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UNIFIEO CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO TIAGO ALVES PESSOA O PENTATEUCO COMO FONTE MATERIAL DE DIREITO PARA A MATERIALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA OSASCO 2014

Tiago Alves Pessoa - O Pentateuco

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  • UNIFIEO CENTRO UNIVERSITRIO FIEO

    PROGRAMA DE PS GRADUAO

    MESTRADO EM DIREITO

    TIAGO ALVES PESSOA

    O PENTATEUCO COMO FONTE MATERIAL DE DIREITO PARA A

    MATERIALIZAO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

    OSASCO

    2014

  • TIAGO ALVES PESSOA

    O PENTATEUCO COMO FONTE MATERIAL DE DIREITO PARA A

    MATERIALIZAO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora do UNIFIEO Centro

    Universitrio FIEO, como exigncia parcial, para a obteno do ttulo

    de Mestre em Direito, tendo como rea de concentrao: Positivao

    e Concretizao Jurdica dos Direitos Humanos inserido na linha de

    pesquisa Direitos Fundamentais em sua Dimenso Material, sob a

    orientao da Professora Dra. Margareth Anne Leister.

    OSASCO

    2014

  • FICHA CATALOGRFICA

    PESSOA, Tiago Alves, 2014.

    O Pentateuco como fonte material de direito para a materializao da dignidade

    da pessoa humana Osasco: s.n., 2014.

    100 f. :30 cm

    Dissertao (Mestrado) UNIFIEO Centro Universitrio FIEO.

    rea de concentrao: Positivao e Concretizao Jurdica dos Direitos

    Humanos inserido na linha de pesquisa Direitos Fundamentais em sua

    Dimenso Material

    Orientadora: Profa. Dra. Margareth Anne Leister.

    1. Direito e Dignidade. 2. Direito Filosofia. 3. Dignidade da Pessoa Humana.

  • TERMO DE APROVAO.

    O Pentateuco como fonte material de direito para a materializao da dignidade

    da pessoa humana

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Mestre em Direito do Mestrado em Direito do

    Programa de Ps-Graduao do UNIFIEO Centro FIEO.

    TIAGO ALVES PESSOA

    BANCA EXAMINADORA:

    Data da Apresentao 01/04/2014.

    ____________________________________________________

    Professora Doutora Orientadora Margareth Anne Leister

    UNIFIEO Centro Universitrio FIEO

    ____________________________________________________

    Professor Doutor Luiz Rodolfo Ararigboia de Souza Dantas

    UNIFIEO Centro Universitrio FIEO

    ____________________________________________________

    Professor Doutor Ivan de Oliveira Silva

    Universidade So Francisco

    Conceito final: 9,5.

  • DECLARAO DE TICA E RESPEITO AOS DIREITOS AUTORAIS.

    Declaro, para os devidos fins, que a pesquisa foi por mim elaborada e que no h, nesta

    dissertao, cpias de publicaes de trechos de ttulos de outros autores sem a respectiva

    citao, nos moldes da NBR 10.520 de agosto/2002.

    Tiago Alves Pessoa

    RG. 34.712.947-x

  • DEDICATRIA

    A Deus Pai, Filho e Esprito Santo

  • AGRADECIMENTOS

    Meus agradecimentos iniciais seguem ao Deus Trino, por todo o

    apoio, misericrdia e auxlio, nesta fase e tambm nas que viro.

    Na sequncia, direciono o meu amor minha esposa e filhos

    (Rosangela, Gentil Neto e Janete), por terem tido toda a pacincia

    do mundo para conosco nestes dias. Sei que tiveram de lidar com

    a ausncia, para que este humilde trabalho pudesse ficar pronto.

    Da mesma forma, quero lembrar e gratificar aos meus pais (Gentil

    e Janete), pois contriburam, em todos os sentidos, para a

    realizao deste sonho. A vocs, o meu muito obrigado. Gratifico,

    ainda, a todos da Sede Geral das Assembleias de Deus Jardim

    Mriam A Igreja Plus, pelas oraes e auxlios. Pelas conversas,

    orientaes e conselhos que contriburam para o nosso

    crescimento agradeo aos Professores Doutores: Coordenadora

    Anna Cndida da Cunha Ferraz, Antnio Cludio da Costa

    Machado, Domingo Svio Zainaghi, Eduardo Carlos Bianca

    Bittar, Mrcia Cristina de Souza Alvim, Paulo Salvador Frontini,

    Fernando Pavan Baptista, Ivan Martins Motta e Luis Rodolfo A.

    de Souza Dantas (que me confiou algumas de suas obras para

    consulta). Em virtude do respeito, dedicao, orientaes,

    cobranas e incentivos para estar sempre entre os melhores,

    parabenizo a Prof.. Dra. Margareth Anne Leister e retribuo a

    minha gratido e o eterno reconhecimento. Por toda pacincia

    dispensada, obrigado. No posso me esquecer dos funcionrios

    da UNIFEO, em especial as Senhoras Ndja Polezer (in

    memoriam), Edlaine Amorim e Roberta Gomes. nossa revisora,

    Prof. Margarida Moraes. Da mesma forma aos colegas de curso,

    minha satisfao e o obrigado. Aos citados direta ou

    indiretamente minha eterna gratido e que o Eterno nos ajude

    sempre.

  • RESUMO

    O Pentateuco pode ser considerado como fonte material do direito. Desta forma, por meio

    de doutrinas so demonstradas suas principais contribuies para a constituio dos

    Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana. Alm de possuir critrios histricos

    e religiosos, abordado o jurdico em prol de serem reconhecidos direitos que esto e

    outros que podem ser utilizados no ordenamento brasileiro. As ilaes alcanadas esto

    conectadas com o tema das fontes do direito, materiais e formais e os elementos que so

    produzidos a partir delas. Nesta inteno, so favorecidas uma srie de conceitos,

    preocupaes e acepes jurdicas, tomando-se por base, inclusive, sociedades antigas

    para compreender os impactos destas, na atualidade. Uma das sociedades estudadas a

    israelita, suas fontes e culturas. Para o mesmo fim, abordam-se as concluses do

    estoicismo, iluminismo e Kant e os principais efeitos que geram em todo o cenrio

    humanista. Mediante a ponte que construda entre o passado e o presente, formata-se a

    opinio que descrita no incio do pargrafo acima.

    Palavras-chave: Dignidade Humana; Pentateuco; Conceito; Judasmo; Pessoa Humana;

    Fonte de Direito.

  • ABSTRACT

    The Pentateuch can be considered as a material source of law. Thus, through doctrines

    are stated his major contributions to the establishment of Human Rights and Dignity of

    the Human Person . Besides having historical and religious criteria, is covered in favor of

    the legal rights that are being recognized and others can be used in the Brazilian legal

    system. The conclusions reached, are connected with the topic of sources of law, and

    formal and material elements that are produced from them. This intention, are favored a

    series of concepts, concerns and legal meanings, taking as basis even ancient societies to

    understand the impacts of these, today. One of the studied companies is Israeli, their

    sources and cultures. For the same purpose, discusses the findings of Stoicism, the

    Enlightenment and Kant and the main effects that generate throughout the humanist

    scenario. Upon the bridge is built between the past and present, formats the view that is

    described earlier in the paragraph above.

    Keywords: Human Dignity; Pentateuch; Concept; Judaism; Human Person; Source of

    Law.

  • SUMRIO.

    Introduo..................................................................................................................... 11

    1 Os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana...................................... 17

    1.1 A Dignidade da Pessoa Humana........................................................................ 27

    2 A Dignidade da Pessoa Humana na Grcia, em Roma e em Israel...................... 51

    2.1 A Sociedade Israelita.......................................................................................... 72

    2.2 Das Contribuies do Estoicismo, Iluminismo e de Kant............................... 91

    3 Fontes do Direito..................................................................................................... 105

    4 O Pentateuco........................................................................................................... 135

    Concluses................................................................................................................. 154

    Referncias Bibliogrficas.....................................................................................,. 167

  • 11

    Introduo.

    A atividade desenvolvida tem como fim o de demonstrar que o Pentateuco pode ser

    considerado como fonte material de direito e que cooperou para a conceituao da Dignidade

    da Pessoa Humana. Sabe-se da importncia desta para o ordenamento brasileiro e daquele para

    o direito dos homens principalmente para os Direitos Humanos, que trabalham pela valorizao

    dos indivduos. Deste modo, considera-se como objetivo primrio a busca na doutrina,

    legislao brasileira, em citaes bblicas e fundamentos filosficos, tendo-se o cuidado e a

    preocupao de indicar determinados pensadores, teorias e valores; da localizao de elementos

    que podem assessorar na comprovao do posicionamento desejado, fugindo-se assim de

    concepes comuns.

    Ressalte-se que, nas hipteses que sero defendidas, no h a inteno e/ou a pretenso

    de se esgotar o assunto. No mesmo sentido que a respectiva obra no se detm em desenvolver

    um amplo contedo teolgico, embora traga de forma humilde, determinados pontos associados

    ao Direito, no desejo de se asseverar que parte do reconhecimento que direcionado ao

    cristianismo deva ser atribuda ao judasmo, visto que seus preceitos serviram de base quele

    em relao disposio de normas, tratamentos, bens e benefcios, inclusive para a indicao

    dos principais beneficirios do que se entende por dignidade humana.

    To somente ao se mencionar o uso e a abordagem de normas est se especificando um

    conjunto de princpios e de regras que disciplinam a conduta humana e que estabelecem sanes

    s infraes cometidas. A importncia desta informao recai sobre o fato e/ou a possibilidade

    de se acreditar que o trabalho indicar apenas normas morais que determinam a reprovao

    social ou normas religiosas que classificam o desrespeito e o pecado possibilitando assim uma

    pena subjetiva. Ao contrrio, o exposto estudar normas jurdicas e institutos que serviram no

    passado e que hoje se encontram presentes em ordenamentos, tais como o brasileiro.

  • 12

    Para auxiliar a investigao iniciada aplicaremos o mtodo dialtico, acontecendo na

    sequncia a execuo do projeto de pesquisa atravs de mltiplas consultas a doutrinas

    nacionais e especializadas, usando como parmetro as normas brasileiras de Direitos Humanos,

    Constitucionais e Civis. A ttulo de referencial terico apoderar-se- da Moral e de

    determinadas normas religiosas e seus principais desdobramentos nas sociedades antigas e

    atuais.

    Dessa forma, na primeira seo constaro os indicativos dos Direitos Humanos e os

    principais institutos que contriburam para o abalizamento do tema em distintas pocas e as

    contribuies que promoveram para o conceito de dignidade humana. H a preocupao quanto

    s conceituaes e diferenciaes das palavras dignidade, pessoa e humana e o resultado destas

    no ordenamento brasileiro. Nessa concepo, os Direitos Humanos sero ostentados como

    instrumentos que cooperaram para a defesa e o brilho dos significados, funes, direitos e

    garantias.

    Feita ento a meno de seu carter histrico, dos interesses que resguardam e o que

    enfrentou para que se pudesse falar de valores, direitos e dignidades humanas, em virtude de

    sua relevncia, ser considerado como o termmetro das sociedades. Saiba-se, portanto, que

    muitas so as teorias que os justificam. Um critrio que deve ser percebido como ponto de

    partida que os Direitos Humanos, quando so efetivados, passam a ser chamados de Direitos

    Fundamentais. No decorrer da exposio ento, para se conhecerem os direitos aferidos, ser

    abordada a questo de poderem ser classificados em geraes ou dimenses de direitos. Nesta

    parte inicial, o percurso da pesquisa passar tambm pelos principais documentos que devem

    ser lembrados e que ajudaram para que os Direitos Humanos fossem estabelecidos.

    Por todas as razes asseveradas, o atual significado de Dignidade da Pessoa Humana se

    depara com uma srie de conceitos, preocupaes e acepes jurdicas, sociolgicas,

    filosficas, histricas e religiosas que, em sntese, contriburam para a sua formao. Portanto,

  • 13

    no basta simplesmente indic-lo como favorecedor de um apreo cultural, social, necessrio e

    fundamental. preciso abordar determinados aspectos que nem sempre so lembrados e/ou

    considerados, mas que auxiliaram para a sua materializao. De igual modo, insuficiente a

    declarao de que os indivduos possuem uma posio no universo que lhes permite serem

    detentores de um valor histrico, universal, essencial, imprescritvel, inquestionvel,

    inalienvel, indivisvel, inviolvel, imutvel, efetivo e nico. Antes, faz-se decisiva a realizao

    de um aperfeioado embasamento com olhos no passado, para que ento haja a assimilao de

    seu contedo com a realidade que se pretende defender.

    A ausncia de uma percepo mais precisa, amplificada e agregadora acerca do que a

    dignidade humana contribui para o desconhecimento dos diversos aspectos e caractersticas que

    lhe so pertinentes. Da mesma forma, a carncia de um alicerce seguro gera a dissoluo

    daquela como um importante mecanismo para a concretizao dos Direitos Humanos e

    Fundamentais e/ou a confuso de seus propsitos, razo pela qual, o contedo disponibilizado

    enfrentar os mencionados problemas.

    Na segunda seo descrever-se-o as trs sociedades antigas, ou seja, a grega, a romana

    e a israelita, por estarem diretamente conectadas com o tema principal e suas particularidades,

    algumas at esquecidas por estudiosos, na inteno de verificar de que forma contriburam

    aquelas com o assunto em tela. Aprender romper com os preconceitos e vencida essa barreira

    ingressa-se na histria. Tomadas as lies preliminares das sociedades escolhidas, algumas

    surpreendero pelas transposies e os limites que criaram, principalmente por corresponderem

    a grupos em formao e desenvolvimento.

    Por estar mais dentro daquilo que se quer comentar, o presente trabalho se deteve um

    pouco mais, na sociedade israelita que, desde seu perodo nmade at o monrquico, concebeu

    fatos importantes, como por exemplo, a representao da famlia naqueles dias. Ressalte-se que

    se est acessando uma sociedade patriarcal, que viveu no Oriente Prximo e que ali disps de

  • 14

    muitas fontes e culturas at que se estabelecesse definitivamente em Cana. Desses dias, o

    anncio do monotesmo produziu grandes efeitos. Portanto, o presente procurar demonstrar

    que cabe ento aos seres humanos compreenderem que compartilham de um ancestral comum,

    reconhecendo o valor singular da chamada dignidade que cada indivduo possui e tambm, que

    suas escolhas devem proporcionar honras e no diferente. Nessa jornada, se adentrar no

    estoicismo, iluminismo e nos ensinamentos de Kant e os assessoramentos que prestaram com

    suas defesas.

    Na terceira seo, feito um levantamento sobre o que so fontes materiais e formais e

    como se diferenciam, ser explicada a validade da norma jurdica e quando satisfaz, passando

    a fazer parte do sistema jurdico. Constata-se a incompletude do ordenamento brasileiro e os

    cuidados que devem ser adotados para que no se incorra em erros e seja aceito todo tipo de

    norma aliengena. Dessa forma, passados os conceitos de fontes, noticia-se que existem normas

    de condutas e estruturais e atingem seus objetivos dentro dos grupos sociais. O Estado aparece

    como organizador das aes humanas, verdade, porm recebe influncias de grupos que o

    compem. Em virtude disto, o resistir dos indivduos no ataque s autoridades, entretanto,

    em determinadas situaes, o enfrentamento de abusos. Demonstrados tambm os poderes

    das fontes do direito, citar-se-o quais os elementos que as compem. Embora no haja uma

    pacificidade doutrinria, fala-se de fontes formais estatais e no estatais e materiais, o que

    colabora para a formao de cada uma delas.

    No quarto item, atribuir-se-o Tor as devidas manifestaes. Alm de ser um smbolo

    religioso, narrada como um instrumento que cooperou e ainda influencia as sociedades,

    inclusive a israelita. Achada na forma escrita (xebbiktav) e no-escrita (xebbal-pel - Tor Oral

    ou Talmude), traz a histria da humanidade e se confunde com o prprio tempo. Assim, em

    sendo descrita com particularidades e caractersticas de um povo; do contato deste, com as

    demais sociedades existentes poca; do tempo em que foi caligrafada e agrupada e o efeito

  • 15

    que causou nos indivduos e sociedades, ter toda a ateno. Mensure-se que o contedo da

    Tor mudou muitas crenas e convices no mundo antigo e ainda neste tempo gera muitas

    alegrias e convices.

    Diante disto, dividido em trs partes, ou seja, a da Lei (Pentateuco), a dos Profetas

    (Nebiim) e dos Hagigrafos (Ketubim), mesmo que no seja o objetivo deste trabalho aclarar a

    todas as partes de forma profunda e religiosa, exibiram-se alguns pontos que permitem a todos

    a introduo no tema. Da segunda seo da Tor, ou seja, a dos Profetas (Nebiim), fala-se dos

    Profetas como indivduos que revelaram uma paixo pela Humanidade, pela justia e pela

    verdade. Para que se tenha uma melhor noo, realizada uma percepo do ambiente social

    vivido. Na terceira parte da Tor, h a conferncia e a indicao dos Livros Hagigrafos

    (Ketubim - adjetivo relativo hagiografia), ou seja, exemplares de sabedoria que incentivam o

    conhecer do homem e o Universo.

    Ao fazer referncia propriamente ao Pentateuco, a parte da Lei, complementa-se o que

    j est sendo amplamente explicado ao longo da pesquisa. Segue-se a posio de que foi Moiss

    o autor do Pentateuco, porm, orienta-se que existe a defesa de que essa categoria tambm

    condensada por Tradies Orais que comentam valores, leis, perodos cronolgicos, dentre

    outros assuntos que do corpo s 613 leis, mandamentos e determinaes. Sendo assim, como

    Cdigo Filosfico ou a reunio de diversas tradies, segue como elemento fundamental que

    auxilia na formao de normas, inclusive nas de Direitos Humanos que visam proteger a

    Dignidade da Pessoa Humana.

    Nesta ocasio aproveita-se a oportunidade para elucidar determinados pontos

    tradicionais que so passados de forma errnea e que tende a causar dvidas nos comuns, ou

    seja, nos que no so praticantes do judasmo. Ressalta-se novamente, no h a pretenso de se

    esgotar o tema, mas ao final so postas algumas citaes correspondentes ao Pentateuco e que

    j foram adotadas pelo ordenamento jurdico brasileiro em relao ao direito internacional, a

  • 16

    preservao da vida (homicdio e homicdio culposo), paz, justia, dignidade humana,

    igualdade, assistncia social, indenizao por lucros cessantes, danos, danos morais (lei de

    proteo propriedade e de responsabilidade social), propriedade privada, bens impenhorveis,

    divrcio, descanso semanal, assalariado, educao, cultura, normas processuais, assistncia

    social, princpios constitucionais, prova testemunhal e penas.

    Por fim, restaro as consideraes finais e na sequncia os apontamentos das referncias

    bibliogrficas.

  • 17

    1 Os Direitos Humanos e a Dignidade da Pessoa Humana.

    Os Direitos Humanos so frutos do entrelaamento de vrios veios, como os costumes

    de civilizaes antigas, a produo jusfilosfica e a disseminao do cristianismo.1. Trata-se

    de uma matria complexa, cuja relevncia no mbito jurdico assinalada atravs de

    documentos internacionais, normas constitucionais e outros diplomas que cooperam para a

    defesa e o brilho dos significados, funes, direitos e garantias2 dos seres humanos. Acerca de

    sua a origem institucional, defende-se que:

    [...] encontrada pela primeira vez nas normas do Congresso de Viena (1815),

    que proibiam o comrcio de escravos e se desenvolveram aps o trmino da

    Primeira Guerra Mundial em 1918. Posteriormente, em 1864, se constituiu a

    Conveno de Genebra, que inaugura a proteo dos mais elementares direitos

    individuais, em casos de conflitos armados, visando minorar o sofrimento de

    soldados doentes e feridos, bem como das populaes civis atingidas.3

    De acordo com Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano, neste

    instante que h o nascimento do direito humanitrio; a introduo dos direitos humanos na

    esfera internacional4. Portanto, dentro desta compreenso e com mais de quatro sculos de

    histria, asseguram necessidades e interesses para que haja o reconhecimento de valores,

    direitos e dignidades que so prprias dos indivduos. Carlos Aurlio Mota de Souza5 comenta

    que a violncia a maior inimiga do homem e no algo exterior, mas que dele brota para

    atingir semelhantes, prximos ou no, de forma individual ou coletiva. Diz ainda o autor que a

    mais grave de todas as violncias a praticada pelo prprio Estado contra os seres humanos.

    1 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,

    2009, p. 15. 2 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,

    Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 21. 3 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,

    Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 85. 4 Ibid., mesma pgina. 5 SOUZA, Carlos Aurlio Mota de. Direitos Humanos, tica e justia : Ensaios. So Paulo: Letras Jurdicas,

    2012, p. 89.

  • 18

    Dispondo dessas palavras, percebem-se em partes quais foram as situaes enfrentadas, para

    que se pude gozar de valores, dignidades, direitos e garantias. Sendo assim, possvel declarar

    que se percorreu um longo caminho at que o poder e as agresses impostas fossem [...] se

    perdendo nas batalhas sob a ordem da liberdade, igualdade e solidariedade (fraternidade) [...].6.

    Quando se fala em poder, que seja diferenciado da autoridade que se encontra [...] prxima da

    ideia do reconhecimento das caractersticas ou qualidades de algum.7. Enquanto a autoridade

    pessoal e seus possuidores convivem harmoniosamente, o poder legitimado pela fora e

    serve como meio de organizao social8 ou de dominao, caracterstica que foi questionada,

    por estar sendo utilizada para subjugar os indivduos e suas dignidades.

    Portanto, dadas as mltiplas reaes firmadas contra os abusos sofridos e/ou praticados,

    empregaram-se inmeros expedientes para que ocorresse a afirmao de que os Direitos

    Humanos so reaes e a promoo do retrocesso da desumanizao atravs do despertar da

    conscincia positiva e, tambm, a certificao de que todos indivduos so iguais perante a lei

    e a justia. O Estado no possuidor de um poder inquestionvel, mas sim de um governo

    autorizado e criador de normas que deve visar organizao dos grupos e no a explorao

    daqueles. como se encontra anotado, ou seja:

    o poder poltico assim, uma forma nascida da vontade social preponderante,

    que concede a titularidade do poder dos indivduos a seus representantes. Esse

    poder destina-se a guiar a comunidade at uma ordem social que considera

    adequada, impondo a seus integrantes o comportamento necessrio para

    atingi-la, em cumprimento ao acordado no pacto social.9

    Logo, as posturas adotadas ao longo dos anos tiveram por objetivos, no plano jurdico-

    legal como no cultural-ideal, demonstrar que os Direitos Humanos podem ser classificados

    6 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,

    Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 23. 7 Ibid., mesma pgina. 8 Das relaes sociais. 9 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,

    Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 47.

  • 19

    como o [...] nico instrumento capaz de medir o nvel de civilidade alcanado por uma

    sociedade e seu progressivo distanciamento da barbrie [...].10. Com toda certeza ainda h

    crticas quanto s formataes constitudas por aqueles, porm ressalta-se que se firmaram nas

    intenes de fazer prevalecer a igualdade e a universalidade, que na verdade no esto no apagar

    das diferenas, mas sim no compreender e conviver das caractersticas, nacionalidades,

    religies, orientaes sexuais, opes polticos partidrias, dentre outros elementos que tornam

    as sociedades um ambiente vivo e cclico. A igualdade, no aspecto legal, uma necessidade11

    e a universalidade, um predicado dos seres humanos12. Atravs das evolues dos grupos, alm

    de confirmarmos os diversos fatores quanto s relaes sociais, entende-se o quanto eles esto

    conectados e fazem bem pelo todo.

    Em virtude disto, muitas so as teorias existentes para justificarem os Direitos Humanos.

    Dentre as mais conhecidas esto a jusnaturalista, que os descrevem como sendo produtos de

    uma ordem suprema, cuja criao no teve o auxlio humano. Para o mesmo fim, h a

    positivista, que assevera que correspondem a criaes normativas e se submetem ao crivo da

    soberania popular e, ainda, a moralista, que indica que as bases dos referidos direitos esto na

    conscincia moral dos indivduos.

    Nestor Sampaio Penteado Filho pontifica que, devido Declarao Universal dos

    Direitos Humanos de 1948, conta-se tambm com trs princpios que condicionam queles13: o

    da inviolabilidade da pessoa humana, que no permite o sacrifcio de um homem em proveito

    de outro; o da autonomia da pessoa, que est no decidir sobre si sem produzir danos a

    semelhantes e o da dignidade da pessoa humana, que o ncleo de todos os direitos. Nesse

    contexto, cabe ento aos interpretes dos respectivos direitos a escolha pela corrente regionalista

    10 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 12. 11 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 12. 12 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 13. 13 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,

    2009, p. 18.

  • 20

    ou universalista para aplic-los. Em outras palavras, consideraro as culturas das sociedades e

    suas principais caractersticas ou simplesmente, partiro do critrio de que todos os indivduos

    so comuns e revelam uma nica igualdade.

    Antes de avanar, deve-se mencionar que os Direitos dos Homens quando so efetivados

    passam a ser chamados de Direitos Fundamentais, sendo confirmados nas Constituies dos

    Estados. Explicada tal circunstncia, h tambm outra discusso jurdica acerca de qual a

    melhor nomenclatura a ser utilizada para dar destaque s classificaes que marcam os

    respectivos direitos que foram positivados ao longo dos anos: geraes ou dimenses.

    A princpio informa-se que h crticas quanto ao uso do termo geraes, por dar a

    falsa sensao de substituio gradual de uma pela outra, mesmo que isto no acontea.

    Indiferente, esta a razo predominante que faz casual o uso da expresso dimenses de

    direitos14. Vladimir Oliveira da Silveira e Maria Mendez Rocasolano propem que antes de

    serem comentadas, deve ser feita a diviso histrica dos Direitos Humanos nas seguintes etapas:

    1) a chamada pr-histria dos direitos humanos, que abarca declaraes de direito na Idade Antiga e na Idade Mdia e na qual surgiram princpios e

    reinvindicaes considerados como razes do conceito atual; 2) As declaraes na Idade Moderna, nos sculos XVI, XVII e XVIII, a partir de

    quando j possvel falar em histria dos direitos humanos e que fazem

    referncia a modelos de evolues dos direitos: o ingls, o anglo-americano e

    o francs; 3) As declaraes da Idade Contempornea, englobando os direitos

    humanos nos sculos XIX e XX. Neste ltimo ocorreu uma ampla produo

    de declaraes, em virtude da fundamental Declarao Universal dos Direitos

    Humanos, proclamada pela ONU em Paris, a 10 de dezembro de 1948. Ao

    percorrer estes trs perodos possvel observar o nascimento das sucessivas

    geraes de direitos humanos, que evoluram conforme a sociedade se

    transformava.15

    14 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 56. 15 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. ROCASOLANO, Maria Mendez. Direitos Humanos : Conceitos,

    Significados e Funes. So Paulo, 2010, p. 112.

  • 21

    Dito isto, expe-se que os direitos de primeira dimenso so as liberdade pblicas, os

    direitos polticos bsicos institucionalizados a partir da Magna Carta de 1.215 16. Acerca desta

    Hlio Bicudo17 escreve que a contribuio dos Direitos Humanos para a realizao e a

    efetivao da dignidade humana comeou na transio da Baixa Idade Mdia para a Moderna.

    Momento este que os bares ingleses questionaram o rei Joo Sem Terra e lhes entregaram um

    documento chamado de Magna Carta. Neste havia reclames de direitos (liberdade e igualdade),

    sem falar do poder-dever para se fazer justia. Quanto ao que representou, diz Fbio Konder

    Comparato que [...] pese a sua forma de promessa unilateral feita pelo rei; [...] constitui, na

    verdade, uma conveno passada entre monarca e os bares feudais, pela qual se lhes

    reconheciam certos foros, isto , privilgios especiais. 18. Frente a isto, a Magna Carta no

    atendeu aos direitos de todos os indivduos, mas de uma pequena parcela de pessoas.

    A respeito dos direitos de primeira dimenso h uma concordncia doutrinria que [...]

    limitavam-se ao campo dos direitos civis e polticos de indivduos19. Daquela poca, alm da

    Magna Carta, tambm constam registros de outros documentos20, a exemplo dos forais e das

    cartas de franquias, que eram fornecidas pelos reis e senhores feudais para outorgarem direitos

    a determinados indivduos. Na Inglaterra de 1679, consta tambm a Lei de Habeas Corpus Act

    que tinha por objetivos a manuteno da liberdade e o impedimento de prises arbitrrias. No

    mesmo grau de importncia, a Declarao de Direitos (Bill of Rights 1689), que foi

    promulgada antes da Revoluo Francesa e que ps fim a um regime absolutista.

    16 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,

    2009, p. 22. 17 BICUDO, Hlio Pereira. Direitos Humanos e sua Proteo. So Paulo: FTD, 1997, p. 30. 18 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao dos Direitos Humanos. 7. ed. ver. e atual. So Paulo: Saraiva,

    2010, p. 91. 19 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 13. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Direitos humanos : Edio especial. 6. ed. So Paulo: Saraiva, 2012,

    p. 9.

  • 22

    Nestor Sampaio Penteado Filho21 prossegue explicando que os de segunda dimenso

    (igualdade) correspondem aos nascidos com a Revoluo Industrial (sculo XIX direitos

    sociais, econmicos e culturais), que pleiteava direitos de uma coletividade. J os de terceira

    dimenso (fraternidade) buscaram mudanas sociais no sistema internacional. Os direitos que

    aqui se encaixam correspondem preservao da qualidade de vida, de um meio ambiente

    sustentvel e autodeterminao dos povos. Os de quarta dimenso (gentica) agiram no

    propsito de serem evitados riscos, em virtude de todos os avanos tecnolgicos e da prpria

    gentica. Os de quinta dimenso proporcionaram a pregao da paz permanente.

    Quanto s razes para as dimenses de direitos, verifica-se que suas pretenses eram as

    de fortalecerem as sociedades e os seres humanos contra qualquer tipo de abuso ou agresso.

    Tanto assim que:

    nos sculos XVII e XVIII, tal sopro de vitalidade foi dado fundamentalmente

    pelo pensamento liberal, sendo substitudo em grande medida, nos sculos

    XIX e XX, pelo pensamento democrtico e socialista, num processo

    ininterrupto, j que, desde a passagem dos anos 1960 aos 1970 do sculo

    passado, se sente a presena renovadora de novos movimentos sociais trazendo para si a responsabilidade de insuflao da boda dos direitos

    humanos, por meio de tripla luta: a) luta para que os velhos direitos no sejam retirados; b-) luta para que os velhos direitos cheguem at os sujeitos tradicionalmente excludos da histria; c) luta pela conquista de novos

    direitos.22

    As garantias e direitos conquistados, portanto, so respostas aos inmeros conflitos

    sociais existentes e necessidade de estabilizao da sociedade para uma boa convivncia. A

    este respeito devem ser considerados os argumentos de George Marmelstein, ou seja, de que a

    concepo:

    normativa dos direitos fundamentais surge junto com a consolidao das

    vigas-mestras do Estado democrtico de direito, exatamente quando foram

    21 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Direitos Humanos. 3. ed. ver. atual. e ampl. So Paulo: Editora Mtodo,

    2009, p. 22-24. 22 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 14.

  • 23

    criados mecanismo jurdicos que possibilitassem a participao popular na

    tomada das decises polticas, bem como foram desenvolvidos instrumentos

    para o controle e a limitao do poder estatal. a partir da que os valores

    liberais se transformam em verdadeiras normas jurdicas, capazes de serem

    invocadas perante uma autoridade independente, inclusive contra o prprio

    Estado.23

    Ataliba Nogueira assente que [...] como o Estado no obra de arte, se no da natureza,

    tambm o seu fim no pode ser arbitrrio, varivel, artificial, porm, natural e necessrio24.

    Destarte, depois de examinar as teorias totalitrias, percebe e conclui que o Estado agia de modo

    ilimitado, sem respeitar os indivduos, desconhecendo no todo ou em partes, os direitos naturais.

    Sendo assim, em vez de denomin-lo de totalitarista, prefere declar-lo panestatista25,

    justamente por subordinar todos os fins individuais e coletivos dos indivduos. De acordo com

    Ataliba Nogueira, este o primeiro significado de totalitarismo, totalismo, integralismo ou

    integrismo, assumindo o panestatismo, inmeras formas, visto que foi se adequando ao longo

    dos anos, dado ao prprio aperfeioamento do conceito. Em relao Pessoa Jurdica Pblica

    Maior e dignidade, reproduz o autor que so apresentadas nas varincias obtidas com o

    panestatismo, ou seja, a poltica sendo fim do Estado, o bem pblico em si mesmo.

    Em razo disto percebe que se o Estado fosse o fim total dos homens, como pretendia o

    panestatismo, satisfaria todas as aspiraes dos seres humanos. Independentemente da forma

    que assumisse, o Ente realmente se preocuparia em no perder de vista o critrio das bem-

    aventuranas, tanto as imediatas como as mediatas, visto que os indivduos so seus sditos e

    dispem de direitos e garantias. Se assim agisse, pessoas no teriam sido abandonadas e

    desrespeitadas ao longo dos dias.

    23 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 36. 24 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955. 25 oriunda do prolongado predomnio das teorias individualistas que deixaram o homem sozinho, fraco, desamparado, desajudado. Da, a reao igual e contrria e da a primazia que passaram a ter as teorias da

    preeminncia absoluta do grupo, da nao, da raa, da sociedade, da sociedade ou estado, ficando o homem

    despojado de toda autonomia pessoal.. NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 62.

  • 24

    Do momento anterior ao do Estado Moderno, por vezes as liberdades e os bens privados

    foram sacrificados em nome dos supostos interesses pblicos, no subsistindo a mxima de

    que: no existem os homens para o Estado, mas o Estado que existe para os homens26.

    Portanto, da ausncia desta percepo, ocasionaram-se reformas institucionais e, dos resultados

    destas, foi constitudo o Estado de Direito27. Fixe-se que, para caracterizar um Ente neste perfil,

    deveria haver o estabelecimento de um poder poltico que est subordinado a um direito

    objetivo que acredita, sem os excessos interpretativos, no ofertar do que justo.

    ento neste momento que aparecem outras ferramentas que cooperaram para a

    materializao dos Direitos Humanos, como a educao e considerao da geografia espacial.

    Por meio da educao e das comprovaes das excluses que ela permite apurar, indivduos

    trabalharam na inteno de demonstrarem que muitos dos homens, para o Estado no passavam

    de indivduos ignorantes e carentes de informaes e que, diante disto, esta realidade precisava

    ser mudada. Em relao geografia espacial, os mesmos homens que falaram pela educao,

    asseveraram que existiam desigualdades em relao a uma e outra regio do mundo. bem

    verdade que no foram todos os seres humanos que acataram ou deram crdito a estas verdades,

    porm uma parcela considervel o fez.

    Mediante isto explique-se que, Ataliba Nogueira no fala mal do Estado, mas salienta

    que a Pessoa Jurdica Maior deve corresponder exigncia da natureza humana e a

    consequncia da ordem moral. 28, onde a liberdade meio e no fim; e capital, importncia

    desta verdade, porque o meio subordinado ao fim.29. O Estado no existe para promover a

    prosperidade privada, pois este no o seu fim imediato, e sim a pblica. A prosperidade

    pblica segundo o autor deve ento estar distribuda na forma de tutela de direitos, seguranas,

    26 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 67. 27 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 68. 28 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 86. 29 Ibid., mesma pgina.

  • 25

    liberdades e tambm, na distribuio da justia. O Ente Pblico Maior deve servir como meio

    para que a pessoa humana consiga seus objetivos. Em outras palavras:

    no foi apenas para proteo do direito que se criou o Estado, pois no

    somente disto que necessita o homem; muitas outras coisas, muitos outros

    bens espirituais e materiais lhes so indispensveis e no pode o homem

    encontrar ou se satisfazer mediante apenas os seus esforos individuais ou

    familiares. Para isso que est ele associado a outros homens, grupos menores

    e pela reunio destes aos maiores, at chegar sociedade quase perfeita, que

    o Estado.30

    Fbio Konder Comparato,31 em relao a tudo o que fora dito, acrescenta que o sentido

    da evoluo dos direitos humanos para a defesa da dignidade humana contra a violncia e o

    aviltamento, a explorao e a misria dos homens, recebeu tambm persuases de outros

    campos, tais como os da religio, filosofia e cincia. No caso da primeira, descreve a pregao

    de que Deus, por ser o arquiteto do universo, criou o homem e o colocou em posio de

    excelncia diante de todas as demais criaes. Com o surgimento da racionalidade apoiada em

    poetas e filsofos, deu-se a transio natural da religio para a filosofia e comeou-se a indagar

    quem o homem, uma vez que ele carrega em si o dom de pensar. Por meio desse processo,

    caminhou-se para a cincia, cuja preocupao foi direcionada para a comprovao do processo

    evolutivo dos seres vivos. Acontece neste momento, o descarte da ideia de obra acabada e

    passa-se a estudar o homem como fruto de um imenso processo evolutivo.

    Ainda para o mencionado autor, tais disposies por serem to profundas serviram de

    trip para a constituio das Declaraes de Direitos. A exemplo a do Homem e do Cidado,

    de 26 de agosto de 1789, que reconheceu a dignidade da pessoa humana e tambm os elementos

    e princpios (igualdade, legalidade, propriedade, segurana e liberdade de manifestao.)32.

    30 NOGUEIRA, Ataliba. O Estado meio e No Fim. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1955, p. 85-88. 31 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao dos Direitos Humanos. 7. ed. ver. e atual. So Paulo: Saraiva,

    2010, p. 13. 32 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9. ed. So Paulo: cone, 2001, p. 291-292.

  • 26

    Esta, em relao a outros documentos, sobressaiu-se por favorecer a emancipao dos

    indivduos perante os grupos sociais (organizaes religiosas, famlia, Estados e associaes.).

    Tecnicamente no a primeira a ser formada33, porm serviu de modelo para a Declarao

    Universal dos Direitos da Pessoa Humana34 de 1948.

    Seja esclarecido que essas poucas palavras sintetizam diversos perodos histricos, que

    ser dividido em dois. No da pr-Revoluo Francesa, ou seja, no da conquista dos direitos

    civis e polticos (sculo XVII e XVIII), h a mudana de uma sociedade agrcola e feudal, para

    uma sociedade industrial. Em meio a muitas lutas e impasses, chamadas de revolues

    burguesas, a monarquia atingida e caminha-se para a descentralizao do poder. nesse

    instante que h a conquista da liberdade e igualdade entre os homens, como direitos

    fundamentais. Os Estados no podem mais agir desrespeitando indivduos e ambos devem

    trabalhar pela igualdade. Os documentos dessa poca so a Bill ol Rights Declarao de

    Direito de 1689, que tratava o Estado a partir da separao dos poderes; a Declarao de Direitos

    do Estado da Virgnia de 1776, que simbolizou o rompimento de laos com a Inglaterra em

    virtude das cobranas exageradas de taxas e impostos. Inclusive, Marcos Mondaini dispe que

    no se tratou de um simples rompimento de laos, mas da [...] transformao do status do

    indivduo nascido no Novo Mundo de sdito a cidado.35; e, a Declarao de Independncia

    dos Estados Unidos da Amrica de 1776, que representava o desfazimento de um grupo de

    colnias e abordou direitos bsicos relativos vida, liberdade e felicidade que estavam sendo

    violados pelo rei da Gr-Bretanha.

    Quanto ao segundo perodo, chamado de ps-Revoluo Francesa, afirma-se que esse

    teve a funo de complementar o primeiro. A Revoluo Francesa de 1789 promoveu um

    divisor de guas, pois seu efeito foi percebido internacionalmente. Suas propostas so

    33 Isso atribudo a Declarao da Virgnia de 12 de junho de 1.776. 34 ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. 9. ed. So Paulo: cone, 2001, p. 244. 35 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. So Paulo: Contexto, 2008, p. 48.

  • 27

    consideradas e h avanos quanto aos direitos civis e polticos, aos econmicos, aos

    democrticos, aos sociais e aos nacionalistas. Podem ser citadas tambm a Declarao dos

    Direitos do Homem e do Cidado de 1789, que defendeu direitos dos homens que no podem

    ser ignorados, esquecidos e/ou desprezados. Dado isto, reforou que os direitos naturais so

    inalienveis e sagrados, uma vez que todos os seres humanos esto no corpo social; a Carta de

    Direitos dos Estados Unidos da Amrica de 1789, que trouxe em seu bojo as dez primeiras

    emendas Constituio Federal que haviam ficado de fora do documento produzido em 1787;

    a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1793, que ocupou-se com o

    aperfeioamento da Declarao de 1789; a Constituio Poltica dos Estados Unidos Mexicanos

    de 1917, que permitiu aos operrios agrrios direitos sociais; a Declarao dos Direitos do Povo

    Trabalhador e Explorado de 1918, que foi construda com base no lema po, paz e terra, ou

    seja, no discurso de Lenin e do partido bolchevique; a Constituio De Weimar de 1919, que,

    alm de indicar um distinto perodo vivido pela Alemanha, representou a congregao das

    ideias comunistas e, por fim, a Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948, a qual,

    frente s milhares de atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, reconheceu

    direitos humanos fundamentais da humanidade.

    H a notcia de outros documentos anlogos em valor, porm, quanto aos mencionados

    aqui, compreendemos que preenchem a misso desejada, ou seja, a de informar sem se esgotar,

    atribuindo assim uma importncia inigualvel ao assunto em estudo e os principais envolvidos

    e beneficiados.

    1.1 A Dignidade da Pessoa Humana.

    Por todas as razes asseveradas, o atual significado de Dignidade da Pessoa Humana se

    depara com uma srie de conceitos, preocupaes e acepes jurdicas, sociolgicas,

  • 28

    filosficas, histricas e religiosas que, em sntese, contriburam para a sua formao. No basta,

    portanto, simplesmente indic-lo como favorecedor de um apreo cultural, social, necessrio e

    fundamental. preciso abordar determinados aspectos que nem sempre so lembrados e/ou

    considerados, mas que auxiliaram a sua materializao. De igual modo, insuficiente a

    declarao de que os indivduos possuem uma posio no universo que lhes permite serem

    detentores de um valor histrico, universal, essencial, imprescritvel, inquestionvel,

    inalienvel, indivisvel, inviolvel, imutvel, efetivo e nico. Antes, faz-se decisiva a realizao

    de um aperfeioado embasamento com olhos no passado, para que ento haja a assimilao de

    seu contedo realidade que se pretende defender.

    A ausncia de uma percepo mais precisa, amplificada e agregadora acerca do que a

    dignidade humana contribui para o desconhecimento dos diversos aspectos e caractersticas que

    lhe so pertinentes. Da mesma forma, a carncia de um alicerce seguro gera a dissoluo

    daquela como um importante mecanismo para a concretizao dos Direitos Humanos e

    Fundamentais bem como a confuso de seus propsitos. Como bem ressalta Eduardo Carlos

    Bianca Bittar36, em nome de todo tipo de valor j se cometeram milhares de barbries, o que

    verdade. Prova disto a produo por Nicolau Eymerich37, em 1376, da obra O Manual dos

    Inquisidores38 (Directorium inquisitorum) que, alm de traduzir um perodo de 781 anos de

    histria, cujo incio se deu em 1184 e foi at 196539 da Era Comum, notifica com propriedade

    que, em 20 de abril de 1233, o Papa Gregrio IX editou duas bulas40 as quais marcaram o incio

    36 BITTAR, Eduardo C.B. Os 60 anos da Declarao Universal dos Direitos Humanos: para comemorar e

    rememorar. Osasco: Edifieo, 2008, p. 11. 37 Foi telogo e inquisitor. Nascido Girona na Espanha e pertencia a ordem dominicana. EYMERICH, Nicolau.

    O Manual dos Inquisidores. Lisboa: Edies Afrodite, 1972. 38 BUENO, Manoel Carlos (coord.). Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis

    de Talio. 2 ed. Leme: CL EDIJUR, 2012, p. 53. 39 Tem seu incio no sul da Frana (Inquisio Medieval), passa pela Inquisio Estatal no reino de Arago (1.249);

    Inquisio Espanhola (1478-1834): Inquisio Portuguesa (1.536-1821) e chega a Inquisio Romana (1.542-

    1.965). 40 As palavras bula pontifcia no indicavam o contedo e solenidade de um documento pontifcio, mas sim

    apresentao; a lacrao como uma pequena bola de cera, chumbo ou metal. No latim era chamada de bulla e dela se dispunha para validar os respectivos documentos. Lhe acompanhava um fio de seda. A bula Licet ad capiendos, marcou o incio da Inquisio. Manoel Carlos Bueno, Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis de Talio, p. 51.

  • 29

    da Inquisio Religiosa e, mais tarde, o Papa Inocncio IV, por meio da edio da bula Ad

    Extirpanda, estruturou o famoso Tribunal da Inquisio.

    Saibamos que, por meio deste ltimo documento, todo tipo de tortura foi autorizada

    como modo de reafirmao de uma crena41 e valor religioso42. Conste ainda que no respectivo

    manual h uma srie de conceitos, normas processuais, nomenclaturas e modelos de sentenas

    que eram utilizadas para os desejados fins. Curiosamente, tudo isto se dava com o auxlio do

    poder Estatal. Diante disto, tais circunstncias nos faz estar certos quanto gravidade dos

    problemas que podem surgir com a banalizao e/ou a interpretao errnea do que seja a

    dignidade humana, sem se dizer do que pode ocorrer com a ausncia de um fundamento slido

    a respeito da matria.

    Hlio Bicudo,43 ao avaliar os povos gregos e romanos, fazendo exceo a Atenas no que

    se refere educao, escreve que: [...] os antigos no conheciam nem a liberdade da vida

    privada, nem a da educao, nem a liberdade religiosa. A pessoa humana tinha muito pouco

    valor perante essa autoridade [...], que se chamava ptria ou Estado.. Agregue-se a esta

    informao que, por vezes e ao longo dos anos, foram verificadas diversas atitudes que

    conspiraram contra os seres humanos. Hoje, porm, tais circunstncias no so mais aceitveis

    e/ou tolerveis, devendo ento haver um trabalho intensivo e preventivo para que sejam

    evitados os milhares de abusos e/ou ofensas que podem ser praticados contra a pessoa humana

    e seus direitos.

    Neste sentido, Ingo Wolfgang Sarlet44 parte da compreenso de que onde no h respeito

    pela vida e pela integridade fsica e moral do indivduo, pelas conjunturas mnimas e necessrias

    41 Manuel Carlos Bueno (coord.), Cdigo de Hamurabi, Manual dos Inquisidores, Lei das XII Tbuas, Leis

    de Talio, p. 56. 42 MIZRAHI, Rachel. O Tribunal de Inquisio. Disponvel em:

    Acesso em: 26-12-2013. 43 BICUDO, Hlio Pereira. Direitos Humanos e sua Proteo. So Paulo: FTD, 1997, p. 15. 44 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituio Federal

    de 1988. 4. ed. rev. e atua. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 37.

  • 30

    para a sua existncia, pela delimitao do poder para o exerccio da liberdade, igualdade e

    autonomia, no h ambiente para a dignidade humana. Tais palavras esto corretas, porm

    somente indicam os estados que podem ou foram experimentados pelos homens e, em razo

    disto, no satisfazem quanto ao que realmente precisa ser dito e conhecido a respeito do

    contedo do mencionado elemento e suas principais caractersticas. Adiantemos que esta

    insistncia, em se requerer um esclarecimento maior e melhor do assunto, no nenhuma

    novidade no universo acadmico e doutrinrio.

    Gregorio Robles45 um dos ressaltam que os fundamentos dos direitos humanos se

    constituem atualmente em um grave problema, cujos doutrinadores no devem deixar de

    resolver. Para ele, as causas deste incmodo seguem a seguinte ordem: tica, lgica, terica e

    pragmtica. Atravs da primeira, percebe-se que h a defesa de um valor/princpio, mas sem se

    conhecer a verdadeira razo deste. Na sequncia, delimita-se o fato do mencionado porqu de

    uma ou de outra posio, sem se permitir um meio termo. Por meio da questo terica, existem

    diversas hipteses ligadas questo em anlise, todavia, sem a devida fundamentao a respeito

    do que ela representa. No menos importante, pelo pragmatismo notada a indispensabilidade

    de se ter ideias mais claras46 e realmente praticveis. Segundo o autor, s se pode fazer a defesa

    dos Direitos Humanos, quando esto respondidas e compreendidas as convices e

    importncias daqueles. Quando isto acontece, porque foram absorvidos os seus sentidos.

    Este o motivo pelo qual se desassossega em explicar que antes de serem positivados,

    os direitos humanos esto classificados como valores morais e ao tempo em que o so, passam

    para a categoria de direitos fundamentais47, sendo, a partir deste momento, encontrados nas

    Constituies dos Estados. Para Gregorio Robles, os direitos humanos so diferenciados no

    45 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.

    So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005. 46 Ibid., p. 2. 47 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.

    So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 8.

  • 31

    como direitos na acepo jurdica da palavra, mas como preceitos e/ou princpios morais,

    justamente por fazerem referncias a perspectivas comuns, dignidades e liberdades dos homens.

    Nestas, o fundamento moral analisado a partir de dois aspectos, o tico e o poltico. O tico

    opera como base absoluta no que todos devem aceitar e, tambm, na ideia de que o plano dos

    critrios morais, ou seja, do sistema de valores, detm-se em dizer o que bom ou justo. No

    poltico, buscam-se os fundamentos legtimos dos direitos. O fato social tambm tem o seu

    papel, age no ofertar de respostas possveis para uma convivncia calma e pacfica.

    Entendamos a priori que os direitos fundamentais so, no todo, fiis aos direitos

    subjetivos e a sua natureza se distingue da dos direitos humanos, mesmo que depois acabem se

    encontrando na defesa daquilo que prprio aos indivduos, que, na viso de Gregorio Robles,

    so interdependentes. A respeito das sociedades, argumenta o autor que elas esto dentro dos

    seres humanos e estes cumprem o seu papel, j que nascem pertencendo a uma, ou seja, a da

    famlia e, mais tarde, optam por novos e diferentes grupos.

    Ao comentar as normas e os valores sociais, faz questo de destacar que so diferentes48.

    As antecedentes possuem a funo de regularem as aes dos indivduos e dos grupos dentro

    de um determinado contexto social, bastando ento compreender quando que surgem. A

    despeito dos valores sociais, se manifestam com a repetio de uma determinada conduta e o

    reflexo de um evento e no se assemelham em nada, a um hbito social, por no ser exigido

    deles a obrigatoriedade como no caso da norma social49. Esta estabelece deveres constitudos

    pela intensidade da reao contra o infrator e os valores sociais expressam deveres sociais, razo

    pela qual, a sociedade, na viso de Gregorio Robles, encontra-se estruturada em valores, normas

    e deveres.

    48 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.

    So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 39. 49 Hbito + fora obrigatria = norma social.

  • 32

    Quanto obrigatoriedade no cumprimento das normas, surgiria na conscincia dos

    homens sob a forma de um sentimento produzido por diversos elementos, a exemplo da

    educao. claro que pode se originar de diversas fontes, inclusive do prprio medo dos

    indivduos de serem castigados. Diante disto, declara o autor que a sociedade que queremos

    deve combinar os dois elementos, equilibrando o sentimento do dever e o sentimento dos

    direitos.50. Os direitos so naturais e inalienveis, mas os deveres correspondem a pactos de

    convivncias resultantes das relaes.

    Miguel Reale51 comenta que um dos maiores problemas da Filosofia Jurdica o da

    diferenciao entre a Moral e o Direito. Explica que a teoria do mnimo tico52elucida que nem

    todos cumprem ou aceitam as obrigaes morais. Por isso surge o Direito, visto que a Moral

    exercida de forma espontnea. Mesmo que aparente, o Direito no diverso da Moral. Este

    parte daquela53, ainda que nem tudo que acontea no mundo jurdico faa parte da Moral, a

    exemplo da forma tcnica que utilizada na feitura da norma. A respeito do cumprimento das

    regras sociais, h aquelas em que a prtica se d de forma natural ou, como diz o autor,

    espontnea, mas existem tambm, as que se manifestam por coao.

    O ato moral forado, de acordo com Miguel Reale, no concebvel, pois conta-se com

    a adeso dos obrigados. A Moral contrria violncia e ao uso da coao. Portanto segue a

    primeira diferena: Moral incoercvel e o Direito coercvel. [...] Coercibilidade uma

    expresso tcnica que serve para mostrar a plena compatibilidade que existe entre o Direito e a

    fora.54. Pontua tambm que embora seja dessa forma, isto no d o direito aos indivduos de

    descumprirem as normas. Antes, devem agir de acordo com aquelas e isto independe da vontade

    50 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.

    So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 50. 51 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 41. 52 Exposta por Jeremias Bentham e desenvolvida por vrios autores, inclusive Georg Jellinek. REALE, Miguel.

    Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 42. 53 Ibid., mesma pgina. 54 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 47.

  • 33

    visto que, no caso da norma jurdica, possui a objetividade e transpessoal, ou seja, est acima

    das pretenses dos indivduos de uma relao55. Como bem lembra Miguel Reale, Direito

    uma ordenao bilateral atributiva das relaes sociais, na medida do bem comum.56. Por essa

    razo, defende que as normas jurdicas e as morais, como as convencionais e o trato social,

    ordenam uma conduta. Logo, estudar o Direito como convivncia ordenada acessar a Histria,

    a Sociologia, a Economia, a Antropologia e a Filosofia Jurdica, dentre outras matrias. Todas

    so distintas verdade, mas se conectam em relao ao homem, situao que permite enfatizar

    o porqu da existncia de tantos conceitos para o termo Direito. Desta feita, diz Miguel Reale:

    uma anlise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio

    demonstrar que ele correspondem a trs aspectos bsicos, discernveis em todo

    e qualquer momento da vida jurdica: um aspecto normativo (o Direito como

    ordenamento e sua respectiva cincia); um aspecto ftico (o Direito como fato,

    ou em sua efetividade social) e um aspecto axiolgico (o Direito como valor

    de Justia).57

    Aspectos que, segundo o autor, tm sido objeto de muitos estudos sistemticos e que se

    desdobraram em uma teoria, por ele aperfeioada, passando a declarar que:

    [...] a-) onde quer haja um fenmeno jurdico, h sempre e necessariamente,

    um fato subjacente (fato econmico, geogrfico, de ordem tcnica etc.); um

    valor, que confere determinada significao a esse, inclinando ou

    determinando a ao dos homens no sentido de agir ou preservar certa

    finalidade ou objetivo; e finalmente, uma regra ou norma, que representa a

    relao ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao

    valor; b-) tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) no existem

    separados, um dos outros, mas coexistem numa unidade concreta; c-) mais

    ainda, esses elementos ou fatores no s exigem reciprocamente, mas atuam

    como elos de um processo (j vimos que o Direito uma realidade histrico-

    cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta de interao dinmica e

    dialtica dos trs elementos que a integram.58

    55 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 48. 56 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 48. 57 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 65. 58 Ibid., mesma pgina.

  • 34

    A respeito da coao, Miguel Reale conclui que um termo tcnico, que se desdobra

    em dois. Enquanto um significa a violncia fsica ou psquica e todos os atos praticados nesses

    padres so anulveis, o outro possibilita o cumprimento obrigatrio de uma norma jurdica,

    visto que no so todos os indivduos que aderem quela de modo espontneo. Esse segundo

    tipo recebe, portanto, o nome de sano. Para o autor as regras morais ns a cumprimos por

    motivao espontnea. Mas, quando as deixamos de cumprir, a desobedincia provoca

    determinadas consequncias, que valem como sano.59.

    A sano interna de ordem do indivduo, porm, a externa reflete na sociedade. A

    sano social tambm tem o seu valor, em virtude disto necessrio que haja a organizao das

    sanes. A sano, portanto, gnero de que a sano jurdica espcie60. Como h as

    jurdicas e morais, tambm so encontradas as religiosas, que no so valores, mas possuem

    interpretao de sano. De acordo com Miguel Reale, a existncia do [...] Poder Judicirio,

    como um dos trs poderes fundamentais do Estado, d-se em razo da predeterminao da

    sano jurdica.61. Compreendamos que podem haver sanes jurdicas benficas aos homens,

    como uma espcie de recompensa por terem cumprido seus papis, no atendimento de alguma

    caracterstica especial, como tambm, sanes jurdicas benficas apenas as sociedades, por ter

    qualquer um de seus membros, infringido s respectivas normas jurdicas. Diferente da anterior,

    nesta a sano, ser uma pena ao infrator.

    Em sntese, Miguel Reale d o desfecho ao assunto do seguinte modo:

    a bem ser, para que haja distino efetiva entre a Moral e o Direito e,

    paralelamente, um Estado de Direito, que s pode ser de base democrtica, o

    essencial que a sociedade civil e o Estado no se confundam, mas se

    mantenham como valores distintos e complementares, correlacionados entre

    si, mas cada um deles irredutvel ao outro.62

    59 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 72. 60 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 74. 61 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 75. 62 REALE, Miguel. Lies Preliminares de Direito. 27. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 79.

  • 35

    Retomando a Gregorio Robles acerca do pluralismo nas sociedades modernas, este diz

    que corresponde a uma virtude que diagnostica as diversidades de interesses dentro do corpo

    social, o que lhe permite afirmar em relao dignidade da pessoa humana que existem dois

    pontos que iro promov-la, o ad intra e o ad extra. O ad intra a pessoa em si mesma com

    valor, que se traduz no respeito para consigo [...].63. Atravs deste os indivduos reconhecem

    em si mesmos a ideia de universalidade. O ad extra [...] deriva do primeiro; consiste no

    reconhecimento por parte dos outros, da dignidade que inerente ao homem como pessoa..

    Antonio Carlos de Campos Pedroso64 aprova os comentrios de Gregorio Robles e

    acrescenta queles as palavras de Francesco Carpintero Bentez, que compreende que os

    direitos fundamentais possuem sim um valor histrico, mas isto no retira deles a necessidade

    de serem bem fundamentados e explicados. Do contrrio, no passariam de meros produtos do

    tempo, com o que temos de concordar. Frente a isto, George Marmelstein65 prope como

    objetivo formular uma definio para os direitos fundamentais que atente s caractersticas

    ticas e jurdicas.

    Citado assim o seu propsito, escreve que hoje existem direitos fundamentais para todos

    os gostos e isto se d em virtude de as pessoas colocarem seus direitos como se fossem nicos

    e essenciais. Tal astcia, alm de cooperar para a banalizao da expresso, contribui para o

    problema do uso de mltiplos vocbulos (direitos humanos, direitos dos homens, direitos da

    pessoa humana etc.) referindo-se ao mesmo objeto, sem ser feita qualquer diferenciao.

    George Marmelstein faz ento constar que, por existirem valores que no foram efetivados, o

    63 ROBLES, Gregorio. Os Direitos Fundamentais e a tica na Sociedade Atual. Trad. Roberto Barbosa Alves.

    So Paulo: Editora Manole Ltda., 2005, p. 124. 64 BENTEZ, Francesco Carpintero. Una Introduccin a la ciencia jurdica. Madrid: Civitas, 1998 apud Antonio

    Carlos de Campos. A Justificao dos Direitos Fundamentais. Revista de Mestrado em Direito da UNIFIEO

    Centro Universitrio Fieo. [UNIFIEO/SP]. Osasco: EDIFIEO, n7: 35-70, 2007. 65 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 14-26.

  • 36

    correto cham-los de direitos dos homens e no de direitos fundamentais66, mesmo que

    estejam alinhados no teor aos direitos naturais e se encontrem preenchidos com valores ticos

    e polticos. Sua ateno tambm recai sob o uso da sentena direitos humanos, visto que esta

    apenas indica valores que foram positivados na esfera do direito internacional67 e no

    diferente. Por isso refora que a razo de descrever o direito fundamental no terica, mas

    prtica, pois estes [...] direitos so dotados de caractersticas que facilitam a sua proteo e

    efetivao judicial.68

    Com relao ao contedo tico dos direitos fundamentais, explica que conservam

    profundas caractersticas materiais. Em outras palavras, so valores comuns para uma vida

    digna em sociedade e esto conectados ao conceito de dignidade da pessoa humana, que a

    base axiolgica daqueles e limitao do poder. Em suma, o respeito ao outro [...] sintetiza

    com perfeio todo o contedo do princpio da dignidade da pessoa humana.69. No caso do

    contedo normativo, h a disposio do aspecto formal como pressuposto para que no sejam

    considerados quaisquer tipos de valores. Juridicamente, s podem ser considerados como

    direitos fundamentais os [...] valores que o povo (leia-se: o poder constituinte) formalmente

    reconheceu como merecedores de uma proteo normativa especial, ainda que

    implicitamente.70. Adriana Zawada Melo o complementa dizendo que os direitos fundamentais

    esto [...] indissociavelmente ligados igualdade e dignidade da pessoa humana, que ao lado

    da liberdade, do a eles substratos axiolgicos e informa a prtica de diversos institutos [...]71.

    66 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 23. 67 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 24. 68 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 15. 69 MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2013, p. 17. 70 Ibid., mesma pgina. 71 MELO, Adriana Zawada. Informao e direitos fundamentais : a eficcia horizontal das normas constitucionais

    / Dbora Gozzo (coord.). So Paulo: Saraiva, 2012, p. 15.

  • 37

    Lus Roberto Barroso72 lembra que a dignidade humana por vezes foi associada ao status

    pessoal de alguns indivduos ou proeminncia de determinadas instituies. Como status

    pessoal indicava a posio poltica ou social a que o indivduo fazia jus, ao integr-la e por

    caracterizao de instituies especficas (a da pessoa do rei, da coroa e do Estado), referia-se

    aos poderes que estes detinham, sendo somente relacionada com os Direitos Humanos no final

    do sculo XVIII. Portanto, das muitas caracterizaes ou sentidos que assumiu de Roma at o

    sculo XVIII, traduzia um estado de superioridade; uma alta posio em sociedade e o mero

    pertencer a uma determinada classe social.

    Assim e destas constataes no h como associar, substituir ou achar que a dignidade

    humana do presente a mesma singularizada na antiguidade. Vejamos que, em busca de dias

    melhores, muitas tentativas e perspectivas foram criadas, principalmente, em relao ao Estado.

    Atravs de propostas como as ofertadas pelo Estoicismo, pelo Iluminismo e por Kant, o

    conceito que estava associado a uma classe ou posio social sofre um enorme revs e, desde

    ento, seguindo a ordem anunciada acima, direcionado para a compreenso de um valor

    intrnseco que j est no indivduo, que caminha para a singularizao universal e que reafirma

    que o homem fim e no meio.

    Consequentemente, ao longo dos dias, procurou-se viabilizar as diversas

    personificaes dos Entes Pblicos Maiores, chamados de Estados. No modelo Liberal do

    sculo XVIII, defendeu-se que todos os homens nasciam livres e, em razo disto, eram iguais

    e independentes. Com essa ao, o Estado foi limitado, quanto s interferncias na autonomia

    individual. Anna Cndida da Cunha Ferraz73 observa que das atitudes tomadas nasceram os

    direitos de primeira dimenso que firmaram direitos e liberdades dos indivduos, direitos vida,

    72 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A

    Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2

    reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 13. 73 FERRAZ, Anna Candida da Cunha. Aspectos da positivao dos direitos fundamentais na Constituio de 1988.

    In FERRAZ, Anna Candida da Cunha (coord.) Direitos Humanos Fundamentais : positivao e concretizao.

    Osasco: Edifieo, 2006, p.160

  • 38

    liberdade em geral, propriedade, participao e igualdade, dentre outros, frente ao Estado

    (representado na forma da lei); e isto na inteno de serem evitadas prestaes negativas por

    parte do Ente Maior.

    Na sequncia, de uma organizao intervencionista, houve a evoluo para um Estado

    rbitro, cuja misso era a de ser um garantidor do bem comum, como respeitador, guarda e

    promotor dos direitos fundamentais. Neste modelo, o Estado Social de Direito encontrou-se

    firmado na Constituio Mexicana de 1917 e na de Weimar 1919. nesta poca que comeam

    a aparecer os direitos fundamentais de segunda dimenso, que so chamados de direitos sociais,

    culturais e econmicos, tornando-se ento o Ente Pblico Maior um prestador de servios. Em

    outras palavras, tem ele o dever de executar as aes positivas e construtivas, em relao aos

    seres humanos.

    No sculo XX, j se tem a notcia do aparecimento dos direitos de terceira dimenso,

    cuja preocupao com a fraternidade ou solidariedade, por um meio de ambiente mais

    equilibrado e saudvel para os indivduos, no tardando em ocorrer o avano para a quarta

    gerao de direitos, em que so lembrados os ligados biogentica. Vm depois tambm os de

    quinta dimenso, que projetaram a paz como elemento fundamental de todos. Todas essas

    dimenses/geraes j foram citadas no incio deste trabalho, porm o que se quer reforar

    que, nesta caminhada, para que houvesse um sentimento humanstico, lidou-se com muitas

    rejeies em relao legitimidade da dignidade humana como um conceito e/ou elemento

    jurdico. Principalmente porque, em determinados casos, ela no constava diretamente escrita

    nas Constituies (a exemplo, a dos Estados Unidos e da Frana), chegando determinados

    autores74, como bem fala Lus Roberto Barroso, a conclurem que a promoo daquela agia to

    somente como um resgate das concepes jusnaturalistas; e isto, sem ser mencionada a

    74 Ver Chalotte Girard e Stphanie Hennette-Vauchez (La dignit de la personne humanie: recherce sur um

    processus de juridicisation, 2005.)

  • 39

    existncia da defesa de uma graduao da prpria palavra que, para Augusto Mezzomo75,

    encontra-se oscilante entre: indigno, pouco digno, bastante digno, muito digno, dignssimo.,

    ficando ento na dependncia da interpretao do que seja a pessoa76.

    Neste panorama e com muita insistncia, foi ento sendo projetada uma conscincia

    mnima e positiva na inteno de reconhecer o tal elemento e lhe atribuir um conceito jurdico.

    Desta forma, se a dignidade humana hoje estudada e encontra-se localizada nos principais

    contedos normativos do mundo e tambm j pode ser reconhecida nos costumes das

    sociedades, isto se deve ao trabalho rduo de vrias pessoas e instituies que contriburam para

    o seu sucesso. Mesmo que no haja ainda uma unanimidade quanto sua afirmao, possvel

    declarar que a Dignidade da Pessoa Humana est constituda a partir de caractersticas

    fundamentais e insubstituveis que, alm de fazerem aluses aos indivduos, indicam a

    exigncia de necessidades perptuas. Destarte, muito mais que uma mera propaganda

    paternalista, psicolgica, filosofia e religiosa, o mencionado elemento est estruturado em uma

    s Verdade, ou seja, a de que o homem um ser nico, tanto em sua excelncia, como na

    essncia e que, por causa disto, deve sempre ser respeitado, devendo ele tambm considerar,

    em contrapartida, como necessidade, o respeito por seus semelhantes, visto que a sociedade j

    est dentro dele e s precisa ser aperfeioada.

    Infelizmente h comunidades internacionais que so contra a defesa da dignidade

    humana e as razes apresentadas so as mais diversas. Diante disto, atualmente convive-se com

    outro problema. Em muitos casos, quando verificada a violao de direitos e/ou de garantias

    dos seres humanos, isto no se d pela falta de fundamentos, normatizaes e/ou a ausncia de

    75 MEZZOMO, Augusto A. Dignidade e Direitos da Pessoa Humana Pesquisa da viso antropolgica e teolgica no pensamento dos sbios ao longo da histria. Revista BIOTHIKOS Centro Universitrio So Camilo 2011; 5(2): 193-200. 76 A dignidade no sentido cristo, parte da natureza, da origem e do destino do homem. Essa, encontra-se,

    contraposta na disposio dada pelo entendimento da sociedade secularizada, ou seja, aquele que ignora a origem

    e a natureza ontolgica do homem como fontes de dignidade, revertendo os cuidados, para a igualdade do seres

    humanos e tambm, a outras caractersticas que eles possuem. H quem escreva que, teria sido esta a que teria

    contribudo para o estabelecimento dos Direitos Humanos (MEZZOMO, 2011, 193-200).

  • 40

    costumes, e sim pela inexequibilidade por parte de sujeitos que no reconhecem aqueles77.

    Neste momento, estendemos justificado o emprego de determinadas intervenes, para que no

    acontea o mesmo que ocorreu com as geraes passadas, ou seja, as mltiplas violncias e

    agresses aos direitos dos homens. Agir assim no desrespeitar culturas e sim, preservar os

    seres humanos multiculturalizados em dignidades, inclusive quanto sua condio humana,

    que, alm de estar conceituada, deve ser exigida sob todos os aspectos e em nvel internacional.

    O inverso faz com que os Direitos Humanos se tornem uma matria terica.

    Em relao ao Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana encontra-se congnere ao sistema

    constitucional brasileiro normativo aberto, abarcando princpios e regras. Sendo assim, com

    caractersticas pertencentes a cada um e no havendo qualquer hierarquia entre regras e

    princpios, estes ltimos no possuem s o valor, mas tambm so reconhecidos como normas

    jurdicas providas de eficcia, o que nos permite testemunhar um ambiente apto e habilidoso

    para conquistar e assimilar as constantes alteraes oriunda das realidades. Ainda que no

    determinem quais so as aes permissivas ou proibitivas que so prprias das regras, trabalham

    para a caracterizao de direitos e a materializao da dignidade humana, na pretenso de

    alcanarem o bem coletivo, atravs do individual, vindo a funcionar como paradigma em

    relao aos demais, dentro e fora dos ordenamentos jurdicos.

    No toa que o princpio da Dignidade da Pessoa Humana, acolhe outras duas

    atribuies. Serve tanto como elemento de proteo de direitos contra medidas restritivas, ou

    seja, contra o uso imoderado dos direitos, como tambm de justificativa para a imposio de

    restries a direitos fundamentais, atuando, portanto, como limitador. Nos termos da

    Constituio Brasileira de 1988, artigo 1, inciso III, no h diferenciao entre os seres

    humanos. Todos so passivos de proteo contra os excessos cometidos pelo Estado e os

    promovidos pelos indivduos. Lembrar-se da dignidade humana como um princpio reafirm-

    77 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 23.

  • 41

    la como alicerce de todo sistema constitucional e mais, infraconstitucional. fazer dela um

    refgio para os direitos individuais e coletivos.

    Antonio Junqueira de Azevedo78 escreve que o fato de haver uma combinao sobre as

    palavras dignidade da pessoa humana no esconde o grande desacordo de seu contedo, a

    comear pelas concepes de pessoa humana. Pela interpretao insular, que chamada por ele

    de dominante, diz que essa erra por no analisar o indivduo como um todo. A falta de

    conhecimento da natureza do homem tambm uma de suas deficincias. Por ser fechada a

    respeito do que conceitua, torna-se ainda mais complicada a possibilidade de o ser humano

    reconhecer em seu prximo a capacidade de dialogar e a sua vocao espiritual. Ao

    individualizar o ser humano em sua prpria inteligncia e vontade, obsta sua compreenso

    acerca do que a dignidade humana. Explica o autor que h os que a descrevem como

    autoconscincia e outros, como a concepo que coopera para o fim, uma vez que torna o

    homem insuficiente.

    Em quadro posterior, ensinado que h a espcie ontolgica que se refere a uma

    percepo que pode ser dualista ou monista. Na primeira, o homem e a natureza no se

    encontram, vez que se acham em categorias distintas; aquele prevalece como sujeito por ver e

    pensar e a natureza, como mero objeto (fator bruto). Em seu oposto, na monista, h a concepo

    prpria de uma nova tica, fundamentada no homem como parte integrante da natureza, cuja

    principal diferena no est na razo e na vontade, pois at os animais as possuem, mas na

    capacidade do ser humano de sair de si e reconhecer o outro como igual no uso da linguagem,

    dilogo e amor.

    Joseph Nuttin,79 a respeito da natureza humana escreve que esta se encontra fracionada

    em trs nveis: a-) psicobiolgico, que dividido na autopreservao e no sexual; b-)

    78 AZEVEDO, Antonio Junqueira. Caracterizao Jurdica da Dignidade da Pessoa Humana. Revista USP,

    So Paulo, n.53, p. 90-101, maro/maio 2002, p. 91. 79 NUTTIN, Joseph. Psicanlise e personalidade. Trad. Geraldo Servo. So Paulo: Agir, 1972.

  • 42

    psicossocial, que fragmentado na sociabilidade e na autoafirmao e; c-) psicoespiritual, que

    a cogitao do sentido da vida e autotranscedncia. Sustenta que a anlise fenomenolgica

    dos indivduos revela notas que os caracterizam e por isto, antes de ser promovido um conceito

    a respeito do que seja a dignidade humana, devem ser fixados os elementos constitutivos

    daqueles. Neste caso, a racionalidade, a liberdade, a sociabilidade, a historicidade e a

    espiritualidade.

    A racionalidade sinnimo de cognio. Demonstra que o ser dotado de aptides e

    em virtude disto, consegue chegar ao conhecimento sensvel e intelectual. Tal elemento est

    alicerado sobre um trip: a capacidade de abstrao e elaborao de conceitos universais; a

    capacidade de formar juzos afirmando ou negando um pensamento do outro; e, por ltimo, a

    capacidade de inferir um juzo de outro, que equivaleria a um raciocnio. Assim e como

    resultado, o ser humano reconhece a cincia como o conhecimento das coisas pelas causas. A

    razo coloca o homem em situaes de privilgios em relao a outros seres, mas com fins

    harmnicos entre os seus. Logo, o conhecimento intelectual, por permitir a captao de valores,

    demonstra a dignidade da pessoa humana contrabalanceando-a com o espiritual. Quanto

    liberdade, por serem os indivduos dotados desta, conseguem se autodeterminar. Da

    possibilidade de conhecerem, tm no esprito a capacidade de eleger e decidir. Em relao ao

    elemento da sociabilidade, os seres humanos dependem da convivncia com outros. A

    sociabilidade gera nas pessoas humanas a solidariedade, a cooperao e a autorrealizao. No

    elemento histrico, os indivduos contam com realizaes e evolues. Por ltimo, a

    espiritualidade atua para efetivar a dignidade humana.

    Feitos estes esclarecimentos, para De Plcido e Silva,80 a palavra dignidade tem a sua

    origem no latim dignitas, correspondendo assim a uma virtude ou considerao. Ocupa-se ele

    em informar que o tal vocbulo refere-se a uma qualidade moral; a um respeito que prprio

    80 SILVA, De Plcido. Vocabulrio Jurdico. 7. ed. 4v. Rio de Janeiro, Forense, 1982.

  • 43

    da pessoa humana, sendo possvel se conseguir mais uma descrio, ou seja, a jurdica,

    representando esta uma indicao ou honra, que entendemos ser um ttulo natural, que prprio

    dos homens.

    Neste ponto apenas sugerimos cuidado, visto que, por intermdio de diversas ilaes,

    h uma grande diferena da expresso dignidade para a da palavra carter, que aparece

    como sendo o gnero e a representao de todas as qualidades nos seres humanos. Dignidade

    a espcie, o referencial, o dom, a marca, a ddiva que alm de emitir o confessado, tem tambm

    associada a ela milhares de outros sinnimos e adjetivos que favorecem na avaliao de

    inmeros predicados (honestidade, integridade, respeitabilidade, capacidade etc.) que podem,

    ou no, estar presentes nos indivduos.

    Ela tambm assume uma dupla dimenso (interna e externa). A interna corresponde

    expresso de um valor intrnseco que cada indivduo dispe. Alm de ser inviolvel81, equivale

    s caractersticas que so inerentes a todos os homens, fazendo-os diferentes e especiais, em

    relao aos seres de outras espcies82. J a externa representa direitos, anseios e

    responsabilidades e, inclusive quanto a terceiros, pode sofrer ofensas ou violaes. A mais,

    declara Lus Roberto Barroso que a dignidade humana possui um conceito multifacetrio que

    se serve de diversos ramos, cincias e fatos histricos e que tende a aparecer em muitos moldes.

    Pode ser tanto um valor absoluto; fundamental, ou seja, aquele que no deve ser tomado como

    81 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A

    Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2

    reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 72 revela que: nenhum documento jurdico nacional ou internacional tentou oferecer uma definio para o termo, deixando o significado intrnseco da dignidade da pessoa

    humana para o entendimento intuitivo.. 82 A grosso modo, esta a minha concepo minimalista: a dignidade humana identifica 1. O valor intrnseco de

    todos os seres humanos; assim como 2. A autonomia de cada indivduo; e 3. Limitada por algumas restries

    legtimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais (valor comunitrio). No plano jurdico,

    o valor intrnseco est na origem de conjunto de direitos fundamentais. Lus Roberto Barroso, A Dignidade da

    Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A Construo de um Conceito Jurdico Luz

    da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2 reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p.

    72-77.

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    absoluto, mas, que funciona como justificativa moral para o fundamento normativo dos direitos

    constitucionais; como at, um princpio jurdico constitucional83.

    Ingo Wolfgang Sarlet, 84 embora no tenha deixado claro, em palavras anteriores, o que

    a dignidade humana, em outro instante traz a seguinte colaborao para o universo jurdico.

    Diz referir-se a uma:

    qualidade intrnseca e distinta reconhecida em cada ser humano que o faz

    merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do Estado e da

    comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres

    fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de

    cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condies

    existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover

    sua participao ativa e corresponsvel nos destinos da prpria existncia e da

    vida em comunho com os demais seres humanos.

    Por reconhec-la como qualidade intrnseca, dispe que est ligada aos direitos

    fundamentais e inseparvel da pessoa humana, encontrando-se essa dividida em outras duas

    dimenses: a natural ou individual, que aquela que no pode ser tocada e a social que a

    denominada de valor moral, pois deriva do mundo externo e agrega valores sociais aos homens.

    Estas duas seriam frutos das sociedades. A natural igualmente reconhecida por Alexandre de

    Moraes85, porm recebe dele o nome de espiritual e a social, de valor moral. Assim se comporta

    e nomeia, por considerar que a leitura daquelas deve ser feita de forma individual, pois tendem

    a indicar caractersticas prprias e individuais de cada homem. Quanto ao aspecto extrnseco

    da dignidade, Ingo Wolfgang Sarlet entende que se encontra relacionado s condies materiais

    83 BARROSO, Lus Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporneo: A

    Construo de um Conceito Jurdico Luz da Jurisprudncia Mundial. Trad. Humberto Laport de Mello. 2

    reimpresso. Belo Horizonte: Frum, 2013, p. 62-64. 84 SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimenses da dignidade da pessoa humana : construindo uma compreenso

    jurdico constitucional necessria e possvel. In: SALET, Ingo Wolfgang (org.). Dimenses da Dignidade. Ensaios

    de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet, Pedro Scherer de Mello Aleixo,

    Rita Dostal Zanini. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37. 85 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais : Teoria Geral, Comentrios aos artigos 1 ao

    5 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, Doutrina e Jurisprudncia. 4 ed. So Paulo: Atlas,

    2002, p. 60.

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    que cooperam para se ter uma vida digna86 e aponta o mnimo necessrio para que os homens

    possam viver com dignidade.

    Alexandre de Moraes87 o complementa do seguinte modo:

    [...] valor espiritual e moral inerente pessoa que se manifesta singularmente

    na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que traz

    consigo a pretenso ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se

    um mnimo invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar, de modo

    que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitaes ao exerccio dos

    direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessria estima que

    merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

    Dado a isso, precisamos ento verificar qual o perodo da aplicao jurdica do

    mencionado conceito, uma vez que a temporalidade da dignidade humana reconhecida

    conforme se ver no ordenamento brasileiro, com o nascimento com vida e se estende at a

    morte. Pode-se dizer que cada pas define o modo de apresentao daquela em seu ordenamento,

    mas a regra que ela sirva como um princpio que est intimamente entrelaado e indissocivel

    a todo o regramento jurdico; principalmente, por ser o ncleo de direitos fundamentais (a

    igualdade e a liberdade). No caso do