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Programa Gestão Nota 10 - 2011 Diretor 04/2011 Desenvolvimento e aprendizagem na rotina escolar Nos textos anteriores foi possível perceber que a aprendizagem do aluno tem sido o foco da nossa intencionalidade – clara e explícita – a partir do direito à educação pública, gratuita e de qualidade para todos; uma aprendizagem perpassada pelas questões dos limites e das possibilidades da escola e pela ética no desenvolvimento da governança escolar. A aprendizagem é o ponto de convergência para o sucesso do aluno. Mas, como sua qualidade está intrinsecamente ligada à qualidade do ensino, este texto destacará a gestão escolar voltada para a garantia de um ensino de qualidade, percebido a partir da aprendizagem dos alunos. A mutação da agenda educacional brasileira: evolução ou involução? Durante décadas, a instituição escolar foi compreendida, como o lócus responsável pela transmissão dos saberes historicamente construídos e acumulados pela humanidade às futuras gerações, garantindo assim a preservação e a continuidade desses saberes e culturas. Até meados do século XX a escola era um dos poucos espaços de informações disponibilizados para a população. Naquele 1

Texto Desenvolvimento e Aprendizagem Na Rotina Escolar

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Programa Gestão Nota 10 - 2011

Diretor 04/2011

Desenvolvimento e aprendizagem na rotina escolar

Nos textos anteriores foi possível perceber que a aprendizagem do aluno tem

sido o foco da nossa intencionalidade – clara e explícita – a partir do direito à

educação pública, gratuita e de qualidade para todos; uma aprendizagem perpassada

pelas questões dos limites e das possibilidades da escola e pela ética no

desenvolvimento da governança escolar. A aprendizagem é o ponto de convergência

para o sucesso do aluno. Mas, como sua qualidade está intrinsecamente ligada à

qualidade do ensino, este texto destacará a gestão escolar voltada para a garantia de

um ensino de qualidade, percebido a partir da aprendizagem dos alunos.

A mutação da agenda educacional brasileira: evolução ou involução?

Durante décadas, a instituição escolar foi compreendida, como o lócus

responsável pela transmissão dos saberes historicamente construídos e acumulados

pela humanidade às futuras gerações, garantindo assim a preservação e a

continuidade desses saberes e culturas.

Até meados do século XX a escola era um dos poucos espaços de informações

disponibilizados para a população. Naquele período não se efetivava, ainda, o

princípio de educação para todos. Segundo as palavras de Cervi: A proclamação do

direito à educação, o progresso tecnológico, a especialização científica, o

desenvolvimento cultural, o crescimento econômico, as migrações populacionais, entre

outras expressões da modernização da vida social, afetaram, em grau

indiscutivelmente contundente, o cenário escolar.1

A partir da Constituição Federal (CF) de 1988, do movimento internacional de

Educação para Todos (EPT), Jomtien 1990, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

1 CERVI, Rejane M. Planejamento e avaliação educacional. 2 ed. ver. atual e amp. CURITIBA-PR. Ed. IBPEX. p.49, 2008.

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Nacional (LDB) de 1996, foram estabelecidas as bases para a universalização da

educação básica no Brasil, sob a égide da democratização da gestão educacional e da

garantia do acesso ao ensino fundamental como direito público subjetivo. A matrícula

nesse nível de ensino, então obrigatório, chegou a 97% da população na idade

obrigatória, ainda na década de noventa.

Essa expansão do acesso ao Ensino Fundamental afetou negativamente a

qualidade do atendimento escolar, do ensino e da aprendizagem dos alunos,

expressas nos baixos resultados da aprendizagem. Em suma, a boa qualidade para

poucos se transformou em má qualidade para muitos, e a questão do acesso foi

substituída pelas questões da permanência e do sucesso na pauta da educação

nacional.

Em busca da solução

Na última década, iniciativas institucionais e legais revelaram a busca por

decisões e ações que agreguem qualidade à educação e melhorem os indicadores

educacionais brasileiros:

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Plano de Metas

Compromisso todos pela Educação – 2007;

A construção do índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB);

Plano de Ações Articuladas (PAR) - 2007;

Ampliação do Ensino Fundamental para nove anos

Ensino obrigatório estendido à educação básica com acesso dos 4 aos 17 anos

(EC 59/2009), e

Elaboração do novo PNE- 2010, com foco na alfabetização e na qualidade do

ensino.

O país vive, hoje, uma grande mobilização nacional pela qualidade da

educação, impulsionado pelas inúmeras avaliações de aprendizagem que insistem em

revelar que praticamente 50% das crianças chegam ao 4º ano / 3ª série sem sequer

ter desenvolvido a leitura e a escrita, além de conhecimentos mínimos dos cálculos

matemáticos.

Assim, para metade das crianças matriculadas nas redes públicas de ensino, a

permanência de três anos na escola não lhes garantiu sequer o uso efetivo da língua e

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as noções básicas de matemática, portanto um direito constitucional não respeitado e

cumprido.

Cabe, então, uma pergunta: essas iniciativas chegaram realmente à escola,

uma vez que é lá que a educação formal se processa?

As transformações no espaço escolar

Não se trata mais de uma simples vontade de “querer mudar“, mas sim de uma

indeclinável “exigência de mudanças” de uma sociedade em constante transformação,

que nos conecta, em tempo real, em interações físicas e digitais a um mundo sem

fronteiras. Não há mais tempo para retórica sobre a abertura da escola para um

incrível mundo novo. O momento exige ações refletidas, mas rápidas, definidas e

construídas democraticamente sob a liderança do diretor.

Segundo Cervi, a preocupação com a produtividade pedagógica e com os

ideais da democratização escolar somou-se à complexidade do processo cooperativo

que dá sustentação à vida escolar, [...] é preciso acreditar que há uma margem de

liberdade para a escola se mover, dar respostas, introduzir mudanças, revigorar o

trabalho pedagógico2.

É nessa perspectiva que a comunidade escolar precisa responsabilizar-se

perante a sociedade pelo desenvolvimento de todos os alunos, pois certamente as

cobranças pela qualidade da educação já estão batendo às suas portas.

Os profissionais que integram a equipe escolar, sem qualquer exceção, devem

estar a serviço da promoção do desenvolvimento de todos, e de cada aluno, unidos

em torno do Plano Municipal de Educação e da Proposta Pedagógica. Quanto mais

coesa for essa equipe, maior será sua possibilidade de sucesso.

Resistências fazem parte de processos democráticos, mas sua força será

consideravelmente reduzida à medida que os diretores escolares inspirem e

incentivem a equipe a praticar o respeito às diferenças individuais, e que garantam o

foco do trabalho no sucesso do aluno.

Libâneo, refletindo a respeito da escola, como organização humana e espaço

de desenvolvimento, destaca:

A organização é um espaço de aprendizagem profissional, na medida

em que os professores participam ativamente da organização do

2 IDEM, ibidem, p. 161.

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trabalho escolar, formando com os demais colegas uma equipe de

trabalho, aprendendo novos saberes e competências, assim como um

modo de agir coletivo, em favor da formação dos alunos.3

Também Márcia Di Palma4, referindo-se à organização do trabalho pedagógico

na instituição escolar, registra: a organização (escolar) é um espaço de aprendizagem

profissional [...]. Essa aprendizagem profissional não se restringe apenas à figura do

professor, como responsável pela ação docente, mas envolve todos os membros da

equipe da escola, já que eles participam ativamente da organização do trabalho

escolar.

O resultado do ensino, traduzido no sucesso do aluno, não é, então, uma

missão solitária do professor, mas sim a responsabilidade compartilhada de todos que

interagem, nas mais diversas funções no ambiente escolar.

Como conduzir a gestão do ensino na escola?

O que se coloca neste espaço de gestão é o indiscutível relacionamento do

diretor com o fazer pedagógico da escola e mais, como ressalta Marins, (citando

Myrtes Alonso)5: esse diretor deve se preocupar com os aspectos materiais da

organização e funcionamento da escola, com seus aspectos psicológicos e sociais,

que permitam uma condição de trabalho adequada aos professores e melhor

aproveitamento dos alunos. Enfatiza que esse clima de harmonia e participação é

essencial para a eficiência do trabalho educativo. [...] esse papel do diretor só será

realidade quando ele for “percebido” como um ”tomador de decisões”, e não como

mero executor de ordens superiores. Na verdade, quando assumir a efetiva liderança

do trabalho escolar.

A partir desse cenário, começa então o movimento de transformação nos

planos individual, coletivo e institucional, impulsionado pelo diretor escolar, um

articulador de ações de cooperação recíproca e responsabilização solidária.

3 LIBÂNEO, J.C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 4. ed. São Paulo: Alternativa,2004. apud DI PALMA,M.S. in Organização do trabalho pedagógico. Curitiba-PR p.78, ed. IBPEX, 2008.

4 DI PALMA, M.S. Organização do trabalho pedagógico. Curitiba-PR. p. 79, ed.IBPEX, 2008.

5 ? ALONSO, Myrtes. O papel do diretor na administração escolar, p.154, apud MARINS, H.O. in Gestão escolar: a complexa relação entre formação e ação. P.225 Formação de professores e escola na contemporaneidade, org. Feldmann M.G. ed SENAC, São Paulo, 2009.

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É responsabilidade do diretor mobilizar, prover e articular condições técnicas,

físicas, materiais e práticas na escola para apoiar as atividades do ensino:

equipamentos, biblioteca organizada, instalações físicas adequadas, organizadas e

limpas, ambiência pedagógica estimuladora e agradável, apresentação de resultados

dos indicadores educacionais, organização de estudos e seminários, sempre, a partir

da análise dos resultados de avaliações processuais e formativas, e demandas do

coordenador pedagógico e o corpo docente.

É pertinente destacar o papel do diretor escolar no que diz respeito ao fazer

docente, na relação com a aprendizagem dos alunos, ao aprofundar conhecimentos

sobre as didáticas e os tempos pedagógicos vivenciados na escola. Observar, avaliar,

monitorar, intervir, aprimorar e rever a prática de ensino e a dinâmica desenvolvida

nas salas de aula, os métodos e as tecnologias utilizados no ensino, entre outros

aspectos, integram a rotina da gestão do ensino.

No processo de aprendizagem, é necessário destacar a relevância da

responsabilidade do professor na relação com o aluno em sala de aula. Uma relação

que inclui: planejamento das aulas, organização do material de apoio, disposição

adequada do tempo escolar, preparação das atividades de suporte pedagógico e, tudo

o mais para que o ensino alcance seu objetivo em cada aula, que é o aluno se

desenvolver e aprender.

O coordenador pedagógico tem competências específicas, inerentes à sua

função de apoiar, orientar, acompanhar, monitorar e avaliar o processo pedagógico da

escola junto ao professor, oferecendo-lhe oportunidades de reflexão sobre a própria

prática pedagógica e, em cooperação - coordenador/professor/diretor - oportunizar

atividades de estudos e pesquisas que ampliem a formação docente e a respectiva

eficiência.

A equipe precisa estar sintonizada:

(i) com a contemporaneidade do mundo que disponibiliza informações em

tempo real, mudando rumos, processos, pesquisas, enfim, um vasto mundo a ser

conhecido e descoberto a cada dia pelos alunos, dentro ou fora da escola. Nesse

contexto, as práticas de ensino, comprometidas com as transformações sociais e

tecnológicas, precisam estar associadas ao ensino para motivar o aluno e promover a

sua aprendizagem;

(ii) com a democratização das relações escola-comunidade através de

planejamentos participativos, de conselho escolar, de grêmio estudantil, das Unidades

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Executoras Próprias (UEX), Associação de Pais e Mestres (APM), numa

responsabilização solidária pelo desenvolvimento da instituição escolar, em que o

sucesso do aluno é compartilhado por todos;

(iii) com o cotidiano escolar, através das necessidades da docência, ou seja,

colocando em pauta as dificuldades, as estratégias de ensino, as dúvidas e as

conquistas dos alunos.

Eu ensino, tu aprendes: ensinar será uma arte ou uma ciência?

Na tentativa de responder se ensinar é uma arte ou uma ciência, Vieira (2008)6,

no texto Educação: ensino e aprendizagem registra “ poderíamos contrapor que

será antes uma ciência. Ou um conjunto de ciências, como é vulgar perceber-se nas

referências feitas às ciências da educação. Arte, ciência, uma ou outra, ou, antes, as

duas juntas, e com outras ainda, afinal o que é ensinar? Por que será que, em

determinadas matérias, há alunos que conseguem ensinar outros alunos, seus

colegas, melhor que os seus próprios professores? Por que será que há alunos que

aprendem bem com alguns professores e não tanto com outros? Por que será que

professores da mesma idade, do mesmo gênero, eventualmente formados na mesma

escola, com as mesmas habilitações profissionais, etc. ensinam de forma diferente,

sendo que uns levam a que quase todos aprendam (os alunos, claro) e outros apenas

levam a aprender uma parte reduzida da população escolar que, eventualmente, já

sabia até antes do encontro pedagógico? Como se aprende a ser artista? Como se

aprende a ser educador?

Refletindo com Paulo Freire

Paulo Freire ilustra essa questão com as seguintes afirmações: “Ensino porque

busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar,

constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que

ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.7 Continua “...quem forma

6 VIEIRA, Ricardo. In texto Educação: ensino e aprendizagem. Revista eletrônica Ensinar e Aprender, 01, 2008.

Disponível em: http//www.revistaensinareaprender.blosgpot/.../ac-processo-educativo-e-contexto.html Acesso em 25.08.2011

7 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e terra, 39ª ed. 2009, p. 32:

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se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado.

(...) Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das

diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. (...)

Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.”8

Ensinar para além do conceito de dar aula, simplesmente; ensinar com a

missão ética de garantir a aprendizagem; ensinar para o sucesso e o progresso do

aluno no caminho da sua escolarização. Um ensino eficiente, eficaz, bem feito,

responsável, ético, rico em conteúdos/currículo, em atitudes, em competências e

habilidades, em todos os níveis e modalidades educacionais. Um ensino que prepare

o aluno para a vida.

Essa concepção de educação leva o aprender e o ensinar para além do espaço

escolar, e estabelece uma via de mão dupla entre as comunidades intra e

extraescolar, entre demandas e ofertas conduzidas de forma competente pelo diretor.

Para refletir

> Como se dá a relação diretor/coordenador pedagógico/ professor na perspectiva do acompanhamento e avaliação da aprendizagem dos alunos?

> Na sua escola, o ensino é o foco de toda a estrutura escolar?

> Como a equipe gestora se mobiliza e intervém para assegurar que o processo pedagógico ocorra em condições adequadas e com qualidade?

> Como estão os indicadores na sua escola? (Indicadores de Sucesso do Gestão Nota 10 - SIASI, IDEB, SAEB, Prova Brasil, Provinha Brasil).

a) Você analisa as informações e resultados da escola com a equipe escolar?

b) Você divulga e discute com o Conselho Escolar esses resultados?

c) Como são trabalhados esses resultados com a comunidade escolar?

8 IDEM, ibidem, 2009, p. 23.

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