essa relação. Trata-se de um campo

expandido.

Descrição e Estudo das obras

Cheio, Vazio, 1993.

Bordado sobre voil.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

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Elemento Formais

Trata-se de uma obra bidimensional, com superfície predominantemente plana

na forma como é apresentada, as texturas que possui vem dos bordados com linha que

formam as palavras. No tecido, há a presença das cores primárias, como o vermelho e o

amarelo, bem como o branco e a estampa listrada de branco e verde. Os contornos,

externos e internos, delimitam as formas geométricas do objeto, composto de retângulos

que são observados com certa distorção por conta da leveza do tecido e da forma como

está exposto, preso por ganchos nas extremidades superiores. Cada um desses

retângulos possui as palavras bordadas: Cheio e Vazio, que dão nome à obra.

Análise

Um sentimento e estado de espírito particular me permitiram parar e olhar uma

obra contemporânea com um sentimento diferente do que aquele que eu havia

experimentado até então. Cheio e vazio são sentimentos ou estados de espírito inerentes

a todos nós, mesmo para aqueles que não se permitem admitir tal condição. No trabalho

de G1 que tratou dessa mesma obra eu fiz o seguinte questionamento: Será que o

Leonilson expôs nessa obra sentimentos que também fazem parte do meu mundo? Hoje,

com mais experiência e maior carga de informações torna-se possível responder essa

questão com segurança. Sim, ele sabia muito bem o que estava fazendo, sabia lidar com

as próprias sensações, sabia olhar para dentro de si, algo muitas vezes difícil de fazer,

lembro-me de uma aula em que a profrssora fez esse comentário, não me recordo das

palavras certas, mas lembro quando ela exemplificou essa idéia com o fato de que

muitas vezes sonhamos com coisas horríveis, mas que na verdade podemos estar muito

bem traduzindo partes de nós que muitas vezes gostaríamos que nunca despertassem.

Seguindo esse pensamento, fico avaliando por que o Leonilson usou um tecido tão leve

como o voil, seria uma forma de evidenciar o vazio? Digo isso porque quando tenho

meus momentos de vazio me sinto tão frágil como esse tecido que deixa passar a luz

através de suas fibras, e assim, acaba mostrando seu outro lado.

E quanto aos bordados que a compõem? Seria o preenchimento das fibras com

linha, ocupando os espaços vazios para que se tornem cheios? Sei que uma das

características marcantes de sua obra é a utilização de costuras e bordados que não

seguem nenhum padrão estético, e tampouco podem ser considerados como bordados

que utilizam uma técnica específica de execução, mas nessa obra em particular não pude

deixar de questionar esse fato. Fica claro pra mim que seu trabalho evidencia uma

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marca singular, em que deixa transparecer a alma do artista, e mais ainda, permite que o

observador entre em contato com sua própria alma, algo nem sempre fácil com já foi

mencionado.

Leonilson acaba por desdobrar palavras em bordados e bordados em

palavras. Nesse ponto, a compreensão de sua obra como oração torna-se

evidente. O desejo dito – oração – adquire forma no desejo realizado – doar.

Oração que é, sobretudo, doação: discurso do amor. (BECK, 2004).

A oração bordada nesse trabalho apresenta apenas duas palavras, cheio e vazio,

as demais palavras, necessárias para a formulação de uma oração, devem ser elaboradas

pelo expectador em seu momento de contemplação diante da obra. É fato que quando

nos deixamos tocar por uma obra como essa, acabamos entrando em contato com nossas

emoções, e se tivermos humildade e maturidade suficientes, somos capazes ainda de

deixar vir â tona o produto de toda essa experiência. Foi o que aconteceu comigo, eu

orei diante dessa obra, essas duas palavras me levaram a uma reflexão muito

importante, que vai além dos limites da aula de introdução à arte, e até mesmo do curso

de artes visuais, fiz uma reflexão de vida que me levaram a um estado maior de

autoconhecimento. Acredito que pratiquei uma “arte terapia”, o resultado foi

surpreendente.

O outro revela a Leonilson não somente seus desejos íntimos, mas

também sua própria vontade e dela advinda realização: seu próprio ser,

(BECK, 2004).

O “outro”, acima mencionado, é o Leonilson, que revelou os meus desejos

íntimos, minha própria vontade e meu ser. Eu, Danielle, me deixei envolver por suas

obras num exercício inicialmente perturbador, mas que, passado esse desconforto

inicial, o encontro com o “si mesmo” através da arte pôde ser experimentado, esse

momento acima de tudo se deu através de um artista cuja principal marca é o amor e o

amor doação, o que me levou, naquele momento, a “amar bastante”, amar quem eu sou

e me perdoar, me absolver e me aceitar...

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38

O Inflexível, 1993.

Acrílico sobre lona.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

Elementos Formais

Essa pintura é feita sobre lona e não sobre a tradicional tela, utilizada por um

grande número de artistas, a presença de cores vivas como o azul, o verde, o vermelho e

o amarelo dão destaque ao branco, utilizado no centro da pintura. Essa obra traz um

elemento muito característico da obra do Leonilson, as palavras, escritas nas

extremidades superiores sobre um fundo branco, e trazendo informações que completam

o sentido da obra.

Análise

O pato jamais vira cisne? Se ele for inflexível é pouco provável que ele venha a

ser convidado a fazer parte do espetáculo de Tchaikovsky, “O Lago dos Cisnes”. Essa

obra me chamou a atenção de uma forma muito especial, pois pessoas que me

conhecem freqüentemente já me rotularam como “um ser inflexível”, e eles estavam

certos, até o dia em que essa realidade começou a mudar. Minha vida acadêmica

começou com a faculdade de Direito na PUCRS em 2000/2, por conta dessa

inflexibilidade que estava latente por volta dos meus 19 anos,essa não era a faculdade

que eu queria, mas o problema é que eu não sabia que faculdade eu realmente queria,

então me deixei levar por um caminho que, cinco anos depois, me fez ter a certeza de

que meu rumo era outro. Passei um longo período vagando, querendo ser um belo cisne,

mas com a cabeça de uma pata teimosa e bem pouco flexível, mas no fundo eu sabia

que, cedo ou tarde, me tornaria um cisne de corpo e alma, e ao ingressar nas artes

Page 39: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

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visuais, não tinha a plena certeza de que esse era o caminho certo, cheguei a questionar

se novamente eu estava em outro caminho errado, que hoje percebo não ser tão errado

assim, pois aprendi com o Leonilson, que não é porque meus bordados não são retos

que minha obra não terá valor. Essa dúvida cessou a partir do momento que me descobri

dentro das Artes, é aqui que me sinto cisne.

A obra “O Inflexível” me faz lembrar também do inicio de tudo, dos cursos de

pintura sobre tela, dos experimentos com cores e das frustações, pois sempre que eu

pintava um cisne via projetado na tela um grande e borrado pato. Mas sinto que essa

obra me traz uma sensação de doçura, de aconchego, mas sem deixar em segundo plano

a mensagem principal, que, assim como a primeira obra, me leva a fazer reflexões mais

aprofundadas do meu próprio ser.

Leonilson faz-se Leonilson no confronto com o outro. (BECK, 2004).

Quando pensamos no outro, quase sempre nos remetemos “aos outros”,

exteriores ao nosso ser, mas e os outros que habitam dentro de nós? Esses também

devem fazer parte dessa análise, uma vez que, segundo o meu argumento, o pato pode

sim se tornar cisne, basta que dentro dele existam as condições básicas para que isso

ocorra. Autoconhecimento e consciência do próprio poder, inerentes a todo ser humano,

mas trabalhado e explorado por poucos, pois acredito que a maior parte das pessoas

passe pela vida na condição de pato, mas não num sentido pejorativo, mas por conta da

falta de exercício desses dois valores acima mencionados. Confronto-me com o outro,

quando, ao olhar para dentro de mim, identifico as reais possibilidades de me tornar

cisne, mas não consigo tomar posse de mim mesma, trabalhar o “eu”, enquanto objeto

dessa mudança e ao mesmo tempo autora desse processo.

Virar cisne não é do dia para noite, o caminho me remete aos bordados do nosso

artista, me faz lembrar as bordas assimétricas das suas telas sem bastidor, durante esse

percurso é comum o abatimento, a vontade de mandar esse cisne pra bem longe e tentar

se sentir feliz na condição de pato é uma opção válida, e quem disse que o pato também

não é feliz? Quem disse que o pato não sabe “amar bastante”? Convenhamos que o pato

é até mais popular do que o cisne, pois desde muito cedo na escola ele nos ensina com

seus dois patinhos na lagoa. Ao final dessa breve e singela análise, não sei dizer ao certo

onde estou nadando, se é no belo lago dos cisnes, ou na “Lagoa dos Patos”, ou se estou

pulando de um pra outro, o fato é que, esse movimento, e também a ânsia pela

mudança,nos acrescenta muito, a ponto de descobrir um terceiro ser capaz de tirar o

brilho tanto do cisne, quanto do pato, é só uma questão de se permitir.

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40

Comparativo entre as obras

[...] a busca constante por este lugar é o que faz com que o artista

perceba que seu lugar não é a pintura tradicional, não é a alta-costura, não é a

literatura [...]. (BECK, 2004).

Segundo Resende, os bordados de Leonilson podem ser chamados de

desdobramentos ou outras dimensões do desenho. Há uma significativa mudança na

obra do artista quando se faz um comparativo entre as obras apresentadas, e também em

toda a Obra do Leonilson, num primeiro momento seu trabalho apresenta produções

com tinta - material artístico - e num segundo momento identificamos a presença de

elementos funcionais como tecidos e botões, deixando claro que seu trabalho trilhou um

caminho, passou por períodos distintos e evoluiu com o passar dos anos, pois a arte

materializada através de palavras bordadas evidencia a grande habilidade de expressão

dos próprios sentimentos por parte do Leonilson.

Eis meu coração

Ele te pertence

Ouro de artista é amar bastante

Leonilson

Menciono novamente algumas questões anteriormente expostas no decorrer do

semestre, minha incapacidade de aceitar as manifestações artísticas contemporâneas

como Arte, pois sob o meu antiquado ponto de vista, a tradução de arte encontrava-se

apenas nos períodos que englobam o barroco, o rococó e a renascença. Nunca ninguém

havia me colocado frente a frente com um artista contemporâneo, acredito que eu

também não havia permitido que tal fato acontecesse, mas através dessa disciplina e da

forma como esse processo se desenvolveu comigo, eu pude não apenas admirar e

interagir com a Obra de um artista desse período, mas acima de tudo eu aprendi a

trabalhar o ponto chave desse processo: Identificar qual a intenção do artista, expressão

que até então era erroneamente traduzida por: O que o artista quis dizer. Agora, em que

estamos a caminho do término dessa disciplina, sei dizer exatamente qual a intenção do

Leonilson (artista analisado nesse trabalho).

O Leonilson, falava diretamente a mim, e a todos aqueles que se permitiram

deixar de lado suas crenças e velhos conceitos, o Leonilson falava aos que, assim como

ele, eram capazes de amar, de sentir, de doar... E de bordar, mas não me refiro aqui a

bordados esteticamente perfeitos, cheios de técnica, mas faço uma referência aos

bordados que, ao longo da vida, todos nós estamos compondo, repletos de linhas curvas

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e por vezes enredadas, cheios de cores vivas, ou apenas em preto e branco, falo da

costura da nossa trajetória, sempre bela e única. Entender o Leonilson é entender a nós

mesmos, é se permitir entrar em contato com áreas do inconsciente, é se descobrir; é

sentir vontade de bordar a própria vida; é se deixar amar mais e se preocupar menos,

menos com as costuras que não conseguimos manter em linha reta, menos com a

assimetria de nossas telas. Entender o Leonilson é não nos entristecermos com a perda

dos botões que deixamos pelo caminho. Entender o Leonilson é realmente descobrir que

o ouro de artista é amar bastante!

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2.3. William Kentridge

Contraste, impacto, confronto, desconforto, fartura, riqueza... Fortuna! São

inúmeras as sensações que o contato direto com as obras de William Kentridge

provocam no expectador. Experimentar a Fortuna é enriquecer-se de fato com a

genialidade desse artista contemporâneo.

Em meio a um ambiente que descreve com primazia a trajetória e os processos

pelos quais o artista percorre na construção de seu trabalho, William produz gravuras,

esculturas e performances, mas são as séries de desenhos que realiza, através da

construção e desconstrução de seus elementos, que produzem animações repletas de

movimento, de seqüência, de história.

Utilizando materiais artísticos em seus desenhos, são realizados sobre papel os

traços com carvão e grafite, dando formas e significados às produções. Por vezes o

contraste entre o preto e o branco é quebrado por detalhes de cores primarias como o

azul e o vermelho, que funcionam como marcadores do processo pelo qual o artista

percorre, ou simplesmente compõem a obra dando-lhe contraste.

Desenho para o filme: Felix no exílio. 1994.

Carvão e pastel sobre papel. 93 × 120 cm.

Coleção do artista.

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

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Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996,

Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm.

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

Embora o tema de suas obras trate de questões políticas e faça uma severa crítica

social ao apartheid, movimento de segregação racial ocorrido na África do Sul, é

impossível não sentir-se atraído por suas obras. (8) Seu desenho possui vida na medida

em que é capaz de reproduzir, a partir da realidade, fatos que num primeiro momento

assombram, mas ao passo em que se vai observando algumas cenas de violência, que

contrastam com a beleza dos traços de seu desenho, é possível inferir que seu trabalho

não está apenas se valendo da desgraça humana como forma de produzir arte, mas trata-

se também de uma relação com um propósito bem mais elevado. William Kentridge tem

compaixão pelas pessoas que retrata em eu trabalho, expor suas vidas através da arte

exigiu do artista um estudo bem apurado, que lhe tomou tempo, tempo esse que em

grande parte foi dedicado aos personagens reais dessa narrativa, personagens que

denotam a situação de pessoas tão sofridas, mas que puderam contar com a atenção de

quem estava disposto a descrever sua história.

Analisando outro procedimento de trabalhada que o artista utiliza: a escultura.

Podemos observar a escultura do rinoceronte, que está parcialmente coberta. De um

lado é possível observar o revestimento de sua estrutura feita com paginas de uma

enciclopédia. De outro lado é possível identificar que essa estrutura é construída com

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papéis e cola que dão sustentação ao objeto. O artista não teve contato direto com o

animal, mas utilizou as descrições da percepção de outra pessoa para construir a obra.

Rinoceronte. 2007.

Construção com foamcore, cola, papel, carvão, páginas de enciclopédia.

Dimensões: 37 × 65 × 30 cm. Coleção do artista.

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560

Acredito que um dos traços mais marcantes da Obra de Kentridge é a presença

constante e reconhecível das marcas de seu processo artístico. As marcas da

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45

desconstrução que constroem suas obras poderiam ser definidas como um processo

artístico exógeno. É possível estabelecer um contraponto com relação ao seu trabalho ao

analisar a Obra do artista, também contemporâneo, José Leonilson Bezerra Dias, que

trilha um processo bem particular durante a produção de seu trabalho, o processo de

Leonilson é mais facilmente observado quando se estuda suas motivações, suas paixões,

o artista percorre a si mesmo na construção de sua Obra. O processo de Leonilson

poderia ser classificado como um processo artístico endógeno.

Além dos valores políticos e sociais presentes em sua Obra, é possível propor

uma reflexão com base na entrevista: O que é a Arte? Lição de desenho nº 47.

Disponível em http://paraisonaotemnome.blogspot.com.br/. Quando pergunta a si

mesmo sobre sua vida enquanto artista, suas motivações e inspirações para criar,

Kentridge afirma que o tempo é curto demais para explicar. Enquanto espera por

respostas, o próprio Kentridge, na posição de entrevistador, faz anotações sobre a forma

como ele acredita que são produzidas as obras do artista. Esse trecho da entrevista de

Kentridge com Kentridge não chega a conclusões explícitas sobre seu trabalho. Sob o

meu ponto de vista, não há a necessidade de uma explicação criteriosa por parte do

artista, sua Obra o faz de maneira primorosa, as narrativas de suas animações,

juntamente expostas com os desenhos que servem de base, mostram a trajetória

completa pela qual seu trabalho passa, dando ao seu criador o luxo de brincar e invalidar

sua própria entrevista.

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CAPÍTULO 3

PROJETO DE ENSINO

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3. PROJETO DE ENSINO

3.1 Dados gerais da escola e da turma

O projeto Acessibilidade à arte contemporânea foi aplicado em uma turma de 7ª

série na Especial para Surdos Frei Pacífico, no Bairro Santo Antônio em Porto Alegre.

O projeto foi desenvolvido durante os meses de março à junho de 2013, contando com

as novas observações silenciosas, a saída de campo e aplicação das práticas de ensino.

os encontros foram realizados no turno da manhã, em períodos duplos de 50min cada,

com inicio às 7h40min e término às 9h20min. A turma era composta de oito alunos

surdos, com idades entre 12 e 15 anos. A professora titular, também surda, possui

Licenciatura em Artes Visuais pela ULBRA/Canoas.

3.2. Dados gerais do projeto de ensino

3.2.1. Tema

Inicialmente desenvolvi minha pesquisa em estágio I sobre o tema: Apropriações

da arte na publicidade. Porém, discutindo alguns aspectos com a orientadora de estágio

II e III, optamos pela total modificação da pesquisa, que passou a tratar do tema:

Acessibilidade à arte contemporânea.

Esse novo tema foi escolhido com base nas observações silenciosas e nos

questionários aplicados em estagio I. Levando em conta a grande resistência

apresentada por parte dos alunos, e também de alguns professores, em entender,

trabalhar e interagir com obras de arte contemporâneas, essa pesquisa procurou destacar

características muito significativas desse período artístico através da Obra de dois

artistas: José Leonilson Bezerra Dias e William Kentridge. Processos artísticos;

utilização de materiais inicialmente não artísticos; a criação do artista executada,

produzida ou montada por outros profissionais e a discussão de valores implícitas nas

obras, são as quatro características da arte contemporânea que ganham destaque nesse

estudo.

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3.2.2 Justificativa

Com base nas observações silenciosas realizadas nas turmas de ensino médio e

fundamental, torna-se evidente a significativa resistência em aceitar as manifestações

artísticas contemporâneas, tanto por grande parte dos alunos, quanto de alguns

educadores de artes visuais. Esse fato pode estar relacionado com a arraigada idéia de

que essa manifestação artística precisa ser “entendida”, enquanto que na verdade ela

poderia ser apenas sentida. Esse desconforto que muitos expectadores experimentam,

quando em contato com essas obras, atua como um convite.

Falar em acessibilidade à arte contemporânea é desconstruir um

conservadorismo que se coloca em posição de defesa diante dessa manifestação, é

destruir a idéia de que apenas através da mediação pela palavra essa produção

apresentará sentido. A arte contemporânea não precisa necessariamente ser explicada ou

entendida, ela precisa acima de tudo ser experimentada, uma vez que a grande

característica dessa manifestação encontra-se na posição do expectador, que atua

diretamente na construção do sentido das obras.

3.2.3. Objetivo Geral

Através do tema “Acessibilidade à arte contemporânea” busca-se desvincular a

idéia de que as produções artísticas contemporâneas necessitam de um sentido explicito,

quando na verdade a falta desse significado aparente atua como uma aproximação entre

obra e expectador, que já não ocupa mais essa posição definida, uma vez que na arte

contemporânea o expectador muitas vezes faz parte e torna-se um elemento

fundamental à obra, atuando dentro desse processo de forma ativa na construção de

sentidos. Essa aproximação visa quebrar a resistência em aceitar a arte contemporânea.

3.2.4. Objetivos Específicos

Trabalhar com os alunos o modo particular como experimentam a arte

contemporânea;

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49

Estimular uma auto-conscientização acerca dos sentimentos por eles

experimentados quando confrontados com essa arte;

Realizar reflexões sobre a arte a partir do sentir;

Estimulá-los a elaborar suas próprias reflexões e provocar a leitura de

determinadas obras com base nos sentidos.

Desvincular a idéia de que essas produções artísticas contemporâneas

necessitam de um sentido explicito.

Motivar os alunos a produzirem trabalhos plásticos com características

contemporâneas.

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3.3. Prática de Ensino

3.3.1 Observação silenciosa 1

Dia 03.04.2013

Horário: 7h40min às 9h20min

Ao chegar à escola, fui encaminhada à sala de artes pela coordenadora do turno

da manhã, cumprimentei a professora Lucila e os alunos com a língua de sinais

(LIBRAS). A professora iniciou o período da manhã com uma breve oração de

agradecimento e proteção. Como estou começando a observar uma nova turma, me

apresentei aos alunos com meu nome e meu sinal (possuir um sinal é algo obrigatório

dentro de uma cultura surda, funciona como um apelido, utilizo o mesmo sinal há mais

de 6 anos). Os alunos se empolgaram com a minha presença, vários deles me chamaram

para conversar, fizeram muitas perguntas ao mesmo tempo, fui respondendo a medida

que conseguia, pois não possuo muita agilidade e rapidez com os sinais.

A professora Lucila explicou à turma que sou estagiária e que estudo na mesma

Instituição em que ela se formou. A professora passou a distribuir esculturas feitas em

papel machê, esses trabalhos foram iniciados na aula anterior, esculturas de figuras

humanas, todas do mesmo modelo e tamanho. Os alunos forraram a grande mesa da sala

de artes com jornais, sentaram-se em seus lugares de costume e dispuseram suas

esculturas sobre a mesa. A professora Lucila pegou em um dos armários uma grande

caixa de madeira, dentro dela havia vários tipos de tinta acrílica e guache, e um dos

alunos ajudou a professora a pegar alguns pincéis de tamanhos variados em outro

armário. Enquanto os alunos conversavam a respeito das cores e escolhiam os pincéis

conforme os tamanhos, a professora desenhou no quadro a escultura já realizada por

eles, e deu as instruções de como a pintura deveria ser realizada.

À figura humana deveriam ser pintadas roupas e acessórios, a professora

solicitou também que a pintura do rosto e das mãos fosse feita com tintas no tom de

pele, a cor das roupas e dos cabelos era de livre escolha dos alunos. Os alunos fizeram

alguns questionamentos sobre o acréscimo de elementos que ela não havia solicitado,

como gravatas, botões e fitas no cabelo das esculturas. Após esclarecer suas dúvidas, a

professora sentou ao meu lado e conversamos um pouco a respeito das futuras aulas, das

observações e das minhas experiências no curso de artes.

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51

Conversei com ela a respeito da visita à Fundação Iberê Camargo, que será

realizada na escola na próxima semana, ela me disse que irá nos acompanhar, pois os

alunos são muito indisciplinados e precisam de constante vigilância. Não observei

nenhum tipo de indisciplina, mesmo durante alguns momentos em que a professora se

ausentou da sala.

Os alunos seguiram com a atividade, percebi que eles tinham o cuidado de não

colocar o mesmo pincel em diferentes cores de tinta, havia um coleguismo muito grande

entre eles quando trocavam entre si os pincéis que utilizavam nas mesmas cores. Aos

poucos os alunos foram concluindo as pinturas, a professora buscou no corredor da

escola uma placa fina de madeira para que os alunos colocassem seus trabalhos para

secagem. Alguns alunos ajudaram a professora a levar essa placa para o corredor da

escola. Ao lado da porta da sala de artes existe um móvel grande de madeira em que os

trabalhos ficam expostos.

Faltando alguns minutos para o término da aula, a professora pediu aos alunos

que a ajudassem na organização e limpeza. Enquanto alguns alunos lavavam os pincéis

na pia, outros recolhiam os jornais sujos de tinta e outros armazenavam os potes de tinta

dentro da grande caixa de madeira. Após a organização, a professora realizou a

chamada.

Novamente ela explicou ao grupo que as futuras aulas seriam comigo, eu disse

aos alunos que seria um grande prazer e um enorme desafio. Os alunos se despediram

de mim e da professora Lucila. Fim da aula.

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3.3.2 Observação silenciosa 2

Dia 03.04.2013

Horário: 7h40min às 9h20min

Ao chegar à escola, encontrei-me com a professora Lucila no pátio coberto, os

alunos da turma 712 já a aguardavam para serem conduzidos à sala de artes. A aula de

hoje começou com a oração matinal que a professora sempre realiza com o auxilio do

grupo, fui convidada por um dos alunos a participar da oração e então, através da língua

de sinais, agradeci pela oportunidade de estar com eles e pedi a Deus que tivéssemos

uma excelente aula.

Após a conclusão da oração, a professora solicitou aos alunos que fossem até o

corredor e recolhessem as esculturas que haviam sido pintadas na aula anterior, sob

forte agitação, os alunos saíram da sala e trouxeram seus trabalhos que foram dispostos

sobre a mesa. A professora pediu a atenção dos alunos mais inquietos, como sua

solicitação não estava sendo atendida, ela recorreu ao sinal luminoso da sala, pois ao

acender e apagar a lâmpada vermelha, que fica acima da porta, ela costuma obter mais

atenção do grupo.

Ela falou sobre a visita que estava programada na Fundação Iberê Camargo,

perguntou quais alunos iriam e se já haviam devolvido a autorização assinada pelos

pais. Dos oito alunos da turma, apenas um não iria comparecer. Retomando a atividade

da aula anterior, a professora colocou a caixa de tintas e de pincéis sobre a mesa e pediu

aos alunos que concluíssem suas pinturas, alguns seguiram trabalhando, mas como a

maioria deles já havia terminado a atividade na aula anterior, dois alunos pediram a

professora mais massa para o preparo de papel machê, um deles moldou um pequeno

vaso e o outro moldou um bloco retangular.

Na medida em que os demais alunos foram terminando as pinturas e colocando-

as para secagem, a professora entregava-lhes jornais para serem picados para a

produção de mais papel machê, ela me disse que esse deveria ser o tema de casa, porém,

como eles não costumam realizar o tema, ela preferiu pedir a atividade no final do

período, os alunos colocaram os jornais picados dentro de uma sacola e aos poucos

foram organizando e limpando os materiais da aula.

Faltando alguns minutos para o fim da aula, como de costume, a coordenadora

de turno interrompeu a aula para perguntar quantos alunos iriam almoçar na escola, pois

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muitos deles têm atividades no turno da tarde. Ela fez suas anotações e se retirou da

sala.

A agitação se estabeleceu novamente na sala, a professora mais uma vez pediu

atenção para a realização da chamada, que foi rapidamente concluída. Os alunos, que já

estavam com suas mochilas em mãos, se despediram de mim e da professora e saíram.

Conversei mais um pouco com a Lucila e também me retirei da sala. A aula chegou ao

fim.

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3.3.3 Observação silenciosa Escola 3

Visita à Fundação Iberê Camargo

Dia 13.04.2013

Horário: 13h30min às 16h30min

A visita à Fundação Iberê Camargo foi marcada para o dia 13 de abril (sábado)

às 14h, o ônibus da Fundação chegou à Escola por volta das 13h10min, e grande parte

dos alunos já aguardava a sua chegada. Juntamente com os alunos estavam: a diretora

da escola, a coordenadora do turno da manhã, a professora de artes das oitavas séries e a

professora Lucila, titular da turma em que estou estagiando. A convite da Lucila, o

Fernando, meu colega da ULBRA, também estava presente.

Por volta das 13h40min o grupo estava completo, a diretora autorizou a saída e

então conduzimos os alunos para o interior do ônibus, dois alunos iriam nos encontrar

na Fundação, um menino que iria junto com a família e uma menina da 8ª série que é

cadeirante e necessitava do auxilio da família no transporte.

A justificativa para a presença de outras turmas junto à visita se dá por conta do

pequeno número de alunos em cada turma, fui informada então pela equipe educativa do

Museu que eu deveria reunir um número maior de alunos para aproveitar o espaço no

ônibus, foi uma boa oportunidade de reunir as turmas de 6ª, 7ª e 8º series, no total havia

27 alunos.

Saímos da escola em direção à Fundação, o grupo manteve a ordem em todo o

trajeto. Ao chegar à Fundação, descemos do ônibus e ficamos a espera do mediador

Bruno, que foi ao nosso encontro acompanhado do intérprete de libras contratado pela

Fundação. Enquanto aguardávamos alguns instantes para que os dois alunos que foram

com suas famílias se juntassem ao grupo, percebi que os alunos estavam encantados,

tanto com o entorno, quanto com o prédio da Fundação, o diálogo estabelecido entre

eles relatava a beleza e as novidades que estavam experimentando.

O Bruno nos conduziu ao interior do Museu e deu inicio às explicações

referentes à segurança e organização durante nossa permanência no interior do prédio,

ele explicou que iniciaríamos a visita pelo quarto andar, e na medida em que fossemos

visitando os espaços iríamos nos deslocando aos outros andares até retornarmos ao

saguão, os alunos permaneceram atentos às recomendações, mas assim que foram

autorizados a levantar, um pequeno tumulto se estabeleceu. Alguns alunos apontavam

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para todas as direções e, para obter a atenção dos demais, puxavam-nos pelas roupas ou

braços.

Seguimos em direção ao elevador e pouco a pouco fomos subindo até o 4° andar.

Uma vez que estávamos todos reunidos, o mediador deu inicio as explicações referentes

à exposição do artista sul africano William Kentridge, sempre acompanhado do

intérprete que traduzia com rapidez e grande habilidade as suas explicações, os alunos o

observavam com muita atenção e disciplina.

O mediador nos convidou para assistirmos à primeira série de vídeos do artista,

ele explicou que esses vídeos foram produzidos a partir das ilustrações que estavam

expostas, um dos alunos questionou a respeito da classificação etária na entrada de uma

das salas de vídeo, que permitia a entrada a partir de 16 anos, e grande parte do grupo

possuía idade inferior à 15 anos. O mediador explicou que muitos desses vídeos

possuem cenas de violência ou com conotação sexual, mas que pela sua experiência ele

era capaz de saber que naquele exato momento não havia nenhuma cena imprópria.

Entramos na pequena sala e permanecemos por volta de 7min observando os vídeos, os

alunos estavam encantados com a beleza e riqueza da exposição, para a grande maioria,

foi a primeira oportunidade de visitar um Museu com o auxílio de um intérprete, em

todos os momentos eles expressavam através de gestos e sorrisos a satisfação que

estavam experimentando.

Sempre sob a orientação do mediador, saímos da sala e partimos para a

observação dos desenhos expostos, o Bruno fez comentários a respeito das obras como

o contexto histórico em que estavam inseridas e sobre o método de desenhar e apagar

determinados elementos do desenho, processo no qual o artista produziu as séries de

vídeos.

Durante toda a visita os alunos permaneceram disciplinados e muito interessados

tanto em observar as obras, quanto prestar atenção às explicações traduzidas pelo

intérprete. Freqüentemente os alunos questionavam a mim, e as demais professoras que

estavam no grupo, sobre os desenhos, muitos deles não sabiam da possibilidade de se

realizar desenhos com carvão, essa técnica utilizada pelo artista chamou a atenção da

maioria dos alunos, que perguntavam incessantemente como esse processo era

realizado.

Seguimos para o próximo andar onde haviam as esculturas produzidas pelo

artista, a professora Lucila pediu minha atenção a essas produções, uma vez que o plano

de ensino da sua disciplina prevê a produção dessa técnica. O mediador deu seqüência

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às explicações e seguimos em direção ao andar em que estavam expostas as pinturas de

Iberê Camargo, aqui os alunos não manifestaram o mesmo interesse demonstrado pelas

obras anteriormente vistas, não fizeram nenhum questionamento e tampouco

conversaram a respeito.

Ao chegarmos nesse ponto da visita fomos informados de que nosso tempo já

estava prestes a se esgotar, o mediador então fez algumas considerações sobre essas

obras e seguimos em direção ao saguão do Museu. O mediador encerrou a visita

agradecendo nossa presença e entregando o material pedagógico da exposição para a

diretora da escola. Todo o registro fotográfico da visita ficou por minha conta e do

Fernando, pois tivemos a preocupação em levar nossas câmeras fotográficas. Após o

encerramento da visita encaminhamos o grupo ao ônibus, um dos alunos que havia ido

com a família retornou no nosso ônibus e a menina cadeirante foi embora com a família.

O ônibus retornou a escola por volta das 16h30min.

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3.3.4 Primeiro Encontro

Aula(s) 1 e 2

Data da aula: 17/04/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

Obras do artista William Kentridge observados na visita à Fundação Iberê Camargo.

Conteúdos:

Movimentos através da construção e desconstrução de desenhos.

Lista de Atividades:

Leitura de imagens realizadas durante a visita;

Análise das imagens fornecidas no material didático da exposição;

Construção e desconstrução de desenhos.

Objetivos:

Observar a reação e questionamentos de cada aluno com relação à exposição;

Provocar experiências sensoriais com relação às obras;

Incentivar os alunos a produzirem obras em seqüencia.

Metodologia:

Aula teórica, expositiva e dialógica;

Debates a partir das obras observadas;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Material didático da exposição;

Folhas A4;

Grafite, carvão e pastel oleoso.

Avaliação:

Interesse e disciplina durante a aula

Participação nas discussões

Comprometimento com relação à atividade proposta

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PLANEJADO:

Com base na visita realizada na Fundação Iberê Camargo no dia 13 de abril, será

perguntado aos alunos sobre suas experiências durante a visita. Questões como: você já

havia visitado um museu de arte? Que sensações ou sentimentos você experimentou

durante a observação das obras? Qual obra ou vídeo apresentado mais chamou sua

atenção e por quê? Espera-se que a partir desses questionamentos surjam novas

perguntas por parte dos alunos.

A partir da observação das experiências de cada aluno, será proposta uma

atividade prática em que serão utilizados os mesmos materiais que o artista trabalhou

em suas obras: papel, grafite, pastel e carvão. A atividade busca a produção de um

desenho com referência a uma obra significativa para o aluno. A relevância dessas obras

deverá ser evidenciada por cada aluno. Questões como: Por que essa obra chamou sua

atenção em particular; que elementos ou características você observou nessa obra, ou

por que motivo você a escolheu para realizar essa atividade, devem ser realizadas

durante a execução da atividade, além desses fatores, pretende-se também que o aluno

desenvolva um trabalho marcado pela transformação, característica evidente na Obra de

William Kentridge.

Dessa forma, após a produção de cada desenho, que será fotografado, o aluno

realizará as modificações através da substituição ou remoção de detalhes, dando

movimento ao desenho. O desenho de cada aluno terá uma seqüência de três alterações.

Esse movimento, além de referenciar as obras do artista, visa preparar os alunos para o

estudo e entendimento dos processos artísticos trabalhados em obras contemporâneas.

“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.

Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge

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59

“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.

Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge

“Cambio. William Kentridge. 1999.

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560

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60

“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.

Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge

“Avanço Inexorável. William Kentridge. 2007.

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560

Page 61: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

61

Paisagem colonial (Cachoeira olhando para cima). 1996,

Carvão e pastel sobre papel. 135,9 × 175,5 cm.

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560

Essas e outras imagens serão utilizadas juntamente com o material pedagógico

fornecido pela Fundação. A retomada dessa leitura de imagens é essencial para que os

alunos observem novamente os elementos e características que constam nas obras do

artista, além de oferecer embasamento teórico aos alunos que eventualmente não

comparecerem à visita.

REALIZADO

Após a oração matinal, realizada todos os dias pela professora e alunos, fui

novamente apresentada ao grupo como a professora responsável pelas próximas

atividades. Eu estava um pouco tensa com o primeiro dia de atividade prática, tanto por

conta do fato de ter de orientar uma turma em língua de sinais, quanto pela presença

constante da professora dentro da sala, pois no inicio tive certa preocupação com

relação ao meu desempenho diante dela.

Para dar inicio as atividades fiz uma retomada das obras que havíamos

observado durante a visita à Fundação, a professora Lucila e eu instalamos o data show

ao meu computador e mostrei aos alunos uma grande quantidade de fotos que havíamos

tirado durante a exposição. Os alunos ficaram empolgados ao ver as imagens,

mostravam seus amigos e colegas de outras turmas que também participaram da

Page 62: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

62

atividade. Comentaram a respeito da beleza das obras, dos movimentos que os desenhos

possuíam nos vídeos e principalmente da vista observada através das janelas frontais do

edifício.

Por um instante interrompi a apresentação de imagens e perguntei do que mais

eles lembravam nessa visita. Perguntei se eles lembravam as explicações do intérprete,

alguns responderam que sim, mas não relataram a respeito, perguntei então sobre as

cores observadas nos desenhos, quais cores eles haviam observado? Dessa vez as

respostas foram objetivas: preto, branco, cinza, azul. Perguntei se alguém lembrava do

vermelho, e mais uma vez não obtive retorno. Aos poucos fui relaxando e me sentindo

mais confiante, a presença da professora não me perturbava mais, pois ela estava

sentada em um canto da sala sem interferir no meu plano de ensino, apenas observava

os alunos e, quando necessário, pedia disciplina aos mais agitados.

Segui com a apresentação das fotos e logo em seguida parti para a apresentação

de imagens das obras do artista, disse aos alunos que nossa atividade hoje seria a

produção de desenhos com movimento, da mesma forma que o artista trabalhou para

produzir seus vídeos. Utilizei também o material didático fornecido pela Fundação,

selecionei algumas imagens e as distribuí sobre a grande mesa da sala de artes. Essas

imagens ficaram a disposição dos alunos para consulta durante a execução da tarefa.

Como havia sido solicitado pela escola, o fornecimento de todo o material

utilizado durante as aulas seria da minha responsabilidade. Levei para essa prática duas

caixas de pastel oleoso, uma caixa com 12 lápis 6B, uma caixa de carvão e folhas A3 de

75g. Fiz a distribuição do material aos alunos que rapidamente começaram a desenhar

com lápis, observei que eles se interessaram pelos pastéis, mas ignoraram o carvão,

então comecei a orientá-los um a um, fiz demonstrações de como o carvão possibilita a

criação de várias nuances, ou até mesmo a remoção parcial ou total de seus traços, a

partir daí ouve um interesse maior por esse material, o lápis então foi deixado de lado

pela maioria.

Page 63: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

63

Turma 712 durante a atividade

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Alunos Douglas e Cristiano desenhando

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Page 64: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

64

Desenho da aluna Carolina

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Desenho do aluno Tiago.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Page 65: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

65

Desenho do aluno Douglas de 10 anos.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Desenho do aluno Felipe.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Percebi que durante a execução da tarefa os alunos em nenhum momento

solicitaram a ajuda da professora, todas as suas dúvidas eram dirigidas a mim, como a

utilização dos materiais e das cores e a semelhança dos seus desenhos com as obras do

Page 66: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

66

artista. Como alguns deles, por diversas vezes, solicitaram a minha ajuda ao mesmo

tempo, eu pedia que eles tivessem calma para que eu pudesse atendê-los em ordem. Para

cada um que me mostrava um desenho quase pronto, eu apontava algum detalhe que

poderia ser mais explorado, como os diversos tons de cinza obtidos com o carvão.

Durante a execução da atividade, que estava sendo realizada com disciplina, a diretora

da escola apareceu na sala para saber como estava sendo o meu primeiro dia prático, ela

observou os desenhos dos alunos e me disse que prometeu ao Bruno que levaria os

trabalhos até a Fundação para mostrá-los. Conversamos um pouco sobre o empenho dos

alunos na tarefa e nos despedimos.

Na medida em que os alunos concluíam a atividade eu ia explicando

individualmente a proposta que seria realizada, fotografei os desenhos prontos e para

minha surpresa, quando solicitei que as modificações fossem realizadas os alunos se

negaram. Disseram que os desenhos estavam bonitos e parecidos com os originais e

simplesmente não concordaram em realizar qualquer mudança. Percebi que na hora de

agregar elementos eles o fizeram com total disposição, mas quando chegou a hora de

retirar elementos, ou realizar uma modificação mais significativa, a solicitação havia

sido negada.

Eu não havia previsto essa possibilidade, porém na hora lembrei-me de como é

difícil desconstruir algo que nos pertence. Eu não soube como lidar com a situação e

minha alternativa foi pedir que um novo desenho fosse produzido a partir do primeiro,

porém com algumas modificações, como substituição de cores e formas. Os alunos que

finalizavam a atividade passavam para a realização do segundo desenho, que acabou

não sendo totalmente concluído pela maioria.

Faltavam alguns minutos para o término da aula quando a professora deu inicio à

chamada, comecei a recolher os materiais e desenhos realizados e inacabados, como de

costume a turma ajudou na organização e limpeza. Um pequeno tumulto se instalou em

frente a pia da sala, pois como havíamos trabalhado com carvão os alunos precisavam

lavar muito bem as mãos.

Enquanto aguardavam a troca de período, já com suas mochilas em mãos,

comecei a desligar o data show, que deveria ser entregue à coordenadora de turno. O

sinal luminoso se acendeu, o período havia acabado, os alunos se despediram de mim e

da Professora Lucila, que me acompanhou até o saguão da escola.

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67

3.3.5 Segundo Encontro

Aula(s) 3 e 4

Data da aula: 24/04/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

Esculturas na Obra de William Kentridge

Conteúdos:

A produção de esculturas a partir da visão e descrição de outro observador;

Como o artista criou uma representação de algo que não conhecia.

Lista de Atividades:

Produção de esculturas a partir dos elementos descritos pelos colegas;

Elencar as características relevantes na descrição realizada pelos colegas;

Executar uma obra a partir da observação de outro colega.

Objetivos:

Incentivar os alunos a observar a visão que o outro tem de um determinado objeto ou

animal;

Trabalhar através da escultura a construção de um objeto com características e

elementos relevantes para outro observador;

Expressar a percepção de outra pessoa.

Metodologia:

Aula dialógica e prática;

Leitura de imagens das esculturas realizadas pelo artista;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Imagens em Data Show;

Papel, jornais, arames, galhos secos, cartolinas, réguas, tesouras e lápis.

Avaliação:

Empenho na descrição dos elementos a serem criados pelo colega;

Interesse em produzir a escultura a partir de uma descrição;

Conclusão da tarefa proposta

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68

PLANEJADO:

A aula será iniciada pela observação das esculturas produzidas pelo artista

William Kentridge. Algumas dessas esculturas reproduzem animais africanos que foram

esculpidos não a partir da observação visual do artista, mas a partir de sua observação

nas descrições de alguém que observou esses animais de perto. Essa atividade, além de

trabalhar as obras tridimensionais de William Kentridge, tem por objetivo incentivar os

alunos a criar obras a partir da percepção de outra pessoa. Para essa atividade a turma

será dividida em duplas, cada membro da dupla fará uma descrição e uma produção

tridimensional.

Embora o plano de ensino da escola tenha sido realizado em função da arte

brasileira, a obra de Kentridge, que anteriormente foi trabalhada através de produções

bidimensionais, agora será trabalhada através de suas esculturas, técnica prevista no

planejamento de aula da sétima série, e que deveria fazer parte do meu plano de ensino.

O trabalho de descrição de objetos com essa turma não será feito através de palavras,

mas através da língua de sinais. Espera-se que os alunos usem sua percepção para

descrever detalhadamente os elementos que observaram na obra do artista, e sua

observação dessa descrição para se expressar através da matéria.

Para essa atividade serão mostradas algumas imagens coletadas durante a exposição.

Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

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Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Imagens da Exposição “Fortuna” Fundação Iberê Camargo

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

REALIZADO

Nesse dia encontrei-me com a professora no pátio interno da escola, os alunos já

a aguardavam em fila para serem conduzidos à sala de artes visuais. Ao entrarem na

Page 70: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

70

sala, os alunos colocaram seus materiais sobre a bancada e ocuparam seus lugares de

costume, passamos então para a realização da nossa oração matinal.

Após a oração, assumi a turma e dei inicio às atividades que eu havia planejado, retomei

com os alunos as atividades que havíamos realizado na aula anterior, perguntei se todos

haviam gostado e se alguém tinha sentido alguma dificuldade em realizar os desenhos

do artista William Kentridge, os alunos foram unânimes ao dizer que haviam gostado de

trabalhar com carvão e pastéis e que não tiveram nenhuma dificuldade com relação aos

desenhos.

Enquanto conversávamos a respeito da aula passada, a diretora da escola entrou

na sala para verificar como estava o andamento da aula, ela me disse que o

funcionamento das atividades com os alunos surdos era um pouco diferenciado com

relação aos alunos ouvintes, isso porque com os surdos as atividades devem ser mais

bem explicadas, sendo de fundamental importância incentivá-los a refletir sobre o

porquê de determinadas práticas. Concordei com sua observação e novamente enfatizei

que essa era uma das minhas preocupações durante a aula.

Assim que a diretora se ausentou, segui com a aula dizendo aos alunos que

iríamos estudar a respeito do mesmo artista da aula anterior, porém nossa prática seria

em função de suas esculturas, como eu havia planejado, os alunos deveriam reunir-se

em duplas para que cada um pudesse descrever as esculturas que tinham observado na

exposição. Sugeri que as duplas sentassem de frente a frente, porém eles preferiram se

sentar lado a lado.

Após a organização do grupo, pedi que um dos integrantes da primeira dupla

iniciasse a descrição da escultura que havia observado na exposição, identificando cada

um dos elementos observados, enquanto isso, seu colega deveria prestar a atenção a

essas descrições, a fim de construir uma escultura a partir da visão de outra pessoa.

Normalmente peço aos surdos que executem os sinais com calma, pois somente assim

consigo entendê-los, porém como se tratava da descrição para outro colega surdo, o

primeiro aluno foi extremamente rápido em suas descrições, tive então de pedir que ele

iniciasse novamente suas descrições, pois eu também precisava observá-las. O primeiro

aluno seguiu minha recomendação, assim como os demais alunos da turma, todos

descreveram calmamente suas visões a respeito das esculturas observadas, chamando a

atenção para os detalhes que mais lhe chamaram a atenção. Alguns alunos foram mais

específicos ao relatar a presença das cores pretas e brancas, outros descreveram os

materiais utilizados pelo artista, como jornais, papelão e galhos de árvores, alguns

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71

tiveram uma maior preocupação em descrever os arranjos que compunham as estruturas,

mostrando como de fato eles acreditavam que elas haviam sido feitas. Por fim, dois

alunos discordaram sobre a descrição de um mesmo objeto, fato que evidenciou as

diferentes percepções que eles possuíam sobre uma mesma obra. Desse modo, a

atividade proposta não apenas buscou o entendimento dos alunos com base na

percepção dos colegas, mas também funcionou como um meio de cada um deles

identificar e estruturar aquilo que observou.

Enquanto identificamos algo, algo também se esclarece para nós e em nós;

algo se estrutura. Ganhamos um conhecimento ativo e de auto-cognição, uma

noção que, ao identificar as coisas, ultrapassa a mera identificação. Em

qualquer situação em que nos encontremos, por exemplo, haverão de surgir

inúmeros dados, dos quais alguns talvez já nos sejam familiares, outros

novos, alguns talvez desconexos, e outros até mesmo insólitos.

(OSTROWER, 2012, pg. 57).

Passadas as descrições iniciais, coloquei sobre a mesa o material para a

confecção das esculturas, imediatamente alguns alunos foram pegando esses materiais e

iniciando a montagem das esculturas, duas duplas em especial chamaram a minha

atenção: a primeira dupla foi extremamente rápida, dois meninos que possuem uma

grande habilidade em construir objetos com formas bem definidas, assemelhando-se em

muito com as obras do artista em questão; a outra dupla composta por uma menina e um

menino, apresentou uma grande dificuldade em realizar a tarefa, os dois não sabiam por

onde começar, percebi então que eles observavam os colegas que estavam trabalhando,

porém não conseguiam sequer iniciar a montagem. Resolvi sentar junto deles e ajudá-

los a iniciar o trabalho, o menino disse que jamais ficaria igual à escultura do artista,

expliquei a ele que essa preocupação era desnecessária, pois a escultura original

funcionava apenas como um modelo, um ponto de partida para a execução do seu

trabalho, e que mesmo que sua escultura ficasse totalmente diferente, ainda assim

teríamos uma obra com valor especial, pois havia sido executada a partir da visão do

aluno. Fato mais importante do que a semelhança com a obra original.

Page 72: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

72

Os alunos Vinicius e Cristiano durante a atividade.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

O aluno Douglas montando sua escultura.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

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73

Trabalho realizado pelo aluno Cristiano.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Trabalho realizado pela aluna Carolina.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Ao avaliar os resultados produzidos nessa aula, percebi que houve uma interação

muito grande entre todos os alunos, eles sabem se comunicar muito bem entre si, sabem

expressar com clareza tudo que sentem, pensam e observam. Essas habilidades, comum

a todos os alunos dessa turma, foram evidenciadas no momento da descrição dos

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74

objetos por eles observados. Além daquilo que viram - análise formal - suas opiniões

pessoais como: “achei feio”, “achei horrível”, ou “não entendi o que é isso”- aspectos

subjetivos – foram recorrentes durante o detalhamento. Esse era meu objetivo principal

ao elaborar essa atividade, trabalhar a percepção dos alunos. De que modo eles

interagem com o meio e de que forma expressam essa relação. Fiquei satisfeita com o

resultado desse primeiro momento da aula.

Analisando as produções artísticas, poderia dividir a turma em três grupos

específicos: aqueles que executam a atividade sem questionamentos, como o aluno

Douglas; aqueles que se sobressaem aos colegas em rapidez e habilidade, como o aluno

Cristiano, e por fim aqueles que se julgam incapazes de realizar determinada atividade,

como a aluna Carolina. Este último grupo é o que mais desperta meu interesse, por

conta tanto da elaboração das atividades futuras, quanto da atenção que deverá ser

dispensada a esses alunos. Não pretendo de forma alguma diminuir o nível de

dificuldade das atividades práticas, mas pretendo trabalhar com esses alunos o

desenvolvimento de suas inúmeras habilidades, mostrando-os que a produção de uma

arte contemporânea não está focada na beleza e simetria das formas, embora esses

atributos possam existir, mas essa arte possui maior valor pelos conceitos que carrega.

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3.3.6 Terceiro Encontro

Aula(s) 5 e 6

Data da aula: 08/05/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

O processo criativo na arte contemporânea.

Conteúdos:

Estudo da Obra do artista William Kentridge;

Estudo comparativo com as obras do artista brasileiro José Leonilson Bezerra Dias;

Os diferentes tipos de processos criativos;

A importância das diversas etapas do processo criativo.

Lista de Atividades:

Leitura de imagens com ênfase nas diversas etapas de sua construção;

Trabalhar a construção de uma obra contemporânea;

Construir obras contemporâneas individuais.

Objetivos:

Trabalhar com os alunos as diversas etapas de um processo artístico;

Produção de um trabalho em que o produto final apresente os vestígios de sua

construção;

Criação de obras a partir da pintura e do desenho.

Metodologia:

Aula teórica, expositiva, dialógica e prática;

Debates a partir das leituras de imagens;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Data show

Imagens impressas;

Papel A3, grafite 6B, pincéis e tinta guache.

Avaliação:

Os alunos foram capazes de identificar os diferentes processos artísticos usados pelos

artistas;

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76

Os alunos demonstraram interesse pela construção de uma obra em etapas;

O produto final dessa atividade apresentou as diversas etapas de sua produção.

PLANEJADO:

Nessa aula será iniciado o estudo da arte brasileira, conforme previsto no

planejamento da escola. Este tema será trabalhado a partir da Obra do artista

contemporâneo brasileiro José Leonilson Bezerra Dias. A aula terá inicio com a

apresentação de algumas das imagens já trabalhadas pela turma, como as do artista Sul

africano William Kentridge. A partir daí, serão propostas algumas questões como: quais

aspectos ou elementos constantes nessas obras mais chamaram sua atenção? Você

encontrou alguma dificuldade ao reproduzir os desenhos e esculturas desse artista?

Você observou qual o processo que o artista utiliza para construir suas obras? Poderia

descreva-los? Que outros processos você acredita que possam ser usados na arte

contemporânea?

A partir desses debates, será introduzida a Obra do artista Leonilson, de forma

comparativa serão estudados os seus processos de produção artística, bem como a

introdução de palavras que complementam o sentido de suas obras. As leituras de

imagens serão feitas observando-se os aspectos formais das obras, bem como os seus

elementos subjetivos, que devem ser baseados nas experiências vividas por cada aluno,

bem como suas lembranças e seus significados adquiridos. Espera-se que as reflexões

sobre o trabalho de Leonilson possam ajudar os alunos a produzir trabalhos artísticos a

partir de vínculos afetivos, de emoções e sentimentos, que podem ser expressos de

diversas formas, principalmente através do uso de palavras.

Partindo para a atividade prática, será proposta a realização de um trabalho

bidimensional, enfatizando a idéia de que processo artístico e obra são a mesma coisa.

Busco com essas reflexões ajudar os alunos a valorizar o processo artístico que fica

marcado na obra, e também o desenvolvimento da percepção de seus próprios percursos

internos, demonstrando assim de que forma suas emoções são trabalhadas através da

arte.

Dentre as obras que serão analisadas, destacam-se:

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77

Os pensamentos do coração. Leonilson, 1988.

Fonte: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/2390-leonilson

“Puros e duros”. Leonilson, 1991.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

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“Cena do filme: Félix no exílio (8min43seg). William Kentridge, 1994.

Fonte: http://rfc.museum/traveling-exhibitions/memorials-of-identity/artwork-images/william-kentridge

“Cambio. William Kentridge. 1999.

Fonte: http://www.tate.org.uk/art/artworks/kentridge-cambio-p78560

REALIZADO

Nesse dia cheguei na escola um pouco mais cedo do que de costume. Fui então

me encontrar com a professora Lucila na sala dos professores, como faltavam alguns

minutos para o inicio do primeiro período, aproveitei para conversar um pouco com

outras professoras que ainda estavam na sala. Passados alguns instantes, a professora

Lucila e eu fomos até o pátio interno da escola, onde os alunos sempre aguardam a

chegada de seus professores. Algumas crianças de outras turmas sempre me

cumprimentam, chegando até a mencionar a visita que fizemos à Fundação, isso me

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79

deixa muito feliz, pois mais uma vez percebo o quanto esse evento foi significativo para

eles.

Ao chegar à sala de aula, e após realizarmos a oração, os alunos organizaram-se

em seus lugares, nesse momento a responsável pelo audiovisual entrou na sala para

instalar o projetor, enquanto aguardávamos, a professora Lucila e eu começamos a

forrar a mesa com jornais, pois nossa atividade seria realizada com tintas guache e

nanquim.

Dei inicio à leitura de imagens das obras do artista Leonilson. Em cada uma das

imagens, eu mantive sempre a preocupação de focar minhas explicações no processo

artístico, tema do meu plano de aula. Antes de iniciar a leitura de imagens do artista

William Kentridge, pois minha intenção era traçar um paralelo entre os diferentes

processos criativos desses artistas, interrompi a apresentação de imagens por alguns

instantes para tentar propor algumas questões.

Perguntei à turma se eles achavam importante que uma obra de arte apresentasse

as marcas das etapas de sua criação. Acredito que não me expressei de maneira clara,

pois não obtive resposta, apesar de insistir um pouco, tentei perguntar novamente a cada

aluno, mas as respostas não foram muito diferentes. Alguns deram com os ombros,

outros disseram que não sabiam, e apenas uma menina respondeu que não. Para

confirmar sua resposta afirmei novamente se ela acredita que as marcas do processo não

deveriam aparecer na obra. Apesar de manifestar um pouco de insegurança em sua

opinião, ela novamente disse que não podia aparecer nada. Nesse momento fiquei

frustrada, senti certo bloqueio, não estava sabendo me expressar, ou pior ainda, eu não

estava sabendo estabelecer um diálogo com a turma. Respirei fundo e tentei pensar

rápido, pensei na orientação anterior de estágio e foquei na idéia de que estou lidando

com pessoas que não haviam estudado essas questões de forma aprofundada, eu

precisava ensiná-los levando em consideração suas experiências de vida, bem como

suas memórias e na bagagem cultural.

Controlei um pouco a minha ansiedade e formulei uma nova questão: Quando

vocês desenham com grafite e apagam algumas marcas com borracha, vocês se

preocupam em apagar bem? A resposta foi unânime. Todos disseram que sim. Perguntei

então porque as marcas anteriores não poderiam aparecer? Lembrando a todos eles que

no nosso primeiro encontro estudamos os desenhos de William Kentridge, em que essas

marcas apagadas eram identificáveis. Novamente o silencio se instaurou. Segui com as

explicações, buscando cada vez mais obter respostas e novos questionamentos, a essa

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80

altura eu já não estava mais focada na leitura de imagens, e sim em retomar as aulas

anteriores, pois para mim a questão dos desenhos de William já havia sido trabalhada e

esclarecida, porém com o diálogo que se apresentou nessa aula eu comecei a questionar

os resultados anteriores. Lembrei então que na primeira atividade os alunos se negaram

a apagar seus desenhos, essa resistência à transformação estava novamente em

evidencia.

Faço uma breve reflexão acerca do meu desempenho, acreditei que o processo

artístico dessa aula estaria bem fundamentado, pois na primeira aula havíamos

trabalhado bem esse tema. Não sei se o rendimento da primeira aula não foi tão

satisfatório como eu havia acreditado, ou se ao longo da semana os alunos já não estão

mais focados no assunto, a ponto de ser necessária a realização de uma retomada das

aulas de forma mais aprofundada.

Dei uma breve retomada na leitura de imagens, pois eu precisava iniciar a

atividade prática. Distribui o material aos alunos, perguntei se eles conheciam ou já

haviam usado tinta nanquim. Eles responderam que não. Então preparei a tinta com

diferentes concentrações de água e fiz algumas demonstrações dos efeitos e tonalidades.

Os alunos se interessaram bastante já foram selecionando seus pincéis para trabalhar.

Na verdade essa turma aprecia muito mais as atividades práticas, observei que a teoria e

as reflexões não são muito relevantes para eles, porém eu precisava abordar o tema

antes de iniciar a prática.

Antes de iniciar a prática, enfatizei novamente que deveríamos trabalhar o

processo artístico, relacionar o movimento de Kentridge, com a sensibilidade da turma.

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81

Alunos da turma 712

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Desenho do aluno Giovani

Fonte: Danielle Schütz

Perguntei ao aluno Giovani por que ele colocou essas linhas ao redor do piano,

(Piano da obra: Quem morre comigo, Leonilson), e onde estava a relação com o

movimento da obra de Kentridge? O aluno respondeu que a música do piano serve para

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82

dançar. Ele fez a relação instrumento musical (Leonilson) com o som e a dança

(movimento de William Kentridge).

Embora muitos surdos não consigam escutar música com a mesma equalização

que os ouvintes, eu já observei que eles apreciam muito os temas música e som. Certo

dia minha afilhada, que é surda, me disse que a música lhe dava sono, perguntei como

isso era possível, e ela me explicou que a vibração sonora é captada, eles são capazes de

dançar apenas pela vibração do som, sem terem de ouvir os acordes ou a letra da

música.

A frustração que experimentei no inicio da aula foi dando lugar à satisfação. Ao

observar os resultados da atividade prática fui percebendo que, embora os alunos não

tivessem respondido as questões da forma como eu esperava, eles haviam captado a

idéia de processo, eles relacionaram as obras dos artistas e fizeram observações muito

interessantes.

Trabalho da aluna Carolina

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Eu já havia observado que a aluna Carolina gosta muito de corações, em seus

trabalhos ela sempre procurou inserir um coração, mesmo que isso não tivesse relação

com a atividade. Quando mostrei a imagem da obra: “Os pensamentos do coração” de

Leonilson, percebi pelo seu interesse que essa seria sua obra favorita. Ela fez uma

reprodução da obra do artista, mas sem deixar de lado a questão do movimento. Ela me

questionou se poderia desenhar o fundo da obra com três lápis vermelhos na mão, eu

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83

disse a ela eu sim, mas que seria importante ela dar movimento ao desenho. Ela então

segurou os três lápis na mão e foi riscando o fundo da obra. Ali estava o movimento, ela

manteve a cor do fundo que aparece na obra original, mas o fez com movimentos

repetitivos. Gostei dos traços da borda do desenho, além da sensação de movimento eles

dão também uma idéia de volume.

Fazendo uma análise geral da aula, percebi que as questões teóricas, trabalhadas

no primeiro período, foram bem representadas durante as atividades práticas, os alunos

produziram trabalhos com base nas características dos artistas apresentados, a questão

do movimento ficou evidenciada em todas as produções, os alunos tiveram uma clara

preferência em elaborar desenhos a partir das obras de Leonilson, utilizando apenas

alguns elementos das obras de Kentridge. Acredito que eles tenham sentido uma maior

proximidade com as obras de Leonilson pois os alunos surdos, não apenas dessa turma,

são muito sensíveis, eles demonstram muito carinho pelas pessoas, até mesmo pelas

estranhas, e um desejo de expressar seus sentimentos, de se relacionar e de criar

vínculos afetivos. Acredito que a grande carga emocional presente na Obra de

Leonilson produziu bons resultados nessa turma, pois ao comparar essas atividades,

com as realizadas exclusivamente a partir das obras de William Kentridge, percebi um

maior comprometimento da turma com a execução dos trabalhos, além da preferência

pelas obras de Leonilson. Fiquei muito satisfeita com os resultados.

Criar é tanto estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados

e é transmiti-los. Ao criar, procurarmos atingir uma realidade mais profunda

do conhecimento das coisas. Ganhamos concomitantemente um sentimento

de estruturação interior maior; sentimos que nos estamos desenvolvendo em

algo essencial para o nosso ser. Daí se torna tão importante, para o artista ou

para qualquer pessoa sensível, saber do trabalho de outros, ter contato com

seres criativos, não no sentido de uma rivalidade, mas no sentido de um

crescimento interior que também em nós se realiza quando podemos

acompanhar a realização de outro ser humano. (OSTROWER, pg. 143,

2012).

Page 84: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

84

3.3.7 Quarto Encontro

Aula(s) 7 e 8

Data da aula: 15/05/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

A escultura na arte contemporânea;

Conteúdos:

A produção de obras tridimensionais a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson;

Estudo da relação entre palavras e imagens na obra de Leonilson;

Breve discussão introdutória sobre o elemento costura na obra do artista;

Lista de Atividades:

Leitura de imagens;

Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson;

Produção de esculturas em papel machê.

Objetivos:

Construir obras tridimensionais a partir de obras bidimensionais;

Relacionar as obras do artista com suas produções;

Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras.

Proporcionar aos alunos um breve contato com as obras que envolvem costura, a fim de

introduzir o próximo tema a ser trabalhado.

Metodologia:

Aula teórica, expositiva e dialógica;

Debates a partir das obras observadas;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Imagens em Power point;

Papel machê;

Avaliação:

Criatividade na elaboração de um objeto contemporâneo;

Capacidade dos alunos em construir obras tridimensionais a partir de obras

bidimensionais;

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85

Qual o entendimento dos alunos sobre o uso de palavras na obra de Leonilson;

PLANEJADO:

A aula terá inicio com a leitura de imagens do artista José Leonilson Bezerra

Dias. Novamente serão discutidos os elementos formais, visando desenvolver a

capacidade dos alunos de identificar e descrever os elementos que compõem uma obra

de arte. Alguns aspectos subjetivos também serão discutidos. Os sentimentos, emoções

e paixões que o artista evidencia em suas obras devem ser discutidos com bastante

atenção, procuro mostrar aos alunos a importância de saber lidar com suas próprias

emoções, podendo assim expressá-las através da arte. Aliados a esses sentimentos e às

vivências de cada um, os alunos serão motivados a escolher uma obra do artista para ser

trabalhada.

Espera-se que os alunos se identifiquem com as imagens selecionadas por eles

não apenas utilizando o critério visual, mas também pela relação sentimental que a obra

lhe desperta, sendo que essa escolha deverá ser justificada pelo aluno. Questões como: o

que essa obra significa para você? Você sentiu algo especial ao se deparar com essa

obra? Caso tenha sentido, você poderia descrever essa sensação? Que elementos dessa

obra você escolheria para produzir uma escultura?

Acredita-se que essa atividade é um excelente meio de trabalhar as emoções dos

alunos, através da arte desse artista, conhecido pelo valor romântico e sentimental de

suas obras. Espera-se que os alunos consigam se identificar com os valores presentes

nas obras de Leonilson, e produzir um objeto tridimensional a partir de elementos

extraídos da obra de Leonilson;

Dentre as imagens apresentadas destacam-se:

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86

“Puros e duros”. Leonilson, 1991.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

“O mentiroso. Leonilson. 1992.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

Page 87: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

87

José Leonilson Bezerra Dias. O inflexível, 1983.

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992.

Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br

REALIZADO

Nesse dia cheguei cedo à escola e fui direto à sala dos professores, conversei um

pouco com a professora de artes visuais da 6ª, ela me contou a respeito das atividades

que realizou na sua turma com o material didático fornecido pela Fundação. A

professora Lucila e eu nos retiramos da sala e fomos em direção ao pátio interno da

escola. Os alunos já estavam reunidos esperando para serem encaminhados à sala de

artes visuais. Um dos alunos me perguntou por que eu carregava tantos pacotes e até

mesmo um balde, respondi a ele que estava levando os materiais para fazermos

esculturas, ele ficou feliz pois disse que não gosta de desenhar.

Eu já havia observado a preferência da turma pelos trabalhos tridimensionais,

porém elaborei as três primeiras aulas baseada na proposta triangular de Ana Mae

Page 88: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

88

Barbosa. Iniciei as aulas a partir da leitura de imagens, como forma de explicar os

processos artísticos dentro da arte contemporânea, e parti para a produção de desenhos,

que além de reproduzir o tema estudado em aula, também expressou as observações

feitas na Fundação Iberê Camargo.

Nem a arte-educação como investigação dos modos pelos quais se

aprende arte, nem a arte-educação como facilitadora entre a arte e público

podem prescindir da inter-relação entre história da arte, leitura da obra de arte

e fazer artístico (BARBOSA, 1992, pg 32).

Levando em conta a preferência dos alunos, e principalmente a proposta

pedagógica da escola, as atividades práticas baseadas na produção de esculturas tiveram

inicio nessa aula. Através da produção de esculturas em papel machê, os alunos tiveram

de produzir objetos que expressassem valores e sentimentos importantes para cada um

deles, para essa atividade foram utilizadas imagens do artista Leonilson, expliquei à

turma que os trabalhos desse artista possuem grande carga emocional, que ele os

produziu durante um profundo contato interior. Um aluno então disse que o artista “fez

de coração”, eu concordei com sua afirmação e enfatizei que essa era a proposta da aula:

fazer de coração, e fazer com alma, expressar através da arte algo muito significativo

para cada um deles. Expliquei à turma que os trabalhos do artista funcionavam como

um ponto de partida para que eles tomassem uma postura sensível para consigo próprios

durante a aula, e que suas produções não necessariamente deveriam ser parecidas com

as de Leonilson.

Os resultados superaram minhas expectativas, comparando essa prática com as

anteriores, observei o comprometimento dos alunos com a atividade proposta. Quando

realizam desenhos, os alunos ficavam inquietos, e sempre havia algum tipo de conversa

paralela, durante a produção das esculturas, os alunos ficaram muito concentrados em

moldar o papel machê, eles próprios regulavam a quantidade de cola e recorreram a

objetos diversos, como régua e pincéis, para moldar e criar relevos. O assunto dos

poucos diálogos que observei referia-se à própria atividade. Acredito que grande parte

desse entusiasmo seja por conta da preferência geral pela escultura, porém considero

que ao trabalhar a leitura de imagens de Leonilson de uma forma um pouco mais

simplificada, enfatizando não apenas as características da Obra, mas principalmente o

caráter sensível e romântico da personalidade do artista, consegui atingir um grau maior

de entrosamento da turma com a atividade.

Page 89: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

89

Grande parte dos alunos produziu objetos muito significativos para cada um

deles, objetos que demonstravam algum tipo de vínculo afetivo e que apesar de

possuírem elementos presentes, ou com algum tipo de conexão com a obra de

Leonilson, traduziam elementos muito particulares de cada um. Um aluno disse ter se

inspirado na obra “Quem morre comigo” para realizar sua escultura. Trata-se da pintura

de um piano que, segundo o aluno, equivale a um violão. Perguntei a ele o porquê dessa

relação. Ele me respondeu que seu irmão possui um violão, e que quando se reúnem em

família é comum a união em torno do instrumento. Era nesse ponto que eu queria

chegar, o aluno foi capaz de expressar algo significativo em sua vida a partir da

inspiração da obra de Leonilson. O violão esculpido não apenas se relaciona com o

piano por que ambos produzem som, mas porque também significa a união familiar para

o aluno.

Trabalho do aluno Douglas

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Não pude deixar de perceber que o aluno Pedro produziu um objeto que ele já

havia citado durante a oração matinal. Como cada aluno faz seus pedidos e

agradecimentos, o Pedro pediu pelo mundo todo, desejando paz, alimento e saúde. Esse

pedido se manifestou claramente em sua escultura, percebi então que as explicações

sobre realizar os trabalhos com o coração haviam sido consideradas.

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Escultura produzida pelo aluno Pedro

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

A cada prática aplicada com base nas obras de Leonilson percebo que consigo

me aproximar mais dos alunos, considero que, ao mostrar aos alunos a sensibilidade que

o artista demonstra em suas criações, estreitamos nossa relação afetiva. Os alunos

passaram a demonstrar um interesse maior pelo artista, enxergaram no Leonilson essa

sensibilidade, que eu tanto quis trabalhar com eles, ficou evidente nas produções

realizadas pela turma, todos os trabalhos apresentavam características da personalidade

e dos vínculos afetivos que cada aluno traz consigo. Os vínculos familiares foram

abordados na grande maioria das produções, os alunos deixaram claro o quanto a

relação familiar é importante para eles. Muitos alunos surdos vêm de famílias de

pessoas ouvintes, fato que faz com que as famílias tenham de se adaptar à realidade dos

filhos.

Os alunos dessa situação demonstram claramente uma gratidão aos seus

familiares. Tive a oportunidade de conversar com alguns pais e mães de alunos surdos

que me relataram a respeito das mudanças pelas quais passaram em suas vidas,

principalmente com relação à língua de sinais que tiveram de aprender.

Outra situação que estreita esse vínculo familiar é a dos alunos surdos que nasceram de

pais surdos. Segundo dados recentes da Organização Mundial de Saúde, 5,1% da

população brasileira possui deficiência auditiva severa, equivalendo em números a

344,2 mil pessoas, distribuídas em pequenas comunidades pelo país. Essa estatística

Page 91: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

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mostra que a quantidade de surdos no país é pequena, fato que acaba limitando as

relações de surdos com ouvintes por conta da necessidade do uso da língua de sinais ou

de intérpretes, nem sempre acessíveis a todos. Resta aos surdos então se manterem de

certo modo “fechados” entre si, sem estreitarem suas relações com os ouvintes. Gostaria

de usar a arte para tentar mudar essa realidade, ao menos dentro da turma em que estou

estagiando.

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3.3.8 Quinto Encontro

Aula(s) 9 e 10

Data da aula: 21/05/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

A escultura na arte contemporânea brasileira;

Conteúdos:

A produção de objetos a partir da Obra do artista brasileiro Leonilson;

O valor sentimental presente nas obras de Leonilson;

Lista de Atividades:

Leitura de imagens;

Debate sobre a criação de esculturas a partir da obra de Leonilson;

Produção de esculturas com base de massa e cola.

Objetivos:

Construir obras tridimensionais utilizando pelo menos uma característica mostrada na

Obra de Leonilson;

Relacionar as obras do artista com suas produções;

Trabalhar os sentimentos, assim como o artista, através de suas obras.

Metodologia:

Aula teórica, expositiva e dialógica;

Debates a partir das obras observadas;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Imagens em Power point;

Arame, fita adesiva, rolo de gaze engessada.

Avaliação:

Criatividade na elaboração de escultura;

Capacidade dos alunos em extrair elementos da Obra de Leonilson para a construção de

objetos;

Qual a relação que os alunos fizeram entre suas produções e as produções do artista.

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PLANEJADO:

A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas produzidas pelo artista

José Leonilson Bezerra Dias. Serão propostas questões como: Você pode fazer alguma

comparação entre essas as esculturas e os outros trabalhos de Leonilson mostrados nos

últimos encontros? Você identificou alguma diferença ou semelhança significativa?

Poderia explicar que diferenças ou semelhanças você observou?

No encontro anterior trabalhamos esculturas a partir de obras bidimensionais. Na aula

de hoje serão produzidas esculturas a partir de obras tridimensionais, realizadas pelo

mesmo artista, portanto com os mesmos valores subjetivos tais como: presença de

grande carga emocional; processos artísticos que se desenvolvem com base nas paixões

e sentimentos experimentados pelo artista.

Essa leitura de imagens será utilizada para dar ênfase aos valores sentimentais

presentes na obra do artista, esse tema está sendo abordado de forma repetitiva em

alguns planejamentos de aula, isso porque essas características são consideradas

extremamente relevantes, tanto no entendimento dos valores implícitos na Obra de

Leonilson, quanto nas produções dos alunos. Incentivar os alunos a desenvolver um

olhar cuidadoso, não apenas com relação aos elementos formais, mas também com os

valores implícitos na obra, é um excelente meio de ajudá-los a realizar leituras de

imagens diversas, relacionadas com todas as áreas de suas vidas, não apenas com

relação à arte.

Os objetivos dessa aula se assemelham muito com os das aulas anteriores, pois a

insistência em fazer com que os alunos se mostrem através da arte é o meio pelo qual

eles são motivados a trabalhar os próprios sentimentos. Os alunos serão motivados a

identificar os elementos formais das imagens apresentadas, uma vez que esse exercício

já foi realizado em outras aulas, torna-se mais fácil pedir à turma que realize essa

leitura.

Os elementos subjetivos que deverão aparecer nos trabalhos da turma não se

referem somente às obras de Leonilson, mas espera-se que os alunos consigam

representar suas próprias características e personalidade nos objetos produzidos. As

imagens de um artista, considerado autobiográfico por alguns autores, pretendem

também motivar os alunos a relacionar a materialidade das obras com o seu significado

implícito. A observação dos diferentes materiais utilizados nas esculturas de Leonilson

produz que sentimentos no expectador? A leitura de imagens realizada de forma

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94

comparativa será um meio de propor aos alunos uma análise que envolve: o valor

estético com relação às emoções que estão sendo traduzidas.

Os alunos não irão escolher uma imagem como ponto de partida para a

confecção de seus trabalhos. Quero com isso evitar que apareçam cópias das obras do

artista, os alunos deverão seguir apenas o modo pelo qual o artista se expressa. Através

das emoções, paixões e sentimentos.

Dentre as imagens apresentadas destacam-se:

“Sagrado coração, 1991.

Fonte: http://christylandmann.com.br/leonilson-%E2%80%93-sob-o-peso-dos-meus-amores/

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95

Escadinha, 1991.

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

José Leonilson Bezerra Dias. Ninguém, 1992.

Fonte: www.canalcontemporaneo.art.br

REALIZADO

A aula teve inicio como de costume, encontrei-me com a professora e os alunos

no pátio interno da escola. Fomos para a sala de artes e realizamos nossa oração

matinal. Antes de iniciarmos as atividades, a professora Lucila fez uma breve

explicação sobre um acontecimento que iria acontecer na escola. Nesse dia os alunos

iriam receber a vacina contra gripe, ela perguntou se algum deles já havia se vacinado,

apenas um aluno respondeu que sim, outros questionaram a professora pedindo mais

detalhes sobre o fato, ela disse apenas que a vacina causava dor no braço e, em algumas

Page 96: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

96

pessoas, reações como febre e mal estar. A breve discussão se encerrou e eu assumi a

turma.

Forramos a grande mesa da sala com jornais, pois hoje faríamos esculturas com

massa de farinha e cola. Eu havia realizado a preparação dessa massa em casa, calculei

aproximadamente dois quilos, sabendo que possivelmente a turma não usaria toda essa

quantidade, porém eu não queria correr o risco de ficar sem matéria para a produção dos

trabalhos, além disso existem alguns alunos nessa turma que são extremamente rápidos

e caprichosos na produção de esculturas, de modo que quando terminam a atividade

antes de seus colegas eu aplico uma nova tarefa, pois não poderia deixá-los parados.

Antes de iniciar a prática, propus aos alunos uma reflexão sobre as atividades da

aula anterior, perguntei o que eles lembravam sobre as atividades realizadas até o

momento. Um menino descreveu os desenhos e esculturas de William Kentridge,

demonstrando sua grande preferência pela escultura. Outros dois alunos concordaram

com ele, dizendo que não gostavam de desenhar. Perguntei então o que eles pensavam

sobre as leituras de imagens, perguntei se eles achavam importante fazermos essas

leituras antes de iniciarmos as práticas. Um menino respondeu dizendo que preferia

iniciar direto com as esculturas, e o restante da turma concordou com ele.

Essa resposta me deixou um pouco preocupada. Isso porque, partindo do

principio de que era de fundamental importância ler as imagens, pois só assim

poderíamos extrair e utilizar os elementos da obra do artista, os alunos deveriam

apresentar maior entendimento a respeito dos momentos iniciais da aula. Fazendo essa

análise me pergunto onde eu poderia estar errando nesse aspecto, se eu por acaso estaria

sendo pouco objetiva, ou muito rápida nas explicações a ponto deles não demonstrarem

interesse nessas leituras. Ou se de fato os alunos se importavam apenas com o momento

prático da aula de artes. Fato que poderia não ter relação com o meu desempenho.

Como meu planejamento envolve a produção de trabalhos a partir das emoções e

sentimentos experimentados por cada aluno, esse aspecto deveria ser bem trabalhado a

ponto de não restarem dúvidas a respeito das aulas anteriores. Dessa forma torno a

insistir na leitura de imagens que privilegia esse aspecto das obras.

Os alunos dessa turma são muito educados, e embora não sinta que não consigo

atrair totalmente a atenção deles, percebo que minhas explicações ainda assim são

consideradas pelo grupo. Porém, na hora das reflexões, é preciso muita insistência da

minha parte para conseguir obter respostas, percebo que os alunos estão mais curiosos a

respeito do material que irei fornecer do que propriamente nas explicações. Eu havia

Page 97: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

97

percebido esse comportamento nas primeiras práticas de ensino, porém nos demais

encontros tudo pareceu correr normalmente, exceto por esta aula, em que notei uma

grande dispersão do grupo durante as leituras de imagens.

A professora Lucila já havia me dito que esta turma aprecia somente as práticas

em sala de aula, mesmo com esse fato, mantive firme o meu propósito de aplicar a aula

expositiva, não queria de forma alguma aplicar a pratica simplesmente para cumprir

meu planejado. Insisti nas reflexões sobre as imagens apresentadas, fiz algumas

perguntas ao grupo, tais como: Cite o elemento mais importante que você identificou

nas imagens de arte contemporânea. Observe os trabalhos que você produziu e diga se

existe algum desses elementos em suas produções. Os alunos manifestaram empolgação

em poder comparar seus trabalhos com os do artista, identificaram semelhanças de cores

e tamanho, mas ao perguntar sobre as diferenças principais eles apresentaram certa

dificuldade. Percebi que este deveria ser um item mais trabalhado durante a aula

expositiva.

Partindo para a execução das atividades práticas, os alunos rapidamente se

interessaram pelo material que disponibilizei, eles rapidamente começaram a dar forma

à massa, conversavam ente eles sobre as quantidades e peso que cada um tinha nas

mãos. Enfatizando o tema das esculturas, paixões, emoções e sentimentos que

Leonilson emprega em suas obras, tentei propor a tarefa sem deixar nenhuma imagem à

mostra, minha intenção com isso era evitar a produção de cópias, fato que ocorreu com

certa freqüência nos últimos encontros. Inicialmente consegui evitar as cópias, e

consegui ainda uma aproximação maior com os alunos, uma vez que sem imagens eles

me solicitaram praticamente durante toda a aula. pediam opinião e sugestões sobre as

esculturas, segui dizendo que o mais importante era produzir um trabalho que

contivesse suas marcas e características, e que deixasse à mostra os sentimentos que

estavam experimentando.

Um dialogo discreto se estabeleceu entre dois alunos, não quis interromper, pois

queria prestar atenção em suas idéias, eles combinaram entre si que fariam suas próprias

figuras, achei interessante essa troca, pois em momento nenhum eu disse que o trabalho

poderia ser realizado em duplas, porém essa iniciativa me deixou bastante satisfeita, os

resultados foram muito interessantes, a figura humana da próxima imagem, apesar de

não ser uma cópia, apresenta grande semelhança com os rostos desenhados por

Leonilson. E a aluna Carolina, que sempre expressa seu lado romântico através do

excesso de corações em suas produções, deixou essa característica mais uma vez a

Page 98: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

98

mostra, considero que ela é uma das alunas que mais chegou perto da proposta da aula,

ela produz os trabalhos solicitados, mas sempre coloca um toque muito particular, e

quem a conhece, rapidamente identifica seu trabalho. Já o trabalho do aluno Giovani é

um exemplo de produção que revela seu gosto por cavalos, não evidenciando nenhum

traço da Obra de Leonilson.

Escultura feita pelo aluno Thales

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

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Trabalho produzido pela aluna Carolina

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Trabalho do aluno Giovani

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Avaliando as produções da turma, considero que avancei em relação às aulas

anteriores, pois me aproximei mais dos alunos na medida em que eles se sentiram à

vontade em colocar sentimentos em suas obras.

Todo processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais, fatores de

elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois, repetimos, em

nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como obra, ainda não

existe. Vale dizer então que a criação exige do individuo criador que atue.

Page 100: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

100

Atue primeiro e produza. Depois o trabalho poderá ser avaliado com critérios

e interpretações. (OSTROWER, PG. 71, 2012)

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3.3.9 Sexto Encontro

Aula(s) 11 e 12

Data da aula: 29/05/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

Esculturas contemporâneas

Conteúdos:

Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas;

Materiais não artísticos utilizados nas esculturas contemporâneas;

Comparativo entre as esculturas de Leonilson e de dois escultores brasileiros

contemporâneos;

Lista de Atividades:

Leitura de imagens de esculturas contemporâneas brasileiras;

Produção de esculturas que contemplem pelo menos uma característica contemporânea;

Objetivos:

Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas;

Motivar os alunos a identificar características contemporâneas nas esculturas de

diferentes artistas brasileiros;

Incentivar os alunos a produzir esculturas que contenham algum elemento presente nas

imagens observadas;

Metodologia:

Aula expositiva e dialogada;

Leitura de imagens;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Imagens em Power point;

Imagens de processos criativos de esculturas;

Argila.

Avaliação:

Demonstração de interesse durante a leitura de imagens;

Participação nas discussões propostas durante o debate;

Page 102: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

102

Participação na elaboração de questionamentos referentes ao tema;

Conclusão da atividade prática proposta em aula.

PLANEJADO:

A aula terá inicio com a leitura de imagens das esculturas dos artistas Leonilson.

Em comparação com suas obras serão analisadas as produções de outros dois escultores

brasileiros que produziram obras contemporâneas: Francisco Stokinger e Vasco Prado.

Serão propostos alguns questionamentos tais como: Que elementos existentes nas obras

desses três artistas você identifica com mais facilidade? Quais as semelhanças e

principais diferenças que você identifica entre as obras desses artistas? Com base nos

estudos acerca do processo artístico, defina como você acredita que funciona o processo

criativo desses dois novos artistas apresentados. Você observa alguma característica

nessas obras que poderia ser oposta às características de uma obra contemporânea? O

objetivo primeiro dessa aula é motivar os alunos a identificar semelhanças e diferenças

entre esculturas de diferentes artistas. O planejamento que envolve a Obra de Leonilson

necessitou entrar pelo caminho da escultura, em função do planejamento de ensino da

escola. Essa pode ser uma boa oportunidade para trabalhar características presentes na

Obra de Leonilson, e que também constam na Obra outros escultores brasileiros. Os

alunos já realizaram diversos tipos de leituras de imagem, e podem ser levados a

identificar muitos elementos de forma comparativa entre as obras.

Espera-se que os alunos não percam de vista às produções com base nos valores

sentimentais, utilizados por Leonilson, porém agreguem a esses valores outras

características do processo artístico desses escultores. O material oferecido aos alunos

para a produção de suas obras é argila, pretende-se com isso proporcionar uma

variedade de materiais para as produções dos alunos, de modo que se torne possível

trabalhar esculturas com uma maior diversidade de matéria prima.

Dentre as imagens apresentadas destacam-se:

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Espadinha. Escadinha. Sagrado Coração: 1991.

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

O material utilizado para a produção dessas obras, bronze fundido, também aparece

nas obras de Vasco Prado e Xico Stokinger. Esses dois artistas possuem obras em barro

(material que será utilizado nesse plano de aula), e embora Leonilson não possua

produções nesse material, as características de seu trabalho poderão ser incorporadas

nas produções dos alunos.

Esculturas em mármore, aço e ferro de Xico Stokinger

Fonte: http://historiasdasartes.wordpress.com/page/2/

Espera-se que os alunos identifiquem as similaridades entre essas obras, tais

como origem dos materiais utilizados. Alguns questionamentos serão propostos: você

identifica alguma relação entre os artistas, e se existem, quais são elas? As obras de

Leonilson apresentam características de seu processo, marcado pelo sentimento e pelas

paixões que fizeram parte de sua vida. Você acredita que as obras dos demais artistas

também possuem essa qualidade? Que qualidades ou elementos estão presentes nas

obras de Stokinger e de Vasco Prado? Esses elementos também constam nas obras de

Leonilson? Você conseguiria apresentar essas qualidades em seu trabalho de aula?

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104

REALIZADO

Encontrei-me com a professora de artes no saguão da escola por volta das

7h30min, conversamos um pouco a respeito das atividades planejadas para o dia e

seguimos ao encontro da turma. Os alunos já nos aguardavam no pátio interno da

escola. Em ordem, seguimos para a sala de artes visuais e, como de costume, realizamos

nossa oração matinal.

A professora Lucila me entregou sua turma para que eu desse inicio à aplicação

do meu plano de ensino. Iniciei dizendo à turma que esse seria meu penúltimo encontro

com eles. Um aluno me perguntou se eu iria trabalhar na escola, e eu lhe respondi que

não, pois eu já trabalho eu outro local e não teria tempo de me dedicar à escola.

Perguntei aos alunos se haviam gostado das aulas, ou se queriam fazer alguma

reclamação a respeito do meu desempenho como professora. Três meninos, o Pedro, o

Thiago e o Gustavo, sorriram e disseram que haviam gostado de tudo, menos de

desenhar. Os outros alunos não demonstraram nenhuma insatisfação, apenas

concordaram com os colegas. Já o aluno Giovani não quis responder a minha pergunta.

Normalmente ele não me cumprimenta e tampouco fala comigo, apenas me encara

seriamente. Não saberia dizer ao certo o porquê dessa aparente antipatia porém acredito

que eu não tenha conseguido me aproximar dele da mesma forma que consegui me

aproximar dos outros alunos. Observei que durante todas as atividades ele se dirige à

Lucila, seja para esclarecer suas dúvidas, seja para mostrar seus trabalhos realizados.

Como observo seu comportamento com os colegas e com os outros professores, percebo

que essa resistência pode ter acontecido também tem função do meu fraco desempenho

com a língua de sinais.

Escolhi aplicar meu estágio nessa escola por conta de um vínculo afetivo, porém

não avaliei que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas para um convívio

familiar esporádico, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais fossem

suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui percebendo que

esse conhecimento deveria ser aprofundado. Era necessário possuir um vocabulário

amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e muitas vezes

não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse caso, era

preciso utilizar o alfabeto em libras, fato que demandava mais tempo durante a aula,

além de não ser totalmente suficiente, pois os alunos são capazes de identificar a palavra

construída em LIBRAS, mas muitas vezes não possuem seu significado concreto. Foi

preciso identificar até que ponto os alunos conheciam os significados das palavras

Page 105: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

105

utilizadas em artes, e a partir daí tentar construir os significados conjuntamente. Embora

esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, venho tentando

compensar as resumidas explicações que faço em aula através de uma elaborada

proposta de prática artística.

Mostrei algumas imagens de esculturas do artista Leonilson e dos artistas Vasco

Prado e Xico Stokinger. Como os alunos já estão trabalhando com a Obra de Leonilson

desde as primeiras práticas de ensino, perguntei a eles se conheciam os outros dois

artistas. Apenas um aluno respondeu que já tinha visto os cavalos de Vasco Prado.

Insisti na pergunta, mas novamente os alunos não se manifestaram. Perguntei à

professora sobre suas experiências com esses artistas. Ela disse que os conhecia, e fez

uma breve e rápida explicação ao grupo dizendo que os artistas fizeram importantes

trabalhos aqui no Rio Grande do Sul.

Mostrei algumas imagens dos três artistas e perguntei se haviam semelhanças

entre eles, além do fato de serem brasileiros. Um aluno respondeu perguntando se eles

produziam os trabalhos da mesma forma? Respondi que alguns trabalhos possuíam

semelhanças com relação à técnica e materiais. Perguntei aos alunos se havia

semelhança com relação ao tema e ao processo utilizado pelos artistas. Novamente não

obtive resposta, nesse momento a professora Lucila chamou a atenção da turma a meu

favor e disse que eles deveriam pensar e responder, uma vez que anteriormente ela já

havia trabalhado esculturas brasileiras com essa turma. Um aluno respondeu dizendo

que as cores utilizadas pelos artistas eram parecidas, porém ele estava se referindo à cor

do bronze, material que foi utilizado pelos três artistas.

As discussões não se estenderam por muito tempo, achei melhor então dar inicio

às atividades práticas. Forramos a grande mesa com jornais, pois hoje iríamos trabalhar

com argila, material já conhecido dos alunos, pois a professora Lucila já havia trabalho

esculturas com esse material. Como a escola não possui forno para queima do barro,

expliquei aos alunos que as esculturas deveriam ser produzidas e colocadas em local

seguro, uma vez que sem a queima ficariam mais suscetíveis a rachaduras.

Distribui pequenos blocos de argila a cada um dos alunos, nesse momento a

professora Lucila me aconselhou a esperar para distribuir a água, pois a modelagem e

alisamento da argila deveria ser realizada ao final do trabalho. Por diversas vezes

durante as práticas eu acabei ficando ansiosa e aplicando as etapas do trabalho de uma

só vez, acredito que a professora tenha observado esse meu comportamento ao pedir que

eu não desse todas as orientações de uma só vez.

Page 106: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

106

Como eu havia previsto no planejamento de ensino, pedi aos alunos que

produzissem esculturas a partir de elementos que eles haviam observado nas imagens,

como formas, gêneros e temas. Insisti com os alunos que seus trabalhos não deviam ser

cópias das produções dos artistas, mas que pudessem ser relacionados com suas obras

apenas por pequenas semelhanças.

Os alunos passaram a amassar a argila, que possuía alguns grãos e pequenas

pedrinhas, alguns alunos retiraram essas impurezas e me entregaram, outros não se

importaram com o fato da argila não ser pura e deram continuidade ao trabalho. Percebi

que alguns alunos estavam com dificuldade para começar a atividade, enquanto dois

alunos partiram para a produção, pois já sabiam que trabalho queriam executar. Outros

dois alunos pegaram os blocos de argila e, sem que eu percebesse, construíram dados,

apenas observei o que estava acontecendo quando escutei risos altos, pois os dois alunos

estavam brincando de atirar os dados. Na verdade não deixei de achar engraçado a

finalidade que deram aos blocos de argila, porém tive de interrompe-los e pedir que

começassem seus trabalhos.

Como eu estava um pouco tensa com a aplicação da aula, enquanto observava os

alunos eu peguei uma pequena quantidade de argila e comecei a modelar, percebi que

essa atitude, apesar de não planejada, ajudou os alunos na produção de suas próprias

esculturas, pois nos momentos em que solicitaram minha ajuda, pude mostrar-lhes como

modelar através do meu trabalho, não precisando interferir diretamente em suas

produções.

Os alunos modelaram com entusiasmo, porém reclamaram que o barro de

quebrava com facilidade. Quando as esculturas dos alunos já estavam bem adiantadas,

resolvi então distribuir pequenos potes com água para auxiliar na modelagem. Mostrei-

lhes como poderiam moldar as regiões quebradiças e como o trabalho ficava mais

bonito após ser alisado com água.

Mesmo após insistir que os trabalhos deveriam ser produzidos apenas com elementos

das obras estudadas, alguns alunos ainda assim produziram esculturas muito

semelhantes às obras dos artistas.

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107

Pedro, produzindo seu trabalho.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Trabalho produzido pelo aluno Pedro, segundo ele, inspirado nos cavalos de Vasco Prado.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Um dos alunos dessa turma, considerado pela Lucila e pelos colegas como: o

artista da sala, sempre produz seus trabalhos com rapidez e grande habilidade. Seus

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108

trabalhos sempre apresentam características muito semelhantes com as imagens

mostradas em aula. Ele produziu uma obra inspirado no “Inflexível” de Leonilson, mas

deixou a mostra características estereotipadas.

Trabalho produzido pelo aluno Mozart.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Ao utilizar imagens de dois escultores brasileiros, como forma de comparar as

obras do artista Leonilson, minha intenção era incentivar os alunos a observar e

identificar semelhanças e diferenças entre os artistas, bem como identificar traços da

obra de cada um. Esses traços, ou marcas dos artistas, deveriam ser selecionados pelos

alunos e incorporados às suas produções. Novamente faço uma avaliação a respeito do

meu desempenho, e percebo que pela grande quantidade de alunos que optou por

representar os cavalos de Vasco Prado, minhas explicações podem não ter esclarecido

completamente o objetivo da aula para todos os alunos. Apenas um aluno realizou seu

trabalho com base em uma característica da obra de Leonilson, o que confirma minha

auto-avaliação. Novamente considero que esse fato ocorreu por conta da barreira

existente na comunicação que tenho com a turma.

Analisando não apenas essa aula, mas todas aquelas que apliquei até agora,

percebo que o rendimento do meu plano de ensino teria sido muito diferente, caso eu

dominasse completamente a língua de sinais. Apesar de algumas limitações, que até

mesmo um hábil intérprete de línguas enfrentaria, como a questão dos significados

concretos das palavras, se meu domínio sobre a LIBRAS fosse completo, eu teria tido

Page 109: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

109

mais chance de conseguir explicar de forma mais consistente as questões artísticas

contemporâneas. Fato que certamente teria sido evidenciado nas produções artísticas

dos alunos, não na forma de cópia, mas representando de forma mais clara os objetivos

propostos pelo plano de ensino.

Esse contato mais aprofundado que pude experimentar com uma comunidade

surda me fez valorizar ainda mais a cultura surda. Esses alunos, mesmo sem falar

dialogar comigo, têm me ensinado a olhar a vida de outras maneiras. O silencio muitas

vezes nos obriga a desenvolver outras percepções, e a valorizar outras formas de

interagir com os seres humanos.

Vivemos em um mundo no qual estamos rodeados e às vezes até nos

sentimos agredidos por sons e ruídos. Talvés, por esta razão a sociedade não

consiga entender que uma língua silenciosa tenha o poder de transformar o

mundo de algumas pessoas (DANESI, 2007, P.64).

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3.3.10 Sétimo Encontro

Aula(s) 13 e 14

Data da aula: 05/06/2013

Horário: 7h40min à 9h20min

Tema da Aula:

Encerramento de estágio;

Processo escultórico na contemporaneidade.

Conteúdos:

Características e elementos presentes nas esculturas contemporâneas;

Materiais utilitários utilizados para produção de esculturas contemporâneas;

Diferenças entre modelagem e escultura;

Lista de Atividades:

Discussão e avaliação de todas as aulas aplicadas durante o estágio;

Produção de esculturas em sabão;

Objetivos:

Avaliação, discussão e retomada das aulas anteriores com o grupo;

Trabalhar com os alunos os diferentes tipos de esculturas brasileiras contemporâneas;

Desenvolver um trabalho a partir do desgaste e remoção de partes de um bloco maciço;

Incentivar os alunos a produzir esculturas a partir de um bloco de sabão;

Metodologia:

Aula expositiva e dialogada;

Leitura de imagens;

Prática artística.

Materiais e recursos a serem utilizados:

Imagens em Power point;

Imagens de processos criativos de esculturas;

Placas de sabão macio, palitos de churrasco, facas de plástico sem ponta.

Avaliação:

O aluno conseguiu manusear o sabão com base nas orientações;

O resultado final se assemelha com o esboço feito no papel;

O aluno se empenhou para conseguir um bom acabamento;

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111

Conclusão da atividade prática proposta em aula.

PLANEJADO

A aula terá inicio com a leitura de algumas das diversas imagens vistas durante

as últimas seis aulas. Será perguntado aos alunos sobre suas experiências durante essas

aulas. O que mais lhes chamou a atenção no estudo dos processos criativos? Como eles

enxergam hoje a arte contemporânea, em comparação com a idéia que possuíam antes

dessas aulas? De que modo as obras do artista Leonilson tocaram cada uma deles.

O que eles podem dizer sobre o valor sentimental das obras, tema muito

trabalhado durante as aulas. Espera-se que os alunos apontem e descrevam as

experiências que mais lhes chamaram a atenção durante esse plano de ensino. Essa

conversa inicial é importante para dar encerramento ao estágio, para avaliar as

experiências que cada aluno viveu durante esse período, e principalmente para serem

avaliadas as falhas e lacunas existentes durante o planejamento e avaliação das aulas.

Após essa discussão, será aplicada a última prática de ensino, na qual os alunos irão

esculpir em blocos de sabão de côco.

A escolha desse material foi feita por conta de sua funcionalidade, enfatizando a

característica da arte contemporânea de utilizar materiais não artísticos em suas

produções. Antes de iniciar a atividade prática, será feita uma breve retomada dos

desenhos e esculturas realizadas nas aulas anteriores. Isso porque as práticas dessas

aulas, além dos desenhos, trabalharam com modelagem, realizadas em papel machê;

massa de amido de milho com cola, e argila.

A prática dessa aula não inclui a modelagem trabalhada anteriormente, mas trata-se da

produção de esculturas a partir da remoção de partes de um bloco maciço. A partir da

leitura de imagens dos próprios trabalhos realizados pelos alunos, e também da

observação e análise dos trabalhos prontos, que estão à mostra no corredor em frente à

sala de artes, será iniciada a prática em que eles deverão produzir esculturas com base

nos elementos contemporâneos trabalhados até o momento. Espera-se que os alunos não

realizem cópias de obras dos artistas, fato que foi recorrente ao longo das práticas.

Novamente será enfatizado o valor emocional que deve estar presente nas produções

artísticas, dessa forma, espera-se realizar um encerramento do estágio com uma nova

prática que contemple os aspectos trabalhados durante todo o planejamento de ensino e

aprendizagem.

Page 112: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

112

REALIZADO

Estava a caminho da escola quando recebi uma mensagem da professora Lucila.

Ela dizia que iria se atrasar e pediu que eu encontrasse os alunos e os levasse para a sala

de artes. Cheguei à escola e fui direto à secretaria solicitar a chave da sala explicando a

situação. No pátio interno da escola, os alunos já aguardavam a chegada da professora.

Quando me viram, perguntaram pela Lucila, disse a eles que ela estava muito gripada e

por conta disso iria se atrasar. Então pedi que eles me acompanhassem até a sala, pois

começaríamos nossa pratica sem a presença dela.

Ao abrir a sala, os alunos se posicionaram em seus lugares, eu já estava prestes a

começar a aula quando um menino disse que deveríamos orar. Eu havia esquecido a

oração matinal, então pedi que cada um deles fizesse sua pequena oração, do mesmo

modo como a professora sempre os conduzia. Encerrada a oração, comecei a preparar o

projetor para a apresentação das imagens. Nesse momento, a diretora da escola entrou

na sala, ela queria conversar comigo a respeito do estagio que estava se encerrando,

combinamos então que, ao final da aula, eu passaria em sua sala para tratarmos do

assunto.

Momentos antes de dar inicio à leitura de imagens, a professora Lucila chegou.

Resolvemos então ir até o corredor com a turma para olhar os trabalhos produzidos nas

aulas anteriores, e assim, iniciarmos uma análise sobre tudo que havia sido produzido

até o momento. Pedi aos alunos que dissessem o que mais eles haviam achado

importante aprender sobre arte contemporânea. Um menino respondeu que gostou de

saber que o artista trabalha com o coração. Eu já havia percebido que essa era a

característica de Leonilson que a turma mais apreciou, pois em outras oportunidades

eles mencionaram esse fato. Outro menino disse que gostou muito de modelar a massa

feita à base de cola, e outro menino, que durante as praticas sempre reclamou da

dificuldade enfrentada em modelar os trabalhos, disse que achou difícil mas gostou de

tudo mesmo assim. Essa análise era importante, além da leitura das imagens, pois nosso

último encontro deveria contemplar todas as produções realizadas por eles, além dos

diferentes tipos de processos artísticos, e também levar a reflexões sobre os valores

sentimentais presentes nas produções artísticas, fato que foi muito explorado durante

todo o planejamento de ensino.

Voltamos para a sala de aula para começar o trabalho prático. Mostrei aos alunos

algumas imagens das aulas anteriores e expliquei que nossa aula seria em função do

processo escultórico na arte contemporânea. Interrompi brevemente as explicações e

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113

distribuí a cada aluno uma barrinha de sabão de côco. Muitos acharam engraçado,

alguns disseram que conheciam e que iriam usar para lavar as mãos. Perguntei se eles

lembravam de uma aula anterior em que expliquei o uso de materiais, a princípio não

artísticos em arte, e apenas um menino disse que lembrava. Retomei o assunto dizendo

que a arte contemporânea nos permitia usar qualquer tipo de material, disse a eles que

hoje iríamos esculpir um trabalho em sabão, mas que o mesmo sabão poderia ser

utilizado em outro contexto e sem intervenções e, ainda assim, ganhar o valor de arte.

Distribuí aos alunos os palitos e facas de plástico para que o trabalho pudesse ser

iniciado. Peguei uma barra de sabão, juntamente com o palito, e demonstrei ao grupo

como o trabalho poderia ser iniciado, mostrei-lhes como o sabão era macio e como

deveriam ter calma e cuidado na hora de esculpi-lo. O grupo começou a produzir seus

trabalhos de forma bastante entusiasmada, e durante toda a prática eu fui bastante

solicitada para o esclarecimento de dúvidas como tamanho, quantidade de sabão que

deveria ser retirada, profundidade dos traços. Uma dúvida que foi comum a vários

alunos foi com relação à base das esculturas. Mostrei-lhes que a escultura deveria ficar

em pé e que para isso sua base deveria estar lisa e reta. Superadas algumas dificuldades,

toda a turma produziu trabalhos bem elaborados, embora as cópias dos trabalhos dos

artistas estudados ainda aparecessem em suas produções. A aluna Carolina, que

freqüentemente realizava cópias dos trabalhos de Leonilson, produziu um rosto que,

segundo ela, estava torto. Ela queria abandonar a produção e iniciar uma nova, pois ela

afirmou que não havia meio de “consertar” seu trabalho. Eu expliquei a ela que não

havia nada de errado com sua escultura, disse que o modo como ela via um rosto e a

forma como ela o representou eram características que marcavam seu trabalho, de modo

que eu não iria avaliar se seu trabalho estava torto ou reto, certo ou errado. Mas que eu

iria valorizar seu processo de criação, bem como sua evolução e atuação durante a

produção de seus trabalhos desde as aulas iniciais Percebi uma evolução da produção

dessa aluna, em comparação com seus trabalhos realizados nas aulas anteriores, que

sempre apresentavam formas estereotipadas ou simplesmente cópias das obras de

Leonilson.

Todo o processo de criação compõe-se, a rigor, de fatos reais,

fatores de elaboração do trabalho, que permitem optar e decidir, pois,

repetimos, em nível de intenções, nenhuma obra pode ser avaliada. Como

obra, ainda não existe. Vale dizer, então, que a criação exige do individuo

criador que atue. Atue primeiro e produza. Depois, o trabalho poderá ser

avaliado com critérios e interpretações. (OSTROWER, PG 71, 2012).

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Trabalho da aluna Carolina.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Trabalho realizado pela aluna Thalia.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

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115

Trabalho do aluno Giovani.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

Turma 712 produzindo esculturas.

Fonte: Danielle Schütz, 2013.

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116

Faltando alguns minutos para o término do segundo período, os alunos

concluíram as esculturas, que foram colocadas juntamente com os demais trabalhos

produzidos nas últimas seis aulas. Realizamos a limpeza da sala e nos reunimos

novamente, pois eu havia planejado uma pequena conversa com o grupo, como forma

de nos despedirmos. Primeiramente agradeci a professora Lucila por ter me dado a

oportunidade de trabalhar com sua turma, em todos os momentos ela esteve ao meu

lado, sempre me auxiliando para manter a ordem da turma e me ajudando com relação à

comunicação com o grupo. Apesar da Lucila também ser surda, sempre tive mais

facilidade em me comunicar com ela. Agradeci a cada um dos alunos que me aceitaram

e, com boa vontade e disposição, realizaram as atividades que propus. Um menino me

perguntou por que eu não iria mais. Disse a ele que meu estágio havia sido concluído. A

professora Lucila novamente explicou que eu iria me formar em artes visuais na

ULBRA, assim como ela. Para encerrar, perguntei aos alunos se eles haviam gostado de

aprender sobre arte contemporânea, sobre o artista Leonilson, e sobre os demais artistas

que foram trabalhados de forma comparativa com Leonilson. Toda a turma afirmou que

havia gostado das aulas. Perguntei qual técnica artística eles haviam gostado mais. Três

alunos disseram que gostaram de modelar a massa à base de cola, os demais afirmaram

que a escultura em sabão havia sido a melhor aula. Perguntei se a partir desses nossos

estudos eles iriam refletir a respeito das obras contemporâneas, dos processos artísticos

e dos valores sentimentais que as obras muitas vezes carregam. Todos responderam

afirmativamente. Como não havia mais tempo, os alunos me abraçaram e se

despediram. Uma aluna disse que eu deveria visitá-los e outra aluna perguntou quando

iríamos novamente ao museu. Respondi que certamente iríamos nos ver novamente e

realizar outras atividades em artes visuais.

Quando planejei aplicar minhas aulas na escola, acreditei que enfrentaria alguns

desafios, e sabia que não poderia prever todas as situações que apareceriam em meu

caminho. Ao final do estágio obrigatório, avalio meu desempenho durante todo esse

processo, fico muito feliz de estar concluindo essa etapa, porém fazendo uma auto-

avaliação, percebo que meu desempenho não foi satisfatório da forma como eu gostaria.

Não avaliei com precisão que meu conhecimento em LIBRAS era suficiente apenas

para um convívio familiar, acreditei que os cursos que realizei em língua de sinais

fossem suficientes para aplicar aulas de artes. Durante as práticas de ensino, fui

percebendo que esse conhecimento deveria ir além, era necessário possuir um

vocabulário amplo e específico para artes visuais, porém esse vocabulário é restrito, e

Page 117: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

117

muitas vezes não há equivalência de sinais para determinados termos artísticos. Nesse

caso, precisei utilizar o alfabeto em libras, fato que demanda mais tempo durante a aula.

Embora esse fato tenha dificultado a aplicação do meu plano de ensino, tentei

compensar as resumidas explicações que fiz em aula através de uma boa proposta de

prática artística. No inicio do estágio, optei por não ter a presença de intérprete durante

as práticas, minha intenção era estreitar minha relação com a turma. Se por um lado

percebo que esse contato ocorreu de forma mais próxima, por outro lado reconheço que

meu desempenho não foi plenamente satisfatório.

Embora eu saiba que o estágio obrigatório possui a função de nos avaliarmos

enquanto futuros professores, gostaria de ter tido um rendimento melhor com a turma,

me senti frustrada com relação ao meu desempenho com a língua de sinais, e percebi o

quanto eu ainda preciso aprender, mas também percebi que fiz uma excelente escolha.

Aprendi muito com essa turma, e gostaria de aprender muito mais. A frustração que

senti por não ter uma excelente habilidade com a LIBRAS, divide lugar com meu desejo

de continuar me dedicando ao ensino de artes para alunos surdos. Sinto certo pesar por

acreditar que a turma possa ter sido pouco beneficiada com minhas práticas de ensino,

porém, sem essa experiência eu jamais poderia ter avaliado o quanto o ensino e

aprendizagem de alunos surdos são significativos.

Analisando as aulas de um modo geral, conseguimos concluir todas as atividades

propostas, utilizei temas como a visita que realizamos no Museu, bem como o trabalho

de alguns artistas brasileiros. Embora o planejamento da escola estivesse prevendo

como conteúdo as esculturas, tive de aplicar algumas praticas de desenho antes de

iniciar a produção dessas esculturas. Eu precisava conhecer os alunos através dos

desenhos, e precisava saber como eles trabalhariam a transição do bi para o

tridimensional.

Com relação aos alunos, todos foram extremamente simpáticos e bem dispostos

durante as aulas, pude contar com a cooperação e boa vontade de todos eles, realizando

todas as tarefas propostas de forma organizada e com disciplina.

Page 118: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

118

CONCLUSÃO

Ao realizar uma análise pormenorizada da minha experiência em estágio II,

inicio esse capítulo desenvolvendo uma auto-avaliação do meu desempenho enquanto

futura docente em artes visuais. Quando optei pela realização do estágio curricular em

uma escola especial para surdos, não avaliei inteiramente a proporção do desafio que eu

iria experimentar. Acreditei que os poucos cursos em língua de sinais que eu havia feito

até então, bem como a relação que tenho com a minha afilhada, que é surda, seriam

capazes de me dar o suporte necessário para enfrentar uma turma de ensino

fundamental.

Antes mesmo de iniciar as observações silenciosas em estágio I, eu já possuía

uma relação com a escola, pois minha afilhada realizou todo seu ensino fundamental

nessa Instituição, de modo que muitas vezes eu participei de atividades como festinhas

de final de ano e apresentações teatrais dos alunos, sem nenhum tipo de problema com a

comunicação.

Quando iniciei as observações silenciosas em estágio I, não enfrentei maiores

dificuldades em descrever os fatos ocorridos em sala de aula. A professora titular da

turma, que é surda, sempre foi muito solidária comigo. Durante essa prática silenciosa

ela sempre se dirigia a mim com a intenção de me aproximar dos alunos, e de me situar

do porquê das atividades que ela estava desenvolvendo com o grupo. Por diversas

vezes, enquanto os alunos executavam suas tarefas, a professora Lucila conversou

comigo a respeito do ensino de artes para surdos. Muitas das informações que ela me

passou foram utilizadas na formulação das minhas práticas de ensino. Segundo a

professora, os alunos não apreciavam aulas teóricas, e tinham maior interesse em

trabalhos tridimensionais.

Concluído o estágio I, com as observações e questionários aplicados, senti-me

segura para começar a prática de ensino, procurei levar em consideração o perfil da

turma, para que meu trabalho fosse aceito por todos. O fato de ter sido necessário

realizar novas observações no inicio do estágio II - por conta da troca de turma em que

eu iria atuar, pois em estágio I eu observei uma turma de 8ª série – ajudou-me a

complementar as observações até então realizadas.

Page 119: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

119

Iniciando o Estágio II

Tive de realizar novas observações na turma 712, pois em estágio I esse mesmo

trabalho havia sido feito na turma 810. Inicialmente realizei duas observações

silenciosas, em que os alunos produziam esculturas de figuras humanas em papel

machê. A terceira observação silenciosa foi realizada na Fundação Iberê Camargo.

Como tenho o hábito de participar dos cursos de formação para professores que a

Instituição oferece, conversei com a diretora da Escola sobre a possibilidade de levar os

alunos à exposição do artista William Kentridge, uma vez que o Museu disponibilizaria

ônibus, mediador e intérprete de libras durante a visita. Como a escola é particular a

Fundação não iria disponibilizar o ônibus para o transporte dos alunos, mas tendo em

vista que a grande maioria desses alunos possui bolsa por serem de baixa renda,

consegui argumentar esse fato junto ao setor educativo da Fundação que abriu uma

exceção. Minha proposta foi bem aceita pela escola, e não apenas minha turma

participou do evento, como outras turmas também se uniram ao nosso grupo.

Minha intenção ao agendar essa visita à Fundação não era apenas a de observar

o grupo fora do ambiente escolar. Como eu já havia investigado, a escola dificilmente

realizava saídas de campo especificas para as artes, quase a totalidade dos alunos nunca

havia visitado um Museu, e tampouco conhecia a Fundação Iberê Camargo. Até mesmo

as professoras de artes nunca haviam visitado o local. Oferecer aos alunos essa vivência

em artes foi extremamente satisfatório. Durante todo o evento eles se mantiveram

atentos às explicações do intérprete, fizeram muitos questionamentos a respeito do

trabalho do artista, sobre os materiais utilizados e sobre o tema das obras. Uma aluna,

que não aceitou que determinadas obras pudessem ser classificadas como arte, abriu

uma discussão com o mediador, que tentou convencê-la sobre as características e

particularidades da arte contemporânea, mostrando-lhe que arte não precisa

necessariamente estar ligada aos materiais artísticos. Essa discussão, embora a aluna

tenha mostrado que não aceitou determinadas obras como arte, pode ter sido muito

importante no processo de construção de significados, uma vez que na arte

contemporânea o expectador atua de forma significativa na produção de sentidos. Ao

término da visita, a alegria e a satisfação estavam estampadas no olhar de cada um

deles, que tiveram não apenas a oportunidade de aprender sobre a vida e Obra de um

artista contemporâneo, mas puderam experimentar a rotina de um Museu, o trabalho do

mediador e principalmente, segundo a diretora, ter contato com um intérprete

Page 120: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

120

desconhecido, fato que lhes ajudaria a enxergar outras pessoas, que não às de seu

convívio, utilizando a língua de sinais. A grande habilidade e rapidez do intérprete

provocaram em mim certa preocupação, pois passei a criar uma consciência de que não

possuía tamanha prática para lidar com os sinais de forma tão precisa. Finalizada a

última observação silenciosa, minha prática de ensino estava pronta para ser aplicada.

Atuando como docente em Artes Visuais

Conforme havíamos combinado inicialmente, a professora titular da turma iria

acompanhar todas as aulas do meu estágio. Ao mesmo tempo em que esse fato me

causou certa ansiedade, pois havia a preocupação com relação ao meu desempenho

diante dela, senti-me aliviada em poder contar com sua ajuda, pois eu sabia bem o

quanto essa turma era indisciplinada e, principalmente, o quanto ela poderia me auxiliar

durante minha comunicação com os alunos. Uma vez dentro da sala de artes da escola, a

professora me entregou sua turma e passou a observar os fatos.

Apesar do meu visível nervosismo, consegui dar inicio às atividades planejadas,

expliquei aos alunos sobre meu interesse em trabalhar com eles, sobre minha vontade de

aprender sobre o universo dos surdos, e sobre minhas limitações com a língua de sinais.

Pedi ao grupo que se comunicasse comigo sem pressa, pois só assim eu seria capaz de

compreendê-los com clareza. Procurei conversar com os alunos a respeito da

experiência vivida no Museu, e tentei saber de cada um deles sobre suas opiniões a

respeito do trabalho do artista.

Na medida em que a aula se desenvolvia, minha ansiedade aumentava, eu havia

planejado uma longa discussão a respeito da arte contemporânea e sobre processos

artísticos, e esperava que os alunos me dessem retorno a respeito desses debates. Muitas

das questões que propus ao grupo ficaram sem resposta, não consegui estabelecer um

diálogo claro com eles, que mesmo assim, continuavam se mostrando receptivos a

minha proposta.

Esse estado de ansiedade fez parte da minha vida durante todo o

desenvolvimento do meu estágio, não se tratava apenas de um estado alterado em

função de uma nova experiência, e sim da conscientização que aos poucos fui

adquirindo sobre a complexidade dessa atividade. E também em função de eu ser uma

pessoa ansiosa nas demais áreas da vida. Inicialmente acreditei que a barreira lingüística

seria facilmente superada por mim, então me vi dentro de uma escola especial, em que

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121

todos os alunos eram surdos, inclusive a professora de artes, e percebi então que a maior

deficiência estava em mim. Não apenas minha incapacidade de articulação rápida com a

LIBRAS passou a ser deficiente, mas também meu planejamento de ensino, que não

previu a complexidade dos eventos, também se mostrou deficiente.

No primeiro encontro consegui discutir brevemente sobre as experiências dos

alunos durante a exposição, mostrei algumas imagens para complementar a aula e em

seguida comecei a aplicar a atividade prática. O plano de ensino da escola previa que a

7ª série teria de trabalhar esculturas de artistas brasileiros, assim, tive de adaptar meu

plano conforme suas exigências. Porém na primeira aula minha proposta previa a

execução de uma atividade bidimensional que contemplasse os aspectos da arte

contemporânea vivenciados na Fundação. A partir desses trabalhos bidimensionais, os

alunos passariam a executar esculturas nas aulas seguintes.

Em função da grande dificuldade que experimentei já na primeira prática, por

conta da minha pouca experiência com alunos surdos, e também por conta do

nervosismo, resolvi não tentar mais aprofundar as discussões sobre arte e antecipar a

produção artística. Essa minha conduta foi uma forma de amenizar o desespero pelo

qual eu estava passando. Acreditei que mantendo os alunos ocupados com a atividade

prática eu conseguiria voltar a ter calma e repensar os planejamentos das próximas

aulas.

Eu estava segura do tema que havia escolhido, pois ao observar novamente os

alunos e estudar as respostas de seus questionários, avaliei a importância de trocar o

tema da minha pesquisa e trabalhar com eles os diversos aspectos da arte

contemporânea, tema muito pouco explorado pela escola. Eu estava feliz por ter tido a

chance de iniciar meu estágio com uma saída de campo, estava confiante da minha

escolha pela Escola de Surdos, porém nesse momento eu não levei em consideração os

fatores positivos, deixei-me contagiar pela preocupação de não possuir muita prática

com a língua de sinais. A vaidade foi uma grande inimiga, pois já no primeiro encontro,

a aula não se desenvolveu da maneira como eu havia previsto. Eu tinha a falsa idéia de

que meu estágio seria motivo de orgulho e que eu conseguiria proporcionar experiências

enriquecedoras aos alunos, colocando-os em contato com a arte contemporânea e

ampliando suas visões de mundo. O que experimentei foi uma enorme frustração e até

vergonha por não ter aprofundado as discussões a respeito da arte contemporânea de

forma plenamente satisfatória. Hoje, reconheço ser absolutamente normal o

desenvolvimento da aula se dar de forma diversa ao planejado pelo professor, e vejo que

Page 122: Tc acessibilidade à arte contemporânea danielle schütz

122

além do domínio de conteúdo, e nesse caso em especial, o domínio da língua, o

professor enfrenta ainda o grande desafio de se articular diante de uma realidade

inesperada. Hoje percebo que tirei pouco proveito dos momentos que vivi com eles,

pois estava muito focada no meu desempenho, de modo que valorizei pouco a troca de

experiências que tivemos. Livre da ansiedade, consigo enxergar a riqueza dessa

experiência, consigo enxergar a produção artística da turma como um resultado bastante

positivo desse processo. Em um momento de grande tensão, cheguei a conversar com a

diretora da escola sobre a minha intenção de contratar um intérprete para me auxiliar

durante as aulas, porém a diretora não se mostrou favorável, e disse que esse

procedimento iria limitar meu convívio com os alunos, gerando um afastamento, de

modo que eu acabaria perdendo o contato direto com eles.

No decorrer da semana seguinte, após a primeira prática de ensino, senti muito

abatimento. Por conta do meu desempenho, eu acreditava que a aula teria de se

desenvolver com total equivalência aos planejados, como esse fato não estava

ocorrendo, tinha a certeza de que eu não daria conta de acrescentar algo na vida dos

alunos, cheguei a pensar em desistir do estágio, para no semestre seguinte procurar uma

escola de ouvintes. Era uma derrota pela qual eu não queria passar, mas não descartei a

possibilidade de assumir minha incapacidade de ensinar artes em LIBRAS.

LIBRAS e Artes Visuais

A experiência com educação para surdos, dentro das artes, colocou-me diante de

uma realidade que há muito necessita de mudanças: a falta de um dicionário específico

para os termos artísticos utilizados em sala de aula. Como eu poderia construir uma

idéia sem o conhecimento prévio de um sinal representativo? De que maneira eu

conseguiria construir um vocabulário a partir das experiências vividas em arte?

Durante esse processo pude avaliar a real carência de um vocabulário de artes

para LIBRAS, em especial sinais que dêem conta dos temas trabalhados em arte

contemporânea. A LIBRAS é uma língua viva, acredito que sua construção esteja

constantemente se desenvolvendo, e essa experiência endossou a necessidade de

estruturação de um sistema que supra essa carência. Consultando o site de busca

http://www.acessobrasil.org.br/libras/ fiquei surpresa ao ver que a palavra “arte” sequer

consta no dicionário de sinais. Com o auxilio da minha afilhada, que tem maior domínio

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sobre as informações referentes à LIBRAS, realizamos outras pesquisas a respeito dos

sinais que eu precisaria utilizar.

O alfabeto de LIBRAS e alguns sinais que foram muito utilizados em aula

foram:

Alfabeto de LIBRAS

Figura 01

Escultura

Figura 02

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Materiais de arte

Figura 03

Perceber (percepção)

Figura 04

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Sentimento

Figura 05

As duas melhores formas que encontrei para preencher essa lacuna foram: a

utilização do alfabeto em LIBRAS (Figura 01), fato que demandava tempo, pois a cada

explicação eu tinha de construir as palavras, que muitas vezes não possuíam significado

para os alunos; e a adaptação de alguns sinais já existentes, como por exemplo, o sinal

representativo do verbo perceber (Figura 04). Essa pratica de ensino buscava colocar o

aluno em contato com a arte contemporânea através da percepção, dos sentimentos

(figura 05) e do uso de outros sentidos que não fosse apenas o visual.

Também encontrei apoio na experiência vivida por um colega que realizou seu

estágio antes do meu na mesma escola. Eu me considero beneficiada nesse particular,

pois pude contar com a ajuda alguém que enfrentou essa mesma dificuldade, e que,

apesar de não ter sanado o problema, contribuiu em muito para a construção de sinais

representativos dentro das artes.

Reconheço que inúmeras vezes nenhum desses recursos funcionaram comigo,

nessas horas a professora Lucila me socorria. Como ela estava entendendo minhas

intenções e minhas idéias, ela acabava explicando aos alunos parte do conteúdo que eu

estava tendo dificuldade de expressar através de sinais, de modo que ela acabava

mediando nossos diálogos. Em casos extremos, quando eu não encontrava sinais que

pudessem expressar minhas idéias, eu recorria ao uso da escrita no quadro negro, ou

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tentava através da leitura de imagens, descrever os diversos conteúdos. Essa dificuldade

foi significativa quando comecei a trabalhar o conteúdo referente aos processos

artísticos, em que eu precisava descrever aos alunos as etapas pelas quais uma obra se

desenvolve.

Acredito também que a escolha do meu tema tenha dificultado muito a

aplicação do meu plano de ensino, pois trabalhar arte contemporânea envolve diversos

aspectos subjetivos, percepções individuais e vivências que, muitas vezes, sequer são

semelhantes entre os diferentes expectadores.

O desenvolvimento de todo meu estágio, da primeira à última prática de ensino,

foi acompanhado de muita tensão, não por parte dos alunos nem da professora, mas por

conta das cobranças que inevitavelmente eu me colocava. Consegui aplicar todas as

aulas, mas de forma diversa do que eu havia planejado.

O apoio dos alunos

Certo dia, conversando com a diretora da escola, comentei a respeito do meu

desempenho em sala de aula, e de como eu estava me sentindo impotente diante da

situação. Ela me contou sobre sua trajetória com a educação para surdos, e sobre todas

as dificuldades que ela havia enfrentado, inclusive com a língua de sinais, e me garantiu

que mesmo assim tudo tinha valido a pena.

Desde o inicio do estágio eu senti a boa receptividade dos alunos, os surdos de

um modo geral são muito afetivos, e dedicam especial atenção aos ouvintes que

demonstram interesse em aprender sua língua. Sempre fui recebida com abraços, com

assuntos sobre os fatos ocorridos durante a semana, e com a grande curiosidade a

respeito das nossas futuras práticas em sala de aula.

Essa boa vontade dos alunos para comigo ficou evidente já nas primeiras

observações. Como de costume, a professora iniciava a aula com uma oração matinal,

ela realizava sua oração e em seguida cada um dos alunos realizava a sua. Como eu

estava presente na sala, um aluno reclamou que eu não havia feito minha oração,

brinquei com ele dizendo que eu não precisava orar, pois estava só observando a turma,

mas ele foi muito firme ao afirmar que eu precisaria rezar. Nesse momento a turma toda

passou a me observar, os papéis se inverteram e eu não tive outra saída a não ser realizar

minha oração em língua de sinais.

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A diretora comentou a respeito dessa receptividade, dizendo-me que se os alunos

não tivessem me aceitado como professora, jamais teriam executado os trabalhos

propostos. A grande quantidade e variedade de produções confirma esse fato, ao final

do último encontro, reunimos em exposição todos os trabalhos produzidos. Ao olhar

para os trabalhos concluídos, meu sentimento de frustração deu lugar a alegria de ver

que ao menos a produção plástica não ficou prejudicada.

Prestes a finalizar o estágio, um aluno questionou a respeito da minha

permanência na turma, ele queria saber por que eu não seria professora na escola.

Expliquei a ele que não poderia, pois eu já trabalhava em outro local e não teria como

conciliar o tempo. Esse questionamento foi interessante, não me preocupei em perguntar

ao aluno se ele gostaria que eu fosse sua professora, mas o fato de se interessar em saber

por que eu estava indo embora me fez pensar que, se caso eu me tornasse professora

titular na escola, eu poderia ser novamente bem aceita pelo grupo.

A produção dos alunos

Procurei oferecer aos alunos uma grande variedade de materiais para a produção

de seus trabalhos. Trabalhamos com carvão, pastéis secos e oleosos, tinta guache, papel

machê, massa a base de cola branca (biscuit), argila, sabão de coco, cartolinas e arames.

Durante todas as praticas tive a preocupação em oferecer esses materiais aos alunos em

grande quantidade, embora eu fizesse uma distribuição sem desperdícios ao grupo,

havia a preocupação de que não faltasse material para suas produções.

Alguns alunos dessa turma eram extremamente rápidos na execução de seus

trabalhos, de modo que, por diversas vezes, tive de lhes oferecer mais materiais para

que pudessem iniciar novos trabalhos, pois não poderia deixá-los sem atividade.

Embora eu tivesse a preocupação em solicitar aos alunos a produção de trabalhos bem

elaborados, que demandassem certo tempo, ainda assim alguns concluíram produções

com rapidez e riqueza de detalhes.

Por outro lado, outros alunos demonstraram certa dificuldade na execução das

tarefas tridimensionais, ao passo que eu precisava ajudar-lhes, me questionei a respeito

dessa intervenção. Até que ponto eu deveria intervir com as próprias mãos no trabalho

de um aluno? De que forma eu poderia ajudá-lo sem acabar interferindo

demasiadamente em seu trabalho? Quando me vi desesperada por conta de não

conseguir auxiliar esses alunos, solicitei aos colegas que já haviam terminado seus

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trabalhos que auxiliassem os colegas. Essa estratégia foi surpreendentemente eficaz,

acredito que foi por conta da estreita relação que possuíam uns com os outros, e da

facilidade de comunicação existente entre eles. De modo que os alunos com mais

dificuldade conseguiram concluir com êxito a tarefa de aula.

Somente no final do estágio, tive uma idéia que se mostrou bastante eficaz.

Resolvi trabalhar, juntamente com os alunos, na minha produção plástica. Reservei uma

porção do material da aula para mim, dessa forma eu poderia auxiliá-los mostrando

como eu executava o mesmo trabalho proposto. Tomei sempre o cuidado de usar essa

estratégia apenas para facilitar a exemplificação da motricidade, bem como da força que

eu estava aplicando ao material. De forma alguma tentei influenciar os alunos sobre o

que seria correto e o que seria errado na execução dos trabalhos. Sempre enfatizei muito

a idéia de que seus traços e suas marcas deveriam fazer parte de suas produções, e que

nunca deveriam se preocupar em realizar cópias, sejam elas dos artistas ou dos colegas.

O que acrescentou na vida dos alunos

Se por um lado a escolha do tema dificultou meu trabalho pelos motivos já

citados, por outro, pude explorar a produção de arte através dos sentimentos dos

próprios alunos, usando como base as obras do artista José Leonilson Bezerra Dias.

Como uma das minhas metas era trabalhar inicialmente o processo artístico

dentro da arte contemporânea, e também proporcionar ao grupo uma vivência artística

fora do ambiente escolar, utilizei as produções de William Kentridge, experimentadas

pelos alunos durante a visita à Fundação. Procurei extrair da Obra do artista algumas

características contemporâneas também identificáveis na Obra de Leonilson, objeto

principal da minha pesquisa.

O fato de escolher a Obra de um artista como Leonilson, que de uma forma

genuína expressa sua trajetória interna de autoconhecimento e relação com as próprias

emoções, tornou-se um meio eficaz de instigar os alunos a trabalharem suas próprias

emoções. Durante as aulas realizamos alguns debates a respeito das produções do

artista, e a idéia mais fortemente traduzida pelo grupo foi de que o artista “trabalha com

o coração”. A afetividade marcante na Obra de Leonilson foi bem recebida pelo grupo,

que sempre mostrou maior interesse pelas obras de maior conotação amorosa. Corações

e frases que expressam sentimentos foram as preferidas do grupo.

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Esse foi o meu enfoque durante todo o estágio, instigar os alunos a trabalharem a

arte muito mais através dos sentimentos e sensações do que pela experiência apenas

visual. Paralelamente aos estágios eu estava freqüentando a disciplina de Fundamentos

da percepção, que nos levava a utilizar todos os nossos sentidos, e não apenas

utilizarmos a visão como única, ou melhor, forma de ver o mundo. Exercícios de olhos

fechados eram muito praticados em sala de aula, fato que me fez pensar sobre a ao dos

alunos que não podem contar com a audição em seu processo de aprendizagem. A Obra

de Leonilson foi um excelente meio para tornar minha proposta viável. Grande parte da

produção do artista possui uma característica estética muito particular, em que há uma

valorização e exploração de formas assimétricas, e a utilização de suportes não

artísticos, de modo que pude desmistificar a idéia que muitos alunos possuíam a

respeito do valor de um trabalho artístico que, segundo eles, “só poderia ser arte se fosse

belo”. Essa preocupação era muito forte entre o grupo, pois sempre que solicitavam meu

auxilio durante as práticas, demonstravam insatisfação com o próprio trabalho por não o

considerarem bonito, bem executado ou semelhante ao modelo tido por eles como

“ideal”. Nesses momentos eu procurava meios de desconstruir esses conceitos, muitas

vezes questionei os alunos sobre o que de fato eles entendiam por beleza e se aquilo que

era belo para uma pessoa deveria ser belo para outra.

Aqui se tornaria necessário um aprofundamento a respeito dos conceitos de

cultura, de cultura visual e de significados partilhados, porém novamente essa discussão

ficou prejudicada por conta da barreira lingüista. A estratégia mais viável que encontrei

foi traçar um paralelo entre os seres que habitam os grandes centros urbanos, daquelas

tribos indígenas que vivem nas matas e pintam seus corpos. Para nós, que vivemos no

primeiro grupo, o ideal, e considerado belo é cobrir o corpo com panos ao invés de

apenas tintas.

De um modo geral, após analisar as produções dos alunos e também com base

nas breves discussões que realizamos em aula, acredito que essa turma tenha se

beneficiado muito mais através das experiências práticas. Como já mencionado, nossos

debates não foram aprofundados, por diversas vezes os alunos não participaram de

forma ativa nos questionamentos propostos, de forma que eu acabava tentando

compensar esse diálogo reduzido com a aplicação das atividades práticas. Nesse

momento, utilizava a leitura de imagens para mostrar lhes as características das obras

contemporâneas que poderiam constar em suas produções. De posse dos materiais para

produzir seus trabalhos, os alunos se mostravam muito mais receptivos às explicações

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teóricas, podendo assim relacionar os elementos das imagens apresentadas com aquilo

que de fato iriam produzir.

A grande maioria da turma me surpreendeu com relação ao trabalho que estavam

dispostos a executar. Embora a turma tenha apresentado sempre um comportamento

receptivo às aulas que propus, por diversas vezes foram categóricos na defesa de suas

idéias. Esse fato pode ser comprovado pelos resultados obtidos já na primeira aula, em

que foi proposta a produção de desenhos com movimento, da mesma forma que

William Kentridge elaborava suas animações. Meu propósito era trabalhar o processo

artístico, a construção e desconstrução de elementos em um mesmo projeto, que

identificasse as marcas de sua produção. Os alunos aceitaram a proposta de trabalhar

com base nas animações observadas no Museu, mas negaram-se a desconstruir suas

produções, a grande maioria disse não achar correto apagar e desenhar novamente,

muitos disseram que poderiam desenhar em uma nova folha, mas sem “estragar”o

desenho anterior.

Esse resultado pode se justificar tanto pela minha argumentação em realizar a

tarefa, que pode ter sido falha ou superficial, quanto pela resistência em desconstruir um

trabalho tido como pronto. Isso me leva a pensar o quanto essas produções foram

significativas para os alunos, o quanto aqueles trabalhos significaram para eles a ponto

de não aceitarem qualquer nova intervenção. Percebi desde os primeiros momentos que

os alunos valorizavam muito suas obras, tinham sempre o cuidado de guardarem ou

colocarem em exposição no local destinado aos trabalhos concluídos. Certo dia me

confundi com relação à autoria de dois trabalhos e acabei trocando os nomes, um dos

alunos imediatamente me corrigiu, dizendo que eu não poderia trocar os nomes, e

segurando seu trabalho em mãos afirmou com muita segurança que aquele trabalho

havia sido feito somente por ele.

Algumas considerações

Ao finalizar a aplicação das práticas de ensino em estágio II, e observando as

produções que os alunos realizaram, considero que meu desempenho como docente em

artes visuais poderia ter sido mais bem planejado. Hoje sou capaz de apontar meus

erros, minhas limitações e minha pouca prática em lidar com uma turma de alunos

surdos.

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Quando menciono a necessidade de melhor elaboração da minha prática de

ensino, foco no aspecto referente a minha prática para trabalhar em uma escola especial

para surdos. Se por um lado minha prática de ensino procurou contemplar o ensino do

contexto histórico, aliado à leitura de imagens e produção plástica, por outro lado, não

pude executar esse plano de forma primorosa por conta da barreira lingüística.

Mesmo com a falta de um vocabulário em LIBRAS abrangente ao campo das

artes, percebo que esse limitador poderia ter sido mais bem articulado em meu projeto

durante todas as aulas. Não apenas com a utilização de uma tabela de sinais previamente

construída pelo meu colega, mas através da elaboração de representações fundamentais

para o ensino de arte contemporânea, bem como de suas características mais

expressivas. Somente após o término do meu estágio é que pude perceber o quanto a

execução dessa idéia poderia ter feito a diferença no meu trabalho.

O carinho dos alunos e da professora titular, bem como as observações da

diretora da escola, levam-me a acreditar que acrescentei algo na vida dos alunos.

Segundo a diretora, a escola está sempre de portas abertas aos estagiários, pois ela

acredita que esse contato seja muito produtivo, pois há uma valorização dispensada

àqueles que, como eu, se propõem a desenvolver um trabalho com a comunidade surda.

Espero não ter deixado apenas uma clara demonstração do meu interesse por

eles, mas também ter contribuído para a formação artística de cada aluno. Espero que, o

estudo da arte contemporânea, tenha ao menos despertado nos alunos um maior

interesse e espírito investigativo com relação ao desconhecido, ao estranho e ao

esteticamente incompreensível.

Não posso traduzir com precisão os sentimentos que cada aluno experimentou

durante nosso contato, nem mesmo relatar o grau de aprofundamento do tema que cada

um adquiriu, mas posso expressar com total segurança o quão importante essa

experiência foi para mim. Passados todos os momentos difíceis, de estresse e

preocupação com a aplicação das aulas, sinto-me feliz por não ter desistido desse

desafio. Hoje posso calcular e avaliar com maior propriedade as dificuldades existentes

na vida de um professor de educação surda, que além de ensinar os conteúdos, precisa

estar atento na busca por soluções como a criação de sinais para áreas muito específicas

e para a construção dos significados desses novos sinais.

Penso hoje, que a questão da acessibilidade, vai muito além da estrutura física de

um espaço destinado às artes, mas trata-se de um envolvimento por parte daqueles que,

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de alguma forma, podem viabilizar o acesso dos alunos às discussões e reflexões que a

arte contemporânea nos provoca.

Ampliar o universo desses alunos, através dos elementos presentes nessa

manifestação artística, denota não apenas um compromisso com o ensino, mas uma

preocupação em proporcionar experiências sensoriais que enriquecem a vida de todos os

seres, sejam eles surdos ou ouvintes.

Hoje percebo que essa experiência me colocou em outra posição dentro desse

contexto. Eu passei a ser a pessoa que necessitava de inclusão, eu era a minoria dentro

de um grupo que tinha a opção de me incluir ou não. Felizmente eu fui aceita pelo

grupo, que mesmo percebendo minhas limitações com a comunicação, optou por me

incluir em seu meio e traçar experiências que foram além do estágio em artes visuais.

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APÊNDICES

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