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A ANO 17 Nº 1 MARÇO/2009 TIRAGEM: 32 000 EXEMPLARES C RISE ABALA OS ALICERCES DA ORDEM MUNDIAL E mais... Editorial – O PMDB, partido de situação em todos os governos, é uma máquina de apropriação privada dos recursos pú- blicos. O diagnóstico emana de um líder his- tórico do PMDB. Pág. 3 George Bush, sob o guar- da-chuva da “guerra ao terror”, tentou “legalizar” a tortura. No seu primei- ro dia no poder, Barack Obama cancelou a igno- mínia. Pág. 3 O Meio e o Homem Água é o nome do jogo. Um índice de dependên- cia externa de água ilumi- na potenciais tensões geopolíticas. Pág. 9 Os bolivianos, por ampla maioria, aprovaram em referendo uma nova constituição. Mas o país “refundado” é um país dividido. Pág. 10 Hugo Chávez conseguiu aprovar em referendo a emenda de reeleição ili- mitada. Mas seu futuro está ameaçado pela que- da vertiginosa dos preços do petróleo. Pág. 11 Diário de Viagem – No Cairo, a religião muçul- mana molda boa parte do que se vê e do que se ouve. O Egito, porém, é muito mais do que o Islã. Pág. 12 O democracia, toda a Terra Santa, o Estado judaico – Israel pode ter dois desses elementos, mas não os três juntos. Uma esquerda ínfima, que não aceita o paradigma do sionismo, gostaria de desistir do Estado judaico em nome de um Estado unido e democrático, de judeus e palestinos, em toda a Terra Santa. O centro político israelense almeja a paz e aceita a divisão da Terra Santa em dois Estados, para conservar a demo- cracia e o Estado judaico. A direita, por sua vez, quer ter um Estado judaico em toda a Terra Santa, por meio da opressão permanente dos palestinos, o que exige a renúncia à democracia. Depois da guerra na Faixa de Gaza, o predomínio do centro político foi abala- do, talvez destruído. Os partidos que não admitem dividir a Terra Santa controlam a maioria do Parlamento. No fundo, agora, é a democracia que está em perigo. Págs. 4 e 5 BOLONHA Em todo o planeta, oscilações das bolsas de valores refletem o clima de instabilidade financeira, econômica e política sistema financeiro, coração da economia global, não será mais o mesmo depois do colapso iniciado pela falência do banco americano Lehman Brothers. Os pacotes de recuperação dos bancos desenhados por George Bush fracassaram. O primeiro pacote de Barack Obama parece seguir no mesmo rumo. Eco- nomistas do primeiro time recomendam ao presidente ameri- cano a estatização provisória do sistema financeiro. Eles não são comunistas, revolucionários ou radicais. São fervorosos adeptos da economia de mercado – uma economia que preci- sa agora negar seus princípios sagrados para sobreviver. A crise é mundial. A tese do “descolamento” das chama- das economias emergentes, propalada aos quatro ventos, já entrou ela própria em crise. Nem mesmo Lula, que procla- mou ser seu dever espalhar o otimismo, insiste na metáfora da “marolinha”. É um tufão, nisso hoje todos concordam. O tufão atinge a China com intensidade inusitada. Mas o sistema político chinês não tem a flexibilidade do americano para absorver o choque. Se a economia chinesa desacelerar demais, a estabilidade interna estará sob ameaça. O brusco declínio geral dos preços das matérias-primas, alimentos e combustíveis não poupa os grandes exportadores de commodities. O Brasil, tão depen- dente como sempre dos fluxos financeiros internacionais, ingressa na recessão. A Rússia deve rever suas elevadas ambições geopolíticas. E Hugo Chávez enfrenta o dilema de reconstituir sua “revolu- ção bolivariana” sem as rendas fartas do petróleo. Uma ordem instável entra em dissolução. Nada será como antes, amanhã. Vejas as matérias às págs. 6 a 8 O destino da universidade em questão ISRAEL NA ENCRUZILHADA Gabriela/Flickr © AFP

TIRAGEM: 32 000 EXEMPLARES RISE ABALA OS ALICERCES … · Os partidos que não admitem dividir a Terra Santa controlam ... sonhos e perspectivas, e de ... (Eduardo Galeano)

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Page 1: TIRAGEM: 32 000 EXEMPLARES RISE ABALA OS ALICERCES … · Os partidos que não admitem dividir a Terra Santa controlam ... sonhos e perspectivas, e de ... (Eduardo Galeano)

A

■ ANO 17 ■ Nº 1 ■ MARÇO/2009 ■

TIRAGEM: 32 000 EXEMPLARES

CRISE ABALA OS ALICERCES

DA ORDEM MUNDIALE mais...

● Editorial – O PMDB,partido de situação emtodos os governos, é umamáquina de apropriaçãoprivada dos recursos pú-blicos. O diagnósticoemana de um líder his-tórico do PMDB.

Pág. 3

● George Bush, sob o guar-da-chuva da “guerra aoterror”, tentou “legalizar”a tortura. No seu primei-ro dia no poder, BarackObama cancelou a igno-mínia.

Pág. 3

● O Meio e o Homem –Água é o nome do jogo.Um índice de dependên-cia externa de água ilumi-na potenciais tensõesgeopolíticas.

Pág. 9

● Os bolivianos, por amplamaioria, aprovaram emreferendo uma novaconstituição. Mas o país“refundado” é um paísdividido.

Pág. 10

● Hugo Chávez conseguiuaprovar em referendo aemenda de reeleição ili-mitada. Mas seu futuroestá ameaçado pela que-da vertiginosa dos preçosdo petróleo.

Pág. 11

● Diário de Viagem – NoCairo, a religião muçul-mana molda boa parte doque se vê e do que seouve. O Egito, porém, émuito mais do que o Islã.

Pág. 12

O

democracia, toda a Terra Santa, o Estado judaico – Israel pode ter doisdesses elementos, mas não os três juntos.

Uma esquerda ínfima, que não aceita o paradigma do sionismo, gostaria dedesistir do Estado judaico em nome de um Estado unido e democrático, dejudeus e palestinos, em toda a Terra Santa. O centro político israelense almejaa paz e aceita a divisão da Terra Santa em dois Estados, para conservar a demo-cracia e o Estado judaico. A direita, por sua vez, quer ter um Estado judaico emtoda a Terra Santa, por meio da opressão permanente dos palestinos, o queexige a renúncia à democracia.

Depois da guerra na Faixa de Gaza, o predomínio do centro político foi abala-do, talvez destruído. Os partidos que não admitem dividir a Terra Santa controlama maioria do Parlamento. No fundo, agora, é a democracia que está em perigo.

Págs. 4 e 5

BOLONHA

Em todo oplaneta,

oscilações dasbolsas de valoresrefletem o climade instabilidade

financeira,econômica e

política

sistema financeiro, coração da economia global, não serámais o mesmo depois do colapso iniciado pela falência do bancoamericano Lehman Brothers. Os pacotes de recuperação dosbancos desenhados por George Bush fracassaram. O primeiropacote de Barack Obama parece seguir no mesmo rumo. Eco-nomistas do primeiro time recomendam ao presidente ameri-cano a estatização provisória do sistema financeiro. Eles nãosão comunistas, revolucionários ou radicais. São fervorososadeptos da economia de mercado – uma economia que preci-sa agora negar seus princípios sagrados para sobreviver.

A crise é mundial. A tese do “descolamento” das chama-das economias emergentes, propalada aos quatro ventos, jáentrou ela própria em crise. Nem mesmo Lula, que procla-mou ser seu dever espalhar o otimismo, insiste na metáforada “marolinha”. É um tufão, nisso hoje todos concordam.

O tufão atinge a China com intensidade inusitada. Mas o sistema político chinês não tem aflexibilidade do americano para absorver o choque. Se a economia chinesa desacelerar demais, aestabilidade interna estará sob ameaça. O brusco declínio geral dos preços das matérias-primas,alimentos e combustíveis não poupa os grandes exportadores de commodities. O Brasil, tão depen-dente como sempre dos fluxos financeiros internacionais, ingressa na recessão. A Rússia deve reversuas elevadas ambições geopolíticas. E Hugo Chávez enfrenta o dilema de reconstituir sua “revolu-ção bolivariana” sem as rendas fartas do petróleo.

Uma ordem instável entra em dissolução. Nada será como antes, amanhã.Vejas as matérias às págs. 6 a 8

O destino da universidade em questão

ISRAEL NA ENCRUZILHADA

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kr©

AFP

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M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A 22009 MARÇO

ATENÇÃOEm nossa próxima edição, publicaremosas Normas do Concurso

ATENÇÃOEm nossa próxima edição, publicaremosas Normas do Concurso

E X P E D I E N T E

PANGEA - Edição e Comercialização deMaterial Didático LTDA.

Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr., Nelson Bacic Olic (Cartografia)Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)Revisão: Maria Eugênia LemosPesquisa Iconográfica: Odete E. Pereira e Etoile ShawProjeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise

Endereço: Rua Romeu Ferro, 501, São Paulo - SP.CEP 05591-000. Fones: (0XX11) 3726.4069 / 3726.2564Fax: (0XX11) 3726.4069 – E-mail: [email protected]

Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemosassinaturas individuais. Exemplares avulsos podem serobtidos no seguinte endereço, em São Paulo:• Banca de jornais Paulista 900, à Av. Paulista, 900

Fone: (011) 3283.0340.

www.clubemundo.com.br

"Infelizmente não foi possível localizar os autoresde todas as imagens utilizadas nesta edição.

Teremos prazer em creditar os fotógrafos,caso se manifestem"

140 CONCURSO NACIONAL

DE REDAÇÃO DE

MUNDO E H&C - 2009Escreva e se inscreva!!!Escreva e se inscreva!!!

dãos críticos e bem informados, capazes de se expres-sar de modo claro, criativo e inteligente. Mas, paraque o concurso tenha êxito, é essencial a colaboraçãodos professores, especialmente os da área de Comuni-cação e Expressão.

O1. História e objetivo do concurso

Concurso de Redação nasceu, em 1996, como objetivo de estimular o hábito de ler, escrever, estu-dar e refletir. O desenvolvimento contínuo e prazerosodessas habilidades é de suma importância, no mundocontemporâneo, para o processo de formação de cida-

vembro, a proclamação da República parecia ter coloca-do o nosso país em sintonia com o resto do planeta oci-dental, que acelerava as turbinas do motor damodernidade. Em 2009, a pergunta é: olhando para omundo contemporâneo, o que se cumpriu e o que sedeixou de cumprir de todas essas promessas, sonhos eperspectivas, e de tantas outras revoluções, guerras e le-vantes sociais ao longo dos tempos? Até que ponto asrupturas históricas realmente possibilitam a concretização

H2. Tema da redação

á 220 anos, em 14 de julho, a queda da Bastilhaanunciava a Revolução Francesa e, com ela, a promessade uma nova era para a humanidade, mais justa, maisdemocrática, mais solidária. Há 20 anos, em 9 de no-vembro, sobre os escombros do Muro de Berlim erguia-se uma Nova Ordem mundial, que prometia deixar nopassado a ameaça do holocausto nuclear e os impassestípicos da Guerra Fria, em prol de uma humanidade maisunida. Finalmente, no Brasil, há 120 anos, em 15 de no-

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quilo que chamamos de fatos novos não pas-sa, na maioria das vezes, de fatos esquecidos.”[Os grandes eventos históricos são produzidospor sentimentos arraigados que] “passam atra-vés das revoluções sem se alterar nem dissolver,como a água dessas fontes maravilhosas que, se-gundo os antigos, passava através das ondas domar sem se misturar nem desaparecer”.

(Alexis de Tcoqueville)

s proletários nada têm a perder a não sersuas algemas. Têm um mundo a ganhar. Prole-tários de todo o mundo, uni-vos!

(Karl Marx e Friedrich Engels)

á um quadro de Klee chamado Angelus Novus.Representa um anjo que parece a ponto de afas-tar-se para longe daquilo a que está olhando fi-xamente. Seus olhos estão arregalados, sua bocaaberta, suas asas estendidas. O anjo da históriadeve ter este aspecto. Seu rosto está voltado parao passado. Onde diante de nós aparece um enca-deamento de acontecimentos, ele vê uma catás-trofe única, que vai empilhando incessantemen-te escombros sobre escombros, lançando-os di-

daquilo que prometem? É possível “mudar a história”rumo a um cenário utópico? Construa um texto que re-flita sobre essas questões, com base nos seus conhecimen-tos e nos trechos expostos a seguir.

“A

“O

ante de seus pés. O anjo bem que gostaria de sedeter, despertar os mortos e recompor o que foi fei-to em pedaços. Mas uma tempestade sopra do Pa-raíso e se prende em suas asas com tal força, que oanjo já não as pode fechar. A tempestade irresisti-velmente o impele ao futuro, para o qual ele dá ascostas, enquanto o monte de escombros cresce até océu diante dele. O que chamamos de Progressoé esta tempestade.”

(Walter Benjamin)

povo assistiu bestializado à proclamação daRepública, segundo Aristides Lobo; não haviapovo no Brasil, segundo observadores estrangei-ros, inclusive os bem informados como LouisCouty; o povo fluminense não existia, afirmavaRaul Pompéia. (...) O povo sabia que o formalnão era sério. Não havia caminhos de participa-ção, a República não era para valer. Nessa pers-pectiva, o bestializado era quem levasse a políti-ca a sério, era o que se prestasse à manipulação.Num sentido talvez ainda mais profundo que odos anarquistas, a política era tribofe. Quem ape-nas assistia, como fazia o povo do Rio por oca-sião das grandes transformações realizadas a sua

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revelia, estava longe de ser bestializado. Erabilontra.”

(José Murilo de Carvalho)

omecei a aprender a parte do presente que háno passado e vice-versa.”

(Machado de Assis)

utopia está lá no horizonte. Me aproximo doispassos, ela se afasta dois passos. Caminho dez pas-sos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eucaminhe, jamais alcançarei. Para que serve a uto-pia? Serve para isso: para que eu não deixe de ca-minhar.”

(Eduardo Galeano)

esde que o passado deixou de lançar sua luz sobreo futuro, a mente do homem vagueia nas trevas”

(Alexis de Tcoqueville)

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PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O PA N G E A M U N D O

MARÇO 2009

3

E

“EU ENTREI NO MDB PARA COMBATER A DITADU-RA, O PARTIDO ERA O CONDUTO DE TODO O

INCONFORMISMO NACIONAL. QUANDO SURGIU O

PLURIPARTIDARISMO, O MDB FOI PERDENDO SUA GRAN-DEZA. HOJE, O PMDB É UM PARTIDO SEM BANDEIRAS,SEM PROPOSTAS, SEM UM NORTE. É UMA CONFEDERAÇÃO

DE LÍDERES REGIONAIS, CADA UM COM SEU INTERESSE, SEN-DO QUE MAIS DE 90% DELES PRATICAM O CLIENTELISMO,DE OLHO PRINCIPALMENTE NOS CARGOS.” NUMA ENTRE-VISTA À REVISTA VEJA, O SENADOR E EX-GOVERNADOR DE

PERNAMBUCO JARBAS VASCONCELOS, UM DOS NOMES MAIS

EMBLEMÁTICOS DO MDB ORIGINAL, OFERECEU UMA ANÁ-LISE DEVASTADORA SOBRE O ATUAL PMDB.

O PARTIDO SINTETIZA OS LIMITES DO SISTEMA

PARTIDÁRIO E DA PRÓPRIA DEMOCRACIA NO BRASIL. SE

PT, PSDB E DEM, OS DEMAIS GRANDES PARTIDOS,TÊM AO MENOS ALGUNS TRAÇOS IDEOLÓGICOS, O

PMDB FUNCIONA APENAS COMO UM DISFARCE PARA A

CAPTURA FRAGMENTÁRIA DO ESTADO POR ELITES POLÍTI-CAS REGIONAIS E LOCAIS. O PMDB ESTÁ NO PODER NO

GOVERNO LULA, COMO ESTEVE SOB FHC, ITAMAR FRAN-CO, FERNANDO COLLOR E JOSÉ SARNEY. “DE OLHO PRIN-CIPALMENTE NOS CARGOS”, O PMDB SERÁ SITUAÇÃO NO

PRÓXIMO GOVERNO, SEJA ELE QUAL FOR.MAS POR QUE O PMDB QUER ALTOS CARGOS EM

QUALQUER GOVERNO? “PARA FAZER NEGÓCIOS, GANHAR CO-MISSÕES. (...) A MAIORIA DOS PEEMEDEBISTAS SE ESPECIALIZOU

NESSAS COISAS PELAS QUAIS OS GOVERNOS SÃO DENUNCIADOS:MANIPULAÇÃO DE LICITAÇÕES, CONTRATAÇÕES DIRIGIDAS,CORRUPÇÃO EM GERAL. A CORRUPÇÃO ESTÁ IMPREGNADA EM

TODOS OS PARTIDOS. BOA PARTE DO PMDB QUER MESMO ÉCORRUPÇÃO.” A MENSAGEM DE JARBAS NÃO É, ESSENCIAL-MENTE, QUE TODOS OS PARTIDOS TÊM SEUS CORRUPTOS. ISTO

É ÓBVIO, TRISTE E BANAL. ELE ESTÁ DIZENDO QUE A PRIVATI-ZAÇÃO DA RIQUEZA PÚBLICA – “MANIPULAÇÃO DE LICITA-ÇÕES, CONTRATAÇÕES DIRIGIDAS” – É A MOTIVAÇÃO PRINCI-

PAL DE EXISTÊNCIA DO PMDB.O CONTEÚDO DA ENTREVISTA NÃO É EXATAMENTE

UMA NOVIDADE. A NOVIDADE ESTÁ NA FONTE: JARBAS NÃO

É UM ANALISTA EXTERIOR. COMO O PMDB REAGIU ÀS

SUAS EXPLOSIVAS DECLARAÇÕES? COM UMA NOTA VAZIA,DESTITUÍDA ATÉ MESMO DE INDIGNAÇÃO PROTOCOLAR, NA

QUAL DIZIA QUE AS IGNORARIA. ALGUNS DIRIGENTES DO

PARTIDO EXIGIRAM QUE JARBAS CITASSE NOMES. É UMA

MANOBRA PARA DESVIAR A ATENÇÃO DO PRINCIPAL: JARBAS

TEM MUITOS NOMES, MAS SÃO NOMES DEMAIS. UMA LISTA

MAIS CURTA SERIA COMPOSTA PELAS EXCEÇÕES À REGRA DA

CORRUPÇÃO. É QUE ELE NÃO FEZ UMA DENÚNCIA DE

CORRUPÇÃO, MAS SIM UMA CARACTERIZAÇÃO DO LUGAR DO

PMDB NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO.DILMA ROUSSEF, A CANDIDATA DE LULA, BUSCA

UMA COALIZÃO COM O PMDB. JOSÉ SERRA E AÉCIO

NEVES, CANDIDATOS DO PSDB, TAMBÉM. JARBAS

ANUNCIOU QUE DEIXARÁ A VIDA PÚBLICA.

E D I T O R I A L

OS LIMITES DA DEMOCRACIA NO BRASIL

m seu primeiro dia como presidente,Barack Obama ordenou, como havia pro-metido em campanha, o fechamento, noprazo máximo de um ano, da prisão deGuantánamo e o fim dos tribunais de ex-ceção, uma das marcas registradas do go-verno Bush. Ele também estipulou o pra-zo de seis meses para que fosse decidido ofuturo dos presos ali detidos.

Isso deverá levar à libertação dos pri-sioneiros que não representarem umaameaça real para o país. Outros deverãoser julgados nos Estados Unidos ou trans-feridos para seus países de origem. Háainda o caso de presos considerados pe-rigosos, contra os quais não há provassuficientes, mas apenas confissões obti-das em interrogatórios sob tortura.

A partir de 2002, uma parte da basede Guantánamo foi usada para abrigarprisioneiros suspeitos de pertenceram aAl-Qaeda e ao Talebã capturados no Afe-ganistão. Essa escolha esteve ligada àcondição peculiar da base, que não é ofi-cialmente dos Estados Unidos, situadaem território de Cuba (veja o Box). Sobessa cobertura legal, o governo Bushdecidiu que os prisioneiros ali detidosnão estariam protegidos pelo sistemapenal do país – isto é, não teriam direi-tos judiciais iguais aos de presos em ter-ritório americano. Eles foram tambémclassificados como “combatentes inimi-gos ilegais”, uma figura inventada pelogoverno Bush para escapar à aplicaçãodos termos da Convenção de Genebrapara prisioneiros de guerra.

O GESTO INAUGURAL DE OBAMA

A base de Guantánamo é um enclave americano localizado na baía de mesmo nome,no leste de Cuba. Tem grande importância estratégica, pois domina o acesso ao estreitode Barlavento, entre Cuba e o Haiti, que é a principal passagem marítima entre o Atlân-tico e o Mar do Caribe.

No enclave de 116 km2 está a Estação Naval de Guantánamo, criada em 1898,quando os Estados Unidos, com anuência do governo cubano, obtiveram seu controlelogo após derrotar a Espanha na Guerra Hispano-Americana. Cuba acabava de se tornarindependente, mas funcionava de fato como protetorado dos Estados Unidos.

Em 1903, governo americano obteve de Cuba uma concessão perpétua, com paga-mento de uma taxa de aluguel, pelo uso da base. O acordo estabelecia que os EstadosUnidos teriam o completo controle sobre a baía de Guantánamo mas a soberania territorialpermaneceria com Cuba. Em 1934 um acordo definiu que a base só voltaria ao controlecubano caso fosse abandonado ou por consentimento mútuo. Desde 1961, Cuba recusa-se a receber a taxa de aluguel e considera ilegítimo o controle americano sobre a área.

Guantánamo, uma excrescência geopolítica

PENÍNSULADA FLÓRIDA

(EUA)

C U B A

Guantánamo(EUA)

Estreito de Colombo

HAITI

GUANTÁNAMO: Excrescência geopolítica

Miami

HavanaTRÓPICO DE CÂNCER

Canal da Flórid

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Canal Velho das Bahamas

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para Europa

para Europa

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Estreito deBarlaventoEstreito deYucatán

GOLFO DOMÉXICO

OCEANOATLÂNTICO

JAMAICA

BAHAMAS

0 140 km

Principaisrotas marítimas

FONTE: OLIC, N. B. Geopolítica da América Latina

N

Em 2004 a Suprema Corte decidiu que os prisioneirosdeveriam ter acesso aos tribunais do país, justificando que osEstados Unidos mantêm, de fato, o controle exclusivo sobreGuantánamo. Atualmente a prisão abriga 245 detentos, maspassaram por lá quase 800. A maioria não foi presa em bata-lha, mas entregue aos agentes americanos por afegãos epaquistaneses em troca de recompensas. Sob pressão crescen-te das organizações de defesa de direitos humanos, o governoBush libertou cerca de 500 presos e enviou-os de volta a seuspaíses de origem. Mas Obama tem inúmeros problemas a en-frentar. Um dos principais é decidir o destino de diversos pre-sos, pois muitos se recusam a voltar a seus países de origem,onde sofreriam perseguições.

Dois dias depois da posse, Obama afirmou: “A mensagemque estamos enviando ao mundo é que os Estados Unidospretendem prosseguir com a atual luta contra a violência e oterrorismo e que estaremos alerta. Mas faremos isso de formaeficaz e de um modo que esteja de acordo com nossos valorese nossas idéias.” É uma nítida guinada política e simbólica.

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ELEIÇÕES EM ISRAEL REFLETIRAM

O COLAPSO DO CAMPO DA PAZ

sa de judeus de outros países. Para ele, o anti-semitismo naEuropa ou América Latina seria “bom” ao levar mais ju-deus a Israel e reforçá-lo como Estado judeu.

Acredite se quiser: esse Israel mais à direita encaixa di-

ISRAEL/PALESTINA

ode parecer estranho mas, em Israel, quem vê algumapossibilidade de negociar de fato a paz com os palestinose rejeita a transformação da Faixa de Gaza e a Cisjordâniaem uma espécie de gaiola de prisioneiros humanos, vo-tou nas eleições de fevereiro principalmente no partidoKadima. O mesmo Kadima que, sob a liderança do pri-meiro-ministro Ehud Olmert e da ministra do ExteriorTzipi Livni, lançou um ataque sangrento à Faixa de Gaza,causando a morte de cerca de 1.300 pessoas, boa partedas quais, civis. Até mesmo pacifistas tradicionais, comoos escritores Amos Oz e A. B. Yehoshua, foram favorá-veis a uma operação militar (ainda que limitada) contra afacção fundamentalista islâmica Hamas, em Gaza.

Desde o fracasso das negociações de paz com YasserArafat, o líder da Organização pela Libertação da Palesti-na (OLP), na virada do século, o “campo pacifista”, quetradicionalmente representava a metade da população deIsrael, se desfez. A política do Hamas e de outras facçõespalestinas radicais ajudou: os israelenses convivem, háanos, com o lançamento de foguetes – ainda que de al-cance limitado – contra o sul do país, além de atentadosterroristas nas maiores cidades.

A guerra se tornou, então, uma extensão quase imediatada política. Em 2006, com a popularidade em baixa, o premiêOlmert lançou uma enorme (e fracassada) ofensiva contra oHezbollah, primo-irmão do Hamas no Líbano. Agora foi avez da ofensiva contra o Hamas, em uma operação bemorganizada, que aproveitou a transição de presidentes nosEstados Unidos (isso reduz a força de pressão da Casa Bran-ca sobre Israel) e visou levantar a bola do Kadima. Mas lan-çou, também, um alerta: ou os Estados Unidos lidam como Irã (que apóia Hamas e Hizbollah) e seu programa militarnuclear, ou Israel poderá embarcar em uma aventura militarcontra o regime iraniano.

O fato é que, hoje, em Israel, as forças favoráveis anegociações de paz de verdade, são muito limitadas. Issoexplica porque os três primeiros colocados nas eleições –Kadima, Likud e Israel Beiteinu (“Israel, nossa casa”, emhebraico), podem ser definidos assim: centro-direita,ultradireita e uma direita que acha os outros dois “bun-da-moles”. Benjamin Netanyahu, do Likud, liderará onovo governo e terá o apoio formal ou informal, dos ou-tros dois partidos.

Isso quer dizer que Israel terá um governo de direita,com um elemento novo: o Israel Beiteinu, liderado porAvigdor Lieberman, que defende uma posição ultra-radi-cal contra os palestinos. Lieberman não teme sequer umaonda anti-semita em outros países, como reação à repres-são contra os palestinos. Ao contrário, ele defende que Is-rael se prepare para uma nova onda de imigração em mas-

Jayme BrenerEspecial para Mundo

Marcha de Israel para a direita coincide com os interesses do partido radical de Avigdor Lieberman mas também com os do Hamas.Os dois beneficiam-se do crescimento do anti-semitismo no mundo

Jayme Brener, jornalista e sociólogo, é autor de Ferida Aberta:O Oriente Médio e a nova ordem mundial (Ed. Atual).

reitinho nos planos do Hamas que, por muito tempo, foicontra qualquer negociação com o adversário e defendiamesmo sua destruição. O Hamas chegou a expressar pu-blicamente que prefere um governo israelense radical, umavez que não semearia ilusões de paz entre os palestinos.

Perde a paz, perdem aqueles que defendem negocia-ções honestas e a convivência entre dois Estados vizinhos:Israel e a Palestina. Mas, atenção: no Oriente Médio, nadaé muito bem o que parece. Menachem Begin, primeiro-ministro de ultradireita, assinou a paz com o Egito, em1979. O Partido Trabalhista, visto por muito tempo umavoz moderada, foi o inventor das colônias judaicas naCisjordânia, hoje um dos grandes obstáculos à paz. Querdizer: retórica à parte, dia desses, talvez os inimigos maisradicais – Hamas e um governo israelense de direita –talvez se sentem para negociar de verdade.

O Hamas é uma organização terrorista, que conta como apoio do Irã e que não representa os interessesnacionais legítimos da população palestina. Seus objeti-vos consistem em promover a agenda do islamismo fun-damentalista, que procura negar a paz aos povos da re-gião. Lamentavelmente, para fazer propaganda política, oHamas abusa cinicamente de sua população civil e dosofrimento dela. A responsabilidade pelo sofrimento dapopulação civil é do Hamas.

Israel vai continuar agindo para prevenir uma crisehumanitária e minimizar os danos aos civis palestinos.Enquanto faz frente à agressão do Hamas, continuará apos-tando na solução de dois Estados para dois povos e man-tém seu compromisso de continuar negociando com asautoridades legítimas do lado palestino, dentro do contextodos parâmetros do processo de paz traçados em Annapolis.

Israel espera contar com a compreensão e o apoio dacomunidade internacional, sendo que a mesma tambémenfrenta o fenômeno do terrorismo, e avançar no inte-resse de todos aqueles que desejam que as forças da paz eda convivência definam a agenda da região.

A AUTODEFESA É NOSSO

DIREITO BÁSICOTzipi Livni

Especial para Mundo

Tzipi Livni foi ministra das Relações Exteriores deIsrael e candidata pelo partido Kadima à chefia de

governo nas eleições de fevereiro de 2009.

Israel retirou-se da Faixa de Gaza visando criar umaoportunidade para a paz. Em resposta, a organização ter-rorista Hamas assumiu o controle da Faixa de Gaza e usouseus cidadãos como escudos, enquanto dispara foguetescontra a população israelense, obstruindo qualquer pos-sibilidade de paz

Os cidadãos israelenses vivem há anos sob a ameaçade ataques diários lançados desde a Faixa de Gaza. Cen-tenas de mísseis e morteiros foram disparados contra apopulação civil de Israel, incluindo o disparo de 80mísseis num mesmo dia.

Até agora, Israel vinha adotando uma atitude decontenção. Mas, neste momento, não nos restou outraopção senão o lançamento de uma operação militar. Pre-cisamos proteger nossos cidadãos dos ataques, por meiode uma resposta militar contra a infra-estrutura terroris-ta na Faixa de Gaza. Essa reação se dá no contexto denosso direito básico à autodefesa. Foram feitas todas astentativas possíveis de conquistar a calma, sem apelar parao uso da força.

Acordamos uma trégua com a mediação do Egito;essa trégua foi violada pelo Hamas, que leva adiante seusataques a Israel, conserva o soldado sequestrado GiladShalit em seu poder e reforça seu arsenal de armamentos.

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AS DUAS ESCOLHAS DE OBAMA

ISRAEL/PALESTINA

m março de 1948, quando o então secretário de Esta-do americano George Marshall informou o presidenteHarry Truman que não pretendia votar nele devido a seuapoio à criação do Estado de Israel, argumentou que a de-cisão contrariava os interesses dos Estados Unidos e acu-sou Truman de apoiar a criação de Israel por motivos elei-torais – ou seja, as doações e os votos dos eleitores judeusamericanos. Marshall foi um pouco injusto. O Holocaustodos judeus da Europa também influenciou o apoio deTruman ao estabelecimento de um Estado judaico.

Na época, a perspectiva de um presidente negro naCasa Branca parecia ficção científica. Barack Obama re-cebeu os votos e doações de campanha de cerca de 80%dos judeus dos Estados Unidos, ainda que seu rival, JohnMcCain, tenha declarado apoio mais claro a Israel. Osisraelenses eram o único povo do mundo cuja esperançaera a de uma vitória republicana. O novo presidente pode,assim, se permitir uma reavaliação do “relacionamentoespecial” entre Estados Unidos e Israel, especialmente noque tange aos valores compartilhados pelos dois países eà contribuição israelense aos interesses americanos.

Que valores compartilhados o liberal (progressista)negro americano terá observado nas últimas semanas, aoassistir às notícias que mostravam locais bombardeados porIsrael na região mais densamente povoada do planeta? Serápossível esperar que a memória dos horrores do Holocaustoinfluencie o relacionamento de Obama com Israel? Na se-mana passada, um membro judaico do Parlamento britâ-nico afirmou que sua avó não havia sido assassinada pelosnazistas a fim de dar um pretexto para que soldados israe-lenses assassinem avós palestinas em Gaza.

O porta-voz do consulado israelense em Nova York sevangloriou das massas que compareceram a uma demons-tração de solidariedade às crianças judias de Sderot. Elenão mencionou as massas de judeus que não sabem ondeesconder sua vergonha diante das imagens de palestinoschorando amargamente a morte de suas famílias.

Há 60 anos, George Marshall rompeu com Truman por discordar do apoio americano à criação de Israel. Hoje, Barack Obama devedecidir que tipo de Israel serve aos interesses e valores dos Estados Unidos

Os porta-vozes de Israel tentam lidar com essa ques-tão de valores com o seguinte argumento: “Os EstadosUnidos teriam se contido em sua reação diante de disparosde foguetes vindos do México e que tomem por alvo suascrianças em seu território soberano?” É difícil acreditarque uma comparação como essa impressione Obama, umhomem inteligente e informado. O México não está sobbloqueio aéreo e naval dos Estados Unidos e tampouco éconsiderado um território ocupado sob as leis internaci-onais. O Exército dos Estados Unidos e colonos ameri-canos não controlam partes do território mexicano há 41anos (e os Estados Unidos estavam entre os fiadores dos

Akiva EldarEspecial para Mundo

Akiva Eldar, jornalista israelense, é autor de Lords of theLand: The War Over Israel? Settlements in the Occupied

Territories, 1967-2007.

Acordos de Oslo, que dispunham que a Faixa de Gaza e aCisjordânia são uma entidade política una).

Quanto à contribuição de Israel aos interesses dosEstados Unidos, o segundo componente do “relaciona-mento especial”, ela está em dúvida já há anos. A cadavez que judeus matam árabes nos territórios ocupados,bandeiras americanas são queimadas no Egito e naJordânia. Em suas duas guerras contra o Iraque, os Esta-dos Unidos conseguiram (ou não conseguiram) se virarsem a ajuda de Israel e chegaram a agradecer ao governoisraelense por se manter afastado. E o temor do lobbypró-Israel ocasionalmente compele o governo e o Con-gresso a subordinarem a política americana à israelense,o que viola os interesses dos Estados Unidos. Não existemelhor exemplo disso do que a hesitação dos dois últi-mos governos americanos em criticar a expansão conti-nuada das colônias, que contraria os Acordos de Oslo, oplano de paz proposto pelos próprios israelenses e a de-claração de Annapolis.

Obama tem duas escolhas: a primeira é permitir queIsrael sangre e mate até se tornar um país que vive emapartheid, sob o ostracismo do mundo, limitando-se aobservar enquanto Israel coloca em risco a paz do Orien-te Médio e solapa os interesses americanos, como previuMarshall. A segunda é manter o apoio a Israel em seuesforço pela paz e preservar seus aspectos judaicos e mo-rais, a caminho da aceitação regional oferecida por 22países árabes até o momento. Ou, em outras palavras,concluir o trabalho que Truman iniciou.

Em 1982, quando Israel invadiu o Líbano, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Israel emprotesto. Vinte e seis anos depois, o ataque de Israel à Faixa de Gaza, que causou cerca de 1.300 mortes, teveo apoio de quatro entre cinco israelenses. O que mudou?

O fracasso das negociações entre Israel e a Autoridade Palestina e o início da segunda intifada (revoltapalestina em Gaza e Cisjordânia) levaram a maior parte da opinião pública israelense a concluir que não háinterlocutores confiáveis do lado palestino. Isso explica por que os principais partidos políticos de Israel –Likud e Israel Beiteinu, mais à direita, Kadima e Trabalhistas, mais ao centro – disputam espaço políticotentando provar aos eleitores que são mais ferozes contra os palestinos.

Em Israel, as vozes favoráveis a negociações sérias de paz com os palestinos e o mundo árabe estão hojerestritas a meia dúzia de grupinhos de esquerda e de defesa dos direitos humanos, alguns intelectuais e, acre-ditem, personalidades do serviço secreto, que acreditam que o país marcha para o desastre. É o caso do ex-chefe do Mossad, serviço secreto israelense, Efraim Levi. Isso explica a frase do articulista Gideon Levy, dojornal Haaretz, às vésperas das eleições em Israel: “Todo voto dado ao Kadima, aos trabalhistas e ao Likudrepresenta um endosso à última guerra e um voto a favor da próxima”. (Jayme Brener)

Direita, volver

Escombros e morte na Faixa de Gaza: receitapara mais radicalização

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RECESSÃO AMEAÇA ESTABILID

outra direção e com outras regras.Barack Obama ainda não chegou a

conclusões tão radicais. Contudo, os eco-nomistas que as defendem são colegasmuito próximos de sua equipe econômi-ca. Além disso, sobretudo, o enorme ca-pital político do presidente pode não re-sistir a anos de recessão. Não é casual queRoubini e Richardson mencionem o Ja-pão dos anos 90, que patinou numa déca-da inteira de recessão, e os Estados Uni-dos dos anos 30.

A escala da destruição global de rique-za financeira especulativa pode ser medi-da pela queda quase sem precedentes nosíndices das principais bolsas de valores nosúltimos 12 meses (veja os Gráficos). Masa política da crise gira em torno de outrosíndices, que já começam a aparecer:retração generalizada no PIB nos paísesricos e fortes desacelerações nas chamadaseconomias emergentes, com repercussõesdramáticas sobre os níveis de emprego,renda e consumo. Os sistemas políticossofrerão tensões extraordinárias, dentro decada país. Ninguém, nem mesmo Lula,

O SISTEMA BANCÁRIO DOS ESTADOS UNIDOS ESTÁ À BEIRA DA INSOLVÊNCIA E, SE NÃO QUISERMOS FICAR COMO O JAPÃO NOS ANOS 90OU OS ESTADOS UNIDOS NOS ANOS 30, O ÚNICO MEIO DE SALVAR OS BANCOS É A ESTATIZAÇÃO. COMO ECONOMISTAS DEFENSORES DO

LIVRE MERCADO, PROFESSORES DE UMA ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO NO CORAÇÃO DA CAPITAL FINANCEIRA DO MUNDO, SENTIMO-NOS

COMO SE DIZENDO UMA BLASFÊMIA QUANDO PROPOMOS QUE O GOVERNO ASSUMA TOTALMENTE O CONTROLE DO SISTEMA BANCÁRIO.MAS O SISTEMA FINANCEIRO DOS ESTADOS UNIDOS CHEGOU A UM PONTO TÃO CRÍTICO QUE NÃO HÁ MUITA ESCOLHA.

(MATTHEW RICHARDSON E NOURIEL ROUBINI, “AGORA, TODOS NÓS SOMOS SUECOS”, O ESTADO DE S. PAULO, 15/2/09)

a Suécia, no início da década de 1990,um colapso financeiro generalizado impôsao governo a opção radical de estatizar osbancos do país. Os suecos não o fizerampor ideologia, mas unicamente movidospelo desespero e a necessidade. Anos de-pois, com as finanças em ordem, os ban-cos foram devolvidos à iniciativa privada.Há pouco, Nouriel Roubini e MatthewRichardson, respeitados economistas libe-rais americanos, escreveram um artigo parao jornal The Washington Post intitulado“Agora, todos nós somos suecos”.

O título inspirou-se na célebre frase deJohn Kennedy, durante a crise de Berlim,em 1961: “Eu sou um berlinense”. Na-quela que foi uma das mais perigosas con-frontações da Guerra Fria, o presidenteamericano queria dizer que todos os oci-dentais tinham um interesse vital na so-brevivência de Berlim Ocidental fora daesfera soviética. Agora, Roubini eRichardson estão dizendo que, em nomeda economia de mercado, é preciso fazercomo os suecos: romper os dogmas ideo-lógicos e converter a “mão visível” do Es-tado no instrumento de salvação dos mer-cados livres. “Melhor limpar tudo agora,estatizar e depois vender de novo ao setorprivado”, eis a receita de Roubini.

Na esfera crucial das finanças, os mer-cados livres devem deixar de existir, pro-visoriamente, para que se evite uma catás-trofe maior. É isso que eles estão dizendo.E têm o apoio de vacas sagradas como oNobel de Economia de 2008, PaulKrugman, e o ex-presidente do BancoMundial, Joseph Stiglitz, também Nobelde Economia, em 2001. Na análise deStiglitz, “todas as teorias sobre como umaeconomia de mercado funciona bem fo-ram totalmente destruídas pelo papel queo governo tem assumido ao absorver o ris-co”. Isso significa que, ao longo dos anos,os salvamentos de instituições financeirasem colapso realizados pelos Estados ensi-naram uma estranha lição aos dirigentesdos bancos e grandes fundos de investi-mentos: na hora do caos, os prejuízos po-dem ser repartidos com os cidadãos. A li-ção impulsionou estratégias especulativasaventureiras, que resultaram na grande re-cessão em curso. Diante dela, a soluçãoproposta é paradoxal: os Estados devemabsorver todos os prejuízos. Mas o merca-do financeiro deve nascer de novo, sob

deveria minimizar o tamanho do proble-ma (veja a matéria à pág. 8).

Tudo indica que as maiores retraçõeseconômicas ocorrerão nos Estados Unidos,Europa, Japão e Tigres Asiáticos. Mas asgrandes economias emergentes já sofrempesadas repercussões. A drástica queda deconsumo nos países ricos atinge direta-mente os exportadores de manufaturados(China), de serviços (Índia), de combus-tíveis (Rússia) e de matérias-primas e ali-mentos (Brasil). A China, um dos moto-res do ciclo de crescimento mundial, jáenfrenta forte desaceleração. Mas, ao con-trário dos Estados Unidos, ela não dispõede um sistema político democrático e fle-xível, capaz de absorver os impactos e ten-sões sociais da crise. A ordem interna chi-nesa baseia-se numa expansão econômicaacelerada e ininterrupta, que já dura qua-se três décadas. Sob o amparo da expan-são, centenas de milhões de chineses dei-xaram a miséria do campo para formaruma camada urbana de pobres remedia-dos. Se a recessão global chegar a inter-romper esse movimento de modernização

estrutural, o edifício de poder burocráti-co pode ruir fragorosamente. Os dirigen-tes chineses torcem pelo sucesso de Oba-ma, com todo o seu coração.

Os preços do barril de petróleodesinflaram no ritmo da queda de consu-mo e da ruptura da bolha especulativa glo-bal. Depois de ultrapassarem largamentea marca de US$ 100, ele cairão abaixo deUS$ 40, o que tem conseqüênciasgeopolíticas variadas. A Rússia perde ofôlego político e precisa rebaixar suas me-tas estratégicas de ampliação de poder naUcrânia, no Cáucaso e na Ásia Central.O Irã tende a moderar suas ambições ime-diatas num Golfo Pérsico em mutação,que assistirá à retirada gradual das forçasamericanas do Iraque. A Venezuela deHugo Chávez fica sem seu principal ins-trumento de projeção de poder na Amé-rica Latina, que são as rendas da estatalpetrolífera. Os Estados Unidos têm pro-blemas. Mas os grandes rivais geopolíti-cos e os atores regionais que os desafiamtambém têm.

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Evolução dos índices das bolsas de valores

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SOB O ESPECTRO DE 1929

IDADE POLÍTICA EM TODO O PLANETA

“Temo que a economia tem grande chance de recuar mais do que outros doistrimestres, transformando esta na mais longa recessão desde a Grande Depressão”.O diagnóstico, que é voz corrente entre os analistas econômicos americanos, saiuda boca de Lawrence Summers, presidente do Conselho Econômico Nacional, ór-gão de consultoria da presidência dos Estados Unidos.

A crise de 1929 deflagrou a maior depressão da história, com seu cortejo desofrimentos e implicações políticas que formaram a moldura da Segunda GuerraMundial. O paralelo entre a recessão em curso e a Grande Depressão tem sólidosfundamentos. Mas as diferenças entre esta primeira década do século XXI e a fatídi-ca terceira década do século XX são tão relevantes quanto as semelhanças.

Como a crise de 1929, o colapso financeiro atual interrompe um ciclo de cres-cimento associado a uma revolução tecnológica. Na entrada do século XX, o adven-to do motor a combustão interna e a exploração intensiva do petróleo criaram asbases para a emergência da indústria do automóvel, que se converteu no eixo daeconomia capitalista. Além disso, naquela época, a eletricidade modificou a econo-mia e a paisagem urbanas, bem como propiciou a criação da moderna linha demontagem. O ciclo de inovações impulsionou novas indústrias, sustentou o cresci-mento dos mercados e dos lucros empresariais, alçou a um novo patamar os merca-dos de capitais. Foi no maior desses mercados, a Bolsa de Nova York, que se armoua ciranda especulativa responsável dela deflagração da crise.

Nas duas últimas décadas do século XX, as inovações cumulativas nas tecnolo-gias da informação configuraram a chamada revolução tecnocientífica. Tal como

nos tempos de Henry Ford, novos produtos e novas técnicas de produção amplia-ram os mercados e sustentaram a emergência de indústrias inovadoras. A expansãoeconômica e a especulação financeira andaram juntas, uma vez mais, provocandocrises marginais, na Ásia, na Rússia, no Brasil, na Argentina. Um primeiro choquenas bolsas americanas verificou-se na virada para o século XXI, mas o ciclo de ex-pansão ganhou novo fôlego. O colapso iniciado há poucos meses, no núcleo dosistema bancário americano, fecha o período.

Agora, como antes, a maior potência mundial é a fonte do colapso. Mas umaprimeira diferença crucial tem natureza geopolítica. O ciclo da revolução tecnocientíficacombinou-se com a entrada da economia chinesa na arena global e com mudançasimportantes na geometria do poder mundial. Os Estados Unidos e as demais potên-cias ocidentais não poderiam alimentar o crescimento econômico e a especulaçãofinanceira sem a importação em massa de manufaturas baratas chinesas. Tais impor-tações impediram que se acendesse a fogueira da inflação, abrindo caminho para acombinação de juros baixos, crédito fácil e consumo elevado por um longo tempo.

A segunda diferença essencial tem dupla natureza, política e econômica. A crisede 1929 atingiu um mundo despreparado para absorver o choque. Numa época deliberalismo quase puro, os Estados dispunham de instrumentos relativamente fra-cos para intervir na esfera da economia. No plano internacional, o velho padrãoouro, baseado no papel predominante da libra esterlina, encontrava-se em francodeclínio desde a Primeira Guerra Mundial. E, sobretudo, inexistiam instituiçõescapazes de coordenar as políticas econômicas das potências. Naquele quadro, cada

país agiu em consonância com seus interesses imediatos, tentando inutilmentesustentar o valor de suas moedas ou realizando desvalorizações bruscas para aten-der a seus exportadores. Mais desastrosas ainda foram as políticas protecionistasadotadas por cada uma das potências, que resultaram na implosão do comérciointernacional. O crash da Bolsa de Nova York detonou a crise, mas a longadepressão resultou dos erros de política econômica dos governos.

O cenário atual é diferente. O liberalismo puro naufragou com a GrandeDepressão. Com base no pensamento do britânico John Maynard Keynes, osgovernos passaram a agir ativamente na esfera econômica. No pós-guerra, poriniciativa dos Estados Unidos, criaram-se instituições internacionais – em parti-cular, o FMI e o Banco Mundial – que permitem a coordenação de políticaseconômicas. Mais tarde, nasceu o G7, grupo das maiores economias desenvolvi-das, que se tornou G8 com o ingresso da Rússia. Na crise em curso, o G8 am-pliou-se para G20, incluindo nas discussões as chamadas grandes economiasemergentes. Na esfera comercial, as regras da Organização Mundial de Comér-cio (OMC) tendem a reduzir a margem para a adoção de políticas protecionis-tas selvagens.

1929 foi o prelúdio de 1939, ou seja, da guerra mundial. No ambiente da de-pressão, floresceram o nazismo e o fascismo. A política européia, sob o impacto doisolacionismo dos Estados Unidos, degenerou numa série de crises, que emanaramdo expansionismo alemão. O New Deal de Franklin Roosevelt não foi suficientepara reerguer a economia americana, que só voltou a crescer aceleradamente com oestímulo trágico oferecido pela guerra.

O cenário político internacional está pontuado por tensões, atritos e guerrasmarginais. Há a “guerra ao terror”, uma guerra crônica no Afeganistão, o atolei-ro da ocupação do Iraque e crises periódicas em lugares onde existem armasnuclares, como a Palestina e o Subcontinente Indiano. Há, também, um qua-dro de tensões perigosas nas faixas de fronteiras da Rússia. Mas, ao contrário dosanos 30, não se delineia um confronto entre as maiores potências do sistemainternacional.

Paralelos são bons e úteis para a análise. É sempre preciso registrar semelhan-ças. Mas nunca se deve perder de vista as diferenças. A história não se repete.

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BRASIL SE FANTASIA DE ILHA, DE NOVO

ECONOMIA MUNDIAL

rimeiro foi “marolinha”, para comparar o efeito dacrise global sobre a economia brasileira com o “tsunami”que se abatia sobre as principais economias do mundo.Mais recentemente, circulou a versão de que se o Brasil“demorou para entrar, vai ser o primeiro a sair” de umacatástrofe no sistema de valores internacionais sem pre-cedentes. O governo, a “ekipeconômica”, a mídia e umaparte sempre infame de economistas de bancos procla-mam que no país da jabuticaba, tudo será diferente.

Essa geléia geral parece retomar, como farsa ainda maisdeslocada, a fantasia de que somos uma ilha: a ilha dafantasia. O hábito nacional de interromper o trabalhoanualmente para se entregar a “folias” pode ter infundi-do nas elites e no povo abestalhado essa síndrome carna-valesca, a tendência a sustentar a ilusão de que não so-mos o que somos: uma economia subordinada aos fluxosfinanceiros e comerciais das redes globais, ainda maisvulnerável pela ausência de projeto geopolítico nacionalconsistente. Mais que ilha, o Brasil é uma baleia perdidaem alto mar.

Dizem que as baleias, como as grandes embarcações ea calota polar, mudam lentamente de posição. Ao con-trário de golfinhos e jet-skis, entre decidir mudar de rumoe de fato conseguir escapar do iceberg vai uma longa dis-tância, proporcional ao tamanho. Poderíamos designaressa situação como “Efeito Titanic”. Para avaliar se a ba-leia – ou navio – escapará do choque é preciso compre-ender a trajetória que vinha seguindo até o surgimentodesse colapso financeiro sistêmico.

O rumo não foi decidido por Lula, que celebrou comjúbilo a aliança com o capital financeiro internacionalpreviamente articulada e implementada por FernandoHenrique Cardoso. O que no governo Lula parece resis-tência à globalização nunca foi, de fato, além demarolinha.

Isso não significa que o governo Lula assistiu passivo,do ponto de vista das estratégias de desenvolvimento eco-nômico, ao alargamento da exposição global da econo-mia brasileira. Como por tantos anos defenderam algunseconomistas críticos da ordem liberal, o Brasil poderia edeveria mudar o modelo econômico da globalização de-pendente para uma inserção competitiva com protago-nismo do mercado interno. Esses economistas estiveramno poder em duas oportunidades: no governo Sarney(congelamento de preços) e no governo Lula (expansãodo crédito popular e dos programas assistencialistas, nãopor acaso em aliança com o mesmo Sarney do “tudo pelosocial”).

Em tese, é possível pensar um modelo de desenvolvi-mento econômico amparado num mercado domésticocuja distribuição de renda é razoável. Muito da força dosEstados Unidos vem desse tipo de condição sócio-eco-nômica. Mas o caso brasileiro é perverso, pois ao estimu-lar o fortalecimento do mercado doméstico o governotem usado crédito e assistência social, o que aumenta arenda disponível dos mais pobres sem que a distribuiçãode renda (e de poder) seja de fato alterada no país. A

“Marolinha” de Lula expressa uma tendência crônica do Brasil a fabricar fantasias sobre si próprio e o mundo que o cerca.A crise pode produzir um choque de realidade

política de juros elevados, além de facilitar a vida (e olucro) dos bancos públicos e privados, garante à elite queacumula capital financeiro participar da ciranda semmedo de ficar sem cadeira caso o combustível da festa,crédito farto e subsídio estatal, termine de repente.

Imaginar que a economia brasileira é mais resistenteà crise global porque o crescimento econômico internopode ser sustentado a despeito do colapso da demandamundial é acreditar na fantasia de que o crédito e a libe-ração de vales e cartões para os mais pobres tem sustenta-bilidade.

Os canais de crédito popular definham com a quedana renda ou o medo de ficar sem emprego. Um sopro decurtíssima duração e suavíssima intensidade animará poralgumas semanas alguns mercados (de bens não durá-veis), pode atenuar a curva de aumento da inadimplência,como resultado do aumento do salário mínimo nesse iní-cio de 2009, mas nada que possa oferecer ao modelo lulo-tucano de desenvolvimento econômico muitas esperan-ças de sobrevivência no contexto do atual colapso global.

E o nosso comércio internacional? O Brasil tornou-se um exportador sem gerar uma capacidade de inovaçãoe modernização de sua infra-estrutura, tecnologia, mar-

co legal e mesmo convivialidade urbana. No passado, ofe-recíamos cana. Hoje, oferecemos minério de ferro. Nosdois casos, o colapso dos mercados externos liquidairreversivelmente nossa capacidade exportadora.

Sem mercado interno fundado numa autêntica e sus-tentável distribuição de renda e dependente de mercadosexternos cujo colapso é irreversível num prazo de 2 a 5anos, o Brasil não só está exposto à crise como será palcoainda, de situações cada vez mais críticas, inclusive nosetor imobiliário – talvez “atrasado” para o relógio dosatuais ocupantes de cargos na alta administração políticae econômica do país. O atraso, no entanto, foi bailar nafantasia fiscal de uma economia globalizada na especula-ção, mas assimétrica na produção, na invenção e na dis-tribuição dos frutos do desenvolvimento científico. O li-terato José Sarney talvez um dia invente uma história sobreesse país-continente que se imaginava ilha: uma ilha fan-tasiada de baleia que nunca desencalhou.

Gilson Schwartz é professor de economia na USP elíder do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento

(www.cidade.usp.br). Foi Economista-Chefe doBankBoston no Brasil e Assessor da Presidência do

BNDES (Gestão Guido Mantega).

Gilson SchwartzEspecial para Mundo

O presidente Lula garante que o“tsunami” financeiro que abalao mundo será sentido apenas

como “marolinha” no Brasil; nacontramão de todos os países

que tentam estimular aeconomia, Henrique Meirelles,

do Banco Central, mantémjuros estratosféricos

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Nelson Bacic OlicDa Redação de Mundo

Nas áreas desérticas e semi-áridas, como a África do Nor-te e o Oriente Médio, as chu-vas são inexistentes, escassas ouirregulares. Juntando-se a estefator um alto crescimentodemográfico, poluição de ma-nanciais, má utilização dos re-cursos hídricos e desperdíciosurge o “estresse hídrico”, si-tuação na qual os habitantesde uma determinada área con-somem em média menos de 2mil litros de água por ano.

A escassez de água temcriado tensões e conflitos en-tre países por conta de dispu-tas pelo controle e utilizaçãode fontes de águas superfici-ais, especialmente rios, quan-do estes atravessam territóri-os de duas ou mais nações. Astensas relações entre palesti-nos e israelenses, no vale do rio Jordão,ou entre Síria, Iraque e Turquia, nos valesdos rios Tigre e Eufrates, ilustram essassituações denominadas hidroconflitivas(veja o Mapa).

Das 260 bacias hidrográficas conside-radas internacionais, 75% possuem áreascompartilhadas por dois países e as res-tantes por grupos de três ou mais países.Como não existe uma legislação interna-cional suficientemente clara a respeito, sãoraros os casos em que países estabelecemacordos de utilização comum dos recur-sos hídricos. Por isso podem seridentificadas atualmente dezenas de áreascom situações reais ou potencialmentehidroconflitivas.

Vários índices podem ser utilizados parase fazerem análises de oferta de água e dis-ponibilidade dos recursos hídricos superfi-ciais. Um dos que permite estabelecer in-teressantes conexões geográficas egeopolíticas é o índice denominado “depen-dência de água”. Ele indica a parcela de águarenovável de um país, fundamentalmentede rios, vinda de fora de seu território.

De imediato, chega-se a uma série deconclusões inevitáveis. Os países localiza-dos a montante controlam as nascentes etêm, a princípio, menor dependência deágua do que aqueles situados a jusante.Obviamente, países insulares pequenoscomo os do Caribe ou de extensão médiae grande, como Madagascar ou a “ilha-continente” da Austrália, apresentam de-pendência hídrica igual a zero.

Alguns dos países mais extensos domundo oferecem surpresas. O índice dedependência da China, apesar dos seus gra-ves problemas hídricos, é insignificante, deapenas 1%. Afinal, o planalto do Tibete nãoé estratégico apenas em virtude do separa-tismo tibetano: ele também constitui umaverdadeira “caixa d’água” de rios que dre-nam exclusivamente o território chinês (oYang-Tsé Kiang, por exemplo), e que flu-em para o Subcontinente Indiano(Bramaputra) ou para o Sudeste Asiático(Mekong). Outros países de grande super-fície, como Rússia, Canadá e Estados Uni-dos, exibem índices de dependência peque-nos, de 4%, 2% e 8%, respectivamente.

Não é o que acontece com o Brasil,que possui o maior estoque de recursoshídricos do mundo (cerca de 13%) euma vasta e densa rede hidrográfica, masexibe índice de dependência de 34%.As nascentes e os altos e médios cursosdos rios da Bacia Platina situam-se emterritório brasileiro, bem como a totali-dade das grandes bacias do São Francis-co e do Tocantins-Araguaia. Contudo,parcela considerável da área da BaciaAmazônica, especialmente os altos va-les do rio principal e muitos de seus cau-dalosos afluentes, situam-se fora do es-paço nacional.

O índice brasileiro é alto, mas nãomuito. Egito (97%), Hungria (94%),Holanda (88%), Turcomenistão (97%),Síria (80%), Bangladesh (91%),Paraguai (72%) e Argentina (66%) apre-sentam dependência decisiva de fontesexternas de água. Quase todos eles, emmaior ou menor grau, vivem ou vive-ram recentemente “tensões hidroconfli-tivas” com seus vizinhos.

ESCASSEZ DO “OURO AZUL”ACIRRA TENSÕES POLÍTICAS

Entre os graves problemas ambientaisdo século XXI, destacam-se a questão doaquecimento global e a escassez de água.Cerca de 75% da superfície do planetaestá recoberta por massas líquidas, masa água doce representa apenas 2,5% dessetotal. Além disso, crucialmente, só umaminúscula parcela (cerca de 1%) dessaágua doce presente nos rios, lagos,aqüíferos e atmosfera é acessível ao ho-mem. O restante do “estoque” está imo-bilizado nas geleiras, calotas polares e len-çóis subterrâneos profundos.

A água potável é um recurso finito,que se reparte desigualmente pela super-fície terrestre. Por seu ciclo natural, aágua é um recurso renovável, mas suasreservas não são ilimitadas. Especialistastêm alertado que, se o consumo conti-nuar crescendo como nas últimas déca-das, todas as águas superficiais do plane-ta estarão comprometidas em 2100. Éum prazo longo para a política interna-cional, mas curto na escala da história.

No século XX, a população mundialfoi multiplicada por três, as superfíciesirrigadas por seis e o consumo global deágua por sete. Nas últimas cinco déca-das a poluição dos mananciais reduziudramaticamente as reservas hídricas emum terço. Atualmente, cerca de 50% dasterras emersas já enfrentam um estadode penúria em água. Pelo menos umquinto da humanidade não tem acesso àágua de boa qualidade para consumo ecerca de metade dos habitantes do pla-neta não dispõe de uma rede de abaste-cimento satisfatória.

A carência de água é resultado dacombinação de fatores naturais, demo-gráficos, sócio-econômicos e até cul-turais. Os estoques de água potávelhoje disponíveis para o uso humanodariam para sustentar muito bem pelomenos o dobro da população atual. Aquestão, com implicações geopolíticasvariadas, é que os recursos hídricos nãose distribuem equitativamente pelasuperfície da Terra.

Série Geopolítica da Água

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1 - Amazônica2 - Congo

4 - Nilo

5 - Ienissei6 - Obi7 - Lena

8 - Platina

9 - Iang Tsé10 - Amur11 - Mackenzie

12 - Volga

13 - Zambeze14 - Niger15 - Orinoco

16 - Ganges

17 - Murray18 - Nelson19 - São Lourenço

20 - Indo

3 - Mississipi

* As 20 bacias hidrográficas de maior superfície

ALGUMAS DAS PRINCIPAIS BACIAS HIDROGRÁFICAS DO MUNDO *

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SECESSÃO AMEAÇA A BOLÍVIA “REFUNDADA”BOLÍVIA

vo Morales elegeu-se presidente prometendo a“refundação” da Bolívia, por meio de uma nova constitui-ção que refletisse o caráter indígena e plurinacioal do país.A promessa concretizou-se a 25 de janeiro, quando o povoboliviano adotou em referendo a nova constituição, apoi-ada por cerca de 62% dos eleitores. O texto promove umareforma radical das instituições do país (veja o Box).

No mesmo processo, cerca de 80% dos eleitores apoi-aram uma lei que impõe o limite máximo de 5 mil hecta-res para a propriedade individual da terra, num país onde,atualmente, 7% dos proprietários controlam 80% da ter-ra. A nova lei não tem poder retroativo, o que significa queos atuais latifundiários poderão manter suas propriedades.A participação nas urnas foi recorde (85% dos eleitoresinscritos) e não houve qualquer denúncia de fraude. Ain-da assim, a elite econômica boliviana, situada na “MeiaLua” (os departamentos orientais de Santa Cruz, Beni,Pando e Tarija), onde ganhou o “não”, promete resistir.

O novo texto constitucional estabelece que os mem-bros do Poder Judiciário serão eleitos pelo voto direto,assim como os deputados estaduais, antes inexistentes.Ficam, além disso, assegurados direitos políticos, cul-turais e religiosos aos povos originários (historicamenteignorados, apesar de constituírem a imensa maioria dapopulação). A religião católica deixa de ser oficial e oEstado passa a reconhecer a “liberdade de religião e decrenças espirituais, de acordo com as duas cosmovisões”– uma fórmula que sintetiza a idéia de convivência en-

Nova constituição tem o apoio de mais de 60% dos eleitores, mas a rejeição da “Meia Lua”, a região oriental e mais rica do país. Oespectro da divisão continua a atormantar os bolivianos

tre a “cosmovisão” cristã de origem européia e a “cos-movisão” indígena de origem pré-colombiana. A folhade coca, finalmente, é promovida a patrimônio cultu-ral. Trata-se de um alimento tradicional das populaçõesoriginárias e de cultivo reprimido por pressões dos Es-tados Unidos, por servir de matéria-prima para a pro-dução de cocaína.

No capítulo do controle dos recursos naturais renováveise não renováveis – em particular, gás e petróleo –, a novaconstituição estabelece que eles são “estratégicos” e per-tencem ao povo. Não podem, por isso, serem cedidos ainteresses particulares. Caberá ao Estado dirigir a econo-mia, bem como regular os processos de produção, distri-buição e comercialização de bens e serviços. O direito àpropriedade privada fica assegurado pelo artigo 306, queprevê quatro formas de organização econômica: comuni-tária, estatal, social-cooperativa e privada.

“Hoje, 25 de janeiro de 2009, se refunda uma novaBolívia, com igualdade de oportunidades para todos os bo-livianos. Aqui se acabou o Estado colonial. (...) Os serviçosbásicos como água, luz, comunicação etc. são direitos hu-manos e por isso devem ser propriedade do povo boliviano,e não objeto de negócios privados. Hoje refundamos a Bo-lívia!”, afirmou Evo Morales, ao dirigir-se à multidão, napraça Murillo, em La Paz, como conta o jornalista MarceloSalles, correspondente da revista Caros Amigos no país. Nasruas, os apoiadores de Evo vão ao delírio.

Mas os seus oponentes articulam-se abertamente con-tra as reformas. “Ninguém poderá governar com a novaconstituição”, diz Branko Marinkovic, latifundiário e lí-der do Comitê Cívico de Santa Cruz. “O governo fede-ral terá que negociar”, afirma Mario Cossio, governadorde Tarija. E Savina Cuellar, governadora de Chuquisaca,declarou publicamente que o novo texto não deveria seracatado porque os eleitores teriam sido “forçadas a votarem Sucre” – afirmação não sustentada por nenhuma dasdelegações internacionais (incluindo a União Européia,a Organização dos Estados Americanos e outros gruposindependentes) que presenciaram o processo. A Bolíviainicia 2009 como um país fundado sobre novas basesconstitucionais, mas ameaçado pela divisão social, polí-tica, econômica e cultural.

DEFINIÇÕES GERAIS:

● A Bolívia se define como “Estado unitário social de direito plurinacional comunitário, livre, independente, soberano,democrático, intercultural, descentralizado e com autonomias”.

● A religião católica deixa de ser a religião oficial e o Estado se proclama independente de credo, reconhecendo aliberdade de religião.

● Tornam-se oficiais todos os idiomas dos povos indígenas, ao lado do espanhol.● O projeto amplia de um para 89 os artigos sobre direitos, classificando-os em fundamentais, civis, políticos, sociais e

econômicos e de povos indígenas.● Os meios de comunicação não poderão conformar monopólios e deverão respeitar os princípios de veracidade e

responsabilidade, e difundir os valores das diferentes culturas do país. O Estado passa a fiscalizar os conteúdosdifundidos pelos meios de comunicação.

ORGANIZAÇÕES DE ESTADO:

● Aos clássicos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário se agrega o Poder Eleitoral.● Para ser deputado ou senador a idade mínima é reduzida de 25 ou 35 para 18 anos.● A justiça comunitária, indígena, passa a ser reconhecida como parte do Poder Judiciário.● Dois de cada sete membros do Tribunal Supremo Eleitoral devem ser de origem indígena ou camponesa.

AUTONOMIA E ECONOMIA:

● Pela primeira vez se reconhece autonomia política de departamentos, regiões especiais e territórios indígenas.● Serviços básicos (água, luz, telefone e etc.) são declarados direitos humanos.● Proíbe-se propriedades agrícolas para além de 5 mil hectares.● Os recursos naturais renováveis e não renováveis são declarados de caráter estratégico. Sua propriedade não poderá

ser concedida a empresas, salvo para extensões limitadas de terras para fins agrícolas.

O que diz o novo texto constitucional

Indígena boliviano vota em referendo sobreconstituição que, pela primeira vez, reconhece

seus direitos e sua cultura

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MARÇO 2009

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ternativa real de poder. “Essa é a tarefa que temos a partirde agora. E, para construir uma nova maioria, temos defazer uma proposta que supere a polarização, que fale aovenezuelano sobre os temas que nos unem, e não apenasdos aspectos que nos dividem”, disse numa entrevista aojornal Folha de S. Paulo o ex-prefeito de Chacao LeopoldoLópez, um dos presidenciáveis da oposição.

Os adversários de Chávez também demonstraramum inusitado senso de realismo. “É mais fácil colocar-se de acordo para se opor a uma emenda constitucio-nal do que ter uma candidatura única”, diz EdgardoLander. Ainda assim, há quem preveja um rápidodeclínio do chavismo: “Chávez poderá se candidatar àreeleição em 2012, mas a possibilidade de que a vençaé muito remota. Se com anos de vento a favor de umafantástica bonança petrolífera, com o uso vergonhosodas vantagens do poder, ele tem hoje, a duras penas, ametade do eleitorado, não há dúvidas de que a erosãodo governo – que já era visível antes que estourasse acrise econômica – vai se acelerar nos próximos anos”,diz Teodoro Petkoff.

RUMO AO “TERCEIRO CICLO” DO CHAVISMO?

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, deu um pas-so decisivo para que seu governo se torne a mais recenteversão latino-americana do bonapartismo, regime em queum líder carismático governa acima dos partidos, com oapoio direto “das massas”. Depois de uma campanha elei-toral marcada pelo uso descarado da máquina do Estadoe por episódios de intimidação e violência contra oposi-cionistas, estudantes e jornalistas, Chávez logrou seu in-tento de aprovar a emenda constitucional da reeleiçãopermanente: o “sim” a essa proposta recebeu 54,8% dosvotos, contra 45,1%.

A elevada participação do eleitorado – mais de 70%– favoreceu o governo, já que na Venezuela o voto é fa-cultativo. Assim, o mandatário reconquistou o terrenoperdido em 2007, quando seu projeto de presidência vi-talícia foi rejeitado por 50,7% dos eleitores. Naquela quefoi primeira e até agora única derrota de Chávez desdeque chegou ao poder, em 1999, seus partidários estavamdesmobilizados e apenas 55% dos eleitores votaram. Destavez, o ex-coronel golpista enviou patrulhas “bolivarianas”para levar beneficiários de seus projetos sociais aos cen-tros e votação e fez até ligações telefônicas para conven-cer cidadãos recalcitrantes. O governo também ampliousua base de apoio, cooptando prefeitos e governadores,inclusive da oposição, ao torná-los beneficiários da ree-leição forever.

Paradoxalmente, esse referendo que consagrou Chávez“hasta el dosmilsiempre” não significou apenas o avançodo regime rumo ao bonapartismo. Marcou também umanova etapa para a oposição, antes seduzida pela tentaçãogolpista e subversiva. O arco de adversários do chavismoemergiu do referendo de 12 de fevereiro num novo pata-mar, politicamente mais forte e coerente. Mesmos derro-tados, os defensores do “não” obtiveram um recorde de5,2 milhões de votos. “É um resultado esplêndido, por-que essa votação está quase oito pontos percentuais aci-ma da média que a oposição obtinha até dois anos atrás”,comemorou o ex-guerrilheiro antichavista TeodoroPetkoff, diretor do jornal Tal Cual. E, apesar das críticasao uso da máquina e às pressões do governo, desta veznenhum líder oposicionista questionou os resultados dopleito, o que mostra que a discussão sobre a legitimidadeeleitoral do chavismo é coisa do passado. Em 2005, aoposição boicotou as eleições, abrindo as portas para queos partidos aliados a Chávez conquistassem todas as 167cadeiras da Assembléia Nacional (o parlamentounicameral da Venezuela).

“A oposição é muito heterogênea; há desde setores dedireita, que recebem financiamento da embaixada dosEstados Unidos, até os mais democráticos, que se aproxi-mam da social-democracia”, analisa Edgardo Lander, pro-fessor da Universidade Central da Venezuela. “Entre 2002e 2005, a oposição esteve dominada pela direita mais ra-dical, responsável pela tentativa de golpe contra Chávez,mas essa corrente perdeu peso a partir do referendo de2007”, diz Lander. Uma verdadeira metamorfose, masainda insuficiente para transformar a oposição numa al-

VENEZUELA

No curto prazo, o principal desafio ao projeto políti-co chavista não é uma oposição renovada, mas justamen-te a crise econômica mundial. A Venezuela depende to-talmente do petróleo, que responde por 90% de suas ex-portações. Chávez foi o primeiro mandatário aredistribuir, via assistencialismo, os lucros dospetrodólares. Mas, como seus antecessores, foi incapazde diversificar a economia, mantendo o modelo rentistae monoexportador. A crise derrubou brutalmente os pre-ços (a cotação do barril caiu de US$ 147 para US$ 34em seis meses), mergulhando a Venezuela na incerteza.As conseqüências já se fazem sentir: a inflação atingiu30% ao ano e o Banco Central teve que retirar US$ 12bilhões das reservas. O governo fará tudo que estiver aoseu alcance para preservar os programas sociais responsá-veis pela grande popularidade de Chávez. Mas a persis-tência da crise pode levar à adoção de medidas mais drás-ticas, com conseqüências sociais imprevisíveis.

A capacidade de enfrentar esses desafios determinaráse o “terceiro ciclo do socialismo do século XXI” procla-mado por Hugo Chávez se assemelhará mais ao 18Brumário, data da ascensão de Napoleão Bonaparte, ouao 9 do Thermidor, dia do fim dos jacobinos.

Cláudio CamargoEspecial para Mundo

Hugo Chávez avança no caminho do bonapartismo, mas crescimento da oposição e agravamento da crise podem atrapalhar seus planos

Cláudio Camargo é jornalista e sociólogo.

Presidente venezuelano Hugo Chávez conquista, em plebiscito, o direito de reeleger-se indefinadamente

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Viajar é pôr à prova os sentidos. Cairo éa maior metrópole do mundo árabe. Nasua região metropolitana vivem cerca de18 milhões de habitantes – e já disso de-corre a marca acústica do seu primeirocartão de visitas. O trânsito do Cairo éregido por um código incomum: o toquealternado das buzinas. Os incontáveis au-tomóveis negociam a passagem com uma,ou melhor, com várias buzinadas. Os se-máforos, quando se encontra algum, nãosão respeitados; da mesma forma, os taxí-metros estão lá nos táxis apenas para com-por a cena, já que seus números nada sig-nificam. O preço das corridas é fruto deuma negociação em que se leva em contaa distância e o tempo do percurso. Maspoucos trocados pagam qualquer trajeto.

Quem anda pelas ruas da capital do Egi-to, ao fazer seu caminho entre um carro eoutro, não pode deixar de perceber a rotinamarcada das cinco rezas diárias da popula-ção mulçumana. Tradicionalmente, omuezim anuncia do alto dos minaretes a horada reza. E eles dominam também visualmen-te a paisagem: entre os países de língua ára-be, o Cairo é conhecido como a cidade dosmil minaretes. Hoje em dia, o anúncio vo-cal apenas encontra eco na metrópole rui-dosa se amplificado nas caixas de som. Àsvezes, elas estão penduradas no alto de edifí-cios ou em algum lugar no meio da cidadeque faz com que os olhos procurem – e nãonecessariamente encontrem – o lugar deonde vêm as palavras que se escutam.

Nos ônibus intermunicipais, os moto-ristas aumentam o volume das velhas fitasK7 com os versos gravados do Corão, olivro sagrado dos muçulmanos. Tambémpudera: a população do Egito é compostapor mais de 90% de mulçumanos, o queexplica a presença marcante dos traços dareligião nas cenas sonora e visual da cida-de. Os olhos não deixam passar batido asbelíssimas mesquitas, tal como o antigocentro religioso e universitário Al-Azhar,que fica nas imediações da famosa arenadas negociações – o mercado Khan al-Khalili. Mas também se vê na cara daspessoas marcas da religião. Muitos homenstrazem uma mancha escura no meio datesta, que serve de prova do tempo diárioque a cabeça encosta no chão para as re-zas. Ainda nas ruas, grande parte das mu-lheres não deixa ver seus cabelos, cobrin-

André de Melo Araújo eShadia Husseini

Especial para Mundo

do-os com lenços coloridos, numa mistu-ra de religião e moda. De fato, a dinâmicade uma sociedade se constrói entre o quese ouve e o que se cala, tanto quanto entreo que se vê e o que se oculta.

Há, é claro, as pirâmides. A mais alta,originalmente com 146 metros de altura(hoje, numa prova de que o tempo é im-placável, tem 138), destaca-se na cena ur-bana que cada vez mais invade a fronteirado deserto. Também os templos e ostúmulos dos faraós no Vale dos Reis, maisao sul, perto da cidade de Luxor, enchemos olhos de cor e formas fascinantes. Oturismo é um dos núcleos vitais da estru-tura econômica do país. Ainda abaladopelos ataques terroristas de 2005 e 2006na península do Sinai, o setor turísticoresponde por cerca de um quinto dosempregos e fornece parte significativa dasdivisas egípcias. De toda forma, no Egito,uma grande parte da população vive commenos de dois dólares por dia.

Há o Nilo e o deserto. O azul firme daságuas do grande rio, que motivou o diag-nóstico célebre de Heródoto, concede àsmargens uma faixa verde, abruptamentecortada pelo branco do deserto. Hoje, gra-ças a obras de irrigação, cerca de 4% dasterras do país são aproveitáveis para a agri-cultura. Em contraposição ao ruído da ci-

dade, sente-se com nitidez o silênciodesértico. No chamado Deserto Branco, aosul do Oásis Bahariya e ao norte do OásisFarafra, nossa visão transforma as forma-ções calcárias em peças de arte surrealista.No percurso, em que se escutava apenas ovento, o controle policial conferia com oolhar a quantidade de passageiros previa-mente registrados nos carros. Talvez asmedidas de segurança tenham sido refor-çadas depois do seqüestro, em setembro de2008, de um grupo de turistas europeusno deserto. E, como se pode imaginar, esteé um tema muito delicado tanto para a eco-nomia quanto para as políticas interna eexterna do Egito.

Por toda a parte, nos postos de con-trole no deserto, nos museus ou nas ruasdas cidades, vêem-se o nome e fotos dopresidente Muhammad Hosni Mubarak,no poder desde outubro de 1981. Mano-bras eleitorais no último pleito, em 2005,revelam a base frágil da suposta democra-cia egípcia, que procura calar a qualquerpreço a voz da oposição. E, para garantir aestabilidade interna, o Estado adota me-didas locais de controle conhecidas por

infringir os direitos humanos.A política externa do Egito estrutura-

se em torno da aliança com os EstadosUnidos, que é um grande investidor es-trangeiro, da busca de um certo equilíbriopolítico com Israel e do incentivo ao avan-ço do processo de paz no Oriente Médio.Nesse intrincado jogo diplomático, a ali-ança com os Estados Unidos não excluieventuais desavenças, que se manifestaramno caso do conflito no Iraque. O Egitoesforça-se para, simultaneamente, conser-var a solidariedade com o mundo árabe epermanecer fiel à superpotência, que é seuprincipal parceiro estratégico. Nesse qua-dro, o Egito tenta exercer um papel demediador entre Israel e os palestinos.

Dentro do seu próprio território, o Es-tado mantém sob controle as tensões polí-ticas. A presença massiva de policiais nasruas salta aos olhos – e isso parece ser maisdo que suficiente. Tanto que os detectoresde metal, instalados em vários pontos dopaís, funcionam como os semáforos da ci-dade: ainda que o sinal sonoro seja aciona-do, a passagem é livre. Tudo parece ser ne-gociável, em todos os sentidos.

André de Melo Araújo é doutorando em História no Centro de Estudos Avançados emHumanidades da Alemanha (KWI, Essen) e na Universidade Witten/Herdecke.

Shadia Husseini é doutoranda em Geografia na Universidade de Münster.

Vista parcial da capital egípcia, com sua linha do horizonte entrecortada por minaretes

CAIRO, UMA CIDADE DE TENSÃO

E NEGOCIAÇÃO

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