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aula de história sobre fundamentos da história
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IDA
DE IVA crtica ao historicismo e
ao cientificismo metdico
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEMConhecer as crticas postas ao historicismo enquanto forma de abordagem do
processo histrico.
Dialogar com a produo filosfica e historiogrfica crtica ao Historicismo Alemo
nos sculos XIX e XX
Ver as diferentes crticas que se efetuam em relao aos fundamentos e
prtica da Escola Metdica pela historiografia europia.
ROTEIRO DE ESTUDOSSEO 1 - Concepes Crticas sobre o Historicismo
SEO 2 - A Crtica ao Historicismo Alemo
SEO 3 - A Crtica Escola Metdica
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46UNIDADE 4
PARA INCIO DE CONVERSA
Depois de voc ter percorrido o longo caminho na construo de uma
perspectiva consistente sobre o historicismo e a historiografia metdica
na Europa do sculo XIX, hora de saber que houve, j no prprio sculo
XIX e tambm no sculo XX, um conjunto de crticas muito duras e
consistentes contra o historicismo e contra a viso metdico-cientificista
de Histria.
Na Seo 1, voc conhecer as crticas postas ao historicismo
enquanto forma de abordagem do processo histrico, feitas por diferentes
pensadores europeus.
J na Seo 2, dialogar com a produo filosfica e historiogrfica
crtica ao historicismo alemo nos sculos XIX e XX.
Finalmente, na Seo 3, voc ver as diferentes crticas que se
efetuam em relao aos fundamentos e prtica da Escola Metdica pela
historiografia europia.
um percurso mais complexo, mas de fundamental importncia
para que voc compreenda as bases da escrita da Histria na
contemporaneidade, no apenas na Europa, mas tambm aqui no Brasil.
SEO 1CONCEPES CRTICAS SOBRE O HISTORICISMO
Nesta Seo 1, da Unidade IV, voc tomar conhecimento do
embate entre diversas concepes historicistas e crticas ao historicismo
e constatar que, embora o debate sobre a questo do historicismo seja
posterior ao perodo estudado nesta disciplina, o sculo XIX, sua anlise
neste momento fundamental para que se perceba a dimenso do
pensamento histrico da Escola Alem, dentre outros.
O historicismo tem suas origens no termo historicismo, que surge
pela primeira vez possivelmente em 1881, em um trabalho de Karl Werner
sobre o pensador italiano Giambattista Vico, significando o conjunto de
posies que, no sculo XVIII, valorizavam o conhecimento histrico, em
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contraposio ao racionalismo a-histrico cartesiano (WEHLING, 1994,
p. 13), nomeando um fenmeno j com mais de um sculo de existncia.
Mais tarde, Ernest Troeltsch associou estreitamente o historicismo
com o relativismo e o ceticismo, em dois livros da dcada de 1920. Pairava,
porm, uma grande confuso e um intenso debate sobre o conceito, o que
leva Heussi, em 1932, a dizer que a confuso tanta que ningum deveria
utilizar o termo sem antes precisar o que entende por ele (WEHLING,
1994, p. 15).
O primeiro livro a abordar a formao do historismo foi o de Friedrich
Meinecke, Die Entstehung der Historismus (As origens do historismo), de
1936.
O tema tambm foi abordado na crtica que os marxistas ocidentais
e integrantes da escola de Frankfurt fizeram radicalizao introduzida
no pensamento marxista nas dcadas de 1920 e 1930 pela Segunda e
Terceira Internacional e pelo marxismo da URSS, que o considerava uma
cincia universal da histria e da natureza.
Outro momento de destaque na construo e no debate do conceito
a apreenso que dele faz Raymond Aron, principalmente em sua
Introduo filosofia da histria, de 1938, obra que tem como subttulo
Ensaio sobre os limites da objetividade histrica.
$ REUD GH 0HLQHFNH SURFXUD PRVWUDU TXH R KLVWRULVPR YROWRXVH HVVHQFLDOPHQWHcontra o jusnaturalismo e todas as formas de racionalismo que procuravam eliminar a GLIHUHQoDHDVLQJXODULGDGHQDKLVWyULDRTXHLPSOLFDYDHPUHFXVDUOHLVH[SOLFDWLYDVSDUDRSURFHVVRKLVWyULFR(OHSUySULRFRPRKLVWRULDGRUHQWHQGLDVHKLVWRULVWDSRUUHFXVDUWDQWRQRUPDVJHUDLVFRPFDUiWHUGHOHLVFLHQWtFDVFRPRDSUR[LPDo}HVWLSROyJLFDVjPDQHLUDGH:HEHU:(+/,1*S
$ DSUR[LPDomR LPSOtFLWD HQWUH PDU[LVPR H SRVLWLYLVPR IRL FRPEDWLGD SHORV FKDPDGRVPDU[LVWDVRFLGHQWDLVSDUWLFXODUPHQWHQDVFUtWLFDVGH/XFiFNVH*UDVPFLD%XNKDULQ4XDQGR SURFXUDYDP UHFXSHUDU R FDUiWHU KLVWRULFLVWD DTXL VLQ{QLPR GH UHODWLYLVWD GRPDU[LVPRHPRSRVLomRDRTXHOKHVSDUHFLDDUHGXomRGHXPDWHRULDVRFLDOjFLrQFLDQDWXUDOFRPVXDFRQVHTHQWHVXEHVWLPDomRGDVXEMHWLYLGDGHHSRUH[WHQVmRGDFRQVFLrQFLDGHFODVVH1RPHVPRVHQWLGRDYDQoDUDPQRQDOGDGpFDGDGHRVDXWRUHVGDFKDPDGDHVFRODGH)UDQNIXUWSDUWLFXODUPHQWHjpSRFD0D[+RUNKHLPHULJXDOPHQWHUHIXWDQGRDLQWHUSUHWDomRGHWHUPLQLVWD:(+/,1*S
6XD SURSRVWD HUD D GH ID]HU XPD ORVRD KLVWyULFD RSRVWD DR UDFLRQDOLVPR H DRSRVLWLYLVPR6HPSURFXUDUUHIXWDUH[SOLFLWDPHQWHRKLVWRULFLVPRSURSXQKDVHDDQXODUDOJXQVGHVHXVHIHLWRVFRPRRIDWDOLVPRRFHWLFLVPRHRUHODWLYLVPR>@5HEDWHQGRGHDQWHPmRHYHQWXDLVFUtWLFDVGHDQDUTXLDLQWHOHFWXDORXHFOHWLVPR$URQDUJXPHQWDYDTXHVHXSOXUDOLVPRFLHQWLFDPHQWHYiOLGRVyQmRVHULDDFHLWRSRUDTXHOHVSULVLRQHLURVGHXPDFRQFHSomRWHROyJLFDGDYHUGDGH:(+/,1*S
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Porm o ponto alto e mais radical da polmica sobre o historicismo
se d com a publicao, em 1944, do livro de Karl Popper, A misria do
historicismo (POPPER, [s.d.]), que
Popper, em sua polmica com o historicismo alemo do sculo XIX,
levanta as suas cinco teses anti-historicistas:
A crtica de Popper se dirige, ento, Contra todas as posies
tericas que admitem algum padro para o desenvolvimento histrico,
isto , contra uma filosofia material da histria que retirasse dela prpria
seu motor e sua explicao.
A seguir, sua crtica volta-se contra a tradio iluminista da
histria, com nfase da refutao s posies de Kant e Hegel, visando
dois alvos:
Finalmente, oportuno analisar as contribuies de Adam Schaff e G.
H. Nadel para a polmica em questo.
SCHAFF (1982) aborda a questo do historicismo sob o vis marxista,
com eixo na questo da relatividade do conhecimento. Para ele,
(QWHQGLD SRU KLVWRULFLVPR DV WHRULDV TXH DGPLWLDP D SUHYLVmR VRFLDO HP WRGDV DVFLrQFLDVVRFLDLVIXQGDPHQWDGDVQDH[LVWrQFLDGHOHLVFLHQWtFDVGHFDUiWHUQHZWRQLDQRLQGLIHUHQWHPHQWH GH SRVVXtUHP RX QmR IHLomR QDWXUDOLVWD 2 DXWRU FKHJD D ELSDUWLU DVFRUUHQWHVKLVWRULFLVWDVHPSUyRXDQWLQDWXUDOLVWDVFRQIRUPHDGPLWDPRXUHMHLWHPDUHGXomRGRVIHQ{PHQRVVRFLDLVDRVELROyJLFRV>@6XDFUtWLFDFRPRHOHPHVPRREVHUYDQmRVHUHIHUHDRFRQMXQWRGRKLVWRULFLVPRLVWRpDRVSUREOHPDVGRFRQKHFLPHQWRKLVWyULFRUHODWLYLVPRDQWLUDFLRQDOLVPRFHWLFLVPRHWFHPVXDVYiULDVDFHSo}HVRQWROyJLFDHSLVWHPROyJLFDPHWRGROyJLFDPDVWmRVRPHQWHDXPDIHLomRHVSHFtFDGHWHVHVVREUHSUHYLVLELOLGDGHKLVWyULFD:(+/,1*S
2FXUVRGDKLVWyULDpIRUWHPHQWHLQIOXHQFLDGRSHORFUHVFLPHQWRGRFRQKHFLPHQWRhumano; 1mR p SRVVtYHO SUHGL]HU FRP R XVR GH PpWRGRV UDFLRQDLV RX FLHQWtILFRV DH[SDQVmRIXWXUDGRFRQKHFLPHQWRFLHQWtILFR(PFRQVHTrQFLDQmRpSRVVtYHOSUHYHURIXWXURFXUVRGDKLVWyULD(PFRQVHTrQFLDGHYHVH UHMHLWDUDSRVVLELOLGDGHGHXPD+LVWyULD WHRUpWLFDSRLV QmR SRGH H[LVWLU XPD WHRULD FLHQWtILFD GR GHVHQYROYLPHQWR KLVWyULFR SDUDEDVHDURIXWXURFXUVRGDKLVWyULDHVXDSUHGLomR2REMHWRIXQGDPHQWDOGRVPpWRGRVKLVWRULFLVWDVDSUHYLVmRHVWiPDOFRORFDGRHRKLVWRULFLVPRVHDQLTXLOD3233(5DSXG:(+/,1*S
DPDFUR WHOHRORJLDKLVWyULFDFRPRDVXFHVVmRGHIDVHVKLVWyULFDVGHTXDOTXHUQDWXUH]D FRJQLWLYD QR SRVLWLYLVPR GH SURGXomR QR PDU[LVPR FXOWXUDO QRHYROXFLRQLVPR DQWURSROyJLFR H R SDSHO GHVDOLHQDQWH DWULEXtGR j KLVWyULD H DPDQLSXODomR SROtWLFD GR FRQKHFLPHQWR KLVWyULFR TXH R KLVWRULFLVPR KHJHOLDQRHQVHMRXDRQD]LVPRHDRHVWDOLQLVPR3233(5DSXG:(+/,1*S
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2 KLVWRULFLVPR PDU[LVWD LPSOLFD DGPLWLU TXH HQWHQGHPRV R SUHVHQWH FRPRresultado das mutaes do passado e ponto de partida de mutaes para futuro; FRQVHTHQWHPHQWHDH[SOLFDomRJHQpWLFDpIDWDOHPKLVWyULDHDLGpLDGHPXWDomRGH YDORUHV QRUPDV HWF FRQGX] j QHJDomR GH SULQFtSLRV DEVROXWRV SRGHQGRDUUDVWDUDLQWHUSUHWDomRDRUHODWLYLVPRVXEMHWLYLVWD>@$VSULQFLSDLVFDUDFWHUtVWLFDVGRKLVWRULFLVPRPDU[LVWDVHULDPSDUD6FKDIIa) apreenso radicalmente historicista de toda a realidade natural e social KLVWRULFLGDGHHVVHQFLDOjSUySULD UHDOLGDGHHQmRDSHQDVjV UHSUHVHQWDo}HVGDUHDOLGDGHQRHVStULWRb) submisso de todos aos mesmos processos de mutaes sucessivas, o que WRUQDJHQpWLFDDH[SOLFDomRKLVWyULFDFGHVHQYROYLPHQWRQRSURFHVVRGHPXGDQoDVKLVWyULFDVGHIRUPDVLQIHULRUHVHPsuperiores;GIOXLUGLDOpWLFRjOX]GDIXQGDPHQWDomRRQWROyJLFDPDWHULDOLVWDGRSUySULRPXQGRe de sua representao;HFDUiWHUFRQFUHWRGDYHUGDGHFLHQWtILFDHSRUWDQWRKLVWyULFDHQWHQGLGDFRPRDconsiderao das condies de tempo e lugar ao contrrio da abstrao, que as GHQHJDULD:(+/,1*S
J G. H. Nadel aborda uma questo crucial ao historicismo, ao
ressaltar o fato de que a partir dele, os acontecimentos histricos deveriam
ser estudados como fenmenos prprios e no mais, como antes, guisa
de ilustrao moral e poltica.
Esta descoberta de um territrio prprio histria se fundamenta
em dois pressupostos bsicos, que definem o campo metodolgico e o
espao do conhecimento histrico:
DDH[LJrQFLDGHTXHRVIHQ{PHQRVKLVWyULFRVGHYHULDPVHUH[SOLFDGRVHPIXQomRdo momento em que ocorriam;b) o suposto de que este novo campo deveria ser estudado por uma cincia HVSHFtILFDFRPSURFHVVRVOyJLFRV:(+/,1*S
A partir dessa construo, Nadel no apenas constitui um campo
especfico para a histria, mas tambm constri um espao para alicerar
a radicalizao do anti-racionalismo, isto , o historicismo.
Dessa breve panormica da polmica sobre o historicismo, fica
bastante clara a falta de unidade e preciso conceitual sobre o termo,
assim como a sua apropriao diversa e especfica feita pelos diversos
autores. Tal situao torna-se mais evidente na crtica ao historicismo
alemo, que voc vai trabalhar agora na Seo 2.
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SEO 2A CRTICA AO HISTORICISMO ALEMO
No campo da crtica filosfica produo do conhecimento histrico,
no historicismo alemo figuram como principais expoentes Dilthey e Max
Weber.
Dilthey tem como questo central a negao do cientificismo
naturalista em Histria, e a constri pela distino entre as cincias naturais
e as cincias sociais, estas ltimas chamadas de cincia do esprito.
Seu primeiro critrio para essa distino o de que, na cincia do
esprito, as cincias culturais e histricas, o sujeito e o objeto so idnticos,
ou seja, nelas o homem estuda a si mesmo, de maneira diferente do que
ocorre nas cincias naturais, onde o objeto natural, necessariamente
exterior ao homem: os planetas, o oceano, a terra, os seres vivos, os elementos
qumicos etc.
Na cincia do esprito h identidade entre sujeito e objeto, o que
pe o problema da objetividade em parmetros absolutamente diferentes
dos postos s cincias naturais, que estudam objetos que so exteriores ao
cientista. Assim, essa identidade entre sujeito e objeto coloca o problema
da objetividade nas cincias sociais num patamar completamente novo em
relao ao que havia at ento.
O segundo critrio depende claramente do primeiro. Ao contrrio das
cincias naturais, em que os juzos de fato so obtidos pela aplicao, de
forma neutra, ausente de juzo de valor, de um mtodo cientfico a um
objeto natural, na cincia do esprito os juzos de fato e os juzos de valor
so inseparveis. Isso porque o sujeito cultural tem seu prprio conjunto de
valores, que inevitavelmente estar presente em sua anlise da histria, da
cultura e da sociedade.
J o terceiro critrio que Dilthey utiliza para caracterizar as cincias
sociais o de que esta cincia do esprito possui a necessidade intrnseca
de, alm de caracteriz-los, compreender os fatos sociais e histricos que
constituem o seu objeto. Para ele, enquanto a cincia natural se limita a dar
uma caracterizao explicativa exterior aos fenmenos, o cientista social e o
historiador tm que compreender o fenmeno, isto , chegar descoberta e
atribuio de seu significado.
A partir da, Dilthey conclui que os conhecimentos produzidos pela
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cincia do esprito so verdades e conhecimentos necessariamente
relativos.
Ele se d conta da profunda contradio que perpassa a cincia
do esprito, a qual, se por um lado, pretende construir um conhecimento
objetivo, vlido e universal, por outro lado cada obra produzida por ela
est intrinsecamente ligada viso de mundo de quem a produziu. A obra
produzida se expressa, assim, de uma maneira limitada, parcial, unilateral
de conhecer a realidade social e histrica, determinada pelos horizontes do
pesquisador, que impe limites ao conhecimento.
Dilthey no se prope a resolver essa questo pela maneira mais fcil
o ecletismo -, isto , aquela que afirma que, se todo mundo tem uma parcela
de verdade em sua leitura da histria e da sociedade, bastaria agregar as
diferentes leituras para se chegar verdade completa. Ele nega enfaticamente
essa soluo, considerando-a como fraca, vulgar e medocre, preferindo
afirmar o relativismo de maneira muito coerente, mesmo com os impasses
que este carrega em relao plena objetividade da cincia do esprito.
Mas isso no quer dizer que Dilthey no percebeu os perigos postos
em um relativismo total que, para ele, conduziria ao ceticismo, ou seja,
descrena na possibilidade de qualquer conhecimento objetivo na cincia
do esprito, desaguando na postura que prega a inexistncia de uma
verdade objetiva. Considera, assim, que cada um tem a sua verdade e
que no existe a possibilidade de conhecimento da realidade em si. Esse
ceticismo seria a anulao da prtica cientfica, ao fazer com que todas as
coisas, histrica e socialmente, tenham o mesmo valor. importante destacar
que Dilthey recusa o ceticismo, porm no prope uma soluo vivel para
o enfrentamento de tal problema.
No campo especfico da Histria, Dilthey nega os fundamentos da
prtica historiogrfica hegemnica em seu tempo e afirma a possibilidade
de produo de conhecimento histrico, mesmo dentro do relativismo.
'LOWKH\FRPHoRXSRUFULWLFDURVFRQFHLWRVIXQGDPHQWDLVGRKLVWRULFLVPRGH+XPEROGWH5DQNHDOPDSRSXODU9RONVVHHOHHVStULWRGRSRYR9RONVJHLVWQDomRRUJDQLVPRVRFLDO VmR SDUD HOH FRQFHLWRV PtVWLFRV LQ~WHLV SDUD D KLVWyULD 'HSRLV SHQVRXTXH HUD SRVVtYHO R FRQKHFLPHQWR QDV FLrQFLDV GR HVStULWR QHODV FRPSUHHQGHQGRDKLVWyULDSRUTXHDYLGDVHREMHFWLYDHPLQVWLWXLo}HVFRPRDIDPtOLDDVRFLHGDGHFLYLOR(VWDGRRGLUHLWRDDUWHDUHOLJLmRDORVRD1RPGDYLGDSHQVDYDDWLQJLURPGHVXDLQYHVWLJDomRSDUDID]HUXPDFUtWLFDGDUD]mRKLVWyULFD$FUHGLWDYDTXHDYLVmRKLVWyULFDGRPXQGRJHVFKLFKWOLFKH:HOWDQVFKDDXQJHUDDOLEHUWDGRUDGRHVStULWRKXPDQRDTXHPWLUDYDDV~OWLPDVFDGHLDVTXHDVFLrQFLDVGDQDWXUH]DHDORVRDQmRWLQKDPWLUDGR/(*2))S
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Embora tenha um sido um crtico de Von Ranke e do historicismo, a
postura de Dilthey em relao a ele acaba sendo ambgua. Ou seja, no se
trata de negar o historicismo rankeano, mas de ultrapass-lo.
Outra figura de destaque no campo da crtica filosfica ao otimismo
historicista alemo foi Max Weber. Ele considerado um dos grandes
intelectuais alemes da contemporaneidade. Foi, alm de socilogo, tambm
filsofo e historiador. Sua teoria pode ser sintetizada, no dizer de Raymond
ARON (1964, p. 256, apud LE GOFF, 1985, p. 209), da seguinte forma:
Weber constri, assim, uma crtica radical do historicismo alemo
do sculo XIX em suas duas grandes vertentes historiogrficas: a do
idealismo e a do positivismo em histria.
Outra postura crtica ao historicismo alemo a do relativismo
histrico mais recente, de Ernst Troeltsch e Friederich Meinecke.
Troeltsch e Meinecke foram os introdutores do termo historicismo (ainda
como historismo) na anlise do movimento historiogrfico que tem em
Von Ranke seu maior expoente.
De acordo com LE Goff (1985, p. 209), Troeltsch, autor de O triunfo
do historismo, de 1924,
J Meinecke, autor de As origens do historismo, de 1936, possui
uma viso diferente da de Troeltsch no campo do dualismo historicista:
7RGDVDVSROpPLFDVGH:HEHUWrPFRPRREMHWLYRGHPRQVWUDUDVXDWHRULDDIDVWDQGRWRGDVDVFRQFHSo}HVTXHDSXGHVVHPDPHDoDU$KLVWyULDpXPDFLrQFLDSRVLWLYDHVWDSURSRVLomR p SRVWD HPG~YLGD D SHORVPHWDItVLFRV FRQVFLHQWHV RX LQFRQVFLHQWHVassumidos ou envergonhados, que usam um conceito transcendente (liberdade) QD OyJLFDGDKLVWyULD ERVHVWHWDVHRXRVSRVLWLYLVWDVTXHSDUWHPGRSUHVVXSRVWRTXH Vy Ki FLrQFLD H FRQFHLWRV GR JHUDO VHQGR R LQGLYtGXR DSHQDV VXVFHSWtYHO GHVHU DSUHHQGLGR LQWXLWLYDPHQWH $ KLVWyULD p VHPSUH SDUFLDO SRUTXH R UHDO p QLWRSRUTXHDLQYHVWLJDomRKLVWyULFDPXGDFRPDSUySULDKLVWyULD3}HPHPSHULJRHVVDVSURSRVLo}HV D RV QDWXUDOLVWDV TXH SURFODPDP D OHL FRPR ~QLFR P GD FLrQFLDRX SHQVDP HVJRWDU R FRQWH~GR GD UHDOLGDGH SRUPHLR GH XP VLVWHPD GH UHODo}HVabstractas; b) os historiadores ingnuos que, inconscientes dos seus valores, imaginam GHVFREULUQRSUySULRPXQGRKLVWyULFRDVHOHFomRGRLPSRUWDQWHHGRDFLGHQWDOFWRGRVRVPHWDItVLFRVTXHMXOJDPWHUDSUHHQGLGRGHPRGRSRVLWLYRDHVVrQFLDGRVIHQ{PHQRVas foras profundas, as leis do todo que comandaria o devir, acima dos homens que SHQVDPHMXOJDPDJLU
3HQVDYDFRP5DQNHTXHQmRKiXPDKLVWyULDPDVKLVWyULDVHTXLVVXSHUDURGXDOLVPREiVLFRGRKLVWRULFLVPRRFRQLWRHQWUHQDWXUH]DHHVStULWRDFomRVRER LPSXOVRGDIRUoDNUiWRVHDFomRVHJXQGRD MXVWLFDomRPRUDOpWRVFRQVFLrQFLDKLVWRULFLVWDHQHFHVVLGDGHGHYDORUHVDEVROXWRV
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0HLQHFNHDFHLWDHVWHGXDOLVPR&RQVLGHUDRKLVWRULFLVPRRPDLVDOWRJUDXDWLQJLGRQDFRPSUHHQVmRGDVFRLVDVKXPDQDV6HPG~YLGDTXHSiUDFRPRQRWRX&DUOR$QWRQLDQWHVGDGLVVROXomRGDUD]mRHGDIpQRSHQVDPHQWRSULQFtSLRGHXQLGDGHGDQDWXUH]DKXPDQDGHYLGRDRKXPDQLVPRPDQWLGRSRU5DQNH/(*2))S
Le Goff v em Troeltsch e Meinecke tmulos glria do
historicismo.
Finalmente, outro pensador contemporneo que abordou a questo
do historicismo foi Karl Manheim, socilogo do conhecimento hngaro
bastante influenciado pelo filsofo marxista George Lukcs. Para Manheim,
toda forma de conhecimento ou de pensamento est ligada ou dependente
de uma posio social determinada, ou de um determinado ser social.
Embora essa tese j tenha sido enunciada por Dilthey e Troeltsch, em
Manheim tal postura fortemente influenciada pelo pensamento de Karl
Marx, especificamente por relacionar os conhecimentos, as ideologias
e as utopias sociais e histricas com lugares sociais determinados, as
classes sociais, de maneira particular.
A seguir, na Seo 3, voc ver o conjunto de crticas mais importantes
que se colocam em relao ao desdobramento do historicismo na Escola
Metdica francesa, com sua postura racionalista e cientificista.
SEO 3A CRTICA ESCOLA METDICA
Uma das questes mais polmicas no que se refere anlise da
Escola Metdica diz respeito ao carter de cincia da escrita da Histria.
Essa questo deriva da pretenso cientificidade do mtodo histrico
de Langlois e Seignobos e da prtica e pressupostos cientificistas dos
historiadores metdicos da Frana no sculo XIX.
Uma primeira coisa a ser esclarecida que a alcunha de positivista,
dada como sinnimo de metdico no campo corrente da historiografia, se
refere mais proposta de Leopold Von Ranke sobre a Histria como uma
cincia positiva, do que ao Positivismo, conforme proposto pelo socilogo
francs Augusto Comte (BOURD & MARTIN, 1990, p. 112-117 passim).
Se h uma Histria positivista, ela no a de Monod, Langlois
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e Seignobos e os demais historiadores metdicos da Frana. Poderia
ser localizada, talvez, no pensamento do historiador Louis Bourdeau,
expresso em A Histria e os Historiadores: ensaio crtico sobre a Histria
considerada como cincia positiva, de 1888.
Bourdeau, discpulo de Augusto Comte, coloca suas idias num plano
filosfico, vendo a histria como o desenvolvimento da razo humana,
que tem como objeto a universalidade dos fatos que a razo humana
dirige ou de que sofre a influncia. Ele adota o modelo sociolgico de
Comte e elege os movimentos populacionais, as formas do espao social,
as maneiras de alimentao, enfim, as atividades humanas em todas as
suas manifestaes como objetos de estudo pela Histria.
Por outro lado, suas concepes desprezam o acontecimento
singular, o fato, e os personagens ilustres: preciso que os aristocratas
da glria se apaguem cada vez mais perante a importncia das multides.
Ocupemo-nos das massas (BOURD & MARTIN, 1990, p. 113).
Ainda por influncia de Comte, Bourdeau v na Histria cientfica o
objetivo de investigar o conjunto de leis que determinam o desenvolvimento
da espcie humana. Essas leis so classificadas em trs grupos:
Ora, essa viso diametralmente oposta quela proposta pelos
historiadores metdicos franceses da segunda metade do sculo XIX. Se,
como contraponto, for analisado o Manifesto, que abre a Revista Histrica,
em 1876, veremos que ali Gabriel Monod tambm emprega o termo cincia
positiva, mas numa acepo completamente diferente daquela expressa por
Bourdeau.
Monod enuncia as linhas da Revista Histrica, que so tambm as linhas
da Escola Metdica, em relao cientificidade, da seguinte maneira: A nossa
Revista ser uma recolha de cincia positiva e de livre discusso; todavia, no
abandonar o domnio dos factos e permanecer fechada s teorias polticas e
filosficas (MONOD, in BOURD & MARTIN, 1990, p. 113).
$V Leis de OrdemTXHUHYHODPDVHPHOKDQoDGDVFRLVDV$V Leis de Relao, que enunciam que as mesmas causas geram os mesmos HIHLWRV$Lei SupremaTXHUHJXODRFXUVRGD+LVWyULDe HYLGHQWH TXH LVVR VH FRQVWLWXL QXPD ORVRD GD KLVWyULD IRUWHPHQWH GHWHUPLQLVWDTXHSUHWHQGHDRPHVPRWHPSRUHFRQVWLWXLURSDVVDGRHSUHYHURIXWXUR%285'e0$57,1S
____________________________________________________________________________________________ Os trechos principais do Manifesto esto no ANEXO II.
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Quando toma contato com as idias histricas de Bourdeau, Monod
diz a seu respeito, num primeiro momento, na edio 13, de 1888, da
Revista Histrica: A histria nunca ser seno uma cincia descritiva que
opera sobre elementos sempre fugitivos, em mutao e em devis perptuos.
Quando muito poder-se-ia compar-lo meteorologia. (apud BOURD &
MARTIN, 1990, p. 113).
Mais tarde, porm, tentando aproximar a Histria das demais cincias
sociais, Monod refaz sua apreciao sobre Bourdeau, afirmando que sua
obra no teria toda a fama que merecia, principalmente por sua articulao
com a Sociologia.
Os adeptos da Escola Metdica retiram o termo cincia positiva,
como j foi dito, das idias de Leopold Von Ranke (Veja a Unidade III,
Seo 1, p. 21-23), cuja influncia assumida e explcita. Depois da
Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871, vrios jovens historiadores do
grupo que mais tarde formaria a Escola Metdica, como Monod, Lavisse,
Seignobos e outros, foram estudar na Alemanha. Ali tomaram contato
e receberam influncias do historicismo de Mommsem, Von Sybel e
outros. Mas a grande influncia, sem dvida nenhuma, veio das teses de
Leopold Von Ranke. Ora, o corolrio das teses de Von Ranke o de que,
como cincia positiva, a Histria pode chegar objetividade cientfica
e conhecer a verdade histrica de um passado com existncia objetiva.
Porm essa pretensa objetividade cientfica sofre um abalo
consistente quando posta em confronto com a prtica dos historiadores
metdicos e da Revista Histrica no campo poltico. Republicana e laica, a
Revista toma partido de governos oportunistas na Frana; abre polmicas
com monarquistas e com a Igreja Catlica ultramontana. Lavisse, em
sua Histria da Frana, arquiteta e expressa a mitologia do Estado-
Nao burgus, que teria sido originado nos gauleses e merovngios,
teria sua consolidao na dinastia dos Capetos e teria seu apogeu na
Repblica democrtica e nacional (veja a semelhana com a construo
mtica do Estado-Nao brasileiro, com suas origens em Cabral, sua
sistematizao no Imprio rleans e Bragana e sua consolidao na
Repblica de Deodoro e Peixoto). O uso dos manuais escolares, como
j foi visto, criava o esprito patritico e o orgulho nacional contra os
inimigos da Ptria, os brbaros germnicos da Alemanha.
Com essas prticas, quase nada das propostas de imparcialidade
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cientfica subsiste, e o que resta um discurso ideolgico burgus e
republicano, de justificativa do Estado e do nacionalismo chauvinista.
E nessa contradio entre positividade cientfica e uma
prtica ideolgica engajada que est centrada a maioria das crticas
Escola Metdica. BOURD & MARTIN (1990, p. 115-116) elencam um
conjunto de posies crticas historiografia metdica francesa. A mais
contundente delas vem da Escola dos Annales, de Marc Bloch e Lucien
Febvre, e se subdivide em quatro pontos principais:
1. A Escola Metdica s privilegia os documentos escritos (decretos,
cartas, relatrios, tratados etc.) em detrimento dos documentos no
escritos (vestgios arqueolgicos, sries estatsticas etc.), que igualmente
informam sobre a vida em sociedade dos homens no passado.
2. A Escola Metdica pe toda nfase no fato, no acontecimento
singular, ocorrido na curta durao temporal (por exemplo, a tomada da
Bastilha); ao passo que mais importante conhecer a vida estrutural das
sociedades, que se revela por fatos comuns, repetitivos e mensurveis,
que se desenrolam num tempo estrutural de longa durao (por exemplo,
a cultura do trigo).
3. A Escola Metdica privilegia os fatos polticos, militares e
diplomticos (p. ex., o assassinato de Henrique IV, a Batalha de Austerlitz
e a Paz da Westflia) e despreza os fatos sociais, culturais e econmicos
(como os direitos senhoriais, a religiosidade jansenista e a inovao do
moinho de vento).
4. A Escola Metdica tem uma prudncia vacilante, arisca ao
debate, renuncia interpretao e sntese.
Entretanto, apesar de toda sua contundncia, a crtica dos Annales
no toca no ponto central da objetividade cientfica na Histria, expressa
na contradio entre a neutralidade cientfica do historiador e os
preconceitos polticos dos historiadores metdicos.
O pensamento relativista, ou presentista, frequente na
historiografia britnica e norte-americana nas dcadas de 1930 e 1940,
faz uma crtica da historiografia metdica de contedo mais radical, ao
refutar os pressupostos tericos de Leopold Von Ranke.
Charles Bard enuncia em The American History Rewiew, vol.
LXIII, n3, de 1937, com todas as letras, que a pretenso cientificizante
se traduz fundamentalmente numa opo de carter ideolgico: Que
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feito desse historicismo que permitia ao historiador imaginar que
se pode conhecer a histria tal como se desenrolou realmente? Essa
filosofia porque essa corrente uma filosofia, mesmo se negava a
filosofia sofreu um fracasso.
J o materialismo histrico centra suas crticas na impossibilidade
da neutralidade do historiador. Para Marx essa neutralidade
impossvel, embora pretextada no discurso filosfico. Na Ideologia
Alem, MARX e ENGELS (1987, p. 36-37), ao pensarem sobre o processo
do conhecimento, constatam que a conscincia humana , por um lado,
socialmente determinada: So os homens que so os produtores de
suas representaes, das suas idias (...) mas os homens reais, atuantes,
tal como so condicionados por um desenvolvimento determinado das
suas foras produtivas e das relaes que se lhes correspondem.
Nas Teses contra Feuerbach, por outro lado, Marx defende que
a produo do conhecimento uma atividade no abstrata, mas
concreta e ligada a uma prxis: O principal defeito at aqui de todos
os filsofos (...) que, para eles, a realidade e o mundo sensvel s
so compreendidos sob a forma de objeto ou de intuio, mas no
enquanto atividade humana concreta, no enquanto prtica (MARX,
in GIANOTTI, 1978, p. 51).
Assim, nesta perspectiva, no haveria como o historiador, o ser
que conhece e produz conhecimento, ser imparcial, posto que pertence
a um grupo profissional, uma classe social, uma comunidade nacional,
e pode, consciente ou inconscientemente, vir a defender seus valores
e interesses, enfim a sua ideologia. Isso explicaria por que as posies
ideolgicas dos historiadores metdicos defendem os interesses
burgueses, republicanos e liberais.
Todavia, apesar de seus evidentes limites e claras dimenses
poltico-ideolgicas, a escola metdica conseguiu, no incio do sculo
XX, ser hegemnica em Frana e nos pases sob sua influncia
cientfico-cultural (inclusive o Brasil), como uma viso cientfica e
neutra da escrita da histria. Tal hegemonia s foi posta em questo
com a escola de Annales, na Frana, e com a internacionalizao do
materialismo histrico. Mesmo assim, os seus pressupostos ainda
esto muito arraigados na produo historiogrfica contempornea,
principalmente naquela voltada para a escola bsica.
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61PALAVRAS FINAIS
PALAVRAS FINAIS
Parabns!!! Voc concluiu o estudo da disciplina Teoria da Histria
II. Foi uma longa caminhada, nos tempos e nos espaos das concepes
e formas de escrita da Histria no Europa do final do sculo XVIII e no
sculo XIX.
Voc percorreu um longo trajeto, que lhe permitiu conhecer desde as
concepes histricas de Jules Michelet, que, de certa forma, o precursor
da historiografia contempornea, passando pela complexa e difusa
conceituao de historicismo e o debate terico sobre esta questo. Viu
o desenvolvimento do historicismo alemo da primeira metade do sculo
XIX em Von Humboldt, Von Ranke e na Escola Prussiana. Teve noes,
tambm, do pensamento histrico de Hegel, marcado por sua lgica de
cunho dialtico e seu idealismo filosfico articulados historicamente.
Alm disso, analisou a historiografia metdica francesa, com sua postura
cientificista, nacionalista e colonialista.
Mas tambm viu que os pressupostos nacionalistas e cientificistas
do historicismo e da Escola Metdica foram objeto de crtica contundente
tanto pela Filosofia quanto pela Historiografia posterior, principalmente
em relao sua instrumentao ideolgica. Constatou, tambm, que essas
crticas foram enunciadas em lugares historiogrficos bastante diversos,
como o presentismo americano, a Escola de Annales e o materialismo
histrico de Marx e seus seguidores.
No total de sua caminhada nesta disciplina, voc deve ter percebido
que a escrita da Histria um produto social, determinado no apenas pelo
passado, mas pelo uso do passado como legitimador de posturas culturais,
sociais, polticas e religiosas. Deve ter sentido o alerta implcito ao longo
do curso da necessidade de reconhecer os componentes ideolgicos
presentes em toda escrita da Histria e da ainda maior necessidade de
no se deixar instrumentalizar pelos usos ideolgicos do conhecimento
histrico em sua prtica docente.
Mas o que se espera, mesmo, que voc possa ter alargado seus
horizontes e construdo um olhar crtico sobre a escrita da Histria como
produo instrumental e dotada de intencionalidade, visto que isso no
totalmente negativo. Humaniza a Histria, coloca-a como saber humano,
feita e escrita por seres humanos para outros seres humanos, nessa luta
constante que o construir cotidiano de identidades pessoais, culturais,
polticas, religiosas ou nacionais.
Histrico, sim, mas humano, irredutivelmente humano.
No prximo semestre voc ter um novo encontro com a Teoria da
Histria, no curso de Teoria da Histria III. Voc ver ali as reaes ao
historicismo cientificista na historiografia do sculo XIX e do incio do
sculo XX, com o estudo do materialismo histrico e dialtico de Karl
Marx e seus seguidores, e da Escola de Annales francesa, de Marc Bloch
e Lucien Febvre.
At l e continue perseverando nesse caminho, s vezes rduo, s
vezes cansativo, s vezes desanimador, mas que ao seu final certamente
lhe trar a recompensa de um aperfeioamento profissional e, o que
muito mais importante, um crescimento pessoal qualitativamente superior
em sua maneira de ver, produzir e ensinar Histria.
Deus o (a) abenoe!!!
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63REFERNCIAS
REFERNCIAS
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65AUTOR
NOTAS SOBRE OS AUTORES
JANANA DE PAULA DO ESPRITO SANTOA Janana formada em Histria pela Universidade Estadual de
Ponta Grossa, com mestrado em Educao pela Universidade Federal
do Paran. Apaixonada por livros e leitura desde pequena, filha de um
pai jornalista e de uma me professora, sempre gostou de estudar, com
uma aproximao especial as questes tericas. Professora de Ensino
Mdio e Fundamental, trabalha com Teoria de Histria e Metodologia
do Ensino de Histria na Universidade Estadual de Ponta Grossa.
MARCO AURLIO MONTEIRO PEREIRAMeu nome Marco Aurlio Monteiro Pereira, casado com Melissa,
pai do Neil Neto e av do Davi e do Pedro. Sou professor da Universidade
Estadual de Ponta Grossa desde 1989, onde leciono Teoria da Histria
e Histria da Arte. Sou Bacharel e Licenciado em Histria e Mestre em
Histria do Brasil pela UFPR, de Curitiba. Meu trabalho acadmico de
pesquisa se concentra, atualmente, depois de uma passagem pelas reas de
Histria e Ensino e Histria da Alimentao, na Histria do Protestantismo,
com nfase no estudo sobre os primrdios do Presbiterianismo no Brasil,
no sculo XIX. Alm da formao em Histria, sou Bacharel em Teologia
pela Faculdade Teolgica Sulbrasileira, em Curitiba, e Pastor da Igreja
Presbiteriana do Brasil. Para contatos, meu e-mail [email protected].
RODRIGO CARNEIRO DOS SANTOSSou graduado em Licenciatura em Histria pela Universidade
Estadual de Ponta Grossa e aluno regular do programa de mestrado
em Cincias Sociais Aplicadas, da mesma instituio. Sou professor
colaborador do Departamento de Histria da Universidade Estadual
de Ponta Grossa desde 2004, com trs anos de atuao em cursos de
graduao como Bacharelado em Histria, Licenciatura em Histria,
Jornalismo, Servio Social e Cincias Econmicas. Estou em fase de
concluso do mestrado, desenvolvendo pesquisa nas temticas de
Identidade e Religiosidade. Alm de lecionar, atuei como assessor
tcnico de planejamento estratgico nos anos de 2000 a 2003, na
Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, participando da elaborao
e execuo de projetos tcnicos em gesto pblica. Tenho particular
interesse pelas reas de Teoria da Histria, Histria Medieval, Histria
Contempornea, Identidades, Poltica e Religiosidade. Possuo artigos
publicados em peridicos, anais de eventos e revistas cientficas, nas
temticas de movimentos sociais, identidade, religiosidade, poltica e
democracia.
ANEXOS
ANEXO 1J. MICHELET - PREFCIO HISTRIA DA FRANA, DE 1869
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69ANEXOS
Prefcio Histria de Frana, 1869.
Jules MICHELET
Esta obra laboriosa de cerca de quarenta anos foi concebida num
momento, no relmpago de Julho. Nesses dias memorveis, fez-se uma
grande luz e vi a Frana.
Tinha anais e no uma histria. Homens eminentes tinham-na
estudado sobretudo sob o ponto de vista poltico. Ningum penetra
no infinito detalhe dos desenvolvimentos diversos de sua actividade
(religiosa, econmica, artstica, etc.). Ningum a tinha abrangido com
o olhar na unidade viva dos elementos naturais e geogrficos que a
constituram. Fui o primeiro a v-la como uma alma e uma pessoa.
O ilustre Sismondi, esse perseverante trabalhador, honesto e
judicioso, nos seus anais polticos, ergue-se raramente aos pontos de vista
de conjunto. E, por outro lado, no entra nas investigaes eruditas. Ele
mesmo confessa lealmente que ao escrever em Genebra no tinha mo
nem as actas nem os manuscritos.
De resto, at 1830 (at mesmo 1836), nenhum dos historiadores
notveis dessa poca sentiu ainda a necessidade de procurar os factos
fora dos livros impressos, nas fontes primitivas, a maioria inditas ento,
nos manuscritos das nossas bibliotecas, nos documentos dos nossos
arquivos.
Esta nobre pliade histrica que, de 1820 a 1830, lana um to
grande brilho, os srs. de Barante, Guizot, Mignet, Thiers, Augustin
Thierry, encarou a histria por pontos de vista especiais e diversos. Fulano
preocupou-se com o elemento de raa, sicrano pelas instituies, etc., sem
verem talvez suficientemente como estas coisas se isolam dificilmente,
como cada uma delas reage sobre as outras. A raa, por exemplo, continua
ser idntica sem sofrer a influncia dos costumes mutantes? Podem as
instituies estudar-se suficientemente sem ter em conta a histria das
idias, de mil circunstncias sociais de que surgem? Estas especialidades
sempre tm algo de um pouco artificial, que pretende esclarecer, e todavia
pode dar falsos perfis, enganar-nos sobre o conjunto, tirar-lhe a harmonia
superior.
A vida tem uma condio soberana e muito exigente. S
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70ANEXOS
verdadeiramente a vida quando est completa. Os seus rgos so todos
solidrios e s actuam em conjunto. As nossas funes ligam-se, supem-
se uma outra. Falte apenas uma e nada vive mais. Outrora julgava-se
poder pelo escalpe isolar, seguir parte cada um dos nossos sistemas;
isso no possvel porque tudo influi sobre tudo.
Assim, ou tudo ou nada. Para encontrar a vida histrica seria preciso
segui-la pacientemente em todas as suas vias, todas as suas formas, todos
os seus elementos. Mas tambm seria preciso, com uma paixo ainda
maior refazer e restabelecer os jogos de tudo isto, a aco recprocas
destas porcas diversas num poderoso movimento que se tornaria a prpria
vida.
Um gnio de quem tive, no o gnio sem dvida, mas a violenta
Vontade, Gricault, ao entrar no Louvre (no Louvre de ento onde
toda a arte da Europa estava reunida), no pareceu perturbado. Disse:
Muito bem! Vou refaz-lo. Em rpidos esboos que nunca assinou, ia
compreendendo e apoderando-se de tudo. E, sem 1815, teria cumprido a
palavra. So assim as paixes, as frias da bela idade.
Mais complicado ainda, mais terrvel era o meu problema histrico
colocado como ressurreio da vida integral, no nas suas superfcies,
mas nos seus organismos interiores e profundos. Nenhum homem sensato
teria pensado nisso. Por sorte, no o era.
Na brilhante manh de Julho, a sua vasta esperana, a sua poderosa
electricidade, essa iniciativa sobre-humana no intimidou um jovem
corao. Nenhum obstculo em determinadas horas. Tudo se simplifica
pela chama. Mil coisas baralhadas resolvem-se a, encontram a as suas
verdadeiras relaes, e (harmonizando-se) iluminam-se. Muitas molas,
inertes e pesadas se jazem parte, rolam por si s se forem recolocadas
no conjunto.
Foi esta a minha f pelo menos, e este acto de f seja qual for a
minha fraqueza, age. Este movimento imenso abalou-se sob os meus
olhos. Estas foras variadas, tanto de natureza como de arte, procuraram-
se, arranjaram-se, ao princpio desajeitadamente. Os membros do grande
corpo, povos, raas, regies, ordenaram-se do mar ao Reno, ao Rdano,
aos Alpes, e os sculos marcharam da Glia para a Frana.
Todos, amigos, inimigos, disseram que era vivo. Mais quais so
os verdadeiros sinais bem certos da vida? Por certa destreza obtm-se
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71ANEXOS
animao, uma espcie de calor. Por vezes o galvanismo parece ultrapassar
a prpria vida pelos seus saltos, esforos, contrastes opostos, surpresas,
pequenos milagres. A verdadeira vida tem um sinal muito diferente, a
sua continuidade. Nascida de um jacto, dura, e cresce placidamente,
lentamente uno tenore. A sua unidade no a de uma pequena pea
de cinco actos, mas (num desenvolvimento muitas vezes imenso) a
harmoniosa identidade da alma.
A mais severa crtica, se julgar o conjunto do meu livro, no
desconhecer a essas altas condies de vida. No foi de modo algum
precipitado, forado; teve, pelo menos, o mrito da lentido. Do primeiro
ao ltimo volume, o mtodo o mesmo; este numa palavra na minha
Geografia, no meu Luis XV, e na minha Revoluo. O que no menos
raro num trabalho de tantos anos, que a forma e a cor apiam-se a. As
mesmas qualidades, os mesmos defeitos. Se estes tivessem desaparecido,
a obra seria mais heterognea, sem cor, teria perdido a sua personalidade.
Tal como , mais vale que continue harmoniosa e um todo vivo.
Quando comecei, existia um livro de gnio, o de Thierry. Sagaz
e penetrante, delicado intrprete, grande escultor, admirvel operrio,
mas demasiado sujeito a um mestre. Este mestre, este tirano, o ponto
de vida exclusivo, sistemtico, da perpetuidade das raas. O que faz, no
total, a beleza desse grande livro, que com este sistema, que se julgaria
fatalista, por todo o lado se sente respirar em baixo um corao comovido
contra a fora fatal, a invaso, tudo cheio da alma nacional e do direito
da liberdade.
Amei-o muito e admirei-o. Contudo, di-lo-ei? Nem o material nem
o espiritual me bastava no seu livro.
O material, a raa, o povo que a continua, pareciam-me precisar
que se colocasse por baixo uma boa base, a terra que os sustentava e
os alimentava. Sem uma base geogrfica, o povo, actor histrico, parece
andar no ar como nas pinturas chinesas em que falta o solo. E notem que
este solo no apenas o teatro da aco. Pelo alimento, o clima, etc., influi
a de cem maneiras. Filho de peixe saber nadar. Tal ptria, tal homem.
A raa, elemento forte e dominante nos tempos brbaros, antes do
grande trabalho das naes, menos sensvel, fraca, quase apagada,
medida que cada uma se elabora, se personifica. O ilustre Sr. Mill diz
muito bem: Para se dispensar do estudo das influncias morais e sociais,
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72ANEXOS
seria um meio demasiado fcil atribuir as diferenas de carcter, de
comportamento, a diferenas naturais indestrutveis.
Contra aqueles que perseguem este elemento de raa e o exageram
nos tempos modernos, separei da prpria histria um facto moral enorme
e demasiadamente pouco notado. o poderoso trabalho de si sobre si
em que a Frana, pelo seu progresso prprio, vai transformando todos
os seus elementos brutos. Do elemento romano municipal, das tribos
alems, do cl cltico, anulados, desaparecidos, tiramos com o tempo
resultados diferentes e at mesmo contrrios, em grande parte, a tudo o
que os precedeu.
A vida tem sobre ela mesma uma aco de pessoal criador, que, de
materiais pr-existentes, nos cria coisas absolutamente novas. Do po,
frutos, que comi, fiz sangue vermelho e salgado que em nada lembra
esses alimentos de onde os tiro. Vai assim a vida histrica, vai assim cada
povo que se faz, se engendra, misturando, amalgamando elementos, que
a ficam sem dvida no estado obscuro e confuso, mas so muito pouca
relativamente ao que o longo trabalho da grande alma fez.
A Frana fez a Frana, e o elemento fatal de raa parece-me
secundrio. filha da sua liberdade. No progresso humano, a parte
essencial da fora viva, a que se chama homem. O homem o seu
prprio Prometeu.
Em resumo, a histria tal como a via nesses homens eminentes (e
vrios admirveis) que a representavam parecia-me fraca nos seus dois
mtodos:
Demasiado pouco material, tendo em conta as raas, no o solo, o
clima, os alimentos, tantas circunstncias fsicas e fisiolgicas.
Demasiado pouco espiritual, falando das leis, dos actos polticos,
no das idias, dos costumes, no do grande movimento progressivo,
interior, da alma nacional.
Sobretudo pouco curiosa do pequeno detalhe erudito, onde o melhor,
talvez, continuava enterrado nas fontes inditas.
A minha vida esteve neste livro, passou nele. Foi o meu nico
acontecimento. Mas esta identidade do livro e do autor no tem um perigo?
A obra no est colorida com os sentimentos, com o tempo daquele que
a fez?
o que se v sempre. Nenhum retrato to exacto, to conforme ao
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73UNIDADE 5
73ANEXOS
modelo, que o artista no lhe ponha um pouco de si. Os nossos mestres
em histria no se subtraram a esta lei. Tcito, no seu Tibrio, tambm
se descreve como o aniquilamento do tempo, os quinze longos anos de
silncio. Thierry, ao contar-nos Klodowig, Guilherme e a sua conquista,
tem o sopro interior, a emoo da Frana invadida recentemente e a sua
oposio ao reinado que se parecia o do estrangeiro.
Se isto um defeito, devemos confessar que nos presta bons servios.
O historiador que o no tem, que comea a apagar-se aos escrever, a no
ser, a seguir por detrs da crnica contempornea (como Barante fez em
relao a Froissart), no historiador. O velho cronista, muito encantador,
absolutamente incapaz de dizer ao seu pobre criado que o segue, o que
grande, o triste, o terrvel sculo XIV. Para o saber, so precisas todas as
nossas foras de anlise e erudio. preciso um grande engenho que
penetre nos mistrios, inacessveis a este contador. Qual engenho, que
meio? A personalidade moderna, to poderosa e engrandecida.
Ao penetrar cada vez mais no objecto, ama-se, e a partir da olha-
se para ele com um interesse crescente. O corao comovido segunda
vista, v mil coisas invisveis ao povo indiferente. A histria, o historiador
misturam-se neste olhar. bem? mal? Aqui opera-se uma mudana que
no se descreveu e que devemos revelar:
que a histria, no progresso do tempo, faz o historiador muito
mais do que feita por ele. Se saiu de mim em primeiro lugar, da minha
tempestade (ainda perturbada) de juventude, deu-me muito mais em
fora e em luz, mesmo em calor fecundo, em fora real de ressuscitar o
passado. Se nos parecermos, est bem. Os traos que ele tem de mim so
em grande parte aqueles que lhe devia, que tive dele.
MICHELET, Jules. Prefcio para a Histria da Frana, para a edio
de 1869. (Texto relatado por J. EHRARD e G. PALMADE, LHistoire,
Armand Collin, 1965, p. 261-265).
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ANEXO 2G. MONOD OS PRINCPIOS DA REVISTA HISTRICA
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Os princpios da Revista Histrica
Gustave MONOD
Pretendemos permanecer independentes de qualquer opinio
poltica e religiosa, e a lista dos homens eminentes que quiseram conceder
o seu patrocnio Revista prova que julgam este programa realizvel.
Esto longe de professar todas as mesmas doutrinas em poltica e em
religio, mas pensam connosco que a histria pode ser estudada em si
mesma, e sem se preocupar com as concluses que podem ser tiradas
a favor ou contra esta ou aquela crena. Sem dvida as opinies
particulares influenciam sempre numa determinada medida a maneira
como se estuda, como se v e como se julgam os factos ou os homens.
Mas devemos esfora-nos por afastar essas causas de preveno e de erro
para s julgarmos os acontecimentos e os personagens em si mesmos.
Admitiremos alis opinies e apreciaes divergentes, com a condio de
que sejam apoiadas em provas seriamente discutidas e em factos, e que
no sejam simples afirmaes. A nossa Revista ser uma colectnea de
cincia positiva e de livre discusso, mas encerrar-se- no domnio dos
factos e permanecer fechada s teorias polticas ou filosficas.
Portanto no teremos nenhuma bandeira; no professaremos nenhum
credo dogmtico; no nos alistaremos sob as ordens de nenhum partido;
o que no quer dizer que a nossa Revista seja uma Babel onde todas
as opinies viro manifestar-se. O ponto de vista estritamente cientfico
onde nos colocamos bastar para dar nossa colectnea a unidade de tom
e de carcter. Todos aqueles que se colocam neste ponto de vista tm em
relao ao passado um mesmo sentimento: uma simpatia respeitosa, mas
independente. O historiador no pode com efeito compreender o passado
sem uma certa simpatia, sem esquecer os seus prprios sentimentos, as
suas prprias idias para se apropriar por um instante dos homens de
outrora, sem se pr no seu lugar, sem julgar os factos no meio onde se
produziram. Aborda ao mesmo tempo esse passado com um sentimento de
respeito, porque sente melhor do que ningum os mil laos que nos ligam
aos antepassados; sabe que a nossa vida formada pela sua, as nossas
virtudes e os nossos vcios das suas boas e das suas ms aces, que
somos solidrios de umas e das outras. H algo de filial no respeito com
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que ele procura penetrar na sua alma; considera-se como o depositrio
das tradies do seu povo e das da humanidade.
Ao mesmo tempo, o historiador conserva todavia a perfeita
independncia do seu esprito e em nada abandona os seus direitos de
crtico e de juiz. As tradies antigas dos elementos mais diversos so o
fruto de uma sucesso de perodos diferentes, mesmo de revolues, que,
cada uma no seu tempo e por sua vez, tiveram todas a sua legitimidade
e utilidade relativas. O historiador no o defensor de umas contra as
outras; no pretende suprimir umas da memria dos homens para dar s
outras um lugar imerecido. Esfora-se por discernir as suas causas, definir
o seu carcter, determinar os seus resultados no desenvolvimento geral
da histria. No pe um processo monarquia em nome da feudalidade,
nem a 89 em nome da monarquia. Mostra os laos necessrios que ligam
a Revoluo ao Antigo Regime, o Antigo Regime Idade Mdia, a Idade
Mdia Antiguidade, notando sem dvida os erros cometidos e que
bom conhecer para evitar o seu regresso, mas lembrando-se sempre de
que o seu papel consiste antes de tudo em compreender e em explicar,
no em louvar ou em condecorar (...).
(...) A nossa poca, mais do que qualquer outra, prpria para este
estudo imparcial e simptico do passado. As revolues que abalaram e
perturbaram o mundo moderno fizeram dissipar-se nas almas os respeitos
supersticiosos e as veneraes cegas, mas fizeram compreender ao mesmo
tempo tudo o que um povo perde de fora e de vitalidade quando rompe
violentamente com o passado. No que respeita especialmente Frana,
os acontecimentos dolorosos que criaram na nossa Ptria partidos hostis
ligando-se cada um a uma tradio histrica especial, e aqueles que mais
recentemente mutilaram a unidade nacional lentamente criada pelos
sculos, criam-nos o dever de despertar na alma da nao a conscincia
de si mesma pelo conhecimento aprofundado da sua histria. E apenas
por isso que todos podem compreender o lao lgico que liga todos
os perodos do desenvolvimento do nosso pas e mesmo todas as suas
revolues; por isso que todos se sentiro os rebentos do mesmo solo,
os filhos da mesma raa, no renegando nenhuma parte da herana
paterna, todos filhos da velha Frana, e ao mesmo tempo todos cidados
pela mesma razo da Frana moderna.
E assim que a histria, sem se propor outro fim e outro objectivo a
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no ser o lucro que se tira da verdade, trabalha de uma maneira secreta e
segura para a grandeza da Ptria ao mesmo tempo que para o progresso
do gnero humano.
A Revista Histrica, n. 258, Abril-Junho de 1976, pp. 322-324
(extractos) (Retomada do texto original do Manifesto, de 1876: G.
Monod, Do progresso dos estudos histricos em Frana)