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A atuação do Procurador do Estado como assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária – Lei 8.137/90.
Tese elaborada para apresentação no XXXVII Congresso Nacional de Procuradores do Estado - 27 a 30 de setembro de 2011 - Belo Horizonte/MG.
Belo Horizonte 2011
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SUMÁRIO:
1. Introdução.
2. Do assistente da acusação no processo penal brasileiro.
2.1. Atos processuais praticados pelo assistente da acusação.
2.2. O assistente de acusação e o pedido de prisão preventiva – Lei 12.403/11.
3. Dos crimes contra a ordem tributária – Lei 8.137/90.
3.1. Conceito e bem jurídico penalmente tutelado.
3.2. Estado como sujeito passivo do delito.
3.3. O término do processo administrativo tributário como condição de procedibilidade
da ação penal.
3.4. Do pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade.
3.5. Aplicação da Lei 12.382, de 25.02.2011 – Polêmicas na incidência de referido
diploma legal.
4. O papel do Procurador do Estado na proteção ao Erário.
4.1. Acompanhamento dos desdobramentos da atividade fiscal e do procedimento
administrativo tributário.
4.2. O Procurador do Estado atuando como assistente da acusação.
5. Conclusões.
6. Bibliografia.
3
I – Introdução.
O presente estudo tem como principal objetivo discutir a possibilidade do
Procurador do Estado vir a atuar no processo criminal, buscando efetivar a defesa dos
interesses do Erário Estadual, desempenhando as funções de assistente da acusação nos
crimes contra a ordem tributária etiquetados na Lei 8.137/90.
Trata-se de uma possibilidade de desempenho funcional do Procurador do
Estado, aumentando a efetividade na cobrança do crédito tributário, defendendo o interesse
público e combatendo de forma adequada e rigorosa a sonegação fiscal que grassa em
nosso país, inclusive quanto ao pagamento dos tributos estaduais, notadamente o ICMS.
Importante ressaltar que a extinção da punibilidade pelo pagamento do
tributo devido de há muito passou a ser questão inerente ao acompanhamento dos
desdobramentos do processo administrativo tributário.
Com efeito, tem-se sobre referido temário grande evolução
jurisprudencial, especialmente quanto à forma de pagamento do tributo devido
(parceladamente em razão da adesão a programas de recuperação tributária – REFIS, como
de uma única vez) e o momento processual adequado para se declarar a suspensão do curso
do prazo prescricional ou a extinção da punibilidade.
Com o advento da Lei nº. 10.684, de 30.05.2003, fora estabelecido que o
pagamento do tributo consiste em causa extintiva da punibilidade nos crimes tributários
(art. 9º, § 2º), podendo o pagamento ocorrer em qualquer fase do processo.
Referido diploma legal nada versou sobre a necessidade ou não de
conclusão do procedimento administrativo de constituição do crédito tributário, como
requisito para a abertura de ação penal para apurar os crimes estampados na Lei 8.137/90,
sendo referida questão objeto de elevada discussão acadêmica1 e jurisprudencial2,
desaguando na edição da Súmula Vinculante nº. 24 pelo Supremo Tribunal Federal
1 “A conclusão do processo administrativo fiscal de determinação e exigência do crédito tributária é necessária para a
propositura da ação penal. Primeiro, porque somente depois de concluído o processo poder-se-á dizer se houve
efetivamente a supressão ou a redução de tributo. Segundo, porque admitir o contrário implicaria forte restrição ao
direito do cidadão ao devido processo legal administrativo”. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Sanções Penais Tributárias. MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005, p. 415. 2 STF: HC 77.002 e HC 81.611, dentre diversos julgados no mesmo sentido.
4
assegurando que, somente após o encerramento do procedimento administrativo tributário
com o lançamento definitivo do tributo é que se apresenta como possível a deflagração da
ação penal pelos crimes contra a ordem tributária estampados na Lei 8.137/90.
Posteriormente a vigência da Súmula Vinculante nº. 24 do Supremo
Tribunal Federal, esta questão passou, novamente, a ser objeto de preocupação de toda a
comunidade jurídica nacional, principalmente dos ocupantes do cargo de Procurador do
Estado.
Dentro desta análise evolutiva da interpretação doutrinária,
jurisprudencial e normativa dos crimes tributários, tem-se o advento da Lei nº. 12.382, de
25.02.2011, sendo restabelecido que somente o pagamento do tributo devido, inclusive
acessórios, até o recebimento da denúncia, é que possibilita a extinção da punibilidade.
Para discutir todos estes temários, entende-se como de extrema relevância
para a Fazenda Pública Estadual que um Procurador do Estado acompanhe a lide criminal,
dando suporte ao Órgão de Acusação, formulando requerimentos nas fases processuais
cabíveis, subsidiando o juízo com informações tributárias adequadas, dentre outras
medidas.
Além disso, a atuação diligente, enérgica e vigilante do Procurador do
Estado como assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária pode implicar,
também, na incidência dos dispositivos contidos na Lei nº. 12.403, de 04.05.2011 que altera
todo o capítulo das prisões processuais no Código de Processo Penal, representando,
inclusive, pela decretação da prisão preventiva do réu/devedor, acaso presentes os
requisitos legais, consoante será melhor explorado doravante, em especial diante da
existência de mecanismos que obstem a incidência da Lei Penal ou o regular andamento do
feito criminal (arts. 311 e 312 do Código de Processo Penal).
Dessa forma, tem-se como salutar e de grandes desdobramentos para o
interesse público e respeito à coletividade, a atuação do Procurador do Estado na persecutio
criminis in juditio dos ilícitos tributários, viabilizando de forma mais célere a recuperação
dos ativos sonegados ou desviados.
Este o propósito do presente trabalho, que aponta a possibilidade de
atuação da Fazenda Pública como assistente do Ministério Público nas ações penais por
crimes contra a ordem tributária.
5
Identifica-se o Estado, adotando-se a sua conceituação e concepção
enquanto Fazenda Pública3, atuando no Procedimento Administrativo de constituição do
crédito tributário, na provocação da persecutio criminis e durante toda a instrução
processual, inclusive requerendo a produção de provas e, eventualmente, a prisão
preventiva do réu/sonegador.
Eis o cerne do presente estudo que, ao final, apresenta diversas
conclusões e desdobramentos, ofertando-se, ainda, recomendações para a atuação das
Procuradorias do Estado no enfrentamento de relevante temário.
II – Do Assistente da Acusação no Processo Penal brasileiro.
O Código de Processo Penal em seus artigos 268 a 273 versa sobre a
figura processual do Assistente da Acusação, cabível em todos os crimes de ação penal
pública cuja titularidade fique ao encargo do Ministério Público, podendo ser definido
como parte contingente ou facultativa, pois “a lei permite sua intervenção no processo,
mas, com assistente ou sem assistente, o processo existirá”4.
Trata-se, portanto, de um litisconsórcio ativo facultativo, possível de
existir em todos os ilícitos de ação penal pública, buscando-se, com isso, permitir que a
vítima venha a compor o pólo ativo da lide penal.
Conceitua a doutrina o assistente da acusação da seguinte forma:
É a posição ocupada pelo ofendido, quando ingressa no feito, atuando, ao lado do Ministério Público, no pólo ativo. Trata-se, ao mesmo tempo, de sujeito e parte secundária na relação processual. Não intervém obrigatoriamente, mas, fazendo-o, exerce nitidamente o direito de agir, manifestando pretensão contraposta à do acusado. A posição da vítima, no processo penal, atuando como assistente de acusação, não mais pode ser analisada como o mero intuito de conseguir a sentença condenatória, para que sirva de título executivo judicial a ser deduzido
no cível, em ação civil ex delicto, tendo por objetivo a reparação do dano5.
3 “A expressão Fazenda Pública identifica-se tradicionalmente como a área da Administração Pública que trata da
gestão das finanças, bem como da fixação e implementação de políticas econômicas. Em outras palavras, Fazenda
Pública é a expressão que se relaciona com as finanças estatais, estando imbricada com o termo Erário, representando o
aspecto financeiro do ente público. (...) Na verdade a expressão Fazenda Pública representa a personificação do Estado,
abrangendo as pessoas jurídicas de direito público”. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo.
5ª edição, São Paulo: Dialética, 2007, p. 15. 4 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. II. 25ª edição, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 509. 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pp. 573-574.
6
Consigne-se que hodiernamente a interpretação dada à atuação do
assistente da acusação evoluiu da mera busca de uma condenação, no escopo de melhor
aparelhar e assegurar a reparação civil em razão do ilícito praticado, para um ator relevante
no processo criminal, apto a auxiliar o magistrado na busca da verdade real possível,
chegando-se ao veredicto justo e equânime ao caso concreto.
Além disso, há quem entenda a atuação do assistente da acusação como
“efetivo e eficaz mecanismo de controle externo do Ministério Público”6.
Portanto, convém afirmar que atualmente sobressai como atribuição do
assistente da acusação “a averiguação da verdade substancial. O interesse não se restringe
à aquisição de título executório para reparação de perdas e danos”7.
Com olhos voltados para esta evolução conceitual é que se entende como
importante a atuação das Procuradorias do Estado na defesa dos interesses do Erário,
inclusive nos feitos criminais em que a vítima do dano venha a ser a Fazenda Pública.
Não se admite mais uma postura contemplativa do Estado, atuando
apenas e tão-somente nos procedimentos administrativos tributários, comprovando a
existência de ilícitos penais tributários, muitas das vezes com acentuado dolo, com
utilização de ardis os mais variados, com o envolvimento de várias pessoas, com a
utilização de interpostas pessoas e fraudes documentais em continuidade delitiva e,
restringindo-se tão-só o Estado ao seu papel de fiscalizador do pagamento dos tributos.
Exige-se um pouco mais do Estado moderno, imparcial e transparente.
Obriga-se a que, no desdobramento dos princípios da legalidade e da moralidade, no lídimo
exercício de suas funções de arrecadação tributária, uma vez identificada a existências de
indícios de fraude, de sonegação, de condutas dolosas aptas a ensejarem o não pagamento
ou a redução do pagamento do tributo devido, passe o Estado a adotar uma postura pró-
ativa, não somente concluindo em prazo razoável e com estrita observância ao due process
of law o procedimento administrativo de constituição do crédito tributário, mas, também,
adotando providências no escopo de combater a fraude, buscar a responsabilização dos
sonegadores, tentar, utilizando todos os meios jurídicos e todos os institutos processuais, a
recuperação dos valores lesados e/ou sonegados.
6 PATENTE, Antônio Francisco. O Assistente da Acusação. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 21. 7 PATENTE, Antônio Francisco. Ob., cit., p. 26.
7
Como desdobramento desta postura, tem-se a atuação do Estado como
assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária, por intermédio de suas
Procuradorias do Estado.
Entendo como extreme de dúvida a possibilidade de referida habilitação
do Estado Federado vítima do crime contra a ordem tributária (evidentemente que em
havendo a existência de indícios veementes, obtidos no curso do procedimento
administrativo tributário, da suposta violação aos tipos penais guardados nos arts. 1º, 2º e 3º
da Lei 8.137/90).
Essa a postura adotada pela moderna doutrina processual penal que ao se
debruçar sobre o assunto leciona:
Cremos admissível o ingresso de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, como assistentes de acusação, diante do interesse público que, por trás delas, está presente. (...) Pouco importa seja o Ministério Público também um órgão do Estado, já que é considerado uma instituição permanente essencial à Justiça, mas
que não integra os quadros de nenhum dos Poderes do Estado8.
Ademais, não se pode olvidar que já existe previsão legal para atuação do
Estado (sentido lato sensu), como assistente da acusação, nas hipóteses em que reste
possível a demonstração de dano ao Erário, em diversas situações, merecendo especial
destaque as seguintes:
a) Decreto-Lei nº. 201/67 que versa sobre a responsabilidade de prefeitos
e vereadores e dá outras providências.
Estabelece sobredito regramento normativo, em seu art. 2º, § 1º, verbis:
Art. 2º. O processo dos crimes definidos no artigo anterior é o comum do juízo
singular, estabelecido pelo Código de Processo Penal, com as seguintes modificações:
§ 1º. Os órgãos federais, estaduais ou municipais, interessados na apuração da responsabilidade do prefeito, podem requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal, pelo Ministério Público, bem como, intervir,
em qualquer fase do processo, como assistente da acusação. (Grifos à parte).
b) Lei 7.492/86, que define os crimes contra o sistema financeiro
nacional. Referido diploma legal, permite expressamente no art. 26, parágrafo único, que
tanto a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, como o Banco Central do Brasil, atuem
8 NUCCI, Guilherme de Souza. Ob., cit., p. 574.
8
como assistentes da acusação, nos termos do art. 268 do Código de Processo Penal, sempre
que o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e fiscalização de
referidas autarquias.
c) Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. Legitima,
expressamente em seu art. 82, II e III, outros entes que não o Ministério Público para zelar
pela defesa do consumidor em juízo, inclusive em matéria penal, quando o feito tiver seu
regular curso no foro criminal.
Não haveria razão ou justificativa jurídica plausível para a limitação da
atuação do ente federado, vítima de crime contra a ordem tributária, como assistente da
acusação na apuração de referidos ilícitos no foro criminal competente.
Este o posicionamento jurisprudencial sobre a matéria:
CORREIÇÃO PARCIAL. OPERAÇÃO RODIN. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E DETRAN. OFENDIDOS. CPP, ART. 268. ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A correição parcial somente é admitida nos casos, quando não houver recurso previsto em Lei para manifestação da
inconformidade, em que se vise emendar procedimentos decorrentes de error in
procedendo do juiz que tenha causado tumulto processual, impedindo, assim, o
regular desenvolvimento do feito, mormente quando se refere a condutas que importem a inversão tumultuária de atos e fórmulas legais, a paralisação
injustificada dos feitos ou a dilação abusiva dos prazos. 2. Inexiste impedimento legal à intervenção de pessoas jurídicas de direito público como assistente de acusação em ação penal cujos os denunciados tenham praticados os delitos em detrimento dos cofres estaduais. Assim, estando os entes públicos não condição de ofendidos, legítima a intervenção como assistente de acusação (CPP, art. 268). (TRF 4ª R.; CP 2009.04.00.003118-8; RS; Sétima Turma; Rel.
Des. Fed. Tadaaqui Hirose; Julg. 23/04/2009; DEJF 14/05/2009; Pág. 542) – Grifos por nossa conta.
MANDADO DE SEGURANÇA. OBJETIVO. INGRESSO DA MUNICIPALIDADE COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO EM AÇÃO PENAL. Admissibilidade. Simples leitura da denúncia que evidencia o interesse da impetrante na ação penal. Ação delituosa dos réus que por via oblíqua atingiu o erário do Município. Segurança concedida. (TJSP; MS
158.604-3; São Paulo; Rel. Des. Emeric Levai; Julg. 16/05/1994). - Grifamos.
Portanto, utilizando-se da aplicação analógica permitida no Processo
Penal brasileiro (art. 3º, CPP), entende-se como juridicamente possível, tecnicamente
9
adequado e politicamente recomendável, a atuação da Procuradoria do Estado como
assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária.
2.1. Atos processuais praticados pelo assistente da acusação.
Após recebida a denúncia pode a vítima requerer a habilitação como
assistente da acusação, nos termos do contido no art. 269 do CPP, recebendo o feito no
estado em que estiver, podendo atuar em todos os atos processuais a serem praticados,
requerer prova, participar da colheita da prova, inclusive arguindo testemunhas, juntando
documentos, requerendo a realização de prova pericial e participando dos debates.
Com efeito, enumera a doutrina, e a jurisprudência reconhece diversos
atos processuais que podem vir a ser praticados pelo assistente da acusação.
Especificamente quanto aos crimes contra a ordem tributária praticadas
em detrimento da Fazenda Pública Estadual, contidos na Lei 8.137/90, podem ser elencadas
as seguintes providências a serem encetadas, requeridas ou praticadas pelo assistente da
acusação, neste caso representado pelo Procurador do Estado:
a) Requerer ao Órgão de Acusação que promova o aditamento da
denúncia para inclusão de corréu ou para nova definição típica ou acréscimo de causas de
aumento de pena ou circunstâncias atenuantes – Os crimes contra a ordem tributária são de
ação penal pública incondicionada (art. 15, Lei 8.137/90), cabendo, portanto, ao Ministério
Público a titularidade da ação penal (art. 129, I, da Constituição Federal).
Entrementes, embora não tenha legitimidade o assistente da acusação para
promover diretamente o aditamento da denúncia, pode endereçar requerimento ao
representante do Ministério Público para fazê-lo quando no curso da lide forem descobertos
fatos novos que justifiquem referida postura.
Poder-se-ia apresentar diversas hipóteses de aditamento: para inclusão de
novo réu, para acréscimo das imputações, inserção de período atinente ao tributo sonegado,
adição de circunstâncias agravantes, dentre outras hipóteses.
A título de exemplo: imagine-se o crime contra a ordem tributária na
modalidade redução de tributos em razão de ter o contribuinte “omitido operação de
qualquer natureza”, referente ao ICMS, sendo que o contribuinte pratica referida conduta
10
em continuidade delitiva, enquanto a denúncia nada versa sobre a incidência do art. 71 do
Código Penal (causa de aumento de pena que vai de 1/6 a 2/3) ou ainda, o crime contra a
ordem tributária que em razão do seu valor ou da forma como fora praticado “cause grave
dano à coletividade”, não tendo o Órgão de Acusação inserido referida hipótese (art. 12,
Lei 8.137/90) na denúncia.
Nas duas situações acima mencionadas a atuação do assistente da
acusação/Procurador do Estado, pode melhor contribuir para a prestação jurisdicional e a
aplicação justa e equânime da Lei Penal.
b) Propor meios de provas, tais como exames periciais, juntada de
documentos, acareações, realização de busca e apreensão, reconhecimento de pessoa,
dentre outras hipóteses.
Imagine-se o crime contra a ordem tributária onde a questão a ser
dirimida diz respeito a compensação tributária e alterações de alíquotas do ICMS, sendo
necessária a realização de prova pericial para melhor auxiliar ao órgão titular da ação penal
e ao magistrado, delimitando adequadamente os valores sonegados. Nada obsta que o
assistente da acusação oferte referido requerimento, colhendo-se a manifestação do
representante do Ministério Público (art. 271, § 1º, Código de Ritos Penais).
c) Participar de toda a colheita da prova, observando-se o devido processo
legal e contraditório, bem como, ofertar requerimento de diligências (art. 402, CPP –
redação da Lei 11.719/08), apresentar alegações finais escritas, além de participar dos
debates orais, acaso realizados nos moldes previstos no art. 403, § 2º do Código de
Processo Penal (redação da Lei nº. 11.719/08).
d) Arrazoar e contrarrazoar os recursos interpostos pelas partes – Em
havendo interposição de recursos pelo Ministério Público, pela defesa ou por ambos, dispõe
o assistente da acusação da possibilidade de apresentar razões ou contrarrazões a referidas
insurgências processuais.
e) Interpor recursos – em não havendo insurgência do Órgão de
Acusação, discordando o representante legal da vítima do entendimento jurídico lançado no
decisum, pode e deve o assistente da acusação interpor o recurso cabível à espécie.
Com efeito, possui o assistente da acusação, na hipótese dos crimes
contra a ordem tributária, legitimidade para interpor dois recursos, quais sejam: i. Apelação
11
criminal, da decisão absolutória (art. 593, I, CPP); ii. Recurso em sentido estrito, da decisão
que julgar extinta a punibilidade, por qualquer motivo previsto em lei, inclusive quanto ao
pagamento do tributo, mormente se existirem dúvidas sobre a quitação integral do débito
ou, ainda, sobre o momento processual do pagamento e a hipótese de incidência da causa
extintiva da punibilidade (art. 581, VIII, CPP).
f) Requerimento do seqüestro e da hipoteca legal – A legislação
processual penal assegura ao ofendido a utilização de medidas cautelares para resguardo da
efetiva reparação do dano que lhe fora provocado pelo delito.
Neste diapasão, tem-se como absolutamente possível e até recomendável
que o assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária, uma vez apontando o
valor do tributo sonegado ou desviado, venha a requerer referidas medidas cautelares que se
encontram esculpidas nos arts. 125 e 134 do Código de Processo Penal.
Versando sobre referidos institutos leciona a doutrina, ad litteram:
Caberá seqüestro de bens imóveis adquiridos pelo agente com o produto da
infração, desde que haja indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, bem como seu requerimento desde a fase inquisitorial, inclusive. A hipoteca legal, na
espécie, por seu turno, tem conformação jurídica desenhada pelo artigo 827, VI, do Código Civil, e autoriza a constituição de um gravame sobre os bens imóveis
do indiciado, em favor do ofendido ou de seus herdeiros, para satisfação do dano causado pelo delito e pagamento das custas, comprovados os requisitos da certeza
da existência da infração e de indícios suficientes de autoria9.
Portanto, eis relevante atuação do assistente da acusação na hipótese de
crimes contra a ordem tributária: ofertar requerimento de seqüestro de bens (imóveis e
móveis) e hipoteca legal (imóveis), no escopo de garantir o ressarcimento do dano causado
pela prática delitógena.
Sobredita postura processual, perfeitamente possível de vir a ser posta em
prática por parte da Fazenda Pública/vítima, por intermédio do assistente da acusação
(representado pelo Procurador do Estado), implica em dar efetividade a lei, buscando
mecanismos idôneos de ressarcimento ao erário do dano causado.
9 PATENTE, Antônio Francisco. Ob., cit., p. 84.
12
2.2. O assistente de acusação e o pedido de prisão preventiva – Lei 12.403/11.
Outra medida processual de grande relevância e desdobramentos,
recentemente fora inserida no ordenamento jurídico pátrio, qual seja: possibilidade do
assistente da acusação requerer a decretação da prisão preventiva do acusado.
Com o advento da Lei 12.403, de 05.05.2011, em vigor desde o dia
04.07.2011 (considerando um período de vacatio legis de 60 dias – art. 3º, Lei 12.403/11 e
a regra contida no art. 8º, § 1º, da Lei Complementar nº. 95/98), o art. 311 do Código de
Processo Penal passou a prever a decretação da prisão preventiva, desde que presentes os
requisitos legais (fumus comissi delicti e o periculum libertatis), em razão de pedido
expressamente formulado pelo assistente da acusação.
Nesse sentido, leciona a doutrina:
Quanto a permissão dada ao assistente da acusação, cremos mais que oportuna. Não é mais momento para considerar a vítima como mera espectadora do processo, buscando, unicamente, a condenação do réu para fins de indenização civil. Essa idéia é ultrapassada, pois até mesmo durante o processo-crime pode o ofendido litigar, pleiteando a reparação civil. (...). Logo, figurando como pessoa ofendida pelo crime, nada mais justo que poder indicar ao juiz a medida cautelar consistente na prisão preventiva. Ninguém melhor que a vítima para saber se o réu, em liberdade, pode causar-lhe
transtornos10.
Portanto, pode a vítima (neste caso a Fazenda Pública Estadual), requerer
a decretação da prisão preventiva do acusado por crime contra a ordem tributária, desde que
reste comprovado que o réu, por exemplo, almeja fugir do distrito da culpa, ameaça
testemunhas, cria tumulto no andamento processual ou põe em risco a ordem pública.
Evidentemente que os crimes contra a ordem tributária, até por serem
praticados sem violência ou grave ameaça, bem como, por não possuírem uma sanção penal
elevada, somente permitirão a prisão processual como ultima ratio, entrementes, não está
descartada a possibilidade do assistente da acusação, no escopo de garantir a aplicação da
lei penal, vir a postular referida medida processual.
10 NUCCI, Guilherme de Souza; Prisão e Liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 62.
13
III - Dos crimes contra a ordem tributária – Lei 8.137/90.
A imposição de tributos à coletividade constitui um instrumento legítimo
e necessário a regular manutenção e funcionamento do Estado, sendo o Sistema Tributário
Nacional regulado na Carta Política de 1988 (arts. 145 e seguintes da Lex Mater).
Nesse contexto, tem-se que os sonegadores e infratores tributários
“incrementam os encargos dos demais, ferindo o princípio fundamental da igualdade,
justificando-se, então, o combate à evasão tributária”11.
Referida batalha a ser encetada pelo Estado, pode ocorrer de duas formas:
a primeira, tipificando a conduta como infração administrativa (Direito Tributário Penal), a
segunda, com a imputação da infração na condição de ilícito penal definido como crime -
fato típico, antijurídico e culpável (Direito Penal Tributário).
Não obstante a necessária separação entre as sanções administrativas
tributárias e as sanções penais tributárias, convém reforçar inexistir bis in idem na
cumulação de sobreditas reprimendas, apresentando-se como justificativa o fato de que
“apesar da existência de certos traços em comum, a sanção administrativa tributária situa-
se em subsistema normativo distinto daquele onde está posicionada a sanção penal
tributária, advindo daí a submissão a regimes jurídicos diferentes”12.
Definindo quais as condutas atentatórias a regularidade do sistema
tributário que configuram os tipos penais contra a ordem tributária, tem-se o advento da Lei
8.137/90, alterando a vetusta legislação então vigente (Lei 4.729/65), objetivando “melhor
reprimir a evasão tributária, criando novas figuras, buscando abarcar maior número de
situações fáticas que vinham ocorrendo, mas que não estavam tipificadas na lei anterior”13.
Embora não figure o Direito Penal como panacéia para a solução de todos
os males que afligem a sociedade, tem-se que em situações extremadas, objetivando
proteger bem jurídico supraindividual, bem como, buscando mecanismos de defesa da
coletividade contra a evasão fiscal, tendo a Fazenda Pública em suas três esferas (federal,
estadual e municipal) como vítima da sonegação fiscal, defende-se a aplicação dos
11 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Direito Penal Tributário – Questões Relevantes. 2ª edição, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 137. 12 CINTRA, Carlos César Souza. COELHO, Ivson. Sanções Penais Tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005, p. 160. 13 RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Ob., cit., p. 26.
14
dispositivos contidos na Lei 8.137/90, devendo o Procurador do Estado estudar
mecanismos aptos a contribuírem na apuração do ilícito penal tributário e de protegerem o
Estado-Federado enquanto sujeito passivo da conduta delitógena, inclusive desenvolvendo
seu labor no escopo de obter a recuperação do crédito tributário desviado, elidido, sonegado
ou suprimido.
3.1. Conceito de bem jurídico penalmente tutelado.
O bem jurídico consiste em mecanismo legislativo de proteção de
determinado bem, quer de interesse individual, quer de interesse coletivo, sendo certo que
“de modo geral, inegável é seu entendimento no sentido de limitação do poder punitivo
estatal”14.
Deve-se destacar, ainda, que o bem jurídico possui pelo menos quatro
funções, quais sejam: função de garantia ou de limitar o poder de punir do Estado, função
teleológica ou interpretativa, função individualizadora e a função sistemática.
No dizer de estudioso da matéria:
Em suma a função limitadora opera uma restrição na tarefa própria do legislador, a função teleológica-sistemática busca reduzir a seus devidos limites a matéria de
proibição e a função individualizadora diz respeito à mensuração da pena/gravidade da lesão ao bem jurídico15.
A delimitação das funções do bem jurídico-penal, também está
intrinsecamente ligada aos princípios norteadores do conceito de bem jurídico, podendo-se
destacar os seguintes: lesividade, intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade.
Sobre o princípio da lesividade (necessidade de efetiva comprovação de
lesão a um determinado bem para a sua eventual proteção), delimita-se que não é qualquer
ofensa a bens e interesses jurídicos que deve justificar a intervenção do Direito Penal, em
verdade, somente quando houver ofensa de monta considerável justifica-se a utilização da
14 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 52. 15 PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico Penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 42.
15
sanção criminal, posto que “(...) não sendo presente uma lesividade a um dado bem
jurídico, inexistirá possibilidade de sanção por parte do Estado”16.
A utilização da norma penal para solucionar conflitos somente se justifica
como a última porta a ser batida, o último caminho a ser trilhado, existindo legitimidade
apenas quando esgotadas todas as outras possibilidades e não, como nos dias atuais, onde
se convoca o Direito Penal para intervir nas mais variadas questões, havendo verdadeira
vulgarização da Lei Penal como norma solucionadora dos conflitos.
É o que ocorre nas hipóteses de crimes contra a Ordem Tributária,
considerando a obrigatoriedade da discussão do crédito tributário antes de vir a ser
deflagrada a ação penal, bem como, buscando-se mecanismos de solucionar a eventual lide
mediante pagamento, somente atuando o Direito Penal como uma espécie de soldado de
reserva, restando nítido o seu caráter subsidiário em matéria tributária.
A subsidiariedade penal delineia-se de tal forma que sua aplicação só
deve ocorrer se outras formas de intervenção não forem passíveis de aplicação
(inicialmente tem-se a cobrança regular do tributo, depois, passa-se para a esfera do
procedimento administrativo, evolui-se para a Notificação Fiscal para fins Penais,
instauração do Inquérito Policial e, por último, com o oferecimento da ação penal). Logo, o
Direito Penal deve ser visto como medida limite de controle social, devendo ser aplicado
somente quando todas as outras alternativas possíveis forem descartadas, posto que “esta
subsidiariedade se funda na extrema severidade dos recursos punitivos, e está relacionada
intimamente com a concepção do direito como última ou extrema ratio”17.
Por fim, quando da análise do bem jurídico penal, inclusive em seu
caráter supra-individual ou difuso, deve-se levar em consideração a intensidade da
danosidade social consistente na violação de referida norma penal.
Os bens jurídicos penais difusos consistem em direitos coletivos que são
violados, havendo a necessidade de intervenção penal, como nas hipóteses de leis que
criminalizam condutas praticadas em desfavor do meio ambiente (Lei nº. 9.605/98 – com a
responsabilidade penal da pessoa jurídica), além de condutas que atentem contra o
patrimônio histórico, artístico e paisagístico.
16 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Ob., cit., p. 55 17 QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 81.
16
Ainda como desdobramento do bem jurídico supra-individual, difuso ou
coletivo, tem-se como fruto do Direito Penal transindividual a preocupação com a
criminalidade econômica, com os crimes contra a ordem tributária e o mercado de capitais,
posto que “a presença crescente do chamado wite-collar crime, do corporete crime, da
criminalidade dos negócios e das empresas na sociedade moderna impôs um repensar
quanto à funcionalidade do Direito Penal”18.
Portanto, com a tipificação de mencionadas condutas, tem-se uma
evolução e mudança de paradigma de atuação do Direito Penal, passando a figurar em seu
epicentro a proteção de bens jurídicos coletivos ou supra-individuais, com a uma nova
roupagem e uma nova esfera e espectro de proteção.
Dentro deste espectro, de proteção a bem jurídico supra-individual ou
coletivo, pode-se afirmar que nos crimes contra a Ordem Tributária busca-se a proteção da
coletividade, além de zelar pela defesa do Estado (enquanto ente político), pois a
arrecadação tributária é a principal fonte de receita do Erário, havendo nítido interesse
público em se tipificar referida conduta, buscando mecanismos de efetividade da Lei e real
aplicação da sanção a todos aqueles que desbordem de seu cumprimento.
3.2. Estado como sujeito passivo do delito.
A fundamentação político-criminal em se alçar a condição de ilícito penal
as condutas atentatórias à Ordem Tributária, decorre do entendimento de que a arrecadação
tributária consiste em um “meio indispensável para que o Estado Social de Direito realize
seus objetivos de justiça social distributiva, impostos pelo seu cariz democrático”19.
Portanto, tem-se como sujeito passivo do delito – vítima do ilícito penal,
o ente público estatal responsável pelo recebimento de referido crédito tributário.
Em havendo a prática dos crimes contidos nos arts. 1º e 2º da Lei
8.137/90, com a sonegação tributária em suas diversas modalidades, de tributo federal (IR,
PIS, COFINS, IPI, etc.), tem-se a União como sujeito passivo, obrigando a competência da
18 SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Ob., cit., p. 143 19 MALAN, Diogo. Considerações sobre os crimes contra a ordem tributária. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Organizadores). Doutrinas Essenciais – Direito Penal – Vol. VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 231.
17
Justiça Federal (art. 109, IV, Lex Legum), por outro lado, em sendo sonegados créditos
tributários pertencentes ao Estado (ICMS, IPVA, etc.), tem-se a Fazenda Pública Estadual
como vítima/sujeito passivo do delito, sendo a competência para o curso de demanda
criminal do Poder Judiciário Estadual (art. 125, CF).
Nesse sentido, leciona a doutrina:
O sujeito passivo dos delitos dos arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990 – quem é titular do bem jurídico lesado pelo crime – é o erário, ou, mais especificamente, a pessoa jurídica de direito público (União, Estado Federal, Distrito Federal, Autarquia ou Município) titular do crédito tributário sonegado. Quanto ao crime do art. 3º da Lei 8.137/1990, o sujeito passivo é a Administração Pública20.
Portanto, indiscutivelmente o Estado-Membro figura como sujeito
passivo dos crimes cometidos em detrimento da Ordem Tributária, sendo que em razão de
referida conclusão, tem-se como absolutamente possível, legítimo e adequado que o
Procurador do Estado possa habilitar-se nos processos criminais que apuram referidos
ilícitos penais, defendendo os interesses da Fazenda Pública em juízo, buscando atingir a
recuperação do crédito tributário sonegado, desviado, elidido ou fraudado.
3.3. O término do processo administrativo tributário como condição de
procedibilidade da ação penal.
Durante largo interstício houve acirrada discussão entre os doutrinadores
do Direito Tributário e do Direito Penal Tributário sobre a imprescindibilidade da
conclusão do processo administrativo tributário para a deflagração da persecutio criminis
pelo crime contra a Ordem Tributária.
Os que afirmavam a desnecessidade de referido condicionamento,
aduziam serem independentes as instâncias administrativa, cível e penal, não havendo
imprescindibilidade de esgotamento do procedimento administrativo para a adoção de
providências na seara criminal (abertura de Inquérito Policial ou ajuizamento da Ação
Penal).
20 MALAN, Diogo. Ob., cit., p. 239.
18
A toda evidência, referida postura não se apresenta como a melhor forma
de interpretar o direito.
Com efeito, o Processo Administrativo Fiscal pode vir a ser conceituado
em sentido amplo e restrito, estando dividido em fases (não contenciosa e contenciosa).
Vale-se da doutrina para melhor exibir referido conceito jurídico:
Em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido restrito, a expressão processo administrativo fiscal designa a espécie do processo administrativo destinada à determinação e exigência do crédito tributário. (...) A espécie mais importante de processo administrativo fiscal, que por isto mesmo é muitas vezes confundida com o gênero, é aquela destinada à constituição do crédito tributário e à sua cobrança dita amigável. É o processo de acertamento, ou processo de determinação e exigência do crédito tributário. É o
processo de lançamento do tributo21.
Portanto, pode-se afirmar que o procedimento administrativo fiscal de
constituição do crédito tributário serve como instrumento de controle da legalidade do ato
administrativo de lançamento.
Somente quando demonstrado, de forma inequívoca a existência do
débito tributário, bem como, os indícios da prática delitógena é que se apresenta como
possível a adoção de procedimentos penais.
Nesse sentido, cita-se novamente a doutrina:
(...) Observamos que, antes do deslinde do processo administrativo fiscal, não é possível, nem razoável a propositura da ação penal contra o contribuinte, dentre outros motivos, porque ainda não se pode afirmar se o tributo foi reduzido ou suprimido, hipótese descrita em lei como necessária e suficiente a deflagrar o crime de que cuida o art. 1º da Lei 8.137/90. Admitir o contrário, com todas as vênias, seria o mesmo que aceitar que um indivíduo possa ser processado pelo crime de homicídio antes da efetiva morte da vítima. Isso porque, mesmo sem elementos suficientes para a propositura da ação penal, uma vez que ainda não se consumou o fato delituoso tipificado em lei, o cidadão teria que se defender de um processo criminal, sem saber, contudo, como, o que, por que e em que medida praticou o ato inquinado de ilegal. Com efeito, chegar-se-ia ao absurdo de a mesma autoridade que enviou a representação ao Ministério Público, informando sobre a existência de um crime contra a ordem tributária, dias depois, com o julgamento final pela improcedência
da acusação fiscal, negar a existência desse mesmo crime, posto que tributo
21 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a Ordem Tributária. São Paulo: Atlas, 2008, pp. 190-191.
19
algum é devido. A segurança jurídica, verdadeiro pilar de todo e qualquer
ordenamento jurídico sério, não pode ser transformada em mera figura de retórica, data maxima venia22.
Após um período de oscilação na jurisprudência, o Supremo Tribunal
Federal pôs fim à questão, afirmando a imprescindibilidade de se aguardar o desfecho do
procedimento administrativo tributário antes de se iniciar a persecutio criminis por crime
contra a Ordem Tributária, servindo de paradigma, dentre outros, o entendimento talhado
no julgamento pelo STF, do RHC nº. 83.717/ES, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 30.04.04.
De tanto se debruçar sobre a matéria, afirmando a impropriedade de se
instaurar inquérito policial ou deflagrar a ação penal, antes da conclusão do procedimento
administrativo tributário, o colendo Supremo Tribunal Federal edita a Súmula Vinculante
nº. 24, pondo uma pá de cal na controvérsia, e afirmando, in verbis:
“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º
incisos I a IV da lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”
Este o entendimento hoje predominante: somente após a conclusão do
procedimento administrativo fiscal, com o lançamento definitivo do crédito tributário,
havendo o respeito ao devido processo legal e seus consectários lógicos - contraditório e
ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF), apontando pela existência de tributo devido, bem
como, indícios de que houve supressão ou sonegação tributária é que se promove a abertura
de Inquérito Policial ou oferecimento de Ação Penal para apurar o crime estampado no art.
1º da Lei 8.137/90.
Não adotar referida providência implica em menosprezar verdadeira
condição de procedibilidade, configurando mencionada situação constrangimento ilegal
passível de vir a ser atacado em sede de habeas corpus, eis que evidente a falta de justa
causa para a abertura da investigação policial ou para o início da ação penal (art. 648, I, do
Código de Processo Penal).
Deve o Procurador do Estado, no escopo de evitar discussões jurídicas
inócuas, bem com, menosprezos aos entendimentos exarados pelo STF, zelar pelo
cumprimento de mencionada Súmula de efeitos vinculantes, recomendando que somente
após o término do procedimento administrativo tributário (condição de procedibilidade para
22 PONTES, Ítalo Farias. Sanções Penais Tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005, p. 449.
20
a ação penal por crime tributário) é que poderá o Estado adotar as providências no intuito
de responsabilizar criminalmente pela prática dos crimes contidos na Lei 8.137/90.
3.4. Do pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade.
O pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade ainda nos
dias atuais acarreta acessa discussão de caráter acadêmico, considerando as diversas
marchas e contramarchas da legislação penal-tributária sobre o assunto, bem como, a
existência de duas correntes doutrinárias, a primeira afirmando que a extinção da
punibilidade nestas condições implica em “um inadmissível privilégio em favor dos
abastados, os quais poderiam sempre escapar da punição e diante dessa possibilidade
apostariam na hipótese de não serem apanhados”, e, a outra corrente que em sentido
diametralmente oposto, sustenta “o caráter utilitarista da pena, que teria por finalidade
coagir o contribuinte ao pagamento” 23.
Referida questão sob o prisma legal e jurisprudencial se encontra
superada, sendo certo que o pagamento do tributo devido extingue a punibilidade e a
adesão aos programas de refinanciamento com o parcelamento das dívidas implica na
suspensão do curso do processo e do respectivo prazo prescricional.
A discussão somente mantém-se ativa quanto ao momento processual
adequado para efetuar o pagamento e postular a declaração de extinção da punibilidade.
Inicialmente o art. 14 da Lei 8.137/90 determinava que o pagamento do
tributo antes do recebimento da denúncia extinguia a punibilidade do tributo. Mencionado
dispositivo fora revogado pelo art. 98 da Lei 8.383/91, sendo que de 1991 até 1995 o
pagamento do tributo devido não trazia qualquer efeito prático na esfera penal (servia como
causa de diminuição de pena contida no art. 16 do Código Penal, se antes do oferecimento
da denúncia).
Em 1995 entra em vigor a Lei 9.249/95, alterada pela Lei 9.430, de
27.12.96, estabelecendo ambos os diplomas, que o pagamento do tributo até o recebimento
da denúncia implicaria na extinção da punibilidade.
23 MACHADO, Hugo de Brito. Ob., cit., p. 373.
21
Posteriormente, o art. 15 da chamada Lei do REFIS (Lei nº. 9.964/2000)
dispunha que a adesão ao REFIS antes do recebimento da denúncia implicaria na suspensão
do curso do processo criminal e do respectivo prazo prescricional.
Avançando na evolução legislativa, tem-se o advento da Lei nº.
10.684/2003 – Lei do PAES, sendo que referido diploma legal em seu art. 9º, §§ 1º e 2º,
instituiu o pagamento do tributo como causa extintiva da punibilidade e o parcelamento
como hipótese de suspensão do feito criminal e do prazo prescricional, entrementes, com a
diferença de que referida lei estabeleceu ser possível retromencionada postura em qualquer
fase do processo (antes – no curso do Inquérito Policial, durante – após o recebimento da
denúncia até a sentença e, depois – mesmo após sentença condenatória, antes do trânsito em
julgado de eventual recurso).
Ou seja: até o advento da coisa julgada no âmbito penal ter-se-ia como
possível o pagamento do tributo extinguindo a punibilidade.
Nesse sentido, a especializada doutrina afirma, ad litteram:
Logo, em qualquer etapa do procedimento criminal – inclusive na fase recursal – o agente que aderir ao parcelamento faz jus à suspensão da pretensão estatal
punitiva. Agora, o único limite temporal é o trânsito em julgado da sentença condenatória, ocasião da qual a pretensão estatal punitiva é substituída pela
pretensão executória. Todavia, a principal característica do art. 9º da Lei 10.684/2003 é que ele criou
um regramento geral disciplinador da suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional nos casos de parcelamento de débitos de natureza tributária.
Vale dizer: o regramento contido nesse dispositivo se aplica a quaisquer hipóteses de parcelamento de débitos tributários, quer em nível municipal, estadual ou federal, independentemente da espécie de tributo devido e do respectivo regime jurídico do parcelamento24.
Vigendo referido entendimento por largo interstício e quase sem
questionamento de sua aplicabilidade perante os Tribunais pátrios, passa-se, recentemente,
por nova alteração legislativa que ainda será objeto de grande discussão acadêmica e
jurisprudencial.
Trata-se da Lei nº. 12.382, de 25.02.2011, que estabelece em seu art. 6º
alterações no art. 83 da Lei nº. 9.430, de 27.12.1996, ressuscitando a regra de que somente
24 MALAN, Diogo. Ob., cit., pp. 262-263.
22
o pagamento do tributo devido até o recebimento da denúncia é que implica na extinção da
punibilidade dos crimes tributários.
3.5. Aplicação da Lei 12.382, de 25.02.2011 – Polêmicas na incidência de referido
diploma legal.
A Lei 12.382, de 25.02.2011 embora vigente, encontra-se envolta em uma
polêmica que certamente implicará em elevadas discussões jurídicas e demandará o
posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a sua eficácia, aplicabilidade e
abrangência.
Inicialmente, tem-se como primeiro ponto de debate e discussão o fato de
que referido diploma versar sobre o valor do salário mínimo de 2011 e sua política de
valorização a longo prazo, sendo que no meio de referida norma, foram inseridas alterações
na Lei nº. 9.430, de 27.12.96, que “dispõe sobre a legislação tributária federal, as
contribuições para a seguridade social, o processo administrativo de consulta e dá outras
providências”.
O art. 83 da Lei 9.430/96, com o advento da Lei 12.382/11, passou a ter a
seguinte redação:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. § 1o Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento. § 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal. – Grifos à parte. § 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva. § 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa
física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral
23
dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de
concessão de parcelamento. § 5o O disposto nos §§ 1o a 4o não se aplica nas hipóteses de vedação legal de
parcelamento. § 6o As disposições contidas no caput do art. 34 da Lei no 9.249, de 26 de dezembro de 1995, aplicam-se aos processos administrativos e aos inquéritos e processos em curso, desde que não recebida a denúncia pelo juiz.
Eis a alteração legislativa, sendo que os estudos doutrinários a respeito de
referido diploma são em sua maioria contrários a aplicação de mencionado dispositivo,
afirmando a doutrina que devem ser aplicados os entendimentos contidos na Lei 10.684/03,
aduzindo os estudiosos das Ciências Criminais que não pode o Direito Penal vir a ser
utilizado como instrumento de pressão no pagamento de tributos, utilizado pelo Fisco para
cobrar contribuintes.
Mais ainda: afirma-se não ser possível que em uma lei cujo objetivo era
alterar as regras do salário mínimo, vir a ser inserida alteração normativa versando sobre
causa extintiva da punibilidade nas hipóteses de crimes tributários.
Nesse sentido, cita-se o seguinte posicionamento sobre a nova lei:
Recentemente, entrou em vigor a Lei 12.382/11 que, além de instituir o valor do novo salário mínimo federal, de maneira sub-reptícia, por meio de seu art. 6º,
alterou a disciplina do pagamento e do parcelamento dos tributos na esfera penal, voltando a adotar o marco temporal do recebimento da denúncia como condição
para que surtam os efeitos extintivos ou suspensivos da punibilidade, em um flagrante retrocesso legislativo.
Pergunta-se: sob o enfoque da teoria do delito, o que muda se o pagamento for feito antes ou depois do recebimento da denúncia? Absolutamente nada. E isso porque o pagamento do tributo altera a estrutura do próprio fato jurídico, suprimindo uma das elementares do tipo penal, seja antes ou depois do início da ação penal, torna-se atípica a conduta, extinguindo-se desta forma a punibilidade da conduta. Contudo, quando se muda o enfoque da teoria do delito para o enfoque dos interesses político-econômicos do Estado são descortinados os reais motivos da alteração legislativa. A intenção e a fórmula da norma são claras, arrecadar mais, com mais velocidade, dissuadindo o contribuinte de contestar a obrigação tributária nos âmbitos administrativos e judiciais, pois, se às vésperas do fim do inquérito policial não se optar pelo parcelamento ou pagamento, de nada adiantará fazê-lo depois25.
25 RIBEIRO, Bruno Salles Pereira. Lei 12.382/11: Efeitos penais do adimplemento tributário e a crise de legitimidade do
Direito Penal. Boletim do Ibccrim, Ano 18, nº. 221, abril/2011, p. 08.
24
Pode-se separar em três as polêmicas ou críticas acerca da aplicabilidade
de referido diploma legal, consistindo em: i. Impossibilidade de uma lei que versa sobre
salário mínimo alterar normas e regras de Direito Penal Tributário, referentes a causas
extintivas da punibilidade; ii. Inocuidade de alteração da Lei 9.430/96, posto que, alterou
norma que não mais se aplicava a matéria26, considerando que sobre a extinção da
punibilidade aplica-se a Lei 10.684/03; iii. Utilização do Direito Penal como instrumento de
apóio e sustentáculo às pretensões do Fisco, como um mecanismo de arrecadação tributária.
Não obstante referidas críticas, cabe ao Procurador do Estado acompanhar
a discussão acerca da incidência de referido diploma legal e zelar pela defesa dos interesses
do Erário, sendo certo que a interpretação que melhor se adéqua as pretensões da Fazenda
Pública dizem respeito à imediata aplicação da Lei 12.382, de 25.02.2011, em vigor a
contar de 01.03.2011 (art. 7º, Lei 12.382/11).
Devem as Procuradorias dos Estados ficarem vigilantes quanto ao
momento do pagamento do tributo devido, após o encerramento do procedimento
administrativo tributário, somente inclinando-se pelo reconhecimento da extinção da
punibilidade na hipótese do pagamento e/ou parcelamento dos tributos devidos, realizados
até o recebimento da denúncia no foro criminal.
Eventual pagamento de tributo devido realizado posteriormente a
retromencionado marco temporal, não deve ter reconhecida a extinção da punibilidade.
IV. O papel do Procurador do Estado na proteção ao Erário.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 132 que cabe aos
Procuradores do Estado e do Distrito Federal a representação jurídica e a consultoria
jurídicas das respectivas unidades federadas, sendo que dentre as diversas atuações do
Advogado Público, destaca-se o controle interno de legalidade, além da proteção do Erário.
26 “A última dessas normas, aliás, de 2003 (Lei n. 10.684), retirou o marco temporal do recebimento da denúncia,
fazendo com que o pagamento do tributo devido extinguisse a qualquer tempo a punibilidade para os delitos tributários.
Em sendo essa a atual norma de regência dos efeitos penais do pagamento do tributo devido, tem-se por completamente inócua uma norma que altera outra que, embora formalmente hígida, já não se aplicava mais pela superveniência de
novas leis que tratavam inteiramente, da matéria”. TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Lei do Salário Mínimo e os
delitos tributários: nem tudo muda. Boletim do Ibccrim, Ano 18, nº. 222, maio/2011, p. 06.
25
Com efeito, devem os Procuradores do Estado no exercício de seu múnos
zelarem pelo interesse coletivo, pelo patrimônio público, pela obediência aos princípios
constitucionais agasalhados no art. 37, caput, da Constituição Federal, observando
conforme ensinamento doutrinário que:
(...) Toda ação administrativa se constitui num poder-dever, numa função submetida ao rigoroso controle da lei. Assim, também internamente o binômio cooperação e controle surge como necessidade para o exato desempenho da Administração. Toma expressão, aqui, a atividade do advogado público, cujo status constitucional, como função essencial à justiça, se equipara aos três poderes que tradicionalmente organizam o Estado27.
Portanto, tem a Advocacia Pública quando desempenha sua função
essencial à justiça, o poder-dever de promover a justiça na sua acepção axiológica,
buscando, dentre outras atribuições, a proteção do Erário.
Indiscutivelmente uma das melhores formas de proteger o patrimônio
público consiste em zelar pela regularidade fiscal, evitando ou coibindo a sonegação ou
supressão de tributos, sendo que a arrecadação tributária consiste em fonte primária do
Estado e em mecanismo apto a possibilitar a consecução dos objetivos fundamentais
entalhados no art. 3º da Constituição Federal, notadamente a constituição de uma sociedade
livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das
desigualdades sociais e regionais.
Este, salvo melhor juízo, o papel da Advocacia Pública na discussão das
questões atinentes a arrecadação tributária, aos crimes contra a Ordem Tributária e as
hipóteses de extinção da punibilidade dos crimes positivados na Lei 8.137/90.
Após regularmente delineado o papel do Procurador do Estado, conclui-se
pela possibilidade, utilidade e regularidade jurídica de sua atuação nos feitos criminais
como assistente da acusação, objetivando seu ingresso no processo penal tributário, zelar
pela defesa do erário, do patrimônio público e dos interesses da coletividade.
4.1. Acompanhamento dos desdobramentos da atividade fiscal e do procedimento
administrativo tributário.
27 MASSA, Patrícia Helena. O papel do advogado público na administração democrática e o controle da legalidade.
Revista da Procuradoria Geral de São Paulo, 1997, p. 121.
26
O Advogado Público atuando no combate a sonegação fiscal e na
restrição e punição à prática dos crimes contra a Ordem Tributária, deve, para
adequadamente desenvolver seu mister, acompanhar os desdobramentos da atividade fiscal
e do procedimento administrativo tributário.
Com efeito, deve a Procuradoria do Estado vir a ser informada pelos
órgãos administrativos do Estado de todos os desdobramentos na constituição do crédito
tributário, bem como, da lavratura de autos de infração, além das fiscalizações de rotina,
posto que, em se deparando o agente público com indícios da prática de crimes contra a
Ordem Tributária, deve-se imediatamente comunicar aos órgãos competentes (Polícia
Judiciária e Ministério Público), no intuito de serem adotadas as providências persecutórias
cabíveis e necessárias.
Diz o art. 16 da Lei 8.137/90 que qualquer cidadão poderá fornecer
notitia criminis a autoridade policial, dando ciência da prática de crimes tributários,
devendo ser instaurado o competente Inquérito Policial. Além disso, devem as autoridades
tributárias ofertarem a representação fiscal para fins penais, noticiando ao Ministério
Público a existência de indícios da prática de crimes contra a Ordem Tributária.
Nesse diapasão, destaca-se a atuação do Advogado Público que
acompanhando os atos administrativos de rotina do Fisco, os Autos de Infração lavrados ou
os procedimentos administrativos de constituição do crédito tributário, podem ofertar
orientação e consultoria jurídica, auxiliando na busca dos indícios e na maior efetividade de
informações a serem prestadas a Polícia Judiciária e ao Ministério Público, buscando coibir
a prática de referidos crimes.
4.2. O Procurador do Estado atuando como assistente da acusação.
Nesse contexto é que se recomenda a atuação do Procurador do Estado
como assistente da acusação nos crimes contra a ordem tributária (arts. 1º, 2º e 3º da Lei
8.137/90).
27
Embora encontre resistência de alguns estudiosos do Direito Processual
Penal28, em razão de não existir expressa previsão normativa na Lei 8.137/90, busca-se
comprovar ao longo do presente estudo, quer pelo bem jurídico tutelado, quer ainda, em
razão de figurar diretamente o Estado como vítima/sujeito passivo de referidos delitos, que
se apresenta como possível, adequado e recomendável a habilitação do Procurador do
Estado como assistente da acusação nos crimes contra a Ordem Tributária.
Referida habilitação permite que a Fazenda Pública encontre-se
representada no feito criminal que discute a existência ou não de dolo na prática dos crimes
de sonegação ou supressão de tributos, podendo o Advogado Público requerer o aditamento
da denúncia, a produção de provas, busca e apreensão, seqüestro e hipoteca legal, perícias
contábeis, dentre outras providências, inclusive o requerimento de decretação de prisão
preventiva, desde que preenchidas as hipóteses legais inseridas no ordenamento jurídico em
razão das inovações contidas na Lei nº. 12.403/11.
Além disso, em estando regularmente habilitado o Advogado Público
para atuar na defesa do Erário como assistente da acusação, seria imprescindível a
apresentação de manifestação expressa nos pedidos de extinção da punibilidade (inclusive
observando a incidência da Lei 12.382/11), bem como, estaria apto a interpor os recursos
cabíveis das decisões judiciais (recurso em sentido estrito e apelação criminal).
Por todas essas razões, sustenta-se no presente estudo a necessidade de
atuação do Advogado Público como assistente da acusação nos crimes contra a Ordem
Tributária.
V. Conclusões.
Ao fim e ao cabo da presente tese, após a análise dos preceitos
contidos na Lei 8.137/90, bem como, forte nos estudos doutrinários e jurisprudenciais
versando sobre a figura do assistente da acusação, do bem jurídico tutelado e interesses do
28 “Ao contrário do previsto no art. 26, parágrafo único, da Lei 7.492/86 – que admite a assistência do Banco Central do
Brasil ou da Comissão de Valores Mobiliários nos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional praticados no âmbito
das suas respectivas esferas de fiscalização – inexiste possibilidade de habilitação dos órgãos integrantes da
Administração Pública fazendária como assistentes de acusação nos autos das ações penais condenatórias relativas a
crimes contra a Ordem Tributária.”. MALAN, Diogo. Ob., cit., p. 239.
28
Estado enquanto vítima dos crimes contra a Ordem Tributária, promovendo-se, ainda, uma
análise da evolução normativa, inclusive fazendo o seu cotejo com os preceitos contidos na
Constituição Federal, apresenta-se como possível pontificar as seguintes conclusões:
01. O processo penal pátrio admite a possibilidade de a vítima
constituir um advogado para habilitar-se na lide criminal como assistente da acusação,
pleiteando no curso do processo a condenação do réu e o ressarcimento do dano causado
com a prática delitógena (arts. 268 ut 273, CPP).
02. O assistente da acusação regularmente habilitado – litisconsorte
ativo facultativo – assume a causa penal no estágio em que se encontra e dispõe da
possibilidade de requerer a produção de prova, apresentar razões finais e interpor recurso da
decisão judicial exarada, inclusive, a possibilidade de apresentar requerimento de
decretação de prisão preventiva do réu, desde que preenchidas as hipóteses legais,
considerando as inovações inseridas no processo criminal pela Lei nº. 12.403/11.
03. Os crimes contra a Ordem Tributária esculpidos na Lei 8.137/90
(arts. 1º, 2º e 3º), protegem o patrimônio público, a coletividade, a administração pública e
tributária, além da isenção na cobrança de tributos e a regularidade fiscal, sendo estes os
bens jurídicos tutelados, figurando o ente estatal (União, Estado ou Município, a depender
do tributo sonegado, desviado, elidido ou suprimido) como sujeito passivo.
04. Entende-se como perfeitamente possível que após o término do
processo administrativo de constituição do crédito tributário, condição de procedibilidade
para a ação penal por crime contra a Ordem Tributária, de acordo com a súmula vinculante
nº. 24 do STF, que o Procurador do Estado apresente requerimento aos órgãos de
persecução penal (Polícia Judiciária e Ministério Público), requerendo a adoção de
providências na apuração de eventual crime contra a Ordem Tributária.
05. Após a deflagração da ação penal por crime tributário deve o
Advogado Público habilitar-se como assistente da acusação, atuando amplamente no feito
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criminal, requerendo a produção de provas (juntada de documentos, oitiva de testemunhas,
busca e apreensão, perícias, etc.), requerendo medidas cautelares (seqüestro, hipoteca legal,
interceptação telefônica, etc.), ofertando razões e contrarrazões, além de interpor os
recursos cabíveis (recurso em sentido estrito e apelação criminal).
06. Pode o Advogado Público, diante das hipóteses legais, uma vez
habilitado regularmente como assistente da acusação, requerer a decretação da prisão
preventiva do réu, nos moldes do art. 311 do Código de Processo Penal, inserido pela Lei
12.403/11.
07. Na extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, deve o
Procurador do Estado fiscalizar a regular aplicação da Lei, inclusive zelando pela
incidência da Lei 12.382/2011, observando que somente o pagamento do tributo devido até
o recebimento da denúncia, atualmente, possibilita a extinção da punibilidade;
08. O Procurador do Estado desempenha relevante papel na proteção
do Erário, devendo inserir no rol de suas atribuições a atuação como assistente da acusação
nos processos criminais que apuram a prática de crimes contra a Ordem Tributária,
defendendo os interesses do Estado perante o foro criminal e buscando a recuperação dos
créditos tributários sonegados, desviados, elididos ou suprimidos da Fazenda Pública,
atuando em prol da coletividade e de toda a sociedade.
VI. Bibliografia utilizada:
CINTRA, Carlos César Souza. COELHO, Ivson. Sanções Penais Tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 5ª edição, São Paulo: Dialética, 2007. MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a Ordem Tributária. São Paulo: Atlas, 2008.
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MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Sanções
Penais Tributárias. MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005. MALAN, Diogo. Considerações sobre os crimes contra a ordem tributária. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Organizadores). Doutrinas Essenciais –
Direito Penal – Vol. VIII. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MASSA, Patrícia Helena. O papel do advogado público na administração democrática e o
controle da legalidade. Revista da Procuradoria Geral de São Paulo, 1997. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 9ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. __________. NUCCI, Guilherme de Souza. Prisão e Liberdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. PATENTE, Antônio Francisco. O Assistente da Acusação. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. PRADO, Luiz Régis. Bem Jurídico Penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
PONTES, Ítalo Farias. Sanções Penais Tributárias. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coordenador). São Paulo: Dialética, 2005.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do Direito Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Direito Penal Tributário – Questões Relevantes. 2ª edição, São Paulo: Malheiros, 2004.
RIBEIRO, Bruno Salles Pereira. Lei 12.382/11: Efeitos penais do adimplemento tributário
e a crise de legitimidade do Direito Penal. Boletim do Ibccrim, Ano 18, nº. 221, abril/2011. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito Penal Supra-Individual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Lei do Salário Mínimo e os delitos tributários: nem
tudo muda. Boletim do Ibccrim, Ano 18, nº. 222, maio/2011. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. Vol. II. 25ª edição, São Paulo: Saraiva, 2003.