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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
TÓPICOS DA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR: Falência, Concordata e
Recuperação de empresas
NABOR MIGUEL PIRES
Itajaí (SC), maio de 2006
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS – CEJURPS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
TÓPICOS DA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR: Falência, Concordata e
Recuperação de empresas
NABOR MIGUEL PIRES
Monografia submetida à Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Professor Orientador: MSc. Adilor Danieli
Itajaí (SC), maio de 2006
ii
Meus Agradecimentos:
A Deus, por ter sido um amigo fiel em
todas as horas;
Ao meu pai Ademir Pires, a minha mãe
Elandi Cléia Pinto Pires e a minha
namorada Suélem Geremia, pela
compreensão e companheirismo nesta
fase da minha vida.
iii
Este trabalho dedico:
Ao Prof. Adilor Danieli pelo empenho em
torná-lo viável e pela orientação
recebida sem a qual não teria
conseguido.
iv
A falência é a situação do negociante
que tem, e não quer, ou quer, e não tem
com que pagar.
[Rui Barbosa]
v
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de
Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela
graduando Nabor Miguel Pires, sob o título TÓPICOS DA LEGISLAÇAÃO
FALIMENTAR : Falência, Concordata e Recuperação de empresas, foi
submetida em de maio de 2006 à Banca Examinadora composta pelos
seguintes Professores: MSc. Adilor Danieli (Orientador e Presidente da
Banca), Marcelo Petterman e Aparecida Correia da Silva
e aprovada com a nota 9,5 ( nove e meio).
Itajaí (SC),
Prof. MSc Adilor Danieli Orientador da Monografia
Prof. MSc Antônio Augusto Lapa Coordenação de Monografia
vi
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,
isentando a Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do
Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), maio de 2006.
Nabor Miguel Pires Graduando
vii
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A.c. Antes de Cristo
Art. Artigo
CC Código Civil
CEJURPS Centro de Ciências Jurídicas Políticas e Sociais
C. Com. Código Comercial
CN Congresso Nacional
CPC Código de Processo Civil
CTN Código Tributário Nacional
DL Decreto-Lei
DOU Diário Oficial da União
LF/45 Lei de Falências Anterior
LRE Lei de Recuperação de Empresas e Falências Atual
Nº Número
P. Página
STF Supremo Tribunal de Justiça
UNIVALI Universidade do Vale do Itajaí
§ Inciso
viii
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que o Autor considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos
operacionais.
Bancarrota:
Termo utilizado nos dias atuais para designar a falência do Estado que
suspende o pagamento de suas obrigações vencidas, conforme nos
ensina Guimarães1.
Concordata:
De acordo com Danieli2, é a “demanda judicial que surge com a
proposta do concordatário, objetivando compelir seus credores
quirografários a receber um valor menor, num prazo maior, objetivando a
reestruturação econômica”.
Concordata Preventiva:
No entendimento de Guimarães3, é a “pedida antes da decretação da
falência para prevenir a quebra do comerciante que a requer”.
1 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, 2001, p. 119. 2 DANIELI, Adilor. Limite da discricionaridade judicial e a dictomia peremptória do pedido
de concordata preventiva. Dissertação de Mestrado. Universidade do Vale do Itajaí, 2003. p 19.
3 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 185.
ix
Concordata Suspensiva:
De acordo com Guimarães4 é a “concedida depois que foi decretada
judicialmente a falência [...] a fim de suspender os efeitos desta”.
Credor quirografário:
No entendimento de Guimarães5, credor quirografário é “aquele que não
têm título que lhe dê preferência”.
Estado de solvência
Guimarães6 nos ensina que, solvência é a “situação daquele que dispõe
de pecúnia e valores econômicos suficientes para satisfazer suas
obrigações quando exigíveis”.
Falência:
No entendimento de Pacheco7 “falência é o processo através do qual se
apreende o patrimônio do executado para extrair-lhe valor com que
atender à execução coletiva universal, a que concorre todos os
credores”.
Nos ensinamentos de Palermo8 Função social da empresa é um conjunto
de funções sociais onde a empresa tem uma “óbvia função social, nela
sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em
4 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 185. 5 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 219. 6 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 494. 7 PACHECO, José da Silva. 1960, v. 5:28. 8 PALERMO, Carlos Eduardo de Castro. A função social da empresa e o novo Código
Civil. JusNavigandi, Teresina, a. 7, n. 62, fev. 2003. Disponível em: http://www1.jus. com.br/doutrina/texto.asp?id=3763. Acesso em: 20 abr 2006.
x
que atua e o próprio Estado que dela retira contribuições fiscais e
parafiscais”.
Falido:
Para FÜHRER9, Considera-se falido o empresário e/ou sociedades
empresárias que deixam de honrar seus compromissos com os credores,
perdendo assim o controle financeiro da empresa, que já não consegue
mais se reerguer sem a ajuda externa.
Massa Falida:
Segundo FÜHRER10, massa falida é o acervo ativo e passivo de bens e
interesses do falido, que passa a ser administrado e representado pelo
administrador judicial.
Insolvência:
No entendimento de Guimarães11 “é a situação a que chega o devedor
que não pode saldar suas dívidas ou cumprir suas obrigações, [...], não
dispondo mais de bens livres e desembaraçados para nomear à penhora,
ou quando forem arrestados”.
Liquidação:
Segundo Guimarães12, são as operações pelas quais uma sociedade
mercantil, em fase de dissolução, dispõe de seu patrimônio com o ajuste
9 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências, concordatas e
recuperações, 2005. 10 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências, concordatas e
recuperações, 2005, p.36. 11 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 359. 12 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 386.
xi
final de suas contas, concluíndo as operações que iniciara, distribuindo ao
final, aos seus sócios, o ativo líquido ou o passivo que se verificarem.
Moratória:
No entendimento de Guimarães13 é a “dilação de prazo que se concede
ao devedor para pagar dívida depois de vencida”.
Mutilação:
Guimarães14 nos ensina que mutilação é “o ato de privar o devedor de
parte do seu corpo”.
Pendência:
De acordo com Guimarães15 pendência “é o que está em curso, em
discurssão, dependendo de uma decisão”.
Recuperação de Empresas:
Diego RONCONI16diz que, diante dos estudos realizados em torno do
assunto, propões-se como conceito operacional para o termo
Recuperação de Empresas o conjunto de providências judiciais ou
extrajudiciais que visam a preservação da empresa insolvente, a qual
interesse e importe substancialmente à Sociedade, na condição de
possibilidade de retorno ao seu estado de solvência.
13 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 401. 14 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 402. 15 GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Obras Jurídicas, p. 420. 16 RONCONI, Diego Ricahrd. Falência & Recuperação de Empresas: análise da utilidade
social de ambos os institutos, 2002. 67 p.
xii
SUMÁRIO
RESUMO............................................................................................XIX
INTRODUÇÃO........................................................................................
Capítulo 1 ............................................................................................3
ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO FALIMENTAR: Falência........ 3
1.1 CONCEITO .......................................................................................................3
1.2 NATUREZA JURÍDICA........................................................................................6
1.3 GÊNESE DA PALAVRA FALÊNCIA....................................................................7
1.4 HISTÓRICO DE FALÊNCIA ................................................................................8
1.4.1 A Falência no Direito Romano....................................................................8
1.4.2 A FaLência na Idade Média.....................................................................11
1.4.3 A falência no Código de Napoleônico...................................................13
1.4.4 Brasil Colônia, Império e República ....................................................... 13
1.5 A EVOLUÇÃO DA FALÊNCIA NO BRASIL......................................................17
Capítulo 2 .......................................................................................... 19
FASES DA FALÊNCIA.......................................................................... 19
2.1 FASES DA FALÊNCIA ......................................................................................19
2.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA ........................................................................20
2.3 SITUAÇÃO DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE FALIDA .......................................23
2.4 MASSA FALIDA...............................................................................................23
2.5 PERDA DA ADMINISTRALÇÃO DOS BENS.....................................................24
2.6 TERMO LEGAL.................................................................................................24
2.7 ATOS INEFICAZES DO FALIDO.......................................................................24
xiii
2.8 ATOS REVOGÁVEIS........................................................................................25
2.9 OS CONTRATOS DO FALIDO .........................................................................26
2.10 PRAZO ..........................................................................................................26
2.11 DEPÓSITO ELISIVO .......................................................................................26
2.12 ANDAMENTO DA FALÊNCIA .......................................................................27
2.13 VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS ....................................................................28
2.14 PEDIDO DE RESTITUIÇÃO .............................................................................31
2.15 REALIZAÇÃO DO ATIVO..............................................................................32
Capítulo 3 .......................................................................................... 34
ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO FALIMENTAR:Concordata e
Recuperação de Empresas............................................................. 34
3.1 CONCORDATA ..............................................................................................34
3.1.1 CONCEITO ..................................................................................................34
3.1.2 NATUREZA JURÍDICA...................................................................................36
3.1.3 HISTÓRIA DA CONCORDATA.....................................................................37
3.1.4. A CONCORDATA NO DIREITO BRASILEIRO ..............................................38
3.1.5 MODALIDADES DE CONCORDATAS..........................................................40
3.1.5.1 Concordata Preventiva..........................................................................40
3.1.5.2 Concordata Suspensiva.........................................................................44
3.1.6 EFEITOS DA CONCORDATA .......................................................................45
3.1.7 .........................................47 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA CONCORDATA
3.2 RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS ......................................................................48
3.2.1 A NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA LEI DE FALÊNCIAS ..........................48
3.2.2 CONCEITO ..................................................................................................51
3.2.3 NECESSIDADE DE MUDANÇAS...................................................................52
3.2.4 DESAFIOS.....................................................................................................53
3.2.5 LEI DE RECUPERAÇAÕ DE EMPRESAS E FALÊNCIA – LEI 11.101/05..........54
3.2.6 PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR ........................54
xiv
3.2.7 MECANISMOS PARA RECUPERAR A EMPRESA..........................................56
3.2.8 EMPRESAS ATINGIDAS................................................................................56
3.2.9 RECUPERAÇÕES..........................................................................................57
3.2.9.1 Recuperação Extrajudicial ....................................................................57
3.2.9.2 Recuperaçaõ Judicial............................................................................64
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 75
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS................................................ 78
xv
RESUMO
A presente monografia trata da evolução do direito
falimentar, desde sua origem até os dias atuais, contextualizando seu
desenvolvimento histórico e apresentando suas alterações até os dias
atuais. O direito falimentar passou, nestes últimos anos, por muitos
processos evolutivos, influenciados por acontecimentos que ocorreram
dentro e fora do Brasil. Podemos citar como exemplo desta evolução
histórica o que acontecia no direito romano com o devedor que era
obrigado a responder com seu próprio corpo pelas obrigações assumidas.
Esse processo evolutivo envolveu todo o direito em si, beneficiando toda a
sociedade. O Congresso Nacional teve um papel importante neste
processo, pois foi através dele que as leis surgiram. O mesmo Congresso
também abriu as portas para que elas pudessem ser modificadas e até
substituídas por outras que atendessem melhor às necessidades de cada
momento pelo qual passou o direito brasileiro. Mesmo assim, foi preciso
muito empenho da sociedade em geral para que essas mudanças
pudessem sair do papel, como aconteceu com a Lei nº 4.376/93, que
passou mais de 10 anos tramitando no Congresso Nacional para só assim
se transformar na Lei nº 11.101/05, atual Lei de recuperação de Empresas e
Falências. Os benefícios advindos da nova legislação são enormes para as
empresas nacionais, que passam a contar com um importante intrumento
para continuarem a sobreviver, apesar do mar de dificuldades que se
encontra a economia nacional. Este novo instrumento vem de encontro
com as inovações que o direito falimentar obteve nestes últimos anos, o
que para o direito brasileiro é uma vitória.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objeto OS TÓPICOS DA
LEGISLAÇÃO FALIMENTAR : da execução sobre o corpo do devedor na
falência, das modalidades de concordata, e da recuperação de
empresa" e, como objetivos: institucional, produzir uma monografia para
obtenção do grau de bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI; geral, Analisar o instituto da falência no ordenamento
jurídico brasileiro; específico, Verificar o processo de falência e estudar os
aspectos destacados do direito falimentar, entre estes o conceito, a
natureza jurídica, a evolução histórica da falência e da concordata, bem
como as diferenças entre os institutos e a evolução da legislação pátria.
Em seguida, discorrer amplamente sobre a evolução
da legislação falimentar, o entendimento doutrinário e o direito
comparado para embasar de forma satisfatória a evolução da lei para
salvarguardar os interesses da coletividade e não somente das empresas
com dificulades financeiras.
Por fim, o objetivo principal da monografia, que é,
estudar a lei que introduziu no país o instituto da recuperação judicial em
substituição a concordata e suas principais alterações.
O tema é atual e relevante, pois, é muito importante
para o direito comercial, sendo que o estudo do instituto da falência e seu
constante aprimoramento são fundamentais para a economia nacional. A
legislação que trata do assunto sofreu importantes alterações, o que
beneficiou muitas empresas e tornou este processo menos desgastante
para os envolvidos.
Para encerrar a investigação adotou-se o método
indutivo, operacionalizado com as técnicas do referente, da categoria,
2
dos conceitos operacionais e da pesquisa de fontes documentais. Para
relatar os resultados da pesquisa, empregou-se o método dedutivo, em
conjunto com as técnicas propostas por Colzani17.
A pesquisa foi desenvolvida tendo como base as
seguintes hipóteses: a) A alteração da lei de falências é um grande
avanço a legislação pátria; b) O novo instituto da recuperação de
empresas vai garantir a função social da empresa; c) Os legisladores terão
condições de corrigir injustiças históricas com o capital privado.
Nas considerações finais apresentam-se sínteses de
tudo o que foi apresentado e se demonstra, se as hipóteses básicas da
pesquisa foram ou não confirmadas.
17 COLZANI, Francisco Valdir. Guia para redação do trabalho científico. Curitiba: Juruá,
2001, p. 37-52.
3
Capítulo 1
ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO FALIMENTAR: FALÊNCIA
1.1.CONCEITO
Falência é um processo de execução coletiva, em que
todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial
forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre todos os credores.
Muitos são os conceitos de falência. O conceito, em si,
é algo subjetivo. Depende da qualificação de quem o emite, por isso, de
acordo com ARAÚJO18 “não somos tentados a formular conceitos, em
virtude de que cada cabeça, uma sentença”.
PACHECO19 apresenta a seguinte definição:
“A falência é o processo através do qual se apreende o
patrimônio do executado para extrair-lhe valor com que
atender à execução coletiva universal, a que concorre
todos os credores”.
VALVERDE20, com uma ótica mais ampla, ensina que
“O instituto da falência é o complexo de regras jurídicas,
técnicas ou construtivas, que definem e regulam uma
situação especial, de ordem econômica, a falência”.
18 ARAÚJO, José Francelino. Falências e concordatas, 1996, p.11. 19 PACHECO, José da Silva. 1960, v.5:28. 20 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de Falência, Vol I, 1948, p. 12.
4
Na verdade, falência é um estado jurídico
instaurado por um provimento jurisdicional para solucionar a situação
oriunda da insolvência do comerciante – empresário ou sociedade
empresária -, tendo em vista o tratamento eqüitativo de seus credores. Só
com a decisão judiciária que a decreta nasce a falência.
Como dizia MENDES21:
“Falência não quer dizer insolvabilidade. A insolvabilidade é um estado de
fato, a falência é um estado de direito, só existe depois de proclamado
pela sentença definitiva dos juízes ou dos tribunais”.
FÜHRER22, baseado na Lei 11.101, de 09.02.2005,
conceitua falência como “um processo de execução coletiva, em que
todos os bens do falido são arrecadados para uma venda judicial
forçada, com a distribuição proporcional do ativo entre todos os
credores”.
O sistema jurídico brasileiro permite ao credor por
quantia certa o exercício do seu direito contra o devedor comerciante,
por duas formas distintas, encontradas em leis diferentes.
A primeira é singular e recomendada no CPC,
artigo 646, contra o devedor solvente; a segunda coletiva pela lei de
falências, para o devedor insolvente (o art. 748 do CPC permite a
execução por quantia certa contra o devedor insolvente).
21 MENDES, Octávio. Falências e concordatas, 1930:30. 22 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências, concordatas e
recuperações, 2005, p.33.
5
Pelo CPC, artigo 646, a ação alcança o devedor
civil e comerciante, mas a LF só pode ser aplicada ao último.
O estudo da matéria nos coloca diante de uma
duplicidade de atitude quanto aos credores em geral: os que pagam mal,
mas acionados cumprem, e os que ficam a descoberto, com o resultado
da ação proposta, mostrando sua fraqueza patrimonial, na execução
forçada.
Sendo assim, podemos concluir que os primeiros
são inadimplentes que acionados pagam e, os segundos, insolventes, pois
mesmo acionados, não cumprem a obrigação pactuada, devem mais
que o patrimônio.
Os inadimplentes suspendem o pagamento, os
insolventes cessam.
Ocorre que as conseqüências advindas do
fechamento de uma Empresa são drásticas demais, a ponto de prejudicar
a própria sociedade. A Empresa fecha suas portas, mas os reflexos disso
são graves. Podemos citar como exemplo os vários clientes da empresa
falida que ainda dependem das suas atividades, bem como das
encomendas realizadas; fornecedores de produtos e matérias-primas que
já forneceram à Empresa falida, ou que contavam com as encomendas
para saldar outras obrigações, se deparam com perdas e danos
incalculáveis ou lucros cessantes decorrentes do não cumprimento dos
compromissos; credores que dependem do recebimento de seus haveres
não conseguem quitar outras dívidas próprias, em função da
impossibilidade de pagamento da empresa vitimada pela quebra,
empregados necessitam de seus salários e empregos a fim de sustentar
suas famílias e, como reflexo, fomentar a atividade econômica do
comércio local, como educação dos filhos, saúde, lazer e alimentação;
6
enfim várias outras atividades dependem, direta ou indiretamente, do
funcionamento de uma empresa.
1.2 NATUREZA JURÍDICA
O instituto falimentar no Brasil situou-se, sempre, no
âmbito do Direito Comercial, ramo este pertencente ao Direito Privado.
Porém, é interessante frisarmos que há entendimentos que o consideram
como sendo um direito “misto”, embora se entenda o Direito Falimentar
está inserido no Direito Comercial. Assim, possui normas pertencentes tanto
ao Direito Público quanto ao Direito Privado. Para GUSMÃO23, o Direito
Falimentar consiste no
...complexo de normas protetoras do crédito no caso de
insolvência do comerciante. Supõe a insolvência, ou seja, a
impossibilidade de o patrimônio do comerciante garantir
seus débitos. No estado falencial, é liquidado o patrimônio
do falido para atender aos credores que se habilitarem na
falência. Compõe-se de normas asseguradoras de direitos e
de preferências dos credores (direito privado), de normas
que regem o processo de falência (direito privado), de
normas que regem o processo de falência (direito
processual falimentar) e de normas penais (direito penal
falimentar). Compondo-se de normas de direito privado, de
normas processuais (direito público) e de normas penais
(direito público), o direito falimentar é direito misto.
Sendo assim, estabelecemos o ponto de partida para
se caracterizar a natureza jurídica do Direito Falimentar, permanecendo,
inicialmente, como instituto integrante do Direito Comercial, mas com
23 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito,1995. p. 210-211.
7
normas de caráter público, as quais o transformam num Direito misto,
possuindo, no entendimento de ALMEIDA24, “princípios e diretrizes que lhes
são próprios, formando um sistema que inquestionavelmente a distingue
de outras disciplinas, razão por que denominava direito falimentar”.
É importante ressaltarmos o caráter processual do
instituto falimentar, pois há na legislação falimentar normas de direito
processual, apresentando, de acordo com CINTRA25 um “complexo de
normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o
exercício conjugado da jurisdição pelo estado – juiz, da ação pelo
demandante e da defesa pelo demandado”, o que se manifesta de
forma explicita quando se tem o processo falimentar como execução
forçada contra o devedor comerciante insolvente.
1.3 GÊNESE DA PALAVRA “FALÊNCIA”
A origem da palavra “Falência” emana do Direito
Romano, de onde se constatam os mais remotos fatos. Iniciou-se,
sinteticamente, como uma forma de castigo ao devedor inadimplente, o
qual deveria sofrer uma pena severa, respondendo com o próprio corpo
perante seus credores.
LACERDA26 considerou a gênese etimológica do
instituto falimentar como derivado do verbo latino FALLERE, significando
faltar, enganar (fallo, is, felli, falsum, fallere),utilizando a expressão quebra
para significar também “falência”. Ensina, ainda, que a falência ou
quebra criminosa era conhecida por bancarrota, decorrente da
24 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, 1995, p.14. 25 CINTRA. 1999, p.40. 26 LACERDA, José Candido Sampaio de. 1973, p.13.
8
expressão italiana banco rotto, banco quebrado, pois esta expressão
consistia num antigo costume que possuíam os credores, os quais
quebravam o banco no qual o devedor negociava em praça pública.
Importantes os esclarecimentos de RAITANI27,que, além
das denominações acima, retrata que havia em obras clássicas da idade
Média, as expressões:
“fallite ou fallentes, segundo o tratadista Bonne; a
designação de Ratti surgiu em Gênova, Itália; Fugitive, pelas
leis lombardas, de Lombardia, Itália; Cessanti, chamada por
Firenzi, que também a chamou de fallita ou bancarrota; que
após a Idade Média surgiu com o nome de decoctio, que
quer dizer decocção ou cozimento, sendo explicado por
Stracca, que significaria a redução dos valores patrimoniais
da empresa,. Como ocorre com a redução dos elementos
nutritivos quando cozidos”.
1.4 HISTÓRICO DE FALÊNCIA
O instituto falimentar possui vários antecedentes
históricos, cujas transformações foram se adequando ao longo dos séculos
às necessidades e idéias da época.
1.4.1 A FALÊNCIA NO DIREITO ROMANO
No Direito Romano a Falência não era tida como um
processo autônomo de execução coletiva, exclusiva aos devedores
comerciantes. No decorrer da história, a falência foi se desenvolvendo
como instituto.
27 RAITANI, Francisco. Falência e Concordata, 1972. p.17.
9
No Direito quiritário,a fase mais primitiva do Direito
Romano, que antecede à codificação da lei das XII Tábuas, o nexum
(liame entre o devedor e credor) admitia a addicere, adjudicação do
devedor insolvente que, por sessenta dias, permanecia em estado de
servidão para com o credor. Não solvido o débito nesse espaço de
tempo, podia o credor vende-lo como escravo no estrangeiro (trans
Tiberim, além do Tbre), ou até mesmo matá-lo.
Segundo SANT’ANNA28, “no Direito Romano, o processo
executivo evoluiu da execução pessoal para a ação direta sobre os bens
do devedor, princípio que se firmou como um dos característicos
fundamentais do instituto falimentar”. A execução possuía uma atribuição
personalista, pois era efetuada a cobrança do débito diretamente na
pessoa, no corpo, na carne do próprio devedor, levando-o a ser a única
garantia para todos os seus credores. Caso houvesse mais de um credor,
instaurava-se o concurso deles e, nesta hipótese, o cadáver do devedor
era esquartejado e as partes de seu corpo eram entregues aos demais
credores como satisfação proporcional de seus créditos.
No decorrer dos tempos, porém, foi se desenvolvendo
novas modalidades de cobrança e penalizações aos devedores
demonstrando, uma vez mais, a evolução do instituto da Falência no
Direito Romano. Assim, no ano 428 a C. foi editada a lei Poetelia Papiria,
que afastou o direito de morte ou de venda e deu como garantia os bens
do devedor, estabelecendo, assim, a transição da execução pessoal para
a execução patrimonial.
28 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, 1985, p.1-2.
10
Após, foi editada a Lei Aebutia, no ano 643, a qual
acarretava o requerimento do credor, no desapossamento dos bens do
devedor por ordem do magistrado, de forma que o devedor perdia a
administração de seus bens, os quais ficavam sob a responsabilidade do
curador, nomeado pelo magistrado.
LACERDA29, estabelece que é no direito romano que
aparecem os princípios de todo o processo executivo, de modo que o
conceito de obrigação era essencialmente pessoal, recaindo a obrigação
sobre o individuo e não sobre os seus bens. Assim, a pessoa do devedor
era a única garantia dos credores. Diante disso, LACERDA ensina que:
“O credor dava, então, publicidade à missio (bonorum
proscriptio) para que outros credores pudessem vir a
concorrer, dentro de trinta dias. Se passado esse prazo, o
devedor não solvesse seus compromissos, o curador
alienava (bonorum venditio) ao melhor ofertante (bonorum
emptor) o patrimônio do devedor e que o sucedia a título
universal e respondendo, conseqüentemente, pelas
obrigações assumidas pelo devedor, pagando
proporcionalmente caso o ativo fosse insuficiente para a
satisfação completa de todos e obedecendo a mais
perfeita igualdade. Se o devedor preferisse podia usar da
cessio bonorum, isto é, fazer cessão de seus bens ao credor
que podia vende-los separadamente por intermédio do
curador (bonorum distractio) a fim de pagar, em rateio, aos
demais credores. Foi a cessio bonorum criada pela Lex Iulia
Bonorum (737 a.C.) e por ela o devedor evitava a
29 LACERDA, José Candido Sampaio de. 1973, p.23.
11
execução pessoal e a infâmia e não poderia sujeitar-se de
novo à execução, salvo por aquisição de novos bens.
Ficava-lhe também reservada certa parte de seus bens
para atender a suas necessidades para viver (beneficium
competentiae). No direito romano, qualquer desses institutos
recaia sobre qualquer devedor, fosse comerciante ou civil”.
Esse tipo de procedimento, como podemos observar,
recaia sobre qualquer devedor. Não era possível distinguir o comercainte
ou o civil. Isso só foi mudar anos mais tarde, quando se ordenou que o
processo só poderia recair sobre o comerciante e não mais para o civil.
1.4.2 FALÊNCIA NA IDADE MÉDIA
Foi na Idade Média que o desenvolvimento do instituto
falimentar teve maior ressonância, pois o processo de execução por
dívidas teve a transição da execução individual, a qual se realiza ou sobre
os bens móveis (caso devedor solvente), ou sobre a própria pessoa do
devedor (caso fosse o devedor insolvente).
A partir daí observa-se que a solução do crédito, aos
poucos, foi se desenvolvendo no sentido de se afastar da pessoa do
devedor, passando-se a satisfação de tal débito a recair, dependendo da
situação, sobre o patrimonio do mesmo. Conforme LARCEDA30,
“permaneceram, entretanto, as incapacidades e os castigos excessivos
para os devedores falidos, considerados como eram defraudadores: falliti
sunt fraudatores ou decoctor, ergo fraudator”.
30 LACERDA, José Candido Sampaio de. Manual de direito falimentar, 1973, p.28-29.
12
MAGALHÃES31, em seus estudos sobre a Falência na
Idade Média, leciona que foi precisamente nesta época que apareceu a
idéia de que o crédito comercial é de interesse geral e não apenas de
interesse de credor e devedor, passando o Estado, diante de tal
sentimento, a publicizar tais regras, em certos processos de execução
coletiva. Desta forma, passou-se a condicionar a atuação dos credores à
disciplina judiciária, exigindo-se deles a habilitação judicial, onde se
processa a arrecadação dos bens do devedor e se atribui ao juiz a tarefa
de zelar por tal patrimônio, a fim de que seja partilhado entre os credores.
É nessa época, portanto, que o concurso de credores se transforma na
falência, quando o comércio, sobretudo o marítimo, atinge extraordinária
expansão nas cidades italianas.
Para SANT’ANNA32, a importância do Direito Italiano foi
fundamental, pois abriu suas portas ao mundo, possibilitando as mais
diversas alterações de acordo com a necessidade da sociedade na qual
as normas do instituto falimentar passou a reger, de forma que “sobre o
devedor, comerciante ou não, podia incidir a falência, em três hipóteses:
a requerimento do credor, a pedido do devedor ou em caso de fuga
deste”.
Assim, observa-se a evolução da Falência do sentido
pessoal, individual, para o aspecto social já na Idade Média, dando-se
outras vistas às situações de quebra até então existentes. O Direito
Comercial, em si mesmo, sempre teve a conotação de Direito Privado. A
partir da Idade Média, portanto, observa-se a intervenção estatal em uma
31 MAGALHÃES, José Hamilton de, 1994, p.5. 32 SANT’ANNA, Rubens. Falências e concordatas, 1985, p.19.
13
situação que, até então, era tida como exclusivamente de caráter
privado.
1.4.3 FALÊNCIA NO CÓDIGO NAPÓLEÔNICO
O sistema adotado nos estatutos italianos facilmente
difundiu-se por outros países, encontrando ampla ressonância nas
Ordenações de 1673, na França.
O Código Comercial francês (1807) constituiu-se em
inegável evolução do instituto, restrito, na legislação francesa, ao devedor
comerciante, onde Napoleão Bonaparte teve preponderante atuação,
conquanto impondo severas restrições ao falido.
Gradativamente abrandaram-se os rigores da
legislação, assumindo a falência um caráter econômico-social, refletindo
no seu bojo as profundas alterações por que passaria o direito comercial e
que culminaria com a modificação do próprio conceito de empresa, vista
hoje como uma instituição social.
Faz-se, então, nítida distinção entre devedores
honestos e desonestos, facultando-se a estes últimos os favores da
moratória, com o aperfeiçoamento da concordata, cujo embrião
encontramos no pactum est minus solvatur e no quinquenales.
Também no direito comercial brasileiro o Código
Napoleônico teve grande influencia.
1.4.4 BRASIL COLÔNIA, IMPÉRIO E REPÚBLICA
O Brasil, como colônia, sujeitava-se às regras jurídicas
emanadas de Portugal, onde vigoravam, por ocasião do descobrimento,
14
as Ordenações Afonsinas, posteriormente revistas por D. Manoel (1514) e
publicadas em 1521 com a denominação de Ordenações Manuelinas.
As Ordenações Afonsinas não cuidavam, de forma
especifica, da quebra do comerciante, o que só ocorreu com a lei de 8
de março de 1595, promulgada por Filipe II (Filipe III de Espanha), e que
viria mais tarde, em 1603, inspirar todo o Título LXVI do Livro V das
Ordenações Filipinas.
Disciplinavam, contudo, o concurso de credores,
estabelecendo prioridade ao credor que tivesse a iniciativa da execução,
prevendo, outrossim, pena de prisão por inexistência de bens.
Adotados os princípios consagrados na Lei de 8 de
março de 1595, as Ordenações Filipinas de 1603, que abrangiam Espanha
e Portugal, que à época integrava o Reino de Castela, e, por via de
conseqüência, o Brasil Colônia, consagravam, pela primeira vez entre nós,
a quebra dos comerciantes, fazendo nítida distinção entre mercadores
“que se levantavam com fazenda alheia” e os que caíssem “em pobreza
sem culpa sua”, equiparando os primeiros aos ladrões públicos,
inabilitando-os para o comércio e impondo-lhes penas que variavam do
degredo à pena de morte, não incorrendo em punição os segundos, que
podiam compor-se com os credores. De acordo com as ordenações
Filipinas, os que caírem em pobreza sem culpa sua, por receberem
grandes perdas no mar, ou na terra em seus tratos e comércios lícitos, não
constando de algum dolo, ou malícia, não incorrerão em pena alguma
crime. E neste casos serão os autos remetidos ao Prior e Cônsules do
Consulado, que os procurarão concertar e compor com seus credores,
conforme a seu regimento.
Foi, porém, com o Alvará de 13 de novembro de 1756,
promulgado pelo Marquês de Pombal, que tivemos um “originalíssimo e
autêntico processo de falência, nítida e acentuadamente mercantil, em
15
juízo comercial, exclusivamente para comerciantes, mercadores ou
homens de negócio”, como bem observou FERREIRA33.
Impunha-se ao falido apresentar-se à Junta do
Comércio, perante a qual “jurava a verdadeira causa da falência”. Após
efetuar a entrega das chaves “dos armazéns das fazendas”, declarava
todos os seus bens “móveis e de raiz”, fazendo entrega, na oportunidade,
do Livro Diário, no qual deveriam estar lançados todos os assentos de
todas as mercadorias, com a discriminação das despesas efetuadas.
Ultimado o inventário dos bens do falido, era feita a
publicação de edital, convocando os credores.
Do produto da arrecadação, dez por cento eram
destinados ao próprio falido para o seu sustento e de sua família,
repartindo-se o restante entre os credores.
Fraudulenta que fosse a falência, era decretada a
prisão do comerciante, seguindo-se o processo penal.
Proclamada a Independência do Brasil, por longos
anos vigeram entre nós as leis portuguesas, sobrevindo em 1850 o Código
Comercial Brasileiro que, na sua Parte Terceira, cuidava “Das quebras”,
disciplinando-as nos arts 797 a 911, cuja parte processual foi
regulamentada pelo Decreto nº 738, de 25 de novembro de 1850.
Inadequada ás condições do comércio brasileiro, foi a
legislação em apreço inteiramente derrogada pelo Decreto nº 917, de 24
de novembro de 1890.
33 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, 1965.
16
Ao decreto nominado, impotente para coibir abusos e
fraudes, seguiu-se a Lei nº 859, de 16 de agosto de 1902, substituída em
1908 pela Lei nº 2.024, que por vinte e um anos vigeu entre nós,
“marcando época na legislação mercantil brasileira”, como disse
FERREIRA34.
Revista pelo Decreto nº 5.746, de 9 de dezembro de
1929, foi a lei nº 2.024 revogada em 21 de junho de 1945, com a
promulgação do Decreto-lei nº 7661 e atualmente, com a Lei 11.101/03.
Em sua obra, curso de falência e concordata,
Almeida35, em contraponto a Requião36, coloca que um longo período
transcorreu neste vazio legislativo onde imperava a legislação portuguesa,
até que em 25.06.1850 houvesse a promulgação do Código Comercial
Brasileiro, que na sua parte III, em seus artigos 797 a 913 passa a cuidar
“Das quebras”, cuja parte processual foi regulamentada pelo decreto n.
738/50.
O Código Comercial Brasileiro tinha sua parte
processual regulamentada pelo Decreto n. 738, de 25 de novembro de
1850, inadequada as condições do comércio brasileiro, foi a legislação
em apreço inteiramente derrogada pelo Decreto n. 917, de 24 de
novembro de 1890.
Embora tenha sido elaborado com muita rapidez pelos
seus idealizadores, o decreto nº 917/1890 provocou um grande
34 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial, 1965. 35 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata, p. 06. 36 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 21.
17
desenvolvimento no Direito Falimentar no Brasil. Segundo Requião37, Tal
decreto continha defeitos, porém abriu novos horizontes ao direito
comercial pátrio. Nessa ordem, não demorou muito para o comércio, que
recebera bem o decreto, levantar-se contra ele. Recebeu críticas injustas,
e, levando em consideração que não teve grande acolhida na sua
aplicação prática, outra lei foi elaborada para regulamentação da
falência no Brasil.
1.5 A EVOLUÇÃO DA FALÊNCIA NO BRASIL
Desde sua origem até os dias atuais é notório que a
palavra falência deixou de ter significado pejorativo, não sendo mais
imputado ao falido a pecha de ter causado danos irreparáveis a
sociedade em que vive, para aos poucos, passar a ter o significado que
lhe é inerente, o de que, a partir da decretação da falência, passa o
estado a tutelar, o direito da coletividade em ter a empresa em estado
falimentar novamente operando de modo adequado as necessidades
daqueles que dependem da mesma para subsistência.
Em 1945, no dia 21 de junho, surgiu o Decreto-Lei 7.661.
Esta Lei apresentou algumas inovações, quanto às Leis vigentes
anteriormente.
O Decreto-Lei 7.661/1945, com o passar dos anos,
também necessitou de reformas, quanto a reorganização econômica da
empresa e a sua manutenção no meio social, deixando de ser assim o
Instituto da Falência um meio de liquidação com o encerramento das
atividades da empresa. Houve uma preocupação maior com a função
social da empresa frente a sociedade, e, com o auxílio que o novo Direito 37 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 23.
18
Concursal dá para a obtenção dessa função inerente a qualquer
propriedade privada.
A LF/45 era concursal como característica (artigo 23) e
dela participarão todos os credores. Também compreende todos os bens,
direitos e ações do devedor, não só os existentes na época da falência
como os que forem adquiridos no curso do processo.
A ação de execução singular abrangia tantos bens
quantos bastem, advindo do entendimento que, muitas vezes, são todos.
Nos dois tipos de ação, o que se visava era o
ressarcimento do crédito, pela execução forçada sobre os bens do
devedor, ou como expõe MIRANDA38: “como acontece com a execução
forçada singular, tem-se de reduzir os bens do falido a dinheiro, para
atender à necessidade de redução, por meio de rateio”.
A LF/45 só atingia o comerciante.
Comerciante, no Brasil, é quem pratica atos de
comercio, com habitualidade, com intuito de lucro e como profissão
(artigos 3º e 4º do C. Com). O comerciante pode ser pessoa física ou
jurídica, sendo esta última qualquer tipo de sociedade mercantil (artigo
16, II do CC).
38 MIRANDA, F. C. Pontes de. Tratado de direito privado, 1972, v.28:5, § 3.285, nº3.
19
Capítulo 2
FASES DA FALÊNCIA
2.1 FASES DA FALÊNCIA
Conforme a Lei 11.101/05, apresentamos as fases da
falência de uma empresa:
• Pedido de falência (art. 94);
• Citação (art. 98);
• Pedido de recuperação: suspensão do processo
(art. 265, IV, a, do CPC);
• Defesa (art. 98): defesa procedente =
encerramento, ou defesa improcedente =
decretação da falência;
• Atividades do administrador judicial nomeado (art.
22), eventual convocação da assembléia geral (art.
36, § 2º) e eventual constituição de comitê de
credores (art. 26) = verificação dos créditos (art. 14,
19 e 83), arrecadação e avaliação dos bens (art.
108) alienação dos bens (art. 140 e 142) e quadro
geral de credores (art. 14, 18 e 83);
• Pagamento dos credores (art. 149), de acordo com
a ordem de preferências (art. 83); e
• Encerramento.
20
2.2 DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA
A falência produz o vencimento antecipado de todas
as dívidas do falido e do sócio solidário da sociedade falida.
A falência decretada na vigência da lei nova, segue o
sistema desta, mesmo que o pedido de falência tenha sido apresentado
em data anterior (art. 192, § 4.°).
De acordo com SANTOS39A falência pode ser pedida
pelo próprio devedor, pelo credor ou decorrer de decisão que julgue
improcedente o pedido de recuperação judicial, em razão de não ser
aprovado o plano de recuperação judicial e, caso haja conversão de um
processo de recuperação judicial em falência, quando for descumprida
uma obrigação essencial do empresário devedor.
Se o requerente for o credor empresário, deverá
apresentar certidão do Registro Público de Empresas que comprove a
regularidade de suas atividades, conforme o art. 97, § 1º da Lei 11.10105
Conforme o art. 2º, I e II, “esta lei não se aplica a: I -
empresa pública e sociedade de economia mista; II – instituição financeira
pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de
previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência
à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras
entidades legalmente equiparadas às anteriores”.
Esta lei (LRE) apresenta as seguintes hipóteses de
caracterização de decretação de falência: 39 SANTOS, José Bonifácio de Andrade. Comentários à lei nº 11.101/05 lei de recuperação
judicial (nova lei de falências, 2005. p. 32.
21
a) Impontualidade: o não pagamento no
vencimento de obrigação líquida constante de título executivo
protestado. Nesta hipótese (e só nesta), a dívida deve ser superior a 40
(quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência, podendo
referir-se a um ou mais títulos, de um ou mais credores, reunidos em
litisconsórcio (art. 94, I, e § 1º);
b) Execução frustrada: o devedor executado que
não paga, não deposita, nem nomeia bens suficientes à penhora no
prazo legal. Neste caso, o título pode ser de qualquer quantia, não
incidindo o requisito da quantia mínima (art. 94, II);
c) Prática de ato de falência: independentemente
de existir ou não título vencido, pode ser requerida a falência do devedor
que pratica certos atos suspeitos, denominados atos de falência, como
liquidação precipitada, negócio simulado, ambas hipóteses
caracterizadas por frustrar ou dificultar o pagamento de credores, etc.
(ar!. 94, lII). É evidente, porém, que deve ser demonstrada obrigação do
devedor, presente ou futura, em relação ao requerente, sob pena de falta
de legítimo interesse;
d) Pedido de autofalência: o próprio devedor pode
pedir a sua falência (art. 97, I, e arts. !O5 a 107). Tratando-se de Sociedade
Anônima, deve ser juntada a autorização para tanto, da Assembléia Geral
da sociedade (art. 122, IX, e seu parágrafo único, da Lei das Sociedades
Anônimas, Lei 6.404/76, com as alterações da Lei 9.457/97, e da Lei
10303/01);
e) Não apresentação de plano de recuperação no
prazo legal de 60 dias após ter requerido recuperação judicial (art. 73, lI);
f) Descumprimento de obrigação assumida em plano
de recuperação judicial (art. 73, TV, e art. 94, III, g).
22
A lei atual não repetiu o art. 10 da lei anterior, Decreto-
Lei 7.661/45, referente ao protesto especial de títulos não sujeitos ao
protesto especial, como, por exemplo, urna sentença judicial ou a
obrigação de um avalista. Mesmo assim, parece de rigor O protesto
especial nestes casos, para fins falimentares, uma vez que o art. 94, I, exige
que se trate de título protestado.
A procuração do advogado, para requerer falência,
não necessita conter poderes especiais. Na autofalência, porém, há
necessidade de poderes especiais expressos.
Tem-se admitido pedido de falência instruído com
fotocópia autenticada de duplicata (RT384/160), com fotocópia conferida
(RT 4 27/230), ou em xérox (RT547/94).
O pedido de sobrestamento ou suspensão do
processo, por parte do requerente da falência, para tentativa de solução
amigável, impede a decretação da falência, uma vez que tal pedido
corresponde a uma moratória, desnaturando a impontualidade do
devedor (RT 457/95,467/97,504/ 137,779/234; RJTJESP 35/85, 1171138; JB
10/218).
O mesmo efeito tem o parcelamento do débito ou
qualquer ato que extinga ou suspenda o cumprimento da obrigação (RT
432/120,449/1 13, 516/104; RJTJESP 48/75, 48/80).
No direito anterior, o pequeno valor do crédito não
impedia a decretação da falência (RT760/249; JTJ 210/54). A lei atual,
porém, no caso de impontualidade, exige que o débito seja superior a 40
salários-mínimos na data do pedido de falência (art. 94, 1).
23
2.3 A SITUAÇÃO DOS SÓCIOS DA SOCIEDADE FALIDA
Quem vai à falência é a sociedade e não os sócios.
Mas, conforme o tipo de sociedade, ou de sócio, poderão ser
arrecadados também os bens particulares de sócios que devam
responder pelas dívidas da sociedade. O assunto prende-se ao estudo da
estrutura das sociedades e da responsabilidade dos sócios.
Como dispõe o art. 190 da LRE, todas as vezes que a
lei se referir a devedor ou falido, compreender-se-á que a disposição
também se aplica aos sócios ilimitadamente responsáveis.
Na área penal, os sócios, diretores, gerentes,
administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o
administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os
efeitos penais (art. 179).
2.4 MASSA FALIDA
De acordo com FÜHRER40, “massa falida é o acervo
ativo e passivo de bens e interesses do falido, que passa a ser
administrado e representado pelo administrador judicial”.
A massa falida é capaz de estar em juízo como autora
ou ré. Ela forma-se no momento em que é decretada a falência. Pode ser:
massa ativa (créditos e haveres) e massa passiva (débitos exigíveis pelos
credores).
40 FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Roteiro das falências, concordatas e
recuperações, 2005, p.36.
24
2.5 PERDA DA ADMINISTRAÇÃO DOS BENS
Com a falência o falido não perde a propriedade de
seus bens. Perde apenas o direito de disposição e administração, que
passa para o administrador judicial. A perda da propriedade só irá ocorrer
quando os bens forem vendidos no procedimento da falência e o produto
das vendas distribuído entre os credores.
Não fica o falido impedido de acompanhar o feito e
de defender seus interesses dentro da falência, podendo interpor agravo
da decisão que decreta a falência (art. 100).
2.6 TERMO LEGAL
Dá-se o nome de "termo legal" a um período suspeito,
anterior à decretação da falência, fixado pelo juiz na sentença
declaratória, O início do termo legal não pode alcançar retroativamente
mais de 90 dias contados do pedido de falência, do pedido de
recuperação judicial ou do primeiro protesto por falta de pagamento,
excluídos, para essa finalidade, os protestos que tenham sido cancelados
(art. 99, II).
2.7 ATOS INEFICAZES DO FALIDO
Vários atos praticados pelo falido, por serem
relativamente ineficazes, não produzem efeito em relação à massa falida,
como pagamento de dívidas não vencidas ou constituição de direito real
de garantia dentro do termo legal (art. 129, I a IlI), ou a prática de atos a
título gratuito desde 2 (dois) anos antes da decretação da falência (art.
129, IV), etc.
Emilio Betti ensina que invalidade e ineficácia são dois
25
conceitos distintos. A invalidade corresponde a um defeito interno do ato
jurídico, ao passo que a ineficácia é algo externo, que apenas bloqueia a
propagação de certos efeitos. (Teoria Geral do Negócio Jurídico). A
ineficácia pode ser absoluta (contra todos, "erga omnes") ou relativa
(como ser o ato ineficaz somente em relação à massa).
Se ocorrer a revogação ou o levantamento da
falência, esses atos relativamente ineficazes em relação à massa serão
válidos, como se nunca tivessem sido ameaçados pela falência. Para
BETTI41"Na verdade, o fenômeno que tem lugar em tais casos não é o da
cura de um organismo doente, mas lembra mais o desaparecimento de
uma ameaça, que recaía sobre a validade ou sobre a sua eficácia"
2.8 ATOS REVOGÁVEIS
Atos revogáveis são os que, embora não descritos
casuísticamente na lei, podem também ser declarados ineficazes em
relação à massa, desde que se prove a fraude entre o devedor e terceiro
e a lesividade a esta (art. 130). Em princípio, são revogáveis todos os atos
feitos com a intenção de prejudicar credores. A fraude pode ser provada
por indícios (RJTJEG 17/297). Emilio Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico, t.
IlI, p. 53).
A ação revocatória é ordinária e corre, em feito
próprio, perante o juízo universal da falência. Pode ser proposta pelo
administrador judicial, pelos credores ou pelo Ministério Público no prazo
de 3 anos da decretação da falência (art. 132).
41 BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. I, III, p.53.
26
2.9 OS CONTRATOS DO FALIDO
Os contratos bilaterais não são invalidados pela
falência e podem ser executados pelo administrador judicial, se presente
alguma das hipóteses previstas em lei, mediante autorização do comitê
(art. 117).
2.10 PRAZO
De acordo com o art. 11 e 12 da LF, “os credores cujos
créditos forem impugnados serão intimados para contestarem a
impugnação, no prazo de 5 (cinco) dias, juntando os documentos que
tiverem e indicando outras provas que reputem necessárias. Transcorrido o
prazo do art. 11 desta Lei, o devedor e o Comitê, se houver, serão
intimados pelo juiz para se manifestar sobre ela no prazo comum de 5
(cinco) dias”.
2.11 DEPÓSITO ELISIVO
É o pagamento da dívida, própriamente dita.
Para FAZZIO JÚNIOR42, “elidir o pedido de falência
significa remover a presunção de insolvência gerada pela execução
singular frustrada. Pagar o que o credor exige; satisfazer ao credor”.
Se o devedor pagar seu compromisso, elidar sua
insolvência, não há sentido em decretar sua falência. Quem solve não é
destinatário da LRE.
Conforme o art. 96, inciso IV (LRE/05), a falência não
42 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005, p.215.
27
será decretada se o requerido provar o pagamento da dívida.
2.12 ANDAMENTO DA FALÊNCIA
Conforme a LRE, citado, o devedor poderá contestar
em 10 dias (art. 98), depositar o valor total do crédito acrescido dos
valores previstos em lei, se tratar-se das hipóteses do art. 94, I e II (art. 98,
parágrafo único), ou requerer recuperação judicial (art. 95), A falência
poderá também ser requerida pelo próprio devedor (autofalência, art.
105).
Se no prazo de defesa o devedor requerer
recuperação judicial (art. 95), o processo de falência terá de ser suspenso,
no aguardo da concessão ou não do benefício (art. 265, IV, a, do CPC).
Concedido o processamento da recuperação judicial, fica prejudicado o
pedido de falência.
A sentença que decretar a falência conterá as
determinações do art. 99, como fixação do termo legal, suspensão de
ações e execuções contra o falido, nomeação do administrador judicial,
convocação, se foro caso, da assembléia-geral de credores, etc.
Da sentença que decreta a falência cabe agravo, e
da sentença que decreta a improcedência do pedido de falência cabe
apelação (art. 100 da LRE).
O administrador judicial procede desde logo à
arrecadação e avaliação dos bens (art. 108), juntando o respectivo auto,
dando início em seguida à realização do ativo, com a venda dos bens
arrecadados (art. 139). Ao mesmo tempo o administrador judicial
verificará os créditos, para compor o quadro-geral de credores, avaliando
também as causas da falência e a conduta do falido (art. 22). Na lei atual
sindicância e realização do ativo correm ao mesmo tempo, de modo
28
paralelo. Decretada a falência não há mais volta (salvo por via recursal,
art. 100), uma vez que foi abolida a concordata suspensiva, tanto nos
feitos atuais como nos feitos ainda regidos pela lei anterior (art. 192, § 1.°).
2.13 VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS
A verificação de créditos (art. 7º) tem por base a
relação de credores apresentada pelo devedor na recuperação judicial
(art. 52, § 1º, II) ou na falência (art. 99, IlI, e parágrafo único), correndo o
prazo de 15 dias após a sua publicação para impugnações ou habilitação
de créditos omitidos (art. 7.°, § 1º). Todos os créditos são examinados pelo
administrador judicial, com base nos documentos contábeis do devedor.
Se não houver alterações, a relação inicial, dada pelo devedor é
homologada como quadro-geral de credores (art. 14).
Processadas as impugnações e habilitações
apresentadas, é publicada nova relação, com nova oportunidade para
impugnações, no prazo de 10 dias (art. 8º).
Na conformidade das verificações e das decisões do
juiz, nos incidentes e impugnações oferecidas, o administrador judicial vai
consolidando o quadro-geral de credores a ser homologado e publicado
na imprensa oficial.
As habilitações retardatárias têm procedimento próprio
e são consideradas como tais as recebidas após o prazo do art. 7º, § 1º
(art. 10).
Encerrada a fase da verificação de créditos, pode
iniciar-se o pagamento dos credores, de acordo com a ordem das
preferências, na medida das forças da massa e com o atendimento
prévio das restituições e dos créditos extra concursais (art. 149).
29
Se não forem indicados credores pelo devedor e
nenhum credor se habilitar, a falência deve ser encerrada, por falta de
objeto. Não há falência sem credor.
Os créditos devem ser pagos na seguinte ordem (art.
83, I a VI, 84 e 149):
1) Créditos extraconcursais são os relativos à
administração da massa falida e são pagos com precedência sobre todos
os demais, como a remuneração do administrador judicial, despesas feitas
pela massa, custas judiciais das ações e execuções em que a massa
tenha sido vencida, tributos de responsabilidade da massa, salários a
serem pagos pela massa, etc. (art. 84). "São extraconcursais os créditos
tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo
de falência" (CTN, art. 188, na redação da LRE 118, de 09.02.2005).
O pagamento dos créditos extraconcursais independe
do encerramento da verificação de créditos.
2) Créditos trabalhistas (art. 83,1), limitados ao teto
máximo de 150 salários-mínimos. E créditos de acidentes do trabalho (estes
sem limites). Nos trabalhistas, o que exceder ao teto passa para a classe
dos créditos quirografários (art. 83, VI, b). Passam também para a classe
dos quirografários os créditos trabalhistas cedidos a terceiros (art. 83, § 4.°).
3) Créditos com garantia real (art. 83,lI), como penhor
ou hipoteca, até o limite do valor do bem gravado. O que exceder o
limite passa para quirografário (art. 83, VI, b).
4) Créditos tributários (art. 83, 1lI) (exceto multas
tributárias, que são subquirografárias, art. 83, VIl), art. 83, m. Isso dentro da
falência, e o crédito for pago pelo administrador judicial. Paralelamente,
porém, nada impede que a Fazenda pública obtenha a satisfação de seu
30
crédito mediante execução fiscal (art. 187 do Código Tributário Nacional,
na redação dada pela Lei Complementar 118, de 09.02.2005) (ver
também DI. 858/69; L 6.830/80, arts. 5° e 29).
Por outro lado, há também uma ordem de preferência
entre os entes públicos, na seguinte classificação: 1.° - União; 2.° - Estados,
Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e "pro rata", ou seja, por rateio,
de modo proporcional; 3.° - Municípios, conjuntamente epro rata (art. 187,
parágrafo único, do CTN; Lei de Execuções fiscais, Lei 6.830/80, art. 29,
parágrafo único; Súmula 563, do STF).
5) Créditos com privilégio especial sobre determinados
bens (art. 83, IV), como o crédito sobre a coisa salvada por despesas de
salvamento e outras hipóteses relacionadas no dispositivo em exame e no
art. 964 do Código Civil.
6) Créditos com privilégio geral (art. 83, V), como as
debêntures e outros relacionados no art. 965 do Código Civil.
7) Créditos quirografários (art. 83, VI). São os créditos
comuns, sem garantia legal ou convencional, como duplicatas, cheques,
notas promissórias, etc. Passam também para esta classe as quantias que
excedem o teto de cinqüenta salários-mínimos nos créditos trabalhistas e
as que excedem o valor dos objetos dados em garantia real. E ainda os
créditos trabalhistas cedidos a terceiros (art. 83, § 4.°).
8) Créditos subquirografários-A (art. 83, VII). Recebem
somente depois de satisfeitos os créditos quirografários, se houver sobras.
Referem-se a multas contratuais e penas pecuniárias por infração de leis
penais ou administrativas, inclusive multas tributárias (multas e penas).
(Mas, como dito acima, a Fazenda Pública não está impedida de promo-
ver execução fiscal, independentemente da classificação de seu crédito
dentro da falência).
31
9) Créditos subquirografários-B (art. 83, VIII). Recebem
somente depois de satisfeitos os subquirografários-A, referidos acima.
Abrangem os chamados créditos "subordinados". Nos termos do
dispositivo, são subordinados os seguintes créditos: I) os assim previstos em
lei ou em contrato (art. 83, VIII, a); lI) os créditos dos sócios e dos
administradores sem vínculo empregatício (ar!. 83, VIII, b).
Crédito subordinado previsto em lei ou contrato é, por
exemplo, a debênture sem garantia, com cláusula de subordinação (art.
58, § 4.°, da Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404/76), ou a
responsabilidade por evicção (art. 447 do Código Civil).
De um modo geral, créditos subordinados são os que
Caio Mário da Silva Pereira denomina dependentes, acostados ou
adjetos, em que originalmente há um devedor efetivo e um devedor
potencial. A segunda obrigação só é exigível no inadimplemento da
primeira, como ocorre na fiança ou na garantia hipotecária dada por
terceiro (Instituições de Direito Civil, ed. Forense). Tem-se considerado
também que crédito subordinado é o que depende da satisfação prévia
de outro crédito que lhe é superior na ordem das preferências, como,
aliás, ocorre com as debêntures subordinadas, situadas em degrau inferior
aos quirografários.
Realizada a verificação de créditos, e publicado o
quadro-geral de credores, efetua-se o pagamento destes, na medida da
realização do ativo e de acordo com uma ordem de preferências, dada
pela classificação legal dos créditos (arts. 83, 84 e 149).
2.14 PEDIDO DE RESTITUIÇÃO
Pode ser reclamada a restituição de coisas
encontradas em poder do falido que não lhe pertençam, como, por
exemplo, uma máquina emprestada. E também das coisas vendidas a
32
crédito e entregues ao falido nos 15 dias anteriores ao requerimento da
falência se ainda não alienadas (art. 85 e seu parágrafo único).
A restituição é feita em dinheiro, pelo preço da
avaliação, no caso de a coisa não mais existir, ou pelo preço da venda, se
a coisa já foi vendida (art. 86).
2.15 REALIZAÇÃO DO ATIVO
A realização do ativo, com a venda dos bens da
massa, pode iniciar se logo após ajuntada do auto de arrecadação (art.
139).
O art. 140 estabelece as formas de alienação, em
ordem de preferência: a) alienação da própria empresa, em bloco; b)
alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas
em separado; c) alienação em bloco dos bens de cada um dos
estabelecimentos; d) alienação dos bens individualmente considerados;
e) duas ou mais das formas de alienação citadas; f) outras modalidades,
havendo motivos justificados e autorização do juiz (arts. 142 e 144). Os
bens podem ser vendidos por meio de leilão por lances orais, propostas
fechadas ou pregão (art. 142).
O pregão é um sistema misto, de propostas seguidas
por um leilão restrito àqueles que ofereceram as melhores propostas.
Assim, o pregão tem duas fases. A primeira fase é a de
apresentação e verificação de propostas. Na segunda fase realiza-se um
leilão do qual só participam o autor da maior proposta e aqueles que
ofereceram até 10% menos do que esta (art. 142, §§ 5.o e 6.°). O valor de
abertura desta espécie de leilão será o da proposta recebida do maior
33
ofertante presente. O resultado do leilão não exime a responsabilidade de
quem ofereceu a maior proposta e depois não compareceu ao leilão (art.
142, § 6.°, III).
A Lei 11.101/2005 dispõe que nos processos que
continuam sob a égide da lei anterior pode "ser promovida a alienação
dos bens da massa falida assim que concluída sua arrecadação,
independentemente da formação do quadro-geral de credores e da
conclusão do inquérito judicial" (art. 192, § 10).
34
Capítulo 3
ASPECTOS DESTACADOS DO DIREITO FALIMENTAR: CONCORDATA
E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
3.1.1 CONCEITO
A concordata constitui inegável humanização do
processo de execução dos bens do devedor comerciante, evitando-lhe a
falência com suas danosas conseqüências.
Concordata, do verbo concordar, significa,
etimologicamente, acordo, conciliação, ajuste, combinação.
No sentido jurídico define o instituto que objetiva
regularizar a situação econômica do devedor comerciante, evitando
(concordata preventiva), ou suspendendo (concordata suspensiva), a
falência.
De acordo com o revogado Decreto-Lei 7.661/45, a
concordata era de iniciativa da empresa e permitia apenas negociação
em dois anos de dívidas com promissórias, cheques etc., sendo que os
credores disputavam dividas na Justiça e não tinha prazo para conclusão
do processo, alguns casos duravam mais de 20 anos.
VALVERDE43, pondo em relevo a única espécie de
credores abrangida pela concordata, a define como:
43 VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências,1955.
35
“ Uma demanda, tendo por objeto a regularização das
relações patrimoniais entre o devedor e seus credores
quirografários e por fim evitar a declaração da falência, ou
fazer cessar os efeitos dela, se já declarada”.
REQUIÃO44, por sua vez, formula a seguinte definição:
“ O instituto jurídico da concordata visa resolver a situação
econômica de insolvência do devedor, ou prevenindo e
evitando a falência (concordata preventiva), ou
suspendendo a falência (concordata suspensiva), para
proporcionar a recuperação e restauração da empresa
comercial”.
As definições acima transcritas deixam patente uma
distinção entre o sentido etimológico e o sentido jurídico da palavra
concordata. No sentido etimológico, concordata significa acordo,
conciliação. No sentido jurídico é uma demanda, um instituto, um remédio
jurídico que decorre da própria prestação jurisdicional do estado,
independentemente da concordata dos credores.
Como todo instituto jurídico, também a concordata
passou por sucessivas alterações, numa evolução gradativa que, por
certo, ainda não terminou. Em decorrência da humanização do
cumprimento da obrigação – “la maggior parte delle leggi riconosce la
necessita di trattare in modo speciale il debitore onesto e sventurato”,
como diz NAVARRINI45 -, manifestou-se embrionariamente no direito
44 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, 1984. 45 NAVARRINI, Umberto.Trattato elementare di diritto commerciale, 1911.
36
romano, conquanto só se consolidasse na Idade Média, surgindo
inicilamente a chamada concordata suspensiva e só posteriormente a
concordata preventiva.
A concordata constitui inegável humanização do
processo de execução dos bens do devedor comerciante, evitando-lhe a
falência com suas danosas conseqüências.
3.1.2 NATUREZA JURÍDICA
Diversos autores deram sua explicação quanto à
natureza jurídica da concordata, dando lugar, por isso mesmo, a diversas
teorias que tentam, cada qual à sua maneira, explicar o verdadeiro
elemento constitutivo deste instituto.
Assim, para alguns a concordata seria, antes de tudo,
um contrato entre o devedor e seus credores, conforme afirma ROCCO46
“... uno contratto trai l fallito e la colletività del creditori
deliberante a maggioranza nelle assemblea generale, col
quale, mediante la modificazione del preesistente rapport
obbligatori si fa cessar elo stato di fallimento e, quindi, la
procedura relativa”.
Verifica-se, portanto, que a natureza jurídica é
processual, face ao nosso direito positivo.
46 ROCCO, Alfredo. Princípios de direito comercial. Trad. Cabral de Moncada, 1931.
37
3.1.3 HISTÓRIA DA CONCORDATA
No direito romano não houve a dicotomia do direito
privado como há inúmeras legislações hoje em dia, ou seja, uma
codificação especial para o direito civil e outra para o comercial.
As normas romanas alcançavam, indistintamente,
quanto ao cumprimento da obrigação, fosse o devedor comerciante ou
não.
Assim, diversos institutos das atuais legislações
falimentares foram calcados nos moldes do direito romano, como o
concursus creditorum que acontecia no caso de insolvência sem dolo ou
má-fé e sim por infelicidade nos negócios, aí se aplicando a bonorum
cessio, ou a entrega de todos os bens do devedor a seus credores. Este
procedimento evitava a prisão do devedor e sua caracterização
infamante. As dívidas eram pagas até a força do patrimônio entregue e
independia da concordância dos credores, que pelo saldo de seus
créditos só podiam concorrer se no futuro o devedor amealhasse outros
bens.
Todos os procedimentos enumerados foram a
substancia formadora do instituto das concordatas, que tiveram
desenvolvimento, assim como a falência, na Idade Média. Por serem
aqueles necessários a uma classe que se firmava e se consolidava com
suas regras especiais, a dos comerciantes, ou melhor, das corporações
dos comerciantes, cuidaram de estabelecer normas para o exercício
mercantil, já que o estado era imponente para fazê-lo. Assim, surgiram as
grandes compilações estatutárias como o Campitulare Nauticum, de
Veneza, entre outras.
Em que pese os comentários acima e os indícios dos
atos no direito romano, não é nele que a concordata tem sua raízes.
38
Convém transcrever a observação de Alfredo Rocco,
em II concordato: “A concordata não teve origem em Roma: o direito
romano conheceu porém institutos, como o pactum ut minus solvatur e o
quinquenales induciae concedido pelo príncipe, análogos na estrutura
externa à nossa concordata; mas esta nasce e se desenvolve dos
costumes e dos estatutos municipais das cidades italianas, onde foi pela
primeira vez disciplinada legislativamente”.
3.1.4 A CONCORDATA NO DIREITO BRASILEIRO
O instituto foi introduzido no Brasil pelo Código
Comercial de 1850, mas estabelecida a concordata suspensiva, ou seja,
no curso da falência.
O Código Comercial tratava-se no Título II, artigos 842 a
854, determinado o artigo 847, 3ª alínea, que “para ser válida a
concordata, exige-se que seja concedida por um número tal de credores
que represente pelo menos a maioria destes em número, e 2/3 no valor de
todos os créditos, sujeitos aos efeitos da concordata”.
Os artigos 898 a 906 regularam a moratória – (v. item
23.1, III).
O Decreto-lei nº 3.065, de 06/05/1882, alterou o
conceito de maioria, determinando 2/3 dos créditos, ao dispor no artigo 1º
- “Para ser sólida a concordata é bastante que seja concedida pela maioria dos
credores que comparecem, contanto que essa maioria represente 2/3 do valor
de todos os créditos sujeitos aos efeitos da concordata, alteradas nesse sentido a
disposição dos artigos 844 e 847 do Código Comercial”.
Com o advento do Decreto nº 3.065, mencionado,
instituiu-se no Brasil a chamada concordata por abandono, de origem
39
francesa “que consiste na adjudicação de todo ou parte do ativo da
massa aos credores para que o realizem e paguem o passivo, exonerando
desde logo o devedor”, conforme descreve MENDONÇA47.
Em 1980, o Decreto-lei nº 917 foi pródigo em institutos
para obstar a falência: no artigo 43, a concordata por abandono; no 44 a
concordata por pagamento, estas concedidas na falência (suspensiva)
por credores quirografários que somassem ¾ dos créditos admitidos . No
artigo 107, a moratória; no artigo 120, a homologação pelo juiz de acordo
ou concordata extrajudicial com credores que representem ¾ da
totalidade do passivo, impedia a declaração de falência; no artigo 130
instituia, entre nós, a concordata preventiva, e no artigo 131, a cessão de
bens, pelo devedor (todos os presentes) antes ou até 48 horas, após o
primeiro protesto, por falta de pagamento, prevenindo desta forma a
falência e desonerando o devedor das obrigações.
O Decreto nº 2.024, de 1908, projeto de Carvalho de
Mendonça, elaborou-se o direito falimentar, eliminando a moratória e a
concordata extrajudicial, inaugurando o sistema que até hoje perdura:
preventiva e suspensiva.
O Decreto nº 5.746, de 1929, consolidou a concordata
suspensiva e a preventiva.
Em 21 de junho de 1945, surgiu o Decreto-lei nº 7.661,
de 21/06/1945, que manteve-as, alternando a condição da concessão
dos credores para o Estado. A aplicação do remédio da concordata ao
devedor economicamente doente é prerrogativa do estado, pela
sentença do juiz. Manteve, no entanto, o espírito da concessão, arraigado 47 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro,1963, v. 7342.
40
desde o direito romano, passando por todos os juristas da Idade Média
suas influencias decisivas e nas normas do direito consuetudinário: o
devedor para ser concordatário há que ter sido infeliz nos negócios e ser
de boa-fé.
3.1.5 MODALIDADES DE CONCORDATAS
A Exposição de Motivos da LRE fornece uma noção
bem objetiva das modalidades de concordata: a concordata preventiva
e a concordata suspensiva.
3.1.5.1 CONCORDATA PREVENTIVA
A concordata preventiva tinha por objetivo prevenir ao
envez de evitar a falência e só atingia os credores quirografários,
pressupondo-se que as demais categorias estariam regularizadas.
O ajuizamento da ação de concordata preventiva,
pelo devedor comerciante que não está em condições de responder
pontualmente por suas obrigações, tem por fito evitar a decretação da
sua falência e pressupõe a intenção de, com dilatação de vencimentos
e/ou remissão de débitos, solver seu passivo e permanecer no comércio.
Por trás do favor legal deferido ao bom comerciante,
como verdadeiro fundamento do instituto da concordata preventiva,
encontra-se o princípio da preservação da empresa, cuja expressão mais
saliente é a continuação da atividade negocial sem solução de
continuidade.
As modalidades de concordata preventiva eram:
remissória (concordat de remise), que consiste na oferta do devedor, aos
credores quirografários, por saldo dos seus créditos, do pagamento de 50%
à vista; dilatória ou moratória (concordat d’aiermolement), que consiste
41
na dilatação do prazo do pagamento total, onde o comerciante devedor
propõe o pagamento de 100% dos seus débitos, no prazo máximo de 24
(vinte e quatro) meses, sendo que 2/5 serão pagos no primeiro ano e mista
ou remissória-dilatória, que consiste na prorrogação do prazo para o
pagamento e abatimento do valor dos débitos. O devedor oferece aos
seus credores, por saldo dos seus créditos, o pagamento de 60%, 75% ou
90%, no prazo de, respectivamente, 6 (seis), 12 (doze) ou 18 (dezoito)
meses. No último caso, pelo menos 2/3 do total do débito deverá ser
saldado no primeiro ano.
No que pertine com a representação, há a regra do
art. 157 da LRE.
Se o devedor comerciante individual falecia, seu
espólio era representado pelo inventariante devidamente autorizado
pelos herdeiros; se houvesse sido interditado, pelo seu curador.
Para as sociedades, a regra é a representação pelo
sócio qualificado para tanto, quer dizer, aquele designado no contrato
social. No caso de liquidação, pelo liquidante.
Se anônima, pelos diretores autorizados por
deliberação da assembléia de acionistas, acrescentando-se que,
consoante o art. 122 da lei nº 6.404/76, na impetração da concordata
preventiva pela sociedade anônima, esta poderia ser representada por
seus administradores, ou com a concordância do acionista controlador
em caso de urgência.
O juízo competente era o do foro do principal
estabelecimento do devedor, previsto no art. 7º, precisamente o que será
competente para a falência se a concordata for rescindida.
Pressupostos da concordata preventiva:
42
• a inocorrência dos impedimentos gerais previstos
no art. 140;
• o exercício regular do comércio há mais de dois
anos;
• possuir ativo livre de valor maior que 50% do passivo
quirografário:
• não ser falido ou ter suas obrigações extintas.
Na demonstração da viabilidade da concordata
devem ser considerados, pelo menos, a importância social e econômica
da atividade empresária no contexto local, regional ou nacional; a mão-
de-obra e tecnologia empregadas; o volume do ativo; o volume do
passivo quirografário; o tempo de constituição e de funcionamento da
empresa e; o faturamento anual e nível de endividamento da empresa.
Quanto ao tempo de constituição e de
funcionamento, deveria ser há mais de dois anos, tendo a sua prova
através de certidão da Junta Comercial. O intuito da lei era privilegiar
quem exercia regularmente a mercancia. Do contrário, como bem
pondera ABRÃO48 “surgiram da noite para o dia, como cogumelos,
aqueles que se estabeleceram na véspera para, no dia seguinte, sob o
beneplácito da lei, propor-se a liquidar os seus débitos na base de
cinqüenta por cento”, se for a vista.
48 ABRÃO, Nelson. Curso de direito falimentar, 1997. p.331.
43
A petição inicial da ação de concordata preventiva
devia ser rigorosamente fundamentada, ou seja, o comerciante devedor
poderia explicar, detalhada e convincentemente, o seu estado
econômico e as razões que justificavam o pedido.
A petição instruída com a prova da inocorrência de
impedimentos, além do contrato social devidamente atualizado (com
todas as alterações ocorridas desde a sua celebração e registro) e das
demonstrações financeiras, sejam as referentes ao último exercício social,
sejam aquelas levantadas especialmente para instruir o pedido. Estas
deverão conter:
• balanço patrimonial;
• demonstração de lucros ou prejuízos acumulados;
• demonstração do resultado desde último
exercício social;
• inventário dos bens.
A relação das dívidas seria a nominação de todos os
credores (não se restringindo apenas aos quirografários), com suas
qualificações e endereços, bem assim a natureza e o valor dos respectivos
créditos.
Com a petição inicial, o devedor apresentava os livros
obrigatórios, que eram encerrados por termos assinados pelo juiz, sob a
guarda do escrivão, certificando-se nos autos o encerramento.
Se apresentados todos os requisitos, o juiz proferia
despacho que determinava o processamento da concordata, publicado
em imprensa oficial.
44
3.1.5.2 CONCORDATA SUSPENSIVA
“A concordata suspensiva emergia do processo de falência
em curso. Visava suspendê-lo, removendo seus efeitos finais, como a liquidação
do ativo e a cessação do exercício mercantil”.
Sua natureza é a mesma da concordata preventiva.
Trata-se também de um favor legal, na medida em que não dependia do
assentimento dos credores, mas de provimento judiciário, uma vez
atendidos os pressupostos legais.
No caso da ação de concordata suspensiva, o favor
legal ensejava ao falido a possibilidade de pagar os credores. Suspenso o
processo de falência, o falido poderia reunir condições, mediante a
exploração do seu estabelecimento, para restaurar a sua empresa.
A lei só cogitava duas espécies: remissória e mista. No
primeiro caso, ao referir-se à proposta de pagamento à vista de 35% do
crédito; no segundo, quando alude ao pagamento de 50% em 2 (dois)
anos, pagos pelo menos 2/5 no primeiro ano.
Dois eram os pressupostos do pedido de concordata
suspensiva:
• Que o devedor comerciante esteja em regime
falimentar;
• Que não tenha sido recebida denuncia ou queixa
por crime falimentar.
No caso do primeiro requisito, desnecessária qualquer
explicação, porque se a ação de concordata suspensiva dirige-se à
suspensão da falência, esta preexiste.
45
Quanto à segunda condição, há que se observar o
enunciado dos arts. 111 a 113 da LRE.
Fala o art. 111 que a concordata é concedida, como
favor legal. Não teria o menor sentido ensejá-la ao devedor de má-fé. Se
não teve êxito no exercício da mercancia, mas se conduziu com lisura e
honestidade, merece o benefício. Caso contrário, não.
Diga-se o mesmo para a hipótese de falência
societária, contemplada no parágrafo único do art. 111. o recebimento
da denúncia ou da queixa contra diretores, administradores, gerentes ou
liquidantes da sociedade falida impede, desde logo, a concessão da
concordata.
A rejeição da denuncia ou da queixa, estabelece o
art. 113, não impede o exercício da ação penal direta, salvo se o fato
narrado evidentemente não constituir crime ou tiver ocorrido a extinção
da punibilidade.
O pedido de concordata suspensiva teria que ser feito
dentro dos 5 (cinco) dias seguintes ao vencimento do prazo para a
entrega, em cartório, do relatório.
3.1.6 EFEITOS DA CONCORDATA
Após a decisão judicial concedendo o pedido de
concordata, passava ela a obrigar a todos os credores quirografários, nos
dizeres do artigo 147 a seguir:
Art. 147. A concordata concedida obriga a todos os
credores quirografários, comerciais ou civis, admitidos ou não ao passivo,
46
residentes no país ou fora dele, ausentes ou embargantes49.
O credor quirografário, que não se habilitou na
concordata, podia acionar o concordatário, pela mesma ação
correspondente a seu título, para haver a importância da percentagem
da concordata, se não fosse assim, estaria em melhor condição do que
aqueles que se habilitaram, o que não seria justo. Vejamos o que diz o
primeiro parágrafo,
§ 1º. Se o concordatário recusar o cumprimento da
concordata a credor quirografário que não se habilitou, pode este acionar
o devedor, pela ação que couber a seu título, para haver a importância
total da percentagem da concordata50.
O parágrafo segundo51, da mesma lei, preceitua que o
credor quirografário excluído, mas cujo crédito tenha sido reconhecido
pelo concordatário, pode exigir deste o pagamento da percentagem da
concordata, depois de terem sido pagos todos os credores da
concordata.
A concordata não produzia novação, entre seus
efeitos,e não desonera os coobrigados com o devedor nem os fiadores
deste e os responsáveis por via de regresso, de acordo com o artigo 14852.
Assim se o credor receber a porcentagem na concordata, pode agir
contra o coobrigado para receber o restante do crédito.
O devedor não podia enquanto a concordata não 49 BRASIL, Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.1945. 50 BRASIL, Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.1945. 51 BRASIL, Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.1945. 52 BRASIL, Decreto-Lei nº 7.661, de 21.06.1945.
47
fosse por sentença julgada cumprida – alienar bens imóveis, sem prévia
autorização judicial, nem vender ou transferir o estabelecimento
comercial, sem consentimento expresso de todos os credores.
3.1.7 EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA CONCORDATA
O instituto da concordata foi um grande avanço na
área do direito falimentar, mas, devido a rápida evolução da sociedade
moderna, a falência precisou se adequar a modernização do comércio, o
que antes era necessário, pagar os credores, deixou de ser um ato isolado
para se transformar num ato de extrema complexidade, com grandes
influências sociais e econômicas.
Requião53, um dos precursores deste pensamento diz
que “a falência e a concordata como institutos jurídicos afins, na
denúncia de empresários e juristas se transformaram em nosso país, pela
obsolescência de seus sistemas legais, mais do que nunca, em instrumento
de perfídia e de fraude dos inescrupulosos. As autoridades
permaneceram, infelizmente, insensíveis, a este clamor, como se o país,
em esplendida explosão de sua atividade comercial e capacidade
empresarial, não necessitasse de modernos e funcionais instrumentos e
mecanismos legais e técnicos adequados à tutela do crédito, fator
essencial para o seguro desenvolvimento econômico nacional. Não se
capacitaram os tecnocratas e burocratas, por outro lado, de que a
falência não se constitui apenas um meio de cobrança de interesses
fiscais e privados. Nestes últimos anos suas preocupações foram as de
acrescer, com privilégios excepcionais e absolutos, os créditos da Fazenda
Pública, com preceitos não mais admissíveis no direito moderno”.
53 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, 1995, p. 248.
48
Extrai-se deste ensinamento que a inércia da legislação
falimentar que perdurou por longos anos foi extremamente prejudicial
para a economia e por conseqüência a sociedade, pois, a queda das
empresas não interessa, nem mesmo aos credores, mesmo que satisfeitos
em seus créditos, deixam de se locupletar do lucro proporcionado pela
atividade econômica anterior a quebra do comerciante.
Após mais de uma década em tramitação no CN,
aprovou-se a nova lei de falência, lei 11.101/2005, a qual aboliu do
ordenamento jurídico a concordata suspensiva, modificou a preventiva
transformando-a em recuperação judicial e estabelecem algumas
modificações no processo de falência. Referidas alterações serão
abordadas no capítulo seguinte.
3.2 RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
3.2.1 A NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA LEI DE FALÊNCIAS
Com o passar dos anos, a recuperação tomou outro
rumo na história passando a ter um objetivo mais amplo, visando preservar
a atividade produtiva e maximizar o ativo sobre o qual incidem as
pretenções dos credores. Esta evolução passou a insidir sobre o patrimônio
e não mais ao corpo do devedor que antes era castigado e, em muitas
vezes, pagava com a própria vida pela sua inadimplência. Nas execuções
coletivas se tornou necessário estabelecer entre os credores um acordo
para a satisfação dos créditos pendentes. Assim, em 1945 surgiu o
concurso de credores na execução coletiva.
O Decreto-lei nº 7.661/45 veio logo após a guerra
49
mundial, que se encerrara naquele ano e que concebia um modelo de
empresa próprio da economia nacional (defasada) e que refletia as
coordenadas da ordem capitalista, instaurada em 1944 a partir da
Conferência de Bretton Woods. Assim, a falência era entendida como um
estado em que se encontra um comerciante insolvente. As conseqüências
eram que o falido perdia a administração e a disposição dos seus bens.
Este Decreto-lei foi um marco para a história do direito e para as empresas
no Brasil, pois passou a ter como alvo a atividade econômica.
Para se ter uma idéia destas transformações que
ocorreram não só no Brasil, mas em todo o mundo, na Europa, por
exemplo, desenvolveram-se múltiplos sistemas jurídicos a fim de se tentar
a sintonia necessária para lidar com os problemas locais, a transparência
e a previsibilidade das relações creditícias, o desenvolvimento de
mecanismos de preservação da atividade econômica em níveis
suportáveis e a implantação de uma nova ordem capitalista centrada na
liberação dos mercados, na superação do tempo diferido e no confronto
entre as grandes organizações multinacionais por mercados cada vez
mais vulneráveis. Já no Brasil, apenas no início deste século é que nasceu
um direito positivo direcionado à empresa. Este, por sua vez, contrastou
visivelmente com a sexagenária legislação falencial que até então
predominava por aqui e que apresentava a anos sinais de saturação
acentuados.
De acordo com FAZZIO JÚNIOR54 “a modificação da
infra-estrutura econômica sempre se projeta decisivamente na superestrutura
político-jurísta e o advento da LRE é mais uma reafirmação disso. Novas regras
econômicas demandam novos comandos jurídicos e novas empresas
54 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005, P.19.
50
demandam novos empresários. A LRE não é uma singela substituição normativa e
seus destinatários imediatos só têm um caminho, o da compreensão de que a
empresa não é mais só um instrumento do empresário”.
Assim, entendemos que as leis têm que se adequar ao
momento, acompanhando as transformações políticas e econômicas do
Brasil e do mundo.
Desde o Decreto-lei de 1945 até o Projeto de lei de nº
4.376/93, que antecedeu a LRE, o sistema jurídico brasileiro recebeu
poucas modificações. Isso fez com que pensamentos de mudança
pairassem na cabeça de pensadores e estudiosos do direito no Brasil.
Pensadores como REQUIÃO55, que pregava uma modificação na lei,
salientando que esta seria mais que necessária, pois além de garantir aos
credores, a par conditcio creditorum, era preciso procurar outros
mecanismos que também garantissem a sobrevivência da empresa,
preservando o interesse social e o interesse de seus próprios credores.
Em 21 de dezembro de 1993, pela mensagem nº 1.104, o
Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional um texto do projeto de lei,
elaborado pelas Comissões constituídas pelas Portarias 233, publicada no
DOU, de 9 de maio de 1991, e 522 MJ, acompanhado da Exposição de
Motivos do então Ministro da Justiça, Mauricio Corrêa. O objetivo era de
regular a falência, a concordata preventiva e a recuperação de empresas
que exercem atividade econômica regida pelas leis comerciais.
O Projeto de Lei 4.376/93 tramitou no Congresso Nacional por
cerca de 10 anos, sendo aprovado e transformado na atual lei nº 11.101,
de 10 de fevereiro de 2005, denominada Lei de Recuperação Judicial.
55 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, p. 249.
51
3.2.2 Conceito
A pesar do termo “Recuperação de Empresas” ser
novo, no âmbito do Direito, podemos iniciar dizendo que recuperar
significa readquirir, reaver, recobrar. A palavra traz o sentido de
restauração. A recuperação de empresas significa restabelecer a
normalidade da atividade econômica, ou seja, restaurar a saúde
econômica da empresa.
Jorge LOBO56 acrescenta, em seus estudos, um
conceito do que chama de reorganização, entendendo que na
reorganização, presume-se que a empresa, uma vez obtido temporário
alívio no que diz respeito ao pagamento de seus débitos e aos processos
de execução, será capaz de se reestruturar gradativamente, satisfazendo
aos seus credores, pelo menos parcialmente, livrando-se da bancarrota e
retornando à sua primitiva condição de empresa viável.
Assim, podemos entender que recuperação de
empresas nada mais é do que uma forma de fazer com que a empresa
adquira novamente sua estabilidade, seu equilíbrio financeiro e volte à
sociedade.
Diego RONCONI57 , diz que diante dos estudos
realizados em torno do assunto, propõe-se, como conceito operacional
para o terno Recuperação de Empresa, o conjunto de providências
judiciais ou extrajudiciais que visam a preservação da empresa insolvente,
56 LOBO, Jorge Joaquim. Direito concursal: direito concursal contemporâneo, acordo pré-
concursal, concordata preventiva, concordata suspensiva, estudos de direito concursal, 1996. 542 p.
57 RONCONI, Diego Ricahrd. Falência & Recuperação de Empresas: análise da utilidade social de ambos os institutos, 2002. 67 p.
52
a qual interesse e importe substancialmente à Sociedade, na condição de
possibilidade de retorno ao seu estado de solvência.
O devedor empresário que antes podia comprometer-
se com a dilatação ou a remissão dos seus débitos, com a LRE passa a
focalizar um horizonte mais otimista devido a possibilidade de recompor a
regularidade das atividades de sua empresa e também satisfazer com
mais eficácia seu passivo. O devedor em recuperação é muito mais que
um proeminente devedor. A empresa deixa de ser somente a garantia dos
credores e passa a ser tratada como uma unidade produtiva capaz de
resolver não apenas o passivo, mas também permanecer ativa, mediante
esquema recuperatório.
Pode-se constatar que a recuperação de empresas,
comparado à falência, é um processo relativamente inovador na
legislação mundial, cujas raízes pode-se dizer que tenha gênese no
próprio direito brasileiro.
Observa-se que a procura de meios solutórios para a
recuperação da empresa não tem sido uma questão recente, mas já
transcendente há tempos, de modo que, com a dinâmica social e
jurídica, constantemente necessitam ser revistos, a fim de que estejam
adequados aos seus objetivos.
3.2.3 NECESSIDADE DE MUDANÇAS
A anterior lei de falências e concordatas (LF/45 –
Decreto-Lei nº 7.661/45) foi substituída pela lei de recuperação de
empresas (LRE - Lei nº 11.101/2005), em vigor em 09/02/2005. Em vigência
desde 21/06/1945, o Decreto-lei 7.661, que ditava os atos processuais de
falências e concordatas, já não atendia mais aos anseios da empresa
moderna que precisa se globalizar para poder sobreviver com eficácia.
Muitos empresários estavam aproveitando do Decreto-
53
lei para usarem de má-fé em benefício próprio, fazendo com que suas
obrigações fossem postergadas. Este procedimento vai contra a sua
função primordial, pois desta forma desonesta muitos eram os
prejudicados e só um beneficiado.
A maior parte das empresas nacionais constituídas nos
últimos anos foram sob a forma de microempresa. É o reconhecimento
que esse tipo de sociedade comercial desempenha um importante papel
no desenvolvimento econômico do país, produzindo e gerando imensas
riquezas que proporcionam o desenvolvimento nacional e que já começa
a exigir legislações mais modernas.
Desde da promulgação da LF/45 até a vigente nos
dias atuais, muitos avanços ocorreram, e por isso muitas mudanças
tiveram que ser feitas.
A Lei de Recuperação de Empresas vai de encontro
com estas novas necessidades, com a nossa nova realidade, e isso é
muito importante para que se tenha o alicerce necessário para que as
empresas possam seguir em frente e se reerguer com dignidade, caso
precisem.
3.2.4 DESAFIOS
O desafio em si é tentar fazer com que esta lei possa
encontrar uma fórmula capaz de corrigir as imperfeições do nosso modelo
empresarial/jurídico e absorver a evolução das idéias que ganham
espaço através da tecnologia e da evolução das formas de administrar as
empresas.
O que precisamos é que esta lei possa direcionar as
empresas, em situação de insolvência, para o caminho da sensatez,
ficando a cargo do judiciário tornar estas leis capazes.
54
3.2.5 LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIAS
Em vigência desde 09/06/05, a Lei nº 11.101 propõe a
substituição da concordata pela recuperação empresarial, estimulando a
negociação entre credores e devedores fora da esfera judicial. O foco
principal é tentar resolver as questões fora do âmbito da Justiça com o
objetivo de baratear e acelerar o processo de recuperação das
organizações.
A vantagem da aprovação dessa medida para as
micro e pequenas empresas está na simplificação e no prazo de
negociação maior, que passa de três para cinco anos, para o pagamento
das dívidas. Na verdade, o que sufoca essas empresas é o endividamento
observado principalmente naquelas recém-criadas a partir de
indenizações trabalhistas.
Muitas vezes, o indivíduo opta por montar o seu próprio
negócio, mas não tem experiência, esquece o capital de giro e começa
a faltar com os compromissos, porque o rendimento do negócio não gera
receita suficiente para a sua sobrevivência.
3.2.6 AS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR
Desde 1945, o sistema jurídico brasileiro convive com a
LF/45, que durante o período de sua plena vigência, recebeu poucas
modificações. Isso não é muito normal em se tratando de direito
concursal. Como o setor jurídico é fortemente marcado pelo dinamismo
dos fatos econômicos e suas conseqüências sociais, seria natural que
arcasse com determinadas adaptações e substituições normativas de
acordo com a realidade do momento. Essa reestruturação, por mais
necessária e mais reclamada, não aconteceu. A LF/45 tornou-se obsoleta
55
e o contexto de seus comandos passou a regular de forma deficiente e
até injusta e improdutiva, muitas vezes.
A partir de sua origem, a LF/45, numa consideração
que não ultrapassou o âmbito do sistema jurídico, dividiu espaço com
uma nova lei das sociedades por ações (1976), com novas legislações
sobre títulos de crédito, com novas normações sobre contratos (franquia,
faturização, leasing etc), com o novo direito financeiro a partir de 1964,
com a lei de intervenção e liquidação extrajudicial de bancos e, enfim,
com um novo Código Civil que unificou o direito empresarial.
O Projeto de Lei nº 4.376/93, agora Lei nº 11.101/05,
veio regular a recuperação judicial, extrajudicial e a falência, trazendo
importantes alterações na legislação.
A alteração dos termos trazem várias implicações, visto
que esta nova lei regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência
de devedores, pessoas físicas e jurídicas, que exerçam atividade
econômica, reguladas pelas leis comerciais.
Embora o legislador tenha dado preferência para a
recuperação judicial, a primeira via que se deve tentar para solucionar
problemas é a tentativa de recuperação extrajudicial.
A nova lei dá prioridade à recuperação da grande e
da média empresa, enquanto que a recuperação das empresas de
pequeno porte e as microempresas foram deixadas em segundo plano.
Assim se adotou para as médias e grandes empresas a utilização do
procedimento ordinário, enquanto que para as pequenas e
microempresas utilizou-se um procedimento especial, parecido com a
concordata preventiva. A diferença é que o prazo dilatou-se de 24 para
36 meses, prorrogáveis por mais de 12 meses, obrigando o pequeno e o
microempresário a pagar os débitos trabalhistas em 06 parcelas iguais,
56
mensais e sucessivas, entretanto, podem as pequenas e microempresas
optar pelo procedimento ordinário.
3.2.7 Mecanismos para recuperar a empresa
De acordo FAZZIO JÚNIOR58 o sistema introduzido pela
LRE é marcado pelas seguintes mecanismos para a recuperação de
empresas:
a) flexibilidade dos procedimentos preventivos;
b) ampliação da participação dos credores;
c) maior amplitude nas possibilidades de acordo entre
credores e devedor;
d) manutenção do privilégio dos créditos trabalhistas e
acidentários;
e) diminuição da função jurisdicional;
f) adoção de novos mecanismos para superação das
crises empresariais;
g) simplificação dos procedimentos; e
h) reformulação da função administrativa.
3.2.8 Empresas atingidas
Nos termos do art. 1º da LRE, podem ser pacientes de
58 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
57
recuperação judicial, recuperação extrajudicial e falência:
I- sociedade empresária; e
II- empresário individual.
Também estão excluídas da recuperação e da
falência empresas públicas, sociedades de economia mista, instituições
financeiras, cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência
complementar, sociedades operadoras de planos de assistência a saúde,
sociedades de capitalização, sociedades seguradoras e outras
equiparadas, por lei, a essas espécies societárias.
Tendo em vista que, a rigor do que dispõe o art. 966,
parágrafo único, do CC, quem exerce profissão intelectual (científica,
literária ou artística), mesmo com o concurso de auxiliares ou
colaboradores, não se sujeita à falência nem pode postular recuperação.
Excepcionalmente, ficará sob o regime da LRE se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa.
3.2.9 RECUPERAÇÕES
3.2.9.1 Recuperação Extrajudicial
De acordo com FAZZIO JÚNIOR59, a Recuperação
Extrajudicial é uma forma do empresário devedor fazer um acordo direto
com seus credores – com todos ou com alguns deles - e promover a
resolução satisfatória de seus débitos, evitando assim a intervenção
judicial e requerendo depois em Juízo a homologação do acordado. 59 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
58
Se analisarmos a legislação anterior podemos observar
que se o empresário devedor fizesse um acordo para a dilação do prazo
de pagamento de suas dívidas e pedisse a remissão de seu débito teria
sua falência decretada. Com a nova lei (LRE) os credores são chamados
extrajudicialmente para que seus créditos sejam negociados diretamente
com o devedor.
Assim, de acordo com SANTOS60, podemos dizer que
“o processo de recuperação extrajudicial é a primeira tentativa de se
solucionar amigavelmente as dívidas do empresário”.
De acordo com o Capítulo VI, art. 16161 da LRE, “o
devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e
negociar com credores plano de recuperação extrajudicial”.
A LRE apresenta os seguintes requisitos:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por
sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de
recuperação judicial;
III – não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de
recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V do
Capítulo III;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador
ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta
Lei. 60 SANTOS, José Bonifácio de Andrade. Comentários à nova lei de falência: direito
falimentar, 2005. p. 29. 61 BRASIL. Lei nº 11.101/2005 de 09/02/1005.
59
Conforme FAZZIO JÚNIOR62, a homologação do plano
para postular a judicialização do acordo de recuperação extrajudicial
obriga o devedor à juntada de:
• exposição da situação patrimonial;
• demonstrações contábeis relativas ao último
exercício social;
• demonstrações contábeis compostas de
balanço patrimonial, demonstração de
resultados acumulados, resultado do último
exercício social e relatório gerencial de fluxo de
caixa, bem como de sua projeção;
• documentos comprobatórios dos poderes dos
subscritores para novar ou transigir;
• relação nominal completa dos credores.
Convém acrescentar que para a LRE a relação
completa de credores significa: endereço de cada um, natureza,
classificação e valor atualizado do crédito; origem e vencimento; e os
registros contábeis de cada transação pendente.
Excluem-se os créditos tributários, trabalhistas e de
acidentes de trabalho, os relativos à alienação fiduciária e outros do art.
49, § 3º, e os contratos de câmbio para exportação, conforme o art. 86, II.
62 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005. p. 120.
60
O plano extrajudicial poderá tornar-se obrigatório para
todos os credores se for obtida a concordância de mais de 3/5 dos
créditos de cada espécie (art. 163).
O pedido de homologação do plano extrajudicial é
publicado no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional ou
das localidades da sede e das filiais do devedor, com envio de carta a
todos os credores informando a distribuição do pedido, as condições do
plano e o prazo para impugnação, que é de 30 dias, a contar da
publicação.
O plano é homologado por sentença, atendidos os
requisitos legais, valendo a sentença como título executivo judicial (art.
161, § 6º). Se o juiz recusar a homologação, o devedor poderá, cumpridas
as formalidades, apresentar posteriormente novo plano de recuperação
extrajudicial (art. 164, § 8º).
Ainda citando FAZZIO JÚNIOR, o § 2º do mesmo art. 161
traz duas regras: o plano não poderá envolver antecipação do
pagamento de débitos; e não poderá contemplar tratamento
desfavorável a credores que a ele não estejam sujeitos.
A questão que merece consideração refere-se à
desequiparação entre os credores do plano e os que a ele não estão
sujeitos. É que, na medida em que o devedor acorda, com alguns de seus
credores, um plano destinado a solucionar esse passivo, certamente não
se trata pagar cada credor no respectivo vencimento cada um dos
débitos pelo seu valor líquido. Não haveria nessa hipótese nenhum plano
de recuperação, mas simplesmente o cumprimento normal das
obrigações contraídas. Então, o plano de recuperação extrajudicial deve
conter mecanismos de solução obrigacional alternativos que, certamente,
interessam aos credores do plano, pelo menos em suficiente para que
participem dele. Isso, é lógico, implica o estabelecimento de condições
61
diversas das normais, a que estão sujeitos todos os demais credores que
não aceitam participar do plano. Não se trata, pois, de desfavorecer
credores que não se sujeitam ao plano, mas de favorecer aos que com
ele concordam. Em outras palavras, nenhum credor é obrigado a
concertar plano de recuperação do devedor, permanecendo na
condição de credores nos termos originais das respectivas obrigações.
Afinal de contas, anuir ao plano implica certa dose de e esse risco
deve ter alguma compensação.
È preciso deixar claro que o pedido de
homologação do plano extrajudicial não implica a suspensão de
direitos, ações ou execuções, nem a inviabilidade do pedido de
falência oriundo de credores alheios ao plano.
Também é válido salientar que a sentença
homologatória do plano de recuperação extrajudicial é título
executivo judicial.
Cientificado por edital ou por carta do devedor,
qualquer credor sujeito ao plano tem o prazo de 30 (trinta) dias para
impugnação do pedido, desde que sua postulação seja instruída com
a prova do respectivo crédito. Os motivos para essa oposição são:
• no caso da recuperação extrajudicial que envolve todos os
créditos, a falta da aprovação por 3/5 (três quintos) dos credores;
• prática, pelo devedor, de atos característicos de insolvência
previstos no art. 94, inciso III, da LRE;
• prática, pelo devedor, de ato prejudicial aos credores, em conluio
fraudulento com terceiro;
• descumprimento de qualquer dos requisitos específicos reclamados
por lei para homologação do plano; e
62
• descumprimento de qualquer outra exigência legal.
Impugnado ou não o plano, o juiz decidirá sobre
sua homologação, em 5 (cinco) dias. Se o plano não for homologado,
o devedor não está impedido de oferecer novo pedido, se superados
os impedimentos gerados de indeferimento.
Não podem integrar o plano de recuperação
extrajudicial créditos de natureza tributária, oriundos da legislação
trabalhista ou de acidente de trabalho Todavia, isso não significa que o
pagamento desses encargos seja requisito para a efetivação do plano
extrajudicial.
O art. 164 da LRE determina que, com a recepção do
pedido de homologação formulado pelo devedor, o juiz ordenará a
publicação de edital convocatório dos credores não anuentes para que
em 30 dias ofereçam manifestação, podendo aderir ao plano mediante a
juntada de prova de seu crédito.
A regra do § 5º do art. 161 é de natureza vinculativa.
Isso porque, após a distribuição do pedido de homologação, os
credores signatários não mais poderão desistir da adesão ao plano.
Contudo, se tiverem a anuência expressa dos demais ·signatários,
poderão desistir.
A sentença homologatória do plano independe dos
credores e o Ministério Público se pronunciarem ou não. O juiz julgará a
regularidade do plano, devendo verificar se não ocorre alguma tipo
de armação fraudulenta entre o devedor e os credores signatários, em
prejuízo dos demais credores. Isso quer dizer que o magistrado deverá
dedicar especial atenção às eventuais garantias ofertadas pelo
devedor àqueles credores signatários, no sentido de que não se
oficialize a consumição dos bens do devedor em detrimento de
63
credores trabalhistas e fiscais, por exemplo. É certo que, para
desincumbir-se dessa cautela, poderá embora a LRE não o exija valer-
se da colaboração pericial.
Qualquer que seja a decisão judicial sobre o plano,
o recurso cabível é de apelação sem efeito suspensivo. Assim sendo, se
o juiz homologar o plano, embora haja recurso do Ministério Público ou
de algum credor dissidente, o que foi homologado começa a produzir
efeitos. Uma análise mais detalhada a conveniência ou
inconveniência dessa solução que enseja a execução provisória do
plano de recuperação extrajudicial.
É interessante observar que a LRE não diz se a
sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial
suspende ou não o curso da prescrição em relação aos créditos
envolvidos. Se rejeitar o plano, por força do art. 165, § 2º, devolve-se
aos credores signatários a exigibilidade dos créditos nas condições
originais. Logo, se entre o acordo e a decisão que rejeita o plano
consumar-se a prescrição de algum crédito, o título respectivo deverá
recuperar seu caráter executivo.
Como a recuperação extrajudicial é, por natureza,
parcial, não é impossível que seja frustrada pela decretação da
falência do devedor, a pedido de credor não signatário ou de credor
signatário, no caso de descumprimento do plano. Sendo assim, é
possível dizer que o plano de recuperação extrajudicial não determina
a suspensão de ações e execuções contra o devedor.
Outro fato importante é que a distribuição do
pedido de recuperação extrajudicial não previne a jurisdição para
qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência do
mesmo devedor.
64
3.2.9.2 RECUPERAÇÃO JUDICIAL Se a recuperação extrajudicial não resolveu a situação
do empresário devedor, parte-se para a recuperação judicial, onde, em
razão da intervenção judicial, o devedor empresário deverá apresentar
um plano para a superação das dificuldades financeiras do momento e
evitar ao mesmo tempo mais perdas para os credores. Este plano será
apresentado para os credores através de uma reunião, onde serão
discutidas as propostas do plano, podendo ou não ser aprovadas pelos
credores e até sofrer alterações, de acordo com o que for decidido.
Já não se tem mais prazos para pagamento de
credores, conforme existia na lei anterior, mas estes prazos não têm mais
limites, ou seja, pactuando com os credores que o pagamento será feito
em 1,5 ou 10 anos, e havendo concordância dos credores, esta será a
forma que se cumprirá o plano de recuperação.
A antiga concordata preventiva exigia o cumprimento
de uma série de requisitos a serem preenchidos pelo devedor empresário,
todos muito complicados, não conseguia os benefícios legais, entretanto,
com esta nova lei, nada obsta que o devedor empresário possa pedir a
recuperação judicial.
Se o protesto de um título de valor relevante obstava a
concordata preventiva, agora o devedor empresário poderá pedir a
recuperação judicial, mesmo com este protesto, o que é um grande
avanço”.
Para FAZZIO JÚNIOR63, a recuperação judicial não se
restringe à satisfação dos credores nem ao mero saneamento da crise
63 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005. p. 125.
65
econômico-financeira em que se encontra a empresa destinatária.
Alimenta a pretensão de conservar a fonte produtora e resguardar o
emprego, ensejando a realização da função social da empresa, que,
afinal de contas, é mandamento constitucional.
A recuperação judicial, para FAZZIO JÚNIOR64 tem por
objetivo :
• reorganizar a empresa em crise financeira;
• preservar as oportunidades de emprego;
• implementar a valorização da massa próxima
da insolvência;
• dilatar as possibilidades de negociação para
solução de passivo;
• envolver a maior parcela possível de credores
e empregados do devedor;
• fixar os efeitos da desaprovação ou
descumprimento do plano;
• regular a conversão da recuperação em
falência;
• especificar o conteúdo mínimo e a justificativa
do plano;
• fixar mecanismos de alteração do plano;
• estabelecer os limites da supervisão judicial da
execução do plano; e
• regulamentar o elenco de atribuições dos
órgãos administrativos do plano. 64 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
66
A primeira coisa que devemos ter em mente é
recuperar para não liquidar a empresa. Só se liquida uma empresa se ela
não apresenta mais nenhuma solução cabível de recuperação. É preciso
verificar as causas das dificuldades empresariais e ver se as soluções
apresentadas surtem o efeito esperado.
Para que a recuperação judicial seja recomendável é
preciso que analisemos alguns fatores abordados por FAZZIO JÚNIOR65
sobre a empresa em recuperação. São eles:
• Importância social e econômica da atividade
do devedor no contexto local, regional ou
nacional;
• Mão-de-obra e tecnologia empregadas;
• Volume do ativo e do passivo;
• Tempo de constituição e funcionamento do
negócio;
• Faturamento anual e nível de endividamento da
empresa.
É certo esclarecermos que de nada adianta
demonstrar a relevância socioeconômica regional da atividade do
devedor, se o descompasso entre ativo e passivo, bem como o diminuto
faturamento anual, deixam claro a inviabilidade da empresa. Todos estes
fatores devem fazer parte de um só conjunto.
Por isso, para verificar se um empresário ou sociedade
empresária é viável, é suscetível de recuperação, não é suficiente a
65 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
67
satisfação isolada de antecedentes meramente formais. È preciso uma
análise global para ver se há possibilidade de se utilizarem os meios de
recuperação em determinado caso.
A LRE66 alinha diversos meios de recuperação judicial
da empresa, que são:
• concessão de prazos e condições especiais
para pagamento das obrigações vencidas
ou vincendas;
• cisão, incorporação, fusão ou transformação
de sociedade, constituição de subsidiária
integral, ou cessão de quotas ou ações,
respeitados os direitos dos sócios, nos termos
da legislação vigente;
• alteração do controle societário;
• substituição total ou parcial dos
administradores do devedor ou modificação
de seus órgãos administrativos;
• concessão aos credores de direito de eleição
separadamente de administradores e de
poder de veto em relação às matérias que o
plano especificar;
• aumento de capital social;
• extinção ou arrendamento de
estabelecimento, inclusive à sociedade
constituída pelos próprios empregados;
• redução salarial, compensação de horários e 66 BRASIL, Lei nº 11.101, de 09.02.2005, art. 50, § I-XVI. LRE .
68
redução da jornada, mediante acordo ou
convenção coletiva;
• dação em pagamento ou novação de
dívidas do passivo, com ou sem constituição
de garantia própria ou de terceiro;
• constituição de sociedade de credores;
• venda parcial dos bens;
• equalização de encargos financeiros relativos
a débitos de qualquer natureza, tendo como
termo inicial a data da distribuição do pedido
de recuperação judicial, aplicando-se
inclusive aos contratos de crédito rural, sem
prejuízo do disposto em legislação específica;
• usufruto da empresa;
• administração compartilhada;
• emissão de valores mobiliários; e
• constituição de sociedade de propósito
específico para conceder a posse em pa-
gamento dos créditos, os ativos do devedor.
Analisando os itens acima podemos observar que, por
exemplo, numa comparação a lei anterior, o legislador preferiu
abandonar os rígidos parâmetros de pagamento parcelado estipulados
na antiga concordata, deixando-a mais flexível, de certo modo.
É certo dizer que o processo de recuperação judicial é
complexo. A recuperação judicial é complexa. Não se trata de simples
parcelamento de débitos. É um conjunto de atos dotados de teologia
econômica, ou seja, os fins justificam os meios economicamente falando.
69
Não é intenção do legislador burocratizar a
recuperação empresarial, mas garantir que ela seja transparente, lícita e
economicamente eficaz, sem prejuízo dos direitos sociais e individuais que
extrapolam a esfera dos interesses envolvidos.
O processo de recuperação judicial se desenvolve em
duas etapas:
• Fase de processamento; e
• Fase de execução do plano.
A falta de qualquer requisito relacionado no art. 48
impede a recuperação judicial do devedor.
Então, com base no art. 4867 da LRE é possível
enumerar os impedimentos para a recuperação judicial:
• Falta de inscrição no registro competente;
• Falta de registro há mais de 2 (dois) anos;
• Falência sem extinção das obrigações;
• Recuperação judicial anterior há menos de 5
(cinco) anos; e
• Condenação criminal.
É certo dizer que não é qualquer empresário em crise
econômico-financeira que pode usufruir da recuperação judicial e que
estes impedimentos servem tanto para a recuperação extrajudicial como
para a judicial. Tudo deve estar dentro dos parâmetros estabelecidos em
Lei. É um benefício que pressupõe regras.
67 BRASIL. Lei 11.101 de 09.02.2005. LRE
70
A recuperação judicial é de iniciativa exclusiva do
devedor, a exemplo do que acontecia com a concordata suspensiva na
LFC, apesar de sabermos que os interessados na recuperação do devedor
são seus credores.
Realizado o plano sob a aprovação dos credores, de
acordo com FAZZIO JÚNIOR68o devedor tem um prazo de 60 dias para
apresentar em juízo o plano de recuperação, que deve conter:
• Detalhamento dos meios de recuperação e seu
resumo;
• Demonstração da viabilidade econômica;
• Laudo econômico-financeiro e de avaliação do
ativo do devedor.
De acordo com FAZZIO JUNIOR69 “esse plano sofre
alguns condicionamentos ligados ao interesse social. Assim, não
poderá estipular prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos
créditos trabalhistas e acidentários vencidos até a data do pedido de
recuperação. Também não poderá fixar prazo superior a 30 (trinta)
dias para o pagamento dos créditos estritamente salariais vencidos
nos 3 (três) meses anteriores ao pedido. O limite desse pagamento é
de 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador.
O plano será publicado por edital, com fixação do
68 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005. 69 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
71
prazo de 30 (trinta) dias para eventuais impugnações. O termo a quo
desse prazo é a publicação da relação de credores oferecida pelo
devedor. Se essa publicação for anterior ao edital contendo aviso
sobre a recepção do plano, este aviso é que definirá o início do
prazo.
Este plano poderá ser impugnado por um dos
credores que pode mostrar, por exemplo, que o plano lhe causaria
mais perdas que a outros credores, ou mesmo a outras categorias de
credores se acontecer a concretização do mesmo. Neste caso,
deve-se observar se não há um tipo de fraude no mecanismo de
aprovação do plano ou no processo de aprovação. Se houver
impugnação do pedido de recuperação a assembléia de credores
será convocada pelo juiz a fim de requerer a realização de laudo
econômico-financeiro e propor um plano alternativo de recuperação
judicial, por exemplo. Esta assembléia geral é constituída por classes
de credores. A classe I é composta de titulares de créditos trabalhistas
ou acidentários; a classe II de titulares de créditos com garantia real
e; classe II, formada de titulares de créditos quirografários, com
privilégios ou subordinados, de acordo com o art. 41 da LRE.
Se o plano de recuperação judicial for aprovado
pela Assembléia Geral de Credores, esta indicará os membros do
Comitê de Recuperação. Em seguida, o juiz o deferirá, constituindo-
se a sentença em título executivo judicial, cabendo ainda agravo por
parte de qualquer credor e do Ministério Público.
Após a juntada aos autos do plano aprovado pela
assembléia, o devedor deverá apresentar, sob pena de falência,
certidões negativas de débitos tributários. Mesmo a lei mencionando
certidão negativa, nada consta que seja positiva, sendo obtida
também mediante parcelamento do débito tributário, por força do
72
art. 155, a, § 3º, do CTN. Ao decidir, o juiz determinará a intimação do
Ministério Público e a comunicação às Fazendas Públicas.
Durante o processo de recuperação judicial o
devedor ou seus administradores poderão ser mantidos na
administração da empresa, exercendo normalmente suas atividades
de atos de gestão empresarial, sendo fiscalizados pelo administrador
judicial sob a supervisão do juiz e, se for o caso, pelo Comitê de
recuperação judicial. Não se trata de administração controlada, mas
fiscalizada.
O administrador judicial não tem poderes
gerenciais, mas pode ser responsabilizado civil e criminalmente se
praticar atos ilícitos, seja em prejuízo dos credores, seja contra o
devedor em recuperação. Deve ser profissional idôneo de nível
superior formado preferencialmente em Direito, Economia,
Administração de Empresas ou Contabilidade e de confiança do juiz.
Também pode ser pessoa jurídica especializada, caso em que
deverá ser declarado no termo de compromisso o nome do
profissional responsável.
Quanto ao Comitê sua constituição é facultativa,
depende de livre deliberação de qualquer das classes de credores.
Sua constituição deve ser fundamentada na necessidade. O Comitê
é composto de 3 (três) membros representando cada classe de
credores, cada um com dois suplentes. A presidência do Comitê
incumbe àquele indicado pelos seus próprios membros. Estão
impedidas de integrar o Comitê ou de exercer as funções de
administrador gestor as pessoas que nos últimos 5 (cinco) anos,
administraram ou integraram Comitê em empresa sujeita ao regime
de insolvência, foram destituídas, tiveram prestação de contas
rejeitada ou deixaram de prestá-la.
73
A satisfação de todas as obrigações assumidas no
plano de recuperação judicial, incluindo o pagamento dos credores,
autorizam o devedor a requerer ao órgão judiciário a sentença de
encerramento da recuperação judicial.
A sentença de cumprimento de recuperação
judicial não é declaratória de extinção das obrigações do devedor.
Não alcança os débitos renegociados no plano de recuperação. Na
verdade, declara que o plano foi cumprido, ou seja, que as
obrigações assumidas pelo devedor foram resolvidas pela execução
do plano.
FAZZIO JÚNIOR70observa que ao decretar o
encerramento da recuperação judicial, o juiz deve determinar:
• pagamento do saldo de honorários
devidos ao administrador judicial;
• saldo das custas judiciais não recolhidas;
• apresentação de relatório sobre a
execução do plano;
• dissolução do Comitê, se houver;
• exoneração do administrador judicial; e
• comunicação ao Registro de Empresas.
Qualquer credor pode postular a falência do
devedor se este descumprir qualquer obrigação integrante do plano
aprovado. Aliás, o descumprimento de encargo assumido pelo
devedor no plano já autoriza o juiz, independentemente de
70 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação de empresas, 2005.
74
provocação, a mudar a recuperação judicial para falência. Se isso
ocorrer, os credores terão seus direitos e garantias reconstituídos nas
condições originais, com a dedução dos valores porventura recebidos
e ressalvada a validade dos atos praticados durante a recuperação
judicial.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo principal
investigar, à luz da legislação, da doutrina, da jurisprudência nacional e do
direito extraterritorial, a evolução do direito falimentar, desde a execução
sobre o corpo do devedor, passando pela concordata até chegarmos ao
instituto da recuperação de empresas, que foi criado recentemente no
ordenamento jurídico nacional.
O interesse pelo tema deu-se em razão de sua
atualidade e pela diversidade que o tema vem sendo abordado no
contexto nacional e internacional.
Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido
em três capítulos, onde é apresentado de maneira clara e dinâmica os
conceitos de falência, concordata e recuperação de empresas e demais
assuntos ligados a estes temas.
A falência foi um marco na história mundial , pois com
ela o devedor deixou de pagar com seu próprio corpo pelas obrigações
assumidas. Com o passar dos anos, sofreu alterações necesarias diante
dos avanços do direito comercial, e isso foi muito importante para as
empresas, de um modo peral.
A concordata veio em seguida para dar continuidade
as inovações. Com ela, a empresa teve a chance que precisava para
dar continuidade aos negócios e não extingüir-se de vez. Foi a criação de
um processo intermediário à falência.
A recuperação de empresas surgiu com a Lei 11.101/05
e veio garantir de vez a recuperação da empresa em dificuldade,
oferecendo caminhos para o seu reerguimento, sem que este processo
76
trouxesse maiores maleficios aos que dela dependem, como credores,
empregados e a sociedade em peral. Foi uma vitória para empresas que
por diversos motivos tornaram-se insolventes.
Pela lei anterior, tinha-se como foco principal a
resolução dos problemas dos credores. Com esta lei visa-se a
recuperação da empresa como um todo.
Outra mudança foi em relação ao crédito trabalhista.
Apesar de a lei antiga proteger o trabalhador, era difícil ele receber seus
créditos, porque o Fisco tinha prioridade nos pagamentos. Com a nova lei
é garantido aos trabalhadores o pagamento de seus créditos, mediante a
obediência de determinados limites pré-estabelecidos.
A recuperação de empresas veio reforçar o direito
comercial num mundo globalizado em que as empresas precisam ter
lucros, mas, acima de tudo, ter responsabilidade com o meio social onde
estão inseridas e salvaguardar os interesses sociais da comunidade.
Estes processos que o direito comercial passou durante
todos estes anos nos mostrou que é preciso renovar sempre. A evolução
do mundo é a prova disso. Tudo muda, tudo se renova, tudo se moderniza.
A criação de mecanismos capazes de dar suporte
financeiro as empresas em dificuldade, com base no pensamento de que
as empresas não são entes isolados do meio social, e precisam continuar a
operar de forma adecuada foi um grande avanço.
Esta lei trouxe um fôlego a mais para diversas
empresas, pois apenas as empresas concordatárias que estejam em
situação "muito ruim" não terão condições de recuperação. A empresa
concordatária, por exemplo, poderá vender bens para quitar suas dívidas.
Uma alternativa é a entrada de um sócio. Se a empresa for vendida o
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novo dono não herda as dívidas fiscais e trabalhistas, ficando livre da
sucessão tributária. A nova lei oferece diversos modos/mecanismos para a
recuperação judicial.
Por fim, retoma-se as três hipóteses básicas da
pesquisa: a) no que foi demonstrado, a alteração da legislação falimentar
brasileira, foi um grande avanço consolidando no país a tendência
existente em outros países de instalar em seus ordenamentos jurídicos o
instítuto de recuperação de empresas.; b) Comprovou-se a hipótese de
que o novo instituto garantirá a função social das empresas, sendo
demonstrado que as empresas não estão isoladas do meio em que
convívem, pois é impossível de separar a empresa de sua função social; c)
por fim comprovou-se a hipótese de que, apesar de todas as críticas e
sugestões, esta lei foi um grande avanço do direito pátrio posibilitando aos
legisladores corrigirem injustiças históricas com o capital privado. Desta
forma se confirmaram as três hipóteses básicas de pesquisa.
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