30
fA-.YrA o~. 3\GO 3l/tol/J José Murilo de Carvalho A construção da ordem A elite política imperial Teatro de sombras A política imperial 7'.! ediçâo ~ CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA -- Rio de Janeiro 2012

(Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

fA-.YrA o~.3\GO

3l/tol/J

José Murilo de Carvalho

A construção daordemA elite política imperial

Teatro de sombrasA política imperial

7'.! ediçâo

~CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA--Rio de Janeiro

2012

Page 2: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

COPYRIGHT @ José Murilo d~ Carvalho, 2003

CAPAEve/yll Grumach

PROJETO GRÁFICOEvelyn Grumach e João de Souza Leite

CIP-BRASIL. CATALOGAÇ.I,O.:":A-r.{);-';TI.SINDICATO >JACIONAL 1:-05 EDITORES I>E LIVROS, R]

Sumário

NOTA À 3' EDIÇÃO 7NOTA À 2" EDIÇÃO 9

C324cr ed.

03-0228

Carvalho, jos~ Murilo de, 1939-A construção da o:dem: a elite política imperial. Teatll> de

sombras: a política imperial/ José Murilo de Carvalho_ - 7' ed._ Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

ApêndicesInclui bibliografiarSBN 978-85-200-0618-4

1. Elites (Cências sociais) - Brasil. 2. Brasil - Política egoverno, 1822-1889. 3. Brasil - História - Império, 1S22.1889. I. Título.

CDD - 981.04CDU - 94(81)"\822/\889"

PARTE I

A construção da ordemA elite política imperial 11

INTRODUÇÃO 13

CAPiTULO 1

Elites políticas e construção do Estado 23

CAPiTULO 2

A elite política nacional: definições 49

Todos os direitos reservados. Pr,::>ibida a reprodução, armazenamento outransmissã:> de partes deste livre, através de quaisquer nv:ios, sem prévia

autorização::> por escrito

Direit:>s desta edição adquiridO!; pelaEDITORA CI\-1LIZAÇAO BRASILEIRAUm selo daEDITOR}. JOSÉ OL YYlPIO LTDA.Rua Argentina 171 - 20921-38') - Rio de janeiro, Rj - Tel.: 2585-2000

Seja um leitor preferencial Re.:ordCadastre-se e receba informações sobre nossoslançamentos e nossas promoções.

Atendimento e venda direta ao [email protected] ou (211 2585-2002

Impresso no Brasil2012 .

'i-' :;:, t J."f"".,.,'

\'.

CAPíTULO 3

Unificação da elite: uma ilha de letrados 63

CAPíTULO 4

Unificação da elite: o domínio dos magistrados

CAPíTULO 5

Unificação da elite: a caminho do clube 119

CAPíTULO 6

A burocracia, vocação de todos 143

CAPíTULO 7

Juízes, padres e soldados: os matizes da ordem

5

93

169

Page 3: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO OE CARVALHO

Para definir a origem provincial dos ministros adotamos os seguintes critérios:a) em princípio a província de nascimento foi considerada província de origem;b) nos casos em que foi muito curta a permanência na província de nascimento,

a província de origem foi considelada aquela em que o político viveu e fez suacarreira política (assim, Vergueiro, nascido em Portugal, foi considerado paulista;Uruguai, nascido na França, fluminense etc.); c) uns poucos nascidos naCisplatina foram considerados gaúchos.

10. Ver Simon Schwartzman, São Paulo e o Estado Nacional.11. Ver Nelson Mascarenhas Lage, op. cit., p. 65, e o jornal O Brasil de 23 de mar-

ço de 1843.12. Andrade Pinto, op. cit., p. 22.

13. Ver os debates nos Anais da Câmara dos De/mtados, Tomo IV, 1855, especial-mente os discursos de Zacarias de Góes e Vasconcellos, Carrão, e Bandeira deMelo, em 28 e 29 de agosto.

14. Sobre esses atritos e o gabinete Paraná em geral, ver Wanderley Pinho, Cotegipee seu Tempo. Primeira Fase, 1815-1867, p. 386. O projeto do governo e (o de-bate envolviam outros problemas além do da influência das grandes banc<:.das,como veremos no capítulo 7.

15. Ver Eul-Soo Pang e Ron L. Seckinger, "The Mandarins of Imperial Bra'l.il",Comparative Studies in Society alld J-listory, IX, 2 (invcrno. 197 I). p. 2 IS. 244.

16. Sobre a nobreza chinesa c sobre o sistema de cxamcs, ver o trah.dho de Ch.lI:g.

li Chang, The Chinese Gelltry. Studies ill their Role in NilletN!//th (',('//t/lryChinese Society.

17. Sobre a administração local na China, ver John R. W:Ht, The Districl Magis:ratein Late Imperial China.

18. Ver Karl A. Wittfogel, Despotismo Oriental, p. 26 e passim, e Chang, op. cit., p. .38.19. Despotismo Oriental, p. 396.

20. Ver a respeito das sociedades burocráticas históricas do tipo da chinesa o clássi-co texto de S. N. Eisenstadt, The Political Systellls of Empires.

1 42

A hurocracia, vocação de todos1

Page 4: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

.~,;;,~.::

'Vimos até aqui que uma das principais características da elite política impe-'rial à semelhança de outras elites de países de capitalismo retardatário ali, '

;, frustrado, era seu estreito relacionamento com a burocracia estatal..,EmRQIª:~~., :,\\. ~l ',:, .hQU'ieS1iC distinção formaL ejnstitucional..eot~,e,as..tatefa.s ..judiciár.i~.,~.~çÇ\gi~'f!~ "t.I;'«~$>.:,:.'~~il~:i.IIas.c,legislativas, elas muitas v.ezcssc.con£undiam.,na,pessoa"dQs"executantes.';f i 1~~~t-2.e.a.carrcira judiciária se .tornavaparte.integrante...do..iti.nerácio.qu6~1e.v.aVca.aoI.;~ ~,,'~ ' " d...l' I'Hi' ~r.Congresso e .aos conselhosde.govel'no ...1)al"set"necessal'l'o" el:l'wal'''águm-es-:~{', ,r+",paçoà análise da burocracia como um ..toclo.:;;;" i, A decisão justifica-se, além do mais, pelas afirmações contraditóriasit', ~,;registradas na literatura sobre a burocracia e que refletem as mesmas contra-"j!;:.f1l1:~~r.,/dições já mencionadas a propósito da natureza do Estado imperial. Assim é~;t~ 'que, num dos melhores textos de sociologia política produzidos durante ow.~ :,:Impéri o, Joaquim, Nabuco"d~Â~.!1,Y.ol.ve.,,º~ª.rgwne~Jk=qM~.,ª,~cr.a:v.idão;~ao.

'iecharal ternati vas econômicas, para,grand~U?i~X!,t,,,g,ê...g..9J?!ܪ,çi9,,Jiy,J>e..Jazia'.ÇQ.P.1.,queo funcionalismo públiço,.se,tornasseva",v..ocação.de..,toclos.Daí o nú-':'mero excessivo de funcionários que com seus magros vencimentos se torna-jvam os servos da gleba do governo, vivendo em terras do Estado, numa.{dependência que só aos mais fortes não quebrava o caráter. Escrevendo 85

,'",.' anos mais tarde, Raymundo Faoro apresenta visão radicalmente distinta dag~~!~burocracia imperial. Em sua ótica, tratava-se de um grupo que constituía

'i estamento e se tornara árbitro da nação e das classes sociais, regulador da, economia e proprietário da soberania naciona12• A visão de Nabuco vincula-.'.se à corrente que vê o Estado imperial submetido à propriedade da terra,;representada pelos latifundiários em geral, pelas oligarquias regionais, ou:pelos clãs locais. Com Faoro (ou este com eles) estão os que vêem no mesmo'Estado um Leviatã presidindo aos destinos de uma sociedade inerte. A àná-lise da burocracia, juntamente com a da elite, poderá permitir a superação

145

Page 5: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

.. .• o~O\1'- ••••0\ o•••• "0

o '".C/"O

"'-u~

••,"'70°... '""q:; ll)..c uc ".- E•.• ::J.• •..~ü

~~0000",I'-. .~.gc."," •..> "•• o...xo

'"'ü .!:.• •.... .'"u u

o ";'0eQd::

*.~o~25 I~u"'.-tn •.••..o o.... "'"

**~00M*"'" *o~uO\c •..•,,<'If.O"i)'" .-tn •.••..o o.... "'"

1 4 7

A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

I. _ .. --~'.. t _.~~--

",.~8...V>•..oo.

JosÉ MURILO DE CARVALHO

1 46

do estilo dicotômico de análise mediante uma interpretação mais abrangentee mais dialética.

O estudo da burocracia justifica-se ainda por uma razão adicional. É de es-tranhar, por exemplo, o fato de um leitor atento e competente chegar ao finaldas 750 páginas da segunda edição do livro de Faoro com dúvidas wbre a quecorresponderia na realidade o estamento burocrático de que fala o autor3• Ten-taremos aqui, dentro das conhecidas limitações dos dados disponíveis, aliar aoesforço interpretativo esforço igual no sentido de embasamento empírico.A burocracia imperial eram várias. Dividia-se tanto verticalmente, por fun-

ções, como horizontalmente, por estratificação salarial, hierárquica e social. Seusvários setores distinguiam-se pelas respectivas histórias; pelo maior ou menorgrau de profissionalização, de estruturação e de coesão; pelo recrutamento etreinamento de seus membros; pela localização no organograma do Estado; pelanatureza mais ou menos política de suas tarefas. As divisões eram importamesporque redundavam em conflitos, qu:,se sempre com conseqüências políticas.Pode-se mesmo dizer que a cada fase da política imperial correspondia, dentroda burocracia, a vitória de um setor sobre o outro, ou outros.

O quadro 24 tenta fornecer imagem simplificada das divisões verticais ehorizontais. Na vertical, no setor civil, poderia ainda ser distinguida a bu:,o-cracia fiscal que era bem estruturada e mais bem paga do que outrossubsetores, mas sua impori:ância política direta era menor. Na divisão hori-zontal, foi utilizada uma classificação de Guerreiro Ramos, com a exclu~ãodo estrato que esse autor chama de burocracia técnica e profissional, por;erpraticamente inexistente4• Trata-se, é claro, de uma aproximação, sobretudoporque a estratificação não se aplica da mesma maneira aos vários setores. Oque seria, por exemplo, o setor proletário do clero? Embora se igualassemem termos de salário, um pároco certamente não poderia ser colocado nomesmo nível de um servente. Além disso, as linhas divisórias têm s.ignificadodistinto. As burocracias profissionalizadas, como a militar, a eclesiástica ,~ajudiciária, definiam com maior rigidez suas fronteiras, mas para qucm con-seguisse entrar a subida até o topo era sempre possível. Já os sctorcs mcnosprofissionalizados não definiam com precisão as fronteiras, mas, cm com-pensação, a promoção aos postos mais altos era mais difícil. Por essas ra~.ôc~,tome-se o quadro como um primeiro esboço dc classificação, sujcito a corrc-ções e aperfeiçoamentos.

Page 6: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Comecemos pela divisão vertical. Os setores mais importantes aí são, sem:dúvida, o judiciário e o militar. Magistrados e militares, ao lado dos agentes do ,fisco, estiveram entre os primeiros funcionários do Estado moderno a se organizar-em em moldes profissionais. E foram as duas burocracias mais desenvolvidas queherdamos de Portugal. Acrescente-se aí o clero que, embora tivesse uma situa-ção especial por pertencer simultaneamente a duas burocracias, foi também im-portante recurso administrativo, além de ter tido relevante participação política.

Esses três setores burocráticos foram também os que mais elementosforneceram para a elite política. Mas não só daí provinha sua importância.O fato de constituírem corporações mais ou menos estruturadas, com maiorgrau de coesão interna do que os outros setores, fez com que se tornassematores políticos coletivos com muito maior poder de barganha. Além disso,e aí está o ponto mais importante para nossa análise, embora fossem setoresda mesma burocracia estatal, havia entre eles diferenças marcantes que oscolocavam freqüentemente em campos políticos distintos, Sy lião' opostos.Por essas razões, decidimos dedicar um capítulo à parte para seu exame(capítulo 7) e para ele remetemos o leitor.

Restam os outros setores civis da burocracia. Eram os mais 111l111l;rOSOSeao mesmo tcmpo os mais heterogêncos e mais dlfi((;I~ de cn;\cteri1.ar. Nãohavia aí um corpo razoavelmente profissionalizado, com excl:":w talvel..paraa burocracia fis..:a!.Havia, é certo, Ulll órgão de ellorme peso administrativoque era o Conselho de Estado. Mas o Conselho era .\ culmil1;incia de limacarreira antes política que propriamentc administrativa.

Em termos de origem social, eram também os setorcs mais heterogêneos.Alguns de seus segmentos, como o dos professores de ensino superior, assemc-lhavam-se ao dos magistrados, ao qual freqücntcmcnte se superpunham. Ou-tros eram hierarquizados: ao topo da carreira chegavam em geral pessoas comcurso superior, mas nos escalões inferiores e intermediários podiam ingressarpessoas de menores recursos, embora quase sempre com o auxílio dos empenhos.

Mas é grande aqui a falta de informação, sobretudo para os escalões in-termediários, como o dos chefes de seção' e oficiais, que na prática suporta-vam o maior peso das tarefas administrativas. O setor fiscal, particularmente,mereceria estudo mais aprofundado, inclusive para melhor avaliação da pos-sível influência dos escalões intermediários e dos diretores na formulação de

políticas financeiras.

148

. "'.~:

A CONSTRUÇÁO DA ORDEM

'::"Além das divisões verticais, havia ainda importantes clivagens horizon-'is, já indicadas no quadro 24. Retomamos a mesma divisão desse quadro etamos estabelecer a distribuição númerica dos funcionários pelos vários

- atoS no quadro 25.,: A primeira observação que salta aos olhos é o grande peso da burocracia'roletária, sobretudo no setor militar. Ela está aí um tanto inflacionada por~fermosusado divisão dicotômica devido às dificuldades encontradas em se-"I~ararsargentos e forriéis de cabos, soldados e marinheiros. Mas a dicotomia'rião faz violência à realidade em termos de diferenças hierárquicas e sociais.

1:'De qualquer modo, vê-se que o proletariado formava 89% da burocracia:. ~ilitar e pouco menos de 50% da burocracia civil. A metade do proletariado:',dvil se encontrava nos arsenais da Marinha e do Exército.I', O estrato proletário se dividia em serventes e operários. As barreiras para~"~scensão eram semelhantes nos dois casos, mas os operários se aproxima-:;;vammais de uma configuração de classe e tinham melhores condições de::-reivindicação, sobretudo os dos arsenais da Marinha e da Estrada de FerroID. Pedro 11. Esses trabalhadores iriam ter, na República, grande importância,,:para o movimento operário do Rio de Janeiro, dando origem aos chamados

. ' ):,sindicatos amarelos, estreitamente ligados ao Estado e à políticaS. Não se têm"l,l'~1~'i~~ttnotícias de greves ou movimentos reivindicatórios organizados por eles du-,,;~:kii'.;,I.:~rante () Império.

../; No setor militar, houve as rebeliões do início da Regência em que povo,..:;! e tropa (do Exército) constituíam o principal núcleo insurgente, e que con-(it tribuíram, juntamente com a divisão do oficialato entre brasileiros e portu-~~,:,gueses,para a desmobilização de grande parte do Exército e para sua exclusão:~tdo jogo político por largo período. Na Marinha, a rebelião veio ainda com};' mais violência, mas muito mais tarde, já na República. Fora esses casos, a

....2 massa proletária militar permanecia submetida a rigorosa disciplina, que por'i,\'f~\g'h muito tempo incluía até mesmo o castigo físico.

'~: Logo acima do proletariado, na parte civil, estava a burocracia auxiliar. que ocupava em torno de 39% dos funcionários. Os salários eram aí mais!: altos e já havia exigências de alguma qualificação para os postulantes. Al-;:gunsMinistérios, como o da Fazenda, ensaiavam mesmo um sistema de con-(cursos para o preenchimento dos cargos. Além disso, em princípio, o limitesuperior desse estrato não era intransponível e alguns tinham a possibilidade,

149

Page 7: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO OE CARVALHO

V>'õ,~z

11)

V>11)•..811)

Vl•..oO-

Ln-:N ~•..O •...o:: ~oU« o~ cO ~>o

Üo

"O

C5'i:,~co

'üc::::l~

\O "lO ••.• O;£( O" "'t"" r-.:- 00" O"o ,.....c'1"""'1 \O O•....

- N1'N •.•.• N'" o Ir)\ON"l f'•..•0 Z "l1'NO ..,.,

F r--:a\r--: -.i"l Ir)

N \O I N O~ ôó a\' o"

•••• 00 O" ....

•..'" "'t" O 1 O "'t".~ o ~ 00 ~ t"f"'):-= Z 00 N ••••

~ N -.i r--:N N

Ir) Ir) 110~ ôO\" o"

o 0\ Ou ••.•'C

~ ~~15:c o N "'t" I I \O•.. u Z ~~ N~ w "': "':

N N

OON"l1' O~ o" V)" ~ v'" o'"

"l Ir) O....

'"2 OO"'t"N •••• Ir).••.• o r---.,...-l N N f""')"'Z •... NNOO "'t"O ,..; a\ N "l

•..• "I

>

U Ir)'/)II O00'" ....: ô

~ 0\ Oo •....'C'ro:º o 00 0\ I 1 f'""gz::~ ~~ t"'""'I -:

- '".~ •..•'i:Ô o.~ 'Eª ~~~o ,- ::l ••.Q.,Q<t:i:'-o~ ("lj C':S ~

'ü "ü 'ü 'üro ro ro roti') I-i I-i I-..l L.o

'õ ~ ~ ~ ~ ~> •..• •..• ~ L.o .••••'- = = ~ ~ oZ ~~~~ F

1 5 O

'" "E ~.~ ~o o•..E,- '"'" ...E o'~ ~

~ t"3

-.to" 'i)0\ :::-.to oviUN "e"~" ...c: c:'" o0-- '"ó. ~.~

'o" '":> o.~ ~ ~

" '"..,g E g~ ':> c:t:s s:: ~R o c~ => 8Q .~ 5" ••• U

~ '~~~ U; o~ "'" E~ts ~ ~""l ~ Ec '" '"_ o. •..~ u 'U

~ -o u" o:>..,. ••• <:T

Õ E"' •• '::J o'" c: oe o ~.:: ns \O,~ o ~.••.• t..I".J.::! ~ "'O

~ 5o'~'" uC o:>

"'" ••• <:T_ u

" U 00-C> X I',~ u•.[.::-~ ~ r..•...~ -= '2 ~

't: -= Õ u'2 ~ u ~~ _::>.-"4l" ;(.~

~ ~ 'g ~.~ - ;j :,(

li) ~ "'" ut: "'\:s tL. o8:-:: ~ ~o ~ = '"~ Cl:l '" o.

'o o ~ ~c: "'J .- "r: ,g &l"i

t.I.., 'tu ~ ._

"gtªj2c - = ns u'" o':; c: E::E "'13 :J) o ':>,.. ~ ~ ~ c

~~E~~c: "'" o .-

tE~z..g~

A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

'muitos certamente a esperança, de chegar algum dia a uma chefia de seção.

as na prática poucos poderiam passar pelo filtro, pois a burocracia diretoria I,'. dufdos os ramos do judiciário e do clero, pouco passava dos 5% do total.

:ssa última burocracia era a que se salientava pela competência técnica, oue se refletia em parte em seus salários, em muitos casos mais altos dos ques do estrato superior. O diretor da Estada de Ferro D. Pedro lI, por exem-

'lo, tinha o maior salário do funcionalismo imperial, superior ao dos minis-i'bs de Estadq: 18 COntos.

;') A burocracia diretorial era a antecâmara do topo da pirâmide, e isso valia'pecialmenre para o setor dos magistrados. Daf, a grande busca da carreiradiciária nas fases iniciais do Império como trampolim para os postos mais

!tos, administrativos e políticos. O setor civil não judiciário tinha menoresoportunidades de chegar ao topo, pois a educação superior era af atributo deminoria. A preocupação em conquistar ou manter posições resultava em in-ensa competição e em generalizado servilismo. A chegada ao topo era possfvel,

}nas a luta era árdua e maior a necessidade do patronato e dos empenhos. Daí,:também, a menor coesão desse estrato e ausência de atuação polftica própria6•

.' _Ror,iim,.haYia,o ..topo.dapu;âmide,que.não.,chegava.a,l%.de ..todo.e"funciona~.' __":-mo"aQ..,todq.uma,s .?5,O..Pe.sS9as.,.MMn~!is~.P'Qntojá,se tornamuito.dincilsepar.ar_

-"d.nW;Jj~J{ação,da,politiq'!,.,qtpgp.pa,administração. er;:l.,~on1.esmo.tempo., parte.:substancia I da cli te.po lítica.. O.exemplo..máximo da.fusão ,estava no-Gonselhb' de~iE.stad.o~_ql\!.=.cra,Ó rgão,adminisl;l:aQ.vo,C,. ao ,mesmo tem 1'0, profundamente pol í-.Lis.:o_Coll.\clltciros;.desell1Qarga,dQres,. prcsidcntes de província, .professores, ge-

dl.~,clc~i,un'~C.,JcPUl~lJOS.•ç,,:icoadoJ:.cs..c.ocupa vaIncargos, min iste riais,.m ui tas.•ç"l..!m~lLallVOlJ1lCn I e. t~.:i.as.,ÚP.wa..quc .Faoro .eslava -prova vel mente pen-

lo&auJu..qu4l11doLdlllJ,.Cm,ç;;t.<},!l1~.I.~E?_bur.ocráticocontrolador do Estado.

Não sc lr.lt;tV.l, no entanto, de um estamento, mas de uma elite política:' formada cm processo bastante elaborado de treinamento, a cujo seio se che-

gava por vários caminhos, os principais sendo alguns setores da burocracia,como a magistratura. Ao longo do período imperial Outros caminhos se abri-

iram além da burocr'acia, como as profissões liberais - advocacia e medicina.,

-, o jornalismo, o magistério, quando não o simples favor imperial. O~se", .tllGa.da.,du1'açãa.dessa"e.li,t@'-e6taWl;~e.m.parte" ..e.xatamente.no,Jato~de-.nãa~ter.-

t;];utur,a.,rígida..de..um..~esta m l.':.I.l~,..g_e ..QªX ..,ª,.U!!~ã.Q,çt~...a.ç,ess.ibilidade,wist-O-.é,..v~.!:.IE..~.l.!s...Ç.ª~aQd.ade...de..CQ.op.t:a.ção...de.inim.ig0s"J!l0t-enciais••

1 51

Page 8: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

I I: ~ ~~: ~.~! ~ e 1 B ~ B ~ 1 ~ ~~ '- o C '" •• I'" '" •.• c I ~ .", -ti ~ 1:3 ~ ~ &1 gl s;. ~ r;r~ I ~ ~ 82 i:l '2(.<" ~~'O'.st=o.s<'~"" '",.;! ~ ~ C'O.!:I o "10'\ O,.-of 4J 1\0 u 'l"""4_ ""'.",o.", ZI...•.",N"" I",.", '"

I + :+ +:+ +

;,; i3~z

\'f•.. ~B.",~ ~o •.•l;;..~.fB~ o0-0.. ••••.. .~~'O•.. .:"t os:-5 8.0..t~ ~"",""•.. '"<O'""1IJ 'i::.", B•.. '".~ ~Q.O:g ~"'.",E ~~ EN o'3 c

cid~,~~ •..G ••.•. ê.- u lU~ '"O •••.•

.;; ~~~ ~~••• Ej •••"8 •• ,!:Jo.. ••• '"•.. cu'-o o o], 8 ~8 .•.••.•o.L>Et:: E ••.•B fi ~.5 Z.,;o " ~c ~ 1:'!} '" ,~....~ "8 '0 •.•o ...: ot: o l~eu V).-

~oê.......", '" '"o S O"0..'- 1IJ

G~""...: "'.'ii ~~....'(;; tJ ü~g ~ 6l'~{j c:>..5 •.••ã ~ cr~u In ••.• CI)

lI)'- ~

8. ~ ~ 8S .2... ~ c;oo~1!

-.

J!~ l~

éS .=:~~00

ú"E'"~ '" ~'" 0"-~ ~ u••~ 1..I""tJ.e,'O '"~~ ,~..•.... ...,

'",2..e- 1,1)

'a ê~]~

ôtl'2 -..- f-:::E",•.... o...• .",f

]'0z

o0:5~ o...- Ec-.- o:::E.",L

.goE ~.~I Jj5:~~ ~..:;

.\j

],

I,

:~~ ~•. '" láa~e' '" '" 1 ~s g t:: I a ~, j I.S'" ~ '" .~;.:: c;;~ 10" te ~~;.;:;I'E '-' IU""'~ 11 1:2~ ~ s .•...c; .- '" lO "'...: "l I O ;,;; O •.•~

~.", IN ~O"" lU"", 6l'",I '+ + 1+ + .s O

:: 1-I 1- I '" lS I: ': ~ iS.g1l1I ti '" I I S"" ~ ~I' •.. 01 I 809>...,<l1"- et I '" _]:::::~ : ~.t õ a:t : + t t

• • +I II II II II II II II II II I'"

].~ : 12~~ ---I------L----L--~.~U"" I !.l::::~ I d

Iu: tI II , I ••I á I ~ g: -g \3 ~: .~"~I 6.g .g I "O Z:3~z I (501+ +I

.:.,.g oe ~ 8 E~ '" .!:J'ü,ou ~ ::J ~ 1,1)o.g ;;;'i::l-g

'r"""I "' r'"') U V>0'\ 0.0 I 'V ~ QJ

Lt : fI II II 1:.. :~1"0 I:''.5 16I > 1018 lU1"- I

.~'U.

~

~-L-

.;.~

~"'r-...."'r-....>00'0 _'0 •.•.. o

•••• '" I::- o •..N U ~O ~ o .ªex: '0 <.:) .~

~ S ~ ~I~::;) o.~ Ü ;.::,.., !; ~ .ll c£•••• lX:l '- ~IIlZ ••"'... ~":l o So o. Cl:I.~.::;.etiÕ

JosÉ MURILO DE CARVALHO

, 5 2

Além da divisão interna, outra característica da hurocracia imperial con-tribuía para reduzir seu poder de controle e de direção da sociedade. Trata-se da distribuição dos funcionários pelos vários níveis de poder - central,provincial e local. Essa distribuição acompanhava a própria estrutura doaparato estatal e revelava, ao mesmo tempo, aspectos da natureza do Esta-do. A s tefotmaS...de....1.8Á-Od.1_.levara.m,..à...exageJ.ad-ª_.&>çJ;1,tJ;alização.~p.olítica,.e

administrativa, que-faria um de seus autor.es.dizer.m.ai~U:~rde ..çlª~dadministta-

çãesjmperjais"g~ç.m.~~zç9.Len.Q.r~Ullil~LI}.~£'1~!32;~,~~5g~",.~.J?~rD.ª~~',~~ cO!;pos..Q!iã.£Y,ç1!.l~ção Il.~D.Ç.g~ às ju~.w:,tÇ~:rç,mi.º,ªç\.~~:'::'""Acons.eqiiência..dessa-estrlltuI;a.centtalizada.era o-aç(UllPJ9 cie JU;f.l.c.i911~;~,?S,e..atUWi ª d es.administtati:v.as,_no..aí,v.el.do..goN.e{'.no.central.,.s1J,a.,J;.çÀ~içl,ª ,R.tl\.~!l.;;....Ç3 DO nív.eL.p.rovincial. e. q.uas.e.aus.ê.t\cia..no.ní:v.e1J.o.Çal.

A concentração era um fato. Mas há aí também algumas distinções im-portantes a fazer. A macrocefalia variava de acordo com as tarefas a seremexecutadas. Simplificando, pode-se dizer que ela era menor no que dizia res-peito às tarefas de controle e de extração de recursos, era maior no que sereferia às tarefas que alguns chamam de redistribuição e que outros talvezpreferissem chamar de reprodução. As primeiras se concentravam nos Mi-nistérios da Justiça e do Império, as segundas no da Fazenda, as terceiras nosdo Império e Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Esquematicamente, asituação se apresentava mais ou menos como indicam os quadros 26 e 27.

Vê-se pelo quadro 26 que a ação coercitiva do governo central, de um modoou de outro, podia estender-se até o quarteirão, que era a menor divisão judi-ciária correspondente a um conjunto mínimo de 25 casas. Recorde-se que issose tornou possível após a famosa - segundo os llhnai~ fallliger~,d,l - ki de .3de dezembro de 11)41, que reformou o Código dt. 1'I(lI,O~O Crlllllfl,11 de 1HJ2.

A lei foi um dos pontos culminantes do Rt'l:~resso \' ~nl itt'l1\ nl.llS pulêmico foia retirada da maior parte dos poderes do juiz de p.IZ ekilO e pa~~;\.1a para osdelegados e subdelegados de polícia nomeados pelo ministro du Império. Osdelegados e subdelegados, criados pela reforma, tinham poder para dar bus-cas, prender, formar culpa, pronunciar e conceder fhlnça. Eram eles que divi-diam os distritos de paz em quarteirões, nomeavam os inspetores de quarteirãoe os escrivães de paz e ainda faziam as listas dos jurados. Essa situação durouem sua plenitude até 1871, quando a lei de 1841 foi modificada no sentido detirar dos delegados as atribuições judiciárias, permanecendo, porém, as policiais.

Page 9: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

lJ>oo ~lJ> ~o .aU-oo ~,l:a ol:l-.Ur-...00oN

~.~'I:Õ,

</) t:e Io o I

~ ~~:~V') I.5 ~ I0'\ Iri I

IIIIII

riri

II

"IIIIIII

IIc:l I

t.L. It.r.l I.g I•..• t:::HB 01~ -c; I.- OIOl:l-.,

II

~c::.0.0 -Z

o~l::•..o>oC,)o-o</)

'õ,~Z

1 54

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Foi acrescentada ao quadro a participação do Exército. Após as rebeliõesinternas que terminaram em 1849, .no entanto, seu papel na manutençãocotidiana da ordem interna foi reduzido. Os oficiais de recrutamento tinhampouco poder, pois quem realmente decidia eram as juntas paroquiais quefaziam o alistamento e o sorteios. O Exército se ocupava mais da guarda defronteiras e das colônias militares.

A Guarda Nacional, sim, teve papel de primeiro plano no controle dapopulação e na cooptação dos senhores de terra. Mas ela não era parte daburocracia propriamente dita e será tratada na próxima seção.

Razoavelmente desenvolvida era a rede de captação de recursos fiscais, aque correspondia maior desenvolvimento profissional elos funcionários doMinistério da Fazenda. Naturalmente, a simples presença no interior de fun-cionários do fisco não significava melhor distribuição da carga fiscal. As re-ceitas gerais provinham em mais de 70% dos impostos indiretos de importaçãoe exportação, arrecadados nas alfândegas. Mas a presença desses funcionáriose sua atividade, embora discreta, constituía sinal importante da presença dopoder público na periferia do sistema político.

As afirmações de Uruguai têm validade plena no que se. refere. às tarefasdistributivas.ligadasao desenvolvimento social, à promoçáo da educação cda saúde, eao desenvolvimento econômico, C01110a construção ..de obraspúblicas, a assist~nciil Jécnica e creditícia etc. (quadro 27). Pa(a..r.ªi~J.<lr£fas,a ação .do, gOY.~mo..central. parava nas,cagir.ais"clas.pro.yJp~ia~,.f,qtl\!!~,ú~üç~sexceções,dosserviços.de.correios.e dasjnópientes estradas.de.lerro. Os úni-cos agentes do governo central no nível local eram os párocos que, no en-tanto, se limitavam às tarefas de registro de nascimentos, casamentos e óbitos.A ação dos párocos era mais importante na área político-eleitoral do que naadministrativa. Os próprios municípios, aliás, não possuíam um Executivoindependente do Legislativo. Daíficar a ação distributiva na dependência.dainiciativa dos poderosos locais.

A predominância das atividades de controle e extração, que se reprodu-ziam também nas províncias, correspondia à fase do processo de construçãodo Estado que vimos chamando de acumulação primitiva de poder, e que noBrasil se estendeu até em torno de 1850, quando novos problemas passaramao primeiro plano.

Page 10: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

t;~~::l. ~~H::

0\_•..•.ll•.. ;:N~l;;;u:~'t:l ~." ::ISi v,c::":lÜ .~u~Ô'".t:~'2 .•.•"' oÜ '"ex: .~.~.~U '"•.. -"'v,o_u 3o '.,~ o

'0 .?i~::r:rt vi_ oU't:lo '2~;:)::; '"o-:- 't:l.- "'~ ~•.. ~ll:l '"o o~ ~0.0.

~~

õ\-~"':o"'"ONÔ"'!o"'"~ 11

6

~."""'.-00

til

'fi.3lU

til tilo '~6 ::l"'-0&~

~~oô-

o6~•.. •..~~(.;I~

V)o~~

orf')

0'\-tA'oCl

~

....,~."ot'-:000ôl"'-o 11-6

~-~~o .o'<t'~OOg-- 116

£o""0'\.,.;

~...•\O-~-

o~c .&•.• u....-> co ::l(,);:E

~0'\I"'-.,çN

~-."N~....,

o~c u•.•C....-> >O O(,)~

£ol"'-N0'\"\O

~00oo~."."

2-•.. '"•.• t:l> co •.•(,)u

,..l

~I:Q

r-....r-....00~.....r

~I:Q

oN0'\-

tilo-o'2::J~-oC1l

~O)

.~•..~g•..O)

>oao~N O)

O~a: 'üQ ,::<Z~ •..a oc.

VI

,ª:Li'::Ip",VIo-o

~c.JJlU-o8O)

E'::lZ

:~~:1~',:::íi'(iJ'>ll~~l~~:~~~J~'~.i.~~~':J:

1I1'~V'J'l;;'!.~.;'g ;'J'.~:"In' '"1'~\'j

!~~~J\~'J~ 1"''''.1..:- :!~~:í{~

1 56

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Os Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias no Brasil, es-critos em 1865 pelo visconde do Uruguai, e que Tavares Bastos chamou deprotesto da reação contra si mesma, já indicavam percepção clara das mu-danças em andamento. A criação do Ministéria da Agricultura, Camércia eObras Públicas em 1860 refletia a mesma fenômena. A própria estrutura degastos .orçamentárias modificau-se substantivamente de 1842 até 1889. Osgastos administrativos passaram de 96% da total na inícia do períada para580/0 na final, ao passa que as gastas ecanômicos e sociais passaram de 4%para 41%9.

A mudança no conteúdo de ação estatal exigia também transfarmaçõesna estrutura da Estada, cam expansãa de sua capacidade de "ltuação para aperiferia da sistema. O federalisma republicana traduziu um aspecto dessaexigência parque, na Impéria, além de a funcianalisma central se cancen-trar na tapa da administraçãa, a funcianalisma público cama um tada tam-bém se cancentrava na gaverno central. Esse aspecta é reveladar da naturezada sistema palítica brasileiro. Para melhor esclarecer o ponto, fornecemosno quadro 28 as dadas para o Brasil e para as Estadas Unidas referentes àdistribuição da funcianalismo público pelos níveis do gaverna.

Não passuímos para os Estados Unidos informações referentes ao séculoXIX. Mas, dada a história daquele país e sua tradiçãa de ênfase na gavernolocal, é de supor que, se alguma diferença havia, era na sentida de aumentaro cantraste com o BrasiLR.o.çpn.txas.te,er:a..e.nQ.n!l~,,,me.smQ,.emJ,9.2Q,.•quan~..,do. .QJ3Jª~i.Liá...Ç.QPia¥"ª...há~lLanas ..Q,me~.mQ..~Á~t.e.m.aJ~,cler,aI.americana. A....bur_Q~XaQa.hr.a:iileira..,c:ontinüava ..ví:fima ..da, ,macr.ocefalia"qu.e .em"J,.87.7'6 ra 'yer.dadei.J;am~m~,.,pª.tQlógiça~..Se.,UI.uguai. se..,qlol.~ixaya_de ..,que a. gov6r no, ccn.tral,.náo...p,Qssuía.braços...e..pernas,..os gove.rno.s.prov inciais ..e,municipais .esta-vam .em,situação pior. ainda.

Tem-se entãa um quadro curiosa. A cancentração palítica e administra-tiva, acampanhada da concentração de funcionários, fazia com que se acen-tuasse a visibilidade do Estado no Brasil, ao passo que UI11processo inversose dava nos Estados Unidos, Na entanto, a cOIl~'elltr.l\J\()à.l produto daprópria incapacidade do Estado brasileiro de eSlt'lldt'r 'lI,1 ,1,;'\0 ,Ill\ a perife.ria do sistema, ao mesmo tempo que a desl'l'lltraltl,II,;'1O;1I1WI'ILI1l;lindicavamaior pader de controle, embora n;lO neCt'SS;lI'l;llIll'llll'por p;lI'te do gover-na federal.

Page 11: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

. A incapacidade do Estado brasileiro em chegar à periferia é bem ilustra-i da pelos compromissos que se via forçado a fazer com os poderes locais. NoBrasil, como nos exemplos históricos descritos por Weber, o patrimonialismocombinava-se com tipos de administração chamados litúrgicos LO. Na ausên-cia de suficiente capacidade controladora própria, os governos recorriam ao

. serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral proprietários rurais, emtroca da confirmação ou concessão de privilégios.

.N Q.,.c<!,sp)nq.slleirQ" é! aS~,9.ci~lÇãqJitllr,gic.a .pqr,e,xcelência.fo ia~.GuardaNacionªL Não é preciso repetir aqui o que já foi dito a respeito dessa insti-tuição!l. Basta lembrar que seu oficialato era retirado das notabilidades lo-cais, fazendeiros, comerciantes e capitalistas, e o contingente se compunhade quase toda a população masculina adulta livre. De 1831 a 1873, a Guar-da Nacional tinha a seu cargo quase todo o policiamento local além cle cons-tituir poderoso instrumento de controle da população livre e pobre peloschefes locais. Se todo o funcionalismo público do Império não chegava, em1877, a 80.000 pessoas, a Guarda Nacional tinha, em 1873,604.080 ho-mens na ativa e 129.884 na reserva, o que correspondia a 17% da popula-ção masculina livre. Mesmo descontando a parte de ficção que certamenteexiste nesses números, será difícil exagerar a importância da Guarda para amanutenção da ordem locaL

Mas o compromisso entre governo e donos de term no c.ue se refere àadministração local não parava na Guarda NacionaL Serviço litllrgico eratambém desempenhado pelos delegados e subdelegados de polícia e inspeto-res de quarteirão de que já falamos. Embora de nomeação do governo cen-tral (delegados e subdelegados), eram remunerados apenas pelas diligênciasfeitas. Não é de surpreender que a nomeação do governo recaísse no mesmotipo de gente que era eleita para juiz de paz, de quem os novos funcionáriosherdaram as principais atribuiçõesl2• Esse fato introduz importante nuançano que foi dito antes sobre a capacidade de controle do governo central no

nível local. O que houve em 1841 não foi simplesmente o esmagamento dopoder local, como clamavam os liberais. Foi antes a instauração do governocomo administrador dp conflito local, sobretudo do conflito entre podero-sos. O juiz de paz eleito, representante de algum poderoso, tendia a entrar

em constantes atritos, não só com os funcionários públicos (juízes, párocos,oficiais de justiça), mas também com outras autoridades eletivas e também

1 58

A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

cpresenrantes de poderosos locais, .como os oficiais da Guarda Nacional e: s vercadoreslJ ..AnomeaçãO"pelo governados delegados ecsgb.de1egados,,ssim, como ,dos oficiais, da,Guarda, NacionaL a partir.,d.e,J8S0vnãosó não

Java.a ..hierarquia' local de,.pader,., como até mesma;~a.pretegia,ao"PQ!lR;1!,..paderasos os' riscos -de.uma eleição. O governotrazia.par.a,a,esfera.púbU.a.administração do-conflit0 -privado.mas.ao-preça"demanter privado"o

údo~do-po.der ...Os elementos não pertencentes à camada dirigente local.eram excluídos da distribuição dos bens públicos, inclusive da justiça. O ar-ranjo deu estabilidade ao Império, mas significou, ao mesmo tempo, umaséria rcst riç;;o à extensão da cidadania e, portanto, ao conteúdo público do

.' poder. O governo sc afirmava pclo reconhecimento de limites estreitos aoi poder do Estado.

. Y;írioo; asl'{'(!OS mcncionados antcriormcntc já sugerem que, se a buro-cr,leia irllpcnal r!;io constituía estamento, tamhém não se pode dizer que seadequasse ao modelo de burocracia moderna como definida por Weber. Adefiniç<lo, no que se refere aos funcionários, inclui nomeação por contrato

; com base em qualificações técnicas; lealdade aferida pela fiel execução dos, deveres, com base em regras impessoais; e perspectiva de carreira. A ação

desses funcionários, ainda segundo Weber, se assemelharia à de uma máqui-na em precisão, regularidade, eficácia, impessoalidade e predizibilidadel4. Aadministração imperial estava longe desse modelo ou tipo ideal. Vamos aquiapenas estender mais um pouco a argumentação.

Apesar das variações entre os diversos setores, salientando-se a maiorburocracia dos setores clássicos do judiciário, do militar e do fiscal, pode-se dizer que, em geral, a classificação de cargos era precária, a divisão deatribuições pouco nítida, os salários variáveis de Ministério para Ministé-rio; não havia sido institucionalizado o sistema do mérito, e as nomeaçõese promoções eram muitas vezes feitas à base do apadrinhamento ou, comose dizia na época, do empenho e do patronato, e não da competência téc-nica; as carreiras eram mal estruturadas e a aposentadoria não era genera-lizada 15. •

Testemunho pr~cioso sobre o funcionamento de uma repartição na épo-ca pode ser encontrado nas cartas de um dos mais cultos e competentes fun-cionários públicos do Império, João Batista Calógeras. Calógeras entrou para

o serviço público em 1859 como primeiro oficial do Ministério dos Negócios

1.5 9

Page 12: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Estrangeiros e terminou a carreira como chefe de seção do Ministéri0 doImpério, 15 anos depois. Suas cartas são testemunho das intrincadas mani-pulações que se faziam para se conseguirem nomeações, promoções, comis-sões e licenças envolvendo superiores hierárquicos, políticos, amigos e atémesmo o Imperador. A bajulação dos superiores e os ciúmes dos colegas detrabalho eram traços corstantes do comportamento nas repartições. As rela-ções com os ministros eram quase familiares. Costumava Calógeras traba-

lhar na casa de um deles16•Outro testemunho importante é o de Albino José Barbosa de Olivei.

ra, magistrado de carreira que chegou ao Supremo Tribunal de Justiça.Diferentemente de Cal6geras, que era estrangeiro e impôs-se pelos méri-tos pessoais, Albino, brasileiro de origens modestas, chegou ao topo dacarreira à sombra de um casamento que o ligou às mais ricas famílias eaos mais importantes políticos do Rio de Janeiro e de São Paulo, tantoliberais como conservadores. O casamento não s6 o fez dono de fazendasde café, como também lhe facilitou promoções e transferências vanta-

josasJ7•A troca de favores não abrangia apenas nomeações e promoções. Os

funcionários envolviam-se em práticas que hoje seriam consideradas cor-ruptas, embora continuem freqüentes. Cal6geras, por exemplo, comentacandidamente em suas cartas o fato de seu filho ter ganho alguns milha-res de francos de comissão do governo por ter agenciado a compra dealgumas canhoneiras para o Ministério da Marinha, cujo ministro era seuamigol8•

Há aqui dois pontos interessantes a examinar ..~Q..pr,imcitQ•.tef.e.~"aos.oo.asp.e~tQ~J,.p.atrimQ.n!PtÍ$..,em•.soi,)~lÇt,~'"o~.oiUJji~,tinçã.9,",€:lltreo.a~admoinistraçãô''e apolítica,.entte-o ..paF-ti€ular'.e~o"público ~.o,$.egundo•.r.efer.e:.se,.a.o."sentido."que.essa..indistinção ..possa,ter..para.a.burGGraeia, ..P~J.ª._º_E_stado..e,.paraa.s00i eda..de•.•Quan tG<ao.primeiro,.o ..Br.asil,não,,,er,a,.na.épGGa.-easo.exG6pcionaI,.mesmoem .comparação, ,com. p.aíseS.•táQMqiJ£:,r"eme.s,.como..a.lllglatetr.a .c..os .,.EstadosUnidos. Foi nesse último país que se cunhou a expressão "sistema de espóli-os", para indicar as derrubadas de funcionários que se seguiam às mudançasde presidentes. Um inquérito do Congresso americano, feito em 1885, mos-trou que a maioria dos funcionários era desqualificada e que existiam "tantos

1 fi o

A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

hadrões noS serviços públicos que a honestidade era a exceção". Na Inglater-t no começo do século XIX, "a patronagem era um método aceito de brin-..ra,':'dar conhecidos, amigos, correligionários e dependentes com um meio de"d "19VI a .

Mas eram diferentes o ritmo de mudança e o peso social e político do~istema de patronagem. A Inglaterra iniciou, já em 1853, o esforço de'implantação do sistema do ínérito. Os Estados Unidos o fizeram em 1883;;como Civil Service Act. Mais ainda, em ambos os casos os esforços de refor-';~.masse fizeram por pressão de grupos de cidadãos que para tal fim se organi->: zaram. Nos Estados Unidos, a reforma começou pelos municípios e só mais. tarde atingiu os níveis estadual e federal e, em boa parte, refletia o que jáo-estava sendo feito na administração privada graças às experiências de Taylor,isto é, a racionalidade da sociedade industrial competitiva estava sendo leva-da para dentro do Estado por pressão da própria sociedade. Além disso,embora o emprego público fosse usado como recurso político e certamentehouvesse pretendentes para esses empregos (o presidente Garfield foi morto. por um "disappointed office-seeker"), o dinamismo da economia americanaoferecia muitas outras alternativas ocupacionais mais atraentés em termossalariais. As pessoas de maior iniciativa e potencialmente mais rebeldes cana-lizavam suas energias para o setor privado, reduzindo a pressão sobre o em-prego público e, portanto, diminuindo o peso que esse emprego poderia tercomo recurso político.#.No,Btasil, .devido. aoJimitado J~qu,~.<>.cupaçipI}~I.•.apJessão. era.mui to

,.)JlaiQr"e.provinha.deo elementos .dinâmicos qij,e..procuravam-escapar às Ii-..mit.•~.Ç9Ç!i,80mundo escravista. Isto.red.1JAd.av.aemnúml:~o ~e fun~.ion;íri()s~excessivo em.relação às tarefas delese,~igidas, dando origem às qUl:ixas..sobre o parasitismo e o custo e~ªgeraqo ..do funciol1;alismo. As queixasexistiam, mas é sintomático que muitos dos que denunciavam o mal oueram funcionários eles mesmos, como Uruguai, ou tinham sido demiti-dos, como Tavares Bastos, ou provavelmente estavam à espera de umaoportunidade. Esforçossér-ios .para. introduzir o .sistema do mérito e raci-~onalizal' 'aoadministração 1'Q Joram.,feit.os .apartir de, 1.936 e ,com êxitos,muitoQ.r.elativos.

Mantendo a comparação com os Estados Unidos, damos no quadro 29 aproporção de funcionários públicos em relação à população.

1 61

Page 13: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

A CONSTRUÇÃO DA ORDEM

1 63

65

1907

833357797964

Anos1889

65163761778584

60

Império-InteriorFazendaACOP-ViaçãoMarinhaGuerraEstrangeiros - Relações ExterioresJustiça

TOTAL

Ministérios

QUADRO 30Castos de Pessoal como Porcentagem dos Gastos Totais do Governo

Central/Federal, por Ministério, I H89 e 1907

Fontes: Para 1889, Balanço da Receita e Despesa do Império; para 1907, Tobias Monteiro, Funcio-nários e Doutores, p. 114.Nota: A dificuldade maior com o cálculo que fizemos, com base no Balanço de 1889, é que a verbautilizada para pagar os empregados manuais e mecânicos está incluída em despesas de material. Osnúmeros são, portamo, apenas aproximados. É provável que as porcentagens reais sejam mais altas.

Eliminando-se o Ministério da Fazenda, cujos gastos principais eram com opagamento de juros e amortizações da dívida externa, as porcentagens totaissobem para 68% e 72%. Diante desses números, podem-se entender melhorobservações como as do visconde do Uruguai, segundo as quais a centralizaçãoaumentava a "chega do funcionalismo", tanto no nível central como no provin-cial, devorando a maior parte das rendas. Ao final do Império, Castro Carreirarepetia a mesma idéia: "O funcionalismo é um cancro que devora e aniquila asforças do país, prejudicial não só no aumento das despesas, como pela desorga-nização do serviço". Tobias Monteiro, já na Repúb'lica, continuou na mesma veiaprotestando çontra o que chamava de casta que sugava os cofres da naçã02o.

O que esses críticOs não viam era o que Guerreiro Ramos chamou defunções latentes da burocracia. Eles pensavam num modelo de burocraciainstrumental, semelhante à máquina de que falava Weber. Não viam que o

Outra indicação do excesso de funcionári('s era a porcentagem dos gas-toS com pessoal nos orçamentos. Esse cálculo é difícil, mas os dados do qua-: dro 30 niÍo devem estar muito longe da realidade, pois, embora frutos det; tcntativa~ independentes, se mostram bastante consistentes.

1 62

Fontes: Brasil, Manoel Francisco Corteia, op. cil; para 1877, BalQ/.ço da Receila e Despesa da Unido; para 1920,Censo desse ano. Estados Unidos, Hislorical S/alislics of lI1e U"ited Slates. Para população, Censos de 1872, 1890,1900,1920, para o Brasil; 1870, 1890, 1920, para os Estados Unidos. .Nota: O número de funcionários em 1895 deve estar subestimado porque o Balanço nem sempre dá o numeco detrabalhadores do serviço manual e mecânico. Para cálculo da relação funcionário.população nesse ano uSamos oCenso populacional de 1900, dividindo ao meio a diferença de populaç,io el11relação ao Censo de 1890.

JOSE MURILO OE CARVALHO

QUADRO 29Empregados Públicos do Governo Central por Mil Habitantes,

Brasil e Estados Unidos

o quadro mostra que, no que se refere ao funcionalismo geral {' federal,

o Brasil tinha, até o final do século, mais empregados relativamente à popu-

laçiio do que os Estados Unidos. Levando-se em conta que as tarefas do go-

verno seriam muito provavelmente mais simples no Brasil, pode-se concluir

pela natureza menos instrumental da burocracia brasileira, isto é, ela seria

determinada em boa parte por outras exigências que não as estritamente vin-culadas às necessidades do serviço.

A importância do emprego público como oportunidade ocupacional eranaturalmente maior nos centros urbanos, sobretudo nas capitais do Impé-

rio e das províncias, onde, em 1872, se encontravam 10% da população,

cerca de 1 milhão de pessoas. Era também aí que a busca do emprego se

dava com maior vigor, sobretudo no Rio de Janeiro, onde boa parte das

oportunidades no comércio era tomada por estrangeiros. Se calcularmos

que em torno de um terço do funcionalismo geral estava no Rio (cerca de

15.000 pessoas), e que, segundo o Censo de 1872, a população masculina

livre ocupada desta cidade era de cerca de 85.000, veremos que o emprego

público correspondia a mais de 15% do total de empregos, um número

certamente muito alto.

País

EmpregadosJ:[JAPúblicos Brasil EUA Rrasil EUA Rr,lsil

(1877) (1871 ) (I R95) (IR91) (1920) (I ')25)

Civis 2,6 1,3 2.2 2,5 1,5 5,3Militares 2,8 1,1 2.7 0,6 I,H 2.4TOTAL 5,4 2,4 4,9 .l, I 3,3 7,7

(N = 54.372) (N = 93.225) (N = 76.716) (N = 195.310) (N = 103.049) (N = R04.801)

Page 14: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

Ii1

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

funcionalismo atendia também necessidades que eram de natureza política esocial. ..A.,bur.ocracia •.era..imp.o..ctante..paLa.,pr.Qver. oeu pação. para. os setores.médios~)J,J:,b.anos.e..mesmo.par.a.seto tes.,proletár.ios) •.era .[ambé m .pode raso. ele:.~nto..dbç-º.QptaÇáo.,dQ.s.,.PPtenciais..opositoLes,~oriwldos .dos setores .médiosurbanos....e ..-das alasdecadentes~d.a,gt.an.d~Ilt..QP.úedadc..rural. A esses elemen-tos se refere Sylvio Romero como sendo a mendicidade envergonhada porser portadora de diplomas e vestir casacas: são os médicos sem clínica, osadvogados sem clientela, os padres sem vigararias, os engenheiros sem em-presas, os professores sem discípulos, os escritores sem leitores, os artistas

sem públicos, os magistrados sem juizados2l......Ahur.oaaciaimp.eriaLI}.ão...exa,.est@)$;nJ0. Não estávamos num Estado feu-

dal, nem mercantilista.~ém.não_ga.máquina.mQ.d~rl1a...gç: ..ªQmW~y.í!~,pois o sistema industrial de produção que levou a racionalização administrativapara dentro dos modernos Estados capitalistas ainda não se estabelecera entre

nós ...Mas.~da.pos.s)J!~t.m.c:i.ºDª!,i£tê£Ç..p..n?p'ri~.£!Ü?~~~Jl~ig£u:r'\J.~s:y..:m~"m~uQ.s ..para,a. administração_como. tal .do. que ..para.,O. sistema,.política ,ÇoIDQ J.,lro,);:Oqo.

Podemos, a essa altura, reconstituir num quadro mais amplo o problemada burocracia imperial, tentando integrar as posições divergentes de alguns

autores que sobre ela escreveram.Já em 1843, o jornal O Brasil falava da "grande classe dos empregados

públicos e dos aspirantes a empregos", e das dificuldades em reduzi-Ia pelafalta de oportunidades ocupacionais na agricultura, pela falta de capitais, eno comércio, pelo monopólio que sobre ele exerciam os estrangeiros

ll. Mais

tarde, Nabuco feria a mesma tecla, atribuindo o fenômeno diretamente àescravidão, e Rebouças, indo além, dava como causa prinçipal da grandedemanda por empregos a própria estrutura agrária monopolista23. Nessas

circunstâncias, quem procuraria o emprego público? Segundo Nabuco, onúmero dos pretendentes podia ser calculado "pelo recenseamento dos quesabem ler e escrever", mas apontava principalmente os ex-ricos, isto é, os

descendentes de famílias fidalgas decadentes e os pobres inte1igente~ queconstituíam a grande maioria dos homens de merecimento. Sylvio Romero eTobias Monteiro davam ênfase à classe média desempregada, sobretudo pro-fissionais liberais, os "bacharéis", como chamou ao grupo todo Gilberto

Freyre. Azevedo Amaral falava em grupos intermediários dominados pormestiços24. O traço comum dessas caracterizações é o de pessoas em mobili-

164

A CONSTRUÇÃO OA ORDEM

,;'dade social descendente ou ascendente, as primeiras excedentes do latifún-

,i" dio escravista, as segundas que nele não puderam entrar, isto é: de modo';i., geral, os marginais do sistema e seus mais prováveis e capazes opositores .

I Nossa análise mostrou que a percepção acima é plausível. O funcionalis-::.mo não era a vocação de todos, como exagerou Nabuco, mas sim das mino-',: rias urbanas, sobretudo de seus elementos mais educados e mais agressivos.;; Para esses, os setores da burocracia de mais difícil acesso eram o oficialato da

~.Marinha e a magistratura. Mesmo assim, neles entravam os filhos da agricul-ttura decadente e na magistratura se esgueiravam alguns dos "pobres inteli-

.:' gentes". Os outros setores eram mais abertos e alguns deles, o clero e o1 Exército, podiam levar os pobres inteligentes até o topo da carreira. O que, não se mencionava no Império era o serviço público como fonte de emprego<para a população pobre urbana, em parte talvez por não se considerarem. empregados públicos os operários do Estado (os próprios serventes eram'. pagos com verba de material), em parte pela pequena agressividade dessesgrupos na época. A importância da burocracia proletária só se tornou evi-dente mais tarde, quando o proletariado em geral surgiu na cena política.

Os dados também dão fundamento à idéia de que o funcionalismo resul-: tante da situação descrita era desproporcional às tarefas administrativas que'..tinham de executar, justificando as acusações de parasitismo, ociosidade e. custo excessivo para o erário.

As divergências surgem na caracterização da burocracia e de seu poder. Num• extremo está Nabuco, para quem os funcionários apenas mudavam de senhor::,escapavam de ser servos da gleba do latifúndio para o ser do governo, permane-

,cendo em situação de dependência. Em posição intermediária, Azevedo Amaral;-vê a burocracia desenvolvendo poder próprio por via do que chama de Estado

'.Político, em oposição ao Estado Econômico em que o grupo dirigente seria oque controlasse o setor dinâmico do processo produtivo. O Estado Político im-perial, por estar desvinculado desse processo, ou a ele ligado apenas pelo setoracanhado da propriedade agrícola, bloqueava o desenvolvimento da sociedadeindustriaJ2s. Extremando a posição, Faoro vê a burocracia constituindo IIIll

.estamento e dominando por meio do Estado a nação e as classes sociais.

Vimos que não há base empírica para se falar em estamento burocrático.

O ~orpo de funcionários se dividia vertical e horizontalmente, não possuíaestilo próprio de vida, não tinha privilégios legais, não desenvolveu meca-

1 65

Page 15: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURllO DE CARVALHO

NOTAS

nismos de proteção de sua homogeneidadc c autonomia. N;io se

estamentalizou a burocracia como um todo, não se cstamcntalizou a Igreja,não se estamentalizaram os militares. Havia, sim, setores mais ou :nenosburocratizados, mais ou menos coesos, como os magistrados, os militares, oclero, que disputavam entre si, e em alianças com setores externos a eles,maior peso nas decisões políticas e maior parcela dos benefícios do poder.

A diferenciação interna da burocracia adquiria importância política espe-cial devido à fusão parcial com a elite política. Vimos em capítulo antcri-:)r quena própria Câmara havia 60% de funcionários públicos em 1834, 5.~% em1850,32% em 1869, caindo para 11% em 1886. Por várias vezes discJtiu-seno Congresso e na imprensa da época a exccssiva participação de cmpregadospúblicos em cargos legislativos. Além dc distorcer o sistema represcntativ.::>, essaparticipação levava a urna ambigüidade básica da burocracia. O emprego pú-blico constituía a principal alternativa para os enjeitados do latifúndio escn.vista,mas, urna vez no governo, os funcionários e a elite em geral não podiam matara galinha dos ovos de ouro que era a própria agricultura de exportação base-ada no trabalho escravo, fonte da maior parte das rendas públicas.

..A-blJr.9_Çmfiª ...e.ra.assim.mat:caQi;l.~p.~1º,JI4~ ..GuerreiI.p.Jiamo~£h..~tr..!;.9.!L9.:e,.diAléú,c.a ..qª"am..bigMiçiªde>_j_,Lpercebida.Jamb~m,.PQr_JP'1-q~~abuCOd:juan~., d(u;iª"Q.ggy~mQ"aomesmo. tempo, como.s.ombra,.dª.~~q~yig~p ..h.cpmQ únicaJorça.capaz .dedestruí:la~6 ,.f.ss?ambigi.ii.dilQemarcav,a ..tamb.ém.a ..elite.po14i.

.ca,e ..,a.t.ipgi.ª-p.coração ..do.p US,pri2 Es~adº irpperial,.nãg ..pgdeJ].çio,seJ;_en::endi",.QéLªp~q~~,.JJ.gs".UIl1iF.~.~.•çli'lJ)_u.!?G;r:ªcia.

A CONSTRlJ<ÀO DA ORDEM

167

Ver l dICIITIr(} IClmos, Adlllillistraçâo e btratégia do Dcselll'oIt1imento, p. 300.30!l.

Não .:onhccel11os nenhum estudo sobre o operariado do Estado durante o Im.

pério. Os positivistas foram talvez os primeiros a se ocupar do problema. Em

1889, Teixeira Mendes entregou a Benjamin Constant um documento aprova-

do em reuniões de operários do Estado, que estabelecia, entre outras coisas,jornada de 7 horas, descanso semanal, férias, aposentadoria etc. Ver R. Teixeira

Mendes, "A Incorporação do Proletariado na Sociedade Moderna", Igreja eApostolado Positivista do Brasil, nO 77 (julho, 1908). Pandiá Cal6geras recla-

mou em 1918 do que achava ser um excesso de vantagens dos operários doEstado e se referiu a um "mal entendido socialismo de Estado". Ver PandiáCal6geras, Problemas de Administração, p. 47.

'6. Para uma visão de quem viveu essas intrigas de repartição, ver Antônio Gontijo

de Carvalho, Um Ministério Visto por Dentro. Cartas Inéditas de João BatistaCalógeras, Alto Funcionário do Império, passim.

7. Ver visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo, p. 119 e 133.g. O recrutamento militar seria melhor analisado como poder extrativo do Esta.

do. Mostramos em outro lugar como esse poder era pequeno durante o Impé-rio. Ver, a respeito, Teatro de Sombras, primeiro capítulo.

9. Ibidem, segundo capítulo .

10. Ver Reinhard Bendix, Max Weber. An Intellectual Portrait, esp. p. 348-60.

11. Fernando Uricoechea, em seu livro sobre o Estado imperial, prefere referir-se àGuarda Nacional como burocracia patrimonial. Parece-nos que ela seria me-lhor caracterizada como associação litúrgica, deixando-se o patrimonial para aadministração estatal propriamente dita. Ver Fernando Uricoechea, O Minotauro

Imperial, esp. caps. IV e V.Sobre a Guarda Nacional ver também Jeanne Berrance

de Castro, O Povo em Armas: A Guarda Nacional, 1831-1850; e MariaAuxiliadora Faria, A Guarda Nacional em Minas, 1831-1873.

12. Exemplo típico é o de Vassouras em 1850 onde o presidente da Câmara, os 12

juízes de paz, os três delegados e três subdelegados, o substituto do juiz muni-cipal, o comandante e quatro oficiais da Guarda Nacionàl eram todos ou capi-

talistas ou fazendeiros de café. Ver Almanack Laemmert, 1850, p. 200.208.

B. Sobre o assunto, ver Thomas Holmes Flory, Judge and Jury in Imperial Brazil. TheSocial and Political Dimensions of Judicial Reforms, 1822-1848, esp. capo VI.

14. Ver Rcinhard Bcndix, Max Weber, p. 423.30.

1 66

Uma versão modificada deste capítulo foi publicada na revista Dados, 21 (~979),p.7.31.

Ver Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, p. 164; Raymundo Faoro, Os Do 'lOS doPoder, p. 262.

Ver Francisco Iglésias, "Revisão de Raymundo Faoro", Cadernos DCP (narço,1976), p. 136.

1.

2.

I 3.!

I,I

Page 16: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSE MURILO DE CARVALHO

15. Em 1831 já havia ki que exil;ia concurso para íll~rns<l dc t 1I1l,iOIl,lrIO\ 110Mi.

nistério da Fazenda. A lei foi modificada v;ínas vC/.cs- - I'rov;\vl'\ lIl.ikio das

dificuldades de aplicação. Ver Murilo Bral;a, "l'roblctll.lS dc Seleç;w de Pessoal",

Revista do Serviço Público, Ano IV, vaI. 11 (maio, 1941), p. 102-113. Sobre o

assunto ver também J. Guilherme de Aragão, "O Cargo Público no Século XIX

e o Sistema do Mérito", em Administração e Cultura, p. 169.73.

16. Ver Antônio Gontijo de Carvalho, op. cit., passim.17. Ver Albino José Barbosa de Oliveira, Memórias de um Magistrado do império,

passim.18. Antônio Gontijo de Carvalho, op. cit., p. 173, 186,232.19. Ver Guerreiro Ramos, Uma Introdução ao Histórico da Organização Racional

do Trabalho, p. 120; e Gilbert B. Siegel, "Administration, Valucs and the Merit

System in Brazil", em Robert T. Daland (ed.), Perspectives af 13razilian

Administration, vol. I, p. 3.20. Visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo, p. 358. Liberato

de Castro Carreira, História Financeira e Orçame"tária do Império do Brasil, p.

615; Tobias Monteiro, Funcionários e Doutores, p. 5.21. Ver Sylvio Romero, Doutrina contra Doutrina, p. XXXVIII.

22. Ver O Brasil, de 23 a 26 de setembro de 1843.23. Ver André Rebouças, Agricultura Nacional. Estudos Econômicos, p. 369.

24. Ver Azevedo Arnarai, A Aventura Política do Brasil, cal'. VII.

25. Ibidem.26. Sobre o conceito de dialética da ambigüidade aplicado à burocracia imperial,

ver Guerreiro Ramos, Administração e Estratégia do Desenvolvimento, p. 369;

Joaquim Nabuco, O Abolicionismo, p. 184.

1 68

CAPiTULO 7 Juízes, padres e soldados:os matizes da ordem

Page 17: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

il

Ii,I

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

33. Em seu livro sobre Direito Público, que é todo ele uma defesa sistemática do libe-ralismo político e econômico, o mesmo São Vicente se viu obrigado a distinguirentre dois tipos de cidadania: o cidadão simples, titular apenas dos direitos civis,e o cidadão ativo, que possuía também os direitos políticos, sendo o voto o prin-cipal deles. Ver Pimenta Bueno, Direito Público Brasileiro, p. 440.442.

34. Oliveira Vianna, Instituições Políticas Brasileiras, vol. 2°, p. 411.432; e domesmo autor, O Idealismo da Constituição, cuja primeira edição saiu em 1927.Oliveira Vianna estava aqui criticando na realidade os liberais e repetia o quejá dissera Alberto Torres em A Organização Nacional, que, por sua vez, se-guia a linha de pensamento dos conservadores imperiais como Vasconcelos eUruguai. Curiosamente, o conceito de marginalidade lhe veio do sociólogoamericano Robert Park, que se inspirou em Frederick Teggart, cuja obra erauma crítica às teorias raciais e climáticas. Ver Robert E. Park, "HumanMigration and the Marginal Man", The American Journal of Sociology, XXXIII,6 (May, 1928), 1'.881-893.

35. Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Batatas, p. 13.36. Nelson Werneck Sodré, A Ideologia do Colonialismo.37. Paulo Mercadante, A Consciência Conservadora, especialmente cal'. 15.

Mercadante opõe-se à visão de Alberto Torres e Oliveira Vianna sobre o idea.lismo e marginalismo das elites, defendendo o caráter adaptado de suas idéias.

38. Guerreiro Ramos, Administração e Estratégia do Desenvolvimento, cal'. 6. Vertambém, do mesmo autor, "O Tema da Transplantação e as Enteléquias na In-terpretação Sociológica do Brasil", Revista do Serviço Social, XlV, 74, 1954.

39. Wanderley Guilherme dos Santos também atribuiu à elite imperial uma clara no-ção do objetivo a atingir - o eficiente funcionamento da ordem liberal burguesa-, havendo discordância entre conservadores e liberais apenas sobre os meiosde lá chegar. A estratégia do formalismo seria, em sua terminologia, a reificação

institucional em que incorriam os liberais. Ver Ordem Burguesa, p. 50.40. Sobre o papel do Estado no início da industrialização na Inglaterra, ver L. A.

Clarkson, The Pre-Industrial Economy in England, 1500-1750. As queixas deMauá estão em Irineu Evangelista de Souza, visconde de Mauá, Autobiografia(Exposição aos Credores e ao Público).

41. Ver Tavares Bastos, Cartas do Solitário, p. 268, e o Apêndice 1 nela incluído. O

livro é uma defesa intransigente do livre comércio por quem se declara "umentusiasta frenético da Inglaterra" (415).

390

Cft,pírULO 5 Eleições e partidos: o erro desintaxe política 1

Page 18: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

Na observação de Euclides da Cunha, o Brasil é exemplo único de país cri-ado a partir de uma teoria política. Com tal fascinação por modelos (exter-nos), não é surpresa que o problema central da organização de um sistemapolítico, qual seja o da definição de quem pode nele participar e como podeparticipar, tenha merecido atenção constante dos políticos imperiais. À partea mania de buscar modelos para neles enquadrar a realidade, era concretoo problema de definir a cidadania num país que saía de situação colonialcom alguma experiência de autogoverno apênas em nível local. Tratava-serealmente de construir quase do nada uma organização que costurasse po-liticamente o imenso arquipélago social e econômico em que consistia aex-colônia portuguesa. A mania e a necessidade resultaram em abundantelegislação eleitoral que buscava incessantemente conciliar a realidade comos modelos disponíveis nos países de vida política mais organizada e maisamadurecida.

Seria talvez útil percorrer esta vasta legislação, mas não seria agradável,nem é necessário. Prefiro tent:lr extrair da legislação as preocupações nelasubjacentes, tendo em vista principalmente o sentido do debate eleitoral parao sistema político como um todo e para os partidos políticos em particular2•Três foram, a meu ver, as preocupações básicas que acompanharam os esfor-ços de regulamentação eleitoral: a definição da cidadania, isto é, de quempode votar e ser votado; a garantia da representação das minorias, isto é, aprevenção da Úitadura de um partido ou facção; e a verdade eleitoral, isto é,a eliminação de. influências espúrias, seja da parte do governo, seja da partedo poder privado.

No que se refere à definição da cidadania, a evolução da legislação foiuma involução. Verifica-se constante e consistente movimento no sentido de

393.

Page 19: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

TEATRO DE SOMBRAS

3 9 5

Fontes: Censo de 1872; Organizações e Programas Ministeriais; Guerreiro Ramos. A Crise do Poderno Brasil, p. 32.'Exduindo a população escrava.

10,8 (13,0)"0,82,21,42,95,613,4

% da população totalVotantes

1.097.698117.022290.883294.401833.270

1.890.5246.200.805

. QUADRO 13Participação Eleitoral, 1872-1945

Ano

1872188618941906192219301945

Vê;~e ..qge.o .índice. de-partiGi pação naseleições~primárias,anteriores.à lei ...de,1881.s6rfoisuperado.em.194S" 64anosmais.tarde,.ap6s ..quatro.mudançasde. regime, três delas.Jeitas. em nome .da. ampliação. da. cidadania. A manuten-Cião'do'envalvimentO"'popularemníveis 'baixos.foi"umtraço"constante.daAógi-

.'ca-do sistema.político, ..l1lOl1ár.quico. ou .republicano ....A..justi-fieativa"l,.al'a"tal"procedimento entre'oste6ricosera- a.da qualidadedo'voto'e.~a.lisuranas.-elei~'ções.-A participação ampliada, .sobretudo.a.de analfabetoj.era<considerada'umadas principais causas.Jacorrupçãoeleitoral pois,. alegava~se)%faltavaca,estapo"pulação condiçõesde'entendimento.e de.independêneia"pal'a'''exercer:''adequa~damente a. função do .voto,.,C.esultando daLamanipulação.e.o"falseamento,daseleições. Foi este () principal argumento usado durante as discussões do proje-to que resultou na lei de 1881. O texto clássico de Francisco Belisário Soaresde Souza é a melhor exposição desta perspectiva. A discussão no Conselho deEst,ldo, de 1878, também revelou unanimidade quanto à manutenção do cen-so alto. Somente um dos conselheiros foi contra a exclusão dos analfabetos dodireito de votar. Mesmo José de Alencar, o mais original pensador da épocano que se refere ao sistema eleitoral, preocupado embora, apesar de conserva-dor, com a ampliação da participação, inclusive para a mulher e o escravo, eracontra dar o voto ao analfabeto, por ele equiparado ao surdo-mudo, inaptopara ::onhecer o governo e exprimir sua vontade4•

Durante os debates na Câmara poucas vozes se manifestaram contra aredução da franquia eleitoral. Entre elas estavam as de Joaquim Nabuco,

3 94

JOSÉ MURllO DE CARVAlfiO

rcstrinl~ir a pnrticipação, culminando o processo na lei de eleição direta de

1881. Não é difícil demonstrar a tese. As primeiras eleições, feitas para compor

as Cortes de 1821, ainda antes da Independência, regeram-se por legislação

inspirada na Constituição espanhola de Cádiz, de 1812, que, por sua vez, se

baseara na Constituição revolucionária francesa de 1791. Adotava-se prati-

camente o voto universal masculino. A própria França voltou atrás e só ado-

tou novamente o sistema após a revolução de 1848. A maioria dos paíseseuropeus s6 iria introduzi-lo no século XX.

As eleições para a Constituinte brasileira já foram feiras com restri-

ções à cidadania: exigia-se idade mínima de 20 anos, excluíam-se os assa-

lariados e os estrangeiros. A Constituição outorgada em 1824 foi alémnas restrições: elevou a idade para 25 anos, excluiu os criados e, pela

primeira vez, introduziu o critério de renda (mínimo de Rs 100$000 ao

ano para os votantes nas eleições de primeiro grau). Toda esta legislação

foi de iniciativa do Executivo, podendo estar aí a causa da crescente pre-

ocupação com a redução do número de cidadãos ativos, segundo a ex-pressão da própria Constituição. Mas a hipótese não se sustenta: todas as

leis posteriores foram votadas pelo Congresso e a tendência nem por issose inverteu.

Assim é que a primeira lei votada, a de 1846, além de excluir as pra-

ças-de-pré, matreira e ilegalmente mandou calcular a renda em prata, oque equivalia a dobrar a quantia exigida, passando, para os votantes, deRs 100$000 para Rs 200$000. A medida podia justificar-se com o argu-

mento da desvalorização da moeda pela inflação. Mas não deixava de ser

uma reforma irregular da Constituição e revelava, na melhor das hipóte-

ses, preocupação em evitar a expansão do eleitorado pela deterioração

do critério de renda. O ponto culminante das restrições veio em 1881.

Eliminou-se a eleição em dois turnos mas, ao mesmo tempo, a Câmara

liberal aprovou aproibição do voto do analfabeto e introduziu exigênci-

as muito severas para verificar a renda de Rs 200$000, além de tornar o

voto voluntário. O assalariado não funcionário público foi praticamente

excluído do direito de vot03•

O efeito dramático da redução, bem como sua permanência República

ade.ntro~ podem ser avaliados pelos dados do quadro 13.

I .

Page 20: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

Somando-se os empregados rurais aos artesãos e aos empregados nocomércio, vê-se que compunham 70% do eleitorado. No caso dos votantesvi~cul3:dos à atividade rural, apenas 14 dos 34 proprietários possuíam ren-

397

TEATRO DE SOMBRAS

da que pudesse ser con~iderada alta, acima de um conto de réis. Entre estes14 estavam sem dúvida os chefes políticos que tinham que manter sua ca-pacidade de controlar os resultados das eleições e, portanto, tinham quecultivar os votantes mesmo fora dos períodos eleitorais. A franquia relati.vamente ampla que existia antes de 1881 (excluindo os escravos, a porcen-tagem da população que votava em 1872 subia para 13%, igual à de 1945)introduzia um elemento de irracional idade nos cálculos econômicos dos

I proprietários, obrigando-os, por razões de poder e prestígio, a manter umnúmero de dependentes acima das necessidades da produção. Tal situaçãoera mais verdadeira no Império do que na República, pois o rodízio departidos no poder possibilitava o conflito entre elementos da classe pro-prietária. Como é sabido, em caso de conflito a tendência dos contendoresé de ampliar o âmbito da disputa mobilizando o maior número possível deseguidores. Nas cidades o número de votantes de renda baixa era aindamaior do que nas zonas rurais. Na paróquia de Irajá, por exemplo, na pe-riferia da Capital do Império, 87% dos votantes em 1880 eram lavradores ,pescadores, operários, artesãos, empregados. Quase a metade destes vo-tantes (44%) era composta de analfabetos e 66% tinham renda abaixo de400$000, isto é, não podiam ser eleitores7•

A restriçáo à.cidadania, portanto, baseava-se, de um lado, em preocupa-..ção.com. a lisura do pleitoe.coma. autenticidade. da, representação e, do .ou-tro, no ..interesse econômico_dos ..grandes.proprietár.ios doublés.de.<:nefes .políticos. Por trás do problema estava, no. entanto;. o'grande.dilema,dapolf-..uca imperial: comotornar ..o.gov:erno mais,dependente,dosinteresses,dadasse...propúetária.J:llral.sem,,,no-entan to, deixar ,dC'.igel"'árbitro dos.conflitos'''entre'setores.desta"mesma. dasse:-Ântes .de discuti.r~te. pontoj.vejamoso segundo.tema. que. perpassa o debate eleitoral ,- a,..representaçáo,das minorias. EletemdiFetamente.a.ver ..como re£er,ido.dilema.A representação das minorias surgiu como preocupação, não por aca-

so, durante o período chamado da Conciliação, cujo ponto culminantefoi o Ministério dirigido pelú marquês de Paraná (1853-1857). O últimorecurso às armas por parte dos liberais (a revolta da Praia de 1848) faci-litara o domínio completo dos conservadores por meio de seu grupo maisrepresentativo, o dos saquaremas do Rio de Janeiro, assentados econo-micamente na grande expansão do café no Vale do Paraíba. Entre os

/' •. 0"

%

2446139521

100

9818855381974

409

396

ProprietáriosEmpregados ruraisArtesãosEmpregados no comércioFuncionários públicosProfissionais liberaisIgnorada

Total

QUADRO 14Ocupação dos Votantes de Formiga, MG, 1876

Ocupação

Fonte: Tltulos Eleitorais do município de Formiga, MG.

JosÉ MURILO DE CARVALHO

José Bonifácio, o Moço, e Saldanha Marinho. Todos denunciavam o sofismados defensores da incapacidade popular, mostrando que os verdadeiroscorruptores eram os políticos e o governo. A culpa da corrupção, segundoNabuco, era dos candidatos, dos cabalistas, das classes superiores. O repu-blicano Saldanha Marinho ia na mesma direção: "Tenham as sumidades po-líticas consciência de si e contritas confessarão que os imorais e corrompidossão elas. Não tenho receio do voto do povo, tenho receio do corruptor"s.

A redução do eleitorado a um mínimo era também do interesse dos pro-prietários rurais. Nos debates dos congressos agrícolas de 1878, vários agri-cultores se pronunciaram a favor da eleição direta com exigência de renda,argumentando que o nível de participação existente tornava o processo elei-toral excessivamente oneroso para os proprietários. pois se viam obrigados amanter sob sua proteção grande número de votantes qlle nào Ihn interessa-vam como mão-de-obra. Segundo um fazendeiro de Minas Ccr.lÍs. milharesde ociosos eram mantidos nas propriedades por intNesse eleitoral. Eram osespoletas eleitorais6• De fato, se tomarmos os dados eleitorais de 11111l11unicí.pio do interior de Minas, veremos que grande parte dos votantes era cons.tituída de empregados rurais ou pequenos lavradores.

Page 21: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO OE CARVALHO

liberais, no entanto, inclusive os da Praia, havia também muitos proprie-tários de terra. Eles eram parte integrante da classe de grandes proprietá-rios rurais. Mantê-los afastados do poder era introduzir um elemento deameaça ao sistema, era apostar na crise, se não a curto prazo, certamentea médio prazo.

A dissolução da Câmara liberal de 1842 já provocara revoltas em Minase São Paulo. Os líderes destas revoltas eram os mais ricos proprietários dasduas províncias. O marquês de Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão)presidira a província de Pernambuco após a derrota da Praia e sentira a ne-cessidade de promover o entendimento entre as facções rivais. Envolvidodesde jovem em lances decisivos da política nacional, observador atento dosconflitos regenciais que tinham posto em perigo a estabilidade do sistema, senão a unidade do país, percebeu as possíveis conseqüências do monopóliodo poder por parte dos conservado~'es. Decidiu quebrar este monopólioenfrentando a perplexidàde e mesmo a oposição aberta de seus amigos ecorreligionários8•

A conciliação começou já na formação do Ministério que i:1Cluíajovensconservadores recém-saídos dos arraiais liberais, assim como um liberal his-tórico, Limpo de Abreu. Mas o principal esforço de abertura ao:sliberais veiona proposta de reforma eleitoral. Eram dois os aspectos principais da pro-posta: a introdução do voto distrital e as incompatibilidades eleitorais. Asincompatibilidades eram tentativa de reduzir a influência do governo naseleições, de evitar que a Câmara fosse dominada por funcionários públicos,sobretudo juízes. Discutirei este ponto mais adiante. O voto distrital tinha opropósito claro de quebrar o monolitismo das grandes bancadas provinciaise permitir a representação de facções locais. Para o observador de hoje, pa-rece estranho pensar no voto distrital como meio de ampliar a representa-ção. Acontece que o voto proporcional como conhecido hoje era quasedesconhecido e não era praticado em nenhum país9• Além disto, as circuns-tâncias brasileiras permitiam imaginar o resultado desejado por Par:ln;í. Ovoto distrital daria mais força aos chefes locais em detrimento (!:>schefes n3-cionais dos partidos e em detrimento dos presidentes de província, permi-tindo maior diversidade de representação e maior autenticidade dosrepresef,ltantes.

3 98

TEATRO DE SOMBRAS

A batalha parlamentar foi dura, apesar de ser a Câmara unanimementeconservadora. O projeto só foi aprovado porque Paraná fez da aprovaçãoquestão de gabinete, jogando todo o seu imenso prestígio na balança. Avotação final, 54 votos a favor e 36 contra, mostra o grau de divisão dosdeputados. Parte da oposição pode ser explicada pelo fato de que o projetoia além da idéia de proteger a representação das minorias. Na realidade, sub-vertia aspectos mais importantes do mecanismo da representação. Algunsdeputados afirmaram que, a ser aprovádo o projeto, chegariam ao Congres-so as notabilidades de aldeia, os "tamanduás", os chefes locais incapazes deconceber e tratar os grandes temas nacionais. Isto é, o projeto eliminaria umelo na cadeia de representação, eliminaria o que Zacarias de Góes chamoude segu:1da ordem, as influências provinciais. O governo entraria em conta-to direto com as localidades. Ou, talvez mais corretamente, como disseEuzébio de Queiroz, eliminaria a mediação dos políticos nacionais. As nota-bilidades de aldeia, que antes eram intermediárias entre estes políticos e apopulação, passariam a representar-se sem mediação, pois eram elas que es-tavam em contato direto COma população sobre a qual exerciam forte influên-cia 10. Quebrava-se a pirâmide da representação; o país real entravadiretam~nte na Câmara. Era isto o que queria Paraná; era isto que seusopositores temiam. Segundo eles, a representação poderia tornar-se maisautêntica mas seria um desastre para a política nacional.Esta não era a repre-sentação de minorias que interessava às elites; ela era ameaça a sua posiçãode elites,

A renovação da Câmara foi grande nas primeiras eleições regidas pelanova lei (legislatura de 1857-1860). Significativamente, cresceu muito onúmero de padres e médicos, lideranças locais, entre os novos deputados esuplente:; e apareceram mesmo alguns coronéis da Guarda Nacional. No14" distrito de Minas Gerais o próprio 'filho do marquês de Paraná foi der-rotado p'lr UI1lpadre desconhecido nacionalmente. A eleição de 1856:lt.m:OIl tal1lhl"l1lo início da queda acentuada do número de funcionáriospllhli(m I:a ( ..im.I!.1 c () início do aumento do de profissionais liberais. Foramcicilm LIns20 liherais. O impacto foi tfio grande que a lei foi alterada logoem 1860, passando os distritos a eleger três deputados em vez de um só. Acomissão especial da Câmara que examinou o novo projeto criticou seve-

399

Page 22: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JC'SÉ MURILO DE CARVALHO

ramente OS resultados da experiência. Segundo ela, eles contrariavam osgrandes interesses políticos do Império. E sentenciou: "O absolutismo dosinteresses coletivos é sempre menos funesto do que o desvairamento dosinteresses individuais"!!. O marquês de Paraná provavelmente teria gosta-do dos resultados, pois combatia exatamente o que chamava de deputadosde enxurrada. Mas nem mesmo pôde presidir às eleições pois_morreu em

setembro de 1856.Permaneceu, no entanto, a preocupação com a representação das mino-

rias, desde que não fosse afetado o papel mediador das elites nacionais. Oscírculos de três deputados vigoraram de 1860 a 1875, quando foi introduzi.do o sistema do terço, isto é, do voto incompleto. Tratava-se de outro méto-do, praticado em outros países, para garantir a voz das minorias. Os votantessufragavam apenas dois terços da lista de eleitores a que a paróquia tinhadireito. Os eleitores, por sua vez, votavam em apenas dois terços do númerode deputados que a província devia dar. A idéia, naturalmente, era a de queo terço restante ficasse para a minoria, para a oposição. O último esforçopara garantir as mmorias veio com a reforma da eleição direta. Mas foi curiosamaneira de garantir a minoria, pois fazia-o pela elimina\ão da maioria. Foi üvoto direto, acoplado ao voto distrital. o que mai~ aktou positivamente apresença da oposição na Cãmara. As consl'qüên":las nq~ativas, no el1lanlO,

foram também grandes.Antes de discutir estas conseqüências vejamos () Ier..:eiro tema que perse-

guia os esforços da reforma do sistema eleitoral: a influência do governo.Esta influência só se tornou problema após a consolidação dos partidos eapós as leis de centralização do início da década de 1840. A delimitação daidentidade dos partidos Conservador e Liberal tornou a luta polftica mais

intensa e mais focada.A primeira eleição do Segundo Reinado, dirigida pelos liberais, ficou co-

nhecida como a eleição do cacete, tal a violência empregada para vencê-la. Areforma do Código de Processo Criminal, feita pelos Conservadores em 1841,forneceu aos governos os instrumentos legais de influência. Estes instrumen-tos eram a magi~tratura, agora toda centralizada, os chefes de política comseus delegados e subdelegados, e a Guarda Nacional. Com o auxílio destasautoridades o presidente de província, também nOJlleado pelo governo cen-tr3:l, ti~ha poder suficiente para ganhar as eleições para o ministério a que

4 o o

TEATRO DE SOMBRAS

pertencia. Durante o Primeiro ~einado e a Regência a derrota do governonas eleições era a regra. Até mesmo alguns ministros foram derrotados12•Durante o Segundo Reinado nenhum ministério perdeu eleições. Houveapenas o caso de um ministro derrotado em eleição, e isto após a reformade 1881.

~I?~);cebia~se..=:.era.evidente,= .quea influência d~ goveqlo falseavíl total-••wente..Q,&.~st~lJ)~pada,.J'!lc:ntar~.'~?mesmo tempo, representava o perigo de_per.pctuação.de,.um..pani<J..9_nQ,p.oder...Era, portanto, do interesse, tanto dos..quC.se~preacup.a'lamCOlIWLverdade .do.sistema,.como..dos.que ,temiam ,ver-sealijados do poder, lutar .contra tal. interferência. Outra conseqüência, agoraindiret.a,-<ia-interferência ..do ..governo.-<lr-a;-como,jámostramos!.3, a enorme''Presen~a•.oe-.fufleionár:ios.públiGos',' especialmente juízes, tanto. na Câmara.como..no..s.~nadQ~.Era.constaflte"a--queixa-de'que' tal-presença .falscava o siste.ma r.epresentati.vQ,.-na-medida"em-queo-Ex-eeutivo interferia no -Legislativo.pm meio .qa..p.r.e.sençap.ele..de.,se,us..iuncionál'ios~':'''-''

O primeiro ataque à influência do governo foi a introdução deinelegibilidades, ou de incompatibilidades ~leitorais, na lei dos círculos domarquês de Paraná. As incompatibilidades significavam a proibição de quefuncionários públicos concorressem a cargos eletivos nos distritos em queexercessem suas funções. Foram incluídos na proibição presidentes de pro-víncia, secretários provinciais, comandantes de armas, juízes de direito, juízesmunicipais, chefes de polícia, delegados, subdelegados, inspetores de tesou-raria etc. Como no caso dos distritos, a reação a estas restrições foi muitogrande, tanto no Senado como na Câmara. O que era de esperar, pois boaparte dos parlamentares seria afetada pelas incompatibilidades. O argumen-to dos opositores era o da capacidade. Os magistrados, sobretudo, julgavam-se, e eram julgados por muitos, como os mais capazes para tratar da coisapública. Ao que respondiam os defensores das incompatibilidades que paraser deputado não era necessário diploma e que os magistrados não represen-tavam a verdadeira cara do país.

O marquês venceu aí també~. O número de funcionários públicos naC~mara passou. a declinar sistematicamente. A legislação posterior, tanto alei do terço de 1875, como a do voto direto de 1881, só veio confirmar-e em alguns casos ampliar - as incompatibilidades de 1855. Em 1875, porexemplo, vigários e bispos, que no Império eram também funcionários

4 o 1

Page 23: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

públicos, foram impedidos de se candidatar em suas próprias paróquias ebispados. Até mesmo empresários de obras públicas foram incluidos na proi-bição. Pela lei de 1881, o funcionário que se elegesse (fora de sua jurisdi-ção) não poderia exercer seu cargo, receber salário, ser promovido etc. Poreste lado, portanto, houve real progresso em distinguir as funções do go-verno, em reduzir o peso do Executivo no Legislativo. A presença de fun-cionários públicos na Câmara, que em 1850 era de 48%, na últimalegislatura reduzira-se a 8%.

Mas isto não impedia que o governo continuasse a exercer influência e aeleger partidários seus. Outras medidas se faziam necessárias. Algumas tinhama ver com a qualificação dos eleitores. Feita de início para cada eleição, pas-sou a ser permanente após a introdução em 1875 do título eleitoral. Outrasdiziam respeito à proibição do recrutamento militar e de movimentação detropas em época eleitoral. A medida de alcance mais amplo foi a reforma doCódigo de Processo Criminal que tentou separar as funções da polícia e Jus-tiça. Todas estas medidas tiveram efeitos limitados. Afinal, em 1881, jogou-se definitivamente a culpa da corrupção no votante pobre e analfabeto e elefoi retirado de cena.

Quanto a esta solução final, vale a pena mencionar novamente o livrode Francisco Belisário. Ele foi motivado pela passagem da Lei do VentreLivre em 1871. A lei foi aprovada contra a vontade de boa parte do PartidoConservador, certamente contra a bancada conservadora da província do

Rio de Janeiro, da qual Belisário fazia parte. A aprovação do projeto dcu-seem boa medida graças à presença de funcionários públicos na C;lll1ara.Belisário viu no caso exemplo claro de falseamento da represel1taç;'io dosinteresses dos eleitores, sobretudo dos eleitores do Partido Conscrvador;viu uma imposição do Executivo, sustentado pelo Poder Moderador, sobreo Legislativo e, afinal, sobre a nação política. Daí seu ataque devastadorcontra o sistema vigente de eleições. Segundo ele, o deputado era quase

sempre feitura do governo: "Ser candidato do governo é o anelo de todo oindivíduo que almeja um assento no parlamento (... ] Ninguém se diz can-

didato dos eleitores, do comércio, da lavoura, desta ou daquela aspiraçãonacional; mas do governo". Por outro lado, o votante prestava-se a toda

sorte de manipulação: ''A máxima parte dos votantes da eleição primárianão tem consciência do direito que exercem, não vão à urna sem solicitação,

402

TEATRO DE SOMBRAS

ou, o que é pior, sem constrangimento ou paga". O votante é "a turbamulta ,ignorante, desconhecida e dependente. O votante é, por via de regra, anal-fabeto; não lê, nem pode ler jornais; não freqüenta clubes, nem concorre ameetings, que os não há; de política só sabe do seu voto, que ou pertenceao senhor Fulano de tal por dever de dependência (algumas vezes tambémpor gratidão), ou a quem lho paga por melhor preço, ou lhe dá um cavalo,

ou roupa a título de ir votar à freguesia". As eleições mais regulares, segun-do as atas, em geral são as que são feitas a bico de pena, isto é, à revelia dovotantel4•

Belisário apoiava as incompatibilidades como meio de reduzir a influên-cia do governo. Mas o ponto central de seu esforço era eliminar o votante,era eliminar o que considerava excessiva franquia na legislação brasileira. Acli:ninação do votante tinha como conseqüência lógica a eliminação da elei-ção indireta. A lisura e a representatividade das eleições, segundo ele, estariamgarantidas se introduzidos requisitos para o exercício do voto (que não eraum direito), tais como o pagamento de impostos e alfabetização, e se reduzi-do o conflito local pela supressão da eleição primária. O voto direto tirariao interesse do votante, pois o candidato seria muitas vezes desconhecido enão vinculado às disputas de poder e prestígio locais. Retirado o interesselocal retirava-se o motivo de pressões e fraudes.

Perpassando toda esta discussão, às vezes de maneira implícita, estava todoo rroblema político do Império: como entregar ao país o governo de si111t'~lll().Nas circllnstâncias da época isto significava como entregar aos pro-pricLírios rllralS o governo de si mesmos, como dispensar a intervenção dopoder do rei corpori ficada no Poder Moderador e, secundariamente, no PoderExeclllivo. C0l110 fazer com que os barôes aos POllCOS tornassem dispensável;'l n:edi,lç,io do rei para resolver seus conflitos. Em termos constitucionais,trarava-se de fazer funcionar de maneira adequada o sistema parlamentar degoverno. Estava embutida aí toda a discussão a respeito das atribuições do

Poder Moderador, sobre a necessidade ou não de os ministros referendaremos atos deste Poder, sobre as atribuições do Conselho de Estado. Estava aí o

debate sobre os poderes do rei: o rei reina e não governa, na fórmula de Thiers,adotada pelos liberais, ou o rei reina, governa e administra, segundo a f6r-mula de Guizot, adotada pelos conservadores. A formulação mais contun-dente do dilema foi sem dúvida o discurso de Nabuco de Araújo no Senado

403

Page 24: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

, i

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

em 17 de julho de 1868, logo após a traumática dissolução do Ministérioliberal de Zacarias e da chamada ao poder do Ministério conservador deCotegipe, minoritário na CâmaralS• Trata-se do justamente famoso "discur-so do sorites". Depois de criticar o Poder Moderador pela dissolução -le-gal mas ilegítima pelas regras do sistema parlamentar -, de denunciar umasituação de absolutismo de fato, ele resume o sistema neste sorites: "O PoderModerador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios; esta pes-soa faz a eleição, porque há de fazê-Ia; esta eleição faz a maioria. Eis aí estáo sistema representativo do nosso país!"16.

A causa principal do círculo vicioso não estava, no entanto, no PoderModerador, mas nas eleições. No sistema parlamentar, convocar eleiçõesé convocar a nação, a opinião pública, para decidir os impasses entre ogabinete e a Câmara, entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo. Oimperador poderia até escolher presidente do Conselho de ministros emminoria na Câmara mas, se o partido majoritário tivesse apoio na opi-nião pública e se esta pudesse manifestar-se nas eleições, o gabinete con-tinuaria em minoria na nova Câmara e teria que ser substituído,.A~p.ema.,p.oliticamente.quebrada ..no tri pé Executiv,o.legislati vo-Dpinião..W blicaera. a inautenticidade,.das, eleições..A náu.s.er.,assim, .se,o.impeJadQr.Rer~i.~:ti~s.e:~.f.Ilantélgon~~ara opiniãQ pública.caracterizar,se,ia .caso clato •.dedesp.ollsm-O.e...o..sistema ~ntraria ..J;élpjq.ªment~,.em. c.rise.. Se,~havia_tensãomas.não .crise.éque i)e.compreendia que ..oarbítrio do Poder. Modetad0r,.previsto na.Constituição, .tinha razões .p9.lítiças que o justificavam. Opróprio imperador, aliás, em seus conselhos à Regente, queixava-se da

" ' dificuldade dc_afcr.iJ.aqp,inláQ .pijblica ..dc.vidu. ..1 natureza. das. elciçã,c~-.~:,~ ,queo forçava a recorrer. a outrOS indicadores, U.ll1l0 " Il1\prl'ma e "~.Jüle:' ...

ranças políticas, para definir sua açãoJ7•

Por mais que se clamasse contra a ilHerferênci.1 do guvnntl nas eleições,havia uma lógica de ferro no sistema que levava os partidos no poder a inter-vir, derrotando em parte os esforços de reforma que eles próprios faziam.Esta lógica escapa a análises como a de Belisário. Ou melhor, ele só a vê pelolado das influências locais. Pois estas pressionavam o governo a intervir paragarantir a vitória local. O depoimento de Afonso Celso é, quanto a este ponto,esclarecedor. Segundo sua observação, a política era a ocupação favorita doschefes ~ocais. Mas era a política do mando, do amor-próprio que não tolera

404

TEATRO DE SOMBRAS

a supremacia do contrário. O candidato, nestas circunstâncias, tornava-se umpretexto, um instrumento para bater os rivais. Daí as pressões no sentido deque o Ministério, por meio de seus agentes, jogasse toda a influência a favorde seus correligionários locais 18.

O que não era analisado era a necessidade que tinha o governo de inter-vir. Embora o sistema fosse bipartidário, os partidos não possuíam solidez edisciplina suficientes para sustentar o governo com base em pequenas maio-rias. Eram freqüentes as dissidências de caráter provincial, pessoal ou ideo-lógico. Mais comuns no Partido Liberal, o Conservador também não estavaimune às fraturas. Amaioria governamental precisava ser a mais ampla possívelpara reduzir o efeito das dissidências. Caso contrário, estaria o governo su-jeito a freqüentes moções de desconfiança e se colocaria no dilema de ourenunciar a qualquer programa mais agressivo de ação, suscetível de desper.tar oposições, ou a pedir a dissolução da Câmara, que poderia ser ou nãoconcedida pelo Poder Moderador19•

A demonstração do que foi dito acima está no fato de que, mesmo comas grandes maiorias partidárias, 11 das 17 legislaturas do Segundo Reina-do foram dissolvidas, isto é, 65% do total. Destas onze dissoluções, dezforam feitas após consulta ao Conselho de Estado e em três casos apenas oimperador contrariou o voto do Conselho. Mais ainda, seis dissoluçõesresultaram de mudança prévia de partido no poder. Destas seis, o impera-dor só admitiu interferência direta sua em duas. Isto é, em todas as disso-luções só duas se deveram ao que poderia ser considerado prática absolutistado imperador (embora legal). Em todos os outros casos havia conflitos doMinistério com a Câmara ou com o Senad020• Houve mesmo ocasiões emque câmaras unânimes de um partido foram dissolvidas a pedido do presi-dente do Conselho do mesmo partido. Tal foi o caso do ministério RioBranco (1871-1875). A Câmara era unanimemente conservadora, mas di-vidiu-se inexoravelmente em torno da proposta de libertar o ventre escra-vo. Outra dissolução de Câmara unânime por presidente do Conselho domesmo partido foi em 1881, mas a razão' aí foi apressar a experiência daeleição direta ..

A precariedade da sustentação dos governos fica ainda mais clara se ob-servarmos que todas as câmaras eleitas após a introdução do voto direto fo-ram dissolvidas, e nenhuma por interferência direta do imperador. A primeira

405

Page 25: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

407

TEATRO DE SOMBRAS

QUADRO 15Representação de Minorias nas Legislaturas do Segundo Reinado

Legislatura Sistema Eleitoral Representação % DissoluçãoPartidária

lR42 Indireto provincial Liberal 66 Dissolvida por M.Conservador 44 Conservador184.3/44' Idem Liberal O Dissolvida por M.Conservador 100 Liberal1845/7 Idem Liberal 92 Não dissolvida,. Conservador 8~i 1848 Idem Liberal 85 Dissolvida por M.ft" Conservador

. ~' 15 Conservador

. Yir' 1850/52 Idem Liberal 0,9 Não dissolvida, :í:4~ Conservador 99,1• '}.~i- 1853/56 Idem Liberal" ;;11. O Não dissolvidair Conservador 1001857/60 Indireto distrital Liberal 17 Não dissolvidade um deputado Conservador 83.r 1861/63 Indireto distrital Liberal 20 Dissolvida por M.". '! de t tt'S deputados Conservador. ::I RO Cons. dissidente~i

IR(,4/(,(," Ide/li UI,. Históricos 39 Não dissolvida

~

P. Progressista {,OConservador 1

~, 18(,7/6R IdcllI Lib. Históricos 17 Dissolvida por M..j I~Progressista 74 ConservadorConservador 9aJ I '/l,('9172' IdclI1 Liberal O Dissolvida por M.~.

~; Conservador 100 Conservador~

1872/75 Idem Liberal 7 Não dissolvidaI; Conservador 931877/78 Indireto provincial Liberal 13 Dissolvida por M.~{ voto incompleto (terço) Conservador 87 Liberal~' 1878/81 Idem Liberal 100 . Dissolvida por M.li Conservador O Liberal" 1881/84 Direto por distrito Liberal 61 Dissolvida por M.~! de um deputado Conservador 39 Liberal("

~1885 Idem Liberal 54 Dissolvida por M.

~". Conservador 44 ConservadorI, Republicano 21886/89 Idem Liberal 18 Dissolvida por M.f,tConservador 82 Liberal.~

l~

Fonte: Barãode Ja~ari,Organizações e.P!ogr~mas Ministeriais. Esta fonte s6 dá a distribuiçãodos~:deputados por partidos a partir da elelçaodireta. Para as outras valemo-nosde comentaristasdaépoca, especialmenteJ. M. Pereirada Silva,Memórias do meu Tempo.:::ress.a~eleiçõe~houve abste~çãodos liber.aisem protesto pela dissoluçãoda Câmara anterior.. Dl~lsa<:>ap~oxlmada.P. da SIlvaf~la.em Camara"quaseunânime".Mas haviagrandeconilitoentrelIberaiShistóncose conservadoresdiSSidentes(progressistas).O predomfnionuméricoera dosúltimos.

406

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

delas (1881-84), liberal, aprovou moção de desconfiança ao Ministério Dantaspor causa do projeto dos sexagenários e foi dissolvida. A segunda (1885),liberal, votou novamente moção de desconfiança a Dantas pela mesma ra-zão, caindo então o Ministério. O novo Ministério liberal (Saraiva), depoisde aprovar o projeto dos sexagenários na Câmara retirou-se por não poderaprová-lo no Senado. O imperador foi levado a chamar os conservadoresque, naturalmente, não tinham o apoio da Câmara, seguindo-se nova disso-lução. Finalmente, a Câmara conservadora de 1886/89, após aprovar o pro-jeto de abolição da escravidão, não deu mais sustentação ao governoabolicionista de João Alfredo. O imperador chamou Ouro Preto (liberal),que dissolveu a Câmara. A maior instabilidade das situações após o voto diretotem sem dúvida a ver com certo êxito que teve ele em garantir representa-ções maiores para a oposição. Assim a minoria conservadora na primeiralegislatura pelo voto direto era de 39% dos deputados. Na segunda, a mino-ria conservadora foi ainda maior, 44%, e a minoria liberal na legislatura se-guinte foi de 18%. Neste tipo de situação, qualquer divisão :1a maioria podiaprovocar coalizão com a minoria e colocar em xeque o Ministério. No períodopós-eleição direta o grande fator de divisão era a abolição, que atingia osdois partidos (ver quadro 15 para informação sobre a reprcscl1taç;io d;tsminorias no Segundo Reinado).

P()de ~s~g~~,çLq,u~ .•a".i,ntc.rf.£.,r:ª,Q.ç}.il.A.Q..P.9.9,~~,Mo.dcrado:;:. favo reei a a 11tcsque...dificultava.a ..repr.esentação.cla.minoria,.,na..medida em.q ue .to rna va' tem-

. p.o.rár.i.a..a.4t:rrmp"d..~).1.m>.dos,partidos ..,!::La.y,~r.dqd~,};:xB~ta,.9.y~.p<?ssibi Iitava a~~rênci~,.do.,b,ip.a,r.~~ºª!;isl11o. Em sua ausência, dificilmente haveria possibi-lidade de conflito regulado. Ou o conflito seria extralegal ou seria suprimi-do mediante arranjos de dominação como o que se desenvolveu na RepúblicaVelha com a. criação dos partidos únicos estaduais. Fosse a Constituição au-tenticamente parlamentarista, o sorites de Nabuco seria escrito mais ou me-nos como segue: "O Poder Moderador, como é de seu dever, chama para

organizar o Ministério o chefe da maioria; o chefe faz as eleições porquetem que fazê-Ias; a eleição reproduz à maioria anterior. Eis aí o sistema re-

presentativo do nosso país!" Isto é, seria a perpetuação de um grupo, oupartido, no poder, entremeada de revoltas e golpes de Estado. Era este, aliás,o panorama comum na América Latina, tão temido e tão desprezado pelospolíticos imperiais.

Page 26: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

Qual era a importância dos partidos políticos neste sistema? Tinham elesalguma importância? Já discutimos em outro lugar o problema da diferencia-ção social dos partidos e de sua ideologia21• Resumindo, defendemos a tesede que os dois grandes partidos monárquicos constituíam coalizões distin-tas. O Partido Conservador era aliança da burocracia com o grande comér.cio e a grande lavoura de exportação; o Partido Liberal era aliança deprofissionais liberais urbanos com a agricultura de mercado interno e de áreasmais recentes de colonização. Tal composição dava ao PartidQ Conservadortendência à defesa da centralização política, mas dividia-o quando se tratavade reformas sociais. Neste último caso, o setor burocrático, incluindo aí aalta cúpula da elite política, tendia a ser mais reformista, sendo freado pelooutro lado da coalizão. A questão da escravidão foi o exemplo mais claro dedivisão. O Partido Liberal padecia de doença semelhante. Os profissionaisurbanos puxavam a ideologia do partido para a descentralização e para areforma social. O setor agrário concordava com a descentralização, de vezque dependia menos de medidas do governo central para proteger suas ati-vidades econômicas do que o setor exportador, mas opunha-se às reformassociais. A divisão ficou clara nas questões da escravidão, da eleição direta eda regulamentação da propriedade da terra.

Teria havido influência mútua entre o sistema eleitoral e o sistema parti-dário? A pergunta não é de fácil resposta. Os partidos se formaram de ma-neira espontânea durante o período em que vigorava a eleição indireta porprovíncia, e em que estava suspensa a atribuição do Poder Moderador dedissolver a Câmara. Isto se deu entre 1837 e 1840, quando o regresso sepa-rou os conservadores dos moderados da Regência. A seguir houve várias ai.terações no sistema partidário. De início uma exacerbação da luta partidáriaterminada em revolta armada dos liberais do sul (1842). A derrota no cam-po de batalha foi seguida, no entanto, quase imediatamente, de anistia e davolta dos liberais ao poder (1844). Foi, então, a vez dos liberais do norte serevoltarem, abrindo caminho para o domínio total dos conservadores quedurou de 1848 a 1862. Seguiu-se um período de realinhamento partidário,de formação da Liga ou Partido Progressista, COll1po~todl' libl'ral~ históriwse conservadores dissidentes. O realinhamento durou até 1M/,H, quando oimperador chamou de volta os conservadores por ralóe~ que tinham a vercom a çondução da guerra contra o Paraguai. 111~túrl\:osc progressistas se

408

TEATRO DE SOMBRAS

reagruparam em novo Partido Liberal; os mais radic:lis formaram em 1870 oPartido Republicano. Esta situação perdurou até o final do Império: doispartidos dominantes e um terceiro com baixa capacidade de competição.

Teve o voto distrital de 1855 a ver com o fim do domínio conservador?O quadro 15 mostra que houve aumento da representação dos liberais apósa reforma, como era desejo de Paraná. A primeira legislatura (1857/60) apre-sentou um índice de 67% de renovação em relação à anterior. O próprioimperador observou, a respeito da lei de 1855, que daí por diante houve naCâmara minorias e não apenas patrulhas da oposiçã022• A eleição seguinte,por distritos de três deputados, teve impacto ainda maior. Voltaram à Câma-ra vários liberais históricos, salientando-se entre eles o lendário Teófilo Ottoni,eleito por Minas Gerais e pelo Rio de Janeiro. Sua campanha no Rio arras-tou, pela primeira vez, o povo às ruas sob o símbolo do lenço branco. Segun-do Nabuco, a eleição de 1860 assinalou época em nossa história política,pois com ela recomeçou a encher a maré democrática que estivera em vazan-te desde 1837. A vitória liberal no Rio foi particularmente significativa, poisaí estavam os pesos pesados do velho Partido Conservador. A repercussão,ainda segundo Nabuco, teria sido imensa em todo o país, um verdadeirofuracão polític023•

A virada foi tão grande que nas eleições seguintes o Partido Conservadorfoi quase totalmente alijado, dominando a Câmara uma combinação de con-servadores dissidentes com liberais históricos.

Por outro lado, após a reversão de 1868, houve, sob o mesmo sistemaeleitoral de 1860, uma Câmara unânime e outra com apenas 7% de repre-sentação da oposição. No caso da unanimidade, ela se explica em boa partepela abstenção eleitoral dos liberais. Esta abstenção funcionou ainda em ai.gumas províncias na eleição seguinte. Mas sem dúvida o esforço maior doMinistério em garantir resultados favoráveis derrotou em parte os efeitos dalegislação eleitoral. Quer-nos parecer, no entanto, que o voto distrital, sejade um, seja de três deputados por distrito, teve o efeito desejado por Paranáde renovar a representação e abrir a possibilidade de 'maior presença da opo-sição. Num primeiro momento - distrito de um deputado - a renovaçãofoi maior no sentido de eleger pessoas não pertencentes aos quadros nacio-nais dos partidos. Em um segundo momento - distritos de três deputados- os políticos nacionais retomaram o controle mas com maior possibilidade

409

Page 27: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

de circulação entre eles. Assim, o efeito inicial de enfraquecer os partidos foiamenizado, embora não totalmente anulado. Como já argnmentamos, estesefeitos do voto distrital não são os que são hoje geralmente a ele atribuídos.Mas explicam-se pelas circunstâncias da época, em especial pela fragmenta-ção do mercado político, isto é, pela grande força do localismo. Os partidosnacionais não tinham organização suficiente para enquadrar os chefes locais.Daí a maior incerteza introduzida pelo voto distrital, a maior possibilidadede aparecimento de candidaturas rebeldes, ou simplesmente não perfeitamen-te entrosadas com os chefes nacionais dos partidos.

De fato, foi grande a mudança efetuada entre 1855 e 1868. O velho PartidoConservador saiu quase totalmente da cena política, depois de tê-I,) dominadosozinho por mais de dez anos. Em seu lugar apareceram os liberais históricos, devolta do ostracismo, e os conservadores dissidentes. Estabeleceu-se intensa tro-ca de posições partidárias, especialmente entre jovens lideranças. Os futuros lí-deres do novo Partido Liberal que se formou após a crise de 1R68 saíram quasetodos das fileiras conservadoras durante a pausa da conciliação. Sob o nome deLiga ou Partido Progressista abrigavam-se as mais variadas posições. O domínioparlamentar da Liga era falsa aparência. Na realidade, a Câmara ligueira nãodava estabilidade a nenhum ministério. O período entre 1862 e 1868 foi o demaior instabilidade ministerial do Império. Nada menos que seis ministériossubiram e caíram, em média um por ano. Um deles (Zacarias, 1862) durou ape-nas três dias. E isto em época de guerra externa, quando o Poder Moderador seesforçava por manter as administrações pelo maior período de tempo possívelpara não prejudicar o esforço bélico.

A brusca mudança de 1868 teve efeitos importantes. De um lado, que-brou a dinâmica partidária que se desenvolvia e que poderia a médio prazoter levado a novo tipo de bipartidismo, agora não de liberais e conservado-res, mas de liberais e progressistas. Tal evolução poderia ter tido como con-seqüência tornar o sistema como um todo mais sensível às pressões porreformas políticas e sociais sem quebra do pluralismo partidário e da práticaparlamentar. De outro lado, acabou com a inst~bilidade e a indefinição par-tidárias ao trazer de volta os antigos conservadores e ao provocar com isto oreagrupamento de liberais e progressistas em torno do novo Partido Liberal.Retomou-se deste modo, de imediato, um bipartidismo de contornos bemdefinidos mas com pendor para o conservadorismo.. '

410

TEATRO DE SOMBRAS

A eleição direta e a volta do voto distrital vieram consolidar os resulta-,i.Js àe 1868. () bipartidismo voltou a funcionar de maneira regular. Os ba-rôes alimentaram sua capacidade de autogoverno em relação ao PoderModerador. Mas, ao fazê-lo mediante a redução da participação política,imperfeita embora ela fosse, aumentaram também a capacidade de resistên-cia às reformas sociais, sobretudo à reforma do elemento servil, para usar aeufemística expressão da época. Em 1871, o governo, apoiado pelo rei, pôdevcncer a resistência da Câmara conservadora e passar a lei da liberdade dovcntre. Em 18R4, o gabinete Dantas sofreu moção de desconfiança na Câ-m.lr<ldOlllin<ldapelos liberais ao tentar p<lssaro projeto dos sexagenários. Annva Cimara voltou ainda mais conservadora e de novo derrotou Dantasque :eve de retirar-se. O projeto só foi <lprovado graças à combinação de umgPVetllO liheral (S;lraiva), que o aprovou 11<1 Câmara, seguido por outro con-scrvauor (Cotcgipc), que o fez passar no Scnado •.Era..nítida_a distâneia-cnt-f'e ..a reprcscmaçáo c a opiniãopública.que;.pela 'primeira~vez;~.o.rgani~ava. e'sefaziav.isí vcl nomo vimento ..abolicionista ..A.pressão. ,.imper.ial.~m•.favor.•.d-a.abolj ção..final_coincidia.Gom~-a•.opinião_pública,...embo~.£oss0.,intoopFetilda.como. indevida.interferência,no .processo parlamentar,..a.mesma...acUS;lçãoJ{'litaCCl 1871 ..Ironicamcntc,.Q •.rei,..no ..caso, a.princesa,."Cstava~a&,lado~;aâ:.(.)p.in.i.~.odo ..POv.o,..perdendo,com.isto .IegitimidadejuntoaoS"par.tidos.e"ã, elite'polí.ti~a ...

Este é outro ângulo em que se pode ver o impasse do sistema imperial: acontradição entre o real e o formal, entre o político e o social. Já vimos a pri-meira contradição pelo lado das eleições. Vale a pena expandi-la um poucope20 lado correlato dos partidos. Embora não regulados por lei alguma, ospa::tidos eram altamente valorizados como instrumentos indispensáveis à boaprática do regime parlamentar. Muitos ataques à política de conciliação deParaná baseavam-se no argumento de que ela enfraquecia os partidos, se nãoos prostituía. Foi esta, por exemplo, a posição do conservador José de Alencar.Mas foi também a do progressista Nabuco de Araújo, assim como foi a deTavares Bastos, o mais articulado teórico do liberalismo do Segundo Reina-do:4• O principal acusado pela fraqueza dos partidos era; como sempre, o rei.Ao Poder Moderador, em especial, atribuíam-se as dificuldades de consolida-ção dos partidos. Aqui também as acusações vêm desde futuros republicanoscomo Saldanha Marinho até conservadores impenitentes como Ferreira Vianna.Este último, testemunha do fim do Império, vivia a fustigar o poder pessoal, o

41 1

'"

Page 28: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

./

-; ~o-:r;: "'"OI~r ...~'.. '. '.;':':

iI~perialismo, co~o se dizia, em seus discursos na Câmara. Publicou um pan-fleto intitulad<?A Confer.êncifl.qgs pivinos, em que Pedro li, por ele já anteschamado de César caricato, aparecia ao lado de Nero e outro tirano contan-do-lhes, em tom paternal, como conseguira governar sem uso de violência,apenas com a arma da corrupção. Sobre os partidos diz: "Dividi-os [os súdi-tos] em partidos; servi-me de um para destruir o outro, e quando o vencidoestava quase morto, levantava-o para reduzir no mesmo estado o vencedor.Eram ferozes! Às vezes fingia querer conciliá~los para os confundir e corrom-per mais"2S. Acusava-se o rei de manipular os partidos, de arbitrariamentechamá-los ao poder e dele apeá-los, de desrespeitar seus programas políticos,atribuindo, por exemplo, aos conservadores a tarefa de votar reformas libe-rais, de aproximá-los e separá-los para confundi-los, de jogar as lideranças umascontra as outras. A própria idéia de conciliação foi atribuída ao imperador,que deste modo buscaria desmoralizar os partidos e enfraquecê-los.

Sem dúvida, inversões políticas sem que interviesse questão parlamentarnão eram prática que servisse ao fortalecimento dos partidos. Mas o que oscríticos não percebiam é que, nas condições brasileiras da época, pelo modocomo se faziam as eleições, e elas eram feitas sob a direção dos partidos, note-se, o exercício do Poder Moderador alternando as situações políticas era oque garantia não só a competição partidária, mas a própria sobrevivência dospartidos nacionais e seu enraizamento na população, além de difundir o va-lor das regras da competição democrática. Este lado da questão só se tornouclaro após a implantação da República. Desaparecido o Poder Moderador,desaparecido o fator de arbitragem entre as várias facções políticas, desapa-recido o garantidor da alternância dos partidos no poder, o resultado foi sim-plesmente o fim dos partidos nacionais e a implantação de partidos únicosnos estados. A própria imagem do partido político se transformou. De algopositivo, o partido passou a ser visto como fator de divisão, como perigopara a tranqüilidade política, como ameaça à boa condução do governo. Comacerto a política de Campos SaBes foi analisada como tentativa de reconstituirna figura do presidente alguns aspectos do Poder Moderador a fim de darestabilidade à política republicana26. Ele não conseguiu, no entanto, fazeraquilo pelo qual o Poder Moderador era criticado: tornar possível aalternância dos partidos, e, portanto, sua pluralidade. A República foian~ipar~ido, como o Império fora pró-partido.

41 2

TEATRO DE SOMBRAS

Nada mais contundente do que a crítica de Alberto SaBes ao sistema re-publicano, feita em 1901, quando seu irmão Campos SaBes, o criador dap~lítica dos estado~, ocupava a presidência. Segundo Alberto SaBes, a Repú-bhca em pouco mais de dez anos se tinha convertido na mais completa dita-dura política. A ditadura do presidente era pior do que a ditadura do PoderModerador. O velho sorites de Nabuco, segundo Alberto SaBes, podia serre~ormulado para a República nos seguintes termos: "O presidente da Repú-bhca faz os governadores, os governadores fazem as eleições e as eleiçõesfazem o presidente da República". Os partidos desaparecem totalmente nes-ta engrenagem. Tornam-se meros instrumentos dos governos estaduais27.

O drama - ou tragicomédia - do Império foi que a legalidade (o PoderModerador .do rei) foi combatida como ilegítima pelas elites e pelos parti-dos, mas o foi com medidas que acabavam por tornar os partidos e as elitesilegítimos do ponto de vista da nação. Como vimos, a redução do arbítriodo Poder Moderador pelas leis eleitorais e pelo fortalecimento dcls partidosredundou em maior conservadorismo político, em maior afastamento entreo poder e a nação. A tentativa de transformar em realidade a ficção parla-mentar acabou por transformar em ficção a representatividade dos partidos.José Bonifácio, o Moço, denunciou a situação em frase retórica ao estilo da" 'epoca, mas nem por IStomenos verdadeira. A eliminação dos analfabetos em18~1~e to~o o movime.nto de exclusão de votantes, foram por ele assimdeflmdos: Esta sobe rama de letrados é um erro de sintaxe política"28. Cria-va-se uma oração política sem sujeito, um governo representativo sem povo.

NOTAS

1. Este capítulo teve origem em palestra feita no Instituto Tancredo Neves, emBrasflia.

2. Darci maior ênfase à discussãodas eleições, pois os partidos já f~ram discutidosem capítulo de A Construção da Ordem. A legislaçãoeleitoral do Império estáincluída na reedição feita pelo Senado Federal da obra de Francisco BelisárioSoares de Souza, citada abaixo. Ver também Edgar Costa, A Legislação Eleito-.ral Brasileira.

41 3

Page 29: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

TEATRO DE SOMBRAS

11. Anais da Câmara dos Deputados, 1860, p. 144.

12. As eleições da Regência ficaram conhecidas pelo aspecto quase sempre tumul-

tuado de que se revestiam. O decreto de 1824 não previa a qualificação e1eito-

LII .Interior .1 voração. A mesa escrutinadora era formada por aclamação da

.1SSClllhlhl dos votantes e decidia na hora sobre a qualificação dos votantes e

sohre a v.llldade dos votos. Pode-se imaginar a confusão que resultava deste

proccdllllcllln. As clciçôes eram decididas, literalmente, no grito.

I,.l. Ver A CIJ/lSII'llç'do da Ordem, capo 4.

14. Francisco Belisário, O Sistema Eleitoral, p. 6, 19,33.

15. A queda de Zacarias teve motivos complexos. O motivo imediato foi a diver-

gência entre ele e o imperador a propósito da escolha de um senador (Torres

Homem). Pela Constituição, o imperador podia escolher livremente um nome

da lista tríplice. Zacarias defendia a necessidade de serem os atos do Poder

Moderador referendados pelos ministros e não aceitou a indicação, pedindo,

em conseqüência, demissão. Meses antes, porém, tinha havido conflito entre

Zacarias e Caxias, comandante das tropas brasileiras no Paraguai. Caxias era

ligado aos conservadores. O Conselho de Estado, chamado a pronunciar-se sobre

quem deveria ser demitido, se o general, se o Ministério, votou na maioria pela

saída do general. Ironicamente, foi Nabuco o primeiro conselheiro a votar pela

saída do Ministério, após cinco votos contra Caxias, inclusive de conservado-

res. O que é mais surpreendente é que votou pela saída do Ministério dizendo

explicitamente que isto implicaria mudança de partido no governo. Seu enfáti-

co protesto contra a volta dos conservadores foi também um protesto contra simesmo.

16. Joaquim Nabuco, Um Estadista, p. 663. Os textos clássicos do debate sobre o

Poder Moderador são os do visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Admi-nistrativo; de Zacarias de Góes e Vasconcelos, Da Natureza e Limites do PoderModerador; e de Braz Florentino Henriques de Souza, Do Poder Moderador.Ensaio de Direito Constitucional contendo Análise do Tit. V, capo I da Consti-

tuição Política do Brasil. Este último é resposta direta ao livro de Zácarias.

17. D. Pedro 11, Conselhos à Regente.

18. Manso Celso, Oito !lnos de Parlamento. Poder Pessoal de D. Pedro lI, p. 19-21.

19. Este ponto ficou muito claro na intervenção do deputado João da Silva Carrão

durante os debates de 1855 sobre a lei dos círculos. Anais da Câmara dos De-putados, 1855, tomo LV,p. 276-277.

" J"o',. ",~I~.."';,'t "k \-

,"

JOSÉ MURILO DE CARVALHO

3. A lei de 1881 era extremamente minuciosa quanto aos procedimentos de COm-

provação de renda. Não se admitia, ao contrário das leis anteriores, a declara-

ção de empregador. A renda era demonstrada pela posse de hens de raiz, de

ações de indústrias, pelo exercício de atividade comercial, ?elo pagamento de

impostos, pelo exercício de certos empregos púhlicos e de algumas pOLI\:aspro-

fissões como guarda-livros, corretores, administradores de fábricas ctc. Em 1882,

houve pequena liberalização na lei: a idade mínima exigida para o voto (oi re-

duzida de 25 para 21 anos.

4. Francisco Belisário Soares de Souza, O Sistema Eleitoral no Império; Senado

Federal, Atas do Conselho de Estado, especialmente vaI. 10, p. 137.167; J. de

Alencar, Systema Representativo, p. 90.

5. Joaquim Nabuco, Discursos Parlamentares, seleção e prefácio de Gilberto Freyre,

p. 59-88; a citação de Saldanha Marinho está em José Honório Rodrigues,

Conciliação e Reforma no Brasil, p. 158-159.6. Congresso Agrícola, Coleção de Docummtos, discu rso de José César de Moraes

Carneiro, de Mar de Espanha, MG, na sessão de 9 de julho; Trabalhos do Con-gresso Agr(cola do Recife em Outubro de 1878, especialmente discurso de An-

tônio Coelho Rodrigues, no dia 6 de outubro. O custo das eleições para os

proprietários é também mencionado em Francisco Belisário. O Sistema Elei-toral, p. 40.

7. List<ldos Cidadãos Qualificados Votantes da Paróquia de Ir.1já,Arquivo Geral

da Cidade do Rio de Janeiro, 66-4-6, 15/1/1880. As porcentagens foram calcu-

ladas com base em amostra aleatória de 154 votantes de um total de 922.8. Sobre o Ministério Paraná, ver a análise detida de Joaquim Nabuco em Um Es-

tadista do Império, p. 153-189. Um dos jovens e promissores políticos recruta.

dos por Paraná era Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco.

9. A representação proporcional como a conhecemos hoje foi aplicada pela pri-

meira vez na Suíça em 1891. No Brasil a primeira proposta nesta direção foi

feita em 1848 por Inácio de Barros Barreto. A proposta mals elaborada e origi-

nai se deve a José de Alencar em seu Systema Representativo, especialmente

capítulo V. A novidade de Alencar em relação ao sistema vigente era introduzir o

o voto individual e não por listas e torná-lo o mais representativo possível da

variedade de opiniões partidárias. Em relação ao sistema atual, sua proposta se

distingue por manter o sistema indireto de votação.

10. Anais da Câmara dos Deputados, tomo Iv, p. 271;Jornal do Commercio, 7/8/1855.

414 41 5

Page 30: (Texto Para Exercício) José Murilo Carvalho - A Construção Da Ordem , A Elite Política Imperial e Teatro de Sombras

JOSÉ MURILO DE CARVALtlO

20. Para uma análise das dissoluções muito critica da posição do imperador, verVisconde de Souza Carvalho, História das Dissoluções da Câmara dos Deputados.

21. A Construção da Ordem, capo 8. Ver também, sobre a ideologia dos partidos, A.

Brasiliense, Os Programas dos Partidos e o 2° Império.22. Joaquim Nabuco, Um Estadista, p. 311.

23. Ibidem, p. 365.24. José de Alencar, Página da Actualidade - Os Partidos; A. C. Tavares Bastos, Os

Males do Presente e as Esperanças do Futuro. Pelo lado liberal, ver também TitoFranco de Almeida, O Conselheiro Francisco José Furtado. Pedro 11 fez várias

;. '. anotações a esta obra, discordando das interpretações do autor.~.) Ferreira Vianna, "A Conferência dos Divinos", em R. Magalhães Júnior, Três

Panfletários do Segundo Reinado, p. 272.26. A análise da polític;-.de Campos Salles como tentativa de recriar as funções do

Poder Moderador está em Renato Lessa, Invenção Republicana: Campos Sales,as Bases e a Decadência da Primeira República. Proposta explícita de incorporaro Poder Moderador à Presidência está em Borges de Medeiros, O Poder Modera-dor na República Presidencial (Um anteprojeto da Constituição Brasileira).

27. Alberto Sales, "Balanço Político. Necessidade de uma Reforma Constitucio-nal", em Antônio Paim (org.), Plataforma Política do Positivismo Ilustrado,p. 65-66. O texto original de Alberto Sales foi publicado em O Estado de S.

Paulo, de 18/7 e 26/7/1901.28. Citado por Sérgio Buarque de Holanda, História Geral da Civilização Brasilei.

ra, tomo 11,voi. 5.°, p. 205.

41 6

ConclusãoTeatro de sombras

Na conclusão de A Construção da Ordem, recorremos à expressão de Guer-reiro Ramos, dialética da ambigüidade, para caracterizar a dinâmica das re-lações entre a burocracia imperial e os proprietários rurais. Ao longo do

presente texto buscamos amrliar a discussão sobre o conteúdo desta expres-são, à primeira vista também ambígua e imprecisa. Os capítulos sobre o or-

çamento, política de terras e abolição aprofundaram a análise das relaçõesambíguas entre o Estado e os proprietários, entre o rei e os barões. Os capí-tulos seguintes estenderam a análise para os aspectos ideológicos einstitucionais da ambigüidade. Tanto as idéiase. valores ql1epJ:cp,orolnavamentrea. elite, como.,as instituiçÇíes iIllplantadasp.Qr.e.st.ªInçsma.,elite..manti .•.nham relação tensa deajustee,desajust~G@m ,a realidacle'6GGial-cl@"paí&:.~uma.sociedade .escravo(lratagGvernada'i'ol'.instituições,"0erais'~1'68eRtativaS',uma sociedade agrária e analfabeta dirigida porumaelite"Cosmepeiita"voita-da para.o.modelo. euwpeu ..de.civ.ilização.

A ambigüidade penetrava as próprias instituições. A Constituição confe-ria a representação da Nação ao mesmo tempo ao rei e ao Parlamento, e davaao rei o controle do poder neutro (moderador) segundo o esquema de Ben-jamin Constant. O imperador podia assim, legalmente, competir com o Par-lamento pela representaçao da nação e achar-se em condições de melhor

refletir a opinião pública do que a assembléia eleita. A face absolutista daConstituição permitia ao rei arbitrar os conflitos dos grupos dominantes, umadas grandes necessidades políticas do sistema, mas, ao mesmo tempo, permi-tia-lhe também contrariar os interesses desses grupos. A representaçãoburkiana da nação exercida pelo rei, isto é, a representação que pretendia

atender ao interesse geral, podia conflitar, e muitas vezes conflitava, com a

representação dos interesses feita pelo Parlamento e pelos partidos forma-

41 7