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LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO TEMA 2: O DESENVOLVIMENTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA Docentes: Lina Morgado Angelina Costa © Universidade Aberta, 2009 Psicologia do Desenvolvimento

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LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO

PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

TEMA 2:

O DESENVOLVIMENTO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Docentes: Lina Morgado Angelina Costa

© Universidade Aberta, 2009 Psicologia do Desenvolvimento

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U. C. PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO, UNIVERSIDADE ABERTA

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Texto  1:    

As Grandes Linhas do Desenvolvimento na Infância  

  PERSPECTIVA HISTÓRICA 

  Até os adultos reconhecerem e permitirem a emergência da infância, ela parecia 

não  existir.  Durante  longos  séculos  pensou‐se  que  por  volta  dos  6/7  anos  de  idade  a 

criança  estaria  preparada  para  ser  tratada  como  um  adulto.  As  crianças  eram 

consideradas pouco mais do que adultos em miniatura. Com excepção de um pequeno 

conjunto  de  crianças  ricas,  nascidas  em  boas  famílias,  todas  as  outras  trabalhavam 

juntamente com os adultos nos campos, lutavam e morriam nas guerras, trabalhavam nas 

minas e, com a industrialização, trabalhavam de manhã à noite nas fábricas. 

  Considerando um período de tempo de 4 mil a 5 mil anos de história, verifica‐se 

que a educação das  crianças é um  fenómeno  recente. Apenas nos últimos 150 anos as 

sociedades adultas ocidentais  reconheceram a  infância e os anos  juvenis como estádios 

especiais  de  desenvolvimento.  As  crianças  sempre  existiram  nas  sociedades.  Contudo, 

tornava‐se necessário o reconhecimento dos adultos para que a infância pudesse existir e 

ser estudada. 

  Uma vez reconhecida, surgiu um período de grandes mudanças. Formularam‐se 

leis protectoras do bem‐estar e da saúde das crianças. E o que aconteceu no século XIX 

para  as  crianças,  voltou  a  acontecer  no  século  XX  para  a  adolescência.  Apenas 

recentemente, nos países e  culturas  industrializadas, os adultos  começaram a  levar em 

conta  as  necessidades  e  capacidades  fisiológicas  e  psíquicas  características  dos 

adolescentes  e  esta  percepção  deu‐lhes  oportunidade  de  reconhecer  um  estádio 

específico  de  desenvolvimento  humano.  Como  consequência,  tem  vindo  a  aumentar  a 

nossa compreensão acerca das características fundamentais dos adolescentes. Na última 

metade do século XX assistimos a mudanças no modo como os adolescentes são tratados 

pelos adultos, as quais são semelhantes às modificações vividas pelas crianças no século 

anterior. 

 

CONCEITOS BÁSICOS: ESTÁDIOS E DOMÍNIOS DE CRESCIMENTO 

Na psicologia do desenvolvimento contemporânea, o conceito de estádio tem um 

significado  importante e especial. Um estádio é um  sistema de  funcionamento humano 

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que é distinto, único e consistente como um todo. As diferenças entre um estádio inicial e 

um  estádio  posterior  são  qualitativas  e  não  quantitativas. Os  estádios  são  sequenciais, 

construindo‐se cada um deles a partir do que lhe antecedeu. O crescimento ao longo dos 

estádios não é  automático, mas depende da  combinação da maturação  fisiológica  com 

uma interacção adequada com o meio ambiente.  

 

Estádio: um sistema distinto, único, consistente do funcionamento humano 

Os  psicólogos  desenvolvimentalistas  afirmam  que  todos  os  seres  humanos 

processam, activamente, o conhecimento que é adquirido na prática, isto é, que a mente 

humana  tenta  atribuir  um  significado  a  cada  experiência.  O  ser  humano  possui  a 

capacidade  de  pensar,  de  reflectir,  de  examinar  e  de  raciocinar.  Quando  vivenciamos 

alguns  acontecimentos  tentamos  processá‐los  cognitivamente  de  forma  a  procurar, 

activamente,  chegar  a  algum  significado.  Por  outras  palavras,  não  somos  receptáculos 

vazios  ou  indivíduos  passivos.  Em  vez  disso,  somos  participantes  activos  na  vida, 

procurando tornar significativas todas as nossas experiências. A capacidade de reflexão é 

intrínseca  à  condição  humana;  possuímos  uma  forte  tendência  para  tentar  retirar 

significado das experiências. 

A forma como cada indivíduo processa as situações representa o estádio, isto é, o 

conjunto  das  operações mentais  que  ele  geralmente  utiliza. No  seio  de  grupos  etários 

amplos,  as  operações  cognitivas  têm  tendência  a  ter  em  comum  um  conjunto  de 

características  semelhantes. Além disso,  cada pessoa  tende  a utilizar o mesmo  sistema 

básico de pensamento de uma maneira generalizada e consistente. Para explicar a noção 

de  estádio  cognitivo‐desenvolvimentalista  são  utilizadas,  frequentemente,  diversas 

expressões: esquema, estrutura cognitiva, estrutura mental, sistema mediador interno ou 

estratégia de resolução de problemas. Estes termos baseiam‐se no tipo de raciocínio que 

cada indivíduo efectua num processo de tomada de decisão. 

A  cognição,  o  acto  de  pensar,  ou,  de  um  modo  geral,  o  processamento  do 

conhecimento, e  inerentemente, uma capacidade humana. Em aspectos particulares do 

desenvolvimento,  o  sistema  que  cada  pessoa  utiliza  possui  características  que  se 

identificam  facilmente, como um estádio coerente e  internamente consistente. Para um 

desenvolvimentalista,  ou para  um  educador,  é  extremamente  importante  ser  capaz  de 

identificar  o  processo  de  raciocínio  e  de  tratamento  da  informação  que  cada  um 

efectivamente  utiliza,  dado  que  isso  lhe  permite  adequar  o  trabalho  ao  nível  de 

funcionamento actual do aprendente. 

 

Estádios: sistemas de processamento que são qualitativamente diferentes 

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Uma  segunda  característica  dos  estádios  consiste  no  facto  de  eles  serem 

qualitativamente diferentes. As diferenças entre um estádio e o seguinte são diferenças 

de  género. Este ponto de  vista entra em  contradição  com  a  visão  geral  sobre os  seres 

humanos, defendida no fim do século XIX, especificamente, eu a infância, a adolescência e 

a  vida  adulta  eram  partes  essenciais  de  um  contínuo. Assim,  por  exemplo,  as  crianças 

eram  consideradas  fisicamente mais  pequenas, mentalmente mais  lentas,  capazes  de 

memorizar  menos  informação  e  de  escrever  frases  ais  elementares  do  que  os 

adolescentes  ou  adultos.  As  crianças  eram  quase  como  os  adultos,  sendo,  apenas  de 

menor  tamanho.  Não  existiam  características  essenciais  que  fossem  diferentes,  com 

excepção para a capacidade de reprodução. As diferenças eram todas de grau, possuindo 

os adultos mais «expressões» de uma dada característica do que as crianças e os jovens. 

Hoje  em dia  sabemos que  as mudanças de um  estádio para outro  constituem 

transformações. Pode fazer‐se uma analogia adequada com a entomologia: o processo de 

transição do ovo de uma  lagarta para uma borboleta. Cada estádio de desenvolvimento 

humano  representa,  idealmente,  esse  tipo  de metamorfose.  Outra  analogia  pode  ser 

retirada da física: quando acontece uma descoberta nova e radical, um novo método de 

compreensão  de  algum  aspecto  do  Universo  como,  por  exemplo,  a  descoberta  da 

gravidade  feita  por Newton,  é  descrita  uma  nova  lei,  dando‐se  um  salto  quântico.  Da 

mesma maneira, uma mudança de estádio de funcionamento constitui um avanço deste 

tipo para um novo nível de processamento do conhecimento. Este novo estádio é mais 

complexo do que o anterior e representa um novo modo, ou sistema, de pensamento. 

 

 

Os estádios de desenvolvimento são sequenciais 

  Os  estádios  são  ordenados  de  acordo  com  níveis  de  complexidade.  Todas,  ou 

quase  todas  as  pessoas,  iniciam  o  seu  desenvolvimento  aproximadamente  ao mesmo 

nível e o  crescimento, por definição, progride de um nível menos  complexo para outro 

mais  complexo.  Uma  vez  que  cada  novo  estádio  se  edifica  directamente  sobre  as 

experiências  do  estádio  anterior,  o  crescimento  é  sequencial,  isto  é,  passa‐se  de  um 

estádio a outro por ordem de complexidade. Foi referido anteriormente que os estádios 

são qualitativamente diferentes; por isso eles constituem uma hierarquia. Esta hierarquia 

dos  estádios  e  a  natureza  sequencial  do  desenvolvimento  mostram  que  a  ordem  é 

unidireccional  e  que  respeita  determinados  passos. Os  estádios  iniciais não podem  ser 

omitidos. 

  Existe outro aspecto  igualmente  importante nesta  ideia. De uma maneira geral, 

se uma pessoa atinge completamente um determinado estádio nunca regredirá para um 

nível  de  complexidade  menor.  Tecnicamente,  esse  fenómeno  é  atribuído  à 

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impossibilidade  de  ocorrer  uma  regressão  estrutural.  Nesta  perspectiva,  uma  vez 

terminada  a  infância,  o  indivíduo  não  consegue  voltar  a  ter,  integralmente,  uma  visão 

ingénua  do mundo  (partindo  do  princípio  de  que  as  funções  intelectuais  permanecem 

intactas).  Esta  observação  não  significa  que  o  adulto,  por  vezes,  não  seja  um  pouco 

infantil. No entanto, as suas vivências não são qualitativamente iguais às das crianças. 

 

Os estádios representam diferentes domínios de processamento humano 

  Muitas  vezes  o  conceito  de  estádio  é  mal  interpretado.  Tem  havido  uma 

tendência para afirmar que, quando se refere um estádio de desenvolvimento, se faz uma 

generalização ao domínio completo do  funcionamento humano. Apesar de  ser  fácil cair 

nesta  sobregeneralização,  a  investigação  actual  indica  que  devemos  ser  bastante 

cautelosos ao especificar a que aspecto particular, ou domínio, nos estamos a referir. 

  Os  autores  que  defendem  a  existência  de  estádios  têm  concentrado  os  seus 

esforços em áreas diferentes do  funcionamento humano. Por exemplo, os  trabalhos de 

Piaget dão particular ênfase ao desenvolvimento cognitivo. Do mesmo modo, ao falarmos 

do  desenvolvimento  psicossexual,  a  perspectiva  de  Freud  propõe  uma  sequência 

específica  de  estádios. O mesmo  acontece  com  outras  áreas  como  o  desenvolvimento 

moral ou o desenvolvimento da  identidade. Assim, cada domínio possui uma  sequência 

característica de desenvolvimento. 

 

O desenvolvimento dos estádios depende do processo de interacção 

  O pressuposto mais importante e, de certa forma, decisivo, refere‐se ao facto de 

o crescimento depender do processo de  interacção, tal como se afirmou anteriormente. 

Alguns autores defenderam o oposto, nomeadamente que o desenvolvimento era, de um 

modo amplo, orientado internamente. Este é um ponto de vista maturacionista. Contudo, 

o desenvolvimento não é unilateral. O pano de fundo, tal como Erik Erikson lhe chamava, 

ou  a  determinação  orgânica,  constitui  apenas  um  dos  elementos  do  processo.  O 

desenvolvimento  tem  lugar  dependendo  quer  do  género,  quer  da  qualidade  da 

estimulação ambiental, a qual interage com a capacidade do indivíduo para tirar proveito 

das experiências. A sequência constante dos estádios oferece uma  ideia geral, alargada, 

sobre a forma como o desenvolvimento resulta da interacção indivíduo‐ambiente. 

  Os  perigos  de  uma  perspectiva  unilateral  são  duplos.  Podemos  dificultar  ou 

mesmo  obstruir  o  desenvolvimento  quer  impedindo  a  interacção,  quer  subjugando  a 

pessoa  ao  ambiente. No  primeiro  caso  extremo,  por  exemplo, mantendo  fechadas  em 

armários, garagens e sótãos crianças com atraso mental, tem‐se a certeza de que elas não 

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se desenvolverão mesmo dentro do seu limitado potencial. Outro exemplo está expresso 

num estudo realizado em escolas do primeiro ciclo da cidade de Nova Iorque que mostrou 

que  as  capacidades  de  algumas  crianças  declinavam  como  consequência  da  própria 

aprendizagem. Os seus resultados na leitura e o seu auto‐conceito diminuíam durante os 

anos  iniciais da escolaridade. Uma análise das  interacções  reais na  sala de aula  indicou 

que  as  crianças  estavam  inseridas  num meio  pouco  estimulante  e monótono,  no  qual 

eram frequentemente ignoradas. 

  Existem também estudos que mostram de forma clara que uma estimulação em 

excesso,  que  conduza  a  uma  idade  adulta  prematura,  pode  ser  prejudicial  para  as 

crianças. Por exemplo, um estudo com crianças da área de Bóston revelou que as crianças 

em  idade  pré‐escolar  tinham  de  cuidar  dos  seus  irmãos  mais  novos,  alguns  recém‐

nascidos. Elas aprendiam a ir às compras, a negociar astutamente e, muitas vezes, a cuidar 

dos  pais  alcoólicos.  Por  este  facto,  apresentavam  competências  sociais  muito 

desenvolvidas. Contudo, este tipo de desenvolvimento prematuro provocava dificuldades 

acentuadas no seu desenvolvimento emocional e pessoal. Além disso, manifestavam uma 

incapacidade acentuada para adquirir mesmo as competências básicas do primeiro ano de 

escolaridade. Os custos deste comportamento adulto prematuro distorciam o seu futuro 

antes de terem iniciado a escolaridade obrigatória. 

  Outros  estudos  mostram  os  efeitos  positivos  de  uma  estimulação  e  apoio 

emocional adequados. Alguns programas eficazes de educação pré‐escolar, para crianças 

socialmente desfavorecidas, apresentam evidências claras de que uma interacção positiva 

e apropriada leva à promoção de um desenvolvimento saudável. O que é verdadeiro para 

as escolas também o é para o ambiente familiar. Também neste domínio vários estudos 

documentam  os  benefícios  da  colocação  de  crianças  muito  novas,  adoptadas  e 

provenientes de meios precários, em  lares onde  lhes era dado um ambiente adequado. 

Nestas  condições,  o  ambiente  enriquecido  estimulava  o  crescimento  das  crianças. 

Surpreendentemente, não foi só o seu funcionamento geral que melhorou, mas também 

o  valor do  seu QI que, em média,  subiu  cerca de 20 pontos  comparativamente  ao das 

crianças  do  grupo  de  controlo.  Mesmo  as  capacidades  intelectuais  não  estão 

determinadas  à  nascença,  mas  dependem,  em  grande  medida,  da  qualidade  da 

interacção. 

  A  importância da  interacção não se restringe à  infância. Por exemplo, as curvas 

de desenvolvimento e os índices de base relativos aos anos da adolescência mostram que, 

em muitos  casos, os níveis de desenvolvimento decrescem ou  tornam‐se estáveis. Este 

resultado  sugere  que  pode deixar  e  existir  uma  adequada  interacção na  escola  ou  em 

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casa.  Por  exemplo,  uma  grande maioria  dos  adolescentes  não  é  capaz  de  resolver  os 

problemas escolares que envolvem o  raciocínio abstracto. Teoricamente, pelo menos  a 

maior parte deles deveria ser perfeitamente capaz de desenvolver o  raciocínio e outras 

funções  intelectuais a este nível. Contudo, os programas educacionais muitas vezes não 

proporcionam  a  estimulação  adequada.  Como  consequência,  menos  de  um  teço  dos 

adultos consegue alcançar o nível intelectual de que é potencial capaz.  

  Dados  semelhantes  indicam  que  o  que  acontece  para  o  pensamento  formal 

também  é  verdade  para  o  desenvolvimento  dos  valores,  do  ego  e  das  relações 

interpessoais.  Não  nos  podemos  esquecer  de  que  o  processo  de  interacção  é  a  base 

essencial para a estimulação do desenvolvimento. 

Adaptado de N. Sprinthall e W. Collins, Psicologia do Adolescente, 1994 

Texto  2:    

As Grandes Linhas do Desenvolvimento na Adolescência  

Introdução 

O termo adolescência tem origem na palavra adolescere, que quer dizer crescer 

para adulto. Sempre se cresceu para adulto. Mas nem sempre foi dado a este crescimento 

um tempo de vida tão alargado como nos tempos vigentes. 

Nos dias de hoje, a adolescência é um período alongado, que se estende até à 

terceira  década  de  vida,  em  que  o  adolescente  vive  com  os  pais.  Para  este  facto  são 

apontadas várias causas: culturais, como a maior liberalização, aceitação e tolerância dos 

costumes;  sociais,  onde  se  destaca  o  prolongamento  dos  estudos  que  leva 

consequentemente a uma maior dependência; e económicas, como o desemprego ou o 

trabalho precário (Braconnier & Marcelli, 2000). 

Uma  das  questões  que,  ao  longo  da  história  da  adolescência  se  tem 

sistematicamente  levantado, é  a da  turbulência e  instabilidade que o  jovem  vive nesta 

fase da sua vida. Apesar de estarem um pouco de  lado as perspectivas storm and stress, 

continuam  a  estudar‐se  os  problemas  da  adolescência  porque  eles  são  reais  e  trazem 

consigo mal‐estar e novas dificuldades. No entanto, existem hoje noções diferentes face a 

estes  problemas  que  permitem  ver  a  adolescência  de  outro modo.  Sabe‐se  hoje  que 

alguns  jovens encontram na adolescência dificuldades, mas que  tal não é verdade para 

todos.  Sabe‐se  também  que,  quando  existem  dificuldades,  estes  problemas  não  se 

generalizam a  todas as áreas de  funcionamento do  jovem ou atingem necessariamente 

graves  proporções.  Sabe‐se,  ainda,  que muitos  dos  problemas  na  adolescência  surgem 

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como  formas  de  adaptação  do  adolescente  aos  novos  desafios  que  se  lhe  colocam 

(Sprinthall & Collins, 1999). 

E são múltiplos os desafios a vencer: a adaptação a uma nova condição biológica, 

a conquista de uma nova autonomia, o estabelecimento de novas relações  interpessoais 

próximas  e  duradouras,  a  progressão  académica,  entre  outros.  E  como  se  isto  não 

bastasse,  o  adolescente  precisa  ainda,  tal  como  todo  o  ser  humano,  de  sentir‐se 

valorizado como pessoa, estabelecer um lugar num grupo produtivo, sentir‐se útil para os 

outros,  dispor  de  sistemas  de  suporte  e  saber  usá‐los,  fazer  escolhas  informadas  e 

acreditar  num  futuro  com  oportunidades  reais. Ultrapassar  estes  desafios  e  preencher 

estas necessidades tornam‐se requisitos necessários para que os adolescentes se tornem 

adultos saudáveis e produtivos. 

 

Um pouco da história da adolescência 

  A  adolescência,  tal  como  hoje  se  concebe,  é  uma  fase  da  vida  relativamente 

recente. Ariés (1973) refere que a adolescência se encontrou absorvida pela  infância até 

ao  século  XVIII,  não  se  verificando,  no  entanto,  mesmo  após  esta  época,  uma 

preocupação  em  considerar  a  adolescência  como  um  período  de  desenvolvimento 

diferenciado que impunha um olhar especial. 

  Pode‐se, no entanto, traçar um percurso um pouco mais distante no tempo para 

o  surgimento  deste  período.  Segundo  Lutte  (1988),  a  adolescência  surgiu  no  início  do 

século  II  a.C.,  na  sociedade  romana,  como  consequência  de  profundas  alterações  do 

sistema económico‐social. O senado aprovou duas leis, a lex plaetiria e a lex Villia annalis. 

A primeira correspondia ao nascimento de um novo grupo social,  instituindo uma acção 

penal contra quem abusasse da inexperiência de um jovem com idade inferior a 25 anos. 

A  segunda  limitava  a  participação  dos  jovens  em  cargos  públicos.  A  juventude  ou 

adolescência surge assim como uma  fase de protecção e simultaneamente de  limitação 

dos direitos e recursos. 

  Durante a  Idade Média e a época pré‐industrial, a  juventude situava‐se entre a 

dependência da  infância e a  independência relativa da  idade adulta, que por sua vez se 

caracterizava pelo casamento e herança dos bens. Este período, entre a infância e a idade 

adulta, situava‐se aproximadamente entre os 7‐10 anos até aos 25‐30 anos. Agra (1986) 

refere  a  existência  na  Idade Média  de  palavras  como  pueritia  (puerícia),  adolescentia 

(adolescência)  e  juvenes  (jovens),  mas  salienta  que  não  apresentavam  qualquer 

correspondência  com  a  existência  de  etapas  de  vida  ou  estatuto,  tal  como  hoje  se 

concebem. 

  Até  ao  século  XVIII  e durante  este  século,  are prática  frequente  os  jovens, na 

altura  da  puberdade,  deixarem  a  casa  de  seus  pais  para  irem  para  a  casa  de  outras 

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famílias, por  vezes em  locais bastante afastados do  lar. Aqui,  rapazes e  raparigas eram 

colocados na situação de aprendizes ou criados. O controlo dos pais torna‐se assim mais 

reduzido, o que constitui um processo  facilitador da sua autonomia e  responsabilização 

(Claes, 1985). 

  No entanto, apenas no século XIX surge a adolescência, tal como é concebida nas 

sociedades  contemporâneas.  Nos  meados  do  século  XIX,  o  termo  utilizado 

frequentemente  era  jovem,  apenas  ocasionalmente  se  encontra  referência  ao  termo 

adolescência. No  final do  século XIX, o  termo  começa a aparecer  com mais  frequência. 

Mas apesar de não ser frequente, já existiam muitas ideias precisas em relação a esta fase 

da  vida.  A  adolescência  era  vista  como  um  período  de  transição,  de  desenvolvimento 

individual,  que  envolvia  grandes  mudanças  a  nível  físico,  sexual,  comportamental  e 

profissional. 

  A «repartição da  vida» em mais uma etapa,  a adolescência,  coincidiu  com um 

período  histórico:  a  revolução  industrial.  Lutte  (1988)  refere  que  a  industrialização 

conduziu a mudanças  radicais na estrutura  cultural, escolar,  familiar. E estas mudanças 

reflectiram‐se na «construção» desta nova «etapa» da vida. Factores como o declínio da 

aprendizagem as profissões devido ao processo de industrialização, extensão progressiva 

e obrigatoriedade da escolaridade foram determinantes no estabelecimento do estatuto 

de  adolescente.  Mas,  sem  dúvida,  que  um  factor  bastante  forte  neste  processo 

construtivo  foi a evolução da concepção de  família. É a partir de meados do  século XIX 

que surge a mudança no seio da família: cada vez mais o adolescente permanece junto da 

sua  família,  deixando‐a  apenas  para  constituir  a  sua  própria  família.  A  família, 

anteriormente patriarcal,  transforma‐se em  família nuclear, constituída por pais e  filhos 

que  permanecem  juntos,  coabitando  o mesmo  espaço.  Assim,  a  adolescência  decorre 

entre  a  puberdade  e  o  acesso  ao  estatuto  de  adulto.  Este  longo  período  de  vida  dos 

indivíduos,  vivido  sob  tutela  parental,  coincide  com  o  nascimento  da  família moderna. 

Esta nova concepção de família orienta as suas energias ara a vida privada, para a troca 

afectiva, para a promoção do bem‐estar dos filhos, para a transmissão de valores, dando 

assim um enfoque privilegiado às  tarefas educativas. É em  torno destes objectivos que 

vive a família moderna. 

 

As grandes mudanças na adolescência 

  A  adolescência  é  um  tempo  de  crescimento,  de  desenvolvimento  de  uma 

progressiva maturidade  a nível biológico,  cognitivo,  social  e  emocional. Nas  sociedades 

modernas não existe um acontecimento único que marque o fim da infância ou o início da 

adolescência. (Segundo Baumerind (1987), a adolescência engloba o período que vai dos 

10 aos 25 anos. Este período é geralmente repartido em três fases: fase inicial, entre os 10 

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e os 15  anos;  fase  intermédia, entre os 15 e os 18  anos; e  a  fase  final, que envolve o 

período desde o final do ensino secundário até à entrada em um ou mais papéis adultos). 

Esta  transição  envolve  um  conjunto  de  mudanças  graduais  em  múltiplas  esferas  da 

condição  humana,  que  ocorrem  durante  um  período mais  ou menos  alargado  e  que 

preenchem toda a adolescência. 

  Um  dos  temas  centrais  da  adolescência  continua  a  ser  a  forma  como  se 

ultrapassam estas mudanças, transições, desafios, crises, necessidades ou o que quer que 

se lhe chame. Encontram‐se sempre dois lados da questão: o pessimismo e o optimismo. 

Para uns, a adolescência é um período de mudanças dramáticas a nível  familiar, a nível 

escolar,  ao  nível  das  amizades,  a  nível  profissional.  É  um  período  de  confusão,  de 

sentimentos paradoxais, excitação e ansiedade, felicidade e tristeza, certezas e incertezas. 

E, como se não bastasse, estas dúvidas não se limitam ao jovem, mas alastram aos outros 

que  com ele privam, nomeadamente pais, professores e amigos que vivem  também os 

seus próprios problemas  (Lerner & Galambos, 1998). Para outros, a maioria dos  jovens 

está preparada para lidar com as mudanças biológicas, cognitivas, emocionais e sociais da 

adolescência  e  ultrapassá‐las  com  sucesso  (Steinberg,  1998).  De  acordo  com  esta 

perspectiva,  parte  dos  problemas  que  surgem  na  adolescência  não  têm  consequências 

graves  ou  a  longo  prazo.  Devem,  pois,  ser  equacionados  como  fazendo  parte  do 

desenvolvimento normal como formas exploratórias necessárias ao desenvolvimento, ou 

como  um  reflexo  de  um  desfasamento  entre  a maturidade  biológica  e  a maturidade 

emocional (Baumerind, 1987; Irwin, 1987; Moffiitt & Caspi, 2000). 

 

Mudanças Biológicas 

  As mudanças  biológicas  que  ocorrem  no  início  da  adolescência  constituem  os 

sinais mais  evidentes de que uma nova  época  chegou. Entrou‐se na  adolescência.  Esta 

entrada poderá ser mais ou menos «aceite» pelo próprio e pelos outros. 

  Steinberg /1998) refere que um factor talvez mais  importante do que a entrada 

em si é o momento em termos cronológicos desta transição. Segundo o autor, o impacto 

imediato  da  puberdade  na  auto‐imagem  e  no  humor  do  adolescente  pode  ser 

relativamente discreto, mas o timing da maturação física afecta o desenvolvimento social 

e emocional do  jovem de  formas  importantes. Parece que esta maturação precoce está 

associada a aspectos mais positivos para os rapazes do que para as raparigas. Os rapazes 

que maturam mais cedo tendem a ser mais populares, a ter autoconceitos mais positivos 

e  a  ser mais  autoconfiantes,  comparativamente  com  os  que maturam mais  tarde.  Por 

outro  lado,  as  raparigas  que  maturam  mais  cedo  podem  sentir‐se  desconfortáveis  e 

desajeitadas com a sua nova imagem. 

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  Encontram‐se também referências que defendem que a maturação precoce pode 

constituir  um  factor  de  risco  para  o  desenvolvimento  de  problemas  de  externalização 

(padrões comportamentais observáveis, potencialmente desajustados do ponto de vista 

interpessoal, denominados também problemas de comportamento, como, por exemplo, 

agressividade ou comportamento delinquente), devido ao facto dos jovens que maturam 

mais  cedo desenvolverem amizades  com adolescentes mais velhos. No entanto, parece 

que este risco é sobretudo válido para jovens que têm história de dificuldades anteriores 

à  adolescência.  Segundo Moffitt  e  os  seus  colaboradores  (2002),  os  problemas  que  se 

desenvolvem nesta fase são essencialmente devidos ao desfasamento entre a maturidade 

biológica  e  social.  E  este  desfasamento  ou  fosso  entre  a  puberdade  e  a  maturidade 

psicossocial  é  maior  nos  tempos  actuais.  A  puberdade  ocorre  mais  cedo,  os  jovens 

prolongam  mais  os  ses  estudos  e,  como  tal,  adiam  a  entrada  na  vida  activa, 

comparativamente  com  épocas  passadas.  Será  este  um  prenúncio  de  cada  vez  mais 

problemas durante esta longa adolescência? 

 

Mudanças Cognitivas 

  A  adolescência  é  também um período de  grandes mudanças  a nível  cognitivo. 

Muda‐se  a  forma de pensar  sobre  as  coisas. Com  a  entrada no período das operações 

formais,  o  pensamento  torna‐se  mais  complexo  e  mais  eficiente.  Primeiro,  os 

adolescentes estão mais aptos a pensar sobre hipóteses. O raciocínio hipotético‐dedutivo 

que  se desenvolve na adolescência permite ultrapassar as barreiras do  concreto,  sendo 

assim possível pensar acerca de ideias abstractas. Uma outra característica é a capacidade 

de pensar sobre o processo de pensar, que se denomina meta‐cognição. Este processo de 

pensamento permite uma maior consciência de si, na medida em que trata como objectos 

de  contemplação  os  seus  pensamentos  e  os  dos  outros.  Cada  vez mais  o  pensamento 

tende a analisar múltiplos aspectos da vida e a vê‐los como fruto de posições pessoais ou 

de critérios de avaliação. 

  A teoria de Piaget trouxe uma contribuição fundamental para a compreensão do 

desenvolvimento cognitivo, facto que pode ser avaliado pelo lugar de destaque e atenção 

que  ainda hoje  se dá  às  suas  formulações.  Piaget  (1983)  apresenta quatro  estádios de 

desenvolvimento,  sendo que o último estádio, estádio das operações  formais,  surge na 

adolescência.  Este  estádio  inclui  operações  como  pensamento  proposicional,  análise 

combinatória,  raciocínio  probabilístico,  correlacional  e  abstracto,  que  se  tornam  as 

operações mentais mais abstractas, complexas, lógicas e flexíveis. 

  Nos  últimos  anos  surgiram  novas  abordagens  ao  desenvolvimento  cognitivo 

baseadas  no  processamento  da  informação.  Segundo  esta  abordagem,  o  sistema  de 

processamento  da  informação  nos  adolescentes  aumenta  a  sua  capacidade  de 

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12

processamento,  sendo  consequentemente mais  sofisticado  e  complexo. Os  defensores 

desta perspectiva argumentam que a passagem do período das operações concretas para 

as operações  formais depende precisamente desta evolução ao nível da  capacidade do 

sistema  de  processamento  de  informação.  Por  detrás  destas  mudanças  estão  três 

aspectos:  aumento  do  conhecimento,  maior  organização,  planeamento  e  controlo  na 

capacidade  de  pensar  e  processamento mais  rápido  e  automático.  Estas  capacidades 

permitem a realização de várias tarefas cognitivas ao mesmo tempo. 

 

Mudanças Emocionais 

  A par das alterações biológicas e cognitivas, ocorrem as alterações emocionais. 

Estas  alterações  envolvem  mudanças  na  forma  como  os  indivíduos  se  vêem  a  eles 

próprios  e  na  sua  capacidade  de  funcionar  independentemente.  Com  a  entrada  na 

adolescência aumenta a consciência de  si próprio, pelo que os adolescentes estão cada 

vez  mais  capazes  de  se  caracterizar  de  modo  complexo  e  abstracto.  A  procura  e 

estabelecimento de uma definição de  si,  isto é, de uma  identidade pessoal  constituem 

uma  das  tarefas‐chave  da  adolescência.  No  entanto,  outros  desafios  importantes  se 

colocam.  Segundo  Steinberg  (1998),  estabelecer  um  sentido  de  autonomia  e 

independência  é  uma  parte  tão  importante  da  transição  emocional  como  o 

estabelecimento da identidade.  

 

A Procura de uma Identidade 

  O  conceito de  identidade  foi «popularizado» por Erikson. Na perspectiva deste 

autor, o desenvolvimento processa‐se por etapas ou estádios psicossociais nos quais os 

indivíduos são confrontados com desafios ou crises que necessitam de ser resolvidas de 

forma adequada para enfrentar os desafios seguintes. 

  Segundo  Erikson  (1968,  1982),  a  adolescência  é  a  fase  da  vida  em  que  os 

indivíduos  devem  estabelecer  um  sentido  de  identidade  pessoal.  Este  desafio  da 

construção  da  identidade,  mais  conhecido  por  crise  de  identidade,  é  fruto  do 

desenvolvimento biológico, de expectativas culturais e de pressões sociais. A  identidade 

não  surge  espontaneamente  com  a maturação,  tem  de  ser  procurada  e  estabelecida 

através de um esforço pessoal. Para Erikson, a identidade só pode ser encontrada através 

da interacção com os outros significativos. E nesta fase da vida assumem uma importância 

especial, os amigos e os grupos de pares. As relações que se estabelecem a este nível são 

fundamentais  no  encontro  da  sua  identidade  pessoal,  na  medida  em  que  dão 

oportunidades de experimentar papéis e oferecem, em  simultâneo, uma apreciação do 

desempenho.  O  adolescente  passa,  assim,  por  um  período  de  maior  necessidade  de 

reconhecimento pelo grupo de pares e por um envolvimento quase compulsivo com este 

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grupo. Esta  ligação  forte com os pares cria uma nova dependência que vem substituir a 

dependência dos pais. Tal como a anterior, esta nova dependência precisa ser quebrada 

para que o jovem se encontre a si próprio e atinja uma identidade madura. A aquisição de 

uma identidade pessoal permite ao jovem adulto ter autonomia, iniciativa e confiança nas 

suas  decisões.  Por  outro  lado,  a  não  resolução  deste  desafio,  ou  uma  resolução 

inadequada,  leva  à  construção  de  uma  identidade  difusa,  incoerente,  ou  a  uma  má 

«consciência do eu». Segundo Erikson, muitos dos problemas de comportamento que os 

jovens  apresentam  poderão  ser  nada  mais  do  que  reflexos  de  uma  identidade  mal 

resolvida. 

  Marcia  (1980) expandiu a  teoria original de Erikson,  concretamente através de 

um enfoque especial e do alargamento de alguns aspectos  relacionados  com o estádio 

«identidade versus confusão da identidade». De acordo com Márcia, o critério para atingir 

uma  identidade madura é baseado em duas variáveis essenciais, que Erikson  identificou 

como  crise/exploração e  comprometimento. A  crise/exploração  refere‐se ao  tempo em 

que o adolescente analisa e coloca em causa os objectivos e valores definidos pelos pais, e 

começa  a procurar  alternativas  ajustadas  a  si próprio  em  termos de  valores,  crenças  e 

opções  futuras. O  comprometimento diz  respeito ao envolvimento pessoal e afirmação 

dos objectivos, valores, crenças e opções que elegeu. Combinando estes critérios, surgem 

quatro modos distintos de conceptualizar as questões da identidade na adolescência.  

1)  identidade  difusa  ou  confusa,  o  adolescente  ainda  não  explorou  hipóteses  nem  se 

comprometeu  com  alternativas  possíveis.  As  questões  da  identidade  ainda  não 

surgiram como significativas ou não foram ainda resolvidas.  

2)  comprometimento  precoce,  o  adolescente  ainda não  explorou hipóteses, mas  já  se 

comprometeu com valores e objectivos que surgem de uma identificação com os pais 

ou outros significativos. Como tal, a identidade não resulta de um investimento pessoal 

de procura de alternativas.  

3) moratória, que é uma  fase de exploração activa em que o adolescente experimenta 

diferentes papéis no  sentido de encontrar  a  sua  verdadeira  identidade. No entanto, 

ainda não se comprometeu definitivamente com nenhuma das alternativas possíveis.  

4)  aquisição  da  identidade,  o  adolescente  passou  por  um  processo  de  exploração  de 

hipóteses  bem  sucedido.  Como  resultado,  construiu  uma  identidade  madura  com 

comprometimento pessoal em  termos de ocupação, crenças e valores. Márcia  refere 

que  cada um destes  estatutos não  é  estático, mas  sim um processo  em decurso. O 

indivíduo  estabelece  um  sentido  de  identidade  progredindo  através  destes  quatro 

estatutos.  No  entanto,  segundo  o  autor,  apenas  a  moratória  é  essencial  para  a 

aquisição  da  identidade,  na medida  em  que  é  a  etapa  em  que  ocorre  exploração, 

fundamental para o estabelecimento de um verdadeiro sentido de identidade pessoal. 

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A Conquista de uma Maior Autonomia 

  A  autonomia  é  uma  tarefa  central  na  adolescência.  A  autonomia  refere‐se  à 

medida em que o processo de socialização  facilita o desenvolvimento de um sentido de 

identidade pessoal, eficácia e valor (Barber, 1997). Envolve uma mudança nas relações e 

na  representação  que  o  adolescente  tem  de  si  e  dos  outros.  Entre  estes  outros, 

encontram‐se os pais,  elementos‐chave na  tarefa da  conquista da  autonomia  (Fleming, 

1993).  Neste  período  de  vida,  o  adolescente  é  confrontado  com  duas  necessidades 

paradoxais em relação aos pais: a separação e a dependência. A separação é inicialmente 

psicológica,  traduz‐se  num  sentimento  de  desilusão  em  relação  aos  pais:  os  pais  não 

escutam,  não  permitem  o  diálogo,  não  entendem. Os  pais  deixam,  pois,  de  ser  vistos 

como os mais sábios e poderosos. Muitas vezes, perante esta desilusão, o jovem procura 

modelos no seu grupo de pares ou em outros adultos. Assim, os pais deixam de ser a sua 

única fonte primária de apoio e suporte. As preocupações, os aborrecimentos e as mais 

variadas  necessidades  podem  agora  ser  partilhadas  ou  preenchidas  por  outros 

significativos,  que  não  os  pais. No  entanto,  a  necessidade  de  dependência  continua  a 

existir.  Esta  necessidade  é,  segundo  Braconnier  e  Marcelli  (2000),  escondida  pelos 

adolescentes.  A  resistência  a  esta  necessidade  de  dependência  pode,  segundo  estes 

autores, estar na origem de muitos dos conflitos da adolescência. Contudo, é importante 

salientar que este desejo de separação, travado pela dependência, não implica uma perda 

da ligação afectiva que os adolescentes têm com os seus pais. Fleming (1993) salienta que 

uma ligação segura aos pais é condição fundamental para a autonomia. 

  Mas  o  que  é  ser  autónomo  para  um  adolescente?  E  como  se  conquista  a 

autonomia? Fleming realizou um estudo com jovens entre os 12 e os 19 anos que permite 

dar resposta a estas questões. Ser autónomo, para o adolescente, é poder decidir e agir 

de acordo com as suas  ideias e opiniões numa série de aspectos  relevantes na sua vida 

como,  por  exemplo,  saídas  com  amigos,  fins‐de‐semana,  férias,  aparência  pessoal, 

organização  do  seu  espaço  pessoal  (quarto),  gestão  do  dinheiro,  relações  afectivas  e 

resolução  de  assuntos  pessoais. A  conquista  desta  autonomia  está  relacionada  com  as 

percepções  que  os  adolescentes  têm  das  atitudes  e  do  amor  que  os  pais  têm  para 

consigo. Quanto maior a percepção de que os pais encorajam a autonomia, maior  será 

esta capacidade. Também em relação ao amor se verifica que os adolescentes que sentem 

que os pais  têm amor para com eles são aqueles que manifestam maior capacidade de 

autonomia.  De  acordo  com  as  conclusões  do  trabalho,  um  ambiente  familiar  de 

encorajamento  contínuo  da  autonomia,  de  baixo  ou  moderado  controlo  parental 

sobretudo na fase intermédia e final da adolescência, são condições fundamentais para a 

autonomia comportamental dos adolescentes. 

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Mudanças Sociais 

   As  mudanças  a  nível  cognitivo  e  emocional  influenciam  a  forma  como  os 

adolescentes  vêem o mundo  social. Os  adolescentes  têm  agora mais  capacidades para 

pensar  sobre  possibilidades,  para  auto‐análise  das  suas  cognições  e  para  perceber  e 

analisar diferentes perspectivas. Assim,  conseguem avaliar e antecipar as possibilidades 

de  resposta  e  de  comportamentos,  são  capazes  de  deduzir  características  pessoais, 

motivações  e  sentimentos  a  partir  de  comportamentos,  e  reconhecer  que  existem 

diferentes perspectivas sobre uma mesma situação (Sprinthall e Collins, 1999). 

  Apesar deste importante desenvolvimento em termos de capacidades cognitivas, 

Elkind  (1980)  refere  que  no  início  da  adolescência  os  jovens  são  frequentemente 

egocêntricos.  Este  egocentrismo  apresenta  duas  componentes:  o  público  imaginário 

(apesar do reconhecimento de diferentes perspectivas, os adolescentes têm a crença de 

que são o centro das atenções e de que a sua perspectiva prevalece sobre as outras); e a 

narrativa pessoal (a crença de que os seus sentimentos são únicos e que ninguém os pode 

entender). Segundo o autor, a maturação a nível cognitivo e as interacções com os pares 

permitirão  ultrapassar  este  egocentrismo.  E  o  grupo  de  pares  assume  realmente  uma 

posição de destaque na socialização dos adolescentes. 

  Um  dos  aspectos  mais  importantes  ao  nível  do  desenvolvimento  social  é  a 

mudança  quantitativa  e  qualitativa  ao  nível  dos  contextos  sociais  significativos  para  o 

adolescente. Com a aquisição de uma maior autonomia, o jovem passa menos tempo em 

casa com os pais e dirige este  tempo para estar com os pares. Os pares  têm, durante a 

adolescência  um  papel  especialmente  importante  no  desenvolvimento  do  jovem, 

nomeadamente  como um  espaço onde  é permitido  experimentar novos papéis  sociais, 

um espaço de diálogo acerca dos seus problemas pessoais, escolares e profissionais, um 

espaço  de  formação  e  partilha  de  opiniões  acerca  dos  próprios  indivíduos,  dos  outros 

relevantes e do mundo social. 

Adaptado de M. C. Simões, Comportamentos de Risco na Adolescência, 2007 

 

 

 

Page 16: Texto_Tema2

16

Texto  3:    

O Comportamento de Vinculação  

A energia que o homem e a mulher dedicam à produção de 

bens  materiais  aparece  quantificada  em  todos  os  nossos  índices 

económicos.  A  energia  que  um  homem  e  uma mulher  dedicam  à 

produção, na sua própria casa, de filhos felizes, saudáveis e seguros 

de  si  mesmos,  não  contam  para  nada.  Criámos  um  mundo  ao 

contrário.  J. Bowlby, 1988 

 

Capítulo  1.  Um  modelo  em  dupla  hélice  do  desenvolvimento  psicológico:  vincula‐

ção/separação ao longo do ciclo de vida  

1. Introdução 

  Em 2003 celebraram‐se os 50 anos da publicação, na revista Nature, daquela que 

pode ser considerada a mais marcante descoberta da biologia molecular do século XX: o 

modelo em dupla hélice da molécula de ADN, elaborado por James Watson e Francis Crick 

(1953). Para além do seu valor simbólico e heurístico, o modelo da dupla hélice permeou 

a cultura popular e tornou‐se parte do imaginário do nosso tempo. 

  Não  admira  assim  que  a  dupla  hélice  me  tenha  surgido  como  um  modelo 

inspirador  do  desenvolvimento  psicológico  do  ser  humano.  A  minha  dupla  hélice 

apresenta  o  desenvolvimento  humano  como  resultado  da  interacção  dinâmica  entre 

hélices  psicológicas,  a  do  processo  de  vinculação  e  a  do  processo  de  separação‐

individuação.  Esta  perspectiva  contraria  a  perspectiva  mais  clássica  da  Psicologia  do 

Desenvolvimento,  que  tenta  integrar  as  numerosas,  e  por  vezes  contraditórias,  teorias 

contemporâneas  sobre  componentes  cognitivas, morais  ou  sociais  do  desenvolvimento 

humano. 

  Sugiro,  portanto,  uma  nova  orientação:  investigar  o  desenvolvimento  da 

personalidade como dinâmica interactiva entre individuação e vinculação, processos que, 

embora estando, como defendo, interligados, têm sido investigados em separado. 

 

2. Revisitando a dupla hélice do ADN 

  A molécula de ADN pode ser descrita, metaforicamente, como uma escada em 

espiral em que os seus dois longos corrimãos são sustentados por numerosos degraus. Os 

corrimãos correspondem às duas  longas cadeias em espiral de elementos repetitivos de 

açúcares‐fosfatos: os degraus que unem  transversalmente os  corrimãos,  são os compo‐

nentes «nobres» da molécula: cada degrau é um par de bases complementares e, no seu 

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conjunto, armazenam  toda a  informação genética da  célula ou do  indivíduo. Devido ao 

facto de  todos os degraus da escada  terem o mesmo comprimento, os corrimãos man‐

têm‐se a uma distância constante ao  longo de  toda a cadeia da molécula de ADN. Esta 

distância constante entre as duas hélices constitui uma clara diferença entre a molécula 

de ADN e o modelo da dupla hélice para o desenvolvimento psicológico humano que pro‐

ponho,  já que no meu modelo as hélices da vinculação e da separação‐individuação vão 

variando de distância entre si ao longo da vida. 

 

 

 

 

3. A dupla hélice psicológica: a hélice da vinculação e a hélice da separação 

  Tal  como a molécula de ADN, a dupla hélice psicológica  consiste numa espiral 

feita  de  duas  longas  e  sinuosas  cadeias,  tal  como  está  ilustrado  na  figura  da  página 

seguinte. A extensão desta dupla hélice corresponde à extensão total do ciclo de vida do 

ser  humano.  Uma  das  hélices  representa  o  grau  de  vinculação  do  sujeito  a  outro  ser 

humano; a outra hélice  refere‐se ao grau de  separação‐individuação do mesmo  sujeito. 

Estas duas vertentes do desenvolvimento psicológico vão sofrendo alterações durante as 

diferentes idades do ser humano, ora se aproximando ora se afastando do eixo central da 

dupla hélice. 

 

4. Principais características da dupla hélice psicológica 

  O modelo rege‐se pelos seguintes postulados: 

(i)  O  desenvolvimento  psicológico  humano  progride  de  acordo  com  um  padrão 

ascensional em espiral de dupla hélice, organizando‐se de forma assimétrica em torno 

de um eixo central  já que, habitualmente, uma hélice predomina  sobre a outra  (em 

contraste com os modelos bidireccionais compostos por duas linhas que caminham em 

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sentido  contrário,  como  é  o  caso,  por  exemplo,  do  modelo  de  desenvolvimento 

proposto por Erikson). 

 (ii) As hélices mantêm‐se activas ao  longo do ciclo de vida e mudam a sua distância em 

relação ao eixo  central, em  função de estímulos  internos e externos que afectam o 

psiquismo humano,  no  quadro do processo  interactivo  entre  o  ser  e o meio que o 

rodeia. 

 (iii)  As  duas  hélices  entram  em  interacção  través  de mecanismos  de  retroacção  que 

modulam a distância entre si e, naturalmente também, a distância que as separa do 

eixo central da estrutura. Uma maior distância representa que nesta fase do ciclo de 

vida uma das duas  linhas de desenvolvimento predomina sobre a outra, significando 

que  as  tarefas  de  desenvolvimento  que  lhe  correspondem  estão mais  activas  (por 

exemplo, na primeira infância as tarefas de desenvolvimento que visam a vinculação 

predominam sobre as que visam a separação‐individuação). 

 

O  objectivo  principal  do  modelo  é  o  de  afirmar  que  ocorre  uma  interacção 

dialéctica,  ao  longo  de  toda  a  vida,  entre  a  vinculação  e  a  separação‐individuação. 

Contrariamente  à  visão  tradicional  que  apresenta  estes  dois  desenvolvimentos  como 

antagonistas,  aqui o que  se propõe  é ma  visão que  consiste  em  afirmá‐los  como duas 

entidades que co‐evoluem  interactivamente: o estabelecimento de vínculos entre pais e 

filhos potencia a separação‐individuação, esta, por sua vez, estimula o sistema vinculativo 

e o  indivíduo pode permitir‐se o afastamento e a separação porque se sente  ligado aos 

pais por vínculos seguros. 

 

 

 

5. Premissas da «dupla hélice psicológica» 

Vinculação (V) Separação-Individuação (SI)

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  O modelo assenta nas seguintes premissas: 

1) O desenvolvimento psicológico humano ocorre/decorre na  tensão dialéctica  entre o 

processo de vinculação e o processo de separação‐individuação, concebido como duas 

hélices  que  evoluem  em  torno  de  um  eixo,  que  representa  a  evolução  psicológica, 

aproximando‐se mais  ou menos  deste  eixo  consoante  predominam  os  processos  de 

vinculação ou de separação, no quadro das sucessivas matrizes familiares. 

2) Estes dois processos ocorrem  em  simultâneo,  estão presentes desde o período pré‐

natal, mantêm‐se activos e permanecem como motores de desenvolvimento ao longo 

e todo o ciclo vital. 

3) A vinculação responde à necessidade primária de criar ligações afectivas, de apegar‐se a 

outros seres humanos, como meio de assegurar segurança e protecção. 

4) A individuação responde à necessidade primária de criar a sua própria individualidade, 

a  sua  própria  identidade,  à  necessidade  de  não  se  fundir/confundir  com  o Outro  a 

quem se está vinculado 

5) Estes dois processos, articulados entre si, vão conhecendo configurações diferentes, em 

função das tarefas de desenvolvimento específicas de cada etapa de desenvolvimento 

ao  longo do ciclo de vida do  ser humano  (se, por exemplo, no período perinatal é a 

vinculação  que  predomina,  na  adolescência  é,  ao  contrário,  a  individuação  que 

desempenha o papel mais forte. 

 

6. O início da dupla hélice: da infância precoce à infância propriamente dita 

  Do mesmo modo que nos primatas, a vinculação entre os progenitores e as suas 

crias  tem uma  função  fundamental de sobrevivência, assegurando a protecção das crias 

face aos seus predadores, a vinculação nos seres humanos cria a base para os sentimentos 

de protecção e de segurança da criança. A vinculação tem ainda a função fundamental de 

assegurar  as  ligações  trangeracionais,  ligando  afectivamente as  famílias de  ascendência 

com as famílias de descendência ao longo de todo o ciclo vital. 

  De igual forma, se na família humana os pais asseguram a função de vinculação, 

eles  também  são  responsáveis pelo  incentivo da  função de  separação‐individuação. No 

contexto  emocional  das  interacções  precoces  com  o  bebé  e  através  da  parentalidade 

intuitiva e a intencionalidade educativa, os pais estimulam a emergência de processos de 

simbolização  (acesso  ao  diálogo,  ao  símbolo  e  à  linguagem)  permitindo  que  a  criança 

inicie os  comportamentos exploratórios e a  sua progressiva  integração no meio  físico e 

sociocultural que a rodeia. 

 

7. A vinculação predomina no recém‐nascido 

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  A vinculação inicia‐se ainda durante o período de gestação, quando a mãe cria o 

primeiro vínculo ao seu bebé imaginário ainda antes do vínculo ao bebé real, após o nas‐

cimento deste. Bowlby (1951) sugere a existência, no bebé, de sistemas comportamentais 

inatos  prestes  a  serem  accionados  imediatamente  após  o  nascimento.  Estes  sistemas 

(compostos pelos comportamentos de mama, agarrar, seguir, chorar, sorrir) visam estabe‐

lecer o apego a figuras específicas que se mostrem mais próximas e permanentes e que 

asseguram a sobrevivência do bebé, o que habitualmente é desempenhado pela mãe bio‐

lógica. 

  É  a  existência  de  um  sistema  de  comportamentos  inatos,  prestes  a  serem 

accionados  logo  após  o  nascimento,  que  permite  ao  bebé  vincular‐se  a  figuras  de 

protecção. Mas  é  também  a  existência  de  capacidades  perceptivas muito  precoces  de 

reconhecimento e de diferenciação do Outro que permite ao bebé  iniciar um processo 

que visa a sua individuação. 

  As  observações  de  Brazelton  e  colaboradores  (1979;  1991,  1994)  revelaram  o 

papel que, desde o seu nascimento, o bebé assume no estabelecimento de relações com 

o  objecto  materno,  mostrando  competências  muito  precoces  de  discriminação  e  de 

diferenciação em relação ao que o rodeia. Imediatamente após o nascimento, o bebé em 

estado de «alerta» é capaz de atenção focal e de diferenciar entre imagens, vozes e sons. 

  Destaco  os  estudos  de  Brazelton  que  evidenciam  a  capacidade  do  bebé  para 

estimular comportamentos maternos de resposta: se, por acaso, ela não responde, o bebé 

prossegue no  seu  esforço para  captar  a  sua  atenção,  só  vindo  a  desinteressar‐se  após 

tentativas muito  activas  e  continuadas. De  acordo  com  este  autor  «o  bebé nasce  com 

meios excelentes para dar a conhecer as suas necessidades e também para agradecer aos 

que o cercam. De facto, pode até escolher o que espera dos seus pais (1981: 387). 

  A capacidade precoce de criar vínculos e a capacidade de diferenciar, são funções 

básicas na evolução e estruturação normal do psiquismo humano,  fundamentais para o 

seu desenvolvimento emocional e cognitivo. É da qualidade e quantidade das experiências 

relacionais com as figuras cuidadoras, propiciadoras de sentimentos de satisfação versus 

frustração, que se vão constituindo os  ingredientes básicos para que o desenvolvimento 

se processe de forma mais ou menos harmoniosa. 

  Se o sistema vinculativo se mostra apto a responder às necessidades do bebé, e 

se  a  vinculação  entre  a mãe  e  o  bebé  é  propiciadora  de  prazer  para  ambos,  o  bebé 

adquire confiança no seu cuidador, e cria objectos  internos confiáveis, suportes mentais 

para a sustentação do sentimento  interno de segurança e de autoconfiança. Isto mesmo 

também  foi  posto  em  evidência  por Mahler  (1968,1975):  se  os  pais  respondem  com 

sensibilidade  às  necessidades  do  bebé  e  providenciam  um meio  seguro  à  criança,  ela 

progride na  sua  capacidade  de  explorar  o  seu meio  ambiente  de modo  cada  vez mais 

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complexo  e  a maior distância,  sabendo que  ela pode  sempre  regressar para perto dos 

pais. 

  Um padrão organizado de vinculação propicia à criança um continuado sentimen‐

to  interno de segurança. Ele vai‐se estabelecendo ao  longo do primeiro ano de vida e é 

este sentimento que permite ao bebé tolerar a ausência temporária da mãe, porque ele 

acredita que ela vai voltar (Ainsworth, 1978). Se, pelo contrário, a qualidade das  interac‐

ções precoces não é de boa qualidade, no sentido que Bowlby lhe dá (1988), a ansiedade 

que  se  gera  pode  atingir  níveis  dificilmente  tolerados  pelo  bebé  e,  neste  caso, podem 

ocorrer fenómenos que perturbam o seu desenvolvimento psíquico. 

  As  funções  maternas  de  contenção  –  capacidade  de  conter/integrar 

mentalmente  as  experiências  emocionais  do  filho  –  e  de  rêverie  –  capacidade  de 

transformar  as  experiências  emocionais  em  representações  e  atribuir‐lhes  significado  – 

foram  descritas  por  Bion  (1962).  Vários  outros  estudos  concluíram  que  a  capacidade 

materna  de  contenção  dos  estados  mentais  do  bebé  aumenta  a  confiança  deste  na 

capacidade materna de o  cuidar  com  afecto, de  tal  forma que o bebé  sente que pode 

recorrer  a  ela  nos  estados  de  sofrimento  e  de  grande  excitação.  A  expectativa  de  ser 

consolado e confortado fortalece o vínculo emocional da criança com a pessoa que cuida 

dela. 

 

8. A interacção dinâmica entre vinculação e separação inicia‐se na primeira infância 

  É o sentimento de segurança e de confiança no Outro que estimula a criança a 

ter  comportamentos  de  exploração  do meio  que  a  cerca,  a  afastar‐se  das  figuras  de 

vinculação e a  iniciar o processo de separação‐individuação. É  também este sentimento 

que  alicerça  a  auto‐estima  e  a  autoconfiança  da  criança,  criando  condições  para  a 

separação física dos pais, constituídos agora como «pais internos» que não desaparecem, 

mesmo quando estão fisicamente ausentes. 

  Deste modo, os processos de vinculação e de separação‐individuação potenciam‐

se mutuamente e a espiral do desenvolvimento progride. De acordo com este modelo, o 

estabelecimento  de  ligações  afectivas  constitui  a  primeira  e  fundamental  base  para  a 

separação‐individuação  e  esta,  por  sua  vez,  estimula  o  sistema  vinculativo.  Neste 

contexto, a criança pode permitir‐se o afastamento dos cuidadores porque se sente ligada 

a elas por vínculos seguros. 

  Diferentes  trabalhos  de  investigação  realizados  as  últimas  décadas mostram  a 

relação entre a qualidade dos vínculos estabelecidos e o desenvolvimento de capacidades 

cognitivas infantis. Se o vínculo for seguro, a criança está em melhores condições de men‐

talizar. Target & Fonaggy  (1996) afirmam que «as crianças cuja necessidade de apego é 

completamente atendida parecem sentir‐se livres para explorar a mente das pessoas que 

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cuidam delas e estão numa situação duplamente vantajosa para o seu desenvolvimento. À 

sensitividade materna, mediador‐chave  da  interacção  precoce mãe‐bebé  estes  autores 

juntam um outro mediador, a função reflexiva: a capacidade dos pais espelharem as suas 

próprias mentes e as mentes dos seus filhos. Uma função altamente reflexiva protege os 

filhos contra uma vinculação insegura. Isto significa que o desenvolvimento emocional e o 

desenvolvimento cognitivo progridem em simultâneo. 

 

9. A separação‐individuação acentua‐se a partir do primeiro ano de vida 

  A aquisição da consciência de si como um ser separado traz grandes benefícios 

para a autonomia da criança, que assim pode expandir as suas ligações a outras figuras do 

seu  meio  familiar  e  extra‐familiar.  Durante  a  fase  de  ensaios  –  dos  9  aos  16  meses 

aproximadamente – a criança, devido à sua maior mobilidade, deseja conquistar o mundo 

físico à sua volta. A consciência de se saber um ser separado é simultaneamente dolorosa 

e  necessária  à  criança  como  condição  indispensável  para  a  saída  da  concha  fusional 

familiar. O reconhecimento da sua imagem na fase do espelho (Lacan) e a capacidade do 

«não»  (Spitz)  são  alguns  dos  indicadores  e  organizadores  psicológicos  da  progressiva 

diferenciação do Eu. Eles constituem a base a partir da qual a criança evolui para níveis 

mais complexos de construção da  individualidade e de uma rede cada vez mais alargada 

de ligações afectivas, dentro e fora do espaço de convivialidade familiar.  

Na fase seguinte do processo de separação‐individuação, designada por fase de 

reaproximação,  entre  os  16  e  os  24  meses  de  idade,  o  movimento  em  direcção  à 

individuação conhece um notável incremento, inicialmente num registo de ambivalência, 

uma vez que a criança alterna entre o desejo de desvinculação e o desejo de aproximação 

às  figuras de vinculação. Mais  tarde, a ambivalência diminui e o desejo de  individuação 

estimula  a  criança  a  tornar‐se  cada  vez mais  autónoma.  Pelo  terceiro  ano  de  vida,  a 

criança progride para novos estádios como resultado de uma vinculação segura aos seus 

objectos de amor, os cuidadores primários, em combinação com a «autonomia, a individuação, 

a constância e coesão do Eu». 

As  mudanças  psíquicas  estruturais  preparam  a  criança  para  a  resolução  de 

questões  relacionadas  com  o  complexo  de  Édipo  e  para  o  desenvolvimento  cognitivo, 

nomeadamente para o desenvolvimento de competências interpessoais (Selman, 1981): a 

capacidade  de  perceber  que  o  Outro  tem  sentimentos  e  pensamentos  separados  e 

diferentes dos que  lhe são próprios. A capacidade da criança  reconhecer o Outro como 

alguém  que  é  psicologicamente  diferente  de  si  permite  um  avanço  significativo  na 

individuação  e,  em  consequência,  a  hélice  separação‐individuação  torna‐se 

predominante. 

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Simultaneamente, estas novas competências estimulam o progresso na hélice de 

vinculação:  a  criança  relaciona‐se  cada  vez  mais  com  o  meio  social  e  adquire  novas 

capacidades para a cooperação, o desempenho de papéis e para um novo tipo de relações 

emocionais. 

 

10. Entre a infância e a adolescência: o período de latência 

Apesar do alargamento dos  laços e das  relações sociais  (aos amigos e pares de 

idade,  no  infantário,  na  escola  e  noutros  contextos  sociais)  e  apesar  do  desejo  de 

conquistar  cada  vez mais  autonomia  face  ao  controlo  dos  pais,  o  desejo  de  viver  no 

espaço  familiar, a necessidade de protecção e a adesão aos valores e estilos de vida da 

família não são postos em causa pela criança no período de  latência dos 6 aos 10 anos 

aproximadamente). A tensão entre as hélices de vinculação e de separação‐individuação 

atenua‐se e a distância de cada uma ao eixo central é equivalente.  

A  família  é  então  o  contexto  de  vida  mais  importante  e  a  dependência  é 

valorizada  positivamente.  A  espiral  do  desenvolvimento  progride  para  novas  tarefas  à 

medida  que  a  tensão  gerada  entre  as  duas  hélices  é  superada  e  se  avança  em 

competências sociais e relacionais. Às grandes mudanças da primeira e segunda  infância 

segue‐se  um  período  de  acalmia  no  plano  pulsional/afectivo  e  no  plano  das  relações 

familiares. 

Um  acontecimento  biológico,  a  puberdade,  irá  perturbar  esta  fase  do 

desenvolvimento  psicológico.  Durante  a  puberdade,  o  calendário  genético  impõe  a 

maturação  genital  e  esta  irá  introduzir  novos  e  significativos  dados  no  equilíbrio 

psicológico da criança e no equilíbrio  familiar. A emergência de novas competências de 

empatia,  mutualidade  e  de  preocupação  com  o  Outro  preparam  a  criança  para  o 

desenvolvimento  de  dimensões mais  complexas  da  hélice  da  separação‐individuação  o 

que, por sua vez, potencia novas experiências no plano da vinculação. 

 

11. A separação‐individuação predomina na adolescência 

  A partir da puberdade, a hélice da separação‐individuação vai ser predominante 

e  puxar  inevitavelmente  para  a  consolidação  de  níveis  mais  complexos  e  radicais  de 

autonomia. Os  vínculos  aos  pais  perdem  a  sua  força  tão  atractiva,  e  a  protecção  e  o 

controlo parental, aceites pacificamente até aí,  são questionados e  tornam‐se  fonte de 

conflitualidade  entre  pais  e  filhos,  particularmente  durante  o  segundo  processo  de 

individuação do adolescente. 

  O  valor  da  dependência  e  da  vinculação  aos  pais  é  questionado  e  o  valor  da 

autonomia  de  comportamentos  e  de  atitudes  começa  a  impor‐se.  O  adolescente 

manifesta  novos  desejos  e  inicia  comportamentos  até  aí  não  realizados.  A  entrada  na 

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adolescência, como acontecerá com a saída e entrada na  idade adulta, são períodos de 

transição que desafiam o sistema familiar para a mudança. 

  A evolução das  capacidades  cognitivas para um novo estádio, o das operações 

formais, caracterizado pelo pensamento formal, introduz a capacidade de pensar em abs‐

tracto, de modo  complexo e  flexível e de um  raciocínio  social‐cognitivo. O adolescente 

passa a ser capaz de «pensar em perspectiva» e de reconhecer o carácter de mutualidade 

das relações com os pais. 

  O  adolescente  sente‐se  atravessado  por  forças  que  o  puxam  em  sentido 

contrário: por um lado o desejo de ficar no espaço de protecção da família e manter a sua 

vinculação  aos  pais  e  por  outro  o  desejo  de  partir,  de  aumentar  os  comportamentos 

exploratórios fora da esfera e do controlo parental. 

Os  resultados  da  minha  própria  investigação  nesta  área  mostraram 

repetidamente que o desejo de autonomia  se manifesta desde o período peripuberal e 

que  os  comportamentos  autónomos  aumentam  de  forma  contínua  ao  longo  da  idade, 

sendo uma das fontes de conflitualidade entre pais e filhos (Fleming, 2005). A capacidade 

de desobedecer e de  se comportar de acordo com as escolhas e valores pessoais, num 

processo  que  implica  a  desidealização  das  figuras  parentais,  vai‐se  impondo 

progressivamente à medida que o período adolescente avança. 

Apesar  da  notável  variabilidade  do  comportamento  adolescente,  posta  em 

evidência  nomeadamente  nos  estudos  pioneiros  de  Margaret  Mead,  teóricos  e 

investigadores estão de acordo em afirmar que a principal tarefa de desenvolvimento na 

adolescência  é  a  autonomia,  intrinsecamente  ligada  ao  processo  de  separação‐

individuação. A separação  intrapsíquica e relacional  (entre pais e adolescentes) organiza 

todas as outras mudanças de desenvolvimento: a remodelação interna da ligação aos pais, 

a consolidação da autonomia e da  identidade. O adolescente e os pais têm de se ajustar 

mutuamente e encontrar novos papéis, novas hierarquias na regulação do poder parental. 

As  relações  familiares  evoluem  da  dependência  para  uma  maior  mutualidade  e 

reciprocidade. 

 

12. A transição para a idade adulta: replicações 

  A transição para a idade de jovem adulto coloca ao ser humano novos desafios e 

obriga‐o a empenhar‐se em novas tarefas de desenvolvimento. Se na fase anterior era o 

ganho  em  autonomia  o  mais  importante,  agora  é  a  capacidade  para  a  intimidade  a 

principal tarefa de desenvolvimento (Erikson, 1968). O  jovem adulto «está pronto para a 

intimidade, ou seja, para se comprometer com afiliações e relações específicas». 

  A hélice da vinculação replica‐se, ou seja, enquanto as vinculações primárias se 

mantêm, novas vinculações têm  lugar. A capacidade de se envolver em relações de  inti‐

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midade vai trazer a capacidade para o casamento. O ser humano é agora um ser capaz de 

gerar  (a principal  tarefa de desenvolvimento do estado adulto, de acordo  com Erikson, 

1963) não só os seus filhos, mas também ideias e uma grande variedade de realizações. A 

hélice da vinculação desdobra‐se e dá  lugar à hélice das novas vinculações  trazidas pela 

constituição de  laços  familiares complexos aos pais e  também aos  filhos, numa  rede de 

afiliações transgeracional. 

  A  investigação nesta  área  tem  repetidamente mostrado que os  jovens  adultos 

depois da sua saída de casa apresentam níveis mais elevados de separação‐individuação, 

como  seria de esperar, mas  também e, mais  surpreendentemente, evidenciam vínculos 

mais  fortes aos pais. Quando se  tornam pais, mostram uma maior proximidade afectiva 

entre eles próprios e os seus pais. A vinculação, tal como dissemos atrás, assegura agora 

as  ligações  transgeracionais,  vinculando  as  famílias  de  ascendência  com  as  famílias  de 

descendência. 

  A  investigação  empírica  tem demonstrado que  também que os  jovens  adultos 

que melhor progridem em  termos de desenvolvimento psíquico  (medido pelo seu bem‐

estar, adaptação a novas situações, níveis mais bem  integrados no plano da  identidade, 

maior capacidade de estabelecer relações de intimidade e tendo mais sucesso após a sua 

saída  da  família  de  origem)  são  também  aqueles  que  apresentam  um maior  grau  de 

separação‐individuação  (medido  pela  capacidade  de  controlo  pessoal,  autonomia  e 

sentido de responsabilidade), em simultâneo com um maior grau de vinculação, expresso 

pela capacidade de ligação afectiva e pela proximidade aos pais. 

  A  interacção entre vinculação e separação‐individuação encontrada ao  longo da 

infância  e  adolescência  continua  na  idade  adulta: mais  uma  vez  se  constata  que  uma 

vinculação  segura  favorece  a  separação‐individuação,  separadas mas  em  interconexão, 

ascendem na espiral de dupla hélice do desenvolvimento humano. 

 

13. Da maturidade à velhice 

  Com a entrada na última fase do ciclo de vida, a hélice da vinculação volta a ser 

predominante  e  a  comandar  o  desenvolvimento  nesta  fase.  A  perda  de  capacidades 

associadas  ao  envelhecimento  transforma  o  ser  humano  num  ser  cada  vez  mais 

dependente, o que reactiva os comportamentos de vínculo, sob um registo ansioso. 

  A  tensão  entre  as  duas  hélices  que,  no  decurso  do  ciclo  de  vida  humana, 

funcionou como motor de desenvolvimento psicológico, decai na velhice: as duas hélices 

aproximam‐se e a hélice da vinculação volta a ser predominante como acontecia no início 

da vida. 

  A morte representa uma ruptura, lembrando a ruptura física da molécula de ADN 

quando ocorre a morte celular programada, a apoptose, mas os laços afectivos persistirão 

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como  marca  e  como  recordação  nos  descendentes  ao  longo  dos  anos,  revelando, 

portanto, que o poder da vinculação humana continua para além da morte. 

Adaptado de Fleming, M., Entre o Medo e o Desejo de Crescer, 2005 

 

 

A Vinculação 

O  conceito  de  vinculação  surge  na  segunda metade  do  século  XX,  a  partir  da 

constatação dos efeitos das separações e carências afectivas resultantes da experiência da 

Segunda Guerra Mundial. A institucionalização de crianças pequenas, separadas dos pais e 

em  condições  precárias,  ou  a  hospitalização,  por  períodos  prolongados,  foram  outros 

aspectos que sugeriram um conjunto de estudos com conclusões surpreendentes. Outro 

aspecto  ainda  que  suscitou  a  atenção  para  este  conceito  foi  a  progressiva  saída  das 

mulheres  para  o  mundo  do  trabalho  e  a  necessidade  de  criação  de  instituições  que 

prestassem cuidados às crianças. 

Com  o  aumento,  há  bem  poucas  décadas  atrás,  do  número  de  mulheres  a 

trabalhar fora de casa, a questão dos cuidados às crianças teria que ser posta, mais que 

não  fosse por aqueles que consideravam estes comportamentos desadequados e que a 

função  feminina se deveria  restringir aos cuidados com a  família. Também a difusão da 

informação relativamente aos estudos da psicologia sobre os comportamentos maternais, 

desde  o  aleitamento  até  à  relação  de  vinculação,  muitas  vezes  mal  interpretada  e 

apresentada  nos meios  de  comunicação  social  de modo  superficial  e  distorcida,  veio 

acender o debate e criar em muitas mulheres sentimentos de culpa perturbadores. 

Não é por acaso que o tempo legislado de permanência da mãe com o seu bebé, 

após o parto,  tem  vindo  a  aumentar. A questão da  colocação da  criança numa  creche 

prende‐se com a acumulação de factores de risco que as  instituições podem apresentar, 

como, por exemplo, mudanças constantes de pessoal, remunerações instáveis e precárias, 

condições  deficientes.  Mas  também  com  a  acumulação  de  factores  de  risco  que  as 

famílias podem apresentar como vulnerabilidade social e económica, pais cansados e com 

pouca  disponibilidade  para  cuidar  adequadamente  as  crianças.  Vários  estudos  têm 

mostrado  que  os  factores  familiares  são  mais  importantes  para  o  desenvolvimento 

saudável da relação de vinculação do que os factores da instituição de guarda. 

A  questão  fundamental  que  ressalta  de  todo  o  debate  é  que  as  crianças 

necessitam de estabelecer  ligações seguras a adultos do seu meio ambiente. Se «os pais 

estão satisfeitos consigo mesmos e com as suas decisões, e se o bebé tem uma ama ou 

auxiliar da creche que se  liga a ele e  lhe  incute um sentimento de  insegurança, então a 

criança  pode  de  facto  desenvolver  uma  vinculação  segura  com  a  ama  ou  a  auxiliar, 

construindo assim vínculos sólidos com os pais (…). Em todo o caso é preciso não confiar 

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em pontos de vista baseados em generalizações abusivas, que não têm qualquer validade 

científica, ou posições puramente  ideológicas e “politicamente correctas”»  [Karen, 1994, cit. 

por Guegeney e Guedeney, 2002: 82‐83]. 

 

Os estudos de Bowlby 

As primeiras fases da vida são decisivas para o desenvolvimento de uma criança. 

As relações que estabelece com o mundo que a rodeia, designadamente através dos pais, 

asseguram‐lhe as condições para a sua sobrevivência e desenvolvimento, por exemplo, o 

alimento,  o  abrigo,  o  conforto  e  a  segurança.  O  psiquiatra  britânico  John  Bowlby 

desenvolveu  uma  teoria  a  partir  de  uma  hipótese:  a  relação  privilegiada  que  o  bebé 

estabelece com a mãe é decisiva para o seu desenvolvimento físico e psicológico. Bowlby 

designa  por  vinculação  os  laços  que  se  vão  construindo  entre  a  mãe  e  o  bebé.  A 

vinculação é a necessidade de criar e manter relações de proximidade e afectividade com 

os  outros,  de  o  bebé  se  apegar  a  outros  seres  humanos  para  assegurar  protecção  e 

segurança. 

Esta  relação,  que  se  manifesta  pela  necessidade  de  contacto  físico  e  de 

proximidade,  seria,  tal  como  a  fome  e  a  sede,  uma  necessidade  básica  ou  primária. 

Segundo  a  teoria  de  Bowlby,  para  assegurar  estas  relações  existem  esquemas 

comportamentais  inatos  que  se manifestam  logo  após  o  nascimento  e  que  permitem 

estabelecer laços com as pessoas mais próximas, geralmente com a mãe biológica. Assim, 

chorar, sorrir, mamar, agarrar, seguir com o olhar constituem os comportamentos que o 

bebé  adopta  para  manter  a  relação  privilegiada  com  as  figuras  de  vinculação,  de 

protecção. 

Bowlby  explica  a  relação  de  vinculação  através  da  Teoria  dos  Sistemas  de 

Controle. Ele começou por trabalhar sobre a problemática das perturbações apresentadas 

pelos lactentes separados da mãe, e só mais tarde se tornou um teórico da vinculação. O 

seu trabalho apresenta uma síntese entre a psicanálise, no que se refere à perda da liga‐

ção maternal,  e  a  etologia, no que  se  refere  ao  imprinting. O  fenómeno de  imprinting 

demonstra  que  em  algumas  espécies  podem  desenvolver‐se  e  persistir  laços  entre 

indivíduos  sem  que  haja  necessariamente  satisfação  das  necessidades  fisiológicas 

primárias. 

Durante muito tempo pensou‐se que os animais nasciam com  instintos, respos‐

tas  comportamentais  prontas  a  utilizar,  enquanto  que  os  seres  humanos  tinham  de 

aprender  tudo.  Hoje,  compreendemos  que  esta  oposição  radical  entre  o  instinto  e  a 

aprendizagem, entre o animal e o homem, era falsa. Tanto para um como para outro, a 

aprendizagem, mais ou menos  longa, é quase  sempre necessária. Tanto para um  como 

para outro, existem  sistemas de  reacção  inatos, mais ou menos numerosos, e pensa‐se 

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que,  tanto para um  como para outro,  a  activação destes  sistemas  se  realiza em  certos 

períodos. O essencial é a existência destes sistemas, a  identificação da vinculação como 

um destes sistemas, e o facto deste sistema descoberto no animal existir nos seres huma‐

nos. 

Para Bowlby, há  cinco  comportamentos, padrões  fixos de  acção, que  estão  ao 

serviço da vinculação. São eles o chupar, agarrar, seguir, chorar e sorrir. No  início, estes 

comportamentos  são  relativamente  independentes uns dos outros, mas no decurso do 

primeiro ano de vida integram‐se num comportamento, cuja função é a de ligar a criança 

à mãe e contribuem para a dinâmica recíproca desta relação. Enquanto que em relação ao 

chupar, agarrar e seguir, o bebé é o principal elemento activo, o choro e o sorriso servem 

para  activar  o  comportamento maternal,  actuando  como  desencadeadores  sociais  de 

respostas das mães. 

Bowlby frisa que um dos pontos principais da sua tese é que cada uma das cinco 

respostas que  sustentam  a  ligação  à mãe  está presente devido  ao  seu  valor de  sobre‐

vivência. Afirma ele que a não  ser que haja poderosas  respostas  inatas que assegurem 

que  a  criança desperta  a  atenção maternal  e  permanece  numa  proximidade  íntima  da 

mãe, durante os anos da  infância, a criança morrerá. Desta  forma, no decurso da nossa 

evolução, o processo de  selecção natural  levou  a que o  choro e o  sorriso, o  chupar, o 

agarrar e o seguir se tornassem respostas específicas da espécie humana.  

Bowlby afirma que todas as respostas  instintivas parecem atingir um máximo e 

depois  decrescem.  «Conforme  os  anos  passam,  primeiro  a  sucção,  depois  o  choro  e 

depois  o  agarrar  e  o  seguir,  todas  diminuem.  Até  o  sorridente  bebé  de  dois  anos  se 

transforma  na  criança  de  escola  mais  solene.  São  um  quinteto  que  compreende  um 

repertório bem adaptado à  infância, mas que, tendo cumprido a sua  função, é relegado 

para um lugar secundário. Não obstante, nenhuma delas desaparece. Todas permanecem 

em  diferentes  graus  de  actividade  ou  latência  e  são  utilizadas  em  novas  combinações 

quando  o  repertório  adulto  amadurece.  Além  disso,  algumas,  em  particular  chorar  e 

agarrar, voltam a um estado anterior de actividade, em situações de perigo, doença ou 

incapacidade. Nestes  papéis,  desempenham  uma  função  natural  e  saudável  que não  é 

necessariamente regressiva.  

Dois  conceitos  são  ainda  importantes  para  entender  a perspectiva  de Bowlby. 

São eles o de ambiente de adaptabilidade evolutiva e o de proximidade. O conceito de 

ambiente de adaptabilidade evolucionista sugere que o comportamento de vinculação é 

um  comportamento  adaptativo  necessário  à  sobrevivência,  inscrito  biologicamente  e 

resultado  do  processo  evolutivo  da  espécie  humana.  Dado  a  vulnerabilidade, 

inacabamento ou aquilo que se costuma chamar imaturidade do bebé humano, os adultos 

que o rodeiam são  fundamentais não só para o protegerem dos perigos do meio, numa 

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perspectiva evolutiva, como também para garantirem o desenvolvimento das estruturas 

psíquicas necessárias ao processo de se tornar humano. 

O conceito de proximidade  implica uma noção espacial  relacionada com a dis‐

tância física necessária entre o bebé e a figura parental que permite, no comportamento 

de vinculação, responder às necessidades da criança, proporcionando‐lhe um sentimento 

de segurança. 

 

Alguns estudos marcantes sobre a necessidade de vinculação 

Todos estamos de  acordo que, durante o primeiro  ano de  vida,  a  criança des‐

envolve uma forte relação com a figura maternal. O interessante é perceber por que razão 

é que isto se passa assim. 

  Inicialmente a criança era considerada como um ser que passava dum estado pu‐

ramente  biológico  ao  estado  de  ser  social  por  aprendizagem.  Segundo  alguns 

investigadores, os bebés só encontrariam prazer na companhia do adulto em virtude de 

associarem o adulto à satisfação de necessidades fisiológicas. A criança teria necessidades 

fisiológicas que deveriam ser satisfeitas como, por exemplo, a fome, a sede, o alívio da dor 

e o  calor, mas não  eram  referidas necessidades  sociais. A  criança,  ao  longo do  tempo, 

aprenderia que a mãe é fonte de gratificação, e esta serviria de reforço à manutenção da 

relação. As necessidades  fisiológicas  seriam primárias. O  afecto  seria  secundário. Nesta 

perspectiva,  a  dependência  social  derivaria  da  dependência  física  e  seriam  as 

necessidades fisiológicas que produziriam a necessidade emocional do outro. 

  Também os  teóricos da psicanálise eram unânimes em reconhecer as primeiras 

relações  objectais  da  criança  como  pedra  fundamental  do  seu  desenvolvimento.  No 

entanto, não há  concordância quanto  à natureza  e dinâmica destas  relações. Uma das 

ideias  mais  generalizadas  era  a  de  que  os  bebés  têm  necessidades  inatas  de  se 

relacionarem com o seio humano, de o chupar e de o possuir oralmente. A seu tempo, o 

bebé aprenderia que ligada ao peito há uma mãe, e desta forma relacionar‐se‐ia também 

com ela. Da mesma  forma que para os autores anteriores, os autores desta perspectiva 

olham  para  a  relação  com  a  mãe  como  um  benefício  secundário  da  satisfação  das 

necessidades de alimento. 

Investigações  realizadas  na  área  da  Etologia  vêm  contrariar  esta  ideia.  Estes 

estudos  partiram  da  hipótese  de  que  nas  espécies  não‐humanas  há muitas  respostas 

inatas que  são  independentes de necessidades  fisiológicas  e  cuja  função  é promover  a 

interacção social entre os membros dessa espécie. Esta  interacção social tem por função 

assegurar a cooperação entre os congéneres. 

Por exemplo, algumas aves, como os patos, os perus e os gansos, cujas ninhadas 

não são alimentadas pelos pais, começam a debicar um dia depois de nascerem. E curio‐

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samente seguem qualquer coisa que se mova no seu ambiente. É conhecida a imagem de 

Lorenz, etólogo austríaco que foi prémio Nobel, com uma ninhada de patinhos atrás. Este 

comportamento a que Lorenz chamou imprinting [impregnação ou cunhagem], não deri‐

va  da  satisfação  das  necessidades  fisiológicas mas  da  necessidade  inata  de um  vínculo 

social. 

Lorenz criou alguns ovos de ganso numa incubadora deixando outros ao cuidado 

da mãe. Os gansos, cujos ovos tinham sido incubados artificialmente, não demonstravam 

qualquer medo de serem pegados e seguiam qualquer pessoa que passasse por eles, pian‐

do dolorosamente quando eram deixados para trás. Quando, posteriormente, colocou es‐

ses gansos junto da ninhada criada com a mãe natural, verificou que esta os incluía, sem 

qualquer problema, na prole, defendendo‐os logo que via a mão do homem aproximar‐se. 

Pelo contrário, os gansos bebés do primeiro grupo, não apresentavam predisposição para 

seguir os adultos da sua espécie, piavam,  fugiam e seguiam o primeiro ser humano que 

por acaso passasse. Os filhotes criados na incubadora por Lorenz iam atrás de dele, procu‐

rando‐o quando  assustados. Os outros  filhotes  seguiam a mãe e  formavam um  vínculo 

com ela. 

 

1. As investigações de Harlow 

Nos  finais da década de  50, Harry Harlow desenvolveu um  conjunto de  estudos 

com macacos Rhesus que mostraram os efeitos da ausência da mãe junto das jovens crias 

desenvolveu com a sua equipa várias experiências que passamos a descrever. 

Construiu  duas  mães  artificiais  substitutas,  ambas  de  forma  cilíndrica:  uma  de 

arame  soldado,  a outra de  arame  revestido de  tecido  felpudo. As duas mães  artificiais 

forneciam  alimento  através de um biberão  situado no «peito» das duas mães. Os oito 

macaquinhos  recém‐nascidos,  separados  das  suas mães,  acediam  a  qualquer  uma  das 

mães artificiais. Do ponto de vista estritamente fisiológico, as duas mães cumpriam o seu 

papel  de  alimentadoras:  os  macacos  bebés,  alimentados  por  uma  ou  por  outra, 

desenvolveram‐se fisicamente ao mesmo ritmo. Contudo, Harlow constatou que as crias 

passavam  a maior  parte  do  tempo  agarradas  à  mãe  de  peluche.  Era  junto  dela  que 

procuravam abrigo face a uma situação de perigo. 

 Mesmo quando só estava presente a mãe de arame,

os macaquinhos não procuravam a sua protecção

numa situação ameaçadora. Numa outra variante,

em que só a mãe de arame fornecia alimento, as

crias mantinham-se agarradas à mãe de peluche

recorrendo à de arame só para se alimentar.

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    Em  estudos  posteriores,  Harlow  procurou 

avaliar o efeito dos bebés macacos criados sem qualquer contacto. Isolou‐os em jaulas de 

ferro vazias sem verem outro ser vivo durante três meses a um ano. quando os períodos 

eram  longos, os animais encostavam‐se ao fundo do compartimento, balançavam para a 

frente e para  trás e abraçavam‐se a si próprios e mordiam‐se.   Quando  juntos a outros 

macacos  criados  com  as  suas  mães,  não  participavam  nas  brincadeiras  fugindo  de 

qualquer  contacto.  Quando  adultos,  o  seu  comportamento  sexual  estava  bastante 

afectado bem  como  a  sua  capacidade para  tratar das  cias. As mães não manifestavam 

qualquer  interesse ou capacidade para  tratar dos  seus  filhos, chegando a provocar‐lhes 

maus tratos. 

  Com  estas  experiências,  Harlow  concluiu  que  o  vínculo  entre  a  cria  e  a mãe 

estaria mais relacionado com o contacto corporal e o conforto daí decorrente do que com 

a alimentação. Esta necessidade básica de contacto/conforto é também reconhecida elo 

investigador nos bebés humanos, que manifestam a necessidade de estar  junto da mãe, 

ou de outro cuidador, em contacto  físico. A origem da vinculação encontrar‐se‐ia nesta 

necessidade e não na alimentação.   Concluiu ainda que  são devastadores os efeitos da 

ausência  da  mãe  ou  dos  agentes  maternantes:  a  privação  desse  contacto  humano 

traduzir‐se‐ia em perturbações físicas e psicológicas profundas. 

 

2. As investigações de Spitz 

  René Spitz, psiquiatra  infantil de origem austríaca,  com  formação psicanalítica, 

desenvolveu um conjunto de estudos em crianças que, durante os 12 primeiros anos de 

vida, permaneceram durante um período prolongado numa instituição hospitalar ou num 

orfanato,  privadas  da  presença  da mãe.  Estudou  as  consequências  e  concluiu  que  os 

bebés  apresentavam  perturbações  somáticas  e  psíquicas  como  resultado  da  ausência 

completa  da  mãe  numa  instiuição  em  que  os  cuidados  são  administrados  de  forma 

anónima,  sem que  se estabeleçam  laços afectivos. Do ponto de vista do  cuidado  físico, 

estavam asseguradas as condições fundamentais de higiene e de alimentação; do ponto 

de vista afectivo, constatou uma carência afectiva  total, porque cada adulto  tinha à sua 

guarda várias crianças. 

Page 32: Texto_Tema2

32

  Spitz designou por hospitalismo o conjunto de perturbações  ividas por crianças 

insitucionalizadas e privadas de cuidados maternos: atraso no desenvolvimento corporal, 

dificulades  nas  competências  manuais  e  na  adaptação  ao  meio  ambiente,  atraso  na 

linguagem. Constatou,  ainda, uma menor  resistência  às doenças e que, nos  casos mais 

graves, pode ocorrer apatia. Os efeitos do hospitalismo são duradouros e, muitas vezes, 

irreversíveis. 

  Com as suas investigações, Spitz confirmou a necessidade de laços e de contactos 

afectivos entre o bebé e o adulto, especialmente entre a mãe e o  filho. A sua ausência 

pode conduzir a perturbações emocionais, comportamentais e desenvolvimentais graves. 

Recentemente,  as  suas  conclusões  foram  confirmadas  por  estudos  desenvolvidos  nas 

crianças encontradas em orfanatos, sobrelotados, em 1989 na Roménia.  

  A  ausência  de  uma  relação  privilegiada  com  a  mãe  ou  com  um  agente 

maternante  (um  adulto  que  a  substitua),  tem  como  consequência  a  recusa  em  se 

alimentar,  a  perturbação  do  sono,  a  manifestação  de  comportamentos  ansiosos.  O 

sentimento de abandono e a ausência de uma figura securizante compromete o equilíbrio 

das crianças. 

  Estas conclusões levaram a Organização Mundial de Saúde, em 1950, a incluir nas 

suas orientações um documento, Cuidados maternos e saúde mental, on de afirma: «(…) 

fica claramente demonstrado que  os cuidados maternos no decurso da primeira infância 

desempenham um papel essencial no desenvolvimento harmonioso da saúde mental». 

 

3. As investigações de Ainsworth 

  Mary  Ainsworth,  psicóloga  canadiana  que  trabalhou  com  Bowlby  e  que 

desenvolveu uma teoria da vinculação estudando no Uganda o efeito da separação em 28 

bebés, durante três anos. Apresenta então o que considera serem as etapas do processo 

de vinculação: a um primeiro estádio de orientação, segue‐se um estádio de  focalização 

que conduz, cerca dos 7/8 meses, à vinculação propriamente dita. 

  Se a relação com os pais gera segurança, na medida em que o bebé está certo 

que  a  relação  se mentém  para  além  da  separação,  a  criança  sente‐se mais  livre  para 

decsobrir  o  mundo  e  para  estabelecer  outras  relações.  Mary  Ainsworth  descreve  o 

funcionamento desta base  de  segurança dada pelos pais  a partir das  experiências que 

desenvolveu.  Ao  voltar  aos  EUA,  aprofundou  a  sua  investigação  recorredo  a  um 

procedimento experimental que  ficou conhecido como Situação Estranha. Em síntese, a 

investigadora regista o efeito da separação e do reencontro dos bebés entre os 12 e os 24 

meses com a sua mãe: 

• a criança está com a mãe numa sala; 

Page 33: Texto_Tema2

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• uma pessoa estranha entra e junta‐se a eles; 

• a mãe abandona a ala deixando a criança com a pessoa estranha; 

• a pessoa estranha abandona a sala deixando a criança sozinha; 

• a pessoa estranha egressa para junto da criança; 

• a mãe regressa para junto da criança. 

Na perspectiva de Ainsworth, a forma como o bebé reagia, quer à ausência da mãe, 

quer  ao  seu  regresso,  reflectiria  o  seu  equilíbrio  emocional,  que  relacionava  com  os 

cuidados que recebera. 

A partir das suas observações, distingue três categorias de vinculação: a vinculação 

segura, a vinculação evitante e a vinculação ambvalente/resistente. 

No primeiro  tipo,  as  crianças  choram  e protestam  com  a  ausência da mãe, mas 

procuram o contacto físico logo que ela entra na sala, ficando camas. As crianças com uma 

vinculação evitante parecem indiferentes à separação da mãe e ao seu regresso. Os bebés 

com uma vinculação ambivalente/resistente manifestam ansiedade mesmo antes da mãe 

sair  e  perturbação  quando  abandona  a  sala,  hesitando  entre  a  aproximação  e  o 

afastamento dela quando esta  regressa. A  vinculação  segura  seria o  tipo de  vinculação 

com o carácter mais adaptativo. 

Estes  estudos mostraram  a  importância  das  primeiras  vinculações  e  que  a  sua 

qualidade influencia as relações que a criança vai estabelecer no futuro, designadamente 

com  colegas  e  professores.  Seria  como  que  um modelo  do  que  se  pode  esperar  dos 

outros. 

Ainsworth  estudou  também  a  relação  que  a  criança  estabelece  com  o  pai, 

utilizando a experiência da Situação Estranha com o progenitor masculino. Concluiu que a 

criança manifestava  igualmente sinais de angústia quando ele abandonava a sala, assim 

como a procura do contacto quando voltava.  

 

Depois destes estudos, a  ligação da criança à mãe foi vista noutra perspectiva. Os 

bebés têm uma necessidade inata de estar em contacto e de se agarrar a um ser humano. 

Neste sentido há a necessidade de um objecto  independente do alimento. Esta necessi‐

dade social é tão necessária como a necessidade de alimento e de calor. Trata‐se de uma 

necessidade inata e não aprendida.  

Esta constatação veio sublinhar a natureza primária do amor, a  força  irreprimível 

da necessidade  de  vinculação,  sendo  a  vinculação  condição  primeira  do  que  será mais 

tarde o equilíbrio e a adaptação social.  

Bowlby considera o caregiving (tradução literal «dar cuidados») como o conjunto 

dos  comportamentos  parentais  que  implicam  os  cuidados  físicos  e  psíquicos/afectivos 

Page 34: Texto_Tema2

34

dados à criança. Estes comportamentos, solicitados pela criança e prestados pelos pais, ou 

seus substitutos, são sustentados por mecanismos evolutivos e biológicos. Podemos então 

dizer, como Wallon, um teórico francês importante da psicologia do desenvolvimento que 

o social é biológico. Ou seja, e de um modo simplista, o amor pode ser considerado um 

mecanismo de sobrevivência da espécie. 

Ainda antes do nascimento, mãe e bebé iniciam uma relação. O que a mãe pensa 

é  como  que  o  início  do  pensamento  do  bebé.  Todas  as  mães,  durante  a  gravidez 

«pensam» o  seu bebé.  Ele  tem que  ser  adivinhado,  sonhado, pensado, pela mãe.  Este 

«trabalho», que é feito durante o período de gestação, tem uma função de ajustamento e 

é  fundamental  para  o  posterior  desenvolvimento  da  relação.  A  mãe,  ao  transformar 

emoções  em  pensamentos,  é  uma  espécie  de  «continente»  que  oferece  um  espaço 

psicológico ao seu bebé, uma vez que o representa. O primeiro pensamento do bebé é a 

constatação de uma ausência. A ausência da mãe. 

É também por estas razões que os serviços de adopção, mesmo havendo crianças 

em condições de serem  imediatamente colocadas na  família que a vai adoptar, dão aos 

pais, um período de «gestação» do  futuro  filho que é mais ou menos de 6 meses. Este 

período  serve para preparar  a  vinda da  criança,  imaginando‐a e  representando‐a, quer 

dizer, ajustando‐se a ela. 

 

 

Page 35: Texto_Tema2

35

Texto  4:    

A Construção da Identidade  

A  identidade pessoal, que pode parecer uma noção simples e evidente,  revela‐se um fenómeno complexo e multidimensional. Tem, antes de mais, uma significação objectiva: o facto de cada indivíduo ser único, diferente de todos os outros pelo seu património genéti‐co. Contudo, tem sobretudo um sentido subjectivo: remete para o sentimento da sua indivi‐dualidade («eu sou eu»), da sua singularidade («eu sou diferente dos outros e tenho estas e aquelas características») e de uma continuidade no espaço e no  tempo  («eu sou sempre a mesma pessoa») 

Este sentimento é o do sujeito, mas também o dos outros, do seu meio: nós espe‐ramos de cada um que ele manifeste uma certa coerência e uma certa constância no seu ser, nas suas atitudes e nos seus comportamentos («eu conheço‐te bem…»). Uma grande variabi‐lidade a esse nível é sentida como patológica (inconsistência, fragilidade  identitária ou per‐sonalidades múltiplas). 

Fenómeno  complexo,  a  identidade  é  igualmente  paradoxal.  Com  efeito,  na  sua própria significação, ela designa o que é único: distingue‐se e diferencia‐se irredutivelmente dos outros. Mas qualifica  igualmente o que é  idêntico,  isto é, o que é perfeitamente seme‐lhante, mantendo‐se distinto. Esta ambiguidade semântica tem um sentido profundo. Sugere que a identidade oscila entre a semelhança e a diferença, entre o que faz de nós uma indivi‐dualidade singular e o que, ao mesmo tempo, nos torna semelhantes aos outros. A psicolo‐gia mostra bem que a identidade se constrói num duplo movimento de assimilação e de dife‐renciação, de identificação com os outros e de distinção relativamente a eles. 

Lipiansky, E. L’Identité Personelle, 1997 

 

«Quem  sou  eu?»  é uma pergunta que  acompanha o Homem  ao  longo da  sua 

existência. Todos nós procuramos responder a essa questão. Parece que toda a nossa vida 

é uma procura  incessante no sentido de tentarmos perceber quem é que somos. Somos 

boas ou más pessoas? Somos capazes ou somos uns incapazes da pior espécie? 

Conforme  nos  vamos  desenvolvendo,  vamo‐nos  modelando  aos  olhares  que 

espelham  a nossa  imagem, oferecida pelos outros e,  ao mesmo  tempo,  vamos  lidando 

com o que temos, com aquilo que  já faz parte de nós. A construção da  identidade é um 

processo que decorre ao longo da vida inteira, numa permanente relação dinâmica entre 

o que temos e o que nos é devolvido pelos outros. À medida que vamos crescendo, e para 

isso os outros desempenham um papel primordial, vai‐se tornando possível responder de 

uma forma mais completa à pergunta «quem sou eu». 

Como podemos verificar pelas palavras de  Lipiansky, acima expressas, o  termo 

identidade parece contraditório. A palavra identidade reúne a noção de semelhança e, ao 

mesmo tempo, de diferença. Cada um de nós define‐se por características comuns a todos 

os  outros  e  por  características  que  nos  distinguem  de  todos  os  outros. Neste  sentido, 

podemos  afirmar  que  a  identidade  engloba  quer  a  ideia  de  um  «eu  próprio»  quer  o 

contexto social e cultural onde nascemos e vivemos. 

Page 36: Texto_Tema2

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Uma das particularidades da dinâmica identitária é que ela resulta do confronto 

de tendências contraditórias. Procuramos ser, ao mesmo tempo, plurais e singulares, con‐

formamo‐nos,  mas  afirmamos  a  nossa  individualidade,  fazemos  prova  de  uma  certa 

continuidade,  naquilo  que  somos  e  na  forma  como  nos  comportamos  e,  ao  mesmo 

tempo,  tendemos  a mudar.  Estas  contradições  resultam  também  da  coexistência,  e  às 

vezes do confronto, de diferentes papéis sociais. Podemos ser, ao mesmo tempo, pai de 

família,  apreciador  de  boa  comida,  inspector  de  impostos,  adepto  de  uma  equipa  de 

futebol, membro de uma associação artística. A cada um destes papéis corresponde uma 

identidade e comportamentos específicos. Temos de gerir esta diversidade, mantendo a 

coerência. 

Podemos então definir a identidade como o conjunto de características que uma 

pessoa considera suas e às quais dá valor para se afirmar, reconhecer e ser reconhecido 

socialmente. A identidade é produto da interacção do particular com o social. 

O  conceito  de  identidade  inclui  um  outro  aspecto,  o  autoconceito.  O 

autoconceito é a forma como nos percebemos a nós próprios e inclui a auto‐imagem e a 

auto‐estima.  A  auto‐imagem  é  a  forma  como  nos  vemos  fisicamente,  corresponde  à 

imagem corporal e é, provavelmente, a primeira parte do autoconceito que se  forma. A 

auto‐imagem é mediada por valores  culturais que  influenciam o grau de  satisfação que 

sentimos  com  o  nosso  corpo.  A  auto‐estima  é  o  valor  que  sentimos  ter,  o  quanto 

gostamos de ser como somos. Todas estas percepções de nós próprios são construídas e 

reconstruídas, ao longo do processo de desenvolvimento, na relação com os outros.  

A partir do texto que se segue, analisemos agora o modo como, na adolescência, 

se organiza a identidade. 

 

 

 

Apresentação 

  A mais importante consequência psicossocial da puberdade, no quadro da teoria 

psicanalítica, é a desvinculação e a separação das pessoas mais significativas, dos pais e da 

família. Mesmo os autores que  sublinham o processo de  redefinição da  relação com os 

pais, mais do que a separação, acentuam a aquisição da autonomia como tarefa primor‐

dial do adolescente. 

  Paralelamente, ocorrem mudanças no funcionamento cognitivo com a emergên‐

cia do raciocínio formal, o que inclui a capacidade de pensar hipoteticamente, de imaginar 

uma série de possibilidades em relação a si próprio e ao futuro. Estas competências per‐

mitem ao adolescente repensar criticamente os seus valores, crenças e imagens do mun‐

do anteriormente definidos pelas pessoas a quem estava afectivamente ligada. 

Page 37: Texto_Tema2

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  Estas mudanças encorajam o adolescente a procurar um sentido de autonomia e 

preparam‐no para uma melhor compreensão de si próprio e dos outros, o que constitui 

alicerces para a construção da sua identidade. 

  Há  quem  considere  que  o  principal  desafio  com  que  se  confrontam  os 

adolescentes  reside  na  tarefa  de  desenvolvimento  da  identidade  do  EU.  Têm  sido 

identificados dois aspectos do Eu  intimamente  ligados: o Eu  como  sujeito e o Eu  como 

objecto. O Eu  como  sujeito, autor e  actor,  timoneiro, o  conhecedor e avaliador e o Eu 

como objecto do seu próprio conhecimento e avaliação; o sujeito que tem de se constituir 

como existente, separado dos outros e o objecto constituído pelas categorias ou teorias 

pessoais a construir para se definir a si próprio. 

  Desde  já  se  assinale  que  uma  tónica  comum  a  todas  as  perspectivas  é  a  da 

importância da interacção social e do conhecimento dos outros para a construção do Eu, 

como sujeito e como objecto e, portanto, da identidade. 

 

Desenvolvimento do Eu 

  O Eu seria o  integrador das diferentes  ideias e experiências pessoais bem como 

das  expectativas  sociais  e  o  organizador  da  acção  humana.  Loevinger  (1970,  1983) 

apresentou um modelo de desenvolvimento das estruturas do Eu, desde a mais simples à 

mais complexa. Este modelo faz referência a dez estádios do desenvolvimento. 

 

1. Pré‐social. Caracteriza o indivíduo numa fase autista, cuja primeira tarefa é a sua 

diferenciação dos outros e do que o rodeia, e tem o seu início com a construção 

da realidade, permanência e conservação dos objectos. 

2. Simbiótico. Apesar da  sua diferenciação, o  indivíduo permanece numa  relação 

simbiótica  com o meio. A aprendizagem da  linguagem  torna‐o  capaz de  se ver 

como uma pessoa separada. 

3. Impulsivo. Os impulsos do indivíduo ajudam‐no a afirmar‐se como uma entidade 

separada,  embora  a necessidade  dos  outros  permaneça muito  forte, o  que  se 

manifesta por comportamentos de dependência. Os outros são vistos como fonte 

de  recompensa e punição. A orientação é quase exclusivamente  virada para o 

presente e não para o passado e futuro. 

4. Auto‐protecção. Verifica‐se o primeiro passo para o auto‐controlo dos impulsos, 

o  indivíduo  é  capaz  de  antecipar  punições  e  recompensas  a  curto  prazo. 

Compreende que há  regras, contudo a  regra mais  importante é «não  te deixes 

apanhar»  e  não  é  capaz  de  ser  responsável  pelas  suas  acções.  Este  estádio 

caracteriza‐se, assim, por um hedonismo oportunista. 

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5. Conformismo. O indivíduo identifica o seu bem‐estar com o do grupo, mas para 

que  isto aconteça é necessário que tenha atingido um nível de confiança básico 

suficiente.  Tem  medo  da  desaprovação  dos  outros,  percebe  as  normas  e 

obedece‐lhes porque são aceites pelo grupo. É capaz de observar diferenças de 

grupo,  no  entanto,  é  insensível  às  diferenças  individuais.  os  seus 

comportamentos e valores existem em unção de influências externas e portanto 

de aceitação social. 

6. Auto‐consciência.  Período  de  transição  do  conformismo  à  tomada  de 

consciência.  Caracteriza‐se  fundamentalmente  por  um  aumento  desta  assim 

como pel  capacidade em perceber múltiplas perspectivas e alternativas, o que 

permite  ao  indivíduo  sair  do  controlo  exclusivamente  externo,  assim  com 

reconhecer diferenças individuais e múltiplas formas de pensar, sentir e agir. 

7. Tomada de consciência. O indivíduo tem regras e valores interiorizados, é capaz 

de se ver como aquele que toma decisões, que age e tem relações empáticas e 

de  mutualidade,  sendo  capaz  de  apreciar  nos  outros  diferentes  emoções  e 

perspectivas.  Neste  estádio,  os  elementos  básicos  da  consciencialização  dos 

adultos  estão  presentes:  auto‐avaliação  de  objectivos  e  ideais,  autocrítica, 

sentido de responsabilidade. 

8. Individuação. Período de transição para o estádio da autonomia. Caracteriza‐se 

essencialmente por um aumento do  sentido da  individualidade,  consciência de 

conflitos  emocionais  envolvidos  nas  relações  dependência/independência.  O 

indivíduo  é mais  tolerante,  consigo  e  com  os  outros,  reconhecendo‐os  na  sua 

complexidade.  Está  consciente  das  diferenças  entre  processo  e  resposta,  das 

discrepâncias entre a realidade interna e aparência externa e entre respostas de 

ordem psicológica e fisiológica. 

9. Autonomia o que distingue este estádio é a capacidade de conhecer e lidar com 

conflitos  internos. A complexidade conceptual é a característica mais saliente: o 

indivíduo vê a  realidade  como  complexa e multifacetada e é  capaz de  integrar 

duas ideias aparentemente contraditórias e ambíguas. Tem consciência clara dos 

seus papéis e está interessado no seu desenvolvimento e progresso. Reconhece a 

autonomia aos outros e a sua interdependência. 

10. Integridade. Neste  estádio,  o  indivíduo  transcende  os  conflitos  do  autónomo, 

adquirindo um sentido  integrado da sua  identidade. É de salientar que é pouco 

frequente encontrarmos indivíduos neste estádio. 

 

Num  estudo  realizado  junto  de  250  estudantes  universitários  do  Porto,  a  fre‐

quentarem o segundo ano, verificou‐se que  trinta por cento se encontravam no estádio 

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do conformismo ou próximo e cerca de sessenta por cento estavam a transitar para o da 

tomada de consciência ou já aí se encontravam. Resultados idênticos têm sido encontra‐

dos em estudos realizados noutros países. 

 

A identidade segundo Erikson 

  Erik  Erikson  foi  um  dos  primeiros  autores  a  debruçar‐se  seriamente  sobre  o 

fenómeno da construção da identidade. O seu trabalho baseou‐se, embora divergindo em 

pontos importantes, na perspectiva freudiana do desenvolvimento.  

Erikson  conceptualiza  e  define  a  identidade  de  uma  forma  interdisciplinar  em 

que a  construção biológica, a organização pessoal da experiência e o meio  cultural dão 

significado,  forma e continuidade à existência do  indivíduo. Situa o desenvolvimento do 

indivíduo num  contexto  social dando  ênfase  ao  facto de ocorrer na  interacção  com os 

pais, a família, as instituições sociais e uma cultura num momento histórico particular.  

O autor apresenta um esquema do desenvolvimento numa sequência fixa de oito 

estádios, cada um correspondendo a um período cronológico específico e envolvendo a 

aquisição de um estilo consistente de organização da experiência, de  reestruturação da 

identidade desde a infância e de incorporação de novos papéis oferecidos pela sociedade. 

Cada um destes estádios é caracterizado por um dilema ou crise particular em 

que o indivíduo desenvolve atitudes básicas que contribuem para o seu desenvolvimento 

psicossocial.  Estas  atitudes básicas  surgem  em  cada  estádio  como  orientações  polares, 

isto  é,  o  indivíduo  pode  emergir  em  cada  um  deles  com  um  sentido  de  si  próprio 

reforçado  ou  debilitado.  Estas  orientações  polares  são  conflitos  nucleares  ou  seja, 

momentos  de  crise  e  de  síntese  activa  do  Eu,  nos  quais  está  perante  soluções 

contraditórias  que  implicam  decisões  cuja  natureza  depende  do  balanço  de  vários 

factores  de  desenvolvimento  (maturidade  cognitiva,  crescimento  físico…).  Estas 

orientações polares não significam que uma exclui a outra, mas que em cada estádio se 

verifica  uma  dialéctica  entre  ambas.  Quer  dizer,  o  resultado  será  a  síntese  dos  pólos 

negativo e positivo de cada estádio. 

A teoria de Erikson embora organizada em estádios não é uma teoria estrutural. 

Isto significa que a emergência de um estádio é independente da resolução com sucesso 

do estádio anterior. Contudo, a qualidade da resolução está dependente da resolução de 

estádios precedentes. 

A tarefa por excelência do adolescente é a construção da sua identidade. O ado‐

lescente preocupa‐se com a definição de si próprio, quem é, o que quer ser e fazer, qual 

seu papel e função no mundo, quais os seus projectos para o futuro. Tenta dar um signifi‐

cado coerente à sua vida, integrando as experiências passadas e presentes e procurando 

um sentido para o futuro. 

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A  formação da  identidade  tem uma  função dupla: psicológica e  social. Por um 

lado,  a  construção  da  identidade  surge  da  necessidade  do  indivíduo  organizar  e 

compreender  a  sua  individualidade de uma  forma  consistente  e  sem  contradições. Por 

outro, é um processo social que surge de pressões externas para que o indivíduo escolha e 

invista em papéis familiares, profissionais e sociais o que lhe dará um estatuto e posição 

na sociedade. 

Porque  a  identidade  psicossocial  serve  estas  duas  funções,  a  tarefa  do 

adolescente é duplamente complexa. Por um  lado  tem de possuir um desenvolvimento 

psicológico  adequando  à  realização  desta  tarefa  e,  por  outro,  a  construção  da  sua 

identidade tem de ser realista e adaptada à sociedade onde está  inserido, em constante 

mudança.  

Se é verdade que a construção da  identidade ocorre essencialmente no período 

da adolescência, não se inicia e termina aí. É um processo contínuo ao longo do ciclo de 

vida.  

O processo de desenvolvimento da  identidade depende e  inicia‐se no primeiro 

encontro com a mãe, em que o sentido do Eu emerge de um jogo de confiança durante a 

infância. É da experiência de uma relação segura que a criança se reconhece como distinta 

dos outros. A interiorização e a identificação às figuras mais significativas são as primeiras 

formas de estruturação do Eu. Só quando o adolescente se torna capaz de as seleccionar, 

sintetizar  e  organizar  é  que  a  formação  da  identidade  ocorre.  São  a  integração  e 

organização  de  aspectos  do  Eu  num  conjunto  coerente  e  distinto  que  vão  definir  a 

identidade. 

• Assim, o primeiro estádio tem como requisito a aquisição de um sentimento de 

confiança básica em oposição à desconfiança. Ao longo do primeiro ano de vida, 

a relação da criança com o adulto facilita ou dificulta o desenvolvimento de uma 

segurança íntima em relação a si próprio e ao mundo. É através da relação entre 

a mãe e a criança que se desenvolve um sentido  rudimentar do Eu. É  também 

através desta relação que a criança tem o seu primeiro encontro com a cultura, 

ou seja, com as regras educacionais dessa cultura, presentes no comportamento 

da mãe. O  sentimento de  confiança em  si e nos outros e  a  capacidade de  ser 

idêntico e distinto são os resultados esperados desta crise. 

• A  criança  começa  progressivamente  a  explorar  o  mundo,  aprende  que  pode 

dominar o seu corpo e explorá‐lo sem medo. Se o controlo externo é demasiado 

rígido  e  precoce não  facilitará  um  sentimento de  auto‐domínio, o  que  poderá 

resultar  numa  propensão  para  a  dúvida  e  a  vergonha.  Este  segundo  estádio, 

autonomia/vergonha dúvida depende necessariamente da confiança básica  fir‐

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memente desenvolvida e do estímulo que o meio dá à criança para realizar coisas 

sozinha. 

• Consciente  da  sua  independência,  tenta  imitar  os  adultos,  a  sua  curiosidade 

aumenta,  uma  variedade  de  preocupações  e  interesses  por  questões  da 

sexualidade surgem. O sucesso neste terceiro estádio, iniciativa/culpa parece ser 

fulcral para o desenvolvimento da identidade a medida em que o indivíduo sente 

sem culpabilidade que pode ser o que imagina ser. O balanço adequado entre os 

sentimentos de  iniciativa e de  culpabilidade é  temperado pela  consciência dos 

limites  impostos pelas convenções culturais apreendidas no meio social em que 

vive. 

• No quarto estádio,  indústria/inferioridade,  a  criança  sente que é  competente, 

que é capaz de fazer e fazer bem. Sem iniciativa, autonomia e confiança no meio 

não é  capaz de produzir  coisas  com perseverança, de auto‐reconhecer as  suas 

capacidades e de se fazer reconhecer pelos outros. Neste estádio, a dificuldade 

pode  estar  relacionada  com  o  insucesso  de  tarefas  anteriores.  O  pânico  de 

perder a mãe, o medo de crescer porque isso implica sair de casa são comuns em 

crianças cujas famílias não as preparam para o mundo exterior. Os professores e 

os pais têm de ser sentidos como alvos de confiança de  forma a permitir a sua 

identificação positiva a figuras que fazem e sabem coisas que ela ainda não sabe, 

e a não  ter medo de crescer e de se confrontar com o mundo exterior porque 

tem  a  segurança  de  não  estar  só. O  sentimento  de  incapacidade  não  permite 

criar objectivos de vida possíveis, mas o sentimento de que se pode fazer tudo, 

sem consciência das limitações, pode também levar à incapacidade de realização. 

• Neste processo de aquisição de competências, estas funcionam como peças que 

contribuem  progressivamente  para  a  aquisição  da  identidade.  O  adolescente 

precisa agora de uma moratória que lhe permita a integração dos elementos da 

identidade  já adquiridos. É a  recapitulação e  redefinição desses elementos que 

caracteriza a crise da adolescência. Se a procura de confiança em si e nos outros 

ainda for importante, o adolescente terá necessidade de procurar elementos que 

proporcionem essa confiança. Mas, se já tiver criada a necessidade de uma defi‐

nição de si pelo que pode ser e querer  livremente, então procurará condições e 

oportunidades  para  tomar  decisões  que  vão  no  sentido  dessa  definição.  Por 

outro  lado, os pais e professores pressionam o  indivíduo para  tomar decisões, 

particularmente no que respeita às áreas escolar e profissional. É a convergência 

de mudanças internas e de pedidos externos que define a tarefa psicossocial de 

aquisição  da  identidade.  O  adolescente  adquire  um  sentido  subjectivo  de  si, 

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caracterizado pela unidade  e  continuidade  que permite  reconhecer‐se  no  pre‐

sente, no passado e no  futuro. A  identidade é também um  fenómeno  interpes‐

soal, na medida em que se baseia na forma como os outros percebem o indivíduo 

e o avaliam. 

Deste modo, a identidade envolve três características fundamentais: 

1. Um sentido de unidade entre diferentes concepções de si próprio nas diferentes 

situações, o que implica a integração de vários papéis. 

2. Um sentido de continuidade desta concepção ao longo do tempo. Quer dizer que 

apesar  das  mudanças  em  aspectos  físicos,  psicológicos  e  sociais,  o  indivíduo 

percebe que é o mesmo. 

3. Um sentido de mutualidade em  relação aos outros, existindo uma  interrelação 

entre a percepção de si próprio e a que os outros têm de si. 

Quando  não  adquire  uma  identidade  adequada,  o  adolescente  permanece  num 

estado de confusão de  identidade, sem um sentido em relação ao passado e ao  futuro, 

como um estranho no seu próprio corpo.  

• É  do  desenvolvimento  da  identidade  que  emerge  a  competência  do  indivíduo 

para  estabelecer  relações  de  partilha  e  cooperação.  O  sexto  estádio 

intimidade/isolamento é a  tarefa psicossocial do  jovem adulto. Para Erikson, a 

intimidade é muito mais do que a capacidade de  realização sexual. No  final da 

adolescência  ou  início  da  idade  adulta,  quando  o  jovem  não  é  capaz  de  ter 

relações íntimas com outros, as suas relações tenderão a ser estereotipadas com 

um profundo sentimento de isolamento. As relações na adolescência têm apenas 

a  função  de  auto‐definição  e  não  de  intimidade.  Muitas  relações  e  mesmo 

casamentos funcionam como pontes para a resolução da identidade, quer como 

forma de  separação das  figuras parentais, quer para  resolver  a  sua  identidade 

através do companheiro. 

• O adulto é  caracterizado mais pela necessidade de dar e de ensinar. O  sétimo 

estádio,  generatividade/estagnação,  é  definido  pela  necessidade  do  indivíduo 

em orientar a geração seguinte, de investir na sociedade em que está inserido. A 

estagnação surgirá se o indivíduo se focalizar apenas em si próprio. 

• No  último  estádio,  integridade/desespero,  o  indivíduo  tem  necessidade  de 

interioridade, de integrar as imagens do passado através da aceitação do sentido 

vital, tornando‐se mais capaz de compreender os outros. Em muitas situações, a 

sociedade  não  facilita  este  processo  e  a  confrontação  com  a  diminuição  de 

algumas  capacidades  pode  levar  o  indivíduo  não  à  integridade,  mas  ao 

desespero. 

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Daqui resulta que enquanto a infância é o alicerce da construção da identidade, a 

idade  adulta  acrescenta  componentes e o  indivíduo define‐se, progressivamente,  como 

sendo «aquele que ama, aquilo para que contribui e aquilo que viveu». 

 

A adolescência é, de facto, o período por excelência desta crise determinada de 

múltiplas  formas  pelo  que  ocorreu  antes  e  determinante  em  grande  parte  do  que  vai 

ocorrer  posteriormente.  Falamos  em  crise  no  sentido  de  um  ponto  decisivo  no 

desenvolvimento  e  de  um  período  de  grande  vulnerabilidade.  É  neste  período  que  o 

indivíduo  é  confrontado  com  a maturação  genital,  a  incerteza  de  papéis  a  assumir  na 

entrada no mundo adulto, a preocupação mórbida com o que possa parecer aos olhos do 

outro e a busca e um novo  sentido de unidade e de  continuidade. Além disso,  tem de 

enfrentar de nova as crises de anos anteriores, antes de encontrar a sua identidade. 

  A  sociedade  facilita ao adolescente um período de moratória que  lhe permite 

lidar com estes problemas. Mas é preciso referir que esta moratória psicossocial pode não 

ser o tempo que o indivíduo necessita para este trabalho de definição da sua identidade. 

Se a pressão social para fazer  investimentos é necessária, quando demasiado forte pode 

obrigar  o  adolescente  a  optar  precocemente  ou  a  escolher  o  caminho  da  difusão  da 

identidade. 

  O  período  de moratória  é  governado  por  instituições  e  estruturas  sociais  que 

podem  facilitar ou  inibir a experimentação de papéis. Erikson  chama a estas estruturas 

moratórias  institucionalizadas que dão ao  jovem modos de socialização para o ajudar a 

resolver a sua crise de identidade (rituais, aprendizagens escolares…) 

  A  crise de  identidade decorre então neste período de moratória psicossocial e 

num  contexto  de moratória  institucionalizada. Mas  para  que  uma  crise  de  identidade 

ocorra, são necessárias quatro condições: 

1. um certo nível de desenvolvimento intelectual; 

2. que a puberdade tenha ocorrido; 

3. um certo crescimento físico; 

4. pressões culturais que conduzam à reestruturação da identidade. 

  As  características da  crise, ou  seja, o  seu aparecimento, duração e  intensidade 

variam com factores individuais, sociais, históricos e económicos.  

Nas  sociedades  ocidentais  contemporâneas  industrializadas,  este  período  de 

moratória é cada vez mais  longo, tornando o adolescente mais dependente durante um 

período de tempo mais alargado. Este prolongamento deve‐se, em parte, à necessidade 

de realizar uma aprendizagem mais especializada para a sobrevivência num mundo tecno‐

lógico e de retardar a entrada na vida profissional e no mundo dos adultos. Assim, a idade 

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em que os adolescentes se tornam adultos e assumem papéis de adulto  independente e 

autónomo á cada vez mais tardio. 

A  confusão  da  identidade  não  sendo  anormal  por  si  só.  Para  Erikson,  grande 

parte dos comportamentos característicos de uma confusão da  identidade não são mais 

do que manifestações da  incapacidade do  indivíduo de mobilizar  a energia  interior e  a 

sociedade  para  a  construção  da  sua  identidade.  A  confusão  da  identidade  pode  ser 

verificada  na  sobreposição  de  imagens  de  si  próprio,  de  papéis  e  oportunidades 

contraditórias. Enquanto o processo de aquisição da identidade não está completo, a crise 

e a confusão permanecem. 

 

Os estatutos da identidade do Eu 

  Apoiado  na  perspectiva  de  Erikson,  Marcia  (1966,  1980,  1986)  verificou  a 

necessidade de trabalhar critérios psicossociais para determinar momentos ou modos de 

aquisição  da  identidade.  Neste  sentido,  postulou  a  existência  de  quatro  estatutos  de 

identidade que  representam estilos diferentes de  lidar  com esta  tarefa psicossocial. Os 

quatro  estatutos  são  definidos  pela  presença  ou  ausência  de  exploração  e  de 

investimento  em  áreas  específicas:  profissional,  ideológica  (religiosa  e  política) 

interpessoal/sexual (atitudes sobre os papéis sexuais e sobre as relações). 

  A  dimensão  exploração  refere‐se  ao  questionar  activo  para  tomar  decisões  e 

atingir  objectivos.  Um  indivíduo  em  exploração  evidencia  uma  actividade  dirigida  ao 

recolher a informação necessária à tomada de decisão.  

• Um indivíduo encontra‐se em exploração quando sente necessidade de trabalhar 

questões  referentes  à  sua  identidade  com o objectivo de  tomar decisões  e  se 

empenha na análise das várias alternativas. No início da exploração, a excitação, 

antecipação  e  curiosidade  caracterizam o  estado  emocional da pessoa. Com o 

decorrer da  crise  vive uma  sensação de desconforto pela  indefinição dos  seus 

objectivos e valores o que pode provocar sentimentos de  frustração,  intolerân‐

cia, ambiguidade e ansiedade. A  intensidade destas emoções varia de  indivíduo 

para  indivíduo. Dado  o  desconforto  há um  desejo  iminente  de  fazer  escolhas. 

Continuar indefinidamente na ambiguidade faz crer que as alternativas não estão 

a ser consideradas num sentido real e activo. Contudo, a escolha nem sempre é 

viável, as respostas podem não ser encontradas e surgir a desistência. 

• Após  a  exploração  o  indivíduo  passou  por  uma  fase  de  valorização  activa  de 

vários elementos de identidade, mas já a ultrapassou com sucesso se daí emergiu 

um  firme  sentido de direcção para o  futuro, ou  com  insucesso,  se a  tarefa  foi 

abandonada sem ter atingido uma conclusão significativa. 

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• A  ausência  de  exploração  significa  que  o  indivíduo  não  sente  necessidade  de 

escolher  objectivos,  crenças,  valores  e  alternativas,  quer  porque  já  estão 

definidos  por  outrem  e  foram  incondicionalmente  aceites,  quer  por  falta  de 

estímulos que permitam encontrar e ponderar outros. 

  A dimensão investimento implica, por um lado, escolhas relativamente firmes e, 

por  outro,  acções  dirigidas  para  as  implementar,  tendo  assim  aspectos  internos  e 

externos.  Para  se  dizer  que  há  investimentos  não  basta  a  verbalização  de  ideias 

socialmente apropriadas: é preciso que haja uma influência directa na vida do indivíduo e 

uma preparação para papéis futuros consistentes com objectivos e valores anteriormente 

definidos.  Esta  dimensão  não  se  refere  apenas  ao  aqui  e  agora,  mas  fornece  um 

mecanismo de  integração do passado com o presente e do presente com o  futuro.  Isto 

não significa que os vários elementos da identidade continuem imutáveis, mas que existe 

um sentido de continuidade e projecção no futuro. 

  Em  função destas dimensões  (exploração e  investimento) Marcia define quatro 

modos de estar perante a tarefa da identidade: 

1. os  indivíduos  não  apresentam  qualquer  investimento,  nem  passaram  por 

qualquer período de exploração ou  se  alguma das questões  foram  levantadas, 

não  foram  capazes  de  as  resolver  e,  por  isso,  abandonaram‐nas;  nestes 

indivíduos  encontram‐se  diferentes  padrões  emocionais  desde  a  passividade  e 

apatia  à  agressividade  não  focalizada;  normalmente  respondem  às  pressões 

externas  pelo  caminho  de  menor  resistência,  com  aceitação  e  rejeição  das 

normas  sociais  convencionais  sem  apresentar  formas  alternativas;  estão  em 

difusão da identidade; 

2. os  indivíduos que não passaram nem estão a passar um período de exploração, 

mas que, no entanto,  fazem  investimentos que normalmente  são o  reflexo de 

escolhas e projectos de outras  figuras significativas ou de autoridade; os  indiví‐

duos aceitam sem questionar o seu  leque  limitado de alternativas uma vez que 

procurar outras criaria uma situação de conflito com essas figuras de  identifica‐

ção; a sua identidade é como outorgada pelas pessoas significativas; estes sujei‐

tos  levantam  barreiras  à  comunicação  com  o mundo  exterior,  escolhem,  por 

defesa ou por impossibilidade, a segurança do não confronto com outras alterna‐

tivas e, normalmente são vistos como imperturbáveis, dogmáticos, autoritários e 

rígidos em relação às suas atitudes e intolerantes perante a posição dos outros; 

3. os indivíduo que estão a vivenciar um período de exploração de alternativas para 

tomar  decisões;  são  sensíveis,  ansiosos,  flexíveis,  vacilantes,  emocionalmente 

instáveis, respondem alternadamente com optimismo e pessimismo, evidenciam 

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frustração e incerteza e manifestam uma grande necessidade de ultrapassar esta 

situação de moratória; 

4. os  indivíduos  que  passaram  por  um  período  de  exploração  e  realizaram 

investimentos relativamente firmes, construindo a sua identidade pessoal; estes 

indivíduos  reflectem  sentimentos  de  confiança,  estabilidade,  optimismo  em 

relação  ao  futuro  e  consciência  das  dificuldades  de  implementação  dos 

elementos de identidade escolhidos. 

Esta  classificação  reflecte  formas  de  resolução  da  identidade  e, 

simultaneamente,  uma  sequência  de  desenvolvimento.  Poderíamos  dizer  que,  num 

primeiro momento, todos os indivíduos passam por um período de difusão de identidade 

e  todos  tiveram,  em  determinado momento,  investimentos  que  lhe  foram  outorgados 

numa  ou  outra  área  de  vida.  Os  dois  modos  ou  momentos  ideais  em  termos  de 

desenvolvimento são a exploração e a construção pessoal da identidade. No entanto, um 

indivíduo com uma identidade outorgada pode estar bem adaptado no contexto em que 

está inserido. 

Archer e Waterman afirmam que, embora por definição os indivíduos em difusão 

não mostrem investimentos e não estejam a trabalhar questões de identidade, se podem 

encontrar  diferentes  grupos  se  analisarmos  as  suas motivações  e  posições  perante  a 

tarefa da identidade. 

• Um primeiro  grupo de  adolescentes  em difusão manifesta  certas  semelhanças 

com os que se encontram em exploração; foge ou evita investimentos, insiste em 

não  investir; provavelmente a motivação para este  tipo de comportamento é o 

medo de que qualquer investimento mais permanente seja insatisfatório. 

• Um  segundo  grupo  caracteriza  os  adolescentes  que,  embora  conscientes  da 

necessidade  de  trabalhar  questões  relacionadas  com  a  identidade,  não  sente 

urgência em  iniciar a  tarefa; como se, na ausência de pressões externas, adias‐

sem em permanência a elaboração do projecto; o desenvolvimento psicossocial 

nos estádios anteriores foi bem sucedido, o que faz pensar que, mais cedo o mais 

tarde, esta situação será ultrapassada. 

• Um terceiro grupo exprime um desinteresse total em  fazer  investimentos, quer 

agora  quer  no  futuro.  Isto  parece  mascarar  uma  insegurança  em  relação  à 

capacidade  de  realização  bem  sucedida  desta  tarefa.  Embora  possam  existir 

problemas em estádios anteriores, parece haver uma relação especial com a falta 

de  confiança  em  si  e  nos  outros;  a  apatia  é  a  única  resposta  possível  para  a 

manutenção da estima de si próprio. 

Page 47: Texto_Tema2

47

• Adolescentes há que não estando  interessados em definir objectivos, valores e 

crenças,  quer  agora  quer  no  futuro,  se  distinguem  do  grupo  anterior  pela 

expressão  intensa  da  agressividade  em  relação  à  tarefa  da  identidade.  Esta 

agressividade é exteriorizada e dirigida contra os outros que possam pressionar a 

criação  de  investimentos.  Estes  indivíduos  parecem  ter  tido  dificuldades 

fundamentalmente no estádio da autonomia/vergonha, pois é neste estádio que 

o negativismo surge como resposta à autoridade parental. 

• Enquanto estes adolescentes expressam a sua difusão de identidade pela apatia 

ou agressividade, são no entanto capazes de encontrar um caminho, ainda que 

marginal,  e  não  apresentam  problemas  evidentes. No  entanto,  outros  há  que 

apresentam  desequilíbrios  que  não  são  apenas  uma  resposta  às  dificuldades 

experimentadas  na  tarefa  de  formação  da  identidade,  mas  o  produto  de 

inúmeras circunstâncias. 

• Um  último  grupo mantém  certas  semelhanças  com  a  identidade  outorgada  e 

caracteriza‐se  por  uma  ligação  marginal  a  elementos  de  identidade.  Fazem 

investimentos em diferentes domínios da identidade, mas falta‐lhe investimento 

suficiente nas escolhas. Podem possuir potencial para responder às expectativas 

do meio  e,  então,  as  suas  ideias  são  suficientemente  boas  até  qualquer  coisa 

melhor surgir. Ou, se tiverem tido dificuldades no estádio da iniciativa/culpa, em 

vez  de  escolherem  o  caminho  para  a  sua  identidade,  depositam  nos  outros  o 

sentido da sua direcção. São extremamente  influenciáveis e sem um verdadeiro 

significado da vida. 

 

Factores de desenvolvimento da identidade 

  Podemos  definir  três  categorias  gerais  de  possíveis  influências  no 

desenvolvimento da identidade: individuais, interpessoais e sociais. 

 

Individuais  

  A maturidade  corporal  precoce  parece  ter  consequências  na  formação  e  uma 

identidade prematura na medida em que estes adolescentes têm uma aparência de mais 

velhos  em  relação  aos  seus  companheiros.  Mudanças  de  altura  e  de  peso  e  o 

aparecimento  de  características  sexuais  secundárias  têm  implicações  ao  nível  do  auto‐

conceito, isto é, na forma como os adolescentes se vêem e na forma como sentem que os 

outros os vêem. As mudanças  físicas podem afectar a auto‐estima o que será reforçado 

pela percepção dos outros como negativa. 

Page 48: Texto_Tema2

48

  A  adolescência é marcada pelo pensamento  abstracto que permite  considerar 

possibilidades que não estão imediatamente presentes bem como diferentes hipóteses de 

escolhas viáveis para atingir os objectivos. O que  facilita aproximar o  ideal do Eu do Eu 

real. O pensamento abstracto permite desenvolver e testar hipóteses, ponderar sobre o 

possível e o  impossível criando o sentimento de ser mais criativo e ter mais controlo na 

sua  vida. Permite, ainda, desenvolver estratégias para a  resolução dos  seus problemas. 

Isto  envolve  planificação,  definição  do  problema,  desenvolvimento  de  estratégias  e 

capacidades  de  as  implementar  e,  finalmente,  tentar  outras  alternativas  caso  as 

escolhidas falhem. Esta capacidade dá ao adolescente a possibilidade de se assumir como 

aquele que controla a sua própria vida. 

  Parece  plausível  prever  uma  relação  directa  entre  a  aquisição  das  operações 

formais e a construção da  identidade. No entanto, enquanto alguns autores verificaram 

que  os  adolescentes  não  parecem  usar  o  pensamento  formal  para  resolver  a  sua 

identidade, outros constataram a existência de uma relação entre pensamento  formal e 

identidade. Rowe e Marcia (1980) referem que as operações formais permitem mas não 

garantem níveis superiores de identidade. 

 

Interpessoais 

  Ao longo do ciclo de vida, o indivíduo tem, sucessivamente, diferentes formas de 

compreender o mundo que resultam da sua  interacção com o meio social e  físico. É na 

confrontação  progressiva  com  diferentes  realidades  sociais  que  o  indivíduo  tem 

necessidade de escolher novas  formas de perspectivar o mundo e de  interpretar novas 

experiências. Este conflito produzido na área interpessoal encoraja o indivíduo a tomar a 

perspectiva dos outros e, portanto, a alargar o seu leque de referências e pontos de vista. 

Contextos de interacção por excelência são a família e escola e, por isso, têm sido objecto 

de estudos que analisam a sua influência no desenvolvimento da identidade. 

  O impacto da família no desenvolvimento parece estar relacionado com o tipo de 

interacção  familiar  encorajadora  da  compreensão  dos  pontos  de  vista  dos  outros.  Os 

estudos  realizados  constatam que uma  ligação  emocional  (atitudes de  apoio,  coesão  e 

aceitação) e a  individualidade  (atitudes de desacordo) na  interacção  familiar estão  rela‐

cionadas com o desenvolvimento da  identidade. A  ligação emocional, quando adequada, 

parece estar relacionada positivamente com o desenvolvimento da  identidade enquanto 

que níveis elevados de aceitação e abertura parecem inibir a exploração. Os adolescentes 

que estão em níveis  superiores de  identidade percebem a  interacção  familiar como um 

envolvimento positivo moderado e activo em que os membros da  família  são  livres de 

estar em desacordo. Assim, níveis moderados de conflito e aceitação parecem ser as con‐

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dições  necessárias  para  que  o  adolescente  possa  explorar  alternativas  e  desenvolver  a 

capacidade de se colocar na perspectiva do outro. 

  Por sua vez, os adolescentes em difusão de identidade parecem ter uma ligação 

emocional aos pais caracterizada pela insegurança e conflito, são menos independentes e 

sentem‐se rejeitados pelos pais que se mostram,  inactivos, ausentes e pouco envolvidos 

emocional. 

  Finalmente,  os  adolescentes  com  uma  identidade  outorgada  pertencem  a 

famílias cujos pais são muito possessivos, dominadores e desencorajadores da expressão 

afectiva. Estas  famílias  caracterizam‐se ainda por uma posição  tradicionalista no que  se 

refere aos papéis sexuais. 

  Parece  então  que  as  experiências  familiares  têm  um  papel  importante  na 

formação  da  identidade. No  entanto,  não  podemos  interpretar  estes  resultados  como 

uma  relação  de  causa  e  efeito, mas  como  uma  correlação. Ou  seja,  sabemos  que  um 

número importante de adolescentes com uma identidade outorgada pertencem a famílias 

autoritárias e  tradicionais, mas não podemos dizer que estes aspectos da  família são os 

causadores deste estilo de identidade. 

  A escola não é apenas uma instituição social com funções gerais de socialização e 

de instrução, mas também como um meio de desenvolvimento do indivíduo. No período 

escolar há três variáveis  importantes para o desenvolvimento da  identidade: a confiança 

no apoio parental, o sentido de indústria e a auto‐reflexão sobre o seu futuro. 

• A  criança  tem  comportamentos  de  exploração  se  sente  uma  ligação  forte  e 

segura com os pais. Também o adolescente  tem necessidade de sentir o apoio 

parental para experimentar autonomia e individuação. A sua segurança depende 

fortemente  da  convergência  entre  a  família  e  o  desconhecido  (a  escola)  e  da 

confluência e continuidade destes laços. 

• O sentido da  indústria é desenvolvido pelo  indivíduo no contexto escolar, o que 

requer uma avaliação de  si  como pessoa  trabalhadora. Competência e mestria 

são garantes da estima de si próprio ao longo do ciclo vital e a escola apela espe‐

cialmente para estas características. Será difícil para um adolescente  investir na 

área profissional se este sentido de competência não existe. A escola  tem aqui 

uma função importante criando condições de exploração e acção e favorecendo 

feedback aos seus alunos. 

• A auto‐reflexão sobre o futuro não significa tomar decisões, mas a capacidade de 

falar sobre si próprio, de interpretar, de construir hipóteses de alternativas futu‐

ras. Aqui também a escola tem um papel importante favorecendo imagens de ida 

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como homem  e  como mulher,  facilitando  possibilidades  de  analisar  diferentes 

papéis no sentido de desenvolver uma perspectiva social. 

  Neste período etário, a escola parece então  ter uma  função  importante para o 

desenvolvimento da identidade. Muitos estudos sugerem que determinadas práticas edu‐

cativas  são promotoras da  construção da  identidade. A  formação escolar deve  ser uma 

experiência com significado pessoal, o que envolve componentes afectivas e cognitivas. A 

escola deve criar condições para que a curiosidade não seja inibida, mas antes incentiva‐

da. Mas mais  importante do que o encorajamento à exploração é a permissão desta. A 

outra dimensão do processo de desenvolvimento da  identidade é o  investimento, o que 

envolve riscos. O adolescente precisa de sentir apoio que  lhe dê a segurança de que um 

fracasso pode ser ultrapassado. 

  O desenvolvimento da identidade passa por um período de exploração antes do 

investimento. A dependência do professor e do livro não favorece o desenvolvimento da 

autonomia, emocional e instrumental do estudante e, consequentemente, um sentido de 

competência, auto‐estima e identidade. 

  A  independência  emocional  é  facilitada  pelas  oportunidades  de  confronto  de 

trabalho e de saber com outros adultos que não são os seus próprios pais. Estas oportuni‐

dades devem  ser oferecidas num  contexto  relacional de  respeito mútuo o que permite 

desenvolver um sentido de  interdependência e reciprocidade. Pelo contrário, quando os 

currículos são rígidos, quando a aprendizagem requer apenas a memorização da informa‐

ção e quando o sucesso depende do conformismo com o sistema, a independência emo‐

cional dificilmente acontece. 

  Por sua vez, a  independência  instrumental é conseguida através do sucesso do 

indivíduo na realização de uma variedade de tarefas e problemas, pela aquisição da mobi‐

lidade suficiente para procurar e usar diferentes fontes. A valorização da mera «aprendi‐

zagem» da informação não dá oportunidade de experimentação de diferentes realidades. 

  Quando o produto é o mais valorizado, a competição entre alunos torna‐se fre‐

quente e as relações  interpessoais são afectadas. Pelo contrário, quando a cooperação é 

estimulada,  então  a  diversidade  de  competências,  de  perspectivas  e  de  informações, 

variáveis importantes para o desenvolvimento da identidade, facilitam o desenvolvimento 

de  competências de  comunicação, de perspectiva  social, de  cooperação, de partilha de 

objectivos e, finalmente, de um sentido de competência e auto‐estima. 

  Em resumo, podemos dizer que o sentido de competência, autonomia e  identi‐

dade se desenvolve: 

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• Ao nível  curricular,  se  a  experiência  responsabilizada  e  as  tarefas  significativas 

são valorizadas e as possibilidades de áreas de estudo e as fontes de informação 

são múltiplas. 

• Ao nível das práticas pedagógicas, se não são centradas no professor, se os con‐

teúdos desenvolvem diferentes valores, crenças e ideologias e se as turmas fun‐

cionam como grupos de discussão, entre alunos e entre alunos e professores, em 

que as discussões de experiências pessoais, sentimentos e comportamentos têm 

um espaço de análise. 

• Ao nível da avaliação, se a pressão para a aquisição de conhecimentos académi‐

cos é adequada, a realização bem sucedida de tarefas específicas é recompensa‐

da e o feedback for constante e descritivo. 

 

Sociais 

  As normas sociais podem facilitar ou não a crise de identidade. Parece evidente 

que quanto mais institucionalizada for a moratória no sentido da preparação instrumental 

para papéis adultos, maior facilidade haverá na resolução da crise. No entanto, se esta for 

demasiado simplificada a personalidade adulta poderá vir a reter características da infân‐

cia. Neste caso, as crises psicossociais posteriores serão mais problemáticas. Pelo contrá‐

rio, um contexto social não estruturado pode  levar a uma crise de  identidade mais agra‐

vada. 

  A hierarquia social, por sua vez, está  inerente à possibilidade ou não de experi‐

mentação de papéis que actualizem as potencialidades de um  indivíduo, o que, como  já 

foi referido, é um factor importante para o desenvolvimento a identidade, assim como a 

valorização de determinadas características e a desvalorização de outras que  interferem 

na  imagem que o  indivíduo tem de si em comparação com os outros  (raça, género, reli‐

gião, classe social). 

  Finalmente a  importância para a formação da  identidade de variáveis relaciona‐

das  com  um  determinado momento  histórico  (guerra,  recessão  económica,  epidemia) 

parecem evidentes. Não é possível separar o desenvolvimento pessoal da transformação 

comunitária,  assim  como  não  poderíamos  separar  a  crise  de  identidade  individual  do 

desenvolvimento histórico porque ambos se definem mutuamente e estão  relacionados 

entre si. 

Adaptado de Costa, M. E., «Desenvolvimento da Identidade».  

In Paiva‐Campos, B., Psicologia do Desenvolvimento e Educação de Jovens, 1990