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16 2 O léxico no ensino-aprendizagem de segunda língua “O fato é que enquanto sem gramática pouco é comunicado; sem vocabulário, nada pode ser comunicado 2 (Wilkins, 1975:111) 2.1 Introdução Para o senso comum, aprender uma língua é ser capaz de compreender e se comunicar nessa língua. Entretanto, aprender uma língua estrangeira é um processo complexo que envolve dominar aspectos lingüísticos, sócio-lingüísticos, pragmáticos e discursivos dessa língua. Do ponto de vista educacional, é preciso às vezes enfatizar um domínio mais do que outro (ex: a leitura em detrimento da produção oral, aspectos lingüísticos em detrimento de aspectos pragmáticos), pois muitas vezes os propósitos dos aprendizes com a língua alvo são específicos, e isso deve ser considerado. O ensino-aprendizagem de uma língua, portanto, requer um balanço que leve em conta os objetivos dos alunos e as dimensões da língua. Entretanto, seja qual for o objetivo e a dimensão contemplada, o léxico estará sempre determinando este aprendizado, uma vez que “todos os aspectos, da fonologia à pragmática, decorrem naturalmente de componentes que estão dentro das palavras” (Leffa, 2000: 40). Vilson Leffa (2000) afirma que o léxico, muito mais do que a sintaxe, a morfologia ou mesmo a pragmática, é a maneira mais rápida, precisa e econômica de se identificar uma língua. Segundo o autor, uma simples sequência de palavras (ex: los niños, the boys, les enfants) é suficiente para determinarmos a língua que está sendo usada. Da mesma forma, se observarmos a linguagem telegráfica, podemos perceber, que a compreensão se dá independente da ordem canônica ou da sintaxe, que nem sempre estão presentes no texto telegráfico. O léxico, portanto, é um fator central para a comunicação. Rodrigues (2003) também alinha-se a essa posição ao defender a idéia de que, fora da sala de aula, os erros referentes à escolha lexical são menos tolerados do que os erros de sintaxe. 2 (todas as traduções são de minha inteira responsabilidade) “The fact is that while without grammar very little can be conveyed, without vocabulary nothing can be conveyed”

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  • 16

    2 O lxico no ensino-aprendizagem de segunda lngua

    O fato que enquanto sem gramtica pouco comunicado; sem vocabulrio, nada pode ser comunicado2 (Wilkins, 1975:111)

    2.1 Introduo

    Para o senso comum, aprender uma lngua ser capaz de compreender e se

    comunicar nessa lngua. Entretanto, aprender uma lngua estrangeira um

    processo complexo que envolve dominar aspectos lingsticos, scio-lingsticos,

    pragmticos e discursivos dessa lngua. Do ponto de vista educacional, preciso

    s vezes enfatizar um domnio mais do que outro (ex: a leitura em detrimento da

    produo oral, aspectos lingsticos em detrimento de aspectos pragmticos), pois

    muitas vezes os propsitos dos aprendizes com a lngua alvo so especficos, e

    isso deve ser considerado. O ensino-aprendizagem de uma lngua, portanto,

    requer um balano que leve em conta os objetivos dos alunos e as dimenses da

    lngua. Entretanto, seja qual for o objetivo e a dimenso contemplada, o lxico

    estar sempre determinando este aprendizado, uma vez que todos os aspectos, da

    fonologia pragmtica, decorrem naturalmente de componentes que esto dentro

    das palavras (Leffa, 2000: 40).

    Vilson Leffa (2000) afirma que o lxico, muito mais do que a sintaxe, a

    morfologia ou mesmo a pragmtica, a maneira mais rpida, precisa e econmica

    de se identificar uma lngua. Segundo o autor, uma simples sequncia de palavras

    (ex: los nios, the boys, les enfants) suficiente para determinarmos a lngua que

    est sendo usada. Da mesma forma, se observarmos a linguagem telegrfica,

    podemos perceber, que a compreenso se d independente da ordem cannica ou

    da sintaxe, que nem sempre esto presentes no texto telegrfico. O lxico,

    portanto, um fator central para a comunicao. Rodrigues (2003) tambm

    alinha-se a essa posio ao defender a idia de que, fora da sala de aula, os erros

    referentes escolha lexical so menos tolerados do que os erros de sintaxe.

    2 (todas as tradues so de minha inteira responsabilidade) The fact is that while without grammar very little can be conveyed, without vocabulary nothing can be conveyed

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    Quando pensamos na sala de aula de lngua estrangeira, observa-se que os

    prprios alunos tendem a dar uma importncia grande ao vocabulrio,

    considerando-o, muitas vezes, o grande vilo no processo de aprendizagem.

    Por outro lado, professores costumam considerar que a aprendizagem de

    vocabulrio um processo que ocorre naturalmente atravs da leitura e, por isso,

    no precisa ser ensinado (Coady, 1997:274). Esse paradoxo entre a importncia

    de adquirir vocabulrio e a negligncia desse aspecto lingstico em sala de aula

    merece ser revisto.

    Apesar do grande nmero de pesquisas e novas abordagens, o ensino de

    vocabulrio continua sendo desprezado nas salas de aula de ensino de lnguas.

    Essa negligncia origina-se de vrios fatores: a experincia pessoal do professor

    como aprendiz de lngua estrangeira, as atitudes metacognitivas do professor em

    relao ao ensino de vocabulrio, a falta de conhecimento dos professores sobre

    pesquisas abordando esta questo, a metodologia ou abordagem de ensino

    aplicada na instituio, e o material didtico utilizado nas salas de aula. Os

    estudos sobre aprendizagem lexical podem contribuir para uma mudana nesse

    paradigma que predomina nas salas de aula de ensino de lnguas.

    Neste captulo, o foco o lxico e suas complexidades no processo de

    aprendizagem. Definirei o que saber uma palavra, e os processos que envolvem

    a aprendizagem de uma palavra. Situarei o lxico dentro da competncia

    comunicativa e discutirei a aprendizagem de vocabulrio na interao. Antes

    porm, proponho um passeio pela histria do ensino de lnguas com um olhar

    focado no papel do nosso personagem principal: o vocabulrio.

    2.2 Panorama histrico do ensino de vocabulrio em segunda lngua

    Ao longo de sua histria, o ensino-aprendizagem de lnguas enfatizou

    principalmente a sintaxe e a fonologia. Esta posio era em grande parte

    influenciada pelos estudos sobre o ensino-aprendizagem de lnguas que se

    concentraram na teorizao e entendimento desses aspectos da lngua. Segundo

    Zimmerman (1997:5), pesquisadores da rea de aquisio de segunda lngua e

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    professores priorizaram a sintaxe e a fonologia como dimenses mais centrais

    para uma teoria lingstica, e como mais crticas para uma pedagogia de lngua3.

    Esse posicionamento inspirou e norteou uma srie de metodologias e

    abordagens de ensino em que o vocabulrio era tratado como um subproduto da

    lngua, algo que no merecia ateno. O efeito desse papel secundrio atribudo

    ao vocabulrio est retratado na forma como muitas dessas metodologias

    apresentavam e ensinavam o vocabulrio: ora o vocabulrio era ensinado de

    maneira simplificada, ora era apresentado em longas listas descontextualizadas a

    serem memorizadas pelos alunos. Dentro desta viso, a palavra no impunha

    normas ou restries lngua e estava totalmente subordinada sintaxe. Essa

    concepo simplista da palavra dominou o ensino-aprendizagem de lnguas at os

    anos 80, quando estudiosos comearam a dar uma ateno especial para a questo

    lexical.

    A seguir, definirei o papel do vocabulrio dentro das vrias abordagens e

    metodologias de ensino-aprendizagem de lnguas. O objetivo entender o

    percurso dos estudos de ensino-aprendizagem lexical em segunda lngua e

    avaliar a influncia deste processo evolutivo no ensino de vocabulrio nos dias de

    hoje.

    Antes porm de iniciar esta descrio panormica dos mtodos e

    abordagens, impe-se um esclarecimento quanto organizao individualizada e

    cronolgica utilizada neste captulo. Embora a maior parte dos mtodos e

    abordagens ainda sejam utilizados em escolas no mundo inteiro, a apresentao

    em ordem cronolgica justifica-se pelo carter evolutivo das pesquisas na rea de

    ensino-aprendizagem de lnguas.

    Mtodo de Traduo e Gramtica4 (Mtodo Clssico)

    O Mtodo de Traduo e Gramtica, tambm denominado Mtodo

    Clssico, foi bastante difundido no sculo 19 e incio do sculo 20. O objetivo

    desta proposta de ensino no era a comunicao, mas desenvolver o raciocnio e a

    3 SLA researchers and teachers have typically prioritized syntax and phonology as more central to linguistic theory, and more critical to language pedagogy 4 Grammar-Translation

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    leitura atravs da traduo de clssicos da literatura da lngua alvo para a lngua

    materna. Segundo Larsen-Freeman (2000:11),

    acreditava-se que a aprendizagem de uma lngua estrangeira ajudaria alunos a desenvolverem-se intelectualmente; admitia-se que os alunos provavelmente nunca usariam a lngua alvo, mas o exerccio mental da aprendizagem de uma segunda lngua seria um benefcio de qualquer forma.5

    Dentro dessa proposta, o vocabulrio tinha um papel importante, porm o

    ensino limitava-se traduo. As palavras eram apresentadas em listas bilinges

    organizadas de acordo com o campo semntico a que pertenciam. Os problemas

    de compreenso eram resolvidos, na maior parte das vezes, atravs da

    explicao etimolgica da palavra. De acordo com Zimmerman (1997), esse

    procedimento refletia a crena de que a relao entre o timo e a palavra era

    fundamental para a preservao da lngua, e por isso devia ser estimulada.

    A principal crtica ao Mtodo de Traduo e Gramtica era o fato de

    utilizar somente a leitura de textos clssicos para o ensino-aprendizagem. Havia

    uma negligncia dos aspectos orais e mais realistas da lngua. O vocabulrio

    ensinado era, portanto, obsoleto e o aprendizado baseava-se primordialmente na

    memorizao de listas de palavras com seus equivalentes na lngua materna.

    Movimento da Reforma: Mtodo Direto

    Embora tenha mantido a hegemonia at o incio do sculo 20, o Mtodo de

    Traduo e Gramtica teve sua posio ameaada no final do sculo 19 pelo

    movimento reformista na Inglaterra. Essa Reforma, liderada pelo lingista Henry

    Sweet (1964), defendia a primazia da lngua falada e procurava compensar a

    ineficincia do Mtodo Clssico para ensinar os aprendizes a se comunicar na

    lngua alvo.

    O Mtodo Direto, introduzido por Sauveur em 1874 nos Estados Unidos, foi

    o primeiro mtodo a se estabelecer mundialmente depois da Reforma. Este

    mtodo sofreu influncias das idias debatidas pelos reformistas, e apresentava

    uma posio para o ensino-aprendizagem de lnguas totalmente inovadora: o

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  • 20

    ensino atravs da associao direta do significado com a lngua alvo, sem o

    recurso da traduo. O mtodo tambm era revolucionrio pois dava nfase

    linguagem falada e comunicao, e deixava a lngua escrita em segundo plano.

    O Mtodo Direto foi amplamente difundido pelas escolas Berlitz no mundo

    inteiro, porm s foi aplicado no contexto de cursos de idiomas.

    Nesse mtodo, o ensino de vocabulrio simples e gradual: o vocabulrio

    concreto ensinado atravs de desenhos ou mmica, e o vocabulrio abstrato

    ensinado atravs da associao de idias. No Mtodo Direto, o vocabulrio

    sempre apresentado dentro de um contexto e nunca atravs de uma lista de

    palavras.

    As crticas ao Mtodo Direto incluem a simplificao exagerada da lngua,

    a necessidade de professores com domnio da lngua prximo ao de um falante

    nativo, e a dificuldade de aplicao deste em escolas, onde o nmero de alunos

    por turma grande.

    Ensino Situacional e o Mtodo de leitura

    O Ensino Situacional surgiu na Gr-Bretanha em um movimento iniciado

    pelo linguista Palmer (1921). O objetivo era desenvolver fundamentos mais

    cientficos para os mtodos de prtica oral iniciada pelo Mtodo Direto

    (Zimmerman, 1997). A proposta dessa abordagem o ensino atravs da prtica

    das estruturas bsicas em atividades que imitam a vida real, ou seja situaes

    cotidianas. A lngua falada a preocupao central do ensino nessa abordagem.

    Nesse mesmo perodo, surge nos Estados Unidos e na Inglaterra o Mtodo

    de Leitura. Esse mtodo objetivava desenvolver a habilidade de leitura e

    compreenso em lngua estrangeira. O linguista britnico Michael West (1930)

    criticou o excesso de ateno dado produo oral pelo Mtodo Direto, e sugeriu

    um novo caminho para a aprendizagem de segunda lngua com o foco no

    vocabulrio. Segundo West (1930, apud Zimmerman, 1997:9),

    5 it was thought that foreign language learning would help students grow intellectually; it was recognized that students would probably never use the target language, but the mental exercise of learning it would be beneficial anyway

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    o principal elemento no aprendizado de uma lngua a aquisio de vocabulrio, e a prtica em us-lo (que o mesmo que adquirir). O problema que vocabulrio; e nenhum desses modernos livros didticos em uso nas escolas de idiomas tentaram resolver essa questo.6

    Segundo West, a maior parte dos aprendizes aps de 3 anos de estudo no

    domina nem as 1000 palavras bsicas do idioma. Por isso, West (1930) defendia

    a idia do ensino de vocabulrio norteado pelas listas das palavras mais

    freqentes. Essas listas podiam ser encontradas em dois trabalhos que foram

    considerados referncias nessa poca: The Teachers Wordbook of 30,000 Words

    de Thorndike (1944), e A General Service List of English Words do prprio West

    (1953).

    Pela primeira vez, o vocabulrio foi considerado o principal aspecto no

    ensino-aprendizagem de lnguas. Estudos cientficos foram desenvolvidos a fim

    de selecionar o vocabulrio a ser ensinado nos cursos ou escolas de idiomas. As

    pesquisas de Palmer (1921) e West (1930, 1953) contribuiram para o

    desenvolvimento dos princpios do controle de ensino de vocabulrio.

    Mtodos Estruturais: Mtodo udiolingual e udio-Visual

    Os mtodos estruturais adotam, assim com o Mtodo Direto, uma

    abordagem oral para o ensino de lnguas. Porm, a prtica oral dos mtodos

    estruturais se d atravs de exerccios de repetio de sentenas ou de estruturas

    gramaticais (drills).

    O Mtodo udiolingual foi desenvolvido pelo linguista americano Charles

    Fries em 1945 na Universidade de Michigan. Este mtodo tem uma forte base

    terica na Psicologia Behaviorista (Skinner, 1957) e na Lingstica Estrutural

    (Bloomfield, 1933). Na obra entitulada Teaching and Learning English as a

    Foreign Language (1945), Fries descreve os princpios do mtodo udiolingual,

    tambm conhecido como Mtodo Michigan. Duas crenas importantes norteiam

    esses princpios: primeiro, a crena de que a gramtica a principal fonte de

    conflito na aprendizagem; segundo, que a aprendizagem um processo de

    6 The primary thing in learning a language is the acquisition of a vocabulary, and the practice in using it (which is the same as acquiring). The problem is what vocabulary; and none of these modern textbooks in commom use in English schools have attempted to solve the problem.

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  • 22

    formao de hbitos. A partir dessas crenas, tentava-se criar nos aprendizes

    novos hbitos (os hbitos da lngua alvo) atravs da repetio em um processo

    de automatizao das novas estruturas. O professor deveria ajudar os alunos a

    responder corretamente aos estmulos atravs de um processo de modelamento e

    reforo. Nas aulas predomina o uso de drills, repetio, imitao, atravs de

    muitos dilogos. Partindo da crena de que o aprendizado resultado de uma

    automatizao de hbitos, no h necessidade de explicao das regras

    gramaticais. Tampouco h interao ou estmulo criatividade, j que isso foge

    ao controle do professor e atrapalha na formao dos hbitos.

    Dentro desse modelo estruturalista, h tambm o Mtodo udio-Visual que

    segue a mesma abordagem oral e behaviorista do Mtodo udiolingual. Porm,

    no Mtodo udio-Visual, os dilogos so mais contextualizados, pois so

    apresentados em imagens projetadas em slides acompanhadas de gravaes que

    so repetidas pelos alunos at serem memorizadas, ou aprendidas. O princpio

    do Mtodo udiolingual se mantm: os aprendizes no devem refletir sobre a

    lngua, mas sim criar hbitos atravs de uma prtica controlada da lngua.

    Nos mtodos estruturalistas, o vocabulrio desprezado. No Mtodo

    udiolingual, por exemplo, o ensino de vocabulrio mnimo, pois acreditava-se

    que o excesso do ensino deste, especialmente nos primeiros anos, poderia

    sobrecarregar e prejudicar a capacidade do aprendiz de adquirir os hbitos para o

    aprendizado da fonologia e gramtica da lngua alvo.

    Em meados dos anos 60, os mtodos estruturalistas comeam a sofrer duras

    crticas advindas de novos paradigmas que surgiam na Psicologia Cognitivista e

    na Lingstica Gerativista (Chomsky, 1965). Pesquisadores perceberam que

    embora os alunos fossem capazes de produzir sentenas gramaticalmente

    corretas, eles eram incapazes de fazer uso apropriado e criativo destas sentenas

    fora do contexto da sala de aula (Larsen-Freeman, 2000:53). Alm disso, o fato

    de o Mtodo udiolingual considerar o lxico como um subproduto da lngua

    produzia aprendizes com vocabulrio infantilizado em uma mentalidade adulta

    (Twaddell,1980:442 apud Zimmerman,1997). Verificou-se que a comunicao era

    algo mais do que o domnio da estrutura lingstica, era o uso criativo da lngua na

    interao em contextos mltiplos. Nos anos 70, os mtodos estruturalistas

    perderam grande parte de seu prestgio, porm a idia de que o vocabulrio era

    uma habilidade secundria se manteve.

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  • 23

    Mtodo humanista: Desuggestopedia7

    Nos anos 70 e 80, surgiram algumas abordagens de ensino fundamentadas

    na psicologia cognitivista: Desugggestopedia, Silent Way, e Total Physical

    Response. Embora essas abordagens no objetivassem particularmente o ensino

    de lnguas, elas foram adotadas como mtodos em algumas escolas de ensino de

    idiomas. Celce-Murcia (1991) considera esses mtodos como representantes de

    uma abordagem afeto-humanista, pois o eixo central de todos eles a relao

    afetiva do aluno com o objeto de ensino, no caso, a segunda lngua. O mtodo

    escolhido para ilustrar essa abordagem foi o Desuggestopedia. Essa escolha se

    justifica pelo sucesso que esse mtodo apresentou para o ensino-aprendizagem de

    vocabulrio. Segundo Larsen-Freeman (2000), o mtodo da Desuggestopedia

    considerado especialmente eficaz para o aprendizado de vocabulrio, pois os

    alunos que aprendem dentro deste mtodo adquirem um vocabulrio bastante

    amplo.

    Georgi Lozanov (1988), fundador do mtodo Desuggestopedia, afirmava

    que a principal causa do fracasso na aprendizagem afetiva: o aprendiz no

    acredita na sua capacidade para aprender, e essa crena o impede de trabalhar com

    toda a sua capacidade mental. O termo Desuggestopedia uma aluso ao

    procedimento chave deste mtodo: a desugesto (uma espcie de sugesto

    indireta de desconstruo) das barreiras psicolgicas que o aprendiz traz para a

    sala de aula. Ou seja, cabe ao professor criar um ambiente em sala de aula

    relaxante e confivel, onde todas as barreiras psicolgicas trazidas pelos alunos

    sejam eliminadas pra que o aprendizado ocorra de forma natural (Larsen-Freeman,

    2000).

    Os mtodos alinhados abordagem afeto-humanista receberam crticas por

    sua nfase excessiva nos aspectos internos e cognitivos do aluno, pelo papel

    centralizador dado ao professor, e a negligncia dos aspectos sociais e

    pragmticos da lngua.

    7 Segundo Larsen-Freeman (2000:73), o termo Suggestopedia foi substitudo pelo termo

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  • 24

    Abordagem Comunicativa

    A Abordagem Comunicativa nasceu da influncia dos estudos de Dell

    Hymes (1972) sobre competncia comunicativa e do desenvolvimento da teoria

    dos atos da fala (Austin, 1962; Searle, 1969). Segundo McCarthy (2001:47), a

    teoria dos atos da fala afetou o ensino de lnguas no incio do movimento

    comunicativo, trazendo para o aprendiz as funes da lngua (ex: pedido de

    desculpas, interrupo, reclamao) que o auxiliariam a se comunicar com mais

    eficincia. De uma maneira geral, a Abordagem Comunicativa introduzia uma

    nova viso da lngua: a funo da lngua a comunicao e sua natureza social.

    A lingstica nesta poca vivia uma forte influncia do trabalho de Noam

    Chomsky Syntatic Structures (1957). Nesse trabalho, Chomsky introduziu a idia

    de que a linguagem est representada no indivduo em uma gramtica mental

    constituda por uma srie de regras lingsticas abstratas que so inatas. Segundo

    Chomsky, a linguagem existe separada da cognio e da necessidade de

    comunicao. Para Chomsky, a distino entre competncia (gramtica mental

    inconsciente) e o desempenho (o uso do conhecimento lingstico) importante, e

    declara que o objeto de estudo da lingstica deveria ser a competncia, a

    gramtica idealizada. O trabalho de Chomsky foi uma reao crtica viso

    behaviorista dos mtodos estruturalistas que dominavam a lingstica nos anos 50.

    Mais tarde, Chomsky recebe duras crticas por no considerar o

    desempenho e o fator social como constituintes da lngua. Dell Hymes (1972)

    introduz o conceito de competncia comunicativa cuja nfase maior est nos

    fatores pragmticos e sociolingsticos que governam o uso da lngua. Hymes

    (1972) define a competncia comunicativa como sendo um conhecimento

    internalizado da adequabilidade do uso da lngua.

    Essas novas concepes da lngua formuladas na lingstica (Hymes, 1972)

    e na filosofia da linguagem (Searle, 1969) inspiram e inauguram, no final dos anos

    70 e incio dos anos 80, a Abordagem Comunicativa no ensino-aprendizagem de

    lnguas. Na Abordagem Comunicativa, a competncia comunicativa o objetivo

    principal, ou seja prega-se a fluncia em detrimento da preciso gramatical.

    Desuggestopedia em referncia ao procedimento central desta abordagem a desugesto

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  • 25

    O ensino do vocabulrio no o foco principal, pois o que prevalece a

    fluncia. Para a Abordagem Comunicativa o aprendizado do vocabulrio em

    segunda lngua ocorrer da mesma forma como ocorre na lngua materna:

    naturalmente, atravs do contexto e da exposio segunda lngua.

    Abordagem Natural

    A abordagem Natural foi desenvolvida por Krashen e Terrel (1983), e

    baseia-se na crena de que havendo input apropriado e compreensvel a

    aprendizagem ocorrer naturalmente, sem necessidade de explicao gramatical

    ou lexical. Basicamente, a abordagem natural inspirou-se nas cinco hipteses de

    Krashen (1981,1982,1983 apud Nation, 2002): a hiptese da aquisio e

    aprendizado; a hiptese da ordem natural; a hiptese do monitoramento; a

    hiptese do input; e a hiptese do filtro afetivo. A idia central dessas hipteses

    que os aprendizes possuem um sistema de aquisio e um sistema de

    aprendizagem que funcionam separadamente (Ellis, 1999:356), ou seja, quando

    aprendemos uma lngua de uma forma inconsciente e natural estamos

    funcionando dentro do sistema de aquisio, por outro lado quando esse

    processo consciente estamos funcionando dentro do sistema de aprendizagem.

    A posio defendida por Krashen e Terrel (1983) implica em uma concepo

    individualista e internalista da mente humana, onde o conhecimento no

    construdo interativamente, mas na individualidade a partir do input recebido.

    Como na abordagem natural a nfase est na compreenso e no na preciso

    gramatical, o vocabulrio, como portador de significado (Zimmerman,

    1997:15), ganha uma ateno maior. Porm, o ensino de vocabulrio no

    explcito e sim centrado na comunicao e naquilo que relevante e interessante

    para o aluno.

    A abordagem natural foi criticada pela sua posio negligente em relao

    aos erros. O fato de priorizar o discurso no artificial, a fluncia, e no dar

    ateno aos erros permite que ocorra a fossilizao da lngua.

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  • 26

    Abordagens lxico-gramaticais: Abordagem Lexical, Aprendizagem por

    Exposio a Dados8

    No incio dos anos 80 surgiram algumas propostas de ensino-aprendizagem

    de lnguas com o foco na questo lexical. Dentre elas destaco a Abordagem

    Lexical (Lewis, 1983) e a Aprendizagem por Exposio de Dados (Johns, 1994).

    Essas novas abordagens foram inspiradas na Lingstica de Corpus e em uma

    srie de publicaes que trouxeram baila a importncia do vocabulrio para o

    ensino de lngua estrangeira e materna. Algumas dessas publicaes foram:

    Longman Lexicon (McArthur, 1981 apud Berber Sardinha, 2000); Collins

    COBUILD Dictionary (Sinclair, 1995).

    Na Abordagem Lexical (Lewis,1983), o ensino de lnguas deve combinar

    abordagens comunicativas com o foco no lxico. Segundo Beber Sardinha

    (2000:56), as principais prticas pedaggicas dessa abordagem so: a priorizao

    do ensino das colocaes9 e o tratamento de palavras gramaticais como itens

    lexicais.

    A outra proposta com nfase no vocabulrio a Aprendizagem por

    Exposio a Dados (Johns, 1994). Nessa abordagem o ensino centrado no

    aluno, e o papel do professor orientar a conscientizao e descoberta do aluno

    dos padres e aspectos recorrentes da concordncia10 atravs de dados providos

    pelo computador.

    As abordagens de ensino lxico-gramaticais tm recebido crticas

    relacionadas ao uso do computador como principal informante, a nfase dada

    concordncia, e o uso de corpora (Berber Sardinha, 2000:66).

    Abordagens scio-culturais

    As abordagens scio-culturais diferem da maior parte das abordagens

    tradicionais de ensino-aprendizagem de segunda lngua em uma noo que

    central: a mente e o conhecimento so construdos socialmente. Esta nova

    8 Data Driven Learning 9 combinao convencionalizada de duas ou mais palavras. 10 listagem dos co-textos (palavras ao redor) nos quais um dado item (palavra isolada, composta , etc) ocorre (Berber Sardinha, 2000:60).

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  • 27

    perspectiva de ensino com foco na interao social foi inspirada nos trabalhos de

    Vygotsky (1998). Tratarei desta abordagem com mais detalhe no captulo 3,

    porm importante que se entenda a posio dela dentro do panorama histrico

    proposto.

    A viso sciocultural trouxe para o ensino de segunda lngua uma

    mudana tambm no que tange aos papis do professor e do aluno, que passam a

    ser vistos como co-construtores da arena que promove o desenvolvimento

    (McCarthy, 2001). O conhecimento deixa de ser entendido como um processo

    individual, e passa a ser visto como um produto elaborado dialogicamente por

    alunos e professor.

    Algumas pesquisas conduzidas dentro desta perspectiva, buscam entender

    tambm como os aspectos gramaticais, lexicais e pragmticos da lngua so

    construdos colaborativamente na interao (Ohta, 2001; Cruz, 1997). Porm, h

    uma carncia de estudos sobre a aprendizagem de vocabulrio em segunda lngua

    dentro desta perspectiva, o que justifica a proposta de minha pesquisa.

    Abordagem Ecolgica

    Nos ltimos anos, o embate entre scio-interacionistas e cognitivistas

    despertou, em alguns lingistas, a busca por um entendimento da aquisio de

    linguagem que conciliasse tanto os aspectos internos quanto externos desse

    processo, uma vez que a lngua est situada tanto no mundo que nos cerca quanto

    na nossa mente11 (van Lier, 2002:158).

    A abordagem ecolgica trouxe para o escopo da lingstica pedaggica uma

    viso de aprendizagem que considera a cognio e a aprendizagem processos

    representacionais (esquemas culturais, sociais, histricos) e ecolgicos

    (percepo, ao, ateno). Ou seja, a lingstica ecolgica considera a relao

    dos vrios organismos presentes no meio, e no somente um aspecto do

    processo, como a maior parte das abordagens faz. Estudos dentro dessa

    perspectiva tm contribudo muito para a compreenso da complexidade do

    processo de aquisio de uma lngua em sala de aula (van Dam, 2002; Lantolf e

    Genung, 2002). Sobre a abordagem ecolgica, tratarei com mais profundidade no

    11 language is located in the world around us as well as in the brain

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  • 28

    captulo 4. Entretanto, necessrio, neste momento, apresentar a posio da

    abordagem ecolgica em relao aprendizagem de vocabulrio.

    Dentro da perspectiva ecolgica, a aprendizagem lexical, assim como

    qualquer outro processo de aprendizagem, resultado da relao do indivduo

    com o meio onde ele se encontra e os diversos organismos disponveis no

    momento da interao. Segundo van Lier (2002:147), a aquisio de uma lngua

    resultado de uma interao trade que ocorre entre os interactantes e os objetos

    que constituem o ambiente onde eles interagem. Assim sendo, a construo de

    sentido de uma palavra, por exemplo, resultado de uma complexidade de

    processos tais como gestos, percepo, memria, representao, postura, interao

    entre outros. Neste estudo, busco nessa perspectiva fundamentos para o

    entendimento da aprendizagem de vocabulrio nas aulas de ingls como segunda

    lngua. Embora o contexto onde esta pesquisa foi realizada siga,

    primordialmente, a abordagem comunicativa, pode-se observar tambm princpios

    e tcnicas pertencentes a outras abordagens, numa prtica pedaggica ecltica

    (Larsen-Freeman, 2000: 182).

    Meu objetivo ao construir um panorama histrico aqui foi situar o ensino-

    aprendizagem de vocabulrio dentro da evoluo do ensino-aprendizagem de

    segunda lngua, assim como promover o entendimento sobre o comportamento de

    professores, alunos e autores de livro diante do vocabulrio.

    Em nenhum momento pretendi fazer julgamentos de valor, pois acredito

    que cada uma dessas abordagens e metodologias tiveram um papel nessa

    evoluo, ora criando uma reao que desencadeava novas prticas, ora servindo

    como inspirao para o desenvolvimento de uma idia ainda no muito

    amadurecida.

    2.3 O que saber uma palavra?

    Quando pensamos no que aprender uma palavra, normalmente nos

    remetemos a trs aspectos bsicos que caracterizam a palavra: a forma, o

    significado e o uso. Estudos sobre ensino de vocabulrio demonstraram que,

    embora essa distino parea simplista e arbitrria, ela vlida para o ensino de

    vocabulrio (Nation, 2002:33). No entanto, preciso entender que essa distino

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  • 29

    no deve ser interpretada como uma categorizao esttica. Segundo Leffa

    (2000:40),

    conhecer uma palavra no apenas estabelecer a conexo rgida entre forma e contedo, como se fossem dois monolitos que se encaixassem um no outro, impossveis de serem analisados. Conhecer uma palavra desp-la de sua embalagem, descobrir as partes que a compem e ver como cada uma dessas partes tem repercusses l fora, com elementos internos de outras palavras.

    A questo aqui proposta implica vrios desdobramentos desta categorizao

    (forma, significado, uso), que sero discutidos a seguir. Ges (1997:21), ao

    explicar a construo de sentido das palavras por crianas, afirma que o conceito

    no apenas representado pela palavra nem se reduz ao desenvolvimento de

    impresses (pela percepo, pela memria). Forma-se por meio do uso da

    palavra. Podemos observar que h um certo consenso quanto aos aspectos que

    compem uma palavra, e que a controvrsia surge na nfase que se d a um ou

    outro aspecto, e na relao entre esses aspectos.

    Do ponto de vista pedaggico, a distino dos aspectos da forma e

    significado da palavra, por exemplo, j demonstrou que pode trazer benefcios.

    Em uma pesquisa realizada sobre o ensino de vocabulrio, Ellis (1995, apud

    Nation, 2002) verificou que a aprendizagem da forma de uma palavra est ligada

    ao ensino implcito, enquanto que o significado ao ensino explcito. Ou seja,

    segundo ele, ao ensinar uma palavra professores deveriam trabalhar o significado

    da palavra explicitamente, propondo exerccios, sugerindo a utilizao de

    dicionrios, e estimulando os alunos a pensar sobre o significado. Por outro lado,

    o ensino da forma de uma palavra (ex:pronncia e ortografia) no precisaria ser

    explicitado, pois seu aprendizado vai depender dos encontros do aluno com essa

    palavra ao longo do tempo (Nation, 2002). Pesquisas como essa ratificam a

    importncia da categorizao dos aspectos de uma palavra; no entanto,

    importante que sejamos flexveis com essas afirmaes, no descartando

    totalmente um tipo de ensino (implcito ou explcito) baseado simplesmente

    nesses princpios. Segundo Leffa (2000:33) para haver aprendizagem

    necessrio um esforo de ateno, no s para o significado da palavra mas

    tambm para a sua forma. Muitas vezes, o ensino explcito da forma de uma

    palavra pode ser de grande benefcio para o aluno.

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  • 30

    Nation (2002:27) idealizou uma categorizao dos trs aspectos da palavra

    contemplando os dois nveis de conhecimento: receptivo e produtivo. Essa

    categorizao ser utilizada nesse trabalho para analisar as atividades de

    vocabulrio do material didtico, e verificar que aspectos da palavra so

    priorizados ou desprezados, e em que nvel de conhecimento. O quadro 1 resume

    o que envolve cada um desses aspectos.

    FORMA oral R Qual o som da palavra? P Como se pronuncia a palavra?

    escrita R Qual a aparncia da palavra? P Como se escreve a palavra?

    partes da palavra R Que partes da palavra podem ser reconhecidas? P Que partes da palavra so necessrias para

    expressar determinado significado?

    SIGNIFICADO forma e significado

    R Que significado essa forma expressa?

    P Que forma pode ser usada para expressar esse significado?

    conceito e referncia

    R O que este conceito engloba?

    P A que itens esse conceito pode se referir?

    associao R Que outras palavras esto associadas a essa palavra?

    P Que outras palavras poderiam ser usadas no lugar desta?

    USO funes gramaticais

    R Como a palavra ocorre?

    P Como a palavra deve ser usada?

    colocaes R Que palavras ou tipos de palavras podem acompanhar essa palavra?

    P Que palavras ou tipos de palavras devem ser usadas para acompanhar essa palavra?

    limitaes de uso R Quando, onde e com que freqncia essa palavra encontrada?

    P Quando, como e com que freqncia essa palavra pode ser usada?

    Quadro 1: Aspectos que envolvem o conhecimento de uma palavra (Na coluna 3, R=conhecimento receptivo, P=conhecimento produtivo)

    O aspecto da forma envolve fonologia, ortografia e morfologia. Estudos

    sobre aquisio de vocabulrio indicam que um dos fatores mais importantes para

    o aprendizado de vocabulrio a capacidade do aprendiz de manter uma palavra

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  • 31

    em sua memria fonolgica de curto prazo (Gathercole & Baddeley, 1989 apud

    Nation, 2002). Evidncias como essas podem auxiliar professores e alunos na

    busca de recursos que possam aprimorar a produo e compreenso oral de uma

    palavra. Questes relativas memria de curto e longo prazo podem contribuir

    para o ensino-aprendizagem da forma. Outro fator importante no aspecto da

    forma a lngua materna. A carga necessria para o aprendizado12 vai depender

    da aproximao ortogrfica e fonolgica e at mesmo morfolgica que a lngua-

    alvo tem com a lngua materna (Nation, 2002: 23).

    O aspecto do significado envolve a relao da forma e significado, a relao

    conceito e referente e as associaes que a palavra ativa. A relao forma e

    significado tambm tem uma forte influncia da memria. Baddeley (1990, apud

    Nation, 2002) afirma que cada recuperao correta que o aprendiz faz de uma

    forma e seu significado fortalece esse elo na memria. Portanto, segundo Nation

    (2002), o professor deve proporcionar vrios momentos de recuperao, e

    conscientizar o aluno sobre essa estratgia. O autor tambm sinaliza que o

    aprendizado de uma palavra envolve conhecer o conceito por trs da palavra. Por

    exemplo, a palavra head pode significar uma parte do corpo ou uma posio

    hierrquica dentro de uma organizao. Porm, os dois significados

    compartilham de um mesmo conceito, aquele ou aquilo que comanda, ou que

    pensa. O conceito por trs de uma palavra muitas vezes cultural e cabe ao

    professor guiar o aluno nesse entendimento. As associaes que uma determinada

    palavra faz com outras palavras constituem, igualmente, significado na viso do

    autor. As associaes entre palavras envolvem categorizaes, que tambm so

    muitas vezes culturais e devem ser ensinadas explicitamente.

    O ltimo aspecto da palavra considerado por Nation (2002) o uso. Esse

    aspecto envolve as funes gramaticais, as colocaes, e a adequabilidade ou

    limites do uso da palavra. Para usar uma palavra preciso conhecer como essa

    palavra se comporta dentro de uma sentena, preciso conhecer a sua funo

    gramatical. O uso implica tambm um fator muito peculiar da lngua: a

    colocao. Saber que no portugus dizemos matar a fome e no assassinar a

    fome, um exemplo de colocao no uso da lngua. Normalmente essas

    colocaes so ensinadas e aprendidas como um tem lexical, e dependem muito

    12 learning burden

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  • 32

    do contexto onde a palavra se encontra. A adequabilidade e os limites ou

    fronteiras de uso podem ser verificados nos dicionrios mais atuais. Nesses

    dicionrios h uma indicao da freqncia de uso na forma oral e escrita de

    determinadas palavras.

    A distino entre os nveis receptivo e produtivo de conhecimento de uma

    palavra muito polmica. Essa terminologia (receptivo e produtivo), muitas

    vezes, traz imbutida a idia de que o conhecimento receptivo algo passivo e o

    conhecimento produtivo ativo. Em outras palavras, nessa concepo, o

    conhecimento receptivo refere-se informao ou input que recebemos na forma

    escrita ou oral e que procuramos compreender, enquanto que o conhecimento

    produtivo refere-se a tudo aquilo que produzimos nas formas oral e escrita com o

    objetivo de comunicar uma idia. Porm, vlido lembrar que quando lemos ou

    quando escutamos uma informao, estamos tambm produzindo significado, e

    no somente recebendo informao. Neste trabalho, assumirei a distino

    adotada por Nation (2002) que considera vocabulrio receptivo a percepo da

    forma de uma palavra escrita ou falada e a recuperao de seu significado, e

    vocabulrio produtivo a expresso de um significado na forma oral ou escrita de

    uma palavra. Um outro ponto importante sobre essa questo ter em mente que

    os nveis receptivo e produtivo de uma palavra so dois extremos de uma escala e

    no dois nveis estanques. Blachowicz e Fisher (2002, apud Rodrigues, 2003)

    dizem que o aprendizado de uma palavra e seus nveis de conhecimento

    funcionam como um dimmer de luz. De acordo com essa metfora, o

    conhecimento de uma palavra vai sendo clarificado aos poucos atravs de

    repetidos contatos e usos regulares. Dominar os aspectos de uma palavra significa,

    dentro dessa metfora, ter uma imagem clara e iluminada dela.

    As concepes apresentadas nessa seo nortearo a minha anlise do

    material didtico e a relao das propostas ali colocadas com as prticas em sala

    de aula. Acredito que uma categorizao, mesmo que arbitrria, pode contribuir

    para um entendimento de algumas facetas do processo de aprendizagem lexical.

    Faz-se tambm necessrio, para este entendimento, tentar compreender os

    processos cognitivos e interacionais pelos quais os aprendizes passam ao aprender

    uma palavra. Sobre este assunto, discutirei nos prximos dois captulos.

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  • 33

    2.4 Como se aprende uma palavra?

    A aprendizagem lexical, como qualquer outro conhecimento, envolve

    processos cognitivos e interacionais. Esses processos podem envolver ateno,

    memria, motivao, inferncia, criatividade, afetividade, estmulo, entre outros.

    Nation (2002:63) sugere trs processos gerais para descrever a aquisio ou a

    recuperao de uma palavra no plano mental. Esses processos so: ateno

    seletiva, recuperao, e uso e produo em contextos mltiplos13. No quadro

    2 temos a definio de cada um desses processos.

    Esses trs processos envolvem diferentes graus de processamento

    cognitivo. A ateno seletiva a primeira etapa na aquisio de uma palavra.

    Para aprender uma palavra preciso, primeiramente, reparar a palavra, e perceber

    que ela tem uma funo e um significado naquele contexto. Nesse processo, o

    aprendiz de certa forma abstrai a palavra do contexto para observ-la como um

    tem lingstico. A ateno seletiva ocorre toda vez que olhamos uma palavra no

    dicionrio, inferimos o significado de uma palavra dentro de um contexto, ou

    estudamos uma palavra.

    ATENO SELETIVA

    perceber a palavra alvo

    RECUPERAO E USO

    recuperar a forma (escrita ou oral) de uma palavra e seu significado

    USO EM CONTEXTOS

    MLTIPLOS

    ser capaz de compreender ou usar uma palavra j aprendida em um novo contexto.

    Quadro 2: Processos cognitivos / mentais na aquisio de uma palavra

    O segundo processo cognitivo proposto por Nation (2002:66) a

    recuperao e uso. Para a recuperao necessrio que um primeiro encontro

    com a palavra j tenha ocorrido. A recuperao envolve um certo grau de

    memria e pode acontecer em dois nveis: receptivo e produtivo. A recuperao

    um processo cognitivo importante na aquisio de uma palavra, pois cada vez

    13 noticing, retrieval, creative or generative use

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  • 34

    que se recupera uma palavra na memria, seja no nvel receptivo ou produtivo,

    refora-se o elo entre sua forma e significado.

    O terceiro processo cognitivo na aquisio de uma palavra o uso e

    produo em mltiplos contextos. De certa forma, esse processo exige um grau

    de conhecimento maior da palavra, j que necessrio que o aluno use a palavra-

    alvo em um novo contexto, necessitando s vezes fazer uma adaptao conceitual

    do significado da palavra. Neste processo, uma palavra, j conhecida, aparece em

    um novo contexto que pode ser semelhante ou no ao contexto onde a palavra

    ocorreu uma primeira vez. Algumas vezes, o aprendiz precisa reformular o

    conceito em relao palavra, estendendo o seu significado. Por exemplo, se um

    aluno aprende a palavra star no contexto The sky was filled with stars14, e mais

    tarde encontra a mesma palavra em um contexto diferente Ronaldinho is a

    football star15, ele precisar encontrar um conceito por trs do referente star

    que pode ser aplicado nos dois contextos. importante frisar que este processo

    cognitivo no envolve necessariamente metforas, h vrios graus em que isso

    pode ocorrer. Uma palavra pode ocorrer em vrios contextos, de diversas formas,

    e apresentar mltiplos significados. Dominar os mltiplos usos envolve um

    conhecimento mais aprofundado da palavra e conseqentemente da lngua.

    Um outro processo mental que deve ser considerado na aprendizagem

    lexical refere-se memria. Segundo pesquisas sobre a memria (Seibert,1927;

    Anderson e Jordan,1928; Pimsleur,1967; Griffin,1992 apud Nation, 2002), grande

    parte do esquecimento de uma palavra ocorre logo aps o primeiro encontro

    (66%), depois disso o grau de esquecimento diminui (48%, 39% e 37%). Isso

    indica a importncia de se trabalhar com o processo de recuperao

    imediatamente aps a apresentao da palavra, pois isso garantiria a sua reteno.

    Os processos cognitivos idealizados por Nation (2002) sero utilizados nesta

    pesquisa para verificar como as atividades de vocabulrio pretendem promover a

    aprendizagem nos alunos. Quanto aos processos interacionais, a minha anlise

    buscar em um primeiro momento verificar se o material didtico prioriza esta

    prtica e depois verificarei como a dinmica interacional influencia a

    aprendizagem lexical. Tratarei deste processo na seo 2.5.

    14 o cu estava cheio de estrelas 15 Ronaldinho uma estrela do futebol

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  • 35

    2.5 Como a aprendizagem da palavra acontece na interao?

    Conforme foi colocado na seo anterior, os processos interacionais tm tambm um papel importante na aprendizagem lexical. Dentro de uma

    perspectiva histrico-cultural a aprendizagem se desenvolve na interao social.

    Ao analisar a construo de conhecimento de palavras por crianas entre cinco e

    sete anos no contexto escolar, Ges (1997:21) concluiu que na dinmica dos

    processos interpessoais, nas trocas dialgicas com outras pessoas em torno de

    objetos, nas instncias de produo e compreenso da palavra, que o aluno

    desenvolve o significado desta.

    Pesquisas envolvendo o papel da interao na aprendizagem lexical ainda

    so muito escassas, mas alguns trabalhos conduzidos nos timos anos

    contriburam para um melhor entendimento desse processo. Em um estudo

    realizado no Brasil, Cruz (1997) investigou o processo de convencionalizao das

    primeiras palavras de crianas entre 9 e 18 meses. A anlise se concentrou nas

    interaes entre crianas e adultos em uma creche. Segundo Cruz (1997:60), a

    criana apreende a unicidade da palavra, com base em sua participao na

    produo de significaes; ela se apropria da palavra viva mltipla e una no

    contexto de enunciaes concretas. Ou seja, a construo do sentido

    convencionalizado da palavra ocorre na interao verbal e no dilogo que a

    criana estabelece com o adulto.

    No escopo de ensino-aprendizagem de lngua estrangeira e segunda lngua,

    a maior parte dos trabalhos de aprendizagem de vocabulrio foi desenvolvida em

    contextos artificiais (Ellis & Heimback,1997; la Fuente, 2002; Bitchener,2003).

    Nesses trabalhos, foram observadas as prticas de negociao de significado em

    interaes dades, e no na dinmica interacional mltipla da sala de aula.

    Embora no tenha contemplado a interao em um contexto natural, o estudo de

    Ellis e Heimback (1997:257) confirmou que, assim como acontece com adultos e

    adolescentes, a negociao produzida por crianas auxilia a compreenso, mas

    no necessariamente a aquisio de vocabulrio. Esse estudo verificou tambm

    que o aprendiz no precisa necessariamente participar da negociao, pois a

    observao da negociao tambm promove a compreenso. La Fuente (2002)

    tambm investigou os efeitos da interao e negociao na aquisio de

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  • 36

    vocabulrio em segunda lngua e concluiu que a interao e as oportunidades de

    produo criadas intencionalmente pelo professor16 (Swain,1995) tm efeitos

    benficos na aquisio produtiva de vocabulrio.

    As pesquisas de Ellis e Heimbach (1997) e La Fuente (2002) levantaram

    questes sobre a relao entre interao e aprendizagem lexical que precisam ser

    confirmadas e verificadas em um contexto natural de sala de aula. Embora o

    presente estudo no busque verificar os efeitos da interao e da negociao na

    reteno de vocabulrio - como esses estudos se propuseram fazer - buscarei na

    minha anlise entender, entre outros fatores, o papel da interao na aprendizagem

    lexical em uma sala de aula de ingls.

    2.6 Qual o papel da palavra na competncia comunicativa?

    Ao introduzir o conceito de competncia comunicativa, Dell Hymes (1972)

    reformulou a viso da lngua que dominava a lingstica da poca, afirmando que

    o estudo da competncia de uma lngua deveria se estender ao estudo das regras

    de uso, ou seja dimenso pragmtica da lngua, e no se limitar ao estudo da

    dimenso lingstica.

    Hymes (1972) considera a lngua fruto de uma experincia social-cognitiva e

    no um fenmeno basicamente biolgico e mental, como preconizava Chomsky

    (1965). A competncia comunicativa (Hymes, 1972) envolve ento um conjunto

    de conhecimentos, tais como: conhecimentos lingsticos, psicolingsticos,

    sociolingsticos e pragmticos. Canale e Swain (1981) trouxeram o conceito de

    competncia comunicativa para o ensino de lnguas e propuseram uma diviso

    dessa competncia em quatro diferentes competncias: gramatical, discursiva,

    estratgica e sociolingstica, e dentro de uma dessas competncias que iremos

    encontrar o lxico. O lxico, portanto, um dos aspectos que constituem a

    totalidade das dimenses da competncia comunicativa.

    Nation (2002:1) sugere uma proposta de metas para o ensino de lngua que

    contempla as quatro competncias constitutivas da competncia comunicativa de

    16 pushed output

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  • 37

    Canale e Swain (1981). O quadro 3 ilustra um paralelo entre essas duas propostas

    e o lugar do vocabulrio em cada uma delas.

    Proposta de Nation (2002) Proposta de Canale e Swain (1981)

    itens lingsticos

    pronncia, vocabulrio gramtica

    competncia

    gramatical/lingstica

    fonologia, lxico, sintaxe e morfologia

    idias (contudo)

    conhecimento social, conhecimento cultural

    competncia scio-

    lingstica

    convenes sociais e culturais de uso

    habilidades

    preciso, fluncia estratgia

    competncia estratgica

    domnio de estratgias verbais e no verbais

    texto (discurso)

    regras conversacionais

    competncia discursiva

    regras de coeso e coerncia

    Quadro 3: As competncias comunicativas e as metas de ensino-aprendizagem

    importante ressaltar que essas competncias no so blocos monolticos

    que se realizam separadamente na lngua. O conhecimento de uma palavra, por

    exemplo, envolve aspectos das quatro competncias: gramatical, discursiva,

    sociolingstica e estratgica. Aprender uma palavra significa algo mais do que

    dominar os aspectos gramaticais e fonolgicos dessa palavra, significa tambm

    saber usar a palavra no contexto social adequado e fazer uso dessa palavra para

    construir coeso e coerncia no discurso. A palavra no um acessrio da

    lngua, mas um dos aspectos que constituem a lngua, e o processo de

    aprendizagem deste aspecto da lngua tambm merece ser investigado.

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