24
3-1 3. M ÉTODOS T EÓRICOS EM Q UÍMICA M OLECULAR A contínua evolução dos computadores levou a uma modificação na maneira de se fazer ciência, fazendo surgir um leque de novas opções para se atacar um problema. A implementação computacional de métodos teóricos somada a essa evolução possibilitou o tratamento de sistemas grandes e complexos. Isso proporcionou um grande avanço nas mais diversas áreas da ciência. Uma área particularmente de destaque é a química de moléculas. Atualmente podemos descrever sistemas moleculares relativamente complexos com extrema precisão. Nesse capítulo vamos apresentar sucintamente os métodos de química quântica computacional 1 utilizados em nosso estudo. Os métodos teóricos em química molecular podem ser divididos basicamente em métodos clássicos ou métodos quânticos. A opção de utilizar uma abordagem clássica ou quântica depende muito do tipo de problema que se 1 Maiores detalhes sobre estes e outros métodos podem ser encontrados nas referências [39] e [40]

ÉTODOS TEÓRICOS EM · Duas abordagens para esses métodos podem ser empregadas. Existem os métodos chamados ab initio, em que as soluções são obtidas com a resolução de todas

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Page 1: ÉTODOS TEÓRICOS EM · Duas abordagens para esses métodos podem ser empregadas. Existem os métodos chamados ab initio, em que as soluções são obtidas com a resolução de todas

3-1

3. MÉTODOS TEÓRICOS EM

QUÍMICA MOLECULAR

A cont ínua evolução dos computadores levou a uma modi f icação na

manei ra de se fazer c iênc ia , fazendo surg i r um leque de novas opções para se

a tacar um problema. A implementação computac iona l de métodos teór icos

somada a essa evolução poss ib i l i tou o t ra tamento de s i s temas grandes e

complexos . I sso proporc ionou um grande avanço nas mais d iversas á reas da

c iênc ia . Uma área par t icu la rmente de des taque é a qu ímica de moléculas .

Atua lmente podemos descrever s i s temas moleculares re la t ivamente complexos

com ext rema prec isão . Nesse cap í tu lo vamos apresen ta r suc in tamente os

métodos de qu ímica quânt ica computac iona l 1 u t i l i zados em nosso es tudo .

Os métodos teór icos em química molecular podem ser d iv id idos

bas icamente em métodos c láss icos ou métodos quânt icos . A opção de u t i l i za r

uma abordagem c láss ica ou quânt ica depende mui to do t ipo de problema que se

1 M a i o r e s d e t a l h e s s o b r e e s t e s e o u t r o s mé t o d o s p o d e m s e r e n c o n t r a d o s n a s r e f e r ê n c i a s

[ 3 9 ] e [ 4 0 ]

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-2

pre tende es tudar , podendo a inda ser u t i l i zadas conjuntamente num método

h íbr ido ou seqüencia l . Contudo , para uma descr ição de ta lhada de es t ru tura

e le t rôn ica e de l igações qu ímicas é necessár ia u t i l i zação de métodos quânt icos

[41] . Nes te t raba lho toda a abordagem é rea l izada quant icamente .

O modelo u t i l i zado por todos os métodos aqui apresentados se base ia na

teor ia de orb i ta i s moleculares . Duas abordagens para esses métodos podem ser

empregadas . Exis tem os métodos chamados ab in i t io , em que as so luções são

obt idas com a reso lução de todas as equações e sem nenhuma re ferênc ia a

ou t ros resu l tados , e os semi-empír icos , onde ex is tem a lgumas s impl i f icações

baseadas em resu l tados exper imenta i s e em out ros resu l tados teór icos .

3.1. Aproximação de Born-Oppenheimer

A equação de Schrödinger (3 .1) não possu i so lução ana l í t i ca para

s i s temas molecula res . Para to rnar sua reso lução poss íve l é necessár io recor re r

a aproximações e s impl i f icações . A aproximação de Born-Oppenheimer é uma

d iv isão do hami l ton iano do s i s tema, separando o movimento nuc lear do

movimento e le t rôn ico . O argumento lóg ico para e fe tuar essa aproximação é

que os e lé t rons possuem massa mui to menor que os núc leos e se adaptam quase

que ins tan taneamente a qua lquer d i spos ição nuc lear . Desse modo, ao invés de

reso lver a equação de Schrödinger para todas as par t ícu las s imul taneamente ,

reso lvemos pr imei ramente a par te e le t rôn ica para cada pos ição f ixa dos

núc leos e depois l idamos com o movimento nuc lear . Contudo , a separação de

Born-Oppenheimer a inda é uma aproximação e possu i c r í t i cas [42] . Diversos

problemas podem surg i r dependendo de carac te r í s t icas espec ia i s mui to

par t icu la res do s i s tema, mas de modo gera l , e la func iona mui to bem.

É re la t ivamente s imples demons t ra r a separação de Born-Oppenheimer . A

equação de Schrödinger para um s i s tema molecular é dada pe la expressão

)()()( Rr,Rr,Rr, Ψ=Ψ H E

onde R=(R 1 , R 2 , R 3 . . . ) se re fe re às coordenadas nuc leares e r=(r 1 , r 2 , r 3 . . . ) às

coordenadas e le t rôn icas .

( 3 . 1 )

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A P R O X I M A Ç Ã O D E B O R N - O P P E N H E I M E R 3-3

O hami l ton iano H con tém te rmos de energ ia c iné t ica dos núc leos e

e lé t rons e te rmos de in te ração e le t ros tá t ica en t re e les .

eeNNNeeN VVVTT ++++=H

em que os índ ices N e e d izem respe i to a núc leos e e lé t ron respec t ivamente .

Cada te rmo de (3 .2) represen ta uma parce la das in te rações ex is ten tes no

s i s tema. A expressão para cada um desses te rmos , em unidades a tômicas , pode

se r v i s ta a segui r .

• Energ ia c iné t ica nuc lear

2

21

AA A

N M∇−= ∑T

• Energ ia po tenc ia l en t re os núc leos

∑∑> −

=A AB BA

BANN

ZZ|| RR

V

• Energ ia c iné t ica e le t rôn ica

2

21

ii

e ∇−= ∑T

• Energ ia po tenc ia l en t re os e lé t rons

∑∑> −

=i ij ji

ee ||1

rrV

• Energ ia po tenc ia l e lé t ron-núc leo

∑∑ −−=

i A iA

ANe

Z|| rR

V

A pr imei ra aproximação é separação da função de onda Ψ (r ,R ) , que pode

ser escr i ta como um produto .

)()()( RRr;Rr, Ne ΨΨ=Ψ

( 3 . 2 )

( 3 . 3 )

( 3 . 4 )

( 3 . 5 )

( 3 . 6 )

( 3 . 7 )

( 3 . 8 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-4

em que Ψ e (r;R ) é a função de quadrado in tegráve l que descreve o movimento

dos e lé t rons (dependendo paramet r icamente das coordenadas nuc leares ) e

Ψ N (R ) é a função que descreve o movimento dos núc leos .

Subs t i tu indo a expressão (3 .8) na equação (3 .1) , escrevendo o operador

H como em (3 .2) , t emos

)()()()()( RRr;RRr;VVVTT NeNeeeNNNeeN ΨΨ=ΨΨ++++ E

A segunda aproximação é conhec ida como aproximação ad iabá t ica e

es tabe le a re lação

)()()()( RTRr;RRr;T NNeNeN ΨΨ≅ΨΨ

ou se ja , o operador de energ ia c iné t ica dos núc leos não a tua sobre a função de

onda e le t rôn ica . A d i fe rença en t re massas de e lé t rons e núc leos mencionada

ac ima é a p r inc ipa l jus t i f ica t iva para a aproximação ad iabá t ica e a c iné t ica

nuc lear é en tão desprezada no cá lcu lo e le t rôn ico .

Reorganizando en tão os te rmos de (3 .9)

NeNeeeNNNeeNNNe ΨΨ=ΨΨ+++ΨΨ+ΨΨ E)( VVVTT e

e cont inuando o processo de separação de var iáve is

0)(11 =−+++ΨΨ

+ΨΨ

EeeNNNeeee

NNN

VVVTT

)(1)(1 RTVVVT ENNN

eeNNNeeee

=ΨΨ

−=+++ΨΨ

E

chegamos a equações separadas para e lé t rons

)()()()()( Rr;RRr;HRr;VVVT eeeeeeNNNee E Ψ=Ψ=Ψ+++

e núc leos

)()()()]([ RRHRRTn NNNNE Ψ=Ψ=Ψ+ E

( 3 . 9 )

( 3 . 1 0 )

( 3 . 1 1 )

( 3 . 1 2 )

( 3 . 1 3 )

( 3 . 1 4 )

( 3 . 1 5 )

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A P R O X I M A Ç Ã O D E B O R N - O P P E N H E I M E R 3-5

A reso lução da equação (3 .14) permi te ob te r a energ ia e le t rôn ica E (R )

para d iversos va lores f ixos de R . Uma observação in te ressan te é que , como

most ra (3 .15) , a energ ia e le t rôn ica E (R ) é o po tenc ia l para o movimento do

núc leos . Por tan to , o ob je t ivo agora é buscar so luções para a equação e le t rôn ica

(3 .14) . Exis tem d iversos métodos para i s so e a lguns se rão i lus t rados nas

seções a segui r . A par t i r dos va lores ca lcu lados é poss íve l cons t ru i r

super f íc ies de energ ia po tenc ia l nuclear para cada es tado e le t rôn ico ,

represen tando a energ ia e le t rôn ica E (R ) em função de R . A reso lução da

equação nuc lear (3 .15) conduz aos modos de v ibração e ro tação das moléculas

[43] .

3.2. Método Hartree-Fock (HF)

A idé ia é en tão procurar so luções para a equação (3 .14) que descreve o

movimento e le t rôn ico e pode ser escr i ta de um modo mais compacto

)()( rrH Ψ=Ψ E

Vamos pr imei ramente ana l i sa r a função de onda e le t rôn ica Ψ . Essa é uma

função que depende das coordenadas dos n e lé t rons per tencentes ao s i s tema.

Para s impl i f icar o problema, vamos fazer uma aproximação e assumir que Ψ

pode ser escr i ta como uma combinação de funções ψ que dependem somente

das coordenadas de um e lé t ron , ou se ja

)]()...()([ Combinação)...,( 221121 nnn rrrrrr ψψψ=Ψ

Qualquer combinação a pr inc íp io pode ser u t i l i zada . Contudo , t emos que

levar em cons ideração a lguns fa tores . Par t ícu las de sp in semi- in te i ro , como os

e lé t rons , per tencem ao grupo dos fé rmions e possuem um compor tamento bem

par t icu la r . Para re f le t i r esse compor tamento , a função Ψ deve se r an t i -

s imét r ica com respe i to à t roca de qua isquer do is e lé t rons . Essa propr iedade é

conhec ida como pr inc íp io de Paul i . A conseqüência d i re ta desse fa to é o

( 3 . 1 6 )

( 3 . 1 7 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-6

pr inc íp io de exc lusão de Paul i que d iz que dois e lé t rons não podem ocupar o

mesmo es tado [40] . I sso most ra que um s imples produto das funções ψ , que

se r ia a manei ra mais óbvia de se escrever a função Ψ

)()...()()...,( 221121 nnn rrrrrr ψψψ=Ψ

não pode ser u t i l i zado nesse caso pois não sa t i s faz a propr iedade de an t i -

s imet r ia dos fé rmions .

O modo mais s imples de escrevermos a função Ψ sa t i s fazendo o

pr inc íp io de Paul i é a t ravés de de te rminantes .

)()()(

)()()()()()(

)...,(

21

22221

11211

21

nnnn

n

n

n

rrr

rrrrrr

rrrψψψ

ψψψψψψ

LMOMM

LL

Os de te rminantes comumente u t i l i zados na representação da função de

onda e le t rôn ica Ψ são os de te rminantes de S la te r Φ . No caso de s i s temas

moleculares , e les são def in idos como

)()()(

)2()2()2()1()1()1(

!1

21

21

21

nnnn

n

n

n

ψψψ

ψψψψψψ

LMOMM

LL

=Φ , ijji δψψ =⟩⟨ | ,

==

βφψαφψ

ii

ii ou

As funções ψ no de te rminante de S la te r são or tonormais e represen tam

os sp in-orb i ta i s . Es tes são chamados dessa forma pois são um produto de uma

função orb i ta l φ por uma função de sp in (α ou β ) .

Podemos u t i l i za r qua lquer número de de te rminantes para escrever Ψ . A

aproximação mais s imples é op ta r em escrever a função e le t rôn ica como um

único de te rminante de S la te r . Dessa forma, cada es tado e le t rôn ico é

representado por uma única conf iguração .

Φ≈Ψ

( 3 . 1 8 )

( 3 . 1 9 )

( 3 . 2 0 )

( 3 . 2 1 )

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M É T O D O H A R T R E E - F O C K 3-7

Uma conseqüência re levante dessa aproximação é que o método Har t ree-

Fock não levará em cons ideração o e fe i to de cor re lação e le t rôn ica , ou se ja , o

movimento de um e lé t ron é independente do movimento dos ou t ros .

É in te ressan te também notar que com essa def in ição de Ψ t emos que

1| =⟩ΨΨ⟨

P rec i samos agora de te rminar as funções φ do de te rminante de S la te r Φ .

Ass im podemos obter a função Ψ i para cada es tado e a energ ia e le t rôn ica

cor respondente E i As equações de Har t ree-Fock nos dão a poss ib i l idade de

ob ter os resu l tados para todos esses es tados e são der ivadas u t i l i zando o

pr inc íp io var iac iona l . Vamos u t i l i za r o método Har t ree-Fock para de te rminar a

energ ia e a função de onda para o es tado fundamenta l .

A energ ia de uma função ω qua lquer pode ser ob t ida ca lcu lando o va lor

esperado do operador hami l ton iano d iv id ido pe la norma dessa função .

⟩⟨⟩⟨=

ωωωω

||| HW

O pr inc íp io var iac iona l es tabe lece que a energ ia ob t ida com uma função

a rb i t rá r ia é sempre maior ou igua l que a energ ia ob t ida com a função exa ta do

hami l ton iano . Ou se ja

⟩ΨΨ⟨⟩ΨΨ⟨=≥

00

000 |

|| HEW

sendo E 0 e Ψ 0 a energ ia e a função de onda exa tas para o es tado fundamenta l

(Ψ 0 é au tofunção de H com autova lor E 0 ) . A igua ldade na equação (3 .24) só é

ver i f icada quando a função ω fo r exa tamente a função Ψ 0 .

A idé ia en tão é min imizar a energ ia W e ass im de te rminar as funções φ i

do es tado fundamenta l aproximado por (3 .21) . Es te es tado representa a melhor

aproximação para a energ ia E 0 com apenas um de te rminante .

( 3 . 2 2 )

( 3 . 2 3 )

( 3 . 2 4 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-8

O operador H em (3 .16) pode ser escr i to como

NNi ij

iji

i VghH ++= ∑∑∑>

sendo

∑ −−∇−=

' '

'2

||21

A iA

Aii

ZrR

h

e

||1

jiij rr

g−

=

O te rmo V N N depende exc lus ivamente das coordenadas dos núc leos sendo

en tão uma cons tan te (V N N ) . O operador h i é um operador de uma par t ícu la po is

é uma soma de operadores dependentes das coordenadas de apenas um e lé t ron .

Dessa forma e le a tua somente sobre uma função orb i ta l φ . Já o operador g i j

a tua sobre duas funções orb i ta i s φ . Es te operador é uma combinação de

operadores dependentes das coordenadas de do is e lé t rons e por i s so um

operador de duas par t ícu las .

A expressão para a energ ia W pode ser ob t ida pe la equação (3 .24) ,

u t i l i zando (3 .21) , (3 .22) e (3 .25)

NNjii j

jii

iii VW +⟩⟨+⟩⟨= ∑∑∑ φφφφφφ ||21|| h

em que

⟩⟨=⟩⟨ )( | |)( | | ii iiiiii φφφφ hh

ijijijjijijijiji KJ −=⟩⟨−⟩⟨=⟩⟨ φφφφφφφφφφφφ | | ||

⟩⟨=⟩⟨ )()(||)()( | jiji lkijjilkji φφφφφφφφ g

O método var iac iona l é en tão ap l icado para (3 .28) . É fundamenta l que

se ja mant ido o v ínculo de que as funções φ i devem ser or tonormais .

( 3 . 2 5 )

( 3 . 2 6 )

( 3 . 2 7 )

( 3 . 2 8 )

( 3 . 2 9 )

( 3 . 3 0 )

( 3 . 3 1 )

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M É T O D O H A R T R E E - F O C K 3-9

O processo de min imização nos leva a uma equação de au tova lores . Esses

au tova lores são agrupados numa mat r iz . Como conseqüência do processo ,

segue que a mat r iz dos au tova lores é hermi teana e pode ser d iagonal izada

a t ravés de uma t ransformação uni tá r ia [41] . A equação t ransformada é

conhec ida como equação canônica de Har t ree-Fock .

iiii φεφ =F

com

∑ −+=j

jjii )( KJhF

)()(||)()( ijji ijijjij φφφφ ⟩⟨= gJ

)()(||)()( jiji ijijjij φφφφ ⟩⟨= gK

sendo ε i a energ ia do orb i ta l molecula r φ i .

O te rmo F em (3 .33) é denominado operador de Fock . J é chamado de

operador de Coulomb e represen ta a repulsão coulombiana en t re duas

dens idades de carga . Já K é conhec ido como operador de exchange . Es te

operador não possu i um s igni f icado f í s ico c láss ico como J . O operador de

exchange e s tá re lac ionado com as modi f icações na energ ia assoc iadas aos

e fe i tos da cor re lação en t re sp ins [40] . Pode se observar que os te rmos J i j e K i j

em (3 .30) são va lores esperados desses operadores .

A reso lução da equação (3 .32) cons is te en tão em encont ra r as

au tofunções φ do operador F e seus respec t ivos au tova lores ε i . Porém,

podemos perceber pe la def in ição (3 .33) que F depende das funções φ a t ravés

dos operadores J (3 .34) e K (3 .35) . Devido a essa dependência , (3 .32) é

reso lv ida i t e ra t ivamente num processo au to-cons is ten te .

A expressão da energ ia e le t rôn ica ob t ida pe lo método Har t ree-Fock pode

ser escr i ta em função da energ ia dos orb i ta i s ε i

( 3 . 3 2 )

( 3 . 3 3 )

( 3 . 3 4 )

( 3 . 3 5 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-10

NNjii j

jii

iHF VE +⟩⟨−= ∑∑∑ φφφφε ||21

⟩⟨= iiii φφε || F

Pe la expressão (3 .36) podemos ver que a energ ia não é s implesmente a

soma das energ ias de cada orb i ta l molecular , possu indo um te rmo nega t ivo de

cor reção .

Para s i s temas pequenos de grande s imet r ia , a equação de Har t ree-Fock

(3 .32) pode ser reso lv ida numer icamente . No en tan to para a maior ia dos casos ,

p r inc ipa lmente nos s i s temas moleculares , é u t i l i zada uma expansão em um

conjunto de funções base , ou se ja , cada orb i ta l molecular desconhec ido φ é

escr i to como uma combinação l inear de orb i ta i s a tômicos conhec idos χ

(LCAO).

∑=µ

µµ χφ ii c

Um conjunto de funções base em cá lcu los moleculares é normalmente

compos to por funções exponencia i s (STO) ou funções gauss ianas (GTO). A

u t i l i zação de um desses t ipos ou um out ro depende mui to da na tureza do

problema e da abordagem. Para moléculas po l ia tômicas , por exemplo ,

usua lmente são u t i l i zadas bases GTO para cá lcu los ab in i t io e bases STO para

cá lcu los semi-empir icos [44] .

Depois de esco lhermos um conjunto de funções base , p rec isamos

de te rminar os coef ic ien tes c i µ e ε i . Subs t i tu indo (3 .38) em (3 .32) ,

mul t ip l icando pe la esquerda por uma função base espec í f ica e fazendo uma

in tegração , chegamos as equações de Har t ree-Fock-Roothaan que de te rminam

esses va lores .

∑∑ =µ

µµµ

µµ χεχ iiii ccF

( 3 . 3 6 )

( 3 . 3 7 )

( 3 . 3 8 )

( 3 . 3 9 )

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M É T O D O H A R T R E E - F O C K 3-11

⟩⟨=⟩⟨ ∑∑ µµ

νµµµ

νµ χχεχχ ||| iiii cc F

∑∑ =µ

νµµνµµ

µ ε ScFc iii

que se t ransforma na equação mat r ic ia l

SCεFC =

onde F é a mat r iz de Fock , C a mat r iz de coef ic ien tes , S a mat r iz de

recobr imento e ε a energ ia dos orb i ta i s (mat r iz d iagonal ) . A equação (3 .36)

de te rmina a energ ia e le t rôn ica f ina l .

As so luções geradas pe la aproximação do conjunto de funções base são

geradas num processo conhec ido por campo au to-cons is ten te (SCF) .

Na prá t ica , o conjunto das funções base não pode ser comple to e a soma

em (3 .38) é t runcada em a lgum ponto . Exis te en tão uma dependência in t r ínseca

com o tamanho da base (número de funções , M ) e a energ ia ca lcu lada por esse

processo E S C F é apenas uma aproximação para a energ ia Har t ree-Fock E H F , i s to

é , aumentando o número de funções base no conjunto , es tamos aproximamos

cada vez mais E S C F de E H F . Porém, a convergênc ia dessa so lução é

razoave lmente ráp ida , o que s ign i f ica que com um número f in i to de funções

base o l imi te Har t ree-Fock ( so lução numér ica) é pra t icamente a t ing ido .

3.3. Interação de Configurações (CI)

A energ ia e a função de onda do es tado fundamenta l foram obt idas na

seção an te r ior pe lo método Har t ree-Fock . Em pr inc íp io (apenas para cá lcu los

com s i s temas de camada fechada) poder íamos u t i l i za r o mesmo método para

de te rminar todos os es tados exc i tados , fazendo a impos ição de que a função de

onda do es tado i deve ser o r togonal às funções de onda dos es tados i−1

an te r iores [41] . Porém, ao invés de Har t ree-Fock , é mais convenien te u t i l i za r o

método de in te ração de conf igurações (CI) para computar apenas a energ ia dos

( 3 . 4 0 )

( 3 . 4 1 )

( 3 . 4 2 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-12

es tados exc i tados . Baseados en tão no pr inc íp io de Franck-Condon [45] [46] ,

podemos ca lcu la r o espec t ro de absorção UV-vis .

A função de onda e le t rôn ica Ψ não será representada apenas por um

único de te rminante de S la te r (3 .21) , mas s im por uma combinação des tes . A

cons t rução desses de te rminantes ad ic iona is é fe i ta baseada na promoção de

e lé t rons que es tão em orb i ta i s ocupados da função de onda de Har t ree-Fock

para orb i ta i s v i r tua i s . Es tes orb i ta i s v i r tua i s são uma conseqüência da

expansão em funções base . Para a molécula de água com o conjunto base

mín imo e cons iderando apenas os e lé t rons de va lênc ia por exemplo , t emos se i s

funções base (os orb i ta i s s , p x , p y , p z do oxigênio e um s de cada h idrogênio)

para acomodar o i to e lé t rons de va lênc ia ( se i s do oxigênio e um de cada

h idrogênio) . Como cada orb i ta l pode acomodar do is e lé t rons , t emos nesse caso

qua t ro orb i ta i s ocupados e do is v i r tua is . O número de orb i ta i s no de te rminante

de Har t ree-Fock subs t i tu ídos por orb i ta i s v i r tua is , ou se ja , o número de

e lé t rons promovidos , ca rac te r iza o n íve l de exc i tação desse de te rminante de

S la te r . Dessa forma, temos que

∑∑=

Φ=+Φ+Φ=Ψ0

0i

iiS

SSHF aaa K

O índ ice S se re fe re às exc i tações s imples e i remos t runcar a sé r ie (3 .43)

nesse ponto , ou se ja , de te rminantes com exc i tações super iores não serão

inc lu ídos . Devido a esse fa to , o método de CI somente com exc i tações s imples

(CIS) também não cons idera o e fe i to de cor re lação e le t rôn ica . Para a inc lusão

de cor re lação e le t rôn ica temos que cons iderar pe lo menos os de te rminantes de

exc i tação dupla . No en tan to , é poss íve l ob te r e fe i tos de d i spersão ( in te rações

de van der Wal l s ) em s i s temas moleculares u t i l i zando CI apenas com as

exc i tações s imples [47] .

Novamente a energ ia se rá min imizada impondo o v ínculo de que a função

de onda Ψ deve ser normal izada . É impor tan te c i ta r que no método de

in te ração de conf igurações , apenas os coef ic ien tes a n são o t imizados , de ixando

os de te rminantes Φ i f ixos durante processo .

( 3 . 4 3 )

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I N T E R A Ç Ã O D E C O N F I G U R A Ç Õ E S 3-13

O procedimento de min imização nos leva a um conjunto de equações

seculares . A equação mat r ic ia l é

=

−−

M

M

M

M

OMMMM

KK

KKKKK

KK

KK

0

00

1

0

10

11110

00100

jjjjj

j

j

a

aa

EHHH

HEHHHHEH

, ⟩ΦΦ⟨= jiijH || H

que pode também ser escr i ta como

0aIH =− )( E

Reso lver as equações equiva le a d iagonal izar a mat r iz de CIS H [39] .

aHa E=

O teorema de Br i l lou in [42] d iz que

0|| =⟩ΦΦ⟨ SHF H

fazendo en tão com que a mat r iz de CIS a se r d iagonal izada tenha a forma

0

000

1

111

OMMM

KK

KKKK

KK

KK

jjj

j

HF

HH

HHE

O número de de te rminantes Φ S u t i l i zados no processo , ou se ja , o

números de es tados que se permi te in te rag i r de te rmina o tamanho da mat r iz a

se r d iagonal izada . Ass im sendo, apenas para s i s temas pequenos é poss íve l

u t i l i za r todas as combinações de exc i tação s imples poss íve is e gerar todos os

de te rminantes Φ S .

Os au tova lores E cor respondem às energ ias dos es tados e le t rôn icos ,

sendo a mais ba ixa a do es tado fundamenta l , a seguin te a do pr imei ro es tado

exc i tado e ass im por d ian te . As energ ias ca lcu ladas sa t i s fazem o pr inc íp io

var iac iona l e são l imi tan tes super iores para as energ ias exa tas . As funções

para esses es tados são de te rminadas pe los coef ic ien tes a n que são subs t i tu ídos

( 3 . 4 4 )

( 3 . 4 5 )

( 3 . 4 6 )

( 3 . 4 7 )

( 3 . 4 8 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-14

em (3 .43) . Como conseqüência do teorema de Br i l lou in , o es tado fundamenta l

possu i energ ia igua l à energ ia de Har t ree-Fock e somente o pr imei ro

coef ic ien te na sé r ie (a 1 =1) . Esse fa to faz com que quanto mais de te rminantes

usados na expansão (3 .43) , ou se ja , quanto maior a mat r iz de CI , mais ba ixa é

energ ia de t rans ição para um es tado exc i tado , j á que a energ ia dos es tados

exc i tados se to rna menor quanto maior o número de es tados in te ragentes . No

en tan to , ex is te um ponto de sa turação para essa d iminuição da energ ia .

3.4. Abordagem Semi-Empírica e Campo de Reação

3.4.1. Métodos Semi-Empíricos: INDO/S

O cus to computac iona l de métodos ab in i t io é gera lmente bem e levado .

Es tes métodos esca lam com o número funções bases em a l tas po tênc ias .

Har t ree-Fock , por exemplo esca la em quar ta ordem com o número de funções

base (~M 4 ) . S i s temas com um número mui to grande de e lé t rons podem ser

imposs íve is de t ra ta r dessa forma. Para d iminui r esse es forço e to rnar s i s temas

grandes t ra táve is , t emos que recor re r aos métodos semi-empír icos . Apenas o

cá lcu lo do espec t ro de absorção UV-vis nesse t raba lho se u t i l i za dessa

abordagem.

Os métodos semi-empír icos v i sam bas icamente a redução do es forço

computac iona l a t ravés da e l iminação e da s impl i f icação a lgumas das in tegra i s

apresen tadas ac ima, ou se ja , as in tegra i s mais complexas que levam mui to

tempo para se rem ca lcu ladas são desprezadas e as res tan tes são s impl i f icadas .

Pr imei ramente , apenas os e lé t rons de va lênc ia são cons iderados

expl ic i tamente e é u t i l i zado o conjunto mín imo de funções base para acomodá-

los . Para i s so são empregadas somente funções do t ipo s e p num conjunto de

funções base exponencia l STO. Os e lé t rons do caroço são contab i l izados ou

por uma redução da carga nuc lear (b l indagem) ou pe la in t rodução de funções

que levam em conta a repulsão do núc leo e dos e lé t rons do caroço

combinadamente .

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A B O R D A G E M S E M I - E M P Í R I C A E C A M P O D E R E A Ç Ã O 3-15

A aproximação essenc ia l da abordagem semi-empír ica é conhec ida por

Zero Di f feren t ia l Over lap (ZDO). Ela cons is te em descons iderar todos os

produtos en t re funções base que dependem das coordenadas do mesmo e lé t ron

loca l izados em s í t ios a tômicos d i s t in tos , ou se ja , se χ µ ( i ) e χ ν ( i ) represen tam

funções base que dependem das coordenadas do e lé t ron i e es tão loca l izadas

em á tomos d is t in tos A e B , en tão

0)()( =ii BAνµ χχ

Apenas com essa s imples def in ição , mui tas das in tegra i s descr i tas nas

seções an te r iores se anulam e a mat r iz de recobr imento S se reduz à mat r iz

iden t idade . Exis te por tan to uma perda de in formação sobre o s i s tema e es ta

ten ta se r compensada fazendo en tão com que as in tegra i s res tan tes se jam

paramet r izadas e seus va lores possuam referênc ia a dados exper imenta i s ou a

dados prev iamente ca lcu lados .

A aproximação ZDO (3 .49) é a base de todos os métodos semi-empír icos .

Out ras aproximações também podem ser rea l izadas para s impl i f icar a inda mais

o problema, porém com maior perda de informação . O número de aproximações

rea l izadas e como é fe i ta a paramet r ização das in tegra i s res tan tes para cor r ig i r

essa perda def inem os d iversos métodos semi-empír icos . Por exemplo , caso

nenhuma out ra aproximação se ja rea l izada a lém da (3 .49) , t emos o método

NDDO. As expressões para a mat r iz de recobr imento S e para as in tegra i s no

NDDO são apresentadas aba ixo .

ABBAS δδχχ µννµµν == |

O operador de uma par t ícu la h (3 .26) é modi f icado para inc lu i r o e fe i to

de b l indagem da carga nuc lear pe los e lé t rons do caroço sobre os e lé t rons de

va lênc ia . Desse modo, Z ′ r epresenta a carga nuc lear e fe t iva .

∑∑ −∇−=−

−∇−='

'2

' '

'2

21

||'

21

AA

A iA

AZ VrR

h

( 3 . 4 9 )

( 3 . 5 0 )

( 3 . 5 1 )

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-16

As in tegra i s que envolvem as coordenadas de um e lé t ron (3 .29) são

escr i tas como

∑≠

⟩⟨−⟩−∇−⟨=⟩⟨AA

AA

AAA

AAA

''

2 | ||21 || | νµνµνµ χχχχχχ VVh

⟩−−∇−⟨=⟩⟨ BBA

ABAνµνµ χχχχ |

21 || | 2 VVh

As in tegra i s dependentes de do is e lé t rons (3 .31) f icam s implesmente

⟩⟨=⟩⟨ BABABDAC

DCBAσλνµσλνµ χχχχδδχχχχ ||

A metodologia semi-empír ica empregada para ob ter os espec t ros UV-vis

nes te t raba lho fo i INDO com paramet r ização espec t roscópica , sendo en tão

chamada de INDO/S. Esse método possu i a lém das aproximações cont idas no

NDDO a aproximação de que somente as in tegra i s coulômbicas de do is

e lé t rons são cons ideradas e que todas as in tegra i s se jam independentes do t ipo

de orb i ta l envolv ido . Dessa forma, as expressões para as in tegra i s (3 .52) e

(3 .54) são escr i tas como

∑ ⟩⟨−=⟩⟨'

' | || |A

AA

AAAµµµννµ χχδχχ Vh

⟩⟨=⟩⟨ BABADCBADBCA νµνµχχχχσλνµ χχχχδδχχχχσνλµ

||

A metodologia INDO/S adotada é amplamente u t i l i zada e cos tuma

descrever de forma mui to e f ic ien te espec t ros UV-vis de moléculas orgânicas

em gera l [48] .

3.4.2. Campo de Reação Auto-Consistente (SCRF)

A in te ração en t re moléculas e um meio ex te rno é um problema mui to

in te ressan te . Diversas propr iedades moleculares se modi f icam dependendo de

qua l ambiente qu ímico se encont ra uma de te rminada molécula . O espec t ro UV-

vis é uma propr iedade sens íve l ao ambiente qu ímico e pode sof re r g randes

a l te rações . O so lva tocromismo [49] , por exemplo , é a d i fe rença de energ ia de

( 3 . 5 2 )

( 3 . 5 3 )

( 3 . 5 4 )

( 3 . 5 5 )

( 3 . 5 6 )

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A B O R D A G E M S E M I - E M P Í R I C A E C A M P O D E R E A Ç Ã O 3-17

absorção de uma molécula em meio e em vácuo . Como grande par te dos

resu l tados exper imenta i s de espec t ros de absorção são medidos em so lução , é

in te ressan te uma modelagem teór ica des te fenômeno. Ass im sendo, u t i l i zamos

nesse t raba lho a cor reção de SCRF no espec t ro teór ico UV-vis para s imular a

presença de água .

Exis te uma grande quant idade de métodos computac iona is que v isam

entender o compor tamento de moléculas em so lução [50] . Es tes podem

bas icamente se d iv id i r em dois grupos dependendo de como o so lvente é

t ra tado . A abordagem que cons idera as moléculas de so lvente expl ic i tamente

dá or igem aos modelos d i scre tos . A out ra abordagem, cons iderando o so lvente

como um meio cont ínuo , dá or igem aos modelos cont ínuos . Tanto a

metodologia d i sc re ta quanto a cont ínua possuem pontos pos i t ivos e nega t ivos .

A esco lha en t re se u t i l i za r uma ou out ra depende de mui tos fa tores , t a i s como

o s i s tema de es tudo , a propr iedade de in te resse , e tc . É poss íve l t ambém

ut i l i za r métodos h íbr idos que combinam as duas metodologias .

Os modelos d i sc re tos base iam-se na sua maior ia em s imulações

computac iona is c láss icas ou semi-c láss icas do s i s tema molecular . S imulações

puramente quânt icas ex is tem [51] mas a inda es tão em um es tág io prematuro e

por tan to são mais ra ras , p r inc ipa lmente devido à d i f icu ldade computac iona l .

Mesmo um s i s tema cons t i tu ído de poucos á tomos pode ser bem cus toso .

As s imulações c láss icas de l íqu idos já es tão bem es tabe lec idas . Diversos

métodos ex is tem e são amplamente u t i l i zados [52] . Dent re e les , des tacam-se a

Dinâmica Molecular e Monte Car lo [50] [53] . As s imulações semic láss icas são

aque las em que o s i s tema é d iv id ido em par tes , em que a lgumas possuem um

t ra tamento c láss ico e ou t ras possuem um t ra tamento quânt ico . Esses métodos

são conhec idos por QM/MM. Há a inda métodos seqüencia i s (S-MC/QM), onde

pr imei ramente é rea l izada uma s imulação c láss ica de Monte Car lo e só depois

é rea l izado um cá lcu lo quânt ico sobre os s i s tema [48] .

Os métodos de so lvente cont ínuos base iam-se pr inc ipa lmente na idé ia de

campo de reação . Normalmente esses métodos são u t i l i zados para rea l izar as

cor reções de longo a lcance . O modelo de Campo de Reação Auto-Cons is ten te

(SCRF) cons idera o so lvente como um meio uni forme e po la r izáve l de

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-18

cons tan te d ie lé t r ica ε . Esse meio possu i uma cavidade genér ica onde se

encont ra molécula de so lu to [54] (F igura 3 .1)

F i g u r a 3 . 1 : M o d e l o d e C a m p o d e R e a ç ã o

A idé ia do SCRF é bem s imples . O so lu to possu i uma cer ta d i s t r ibu ição

de cargas e es ta po la r iza o meio , ou se ja , ex is te uma indução de momentos

e le t ros tá t icos . Em respos ta , o meio age de vo l ta sobre o so lu to . I sso ocor re

sucess ivamente a té que ocor ra a es tab i l ização .

Os d iversos modelos de SCRF d i fe rem bas icamente em como o tamanho e

formato da cav idade são def in idos , como a d i s t r ibu ição de cargas no so lu to é

representada , como são ca lcu ladas as cont r ibu ições de d i spersão e como o

meio d ie lé t r ico é descr i to . A energ ia l iv re do so lva tação pode ser escr i ta como

icoeletrostátdispersãocavitaçãosolvatação GGGG ∆+∆+∆=∆

Os te rmos de cav i tação e d i spersão são usua lmente tomados como sendo

proporc iona is à á rea da super f íc ie da cav idade . O ú l t imo te rmo representa a

cont r ibu ição e le t ros tá t ica re fe ren te a d i s t r ibu ição de cargas no so lu to , que

pode ser representada tan to por um conjunto de cargas parc ia i s loca l izadas em

s í t ios espec í f icos como por uma expansão mul t ipo la r .

Uma das pr imei ras teor ias de se co locar moléculas em cavidades fo i

p ropos ta por Onsager [55] . Es ta teor ia se baseava em uma cavidade es fé r ica e

cons iderava apenas as in te rações d ipolares . Ki rkwood suger iu modelos que

cons ideravam uma expansão mul t ipo la r para o te rmo e les t ro tá t ico [56] e

cav idade e l ips io ida l para o so lu to [57] . Os cá lcu los de Onsager e Ki rwood

( 3 . 5 7 )

SOLUTO

ε

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A B O R D A G E M S E M I - E M P Í R I C A E C A M P O D E R E A Ç Ã O 3-19

porém não e ram auto-cons is ten tes . A par t i r essas idé ias , Tapia e Gosc insk i

[58] cont r ibu i ram desenvolvendo um modelo bem sucedido de SCRF . Es te

modelo se rv iu de base para mui tas ou t ras propos tas [59] [60] [61] , como a

suges tão de Kare lson e Zerner [62] . Es te modelo fo i desenvolv ido para rea l izar

cá lcu los de espec t ros e le t rôn icos de absorção e emissão de moléculas em

so lução . Pr imei ramente é rea l izado um cá lcu lo de campo au to-cons is ten te

(SCF) SCRF que é en tão seguido por um cá lcu lo CI . Dessa forma, são gerados

es tado exc i tados sob a in f luênc ia da cons tan te d ie lé t r ica ε . Es te modelo com o

hami l ton iano INDO/S fo i u t i l i zado nes te t raba lho para ver i f icar a in f luênc ia de

água no espec t ro e le t rôn ico teór ico de absorção da molécula de E-64 .

3.5. Teoria do Funcional da Densidade

Nos métodos apresentados a té o momento , as propr iedades são obt idas a

par t i r da função de onda . Desse modo, toda a in formação do s i s tema es tá

depos i tada nes ta função . Como fo i v i s to na seção 3 .4 .1 , ex is te uma cer ta

l imi tação computac iona l para se t ra ta r com prec isão s i s temas mui to grandes

nessa abordagem. Uma das manei ras de reduz i r o cus to computac iona l é

d iminui r o número de coordenadas de in tegração . A função de onda de N

e lé t rons depende de 3N coordenas (x , y , z de cada e lé t ron) . Por ou t ro lado , a

dens idade e le t rôn ica ρ , independente do número de e lé t ron envolv idos ,

depende apenas das t rês coordenadas x , y , z . Idé ias de um func iona l para a

energ ia já e ram conhec idas (método de Thomas-Fermi) , porém apenas em 1964

Hohenberg e Kohn most ra ram que a energ ia do es tado fundamenta l pode ser

un icamente de te rminada pe la dens idade e le t rôn ica [63] . Es ta é a base da teor ia

do func iona l da dens idade (DFT) . A informação sobre o s i s tema é en tão

t ransfer ida da função de onda para a dens idade e le t rôn ica .

Uma out ra grande vantagem dos métodos DFT a lém da redução de

es forço computac iona l é o fa to de inc lu i r e fe i tos de cor re lação e le t rôn ica .

Inc lu i r e fe i tos de cor re lação e le t rôn ica em métodos baseados em função de

onda pode ser mui to cus toso computac iona lmente . A a l te rna t iva para essa

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M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-20

inc lusão ser ia u t i l i za r In te ração de Conf igurações com no mínimo exc i tações

duplas . Out ras opções são Teor ia de Per turbação e Coupled Clus te r [39] [64] .

No en tan to , DFT não consegue t ra ta r es tados exc i tados .

O nome “func iona l” vem do fa to de que a energ ia depende de uma

função , que por sua vez depende de var iáve is , ou se ja , E [ρ (r ) ] . No caso dos

métodos baseados em função de onda , a energ ia também é um func iona l , po is

es ta depende da função de onda (E [ψ (r ) ] ) .

A demons t ração do teorema de Hohenberg e Kohn, que a f i rma que as

propr iedades do es tado fundamenta l são comple tamente de te rminadas pe la

dens idade e le t rôn ica , é re la t ivamente s imples e pode ser encont rada na

re ferênc ia [65] .

Dessa manei ra , to rna-se necessár io encont ra r uma forma func iona l da

dependência da energ ia com a dens idade , po is es ta não é fornec ida pe lo

teorema de Hohenberg e Kohn. Também fo i mos t rado no en tan to que o

func iona l da energ ia é var iac iona l [65] , ou se ja , para uma dens idade qua lquer

ρ ’ (r ) , a energ ia do es tado fundamenta l E 0 é um l imi tan te in fe r ior para a

energ ia do func iona l E [ρ ’ (r ) ] e essas quant idades só se rão igua is quando ρ ’ (r )

for igua l a dens idade cor re ta do es tado fundamenta l .

Vimos ac ima que o hami l ton iano H pode ser d iv id ido em par tes d i s t in tas

(3 .14) . Também vimos que a in te ração in te rnuc lear é uma cons tan te no

movimento e le t rôn ico . Ass im sendo, a energ ia é escr i ta como

][][][][][)( ][][][][ ρρρρρρρρρ extHKexteeNNNeee VFVVTVVVTE +=++=+++=

F H K é conhec ido como func iona l de Hohenberg e Kohn e possu i as

cont r ibu ições da energ ia c iné t ica e da repulsão in te re le t rôn ica . O ú l t imo te rmo

de (3 .58) representa um potenc ia l ex te rno qua lquer v , o que inc lu i a in te ração

com os núc leos .

rrr∫= dvVext )()(][ ρρ

( 3 . 5 8 )

( 3 . 5 9 )

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T E O R I A D O F U N C I O N A L D A D E N S I D A D E 3-21

Vamos abr i r o te rmo de energ ia c iné t ica T . E le é dado exa tamente pe la

expressão

∑=

∇−=N

i

NOi

NOiinT

1

2 21 φφ , 10 ≤≤ in

em que NOiφ são conhec idos como orb i ta i s na tura i s e são au tofunções da mat r iz

dens idade reduz ida de um e lé t ron [66] . n i ind ica o número de ocupação e fe t ivo

e pode ser f rac ionár io . A dens idade e le t rôn ica exa ta ρ é ob t ida pe la re lação

∑∞

=

=1

2|)(|)(i

NOiiexata n rr φρ

Podemos s impl i f icar a expressão (3 .60) e cons iderar somente a energ ia

c iné t ica das par t ícu las quando não há in te ração en t re e las . Nesse caso , a

energ ia c iné t ica é exa tamente

∑=

∇−=N

iiiST

1

2 21 φφ

com φ i sendo orb i ta i s moleculares de uma par t ícu la de um de te rminante de

S la te r (3 .20) . O número de ocupação n i pode assumir nesse caso somente os

va lores 0 ou 1 . Em conseqüência d i sso , a soma é rea l izada apenas a té o número

to ta l de e lé t rons N . Nessa aproximação , a dens idade ρ é ob t ida s implesmente

por

∑=

=N

ii

1

2|)(|)( rr φρ

Ass im sendo, podemos escrever F H K como

][][][][ ρρρρ XCSHK EJTF ++=

Essa expressão pode ser ob t ida fac i lmente com o auxí l io das equações

(3 .26) , (3 .28) e (3 .30) . J [ρ ] é conhec ido como te rmo de Coulomb e E X C [ρ ]

( 3 . 6 0 )

( 3 . 6 1 )

( 3 . 6 2 )

( 3 . 6 3 )

( 3 . 6 4 )

Page 22: ÉTODOS TEÓRICOS EM · Duas abordagens para esses métodos podem ser empregadas. Existem os métodos chamados ab initio, em que as soluções são obtidas com a resolução de todas

M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-22

represen ta o te rmo de exchange -cor re lação e contém as cor reções da energ ia

c iné t ica , ou se ja

∫ ∫ −= '

'

'

||)()(

21][ rr

rrrr ddJ ρρρ

][][][][][ ρρρρρ JVTTE eeSXC −+−=

e a expressão para a energ ia é ob t ida subs t i tu indo (3 .64) em (3 .58)

][][][][][][][ ρρρρρρρ extHKextXCS VFVEJTE +=+++=

Possu indo a expressão para a energ ia e u t i l i zando o pr inc íp io var iac iona l

es tabe lec ido por Hohenberg e Kohn, podemos rea l izar o processo de

min imização da equação (3 .67) exa tamente da mesma forma como fo i rea l izado

na seção 3 .2 no método Har t ree-Fock . A equação obt ida nes te procedimento é

conhec ida como equação de Kohn-Sham e é dada pe la expressão

iiiKS φεφ =h

XCKS Vd'v +−

++∇−= ∫ '||

)()(21

'2 r

rrrrh ρ

δρρδ ][XC

XCEV =

As funções φ i são conhec idas como funções orb i ta i s de Kohn-Sham e são

au tofunções do hami l ton iano h K S com energ ia ε i . Com os orb i ta i s de Kohn-

Sham, é poss íve l encont ra r a dens idade a t ravés de (3 .63) . O te rmo V X C é o

po tenc ia l de exchange -cor re lação . Da mesma forma que no método Har t ree-

Fock , a equação de Kohn-Sham é reso lvida numer icamente ou a t ravés de uma

expansão dos orb i ta i s φ i em um conjunto de funções base de modo au to-

cons is ten te .

( 3 . 6 5 )

( 3 . 6 6 )

( 3 . 6 7 )

( 3 . 6 8 )

( 3 . 6 9 )

( 3 . 7 0 )

Page 23: ÉTODOS TEÓRICOS EM · Duas abordagens para esses métodos podem ser empregadas. Existem os métodos chamados ab initio, em que as soluções são obtidas com a resolução de todas

T E O R I A D O F U N C I O N A L D A D E N S I D A D E 3-23

Como podemos ver i f icar por (3 .59) , (3 .62) e (3 .65) , todos os te rmos da

energ ia possuem uma expressão ana l í t i ca , exce to o te rmo de exchange -

cor re lação . Não é conhec ida a expressão ana l í t i ca para E X C [ρ ] e a a l te rna t iva é

en tão buscar uma forma aproximada para esse te rmo. Até o presente momento ,

a t eor ia do func iona l da dens idade e ra exa ta e , por tan to , as fa lhas na descr ição

de s i s temas moleculares u t i l i zando DFT são gera lmente a t r ibu ídas a essa

aproximação .

A a l te rna t iva mais s imples para E X C [ρ ] é conhec ida como aproximação de

dens idade loca l (LDA). É assumido que loca lmente a dens idade var ia mui to

pouco e pode ser t ra tada como um gás un i forme de e lé t rons .

rrr dE XCLDAXC )()]([][ ρρερ ∫=

em que ε X C é a energ ia de exchange -cor re lação por par t ícu la de um gás

un i forme. Em gera l , esse te rmo pode ser separado em cont r ibu ições

independentes para exchange e cor re lação e es tes podem ser fac i lmente ob t idos

CXXC εεε +=

É poss íve l rea l izar expansões de E X C [ρ ] [65] na ten ta t iva de melhorar o

resu l tado LDA. A cor reção de pr imei ra ordem é a aproximação de grad ien te

genera l izado (GGA).

rrrr dfE GGAXC

GGAXC )(|])(|),([][ ρρρρ ∇= ∫

em que GGAXCf é uma função que depende de duas var iáve is . Da mesma forma que

no caso an te r ior , é comum separar as cont r ibu ições de exchange e cor re lação

para essa função .

GGAC

GGAX

GGAXC fff +=

( 3 . 7 1 )

( 3 . 7 2 )

( 3 . 7 3 )

( 3 . 7 4 )

Page 24: ÉTODOS TEÓRICOS EM · Duas abordagens para esses métodos podem ser empregadas. Existem os métodos chamados ab initio, em que as soluções são obtidas com a resolução de todas

M É T O D O S T E Ó R I C O S E M Q U Í M I C A M O L E C U L A R 3-24

Exis tem inúmeros func iona is GGA que d i fe rem em como essas funções

são escr i tas e compos tas . Mui tas combinações d i fe ren tes foram desenvolv idas ,

t a i s como BP, BLYP, BVWN, PW91, e tc . . . Os nomes desses func iona is

der ivam bas icamente da compos ição das cont r ibu ições ind iv idua is . BLYP, por

exemplo , t em o te rmo de exchange p ropos to por Beck (B) [67] e o te rmo de

cor re lação propos to por Lee , Yang e Par r (LYP) [68] .

Também exis te a poss ib i l idade de se combinar os func iona is de

exchange -cor re lação com o te rmo de exchange do método Har t ree-Fock numa

abordagem híbr ida . I sso ocor re por exemplo no func iona l B3LYP.

De modo gera l , DFT é uma boa a l te rna t iva para se t ra ta r s i s temas

grandes e ana l i sa r os e fe i tos da cor re lação e le t rôn ica nes tes s i s temas [28] .