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2 O lxico no ensino-aprendizagem de segunda lngua
O fato que enquanto sem gramtica pouco comunicado; sem vocabulrio, nada pode ser comunicado2 (Wilkins, 1975:111)
2.1 Introduo
Para o senso comum, aprender uma lngua ser capaz de compreender e se
comunicar nessa lngua. Entretanto, aprender uma lngua estrangeira um
processo complexo que envolve dominar aspectos lingsticos, scio-lingsticos,
pragmticos e discursivos dessa lngua. Do ponto de vista educacional, preciso
s vezes enfatizar um domnio mais do que outro (ex: a leitura em detrimento da
produo oral, aspectos lingsticos em detrimento de aspectos pragmticos), pois
muitas vezes os propsitos dos aprendizes com a lngua alvo so especficos, e
isso deve ser considerado. O ensino-aprendizagem de uma lngua, portanto,
requer um balano que leve em conta os objetivos dos alunos e as dimenses da
lngua. Entretanto, seja qual for o objetivo e a dimenso contemplada, o lxico
estar sempre determinando este aprendizado, uma vez que todos os aspectos, da
fonologia pragmtica, decorrem naturalmente de componentes que esto dentro
das palavras (Leffa, 2000: 40).
Vilson Leffa (2000) afirma que o lxico, muito mais do que a sintaxe, a
morfologia ou mesmo a pragmtica, a maneira mais rpida, precisa e econmica
de se identificar uma lngua. Segundo o autor, uma simples sequncia de palavras
(ex: los nios, the boys, les enfants) suficiente para determinarmos a lngua que
est sendo usada. Da mesma forma, se observarmos a linguagem telegrfica,
podemos perceber, que a compreenso se d independente da ordem cannica ou
da sintaxe, que nem sempre esto presentes no texto telegrfico. O lxico,
portanto, um fator central para a comunicao. Rodrigues (2003) tambm
alinha-se a essa posio ao defender a idia de que, fora da sala de aula, os erros
referentes escolha lexical so menos tolerados do que os erros de sintaxe.
2 (todas as tradues so de minha inteira responsabilidade) The fact is that while without grammar very little can be conveyed, without vocabulary nothing can be conveyed
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Quando pensamos na sala de aula de lngua estrangeira, observa-se que os
prprios alunos tendem a dar uma importncia grande ao vocabulrio,
considerando-o, muitas vezes, o grande vilo no processo de aprendizagem.
Por outro lado, professores costumam considerar que a aprendizagem de
vocabulrio um processo que ocorre naturalmente atravs da leitura e, por isso,
no precisa ser ensinado (Coady, 1997:274). Esse paradoxo entre a importncia
de adquirir vocabulrio e a negligncia desse aspecto lingstico em sala de aula
merece ser revisto.
Apesar do grande nmero de pesquisas e novas abordagens, o ensino de
vocabulrio continua sendo desprezado nas salas de aula de ensino de lnguas.
Essa negligncia origina-se de vrios fatores: a experincia pessoal do professor
como aprendiz de lngua estrangeira, as atitudes metacognitivas do professor em
relao ao ensino de vocabulrio, a falta de conhecimento dos professores sobre
pesquisas abordando esta questo, a metodologia ou abordagem de ensino
aplicada na instituio, e o material didtico utilizado nas salas de aula. Os
estudos sobre aprendizagem lexical podem contribuir para uma mudana nesse
paradigma que predomina nas salas de aula de ensino de lnguas.
Neste captulo, o foco o lxico e suas complexidades no processo de
aprendizagem. Definirei o que saber uma palavra, e os processos que envolvem
a aprendizagem de uma palavra. Situarei o lxico dentro da competncia
comunicativa e discutirei a aprendizagem de vocabulrio na interao. Antes
porm, proponho um passeio pela histria do ensino de lnguas com um olhar
focado no papel do nosso personagem principal: o vocabulrio.
2.2 Panorama histrico do ensino de vocabulrio em segunda lngua
Ao longo de sua histria, o ensino-aprendizagem de lnguas enfatizou
principalmente a sintaxe e a fonologia. Esta posio era em grande parte
influenciada pelos estudos sobre o ensino-aprendizagem de lnguas que se
concentraram na teorizao e entendimento desses aspectos da lngua. Segundo
Zimmerman (1997:5), pesquisadores da rea de aquisio de segunda lngua e
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professores priorizaram a sintaxe e a fonologia como dimenses mais centrais
para uma teoria lingstica, e como mais crticas para uma pedagogia de lngua3.
Esse posicionamento inspirou e norteou uma srie de metodologias e
abordagens de ensino em que o vocabulrio era tratado como um subproduto da
lngua, algo que no merecia ateno. O efeito desse papel secundrio atribudo
ao vocabulrio est retratado na forma como muitas dessas metodologias
apresentavam e ensinavam o vocabulrio: ora o vocabulrio era ensinado de
maneira simplificada, ora era apresentado em longas listas descontextualizadas a
serem memorizadas pelos alunos. Dentro desta viso, a palavra no impunha
normas ou restries lngua e estava totalmente subordinada sintaxe. Essa
concepo simplista da palavra dominou o ensino-aprendizagem de lnguas at os
anos 80, quando estudiosos comearam a dar uma ateno especial para a questo
lexical.
A seguir, definirei o papel do vocabulrio dentro das vrias abordagens e
metodologias de ensino-aprendizagem de lnguas. O objetivo entender o
percurso dos estudos de ensino-aprendizagem lexical em segunda lngua e
avaliar a influncia deste processo evolutivo no ensino de vocabulrio nos dias de
hoje.
Antes porm de iniciar esta descrio panormica dos mtodos e
abordagens, impe-se um esclarecimento quanto organizao individualizada e
cronolgica utilizada neste captulo. Embora a maior parte dos mtodos e
abordagens ainda sejam utilizados em escolas no mundo inteiro, a apresentao
em ordem cronolgica justifica-se pelo carter evolutivo das pesquisas na rea de
ensino-aprendizagem de lnguas.
Mtodo de Traduo e Gramtica4 (Mtodo Clssico)
O Mtodo de Traduo e Gramtica, tambm denominado Mtodo
Clssico, foi bastante difundido no sculo 19 e incio do sculo 20. O objetivo
desta proposta de ensino no era a comunicao, mas desenvolver o raciocnio e a
3 SLA researchers and teachers have typically prioritized syntax and phonology as more central to linguistic theory, and more critical to language pedagogy 4 Grammar-Translation
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leitura atravs da traduo de clssicos da literatura da lngua alvo para a lngua
materna. Segundo Larsen-Freeman (2000:11),
acreditava-se que a aprendizagem de uma lngua estrangeira ajudaria alunos a desenvolverem-se intelectualmente; admitia-se que os alunos provavelmente nunca usariam a lngua alvo, mas o exerccio mental da aprendizagem de uma segunda lngua seria um benefcio de qualquer forma.5
Dentro dessa proposta, o vocabulrio tinha um papel importante, porm o
ensino limitava-se traduo. As palavras eram apresentadas em listas bilinges
organizadas de acordo com o campo semntico a que pertenciam. Os problemas
de compreenso eram resolvidos, na maior parte das vezes, atravs da
explicao etimolgica da palavra. De acordo com Zimmerman (1997), esse
procedimento refletia a crena de que a relao entre o timo e a palavra era
fundamental para a preservao da lngua, e por isso devia ser estimulada.
A principal crtica ao Mtodo de Traduo e Gramtica era o fato de
utilizar somente a leitura de textos clssicos para o ensino-aprendizagem. Havia
uma negligncia dos aspectos orais e mais realistas da lngua. O vocabulrio
ensinado era, portanto, obsoleto e o aprendizado baseava-se primordialmente na
memorizao de listas de palavras com seus equivalentes na lngua materna.
Movimento da Reforma: Mtodo Direto
Embora tenha mantido a hegemonia at o incio do sculo 20, o Mtodo de
Traduo e Gramtica teve sua posio ameaada no final do sculo 19 pelo
movimento reformista na Inglaterra. Essa Reforma, liderada pelo lingista Henry
Sweet (1964), defendia a primazia da lngua falada e procurava compensar a
ineficincia do Mtodo Clssico para ensinar os aprendizes a se comunicar na
lngua alvo.
O Mtodo Direto, introduzido por Sauveur em 1874 nos Estados Unidos, foi
o primeiro mtodo a se estabelecer mundialmente depois da Reforma. Este
mtodo sofreu influncias das idias debatidas pelos reformistas, e apresentava
uma posio para o ensino-aprendizagem de lnguas totalmente inovadora: o
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ensino atravs da associao direta do significado com a lngua alvo, sem o
recurso da traduo. O mtodo tambm era revolucionrio pois dava nfase
linguagem falada e comunicao, e deixava a lngua escrita em segundo plano.
O Mtodo Direto foi amplamente difundido pelas escolas Berlitz no mundo
inteiro, porm s foi aplicado no contexto de cursos de idiomas.
Nesse mtodo, o ensino de vocabulrio simples e gradual: o vocabulrio
concreto ensinado atravs de desenhos ou mmica, e o vocabulrio abstrato
ensinado atravs da associao de idias. No Mtodo Direto, o vocabulrio
sempre apresentado dentro de um contexto e nunca atravs de uma lista de
palavras.
As crticas ao Mtodo Direto incluem a simplificao exagerada da lngua,
a necessidade de professores com domnio da lngua prximo ao de um falante
nativo, e a dificuldade de aplicao deste em escolas, onde o nmero de alunos
por turma grande.
Ensino Situacional e o Mtodo de leitura
O Ensino Situacional surgiu na Gr-Bretanha em um movimento iniciado
pelo linguista Palmer (1921). O objetivo era desenvolver fundamentos mais
cientficos para os mtodos de prtica oral iniciada pelo Mtodo Direto
(Zimmerman, 1997). A proposta dessa abordagem o ensino atravs da prtica
das estruturas bsicas em atividades que imitam a vida real, ou seja situaes
cotidianas. A lngua falada a preocupao central do ensino nessa abordagem.
Nesse mesmo perodo, surge nos Estados Unidos e na Inglaterra o Mtodo
de Leitura. Esse mtodo objetivava desenvolver a habilidade de leitura e
compreenso em lngua estrangeira. O linguista britnico Michael West (1930)
criticou o excesso de ateno dado produo oral pelo Mtodo Direto, e sugeriu
um novo caminho para a aprendizagem de segunda lngua com o foco no
vocabulrio. Segundo West (1930, apud Zimmerman, 1997:9),
5 it was thought that foreign language learning would help students grow intellectually; it was recognized that students would probably never use the target language, but the mental exercise of learning it would be beneficial anyway
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o principal elemento no aprendizado de uma lngua a aquisio de vocabulrio, e a prtica em us-lo (que o mesmo que adquirir). O problema que vocabulrio; e nenhum desses modernos livros didticos em uso nas escolas de idiomas tentaram resolver essa questo.6
Segundo West, a maior parte dos aprendizes aps de 3 anos de estudo no
domina nem as 1000 palavras bsicas do idioma. Por isso, West (1930) defendia
a idia do ensino de vocabulrio norteado pelas listas das palavras mais
freqentes. Essas listas podiam ser encontradas em dois trabalhos que foram
considerados referncias nessa poca: The Teachers Wordbook of 30,000 Words
de Thorndike (1944), e A General Service List of English Words do prprio West
(1953).
Pela primeira vez, o vocabulrio foi considerado o principal aspecto no
ensino-aprendizagem de lnguas. Estudos cientficos foram desenvolvidos a fim
de selecionar o vocabulrio a ser ensinado nos cursos ou escolas de idiomas. As
pesquisas de Palmer (1921) e West (1930, 1953) contribuiram para o
desenvolvimento dos princpios do controle de ensino de vocabulrio.
Mtodos Estruturais: Mtodo udiolingual e udio-Visual
Os mtodos estruturais adotam, assim com o Mtodo Direto, uma
abordagem oral para o ensino de lnguas. Porm, a prtica oral dos mtodos
estruturais se d atravs de exerccios de repetio de sentenas ou de estruturas
gramaticais (drills).
O Mtodo udiolingual foi desenvolvido pelo linguista americano Charles
Fries em 1945 na Universidade de Michigan. Este mtodo tem uma forte base
terica na Psicologia Behaviorista (Skinner, 1957) e na Lingstica Estrutural
(Bloomfield, 1933). Na obra entitulada Teaching and Learning English as a
Foreign Language (1945), Fries descreve os princpios do mtodo udiolingual,
tambm conhecido como Mtodo Michigan. Duas crenas importantes norteiam
esses princpios: primeiro, a crena de que a gramtica a principal fonte de
conflito na aprendizagem; segundo, que a aprendizagem um processo de
6 The primary thing in learning a language is the acquisition of a vocabulary, and the practice in using it (which is the same as acquiring). The problem is what vocabulary; and none of these modern textbooks in commom use in English schools have attempted to solve the problem.
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formao de hbitos. A partir dessas crenas, tentava-se criar nos aprendizes
novos hbitos (os hbitos da lngua alvo) atravs da repetio em um processo
de automatizao das novas estruturas. O professor deveria ajudar os alunos a
responder corretamente aos estmulos atravs de um processo de modelamento e
reforo. Nas aulas predomina o uso de drills, repetio, imitao, atravs de
muitos dilogos. Partindo da crena de que o aprendizado resultado de uma
automatizao de hbitos, no h necessidade de explicao das regras
gramaticais. Tampouco h interao ou estmulo criatividade, j que isso foge
ao controle do professor e atrapalha na formao dos hbitos.
Dentro desse modelo estruturalista, h tambm o Mtodo udio-Visual que
segue a mesma abordagem oral e behaviorista do Mtodo udiolingual. Porm,
no Mtodo udio-Visual, os dilogos so mais contextualizados, pois so
apresentados em imagens projetadas em slides acompanhadas de gravaes que
so repetidas pelos alunos at serem memorizadas, ou aprendidas. O princpio
do Mtodo udiolingual se mantm: os aprendizes no devem refletir sobre a
lngua, mas sim criar hbitos atravs de uma prtica controlada da lngua.
Nos mtodos estruturalistas, o vocabulrio desprezado. No Mtodo
udiolingual, por exemplo, o ensino de vocabulrio mnimo, pois acreditava-se
que o excesso do ensino deste, especialmente nos primeiros anos, poderia
sobrecarregar e prejudicar a capacidade do aprendiz de adquirir os hbitos para o
aprendizado da fonologia e gramtica da lngua alvo.
Em meados dos anos 60, os mtodos estruturalistas comeam a sofrer duras
crticas advindas de novos paradigmas que surgiam na Psicologia Cognitivista e
na Lingstica Gerativista (Chomsky, 1965). Pesquisadores perceberam que
embora os alunos fossem capazes de produzir sentenas gramaticalmente
corretas, eles eram incapazes de fazer uso apropriado e criativo destas sentenas
fora do contexto da sala de aula (Larsen-Freeman, 2000:53). Alm disso, o fato
de o Mtodo udiolingual considerar o lxico como um subproduto da lngua
produzia aprendizes com vocabulrio infantilizado em uma mentalidade adulta
(Twaddell,1980:442 apud Zimmerman,1997). Verificou-se que a comunicao era
algo mais do que o domnio da estrutura lingstica, era o uso criativo da lngua na
interao em contextos mltiplos. Nos anos 70, os mtodos estruturalistas
perderam grande parte de seu prestgio, porm a idia de que o vocabulrio era
uma habilidade secundria se manteve.
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Mtodo humanista: Desuggestopedia7
Nos anos 70 e 80, surgiram algumas abordagens de ensino fundamentadas
na psicologia cognitivista: Desugggestopedia, Silent Way, e Total Physical
Response. Embora essas abordagens no objetivassem particularmente o ensino
de lnguas, elas foram adotadas como mtodos em algumas escolas de ensino de
idiomas. Celce-Murcia (1991) considera esses mtodos como representantes de
uma abordagem afeto-humanista, pois o eixo central de todos eles a relao
afetiva do aluno com o objeto de ensino, no caso, a segunda lngua. O mtodo
escolhido para ilustrar essa abordagem foi o Desuggestopedia. Essa escolha se
justifica pelo sucesso que esse mtodo apresentou para o ensino-aprendizagem de
vocabulrio. Segundo Larsen-Freeman (2000), o mtodo da Desuggestopedia
considerado especialmente eficaz para o aprendizado de vocabulrio, pois os
alunos que aprendem dentro deste mtodo adquirem um vocabulrio bastante
amplo.
Georgi Lozanov (1988), fundador do mtodo Desuggestopedia, afirmava
que a principal causa do fracasso na aprendizagem afetiva: o aprendiz no
acredita na sua capacidade para aprender, e essa crena o impede de trabalhar com
toda a sua capacidade mental. O termo Desuggestopedia uma aluso ao
procedimento chave deste mtodo: a desugesto (uma espcie de sugesto
indireta de desconstruo) das barreiras psicolgicas que o aprendiz traz para a
sala de aula. Ou seja, cabe ao professor criar um ambiente em sala de aula
relaxante e confivel, onde todas as barreiras psicolgicas trazidas pelos alunos
sejam eliminadas pra que o aprendizado ocorra de forma natural (Larsen-Freeman,
2000).
Os mtodos alinhados abordagem afeto-humanista receberam crticas por
sua nfase excessiva nos aspectos internos e cognitivos do aluno, pelo papel
centralizador dado ao professor, e a negligncia dos aspectos sociais e
pragmticos da lngua.
7 Segundo Larsen-Freeman (2000:73), o termo Suggestopedia foi substitudo pelo termo
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Abordagem Comunicativa
A Abordagem Comunicativa nasceu da influncia dos estudos de Dell
Hymes (1972) sobre competncia comunicativa e do desenvolvimento da teoria
dos atos da fala (Austin, 1962; Searle, 1969). Segundo McCarthy (2001:47), a
teoria dos atos da fala afetou o ensino de lnguas no incio do movimento
comunicativo, trazendo para o aprendiz as funes da lngua (ex: pedido de
desculpas, interrupo, reclamao) que o auxiliariam a se comunicar com mais
eficincia. De uma maneira geral, a Abordagem Comunicativa introduzia uma
nova viso da lngua: a funo da lngua a comunicao e sua natureza social.
A lingstica nesta poca vivia uma forte influncia do trabalho de Noam
Chomsky Syntatic Structures (1957). Nesse trabalho, Chomsky introduziu a idia
de que a linguagem est representada no indivduo em uma gramtica mental
constituda por uma srie de regras lingsticas abstratas que so inatas. Segundo
Chomsky, a linguagem existe separada da cognio e da necessidade de
comunicao. Para Chomsky, a distino entre competncia (gramtica mental
inconsciente) e o desempenho (o uso do conhecimento lingstico) importante, e
declara que o objeto de estudo da lingstica deveria ser a competncia, a
gramtica idealizada. O trabalho de Chomsky foi uma reao crtica viso
behaviorista dos mtodos estruturalistas que dominavam a lingstica nos anos 50.
Mais tarde, Chomsky recebe duras crticas por no considerar o
desempenho e o fator social como constituintes da lngua. Dell Hymes (1972)
introduz o conceito de competncia comunicativa cuja nfase maior est nos
fatores pragmticos e sociolingsticos que governam o uso da lngua. Hymes
(1972) define a competncia comunicativa como sendo um conhecimento
internalizado da adequabilidade do uso da lngua.
Essas novas concepes da lngua formuladas na lingstica (Hymes, 1972)
e na filosofia da linguagem (Searle, 1969) inspiram e inauguram, no final dos anos
70 e incio dos anos 80, a Abordagem Comunicativa no ensino-aprendizagem de
lnguas. Na Abordagem Comunicativa, a competncia comunicativa o objetivo
principal, ou seja prega-se a fluncia em detrimento da preciso gramatical.
Desuggestopedia em referncia ao procedimento central desta abordagem a desugesto
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O ensino do vocabulrio no o foco principal, pois o que prevalece a
fluncia. Para a Abordagem Comunicativa o aprendizado do vocabulrio em
segunda lngua ocorrer da mesma forma como ocorre na lngua materna:
naturalmente, atravs do contexto e da exposio segunda lngua.
Abordagem Natural
A abordagem Natural foi desenvolvida por Krashen e Terrel (1983), e
baseia-se na crena de que havendo input apropriado e compreensvel a
aprendizagem ocorrer naturalmente, sem necessidade de explicao gramatical
ou lexical. Basicamente, a abordagem natural inspirou-se nas cinco hipteses de
Krashen (1981,1982,1983 apud Nation, 2002): a hiptese da aquisio e
aprendizado; a hiptese da ordem natural; a hiptese do monitoramento; a
hiptese do input; e a hiptese do filtro afetivo. A idia central dessas hipteses
que os aprendizes possuem um sistema de aquisio e um sistema de
aprendizagem que funcionam separadamente (Ellis, 1999:356), ou seja, quando
aprendemos uma lngua de uma forma inconsciente e natural estamos
funcionando dentro do sistema de aquisio, por outro lado quando esse
processo consciente estamos funcionando dentro do sistema de aprendizagem.
A posio defendida por Krashen e Terrel (1983) implica em uma concepo
individualista e internalista da mente humana, onde o conhecimento no
construdo interativamente, mas na individualidade a partir do input recebido.
Como na abordagem natural a nfase est na compreenso e no na preciso
gramatical, o vocabulrio, como portador de significado (Zimmerman,
1997:15), ganha uma ateno maior. Porm, o ensino de vocabulrio no
explcito e sim centrado na comunicao e naquilo que relevante e interessante
para o aluno.
A abordagem natural foi criticada pela sua posio negligente em relao
aos erros. O fato de priorizar o discurso no artificial, a fluncia, e no dar
ateno aos erros permite que ocorra a fossilizao da lngua.
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Abordagens lxico-gramaticais: Abordagem Lexical, Aprendizagem por
Exposio a Dados8
No incio dos anos 80 surgiram algumas propostas de ensino-aprendizagem
de lnguas com o foco na questo lexical. Dentre elas destaco a Abordagem
Lexical (Lewis, 1983) e a Aprendizagem por Exposio de Dados (Johns, 1994).
Essas novas abordagens foram inspiradas na Lingstica de Corpus e em uma
srie de publicaes que trouxeram baila a importncia do vocabulrio para o
ensino de lngua estrangeira e materna. Algumas dessas publicaes foram:
Longman Lexicon (McArthur, 1981 apud Berber Sardinha, 2000); Collins
COBUILD Dictionary (Sinclair, 1995).
Na Abordagem Lexical (Lewis,1983), o ensino de lnguas deve combinar
abordagens comunicativas com o foco no lxico. Segundo Beber Sardinha
(2000:56), as principais prticas pedaggicas dessa abordagem so: a priorizao
do ensino das colocaes9 e o tratamento de palavras gramaticais como itens
lexicais.
A outra proposta com nfase no vocabulrio a Aprendizagem por
Exposio a Dados (Johns, 1994). Nessa abordagem o ensino centrado no
aluno, e o papel do professor orientar a conscientizao e descoberta do aluno
dos padres e aspectos recorrentes da concordncia10 atravs de dados providos
pelo computador.
As abordagens de ensino lxico-gramaticais tm recebido crticas
relacionadas ao uso do computador como principal informante, a nfase dada
concordncia, e o uso de corpora (Berber Sardinha, 2000:66).
Abordagens scio-culturais
As abordagens scio-culturais diferem da maior parte das abordagens
tradicionais de ensino-aprendizagem de segunda lngua em uma noo que
central: a mente e o conhecimento so construdos socialmente. Esta nova
8 Data Driven Learning 9 combinao convencionalizada de duas ou mais palavras. 10 listagem dos co-textos (palavras ao redor) nos quais um dado item (palavra isolada, composta , etc) ocorre (Berber Sardinha, 2000:60).
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perspectiva de ensino com foco na interao social foi inspirada nos trabalhos de
Vygotsky (1998). Tratarei desta abordagem com mais detalhe no captulo 3,
porm importante que se entenda a posio dela dentro do panorama histrico
proposto.
A viso sciocultural trouxe para o ensino de segunda lngua uma
mudana tambm no que tange aos papis do professor e do aluno, que passam a
ser vistos como co-construtores da arena que promove o desenvolvimento
(McCarthy, 2001). O conhecimento deixa de ser entendido como um processo
individual, e passa a ser visto como um produto elaborado dialogicamente por
alunos e professor.
Algumas pesquisas conduzidas dentro desta perspectiva, buscam entender
tambm como os aspectos gramaticais, lexicais e pragmticos da lngua so
construdos colaborativamente na interao (Ohta, 2001; Cruz, 1997). Porm, h
uma carncia de estudos sobre a aprendizagem de vocabulrio em segunda lngua
dentro desta perspectiva, o que justifica a proposta de minha pesquisa.
Abordagem Ecolgica
Nos ltimos anos, o embate entre scio-interacionistas e cognitivistas
despertou, em alguns lingistas, a busca por um entendimento da aquisio de
linguagem que conciliasse tanto os aspectos internos quanto externos desse
processo, uma vez que a lngua est situada tanto no mundo que nos cerca quanto
na nossa mente11 (van Lier, 2002:158).
A abordagem ecolgica trouxe para o escopo da lingstica pedaggica uma
viso de aprendizagem que considera a cognio e a aprendizagem processos
representacionais (esquemas culturais, sociais, histricos) e ecolgicos
(percepo, ao, ateno). Ou seja, a lingstica ecolgica considera a relao
dos vrios organismos presentes no meio, e no somente um aspecto do
processo, como a maior parte das abordagens faz. Estudos dentro dessa
perspectiva tm contribudo muito para a compreenso da complexidade do
processo de aquisio de uma lngua em sala de aula (van Dam, 2002; Lantolf e
Genung, 2002). Sobre a abordagem ecolgica, tratarei com mais profundidade no
11 language is located in the world around us as well as in the brain
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captulo 4. Entretanto, necessrio, neste momento, apresentar a posio da
abordagem ecolgica em relao aprendizagem de vocabulrio.
Dentro da perspectiva ecolgica, a aprendizagem lexical, assim como
qualquer outro processo de aprendizagem, resultado da relao do indivduo
com o meio onde ele se encontra e os diversos organismos disponveis no
momento da interao. Segundo van Lier (2002:147), a aquisio de uma lngua
resultado de uma interao trade que ocorre entre os interactantes e os objetos
que constituem o ambiente onde eles interagem. Assim sendo, a construo de
sentido de uma palavra, por exemplo, resultado de uma complexidade de
processos tais como gestos, percepo, memria, representao, postura, interao
entre outros. Neste estudo, busco nessa perspectiva fundamentos para o
entendimento da aprendizagem de vocabulrio nas aulas de ingls como segunda
lngua. Embora o contexto onde esta pesquisa foi realizada siga,
primordialmente, a abordagem comunicativa, pode-se observar tambm princpios
e tcnicas pertencentes a outras abordagens, numa prtica pedaggica ecltica
(Larsen-Freeman, 2000: 182).
Meu objetivo ao construir um panorama histrico aqui foi situar o ensino-
aprendizagem de vocabulrio dentro da evoluo do ensino-aprendizagem de
segunda lngua, assim como promover o entendimento sobre o comportamento de
professores, alunos e autores de livro diante do vocabulrio.
Em nenhum momento pretendi fazer julgamentos de valor, pois acredito
que cada uma dessas abordagens e metodologias tiveram um papel nessa
evoluo, ora criando uma reao que desencadeava novas prticas, ora servindo
como inspirao para o desenvolvimento de uma idia ainda no muito
amadurecida.
2.3 O que saber uma palavra?
Quando pensamos no que aprender uma palavra, normalmente nos
remetemos a trs aspectos bsicos que caracterizam a palavra: a forma, o
significado e o uso. Estudos sobre ensino de vocabulrio demonstraram que,
embora essa distino parea simplista e arbitrria, ela vlida para o ensino de
vocabulrio (Nation, 2002:33). No entanto, preciso entender que essa distino
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no deve ser interpretada como uma categorizao esttica. Segundo Leffa
(2000:40),
conhecer uma palavra no apenas estabelecer a conexo rgida entre forma e contedo, como se fossem dois monolitos que se encaixassem um no outro, impossveis de serem analisados. Conhecer uma palavra desp-la de sua embalagem, descobrir as partes que a compem e ver como cada uma dessas partes tem repercusses l fora, com elementos internos de outras palavras.
A questo aqui proposta implica vrios desdobramentos desta categorizao
(forma, significado, uso), que sero discutidos a seguir. Ges (1997:21), ao
explicar a construo de sentido das palavras por crianas, afirma que o conceito
no apenas representado pela palavra nem se reduz ao desenvolvimento de
impresses (pela percepo, pela memria). Forma-se por meio do uso da
palavra. Podemos observar que h um certo consenso quanto aos aspectos que
compem uma palavra, e que a controvrsia surge na nfase que se d a um ou
outro aspecto, e na relao entre esses aspectos.
Do ponto de vista pedaggico, a distino dos aspectos da forma e
significado da palavra, por exemplo, j demonstrou que pode trazer benefcios.
Em uma pesquisa realizada sobre o ensino de vocabulrio, Ellis (1995, apud
Nation, 2002) verificou que a aprendizagem da forma de uma palavra est ligada
ao ensino implcito, enquanto que o significado ao ensino explcito. Ou seja,
segundo ele, ao ensinar uma palavra professores deveriam trabalhar o significado
da palavra explicitamente, propondo exerccios, sugerindo a utilizao de
dicionrios, e estimulando os alunos a pensar sobre o significado. Por outro lado,
o ensino da forma de uma palavra (ex:pronncia e ortografia) no precisaria ser
explicitado, pois seu aprendizado vai depender dos encontros do aluno com essa
palavra ao longo do tempo (Nation, 2002). Pesquisas como essa ratificam a
importncia da categorizao dos aspectos de uma palavra; no entanto,
importante que sejamos flexveis com essas afirmaes, no descartando
totalmente um tipo de ensino (implcito ou explcito) baseado simplesmente
nesses princpios. Segundo Leffa (2000:33) para haver aprendizagem
necessrio um esforo de ateno, no s para o significado da palavra mas
tambm para a sua forma. Muitas vezes, o ensino explcito da forma de uma
palavra pode ser de grande benefcio para o aluno.
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Nation (2002:27) idealizou uma categorizao dos trs aspectos da palavra
contemplando os dois nveis de conhecimento: receptivo e produtivo. Essa
categorizao ser utilizada nesse trabalho para analisar as atividades de
vocabulrio do material didtico, e verificar que aspectos da palavra so
priorizados ou desprezados, e em que nvel de conhecimento. O quadro 1 resume
o que envolve cada um desses aspectos.
FORMA oral R Qual o som da palavra? P Como se pronuncia a palavra?
escrita R Qual a aparncia da palavra? P Como se escreve a palavra?
partes da palavra R Que partes da palavra podem ser reconhecidas? P Que partes da palavra so necessrias para
expressar determinado significado?
SIGNIFICADO forma e significado
R Que significado essa forma expressa?
P Que forma pode ser usada para expressar esse significado?
conceito e referncia
R O que este conceito engloba?
P A que itens esse conceito pode se referir?
associao R Que outras palavras esto associadas a essa palavra?
P Que outras palavras poderiam ser usadas no lugar desta?
USO funes gramaticais
R Como a palavra ocorre?
P Como a palavra deve ser usada?
colocaes R Que palavras ou tipos de palavras podem acompanhar essa palavra?
P Que palavras ou tipos de palavras devem ser usadas para acompanhar essa palavra?
limitaes de uso R Quando, onde e com que freqncia essa palavra encontrada?
P Quando, como e com que freqncia essa palavra pode ser usada?
Quadro 1: Aspectos que envolvem o conhecimento de uma palavra (Na coluna 3, R=conhecimento receptivo, P=conhecimento produtivo)
O aspecto da forma envolve fonologia, ortografia e morfologia. Estudos
sobre aquisio de vocabulrio indicam que um dos fatores mais importantes para
o aprendizado de vocabulrio a capacidade do aprendiz de manter uma palavra
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em sua memria fonolgica de curto prazo (Gathercole & Baddeley, 1989 apud
Nation, 2002). Evidncias como essas podem auxiliar professores e alunos na
busca de recursos que possam aprimorar a produo e compreenso oral de uma
palavra. Questes relativas memria de curto e longo prazo podem contribuir
para o ensino-aprendizagem da forma. Outro fator importante no aspecto da
forma a lngua materna. A carga necessria para o aprendizado12 vai depender
da aproximao ortogrfica e fonolgica e at mesmo morfolgica que a lngua-
alvo tem com a lngua materna (Nation, 2002: 23).
O aspecto do significado envolve a relao da forma e significado, a relao
conceito e referente e as associaes que a palavra ativa. A relao forma e
significado tambm tem uma forte influncia da memria. Baddeley (1990, apud
Nation, 2002) afirma que cada recuperao correta que o aprendiz faz de uma
forma e seu significado fortalece esse elo na memria. Portanto, segundo Nation
(2002), o professor deve proporcionar vrios momentos de recuperao, e
conscientizar o aluno sobre essa estratgia. O autor tambm sinaliza que o
aprendizado de uma palavra envolve conhecer o conceito por trs da palavra. Por
exemplo, a palavra head pode significar uma parte do corpo ou uma posio
hierrquica dentro de uma organizao. Porm, os dois significados
compartilham de um mesmo conceito, aquele ou aquilo que comanda, ou que
pensa. O conceito por trs de uma palavra muitas vezes cultural e cabe ao
professor guiar o aluno nesse entendimento. As associaes que uma determinada
palavra faz com outras palavras constituem, igualmente, significado na viso do
autor. As associaes entre palavras envolvem categorizaes, que tambm so
muitas vezes culturais e devem ser ensinadas explicitamente.
O ltimo aspecto da palavra considerado por Nation (2002) o uso. Esse
aspecto envolve as funes gramaticais, as colocaes, e a adequabilidade ou
limites do uso da palavra. Para usar uma palavra preciso conhecer como essa
palavra se comporta dentro de uma sentena, preciso conhecer a sua funo
gramatical. O uso implica tambm um fator muito peculiar da lngua: a
colocao. Saber que no portugus dizemos matar a fome e no assassinar a
fome, um exemplo de colocao no uso da lngua. Normalmente essas
colocaes so ensinadas e aprendidas como um tem lexical, e dependem muito
12 learning burden
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do contexto onde a palavra se encontra. A adequabilidade e os limites ou
fronteiras de uso podem ser verificados nos dicionrios mais atuais. Nesses
dicionrios h uma indicao da freqncia de uso na forma oral e escrita de
determinadas palavras.
A distino entre os nveis receptivo e produtivo de conhecimento de uma
palavra muito polmica. Essa terminologia (receptivo e produtivo), muitas
vezes, traz imbutida a idia de que o conhecimento receptivo algo passivo e o
conhecimento produtivo ativo. Em outras palavras, nessa concepo, o
conhecimento receptivo refere-se informao ou input que recebemos na forma
escrita ou oral e que procuramos compreender, enquanto que o conhecimento
produtivo refere-se a tudo aquilo que produzimos nas formas oral e escrita com o
objetivo de comunicar uma idia. Porm, vlido lembrar que quando lemos ou
quando escutamos uma informao, estamos tambm produzindo significado, e
no somente recebendo informao. Neste trabalho, assumirei a distino
adotada por Nation (2002) que considera vocabulrio receptivo a percepo da
forma de uma palavra escrita ou falada e a recuperao de seu significado, e
vocabulrio produtivo a expresso de um significado na forma oral ou escrita de
uma palavra. Um outro ponto importante sobre essa questo ter em mente que
os nveis receptivo e produtivo de uma palavra so dois extremos de uma escala e
no dois nveis estanques. Blachowicz e Fisher (2002, apud Rodrigues, 2003)
dizem que o aprendizado de uma palavra e seus nveis de conhecimento
funcionam como um dimmer de luz. De acordo com essa metfora, o
conhecimento de uma palavra vai sendo clarificado aos poucos atravs de
repetidos contatos e usos regulares. Dominar os aspectos de uma palavra significa,
dentro dessa metfora, ter uma imagem clara e iluminada dela.
As concepes apresentadas nessa seo nortearo a minha anlise do
material didtico e a relao das propostas ali colocadas com as prticas em sala
de aula. Acredito que uma categorizao, mesmo que arbitrria, pode contribuir
para um entendimento de algumas facetas do processo de aprendizagem lexical.
Faz-se tambm necessrio, para este entendimento, tentar compreender os
processos cognitivos e interacionais pelos quais os aprendizes passam ao aprender
uma palavra. Sobre este assunto, discutirei nos prximos dois captulos.
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2.4 Como se aprende uma palavra?
A aprendizagem lexical, como qualquer outro conhecimento, envolve
processos cognitivos e interacionais. Esses processos podem envolver ateno,
memria, motivao, inferncia, criatividade, afetividade, estmulo, entre outros.
Nation (2002:63) sugere trs processos gerais para descrever a aquisio ou a
recuperao de uma palavra no plano mental. Esses processos so: ateno
seletiva, recuperao, e uso e produo em contextos mltiplos13. No quadro
2 temos a definio de cada um desses processos.
Esses trs processos envolvem diferentes graus de processamento
cognitivo. A ateno seletiva a primeira etapa na aquisio de uma palavra.
Para aprender uma palavra preciso, primeiramente, reparar a palavra, e perceber
que ela tem uma funo e um significado naquele contexto. Nesse processo, o
aprendiz de certa forma abstrai a palavra do contexto para observ-la como um
tem lingstico. A ateno seletiva ocorre toda vez que olhamos uma palavra no
dicionrio, inferimos o significado de uma palavra dentro de um contexto, ou
estudamos uma palavra.
ATENO SELETIVA
perceber a palavra alvo
RECUPERAO E USO
recuperar a forma (escrita ou oral) de uma palavra e seu significado
USO EM CONTEXTOS
MLTIPLOS
ser capaz de compreender ou usar uma palavra j aprendida em um novo contexto.
Quadro 2: Processos cognitivos / mentais na aquisio de uma palavra
O segundo processo cognitivo proposto por Nation (2002:66) a
recuperao e uso. Para a recuperao necessrio que um primeiro encontro
com a palavra j tenha ocorrido. A recuperao envolve um certo grau de
memria e pode acontecer em dois nveis: receptivo e produtivo. A recuperao
um processo cognitivo importante na aquisio de uma palavra, pois cada vez
13 noticing, retrieval, creative or generative use
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que se recupera uma palavra na memria, seja no nvel receptivo ou produtivo,
refora-se o elo entre sua forma e significado.
O terceiro processo cognitivo na aquisio de uma palavra o uso e
produo em mltiplos contextos. De certa forma, esse processo exige um grau
de conhecimento maior da palavra, j que necessrio que o aluno use a palavra-
alvo em um novo contexto, necessitando s vezes fazer uma adaptao conceitual
do significado da palavra. Neste processo, uma palavra, j conhecida, aparece em
um novo contexto que pode ser semelhante ou no ao contexto onde a palavra
ocorreu uma primeira vez. Algumas vezes, o aprendiz precisa reformular o
conceito em relao palavra, estendendo o seu significado. Por exemplo, se um
aluno aprende a palavra star no contexto The sky was filled with stars14, e mais
tarde encontra a mesma palavra em um contexto diferente Ronaldinho is a
football star15, ele precisar encontrar um conceito por trs do referente star
que pode ser aplicado nos dois contextos. importante frisar que este processo
cognitivo no envolve necessariamente metforas, h vrios graus em que isso
pode ocorrer. Uma palavra pode ocorrer em vrios contextos, de diversas formas,
e apresentar mltiplos significados. Dominar os mltiplos usos envolve um
conhecimento mais aprofundado da palavra e conseqentemente da lngua.
Um outro processo mental que deve ser considerado na aprendizagem
lexical refere-se memria. Segundo pesquisas sobre a memria (Seibert,1927;
Anderson e Jordan,1928; Pimsleur,1967; Griffin,1992 apud Nation, 2002), grande
parte do esquecimento de uma palavra ocorre logo aps o primeiro encontro
(66%), depois disso o grau de esquecimento diminui (48%, 39% e 37%). Isso
indica a importncia de se trabalhar com o processo de recuperao
imediatamente aps a apresentao da palavra, pois isso garantiria a sua reteno.
Os processos cognitivos idealizados por Nation (2002) sero utilizados nesta
pesquisa para verificar como as atividades de vocabulrio pretendem promover a
aprendizagem nos alunos. Quanto aos processos interacionais, a minha anlise
buscar em um primeiro momento verificar se o material didtico prioriza esta
prtica e depois verificarei como a dinmica interacional influencia a
aprendizagem lexical. Tratarei deste processo na seo 2.5.
14 o cu estava cheio de estrelas 15 Ronaldinho uma estrela do futebol
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2.5 Como a aprendizagem da palavra acontece na interao?
Conforme foi colocado na seo anterior, os processos interacionais tm tambm um papel importante na aprendizagem lexical. Dentro de uma
perspectiva histrico-cultural a aprendizagem se desenvolve na interao social.
Ao analisar a construo de conhecimento de palavras por crianas entre cinco e
sete anos no contexto escolar, Ges (1997:21) concluiu que na dinmica dos
processos interpessoais, nas trocas dialgicas com outras pessoas em torno de
objetos, nas instncias de produo e compreenso da palavra, que o aluno
desenvolve o significado desta.
Pesquisas envolvendo o papel da interao na aprendizagem lexical ainda
so muito escassas, mas alguns trabalhos conduzidos nos timos anos
contriburam para um melhor entendimento desse processo. Em um estudo
realizado no Brasil, Cruz (1997) investigou o processo de convencionalizao das
primeiras palavras de crianas entre 9 e 18 meses. A anlise se concentrou nas
interaes entre crianas e adultos em uma creche. Segundo Cruz (1997:60), a
criana apreende a unicidade da palavra, com base em sua participao na
produo de significaes; ela se apropria da palavra viva mltipla e una no
contexto de enunciaes concretas. Ou seja, a construo do sentido
convencionalizado da palavra ocorre na interao verbal e no dilogo que a
criana estabelece com o adulto.
No escopo de ensino-aprendizagem de lngua estrangeira e segunda lngua,
a maior parte dos trabalhos de aprendizagem de vocabulrio foi desenvolvida em
contextos artificiais (Ellis & Heimback,1997; la Fuente, 2002; Bitchener,2003).
Nesses trabalhos, foram observadas as prticas de negociao de significado em
interaes dades, e no na dinmica interacional mltipla da sala de aula.
Embora no tenha contemplado a interao em um contexto natural, o estudo de
Ellis e Heimback (1997:257) confirmou que, assim como acontece com adultos e
adolescentes, a negociao produzida por crianas auxilia a compreenso, mas
no necessariamente a aquisio de vocabulrio. Esse estudo verificou tambm
que o aprendiz no precisa necessariamente participar da negociao, pois a
observao da negociao tambm promove a compreenso. La Fuente (2002)
tambm investigou os efeitos da interao e negociao na aquisio de
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vocabulrio em segunda lngua e concluiu que a interao e as oportunidades de
produo criadas intencionalmente pelo professor16 (Swain,1995) tm efeitos
benficos na aquisio produtiva de vocabulrio.
As pesquisas de Ellis e Heimbach (1997) e La Fuente (2002) levantaram
questes sobre a relao entre interao e aprendizagem lexical que precisam ser
confirmadas e verificadas em um contexto natural de sala de aula. Embora o
presente estudo no busque verificar os efeitos da interao e da negociao na
reteno de vocabulrio - como esses estudos se propuseram fazer - buscarei na
minha anlise entender, entre outros fatores, o papel da interao na aprendizagem
lexical em uma sala de aula de ingls.
2.6 Qual o papel da palavra na competncia comunicativa?
Ao introduzir o conceito de competncia comunicativa, Dell Hymes (1972)
reformulou a viso da lngua que dominava a lingstica da poca, afirmando que
o estudo da competncia de uma lngua deveria se estender ao estudo das regras
de uso, ou seja dimenso pragmtica da lngua, e no se limitar ao estudo da
dimenso lingstica.
Hymes (1972) considera a lngua fruto de uma experincia social-cognitiva e
no um fenmeno basicamente biolgico e mental, como preconizava Chomsky
(1965). A competncia comunicativa (Hymes, 1972) envolve ento um conjunto
de conhecimentos, tais como: conhecimentos lingsticos, psicolingsticos,
sociolingsticos e pragmticos. Canale e Swain (1981) trouxeram o conceito de
competncia comunicativa para o ensino de lnguas e propuseram uma diviso
dessa competncia em quatro diferentes competncias: gramatical, discursiva,
estratgica e sociolingstica, e dentro de uma dessas competncias que iremos
encontrar o lxico. O lxico, portanto, um dos aspectos que constituem a
totalidade das dimenses da competncia comunicativa.
Nation (2002:1) sugere uma proposta de metas para o ensino de lngua que
contempla as quatro competncias constitutivas da competncia comunicativa de
16 pushed output
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Canale e Swain (1981). O quadro 3 ilustra um paralelo entre essas duas propostas
e o lugar do vocabulrio em cada uma delas.
Proposta de Nation (2002) Proposta de Canale e Swain (1981)
itens lingsticos
pronncia, vocabulrio gramtica
competncia
gramatical/lingstica
fonologia, lxico, sintaxe e morfologia
idias (contudo)
conhecimento social, conhecimento cultural
competncia scio-
lingstica
convenes sociais e culturais de uso
habilidades
preciso, fluncia estratgia
competncia estratgica
domnio de estratgias verbais e no verbais
texto (discurso)
regras conversacionais
competncia discursiva
regras de coeso e coerncia
Quadro 3: As competncias comunicativas e as metas de ensino-aprendizagem
importante ressaltar que essas competncias no so blocos monolticos
que se realizam separadamente na lngua. O conhecimento de uma palavra, por
exemplo, envolve aspectos das quatro competncias: gramatical, discursiva,
sociolingstica e estratgica. Aprender uma palavra significa algo mais do que
dominar os aspectos gramaticais e fonolgicos dessa palavra, significa tambm
saber usar a palavra no contexto social adequado e fazer uso dessa palavra para
construir coeso e coerncia no discurso. A palavra no um acessrio da
lngua, mas um dos aspectos que constituem a lngua, e o processo de
aprendizagem deste aspecto da lngua tambm merece ser investigado.
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