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329 A RELAÇÃO ENTRE IMAGEM E TEXTO EM “O CORVOThaïs Flores Nogueira Diniz Amir Brito Cadôr Resumo: Uma ilustração pode ter várias funções; mais do que simplesmente ornar ou elucidar o texto, pode enfatizar sua própria configuração e chamar a atenção para seu suporte ou para a lingua- gem visual. Este trabalho analisa algumas ilustrações de Manet para a tradução, por Mallarmé, do poema “O corvo”, de Poe. Analisa-se a relação semântica estabelecida entre a imagem e o texto, pro- curando-se identificar o tipo de relação – convergência, desvio ou contradição – e consequentemente a função das imagens – substituição, paráfrase, tradução ou ainda transposição. Palavras-chave: transposição intersemiótica · ilustração Abstract: Illustration is associated with many functions; more than simply decorate or explain the text, it can emphasize its own configuration and claim attention to its support or the visual lan- guage. This text analyzes some illustrations by Manet to the translation by Mallarmé of Poe’s “The Raven”. The type of semantic relation established between image and text – convergence, detour and contradiction – and therefore the function of those images – substitution, paraphrase, transla- tion or transposition – are investigated. Keywords: intersemiotic transposition · illustration “O corvo” é o mais conhecido poema de Edgar Allan Poe e um dos mais famosos já es- critos. Trata-se de um poema narrativo que conta que alguém que busca nos livros ‘um sa- ber esquecido’ recebe certa noite a visita misteriosa de um corvo. Este só emite um som, nevermore, palavra enunciada a cada fim de estrofe, que ganha a cada vez um novo senti- do. Embora o trate amigavelmente, o homem acredita que o corvo irá deixá-lo breve, como o fizeram os seus amigos. O poema foi escrito com muita lógica e método, como o autor explica em seu artigo “The philosophy of composition” e foi inspirado, em parte, num romance de Charles Dic- kens. Com seu estribilho “nevermore” (nunca mais) presta uma homenagem ao amor e à finalidade da morte, sugerindo que a loucura está à espreita e que nada se pode contra ela. O narrador tem a consciência de que o inferno está em nós e de que somos todos culpados. Impresso pela primeira vez em 1845, o poema foi, por várias vezes, reeditado, traduzido para outras línguas, parodiado e ilustrado. Por mais que a vida de Poe tenha sido estranha e infeliz, ela ensejou a que ele se tornasse o primeiro escritor internacionalmente conhecido nos EUA. Desde sua morte, sua obra tem influenciado a literatura, a música, o cinema e a arte. Uma das razões de sua importância hoje é essa capacidade extraordinária para se a- daptar a outras mídias. Desde os meados do século 19, a mistura do sobrenatural com o simbólico, encontrada nas obras de Poe, fascinou compositores franceses e russos que usavam textos narrativos e poéticos como base para sua estrutura musical. A afinidade entre esses escritos e a música se deve à qualidade amorfa e abstrata e, ao mesmo tempo, poderosa, de suas ilustrações dramáticas que se assemelham às qualidades da música. CONGRESSO INTERNACIONAL PARA SEMPRE POE · 2009 · Belo Horizonte

Thais Diniz

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    A RELAO ENTRE IMAGEM E TEXTO EM O CORVO

    Thas Flores Nogueira Diniz Amir Brito Cadr

    Resumo: Uma ilustrao pode ter vrias funes; mais do que simplesmente ornar ou elucidar o texto, pode enfatizar sua prpria configurao e chamar a ateno para seu suporte ou para a lingua-gem visual. Este trabalho analisa algumas ilustraes de Manet para a traduo, por Mallarm, do poema O corvo, de Poe. Analisa-se a relao semntica estabelecida entre a imagem e o texto, pro-curando-se identificar o tipo de relao convergncia, desvio ou contradio e consequentemente a funo das imagens substituio, parfrase, traduo ou ainda transposio. Palavras-chave: transposio intersemitica ilustrao Abstract: Illustration is associated with many functions; more than simply decorate or explain the text, it can emphasize its own configuration and claim attention to its support or the visual lan-guage. This text analyzes some illustrations by Manet to the translation by Mallarm of Poes The Raven. The type of semantic relation established between image and text convergence, detour and contradiction and therefore the function of those images substitution, paraphrase, transla-tion or transposition are investigated. Keywords: intersemiotic transposition illustration

    O corvo o mais conhecido poema de Edgar Allan Poe e um dos mais famosos j es-

    critos. Trata-se de um poema narrativo que conta que algum que busca nos livros um sa-

    ber esquecido recebe certa noite a visita misteriosa de um corvo. Este s emite um som, nevermore, palavra enunciada a cada fim de estrofe, que ganha a cada vez um novo senti-

    do. Embora o trate amigavelmente, o homem acredita que o corvo ir deix-lo breve, como o fizeram os seus amigos.

    O poema foi escrito com muita lgica e mtodo, como o autor explica em seu artigo

    The philosophy of composition e foi inspirado, em parte, num romance de Charles Dic-kens. Com seu estribilho nevermore (nunca mais) presta uma homenagem ao amor e

    finalidade da morte, sugerindo que a loucura est espreita e que nada se pode contra ela.

    O narrador tem a conscincia de que o inferno est em ns e de que somos todos culpados.

    Impresso pela primeira vez em 1845, o poema foi, por vrias vezes, reeditado, traduzido

    para outras lnguas, parodiado e ilustrado. Por mais que a vida de Poe tenha sido estranha e

    infeliz, ela ensejou a que ele se tornasse o primeiro escritor internacionalmente conhecido nos EUA. Desde sua morte, sua obra tem influenciado a literatura, a msica, o cinema e a

    arte. Uma das razes de sua importncia hoje essa capacidade extraordinria para se a-

    daptar a outras mdias.

    Desde os meados do sculo 19, a mistura do sobrenatural com o simblico, encontrada

    nas obras de Poe, fascinou compositores franceses e russos que usavam textos narrativos e

    poticos como base para sua estrutura musical. A afinidade entre esses escritos e a msica se deve qualidade amorfa e abstrata e, ao mesmo tempo, poderosa, de suas ilustraes

    dramticas que se assemelham s qualidades da msica.

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    Claude Debussy, Sergei Rachmaninoff, Joseph Holbrooke e Jonathan Adams, entre os clssicos, e Frank Laine, Jean Leloup e Lou Reed entre os populares so exemplos de com-

    positores cuja obra foi fortemente influenciada por Poe.

    Entre os cineastas, sua influncia tambm se fez sentir. Falar das adaptaes das obras de Poe para a tela grande no representa novidade para os fs do gnero gtico j que, des-

    de os primrdios do cinema, as produes baseadas nas publicaes do norte-americano

    eram produzidas, desde a primeira verso de O poo e o pndulo, dirigida pelo francs Henri Desfontaines, em 1909, passando por pelculas assinadas por Roger Corman, como

    Muralhas do pavor (1962) e O enterro prematuro (1962). S do conto The fall of the house

    of Usher, por exemplo, h mais de uma dzia de filmes a comear pela verso de 1928, de Epstein. O corvo foi adaptado sete vezes para o cinema, sendo a mais famosa a de 1963,

    dirigida por Roger Corman, com Vincent Price no elenco.

    Alm da capacidade para se adaptar a outras mdias, o poema foi ainda encarado como desafio por diversos tradutores em inmeras lnguas. Temos tradues em holands, fin-

    lands, francs, alemo, italiano, russo, espanhol, sueco, portugus e idiche. Este desafio

    se deve principalmente tentativa de preservar ao mximo a armao rtmica e sonora e, ao mesmo tempo, conservar a fidelidade histria narrada

    Entre as tradues para o portugus, as mais famosas so as de Machado de Assis e Fer-

    nando Pessoa. A de Machado de Assis, embora no preserve a mesma estrutura, guarda, no seu ritmo prprio, o terror claustrofbico que caracteriza o poema original. Por outro lado,

    Fernando Pessoa, ao traduzir o poema para o portugus, ousou manter o ritmo e a rima do

    poema original, produzindo uma das melhores tradues j efetuadas para a lngua portu-guesa. Entre outras, as de Ivo Barroso, Emlio Meneses, Gondim da Fonseca, Milton Ama-

    do, Benedito Lopes, Alexei Bueno, Paulo Leminsky e Jorge Wanderley tambm se desta-cam. Bastante criativa a traduo/reescrita realizada por Augusto de Campos.

    O corvo ainda serviu de inspirao para vrios artistas, entre eles, Filipe Abranches,

    Harry Clarke, Arthur Rackham, Edmund Dulac, William Heath Robinson e Federico Castel-lon. Porm, entre as obras mais famosas, destacamos as gravuras de Gustave Dor, que a-

    companharam a traduo de Charles Baudelaire de 1884 e as litografias de douard Manet,

    que fizeram parte da traduo de Stphane Mallarm, para o francs, em 1875.

    O objetivo deste trabalho analisar a relao entre palavra e imagem numa publicao

    do fim do sculo 19. Trata-se de uma edio bilngue do poema The raven, de Edgar Al-

    lan Poe, contratada em 1874, por Richard Lesclide, com traduo de Stephane Mallarm e ilustraes de douard Manet.

    Apesar de ser uma publicao de autor estrangeiro dirigida ao esprito da poca e ilus-

    trada com litografias originais de um artista de grande reputao, o livro foi um fracasso comercial. Entretanto hoje esta obra considerada uma das precursoras do livro de pintor,

    que difere do livro ilustrado tradicional principalmente por conter obras de arte originais,

    executadas pelo prprio artista ou sob sua superviso.1

    1 Grosso modo, podemos definir livre de paintre ou livre dartiste como um livro de edio limi-tada cujo foco est nos desenhos/pinturas originais e na relevncia do artista, colocado no mesmo nvel do escritor. Iniciada por douard Manet e Stphane Mallarm, esta forma de arte essencial-

    Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 329-335.

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    Manet era um artista ousado, cujas pinturas haviam escandalizado o pblico e horrori-zado os crticos. O livro hoje considerado uma obra prima de ilustrao de livro do sculo

    19, prefigurando muitas das tendncias dominantes do sculo 20, como abstrao ousada,

    perspectivas surpreendentes e grandes e poderosas pinceladas. Do mesmo modo, Mallar-m, autor de uma obra potica ambiciosa e difcil, era tambm um vanguardista. Seu obje-

    tivo era retratar no a coisa em si, mas o seu efeito. Sua preocupao era pela aparncia da

    pgina impressa em relao palavra e imagem. Para ele, a verdade era composta de in-tenes e as palavras desapareciam perante as sensaes.

    Manet e Mallarm se encontraram em 1873 e se tornaram amigos, compartilhando as

    mesmas opinies sobre a vida e a arte. Vemos nessa obra um exemplo raro de trabalho de equipe o pintor e o poeta reagindo reciprocamente ao trabalho um do outro e, durante o

    processo, transformando-o e, ao mesmo tempo, homenageando-o. A publicao de The

    raven/Le corbeau foi portanto um acontecimento de vanguarda tanto na literatura como na pintura. Ambos lutaram para unir as artes num nico objeto fsico e neste sentido que

    esta edio de O corvo avana a arte do livro, pois nela imagem e palavra esto em equi-

    lbrio e podem ser vistas conjuntamente como um todo. O nmero de figuras determina-do pelo tamanho do texto, sendo que cada uma das quatro ilustraes de pgina inteira

    estampada numa nica pgina de texto em ingls, com os pargrafos da traduo de Mal-

    larm, equivalentes, ao lado. Tanto o escritor como o pintor se achavam bastante familiari-zados com o texto e o leitor no tem dificuldades de identificar as passagens relevantes para

    cada ilustrao.

    Em seu texto, Mallarm rompeu com as convenes de forma e representao, reduzin-do o potico a suas partes essenciais, separando o som, o silncio, as analogias e as clarida-

    des tonais. Seus experimentos que combinam abstrao e performatividade exploram a forma e revelam o que estaria latente podem ser entendidos como uma decodificao lin-

    gstica e, ao mesmo tempo, potica. Todos esses desenvolvimentos foram precursores das

    inovaes culturais mais importantes do sculo 20.

    Para ilustrar O corvo, Manet criou uma srie de estudos onde a incapacidade de agir

    pervasiva. Mesmo a segunda ilustrao que descreve a entrada do corvo parece congelada

    no tempo, enquanto a tenso psicolgica focada na mo rgida e em sobressalto. Assim tambm na primeira ilustrao a posio da cabea, no momento da escuta, que d o tom.

    Sua inclinao para cima domina a terceira ilustrao, e o busto da deusa Atenas abaixo do

    corvo refletida surpreendentemente na cabea e ombros truncados do homem. Na ilustra-o final, seguramente a mais audaciosa de um livro de ilustraes do sculo 19, apenas a

    sombra da substncia viva permanece.

    A tcnica usada por Manet a da litografia, que permite trabalhar de um modo que se aproxima mais do desenho, podendo ser utilizado lpis litogrfico ou pincel diretamente

    na matriz. A combinao de linhas e manchas produz texturas que enriquecem as imagens.

    mente parisiense hoje se rivaliza com o livro de artista (CHAPON. Le peintre et le livre: lage dor du livre illustr en France 1870-1970).

    CONGRESSO INTERNACIONAL PARA SEMPRE POE 2009 Belo Horizonte

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    Fig. 1: O poeta em seu escritrio

    O ambiente repleto de sombras tem uma luminria de mesa bem no centro da imagem. Ape-

    sar disto, a rea mais clara a extremidade da mesa oposta ao personagem, sentado em uma

    poltrona, visto de lado. A luz que parece emanar da mesa d o tom sobrenatural. O escritrio indicado apenas pela mesa, ocupada por objetos indiscernveis ao lado de alguns livros. O

    personagem se encontra envolvido pela penumbra em sua leitura solitria no meio da noite.

    A cabea erguida indica uma pausa no meio da leitura, o olhar perdido no nada, uma breve reflexo. O rosto tambm sombreado, mas, graas s hachuras, ainda possvel identificar

    o bigode e alguns traos da fisionomia que lembram o retrato de Mallarm pintado por Ma-

    net, anos depois. A cena toda apresenta reas escuras definidas por linhas diagonais, todas na mesma direo, mas com intensidade, largura e comprimento diferentes, o que permite dife-

    renar os elementos em meio penumbra. O terno do poeta com o preto mais denso da ima-gem recebeu um tratamento diferente, mais uniforme se comparado com outras reas escuras.

    Fig. 2: O umbral

    Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 329-335.

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    A imagem dividida ao meio fazendo uma oposio entre interior e exterior, realada pelo contraste entre claro e escuro. Cada metade da cena dominada por um dos personagens. O

    corvo, voando, se aproxima da janela aberta pelo poeta que permanece esttico, olhando para

    o pssaro e para a vista noturna da cidade. No vemos seus olhos como na primeira imagem. Ele se encontra de perfil, em p, ao lado da janela, usando um terno escuro que se confunde

    com as sombras e com o ambiente. O sombreado feito por linhas diagonais ascendentes no

    ambiente interno, e por linhas diagonais descendentes na parte exterior da cena. As linhas convergem para o batente da janela, limite entre o exterior e o exterior. Outra oposio mar-

    cada pelas linhas da vista noturna em contraste com uma grande mancha que se adensa no

    ambiente interno.

    Fig. 3: Palas

    Acima do umbral da porta, em cima do busto de Palas-Atena est o corvo. H o contraste entre a luz e o tom branco do busto de Palas com a escurido da penugem do corvo. Mesmo

    em meio s sombras, o corvo ainda a rea mais escura da imagem. O olhar do personagem

    forma uma linha oblqua em direo ao corvo. Vemos apenas a sua cabea inclinada, apoiada em uma poltrona, como se contemplasse a figura misteriosa. Um ponto de luz que vem do

    lado esquerdo, acima do corvo, cria ao lado dele o seu duplo, uma sombra projetada.

    Fig. 4: A sombra

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    Esta ltima imagem oscila entre presena e ausncia. A ausncia do poeta (ou de sua amada, conforme o poema) sugerida pela cadeira vazia, que ocupa direita, o mesmo

    lugar ocupado pelo poeta nas outras trs imagens. A presena do corvo se faz notar apenas

    por sua sombra projetada, gigantesca, no cho, ao lado da cadeira, tambm ocupando o lado esquerdo, como nas outras duas imagens em que o corvo aparece. A sombra do corvo

    uma macha escura composta por pinceladas curtas dispostas lado a lado, bem prximas,

    tornando dinmico o contorno da silhueta, como se fosse formado pela luz bruxuleante de uma vela. A afinidade entre Manet e Mallarm fica mais evidente nesta ltima imagem, em

    que o artista se aproxima do ideal simbolista de sugerir ou indicar, evocar mais do que

    mostrar: as associaes possveis entre a figura noturna do corvo e as sombras da noite so combinadas em uma nica imagem.

    A primeira ilustrao, a nica em que o corvo no aparece, a mais escura da srie;

    tambm a nica em sentido horizontal. Nas duas seguintes, h uma espcie de confronto entre o homem e o corvo, demonstrado em oposies e contrastes (dentro e fora, claro e

    escuro, alto e baixo). Nestas duas imagens, o olhar do poeta em direo ao corvo avana em

    profundidade para dentro da imagem, quase introspectivo, como se a cena revelasse o aspecto interior do poeta. O homem desaparece na ltima imagem, em que a silhueta do

    corvo cresce ameaadoramente. A contemplao esttica e a solido (condies necessrias

    para a contemplao) so o tema de todas as imagens deste conjunto de litografias.

    A edio limitada do poema The raven (O corvo), de Edgar Allan Poe, publicada em

    Paris em 1875, com ilustraes de douard Manet,2 particularmente instigante porque a

    edio inteira pode ser entendida como um exerccio de traduo de texto verbal para vi-sual. O texto de Poe reproduzido em ingls, com suas dezoito estrofes divididas em gru-

    pos de quatro, cinco, cinco e quatro. Cada grupo impresso na pgina esquerda, tendo no lado oposto uma litografia de Manet, que tambm forneceu imagens da cabea de um cor-

    vo, para o frontispcio, e de um corvo voando, para o ex libris. Cada conjunto de duas

    pginas, com o texto de Poe e a ilustrao de Manet, seguido por um conjunto em que a pgina esquerda se encontra em branco e, na direita, est a traduo em prosa das estrofes

    de Poe por Stphane Mallarm. Este conjunto ocupa, ento, a mesma posio do conjunto

    anterior. Ao leitor so oferecidas tanto uma traduo interlingual quanto uma transposio intersemitica do texto de Poe. As quatro litografias de Manet, que podem ser lidas como

    correspondentes tanto ao contedo geral do texto da pgina ao lado como a um verso espe-

    cfico, ou a um grupo de versos, levar-nos-iam a refletir sobre sua adequao ao texto em ingls; elas parecem corresponder a ele no que podemos chamar de qualidades essenci-

    ais, enquanto empregam uma linguagem visual que aponta para o futuro ao invs de apon-

    tar para a retrica verbal da dcada de 1840, especificamente a de Poe.3 Tradicionalmente, a palavra ilustrao significa trazer luz, assim como uma tocha i-

    lumina uma gruta, ou um manuscrito medieval iluminado. No livro de pintor acima ana-

    lisado,4 elaborado por Manet e Mallarm, a ilustrao no tem propriamente esta funo;

    2 MITCHELL. The complete illustrations from Delacroixs Faust and Manets The raven. 3 CLVER. Da transposio intersemitica, p. 140-142. 4 Um livro de pintor um tipo de livro ilustrado no qual cada ilustrao impressa diretamente da matriz em que o artista trabalhou (xilogravura, litografia ou gravura em metal). Normalmente so

    Anais... Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 329-335.

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    ao contrrio, faz parte integrante da obra, sugerindo pensamentos e sentimentos no expli-citados no texto. Assim, texto e imagem esto interligados, ilustrando o conceito proposto

    por Leo Hoek, que caracteriza as relaes entre o texto e a imagem de acordo com a situa-

    o de produo/recepo. Trata-se aqui de uma obra multimiditica, pois o elemento ver-bal e o visual so auto-suficientes. Porm entre o texto e a imagem existe uma relao de

    intertextualidade transmiditica.5

    REFERNCIAS

    CHAPON, Franoise. Le peintre et le livre: lage dor du livre illustr en France 1870-1970. Paris: Flamarion, 1987.

    CLVER, Claus. Da transposio intersemitica. Trad. Thas Flores Nogueira Diniz et al. In: ARBEX, Mrcia (Org.). Poticas do visvel: ensaios sobre a escrita e a imagem. Belo Hori-zonte: Programa de Ps-graduao em Letras: Estudos Literrios, FALE/UFMG, 2006. p. 107-166.

    HOEK, Leo. H. A transposio intersemitica: por uma classificao pragmtica. Trad. Mrcia Arbex et al. In: ARBEX, Mrcia. Poticas do visvel: ensaios sobre a escrita e a ima-gem. Belo Horizonte: Programa de Ps-graduao em Letras: Estudos Literrios, FA-LE/UFMG, 2006. p. 167-220.

    MITCHEL, Breon (Ed.). The complete illustrations from Delacroixs Faust and Manets The raven. Bloomington: The Lilly Library of Indiana University; New York: Dover, 1981.

    MOEGLIN-DELCROIX, Anne. Esthtique du livre dartiste (1960/1980). Paris: Jean-Michel Place; Bibliothque Nationale de France, 1997.

    publicados sem encadernao, o que significa que podem ser manipulados. O nmero de cpias no excede a 300. A impresso feita em estabelecimentos especializados que usam papel, tinta e tipos cuidadosamente escolhidos. Para Anne Moeglin Delcroix, o livro ilustrado ou livro de pintor um objeto precioso, feito para biblifilos em tiragens limitadas, em que o artista associa suas gravuras a um texto, em oposio ao livro de artista, que escolhe fazer uma obra na forma moderna de livro, em edies no limitadas. Ainda Moeglin distingue livro de pintor como edio limitada de um poeta que convida um artista para ornar seus textos com gravuras feitas mo, do livro de artista que tem o artista como autor das imagens e do texto, o livro pensado como obra que utiliza meios industriais de reproduo, prprios aos livros comuns. A confuso entre os termos livro de pintor e livro de artistase deve a um erro de traduo, e por causa de uma curadora do Moma, a Riva Castleman, que no faz esta distino, mas outros pesquisadores mais recentes, como a Anne Moeglin evitam o termo livro de artista para estas edies de luxo que se iniciam no final do sc 19. 5 HOEK. A transposio intersemitica, p. 167-189.

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