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CADERNO DE F ´ ISICA DA UEFS 08 (01 e 02): 7-49, 2010 T ´ OPICOS DE ASTRONOMIA ESTELAR OBSERVACIONAL Rainer Madejsky Departamento de F´ ısica, Universidade Estadual de Feira de Santana; Avenida Transnordestina, s/n, Novo Horizonte, Campus Universit´ ario, 44036-900, Feira de Santana, BA, Brasil Este trabalho ´ e o segundo de uma s´ erie de artigos sobre astronomia e astrof´ ısica. Neste artigo ser˜ao apresentados t´ opicos de astrof´ ısica estelar com ˆ enfase em observa¸ oes astronˆ omicas, lembrando que em 2009, ano internacional da Astronomia, comemoraram-se os quatrocentos anos de observa¸ c˜oesas- tronˆ omicas com telesc´ opios. Depois de uma breve introdu¸ ao hist´ orica ser˜ ao discutidas as grandezas observ´ aveis de estrelas que levaram ` a constru¸ ao do diagrama Hertzsprung-Russell, o diagrama di- agn´ ostico mais importante da astrof´ ısica estelar. Em seguida ser˜ ao discutidos os espectros estelares, estrelas vari´ aveis, nebulosas planet´ arias e supernovas, as quais representam a fase final da evolu¸ c˜ao estelar. I. INTRODUC ¸ ˜ AO A astronomia observacional ´ e uma das ciˆ encias mais antigas e ao mesmo tempo uma das mais modernas. H´ a relatos de observa¸ oes celestes feitas pelos povos do Oriente M´ edio e do Extremo Oriente, mas a astronomia como a conhecemos hoje teve in´ ıcio somente na Gr´ ecia antiga. O primeiro cat´ alogo estelar contendo a maior quantidade de observa¸ oes astronˆ omicas da antiguidade com uma precis˜ ao que permitiu seu uso durante mais de um milˆ enio e meio, foi compilado por Hiparco (190–125 a.C.). Trˆ es s´ eculos mais tarde, Ptolomeu (90–170 d.C.) defendeu o sistema geocˆ entrico com base nos dados observacionais de Hiparco. A inven¸ ao do telesc´ opio e seu primeiro uso astronˆ omico por Galilei (1546–1642) em 1609, formou o funda- mento para o avan¸ co moderno ao espa¸ co. Durante os s´ eculos seguintes, as observa¸ oes com telesc´ opios cada vez mais modernos, e o avan¸ co nas ciˆ encias f´ ısicas, contribuiram para um entendimento cada vez mais detalhado da estrutura da Via L´ actea. Observa¸ oes de Herschel (1738–1822), que usou o telesc´ opio refletor constru´ ıdo por ele, contribu´ ıram de maneira deci- Endere¸ co Eletrˆ onico: [email protected] 7

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CADERNO DE FISICA DA UEFS 08 (01 e 02): 7-49, 2010

TOPICOS DE ASTRONOMIA ESTELAR OBSERVACIONAL

Rainer Madejsky∗

Departamento de Fısica, Universidade Estadual de Feira de Santana; Avenida Transnordestina,

s/n, Novo Horizonte, Campus Universitario,

44036-900, Feira de Santana, BA, Brasil

Este trabalho e o segundo de uma serie de artigos sobre astronomia e astrofısica. Neste artigo serao

apresentados topicos de astrofısica estelar com enfase em observacoes astronomicas, lembrando que

em 2009, ano internacional da Astronomia, comemoraram-se os quatrocentos anos de observacoes as-

tronomicas com telescopios. Depois de uma breve introducao historica serao discutidas as grandezas

observaveis de estrelas que levaram a construcao do diagrama Hertzsprung-Russell, o diagrama di-

agnostico mais importante da astrofısica estelar. Em seguida serao discutidos os espectros estelares,

estrelas variaveis, nebulosas planetarias e supernovas, as quais representam a fase final da evolucao

estelar.

I. INTRODUCAO

A astronomia observacional e uma das ciencias mais antigas e ao mesmo tempo uma das

mais modernas. Ha relatos de observacoes celestes feitas pelos povos do Oriente Medio e do

Extremo Oriente, mas a astronomia como a conhecemos hoje teve inıcio somente na Grecia

antiga. O primeiro catalogo estelar contendo a maior quantidade de observacoes astronomicas

da antiguidade com uma precisao que permitiu seu uso durante mais de um milenio e meio,

foi compilado por Hiparco (190–125 a.C.). Tres seculos mais tarde, Ptolomeu (90–170 d.C.)

defendeu o sistema geocentrico com base nos dados observacionais de Hiparco. A invencao do

telescopio e seu primeiro uso astronomico por Galilei (1546–1642) em 1609, formou o funda-

mento para o avanco moderno ao espaco. Durante os seculos seguintes, as observacoes com

telescopios cada vez mais modernos, e o avanco nas ciencias fısicas, contribuiram para um

entendimento cada vez mais detalhado da estrutura da Via Lactea. Observacoes de Herschel

(1738–1822), que usou o telescopio refletor construıdo por ele, contribuıram de maneira deci-

∗Endereco Eletronico: [email protected]

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siva para o conhecimento da distribuicao espacial das estrelas na vizinhanca solar. A primeira

medicao de uma paralaxe estelar com o metodo trigonometrico por Bessell (1838), permitiu

determinar pela primeira vez a distancia precisa de uma estrela, iniciando uma nova fase da

astronomia observacional. Nos anos seguintes foi possıvel determinar distancias de varias es-

trelas e foi introduzida a magnitude absoluta, que seria a magnitude observada se a estrela se

encontrasse numa distancia de 10 parsec (32 anos-luz). A aplicacao da espectroscopia resultou

na descoberta de uma grande variedade de espectros estelares. A classificacao das linhas espec-

trais segundo posicao e intensidade permitiu definir uma sequencia de espectros estelares. Com

as magnitudes absolutas conhecidas foi possıvel construir o primeiro diagrama Hertzsprung-

Russell. Somente o desenvolvimento da mecanica quantica permitiu explicar as caracterısticas

observadas nos espectros estelares.

Estrelas sao esferas de gas nas quais se estabelece um equilıbrio hidrostatico entre pressao

termica e pressao radiativa, ambas direcionadas para fora, e a forca gravitacional direcionada

para dentro. Uma estrela pode ser caracterizada por um conjunto de grandezas observaveis

como massa, raio, luminosidade, temperatura na superfıcie, composicao quımica, velocidade

rotacional, intensidade do campo magnetico, entre outras.

Em contraste com corpos lıquidos ou solidos, densidade e temperatura perto da superfıcie

da estrela diminuem lentamente e nao de maneira abrupta. Apesar deste comportamento

contınuo, o raio de uma estrela pode ser determinado com alta precisao porque a luminosidade

no visıvel e emitida quase inteiramente pela fotosfera, a qual no caso do Sol e uma camada

com espessura de 300 km, correspondendo a 1/2000 do raio solar. A temperatura aumenta de

4200 K no limite exterior da fotosfera a 6800 K no seu limite inferior. Entre o limite exterior e

inferior da fotosfera, a opacidade aumenta o suficiente para impedir a observacao de regioes mais

profundas. Radiacao emitida diretamente abaixo da fotosfera e absorvida e reemitida dentro

da fotosfera. Desta forma, o disco do Sol aparece na parte visıvel do espectro eletromagnetico

com um raio bem definido. Como a temperatura diminui entre a borda interna e externa da

fotosfera, define-se a temperatura efetiva Tef de uma estrela de luminosidade L e raio R atraves

da lei de Stefan-Boltzmann L/4πR2 = σT 4ef onde σ e a constante de Stefan-Boltzmann.

O Sol e a unica estrela da qual o raio pode ser observado diretamente. As demais es-

trelas encontram-se em distancias tao grandes que mesmo com os maiores e mais modernos

telescopios, os discos estelares nao podem ser resolvidos espacialmente. No entanto, em alguns

casos excepcionais, foi possıvel determinar o raio estelar durante um eclipse. Mais recente-

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mente, o desenvolvimento de tecnicas de interferometria permitiu determinar dezenas de raios

estelares.

A massa M de uma estrela pode ser determinada atraves da lei de Kepler quando a estrela se

encontra num sistema binario com raio da orbita e velocidade orbital conhecidos. Observacoes

mostram que pelo menos a metade das estrelas da vizinhanca solar se encontram em sistemas

binarios, desta forma foi possıvel determinar massas de inumeras estrelas.

Hoje sao conhecidas as grandezas M , R, L e Tef com alta precisao para milhares de estrelas

da vizinhanca solar. Representando num grafico logarıtmico a luminosidade de uma estrela em

funcao da temperatura Tef , esta ultima em sentido decrescente, obtem-se o diagrama classico

da astrofısica estelar, o Diagrama Hertzsprung-Russell (DHR). Uma caracterıstica importante

deste diagrama e que as estrelas nao se distribuem igualmente no diagrama. Definindo uma

amostra de todas as estrelas da vizinhanca solar ate uma certa distancia, observa-se que 95%

destas estrelas estao localizadas ao longo de uma linha chamada sequencia principal, o que

indica que luminosidade e temperatura nao sao grandezas independentes. Depois de uma fase

longa na sequencia principal, durante a qual a estrela queima hidrogenio em helio, a estrela se

afasta da sequencia principal e passa por curtas fases de variabilidade. O estudo de variabilidade

ajuda entender a configuracao fısica das estrelas. Observacoes de estrelas em aglomerados

abertos ou aglomerados globulares permitiram entender detalhadamente a evolucao estelar que

sera discutida num artigo subsequente.

A discussao dos topicos de astrofısica estelar observacional inicia com as grandezas ob-

servaveis de estrelas, o diagrama Hertzsprung-Russell (DHR), e os espectros estelares. A ap-

resentacao, do ponto de vista observacional, das estrelas variaveis, das nebulosas planetarias e

supernovas encerra este artigo.

II. GRANDEZAS OBSERVAVEIS DE ESTRELAS

A quase totalidade da informacao que se tem hoje sobre as estrelas chega aos telescopios

em forma de radiacao eletromagnetica. Uma excecao importante sao os raios cosmicos (ver

artigo 1), e os neutrinos. Esses fenomenos serao discutidos detalhadamente em outro contexto.

A energia E de um foton e dada por E = hν = hc/λ onde h e a constante de Planck

e c a velocidade da luz. A frequencia e ν e o comprimento de onda λ. Na espectroscopia

e comum usar o numero de onda k = ν/c cm−1 e a unidade de energia e o eletronvolt eV,

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sendo a energia que o eletron ganha quando passa por uma diferenca de potencial de 1 Volt.

Quando em equilıbrio termico, a energia e da ordem de grandeza kT onde k = 1.38 · 10−23 J

K−1 e a constante de Boltzmann. Desta forma obtem-se a correspondencia 1 eV = 1.6 · 10−19

J ≡ 8066 cm−1 = (12 398 A)−1 ≡ 11605 K. As principais regioes do espectro eletromagnetico

estao representadas na tabela 1.

A radiacao contınua das estrelas corresponde com aproximacao razoavel a lei de Planck da

radiacao termica. A emissao de um corpo negro em equilıbrio termico e descrito pela formula

de Planck:

Bν =2hν3

c21

ehνkT − 1

onde Bν e a energia irradiada por area, segundo, angulo solido e intervalo de frequencia [W

m−2 sr−1 Hz−1], tambem chamada de intensidade especıfica. O contınuo de alta energia hν ≫

kT, por exemplo no ultravioleta, pode ser descrito pela aproximacao de Wien Bν = 2hν3

c2 e−hνkT

e o de baixa energia hν ≪ kT, por exemplo no radio, pela aproximacao de Rayleigh-Jeans

Bν = 2ν2

c2kT . Como Bν ∼ T , e comum usar a temperatura em vez de Bν na radioastronomia.

Calculando Bλ pela condicao Bν |dν| = Bλ|dλ| e observando que dν = −(c/λ2)dλ, obtem-se

Bλ = 2hc2

λ5

1

ehc

λkT −1onde Bλ e a energia irradiada por area, segundo, angulo solido e intervalo

de comprimento de onda [p.ex. W m−2 sr−1 µm−1]. O comprimento de onda do maximo da

emissao λB pode-se calcular pela derivada (dBλ/dλ) = 0, obtendo a lei de deslocamento de

Wien

λB · T = 0.2897 cmK

Aplicando esta lei ao Sol com Tef = 5770 K obtem-se o maximo da emissao para λB = 5021

A, entre verde e amarelo. O maximo da emissao λB dos espectros contınuos e usado para

determinar de forma aproximada a temperatura de uma estrela. Integrando a distribuicao

espectral Bν sobre todas as frequencias de zero a infinito,∫

Bνdν, e sobre o angulo solido da

esfera, obtem-se a lei de Stefan-Boltzmann F ∼ σT 4 onde F e o fluxo total, ou intensidade [W

m−2], de uma estrela e σ = 5.67 × 10−5 erg cm−2 s−1 K−4 a constante de Stefan-Boltzmann.

A luminosidade total L, i.e. a energia emitida por tempo, de um corpo negro de raio R e

temperatura T e

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Tab. I: As principais regioes do espectro eletromagnetico, cada abrangendo varias ordens de grandeza.

Valores com precisao de ordem de grandeza.

Radiacao Comprimento de onda Energia [eV] Frequencia [Hz]

raios–γ < 10−2 A > 106 > 1021

raios–X 10−2 − 100 A 102 − 106 1016 − 1020

ultravioleta 100–4000 A 3− 102 1015 − 1016

visual 4000–7000 A 2–3 4− 7× 1014

infravermelho 7000–10000 A 1–2 > 1014

1–5 µm < 1 1014

5–40 µm 0.1 1013

40–400 µm 10−2 1012

microondas 400 µm–0.6 m 10−3 − 10−6 500 MHz – 300 GHz

radio > 1 cm < 10−5 < 1 GHz

L = 4πR2σT 4

.

A emissao do corpo negro e isotropica, desta forma o fluxo total pode ser calculado mul-

tiplicando∫

Bνdν com o angulo solido da esfera que e 4π. A intensidade I observada no

radio obtem-se, considerando temperatura constante, Iν =∫ τ0 Bνe

−τ ′dτ ′ = Bν

∫ τ0 e−τ ′dτ ′ =

Bν(1 − e−τ ) com a opacidade τ = κl onde κ e o coeficiente de absorcao e l o percurso. O co-

eficiente de absorcao κ deve ser determinado pelas regras da mecanica quantica para radiacao

livre-livre com o resultado que κ ∼ ν−2 e por conseguinte τ ∼ ν−2. Para um objeto opaco

(τ ≫ 1) obtem-se Iν = Bν ∼ ν2 e no caso opticamente fino (τ ≪ 1) obtem-se uma intensidade

Iν = Bν · τ ∼ ν0 constante em relacao a frequencia. A observacao da nebulosa de Orion no

radio mostra que ela se torna opaca para comprimentos de onda λ > 18 cm. O resultado

geral e que o ındice espectral α que caracteriza a intensidade em funcao da frequencia na lei

de potencias Iν ∼ να e sempre positivo α ∈ [0, 2] para radiacao termica no radio. No entanto,

as radiogalaxias mostram um ındice espectral negativo α = −0.7. Esta radiacao nao pode

ser termica. As observacoes indicam que se trata de radiacao sıncrotron emitida por eletrons

acelerados em campos magneticos, como sera discutido no contexto das galaxias ativas num

artigo subsequente desta serie.

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A. Magnitudes e filtros

A magnitude aparente de um astro e uma grandeza observavel que depende da sua distancia.

A unidade astronomica UA e o parsec pc sao as unidades de distancia mais usadas na astronomia

observacional. Uma unidade astronomica, definida como 1UA = 1.496×108 km, corresponde ao

raio medio da orbita da Terra em torno do Sol. Um parsec, 1 pc (parallax second), e a distancia

na qual 1 UA aparece sob um angulo α = 1”. Um segundo de arco 1′′ e a unidade angular

usada na astronomia observacional por corresponder aproximadamente a resolucao tıpica de

telescopios operados na superfıcie terrestre, este limite de resolucao espacial sendo imposto

pelas turbulencias atmosfericas. Pela trigonometria obtem-se a paralaxe de uma estrela na

distancia r tanα ≈ α = 2π/(360 · 3600) · 1UAr ou invertendo para α = 1”, obtem-se o parsec

1pc = 206264.8UA = 3.0857 × 1013 km.

A partir do fluxo monocromatico fλ (intensidade de radiacao num intervalo estreito de λ)

da estrela define-se a magnitude aparente m = −2.5 log fλf0, onde f0 define a magnitude zero

(tabela 2). Menor o valor dem, maior o brilho da estrela. Historicamente foi atribuıdo um valor

entre 1m e 6m a magnitude aparente de estrelas visıveis no ceu sem uso de um telescopio. Ha

poucas estrelas com magnitude aparente abaixo de 1m. Sirius (α Canis Maior), a estrela mais

brilhante no ceu noturno, tem magnitude aparente −1.5m. A segunda estrela mais brilhante e

Canopus (α Carinae) com −0.8m. Alem destas estrelas existem poucos astros com magnitude

aparente negativa. Jupiter tem magnitude aparente negativa, e os planetas Venus, Marte

e Mercurio tem magnitude aparente negativa durante a maior parte das diferentes fases de

iluminacao pelo Sol. A Lua cheia tem −12.55m e o Sol tem −26.86m.

O fluxo monocromatico fλ de uma estrela de luminosidade Lλ com emissao isotropica (emi-

tida num intervalo estreito de λ) diminui com a distancia r como fλ = Lλ/4πr2. A luminosidade

e a energia da estrela emitida por tempo. A luminosidade solar total, somando sobre o inteiro

espectro eletromagnetico, L⊙ = 4πR2⊙σT

4⊙ = 3.85 · 1026 W e usada na astrofısica estelar e

extragalactica como luminosidade padrao.

A magnitude absoluta M e definida como a magnitude aparente de uma estrela que se

encontra numa distancia de 10 pc, m(r = 10pc) = M . Com a definicao da magnitude aparente

obtem-se M = −2.5 log f10f0

, onde f10 e o fluxo monocromatico da estrela numa distancia r = 10

pc.

Uma grandeza muito importante e o modulo de distancia m−M = −2.5 log fλf0+2.5 log f10

f0=

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Tab. II: Transmissao maxima, largura e constantes f0 que definem a magnitude zero do sistema de filtros

mais usado.

Filtro λ0 [µm] ∆λ0 [µm] f0 [W m−2 µm−1]

U 0.365 0.068 2.26× 10−7 ultravioleta

B 0.44 0.098 1.10× 10−7 azul (blue)

V 0.548 0.089 3.92× 10−8 visual

R 0.70 0.22 1.76× 10−8 vermelho (red)

I 0.90 0.24 8.3× 10−9 infravermelho

J 1.25 0.30 3.4× 10−9 infravermelho

H 1.65 0.35 7× 10−10 infravermelho

K 2.20 0.40 3.9× 10−10 infravermelho

L 3.40 0.55 8.1× 10−11 infravermelho

M 5.0 0.3 2.2× 10−11 infravermelho

N 10.2 5 1.23× 10−12 infravermelho

Q 21.0 8 6.8× 10−14 infravermelho

2.5 log(f10/fλ) = 5 log(r/10pc) = 5 log r−5 (r em [pc]). Quando a magnitude absoluta de uma

estrela e conhecida, a sua magnitude aparente determinada com um telescopio, permite calcular

diretamente a distancia da estrela em pc: r [pc] = 100.2(m−M)+1.

Uma observacao feita a partir de um observatorio na superfıcie terrestre sofre de absorcao

quando a luz da estrela atravessa a atmosfera terrestre. Ao longo do espectro eletromagnetico

abrangendo mais de vinte ordens de grandeza em comprimento de onda, quase todos os com-

primentos de onda sao absorvidos eficientemente pela atmosfera, com excecao da radiacao da

janela optica e da janela no radio.

Nas observacoes astronomicas sempre sao usados filtros para selecionar fotons dentro de um

determinado intervalo de comprimento de onda. O sistema de filtros mais usado e o sistema

UBV e no infravermelho o sistema introduzido por Johnson com os filtros R I J H K L M

N Q. O comprimento de onda de transmissao maxima, largura e o fluxo monocromatico que

corresponde a magnitude zero, consta para cada um destes filtros na tabela 2. Estes filtros de

banda larga tem tipicamente uma largura ∆λ/λ ∼ 0.2. Quando uma observacao e realizada

com uso de um filtro, a magnitude refere-se a fracao dos fotons transmitidos pelo filtro em

relacao a todos os fotons incidentes. A uma observacao realizada com o filtro U (ultravioleta)

corresponde uma magnitude mU , ao filtro B (blue) mB , V (visual) mV , R (red) mR e ao filtro

I (infrared) mI . De forma mais compacta usa-se a notacao U = mU , B = mB, V = mV ,

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R = mR. I = mI . A transmissao maxima ocorre nos filtros U, B e V para os comprimentos de

onda λU ≈ 3650A, λB ≈ 4400A, λV ≈ 5480A.

As constantes f0 que aparecem na definicao da magnitude aparente sao definidas de tal

forma que resultem em magnitudes aparentes iguais em todos os filtros para uma estrela A0V

da sequencia principal e do tipo espectral A0, por exemplo α Lyrae (= Vega). Desta forma

obtem-se mU = mB = mV = mR = mI = · · · ou U = B = V = R = I = · · · para uma

estrela do tipo A0V.

Origem e caracterısticas da absorcao na atmosfera serao discutidas num artigo subsequente

(ver tambem Artigo 1). Valores tıpicos de absorcao em boas condicoes observacionais sao em

B ∆mB = 0.19 mag, em V ∆mV = 0.12 mag e em R ∆mR = 0.08 mag para cada massa de ar

(airmass). Um aumento ∆m = 0.19, 0.12, 0.08 corresponde a uma diminuicao da intensidade

de 16%, 10% e 7%, respectivamente. Quando a estrela se encontra no zenite, a massa de ar e

da unidade (airmass = 1), quando a distancia ao zenite e α, a massa de ar e igual a 1/cosα.

Uma quantidade U−B e B−V chama-se ındice de cor, ou simplesmente cor, e mede a razao

entre dois fluxos de diferentes comprimentos de onda. Usa-se a convencao de subtrair a magni-

tude correspondendo ao filtro com maior comprimento de onda, da magnitude correpondendo

ao filtro com menor comprimento de onda (’mazul −mvermelho’). O ındice de cor obtido pela

diferenca das magnitudes aparentes de dois filtros, depende da distribuicao de energia nos es-

pectros estelares. Considerando os espectros estelares de acordo com a radiacao do corpo negro,

na aproximacao de Wien Bν = (2hν3/c2) · exp(−hν/kT ) e calculando as magnitudes para os

maximos de transmissao dos filtros obtem-se para uma estrela A0V com temperatura T = 15000

K, um ındice B − V = 7 · 103(1/T − 1/15000). Este resultado mostra que o ındice B − V e

correlacionado com a temperatura da estrela. Os ındices de cor U−B e B−V dependem, alem

da temperatura efetiva, da gravidade na fotosfera e da luminosidade da estrela. Em geral, a cor

pode ser observada com uma precisao melhor de 1% e com esta precisao pode-se determinar

uma diferenca de temperatura entre duas estrelas. A correcao bolometrica B.C. = mbol − V

(bolometric correction) e a diferenca entre magnitude bolometrica mbol, a qual e obtida depois

da integracao sobre todos os comprimentos de onda, e a magnitude aparente V. O calculo da

correcao bolometrica requer o conhecimento detalhado da distribuicao espectral, a qual no UV

nao e bem conhecida para muitas estrelas. A correcao bolometrica e normalizada para as estre-

las do tipo espectral G2V, desta forma, B.C. = mbol − V = 0 para o Sol. As maiores correcoes

sao necessarias para as estrelas mais quentes, p.ex. B.C.(O5V, Tef = 44500K) = −4.2.

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B. O Diagrama Hertzsprung-Russell (DHR)

No decorrer dos anos, as cores U − B e B − V foram determinadas para inumeras estre-

las. Representando as cores num grafico com U − B em funcao de B − V , observou-se que a

maioria das estrelas se concentra ao longo de uma linha (figura 1). Historicamente foram esses

diagramas de duas cores que levaram a descoberta das relacoes entre as grandezas observaveis,

resultando posteriormente na formulacao das configuracoes fısicas das estrelas. Com o pro-

cedimento adotado acima na aproximacao de Wien, pode-se relacionar a cor com parametros

como luminosidade e temperatura. O diagrama da luminosidade versus temperatura efetiva

chama-se diagrama Hertzsprung-Russell (DHR) e e o diagrama classico da astronomia estelar

observacional.

Fig. 1: Diagrama magnitude-cor tıpico de um aglomerado aberto jovem (magnitude aparente V em

funcao da cor B–V). Quase todas as estrelas do aglomerado encontram-se na sequencia principal. So-

mente poucas das estrelas mais massivas tiveram tempo de se afastar da sequencia principal e se encon-

tram na regiao das gigantes vermelhas acima da sequencia principal.

O Diagrama Hertzsprung-Russell e um grafico da luminosidade L (em escala logarıtmica,

ou da magnitude absoluta em escala linear) em funcao da temperatura efetiva Tef (figura 2).

A maioria das estrelas encontram-se ao longo de uma linha, a sequencia principal. Estrelas

da sequencia principal queimam nas suas regioes centrais hidrogenio para helio H → He, de

maneira que a massa e a composicao quımica determinam Tef e L. A sequencia principal e

uma sequencia de massa, as estrelas mais massivas se encontrando no canto superior esquerdo,

e as de baixa massa no canto inferior direito, com as estrelas mais massivas neste diagrama

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(figura 2) tendo massas de M ∼ 15M⊙, enquanto as estrelas menos massivas tem massas de

M ∼ 0.5M⊙. Segundo os modelos teoricos considera-se o limite superior de massa de uma

estrela Mmax ∼ 100M⊙. No entanto, recentemente foi descoberta uma estrela no aglomerado

jovem RMC 136a com uma massa de M = 265M⊙, com temperatura T = 40 000 K e uma

luminosidade L = 107L⊙. Devido a grande pressao de radiacao, a estrela R136a1 desde a

sua formacao perdeu uma fracao consideravel de sua massa, permitindo calcular a sua massa

inicial de Mi ∼ 320M⊙, a qual e imcompatıvel com os modelos convencionais da evolucao

estelar. Estrelas com massa inferior a M ∼ 0.08M⊙ nunca atingem a temperatura central

necessaria para realizar a queima do hidrogenio. Estas quase-estrelas chamam-se anas marrons

ou jupiters. Depois de queimar aproximadamente 10% do hidrogenio, as estrelas comecam a

se afastar da sequencia principal. No contexto da evolucao estelar, esta sequencia chama-se

sequencia principal de idade zero (ZAMS - zero age main sequence). Os espectros estelares

contınuos sao na maioria bem representados pela radiacao do corpo negro. No entanto, ha

desvios sistematicos da lei de Planck como evidenciado pelo escurecimento de limbo no Sol,

efeito que deve ocorrer tambem em outras estrelas, alem de outras contribuicoes como as de

linhas espectrais, principalmente perto dos limites das series espectrais. Desprezando estes

desvios sistematicos, obtem-se depois da integracao sobre todos os comprimentos de onda para

uma estrela com uma superfıcie 4πR2 a luminosidade total L = 4πR2σT 4ef .

Uma estrela que se encontra no diagrama Hertzsprung-Russell em cima a direita tem baixa

temperatura (Tef ց) e alta luminosidade (L ր), por conseguinte, a superfıcie deve ser muito

grande. As estrelas gigantes (frias e luminosas), encontram-se no canto superior direito. Uma

estrela que se encontra no diagrama Hertzsprung-Russell em baixo a esquerda tem alta tem-

peratura (Tef ր) e baixa luminosidade (L ց), por conseguinte, a superfıcie deve ser muito

pequena. No canto inferior esquerdo encontram-se as estrelas anas (quentes e pouco luminosas).

Desta forma fica claro que perpendicular a sequencia principal varia o raio estelar, com as es-

trelas anas abaixo e as estrelas gigantes acima da sequencia principal, e ao longo da sequencia

principal varia a massa, com as estrelas mais massivas em cima e as menos massivas em baixo.

Aglomerados abertos sao concentracoes de 102 a 103 estrelas distribuıdas num raio de ate 10

pc. Todas as estrelas tem a mesma idade e se encontram na mesma distancia, desta forma o

estudo observacional da evolucao das estrelas torna-se mais simples. O diagrama magnitude-cor

representado na figura 1 contem as mesmas informacoes que um diagrama Hertzsprung-Russell

pelo modulo de distancia m−M ser constante para todas as estrelas do aglomerado.

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Fig. 2: Diagrama Hertzsprung-Russell de estrelas brilhantes (luminosidade em unidades da luminosidade

solar em funcao da temperatura efetiva). A sequencia principal e indicada pela linha tracejada. Anas

brancas encontram-se abaixo, estrelas gigantes acima da sequencia principal (Scheffler e Elsasser).

Aglomerados globulares sao aglomerados velhos com uma idade igual a da Via Lactea, contendo

entre 105 e 107 estrelas num raio de ate 50 pc. No diagrama Hertzsprung-Russell a sequencia

principal e mais curta porque as estrelas mais massivas tiveram tempo suficiente para evoluir

e se afastar da sequencia principal. A posicao do joelho no diagrama permite determinar a

idade do aglomerado. O estudo sistematico de diagramas Hertzsprung-Russell para numerosos

aglomerados com uma grande variedade de idades estelares permitiu entender detalhadamente

a evolucao estelar. Este sera o assunto do artigo subsequente nesta serie.

O diagrama Hertzsprung-Russell da figura 2 representa na maioria estrelas brilhantes. A

linha diagonal e a sequencia principal. Acima da linha encontram-se estrelas gigantes, abaixo

estrelas anas. A luminosidade varia por mais de oito ordens de grandeza.

A figura 3 e o diagrama Hertzsprung-Russell para 6700 estrelas. Em vez da luminosidade

usa-se para a ordenada a magnitude absoluta MV e em vez da temperatura usa-se o tipo

espectral. A sequencia de tipos espectrais O, B, A, F, G, K e M e uma sequencia de temperatura

decrescente. Erros na determinacao de MV causados principalmente pela incerteza na distancia

se refletem em deslocamentos verticais enquanto os erros na determinacao do tipo espectral sao

pequenos. A definicao desta amostra limitada pela magnitude aparente da estrela, introduz

um efeito de selecao. Estrelas gigantes sao mais luminosas que estrelas da sequencia principal,

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Fig. 3: Diagrama Hertzsprung-Russell para 6700 estrelas com as classes de luminosidade (de cima para

baixo): I e II-hiper- e supergigantes, III–gigantes, IV–subgigantes, V–sequencia principal, VI–sub-anas,

anas brancas (Scheffler e Elsasser).

podendo ser observadas ate distancias maiores, abrangendo um volume maior. Devido a este

efeito de selecao, tem um numero grande de estrelas gigantes que se encontram numa fase

avancada da evolucao estelar. A sequencia principal corresponde a classe luminosidade V. As

classes luminosidade IV a I correspondem as estrelas gigantes: IV – subgigantes, III – gigantes,

II – supergigantes, I – hipergigantes. A classe VI (sub-anas) e pouco usada. Finalmente ha

uma classe luminosidade das anas brancas (sem ındice).

C. Massa

As massas estelares representam a quantidade de materia disponıvel para a producao de

energia. A massa e uma grandeza que varia pouco em comparacao com outras grandezas, como

luminosidade L, raio R e temperatura T , exceto durante a fase final da evolucao estelar. A

unica maneira direta de determinar a massa de uma estrela com alta precisao e atraves do

estudo da interacao gravitacional com outras massas. Evidentemente sao as estrelas binarias

visıveis que representam o melhor ambiente para determinar massas estelares. Aplicando a

terceira lei de Kepler a um sistema binario obtem-se a soma das duas massas

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M1 +M2 =4π2a3

GP 2

onde a e o semi-eixo maior, G a constante da gravitacao e P o perıodo da orbita. Se a e dado

em UA e P em anos, a soma das massas em massas solares M⊙ e dada por M1 +M2 = a3/P 2.

Quando o sistema binario pode ser resolvido visualmente em duas estrelas, pode-se determinar

o semi-eixo maior (em [”]), excentricidade e e inclinacao i da orbita elıptica. Conhecendo a

distancia do sistema r [pc] obtem-se a = a[”] · r e com o perıodo P obtem-se M1+M2. Atraves

das orbitas individuais a1 e a2 das duas estrelas relativo ao centro de massa, e possıvel calcular

as duas massas individuaisM1/M2 = a2/a1. Erros na distancia do sistema binario propagam-se

com a terceira potencia para a determinacao da massa.

D. Raio

A medicao de raios estelares nao e possıvel diretamente. O Sol apareceria numa distancia

de 10 pc com um diametro angular de apenas 0.”001, muito menor que a resolucao de qualquer

telescopio optico. Os raios estelares podem ser determinados em alguns casos excepcionais

durante eclipses, ou com metodos de interferometria.

O raio de uma estrela binaria eclipsante pode ser determinado quando a inclinacao i en-

tre vetor normal do plano orbital e linha de visada e i ≈ 90o, neste caso seni ≈ 1. Estas

na maioria sao estrelas variaveis binarias nao resolvidas espacialmente, as chamadas estrelas

binarias fotometricas. O exemplo classico e β Persei (Algol) composto por uma estrela de alta

temperatura e outra de baixa temperatura com perıodo orbital de 2.9d. A curva de luz repre-

sentada na figura 4 permite determinar o tempo de contato aparente t1, t2, t3, t4. Sendo D e d

os diametros da estrela maior e menor, respectivamente, U a circunferencia da orbita circular

da estrela menor, e P o perıodo orbital, tem-se durante o eclipse que

t4 − t1/P = D + d/U e t3 − t2/P = D − d/U .

Quando se trata de uma estrela binaria espectroscopica, o espectro mostra deslocamentos

Doppler das linhas de absorcao das duas estrelas (figura 10), fornecendo desta forma a veloci-

dade relativa, e permitindo determinar a circunferencia da orbita U = v · P e por conseguinte

os raios estelares D e d. O efeito Doppler mostra que para velocidades nao-relativısticas v ≪ c

o deslocamento e dado por ∆λ/λ ≈ v/c. No caso geral, e necessario considerar a geometria

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completa da orbita. A forma da curva de luz observada depende da inclinacao orbital. Outras

dificuldades sao devidas ao escurecimento entre centro e bordo do disco estelar, e em casos

extremos, eventualmente a deformacao da estrela pelas forcas de mare.

No caso mais comum de uma estrela binaria espectroscopica nao se tem conhecimento da

inclinacao i da orbita. Por conseguinte, pode ser observada somente a componente da velocidade

ao longo da linha de visada v · seni. Quando somente um dos dois espectros e visıvel e o

perıodo orbital T e conhecido, pode-se determinar a projecao do eixo maior a1seni e obtem-se

(m1 + m2)(m2/m1 + m2)3sen3i = m3

2sen3i/(m1 + m2)

2 = (a1seni)3/T 2. O segundo termo

chama-se funcao de massa.

Quando os dois espectros sao visıveis (figura 10) e quando a medicao do deslocamento

absoluto das linhas e possıvel, pode-se determinar a projecao dos dois eixos maiores a1seni e

a2seni o que permite determinar M1sen3i e M2sen

3i. As massas determinadas desta forma sao

massas mınimas. Numa amostra com inclinacoes aleatorias espera-se um fator de correcao de

sen3i = 0.59.

Fig. 4: Modelo de um sistema binario eclipsante para interpretar a curva de luz (variacao da magnitude

em funcao do tempo) de VV Orionis: eclipse da estrela mais luminosa do tipo espectral B2, pela

componente menos luminosa (∆m = 4m) de tipo espectral A. O perıodo orbital e P = 1.d485 e a

magnitude e indicada relativo ao mınimo. A comparacao da curva de luz com curvas de luz teoricas

permite determinar ambos raios estelares, neste caso sendo R1 = 3.3R⊙ e R2 = 1.65R⊙ (Huffer, Kopal,

1951, Astrophysical Journal 114).

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Voi160 Uns99

Fig. 5: O princıpio da interferometria (esquerda): uma estrela produz um sistema de listras de in-

terferencia. O classico interferometro de Michelson (direita). A distancia Opt. Lett. UV e constante

enquanto a distancia Opt. Lett. AB e variavel. O sinal observa-se no foco Cassegrain E (Unsold e

Bascheck).

A curva de luz varia de maneira sistematica dependendo da geometria do sistema binario.

Construindo curvas de luz teoricas e comparando com a curva de luz observada permite de-

terminar a geometria do sistema binario. Algumas curvas de luz indicam a presenca de mais

estrelas. Desta forma foram descobertos muitos sistemas multiplos, contendo tres, quatro ou

mais estrelas.

E. Interferometria

Alem dos metodos classicos de eclipse, existem varios metodos de interferometria. O

fenomeno de difracao da mecanica ondulatoria limita a resolucao espacial de um telescopio.

Para descrever a difracao, considera-se uma onda plana que passa por uma fenda de largura

d. A intensidade do feixe observado depois da fenda varia dependendo do angulo sob o qual

o feixe e observado. Imagina-se que o feixe observado e dividido, por exemplo, em 100 feixes

elementares. Obtem-se nenhum sinal se o feixe no. 1 tem diferenca de percurso de λ/2 com

o feixe no. 51, i.e. quando λ = dsenα. Neste caso, ha interferencia destrutiva para os feixes

(1,51) e tambem para (2,52), (3,53), ... (50,100), resultando em um mınimo com intensidade

zero. O proximo mınimo observa-se para 2λ = dsenα, e em geral, observam-se mınimos para

nλ = dsenα, onde n e um numero inteiro. Da mesma forma dividindo o feixe em, por ex-

emplo, 150 feixes elementares com diferenca de percurso de λ/2 entre feixe 1 e 51, obtem-se

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interferencia destrutiva para os feixes (1,51), (2,52), ... (50,100), mas os feixes de 101 ate

150 nao se cancelam perfeitamente, resultando em um sinal nao-nulo. A intensidade destes

maximos que se observam sob angulos (n+ 1/2)λ = dsenα diminui rapidamente com a ordem

n, resultando em um tıpico grafico de difracao. Usando uma fenda circular de raio r obtem-se

os mınimos de difracao para senα = (n/2π)(λ/r) com os valores das primeiras quatro ordens

de n = 1.22π, 2.23π, 3.24π, 4.24π. A figura de difracao produzida por uma fenda circular e

composta de aneis concentricos espacados em α segundo a formula acima. Quando se observa

a figura de difracao por uma lente com distancia focal f , pode-se observar o disco de difracao

de primeira ordem com diametro d1 = 2f(1.22π/2π)(λ/r) = 1.22fλ/r. O espelho principal de

um telescopio tem o mesmo efeito de uma fenda circular. A imagem de uma fonte puntiforme,

por exemplo uma estrela muito distante, no plano focal do telescopio nao e um ponto mas

um disco de difracao. A resolucao do telescopio e limitada pelo tamanho do disco de difracao

de um objeto puntiforme e e dada por 2senα = 1.22λ/r. Como exemplo, uma estrela binaria

considera-se resolvida quando o primeiro mınimo de difracao de uma das duas estrelas coincide

com a posicao do maximo central da outra estrela. Um telescopio com um espelho principal

de diametro de 2.2m para λ5800 A tem uma resolucao teorica de 0.”12. Esta resolucao nao e

atingida em exposicoes comuns (texp ≫ 0.01 s) devido as turbulencias atmosfericas, fenomeno

conhecido como seeing. No metodo speckle, o tempo de exposicao (integracao) e escolhido

suficientemente curto para eliminar as turbulencias atmosfericas, as manchas (speckles) repre-

sentando os discos de difracao do telescopio.

Para analisar o interferometro estelar considera-se que a luz da estrela passa por duas fendas

com distancia D entre si (Fig. 5). Um objeto puntiforme (linha contınua) produz um sistema de

listras de interferencia. Observam-se maximos quando a diferenca de percurso e um multiplo

inteiro do comprimento de onda: γ = nλ/D (n=1,2,3,...). Uma outra onda plana (linha

tracejada) que faz um angulo α/2 com a primeira onda plana, tambem produz um sistema

de listras de interferencia. Ocorre amplificacao (interferencia construtiva) dos dois sistemas de

listras de interferencia quando α/2 = nλ/D e ocorre cancelamento (interferencia destrutiva)

dos dois sistemas de listras de interferencia quando α/2 = (n + 1/2)λ/D. A luz da estrela

com diametro angular α e composta de ondas planas de diferentes pontos da superfıcie estelar

com todos os valores entre −α/2 e +α/2. Todos estes sistemas de listras de interferencia se

superpoem: quando α ≪ γ, os sistemas de listras de interferencia, os quais sao distribuıdos

sobre uma regiao do tamanho angular de α, permanecem, i.e., a estrela aparece como uma

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estrela puntiforme. Aumentando continuamente a base D, o angulo γ diminui enquanto α

permanece constante, ate o momento em que os dois sistemas de listras de interferencia se

superpoem de tal maneira que as listras de interferencia desaparecem. Isto acontece quando

γ = α = λ/D. Como os valores de γ e D sao conhecidos, pode-se calcular o diametro angular

α da estrela. Conhecendo a distancia da estrela, o raio linear da estrela pode ser determinado.

A Tabela 3 mostra os resultados obtidos usando diferentes metodos de interferometria para a

medicao de raios estelares.

Tab. III: Raios estelares determinados com os metodos de interferometria AI (amplitude interferometer),

BTI (Brown Twiss interferometer), MI (Michelson interferometer), SI (speckle interferometer) e eclipse

pela Lua LE (lunar eclipse). A primeira e segunda coluna da tabela indicam nome e tipo espectral da

estrela. A terceira coluna indica o diametro angular da estrela determinado pelo metodo indicado na

quarta coluna. A quinta coluna indica a paralaxe trigonometrica da estrela, o inverso deste valor sendo

a distancia da estrela em [pc]. Na ultima coluna constam os raios estelares em unidades do raio solar

R⊙.

Estrela tipo MK diametro angular [”] metodo paralaxe [”] R [R⊙]

α Eri B3Vp 0.00192 BTI 0.025 8.3

o Ceti M6IIIe 0.047 / 0.034 MI / SI 0.0087 500

α Tau K5III 0.020 / 0.024 / 0.020 MI / AI / LE 0.048 45

α Ori M1.5Iab 0.047 / 0.051 / 0.049 MI / AI / SI 0.0071 700

β Ori B8Ia 0.00255 BTI – –

α CMa A1V 0.00589 BTI 0.377 1.68

α CMi F5IV-V 0.0055 BTI 0.285 2.08

ζ Pup O4ef 0.00042 BTI 0.0022 20

α Leo B7V 0.00137 BTI 0.041 3.6

α Boo K2IIIp 0.020 / 0.026 / 0.022 MI / AI / SI 0.09 27

α Sco M1.5Iab 0.040 / 0.040 / 0.042 MI / LE / SI 0.0056 800

α Her M5Ib-II 0.030 / 0.031 MI / SI 0.0170 190

α Lyr A0V 0.00324 BTI 0.126 2.76

α Aql A7IV-V 0.00298 BTI 0.197 1.63

α Gru B7IV 0.00102 BTI 0.057 1.92

α PsA A3V 0.00210 BTI 0.149 1.52

O metodo interferometrico classico para determinar raios estelares e o interferometro de

Michelson (figura 5 direita): a onda plana de uma estrela incide sobre duas fendas numa

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distanciaD entre si e os dois feixes resultantes se superpoem. Se a luz da estrela e perfeitamente

paralela (estrela puntiforme correspondendo a uma distancia infinita), a imagem resultante da

interferencia mostra listras de interferencia espacadas por λ/D. Isto tambem vale para qualquer

ponto escolhido da superfıcie de uma estrela com um diametro angular de tamanho finito. Os

sistemas de listras oriundos de pontos diferentes da superfıcie estelar, aparecem deslocados

entre si, dependendo somente das distancias angulares entre si. As listras de interferencia

desaparecem quando o diametro angular da estrela corresponde a λ/D. Usando este metodo,

varia-se continuamente a distanciaD = Opt. Lett. AB entre as duas fendas ate que desaparecem

as listras de interferencia. Este metodo tambem e limitado pelas turbulencias atmosfericas

(seeing) quando o diametro angular da estrela e menor que 0.”01. Com o interferometro de

Michelson foram determinados os raios de mais de dez estrelas gigantes e supergigantes na

vizinhanca solar. Uma modificacao moderna deste metodo e o interferometro de amplitudes

(AI).

Com o interferometro de intensidades desenvolvido por Brown e Twiss (BTI) foi possıvel

medir diametros angulares de estrelas da sequencia principal entre B0 e F5. A ideia basica deste

metodo e que as intensidades produzidas por uma estrela em dois pontos a uma distancia D

entre si, sao correlacionadas. Dependendo do diametro angular, esta correlacao diminui quando

D aumenta. As intensidades observadas por dois telescopios na distancia D sao correlacionadas

no interferometro de Brown e Twiss (BTI). Depois de calcular os valores dos coeficientes de cor-

relacao em exposicoes de longa duracao, as turbulencias atmosfericas sao eliminadas, resultando

em erros na determinacao dos diametros angulares em torno de 0.”0001. Este metodo esta lim-

itado a estrelas brilhantes de ate 2.5m. Na figura 5 e representado o classico interferometro de

Michelson usado no observatorio Mt. Wilson, permitindo distancias de base D entre 6 m e 15

m. No observatorio da universidade de Sydney o BTI e usado com dois telescopios com uma

base de ate 188 m.

Com o metodo de interferometria speckle (SI) e possıvel diminuir ainda mais o efeito das

turbulencias atmosfericas (seeing). O disco de seeing de uma estrela e composto por uma grande

sequencia de manchas (speckles) com variacoes muito rapidas. Cada mancha e uma estrutura de

interferencia, devido a deformacoes irregulares da frente de onda pelas turbulencias atmosfericas

em pequena escala. Cada mancha (speckle) tem o tamanho tıpico do disco de difracao. O

registro das imagens speckle requer exposicoes de 0.01 s e menor o que corresponde ao tempo

tıpico das turbulencias atmosfericas. Uma sequencia de imagens speckle contem muito mais

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informacao que uma exposicao de longa duracao na qual, depois da superposicao de um numero

muito grande de speckles, se obtem somente o valor medio de muitas manchas.

Outro fenomeno que permite determinar o diametro angular de uma estrela e eclipse da

estrela pela Lua (LE). Como a Lua nao possui atmosfera, nao e necessario corrigir pela refracao.

Durante o eclipse, devido a difracao pelo bordo do disco da Lua, a luminosidade nao diminui

de maneira monotona, mas e composta por uma sequencia de oscilacoes com amplitudes que

sao menores para uma estrela com diametro angular finito do que para uma estrela puntiforme.

Com a teoria da difracao e possıvel determinar o diametro angular a partir da curva de luz

observada durante o eclipse. Este metodo foi aplicado no caso de α Scorpius (Antares) e

resultou num raio de 800 R⊙, mas entra uma incerteza devido a falta de conhecimento da

contribuicao do escurecimento entre o centro e o bordo da estrela observada durante o eclipse.

Este metodo tambem e usado para determinacao do tamanho de fontes de radio.

III. ESPECTROS ESTELARES

O espectro estelar com mais caracterısticas detalhadas conhecidas e o espectro solar. A

figura 6 mostra o espectro solar na janela optica com centenas de linhas espectrais, entre elas

as primeiras linhas de Balmer (Hα, Hβ, Hγ , Hδ) do atomo de hidrogenio, frequentemente as

linhas mais fortes na parte visıvel de um espectro. Tambem ha linhas de varios dos mais

abundantes elementos como Ca, Fe, Na. Do espectro solar optico na regiao λλ = 2935 − 8770

A sao identificadas mais de 22,000 linhas, o que corresponde a 75% de todas as linhas detectadas

nesta regiao do espectro eletromagnetico. A grande maioria sao linhas de atomos, mas tambem

estao presentes linhas de moleculas como CN, CO, CH, OH, C2, MgH. Uma parte das linhas

ainda nao identificadas devem ser linhas moleculares.

O espectro solar abaixo da janela optica, no ultravioleta, observado a partir do espaco mostra

linhas de emissao ate λ = 1900 A. As linhas de emissao sao produzidas na cromosfera do Sol

que e uma camada acima da fotosfera com uma espessura de 3000 km, na qual a temperatura

aumenta. Para comprimentos de onda maiores que λ = 1900 A observam-se somente linhas de

absorcao as quais tem origem na fotosfera.

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Tab. IV: Grandezas observaveis L, T,M,R, ρ, g de estrelas de tipo espectral O a M da sequencia principal

(classe de luminosidade V), de estrelas gigantes (III) e de supergigantes (I) e magnitudes absolutas MV

em [m] e cores (B − V ) em [m]. As grandezas sao indicadas em unidades solares: luminosidade solar

L⊙ = 3.85 · 1026 W, massa solar M⊙ = 1.99 · 1030 kg, raio solar R⊙ = 6.96 · 105 km, densidade solar

media ρ⊙ = 1.41gcm−3 e gravidade solar na fotosfera g⊙ = 2.74 ·102ms−2. A temperatura da fotosfera e

indicada em K. A velocidade rotacional no equador em kms−1 pode ser determinada pelo deslocamento

Doppler do comprimento de onda ∆λ de uma linha espectral.

MK L T M R ρ g vrot[kms−1] MV [m] (B − V )

O5V 8 · 105 44500 50 12 3 · 10−3 0.35 (200) –5.7 –0.33

O5III 1 · 106 (180) –6.3 –0.32

O5I 1 · 106 40300 50 (150) –6.8 –0.31

B0V 5 · 104 30000 18 7.5 4 · 10−2 0.30 170 –4.0 –0.30

B0III 1 · 105 20 15 6 · 10−3 0.10 120 –5.1 –0.29

B0I 3 · 105 26000 25 30 9 · 10−3 0.02 100 –6.9 –0.23

A0V 50 9520 3 2.5 0.19 0.47 180 +0.7 –0.02

A0III 100 4 5 3 · 10−2 0.16 100 0.0 –0.03

A0I 4 · 104 9370 16 60 7 · 10−5 0.04 40 –7.1 +0.02

F0V 7 7200 1.8 1.5 0.53 0.98 100 +2.7 +0.30

F0III 20 5 130 +1.5 +0.30

F0I 3 · 104 7700 12 80 2 · 10−5 0.002 30 –8.0 +0.17

G0V 1.6 6030 1.1 1.1 0.83 1.00 10 +4.4 +0.58

G0III 40 2.5 6 1 · 10−2 0.010 30 +1.0 +0.65

G0I 3 · 104 5550 10 100 1 · 10−5 0.001 <20 –8.0 +0.75

K0V 0.4 5250 0.8 0.9 1.3 1.10 < 10 +5.9 +0.81

K0III 60 4750 3.5 16 9 · 10−4 0.013 < 20 +0.7 +1.10

K0I 3 · 104 4420 13 200 1.6 · 10−6 3 · 10−4 < 20 –7.7 +1.25

M0V 8 · 10−2 3850 0.5 0.6 2.0 1.23 +8.8 +1.40

M0III 300 3800 5.0 40 9 · 10−5 0.003 –0.4 +1.56

M0I 4 · 104 3650 17 500 1.3 · 10−7 6 · 10−5 –7.0 +1.67

A. Nıveis de energia dos atomos e linhas espectrais

A equacao de Schrodinger estacionaria da mecanica quantica HΨ = EΨ, onde o operador

hamiltoniano e H = T + V , Ψ a funcao de onda e E os autovalores de energia procurados,

permite determinar os nıveis de energia dos atomos. O operador H do atomo de hidrogenio e

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Fig. 6: Espectro solar na janela optica entre λλ = 3900− 6900 A (Hale Observatories).

Tab. V: Linhas de emissao no ultravioleta do espectro solar

λ [A] identificacao energia de ionizacao [eV]

256 He II (He-Lyβ) 54

283 Fe XV 390

304 He II (He-Lyα) 54

368 Mg IX 328

584 He I 25

977 C III 48

1026 H I (Lyβ) 13.6

1032/1038 O VI 138

1175 C III 48

1207 Si III 33

1216 H I (Lyα) 13.6

dado por H = −( ~2

2m )∆− ( 14πǫ0

) · (qpqer ). A equacao diferencial de segunda ordem (H −E) Ψ =

0 e resolvida pelo metodo de separacao de variaveis. Em coordenadas esfericas (r, θ, φ) pode-se

escrever a funcao de onda Ψ(r, θ, φ) = R(r) · P (θ) · Q(φ), separando desta forma em equacao

radial, polar e azimutal representadas pelos numeros quanticos inteiros n, l,m. O resultado

para os autovalores de energia E neste caso do atomo de hidrogenio e

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Fig. 7: Espectro da estrela α Leo B7V observado a partir do espaco. O maximo da emissao em

λ1600 A, corresponde a uma temperatura T = 18, 100 K (tipo espectral B inicial ou early-type). O

espectro contınuo corresponde aproximadamente ao espectro de um corpo negro. O espectro mostra

a discontinuidade de Balmer perto do limite da serie de Balmer λB,lim = 3646 A. A diferenca das

intensidades antes e depois da discontinuidade depende principalmente da temperatura, e a posicao

da discontinuidade depende da pressao dos eletrons. Esta e uma das possibilidades de classificar os

espectros estelares → classificacao de Paris (Code et al 1976, Astrophysical Journal 203).

En = −mre

4

2~21

n2=

−13.6eV

n2.

A energia En dos nıveis do atomo de hidrogenio depende somente do numero quantico

principal n = 1, 2, 3, ... com E1 = −13.6 eV no estado fundamental n = 1, e E2 = −3.4 eV no

primeiro estado excitado n = 2. Uma transicao do eletron entre dois nıveis e acompanhada da

emissao ou absorcao de um foton, dependendo se a diferenca de energia ∆E = Efinal −Einicial

e negativa ou positiva. Em caso de emissao, o foton criado contribui para a formacao de uma

linha de emissao. No caso contrario, o foton que e absorvido pelo atomo falta no espectro

contınuo, contribuindo para a formacao de uma linha de absorcao.

O numero quantico do momento angular l e inteiro e pode assumir os valores l =

0, 1, 2, · · · (n− 1). O numero quantico magnetico m tambem e inteiro e pode assumir os valores

m = −l,−l + 1, ..., l − 1,+l. Um tratamento completo deve incluir mais um numero quantico,

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o spin, para o qual nao existe uma analogia na fısica classica. Desta forma a funcao de onda

deve ser especificada por quatro numeros quanticos Ψ(r, θ, φ) → Ψnlm + spin → Ψnlms. O

spin do eletron em unidades de ~ e s = ±12 . No caso do hidrogenio obtem-se a degenerescencia

∑n−1l=0 (2l + 1) = n2 dos nıveis atomicos, i.e., cada estado de energia En pode ser realizado por

n2 permutacoes dos numeros quanticos l e m. Incluindo o spin, obtem-se uma degenerescencia

2n2. Desta forma o estado fundamental pode ser realizado por 2n2 = 2 combinacoes de numeros

quanticos, o primeiro estado excitado por 2n2 = 8 combinacoes de numeros quanticos.

As transicoes dos eletrons entre os nıveis discretos de energia sao agrupadas em series.

A serie de Lyman corresponde a transicoes dos eletrons que iniciam ou terminam no estado

fundamental do atomo. Por conseguinte, os fotons da serie de Lyman sao os fotons mais

energeticos e correspondem a regiao ultravioleta do espectro eletromagnetico. A serie de Balmer

corresponde a transicoes dos eletrons que iniciam ou terminam no primeiro estado excitado

do atomo. Os fotons da serie de Balmer encontram-se na parte visual (janela optica) do

espectro eletromagnetico. As series de Paschen, Brackett e Pfund correspondem a transicoes

dos eletrons que iniciam ou terminam no segundo, terceiro e quarto estado excitado do atomo,

respectivamente. Os fotons destas series encontram-se na parte infravermelha do espectro

eletromagnetico.

Alem das transicoes entre nıveis discretos, as transicoes ligado–ligado, que resultam em

emissao ou absorcao de um foton com energia hν = |Em−En|, podem ocorrer transicoes livre–

ligado, processo conhecido como recombinacao ou ionizacao, com uma energia hν = 12mev

2 +

|En|, ou transicoes livre–livre, processo conhecido como bremsstrahlung, correspondendo a

uma mudanca de energia de foton e eletron segundo hν+ 12mev

2 → hν ′ + 12mev

′2. Na radiacao

contınua das estrelas trata-se principalmente de transicoes livre–ligado (recombinacao) e livre-

livre (bremsstrahlung).

A estrutura fina e consequencia da interacao entre momento angular orbital e spin do eletron

que deve ser incluıda no hamiltoniano com Vls = ξ(r)(~s ·~l). Com a teoria de perturbacao linear

obtem-se a correcao de energia ∆Els =< Vls >=∫

Ψ∗VlsΨdx resultando num valor numerico

de ∆Els ∼ e2~2/(2m2c2r3) ∼ 10−4 eV.

A estrutura hiperfina e consequencia da interacao entre momento magnetico nuclear e

momento angular total do eletron que deve ser incluıda no hamiltoniano com < ∆Vhfs >∼

[F (F +1)− j(j +1)− sp(sp+1)] resultando no atomo de hidrogenio numa correcao de energia

de ∆Ehfs = 5.87 · 10−6 eV o que corresponde a inversao dos spins entre eletron e nucleo de

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paralelo (F = 1) a antiparalelo (F = 0) a qual e acompanhada da emissao de um foton com

frequencia ν = 1420.4 MHz ou λ = 21 cm. E a origem da famosa linha de 21 cm que e a linha

mais importante no universo. Com uma vida media de τ ∼ 1014 s trata-se de uma linha alta-

mente proibida. As linhas proibidas na espectroscopia no optico sao escritas entre parenteses,

por exemplo a linha proibida do oxigenio ionizado [O II].

B. Equacao de Saha

Os espectros estelares sao classificados segundo intensidade das principais linhas espectrais.

A figura 8 mostra de maneira esquematica espectros de estrelas da sequencia principal dos tipos

espectrais entre O9 e M0. Grandes variacoes das intensidades das linhas de Balmer, das linhas

do helio e das linhas de metais sao visıveis. A intensidade maxima das linhas de Balmer ocorre

no tipo espectral A. A sequencia das linhas de absorcao mais importantes para a classificacao

espectral esta representada. Para calcular com precisao as intensidades das linhas de absorcao

e necessario o conhecimento detalhado das ocupacoes dos correspondentes nıveis de energia dos

atomos neutros bem como dos atomos ionizados.

A equacao de Saha descreve o equilıbrio entre atomo e ıon mais eletron: atomo ↔ ıon +

eletron, e permite calcular a intensidade de uma linha espectral. Segundo a termodinamica

estatıstica, a ocupacao dos diferentes nıveis de energia e descrita pela distribuicao de Boltz-

mann e ela e igual ao fator exponencial exp(−χr,s/kT) multiplicado com o peso estatıstico, ou

multiplicidade, dos nıveis de energia dos atomos. Neste sentido, a equacao de Saha pode ser

considerada uma extensao da formula de Boltzmann para energias positivas E = χ0+Ecin onde

χ0 e a energia de ionizacao, e Ecin = 12mev

2 a energia cinetica do eletron liberado. Segundo a

teoria quantica, este contınuo de energias positivas deve ser dividido em celulas quanticas de

volume h3 do espaco de fase. O espaco de fase tem 6 dimensoes: 3 coordenadas do espaco de

configuracao x, y, z, e 3 coordenadas do momento linear px, py, pz. Seja N0 o numero de atomos

neutros e Nr o numero de atomos r-vezes ionizados (cm−3), N0,1 o numero de atomos neutros

no estado fundamental, N0,s o numero de atomos neutros no s-esimo estado excitado, Nr,s o

numero de atomos (cm−3) r-vezes ionizados no s-esimo estado excitado, entao Nr =∑

sNr,s e

o numero de atomos (cm−3) r-vezes ionizados e N =∑

r Nr =∑

r

sNr,s o numero de atomos

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+ ıons (cm−3). Seja χr,s = Er,1−Er,s a energia de excitacao relativo ao estado fundamental do

atomo r-vezes ionizado e χr = χr,∞ = χ0 a energia de ionizacao do atomo neutro, χ1 a energia

de ionizacao do atomo 1-vez ionizado. A notacao comum na espectroscopia de atomos neutros e

H I, He I, Fe I para hidrogenio, helio e ferro, respectivamente. Os mesmos atomos 1-vez ioniza-

dos sao H II, He II, Fe II. Para cada ionizacao adicional (falta de mais um eletron) aumenta-se

o numero em mais um. Desta forma escreve-se, por exemplo, o ferro 8 vezes ionizado, quando

faltam 8 dos 26 eletrons, Fe IX.

O numero de atomos s-vezes excitados em relacao ao numero de atomos no estado fundamen-

tal, e dado porNr,s/Nr,1 = (gr,s/gr,1)·e−(χr,s/kT ) onde gr,s e o peso estatıstico do correspondente

nıvel de energia. O peso estatıstico corresponde a multiplicidade dos nıveis de energia, i.e., a

degenerescencia dos nıveis de energia. No atomo de hidrogenio, por exemplo, o peso estatıstico

no nıvel de energia com numero quantico principal n e dado por gH,n = 2∑n−1

l=0 (2l+1) = 2n2.

Desta forma, cada nıvel de energia no atomo de hidrogenio pode ser descrito por 2n2 com-

binacoes diferentes de numeros quanticos. O somatorio sobre todos os estados quanticos define

a funcao particao:

Zr(T ) ≡∑

s

gr,se−(χr,s/kT )

Considerando todos os nıveis de energia e a multiplicidade do H: gH,n = 2n2, a funcao

particao tende a infinito Z(T ) → ∞. No entanto, o somatorio so deve ser calculado para os

estados de energia realmente realizados, resultando numa funcao particao finita. Em densas

atmosferas estelares existem fortes campos externos que nao permitem a ocupacao de estados

de alto nıvel de excitacao. Por isso, em muitos casos e suficiente calcular o peso estatıstico

do primeiro nıvel de excitacao. Em outros casos, o numero de nıveis a considerar depende

da pressao parcial dos eletrons Pe. Alguns valores tıpicos encontram-se na tabela 6. Para

o atomo neutro deve ser Nr,s/Nr = Ns/N0 = (gr,s/Z) · e−(χr,s/kT ) ou em forma logarıtmica

log(Nr,s/Nr,1) = log(gr,s/gr,1)−χr,s ·θ onde θ = 1kT log e = 5040

T quando χ e dado em [eV]. Para

os estados excitados vale a formula de Boltzmann.

A ionizacao pode ser considerada a extensao destes conceitos a nıveis contınuos de en-

ergia hν = χ0 + 12mev

2. Os estados de energia positiva devem ser divididos em celulas

quanticas de volume h3 no espaco de fase com as coordenadas (x, y, z, px, py, pz). O numero

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Fig. 8: Principais caracterısticas da sequencia espectral (esquematico) O, B, A, F, G, K, M e a classi-

ficacao espectral (cima: linhas de H e He, baixo: linhas de metais Ca, Mg, Ti).

de ıons num volume infinitesimal do espaco de fase dV = dxdydzdpxdpydpz e dN1,1/N0,1 =

(2/h3)(g1,1/g0,1) ·e−

1

kT[χ0+

1

2me(p2x+p2y+p2z)] dxdydzdpxdpydpz. Para calcular a integral deve-se ob-

servar que∫ +∞

−∞e−az2dz =

π/a e as integrais sobre os momentos fornecem∫

(...)dpxdpydpz =

(2πmekT )3/2. Os limites da integral

(...)dxdydz devem ser escolhidos de maneira que se encon-

tre um (1) eletron dentro do volume. Desta forma,∫

(...)dxdydz = n−1e onde ne e a densidade

de eletrons livres [cm−3]. Com isso obtem-se N1,1/N0,1 = 2(g1,1/g0,1) ·(2πmekT )3/2

h3 · 1ne

· e−χ0/kT .

E conveniente substituir a densidade pela pressao do gas de eletrons Pe = nekT , obtendo a

equacao de Saha:

N1,1

N0,1Pe = 2

g1,1g0,1

(2πme)3/2(kT )5/2

h3e−χ0/kT

O equilıbrio de ionizacao entre dois estados excitados obtem-se aplicando a formula de

Boltzmann e somando sobre os estados excitados.

Para classificar um espectro, e necessario calcular as intensidades das linhas espectrais. No

caso da serie de Balmer deve-se determinar, sob a hipotese de equilıbrio termodinamico, o nıvel

de ocupacao do primeiro estado excitado do atomo de hidrogenio N0,2, do qual originam todas

as linhas de Balmer. Desta forma obtem-se

N0,2

N0 +N1=

N0,2

N0(1 +N1/N0)=

N0,2

N0·

1

1 +N1/N0

A primeira parte da direitaN0,2

N0obtem-se pela formula de Boltzmann, a segunda parte

11+N1/N0

pela equacao de Saha. Estes valores que se referem a ocupacao dos diferentes nıveis

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de energia, podem ser calculados em funcao da temperatura para as linhas de todos elementos,

desta maneira obtendo graficos como os da figura 9. A figura 9 mostra que a intensidade das

linhas de Balmer e maxima para uma temperatura da fotosfera de T ∼ 104 K, que corresponde

as estrelas do tipo espectral A. Desta forma obtem-se a sequencia da classificacao espectral

apresentada na figura 8.

Fig. 9: Ocupacao dos nıveis de energia em funcao da temperatura segundo a equacao de Saha; H I

refere-se a serie de Balmer (Unsold e Bascheck).

Tab. VI: Energia de ionizacao χ0 em [eV] e pesos estatısticos do estado fundamental e dos dois primeiros

estados excitados (colunas 2-7) para varios elementos (coluna 1). A funcao particao Z(T ) para varias

temperaturas (colunas 8-11).

χ0 g0,1 χ1 g1,1 χ2 g2,1 Z(3600) Z(5700) Z(8000) Z(104)

1H 13.595 2 – – – – 2.0 2.0 2.0 2.0

2He 24.587 1 54.416 2 – – 1.0 1.0 1.0 1.0

6C 11.260 1 24.383 2 47.887 1 9.5 9.5 9.5 9.5

7N 14.534 4 29.601 1 47.448 2 4.2 4.2 4.2 4.2

8O 13.618 5 35.116 4 54.934 1 9.0 9.0 9.0 9.0

11Na 5.139 2 47.286 1 71.640 4 2.0 2.4 3.2 4.3

12Mg 7.646 1 15.035 2 80.143 1 1.0 1.1 1.2 1.5

14Si 8.151 1 16.345 2 33.492 1 8.9 9.6 10.5 11.3

20Ca 6.113 1 11.871 2 50.908 1 1.0 1.3 2.6 4.7

26Fe 7.870 9 16.180 10 30.651 9 24 31 45 60

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IV. ESTRELAS VARIAVEIS

O Catalogo Geral de estrelas variaveis (General Catalogue of Variable Stars) contem mais

de 28 000 estrelas variaveis. A classificacao e feita segundo as caracterısticas das curvas de luz

observadas. A curva de luz e um diagrama da magnitude aparente de uma estrela em funcao do

tempo. As curvas de luz observadas diferem muito de um tipo de estrela variavel para outro,

com variacoes de puramente senoidais a completamente irregulares. A variabilidade observada

e devida a eclipse, erupcao , explosao, pulsacao radial ou a uma combinacao destes fenomenos.

Normalmente, as estrelas variaveis sao divididas em variaveis opticas e variaveis fısicas.

As variaveis opticas, ou variaveis aparentes, sao sistemas de estrelas binarias com as duas

componentes orbitando em torno do centro de massa a uma distancia suficientemente grande,

para nao causar nenhum efeito de erupcao devido a interacao gravitacional. Somente uma

componente e visıvel. O vetor normal do plano orbital do sistema binario deve ter uma in-

clinacao de quase 90o em relacao a linha de visada, para uma componente poder esconder a

outra durante alguma fase orbital. Considerando os parametros geometricos, como inclinacao

orbital, a relacao dos raios e das temperaturas estelares, o escurecimento entre centro e bordo

do disco estelar (espacialmente nao resolvido), obtem-se uma grande variedade de curvas de

luz. As curvas de luz teoricas construıdas a partir destes parametros orbitais e geometricos, sao

comparadas com as curvas de luz observadas o que permite determinar a geometria do sistema.

Enquanto as duas estrelas nao podem ser resolvidas visualmente, frequentemente aparecem

dois sistemas de linhas de absorcao no espectro como mostrado na figura 10. As velocidades

estelares individuais mudam ao longo da orbita e causam deslocamentos periodicos das linhas

de absorcao devido ao efeito Doppler. Um espectro que mostra os deslocamentos periodicos

para maiores e menores comprimentos de onda e representado na figura 10.

As variaveis fısicas mostram variabilidade numa escala de tempo muito curta em comparacao

com a escala de tempo da evolucao estelar. A variabilidade e devida a oscilacao radial, erupcao

ou explosao da estrela. As curvas de luz das variaveis fısicas regulares sao classificadas em tres

tipos principais, as estrelas RR-Lyrae com perıodos P menores a um dia P < 1d, as Cefeıdas

com perıodos entre um e cinquenta dias 1d < P < 50d e as variaveis tipo Mira com perıodos

na maioria acima de 80 dias P > 80d. A primeira estrela variavel descoberta no ano 1596 por

Fabricius foi a estrela Mira (= o Ceti) com um perıodo de variabilidade de 330 dias. Quando

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Fig. 10: Espectro da binaria espectroscopica Mizar (ζ Ursae Majoris). A sequencia dos espectros

observados de dois em dois dias (de cima para baixo) mostra o deslocamento variavel de dois sistemas

de linhas de absorcao durante a orbita de 20.5 dias (o comprimento de onda λ aumenta para a direita).

Pelo menos mais duas estrelas binarias espectroscopicas fazem parte deste sistema multiplo de estrelas.

(Struve, Astronomie, 1962).

no maximo, Mira tem uma magnitude aparente de 2m sendo uma das estrelas mais brilhantes

no ceu noturno. No entanto, durante o mınimo a estrela tem magnitude aparente de 10m e

somente pode ser observada com um telescopio. A localizacao de estrelas variaveis no diagrama

Hertzsprung-Russell mostra que as estrelas RR-Lyrae sao estrelas sub-gigantes, enquanto as

Cefeıdas e Mira sao estrelas supergigantes.

A. RR-Lyrae

As estrelas RR-Lyrae tem perıodos entre 0.2 e 1.2 dias com uma amplitude das variacoes

da magnitude aparente de ∆m ≈ 1m, o que corresponde aproximadamente a um fator 2 na

luminosidade. Sao estrelas velhas e pobres em metais, e encontram-se frequentemente em

aglomerados globulares (estrelas da populacao II). Alem de algumas estrelas RR-Lyrae de

campo, mais de 1200 foram encontradas em mais de quarenta diferentes aglomerados globulares,

o que permite determinar a distancia do aglomerado. Esta circunstancia facilita a interpretacao

dos diagramas DHR. As curvas de luz das estrelas RR-Lyrae com perıodos abaixo de 10 horas

sao de forma senoidal, enquanto que as estrelas RR-Lyrae com perıodos acima de 10 horas

mostram curvas de luz asimetricas.

O fato de todas as estrelas RR-Lyrae terem a mesma magnitude absoluta,

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MV = 0.0± 0.3m

permite usa-las como indicadores precisos de distancia. Um telescopio com magnitude limite

de 25m em V para observacao e classificacao de uma estrela RR-Lyrae, correspondendo a um

modulo de distancia m − MRR−Lyr = m = 5 log r − 5, alcanca uma distancia de ate 1 Mpc.

Dentro deste alcance encontram-se as galaxias satelites LMC (Large Magellanic Cloud – Grande

Nuvem de Magalhaes) e SMC (Small Magellanic Cloud) da nossa Galaxia e a galaxia espiral

Andromeda (M 31).

B. Cefeidas

Existem dois tipos de Cefeidas com diferentes relacoes perıodo-luminosidade. O tipo I, as

cefeidas classicas, sao estrelas jovens da populacao I. A distribuicao espacial mostra que 87%

deste tipo tem distancias d < 100 pc do plano galactico. A relacao perıodo-luminosidade e

dada por

MV = −1.4− 2.8 log P [d]

O prototipo de cefeıdas tipo I e a estrela variavel δ Cephei. A Fig. 11 mostra grandezas

observaveis da estrela que variam com um perıodo de variabilidade de P=5.37 dias. O grafico

de cima mostra a variacao da magnitude aparente, abaixo da temperatura, do tipo espectral

e da velocidade radial relativa a velocidade media da estrela, e da expansao e contracao sendo

calculadas atraves da integral da velocidade. Em baixo e representada a variacao radial da

estrela de maneira esquematica. Uma caracterıstica importante e a aparencia simultanea de

maximos e mınimos, exceto para o raio da estrela: maximos e mınimos na curva de luz ocorrem

no mesmo raio intermediario.

As cefeidas classicas sao estrelas muito brilhantes com magnitude absoluta ate –8m, podendo

ser observadas ate distancias quarenta vezes maior que as estrelas RR-Lyrae, alcancando com os

mais modernos telescopios o proximo aglomerado de galaxias de Virgo. As Cefeidas tipo II sao

estrelas velhas da populacao II e mostram uma distribuicao espacial esferica como a populacao

do halo da nossa galaxia, poucas delas sendo encontradas em aglomerados globulares. A relacao

perıodo-luminosidade das Cefeıdas tipo II e dada pela seguinte equacao

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MV = −0.1− 1.6 log P [d]

Fig. 11: Grandezas observaveis de δ Cephei que variam periodicamente com P = 5.37 dias. De cima

para baixo: magnitude aparente, temperatura, tipo espectral, velocidade radial, variacao absoluta do

raio (Becker, 1950, Sterne und Sternsysteme).

C. Variaveis tipo Mira

Estas variaveis mostram curvas de luz menos regulares, mas com grandes amplitudes ∆m ∼

3m − 5m o que torna mais facil a deteccao. As massas sao de tipicamente 1 M⊙ e os raios

entre 100 e 1000 R⊙. O raio de Mira (o Ceti) varia entre 220 e 320 R⊙. Os espectros tıpicos

contem linhas de emissao deslocadas para o azul relativo as linhas de absorcao, mostrando a

expansao do envelope. Estas estrelas gigantes perdem em torno de 10−6 − 10−5M⊙ por ano, e

eventualmente constituem uma fase de transicao entre estrela gigante e nebulosa planetaria.

D. Variaveis eruptivas

Os sistemas de binarias eclipsantes cerradas sao caracterizados por uma distancia muito

pequena entre as duas estrelas o que pode causar efeitos de erupcao os quais podem se superpor

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aos efeitos geometricos do eclipse. O intenso efeito de mare pode causar transferencia de materia

entre as duas componentes. Desta forma pode ser observada a erupcao de uma nova, tambem

chamada de estrela nova, ou de uma nova-ana. Nestes sistemas existem todas as combinacoes

de tipo espectral, raio e massa, o que resulta na enorme variedade de fenomenos observados.

Para descrever as estrelas binarias cerradas com distancias entre as duas componentes da ordem

de grandeza do tamanho das estrelas, usa-se o modelo de Roche, segundo o qual devem ser

consideradas principalmente as forcas de mare e as forcas centrıfugas resultantes das altas

velocidades rotacionais. A superfıcie crıtica define o volume de Roche. Como a maior parte

da massa esta concentrada no nucleo da estrela, a aproximacao de duas massas puntiformes e

adequada para calcular as superfıcies equipotenciais.

As binarias cerradas sao classificadas em sistemas D (detached – componentes separadas),

sistemas SD (semi-detached – uma componente preenche o volume de Roche), sistemas C

(contact – ambas as componentes preenchem o volume de Roche) e sistemas OC (over-contact

– ambas componentes se estendem alem da superfıcie crıtica). Um exemplo prominente com

um disco de gas detectado atraves das linhas de emissao e absorcao, e o sistema SD βLyr

(figura 12).

A estrela do tipo espectral B8 fornece a luz do espectro observado, enquanto a outra com-

ponente, apesar de ter luminosidade muito menor, tem uma massa maior. O aumento do

perıodo orbital de 20s por ano deve-se a perda de massa de 10−5M⊙ por ano. No sistema SD

da figura 12, modelo proposto para interpretar as observacoes do sistema βLyr, ocorre trans-

ferencia de massa da estrela do tipo B8 a qual preenche completamente seu volume de Roche,

em direcao a componente mais compacta. O material em queda forma um disco de acrescao em

torno da componente compacta. Em alguns casos deste tipo de sistema, o material em queda

aquece ate formar uma mancha quente (hot spot), representando um modelo de uma Nova-ana.

As binarias cerradas nao podem ser resolvidas espacialmente, mas em alguns casos e possıvel

observar as duas componentes no espectro, como mostra o espectro da binaria espectroscopica

Ursae Majoris (figura 10). Nestes casos, dois sistemas de linhas de absorcao sao visıveis, com

distancias variaveis entre si, dependendo da velocidade radial de cada componente que varia

durante as diferentes fases orbitais.

A evolucao de um sistema inicialmente D passando a se transformar atraves de um sistema

SD para um sistema C pode ser resumida da seguinte forma:

i. formacao de um sistema binario tipo D durante a formacao estelar

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Fig. 12: (esquerda) binaria cerrada (sistema SD) com transferencia de massa; (direita) modelo de uma

nova-ana (sistema SD com a componente compacta sendo uma ana branca), com a materia em queda

aquecendo ate formar uma mancha quente – hot spot (Huang 1963, Astrophysical Journal 138; Robinson

1976, Ap. J. 14).

Fig. 13: Curva de luz de uma nova com as fases Q0 a Q9 descritas no texto (Landolt-Bornstein p. 547).

ii. evolucao estelar de uma das estrelas ate que a estrela mais massiva preenche o seu volume

de Roche e inicie a transferencia de massa, formando agora um sistema SD. No sistema SD

forma-se provavelmente um disco de acrescao em torno da componente compacta. Quando mais

compacta (ana branca, estrela de neutrons, buraco negro), maior o aquecimento do material

em queda livre, resultando em emissao no optico, UV, raios-X ou ate raios-γ

iii. o material capturado pela componente compacta aumenta a massa desta componente

ate ela preencher o seu volume de Roche, passando para o sistema tipo C.

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E. Novas

:

Um modelo para novas supoe um sistema SD com uma estrela sendo da sequencia principal

e a outra sendo uma ana branca. O material transferido para a ana branca pode resultar num

aumento de ate ∆m ∼ 10m o que corresponde a um fator de 104 na luminosidade.

A curva de luz de uma nova, figura 13, mostra as diferentes fases Q0 ate Q9. A pre-

nova tem tipo espectral entre B e A e magnitude absoluta MV ≈ +4m, localizada abaixo da

sequencia principal. A magnitude aumenta rapidamente por mais de 10 magnitudes e diminui

mais lentamente ate voltar a magnitude inicial. Pouco antes de atingir o maximo observam-se

linhas de absorcao deslocadas, correspondendo a velocidades de expansao de ≈ 1000 km s−1.

Na fase Q3, observa-se o tıpico perfil P Cygni das linhas espectrais (figura 14). A fase Q7 e a

fase nebulosa que se desenvolve individualmente para cada nova.

O perfil P Cygni da Fig. 14, observado em uma nova depois do maximo, e caracterıstico

para a expansao do envelope de uma estrela. Alem das linhas de absorcao do hidrogenio e de

metais ionizados, como Fe II e Ca II, observam-se linhas de emissao. As linhas de emissao sao

largas e nao sao deslocadas em relacao a velocidade radial media da estrela, sendo emitidas

pelo envelope inteiro, enquanto as linhas estreitas de absorcao sao deslocadas para o azul,

correspondendo a velocidades mais baixas em relacao a velocidade media da estrela. Estas

linhas sao produzidas por absorcao em frente ao disco estelar, dentro do envelope que esta

expandindo, mas nao sao resolvidas espacialmente. Adicionalmente, podem ser observadas

linhas mais largas de absorcao e de emissao, correspondendo a velocidades de expansao de ate

3000 km s−1. Quando o envelope da estrela expande, a densidade diminui e o envelope torna-se

cada vez mais transparente. Partes do envelope localizadas em frente ao disco estelar produzem

linhas de absorcao deslocadas para o azul. O envelope inteiro em expansao contribui para as

linhas de emissao, que sao mais largas, refletindo maior dispersao de velocidades. As linhas

adicionais mais largas originam de um segundo envelope expelido com maior velocidade que o

primeiro.

Na fase nebulosa Q7, observam-se somente linhas de emissao de He I, Fe II, Fe III, C II,

O II, N II e outros elementos, principalmente as linhas de [O III] N1 = λ4959 A e N2 =

λ5007 A (linhas de nebulium). Nesta fase, o envelope tem uma densidade extremamente baixa.

A radiacao UV da estrela central ioniza elementos como H, C, N, O, Fe entre outros. A

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Fig. 14: Perfil P Cygni tıpico de estrelas em expansao. A seta em baixo indica a posicao do observador.

Emissao larga da estrela inteira e absorcao no lado azul (velocidade menor) indicam expansao do envelope

da estrela.

recombinacao destes elementos ionizados produz as linhas de emissao. As linhas proibidas

do [O III] correspondem a nıveis metaestaveis com tempo de vida de 35 s. A ocupacao do

nıvel metaestavel ocorre por colisao com um eletron livre produzido por fotoionizacao. Devido

a baixa densidade no envelope, os nıveis metaestaveis nao sao esvaziados por colisao como

aconteceria numa atmosfera normal de uma estrela, mas por radiacao de dipolo magnetico.

V. NEBULOSAS PLANETARIAS E SUPERNOVAS

A. Nebulosas Planetarias

O termo nebulosa planetaria foi escolhido historicamente devido a aparencia visual em pe-

quenos telescopios assemelhando planetas. Os primeiros espectros foram obtidos por Huggins

(1865), que observou fortes linhas de emissao λλ 4959 e 5007 A no verde, atribuıdas inicial-

mente a um novo elemento quımico nebulium. Bowen (1927) conseguiu identifica-las como

linhas proibidas de oxigenio duas vezes ionizado [O III]. Linhas proibidas somente podem ser

observadas num gas extremamente rarefeito. Uma das nebulosas planetarias mais conhecidas

e M 57 (NGC 6720) na constelacao Lyrae com um diametro angular de 70”. As estrelas cen-

trais das nebulosas planetarias sao anas brancas do tipo espectral O com uma temperatura

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de Tc ∼ 30, 000 − 150, 000 K emitindo radiacao no ultravioleta principalmente no contınuo de

Lyman. Esta radiacao ioniza o hidrogenio na nebulosa circunvizinha, processo conhecido por

fotoionizacao. O raio tıpico de uma nebulosa planetaria e rPN ∼ 3 × 1017 cm (∼ 0.1 pc), a

densidade dos eletrons Ne ∼ 103 − 104 cm−3 e a temperatura Te ∼ 104 K. A temperatura Te e

menor que esperado porque os eletrons perdem energia atraves de excitacao colisional de nıveis

metaestaveis. A forma das linhas de emissao desdobradas indica uma velocidade de expansao

do envelope de ∆v ∼ 50 km s−1 resultando em perda de massa de Menv ∼ 0.2 − 0.4M⊙. O

tempo de vida de uma nebulosa planetaria deve ser aproximadamente τ ∼ 3× 104 anos, ja que

o contraste com o fundo do ceu diminui cada vez mais durante a expansao ate o envelope nao

mais apresentar contraste com o fundo do ceu.

Observa-se uma forte concentracao de nebulosas planetarias no disco galactico semelhante

a populacao velha do disco.

Estrelas com massa entre 0.5 M⊙ e 4 M⊙ nao atingem a temperatura central necessaria para

iniciar a queima do carbono. A fase evolutiva termina com a queima do helio que resulta numa

parte central de carbono e oxigenio, com o gas de eletrons completamente degenerado. Nesta

fase, a estrela encontra-se no diagrama Hertzsprung-Russell na regiao das gigantes vermelhas.

O vento estelar forte resulta em perda de grande parte do envelope de hidrogenio. Neste

processo originam as nebulosas planetarias que representam uma fase evolutiva das estrelas, na

qual se formam as estrelas compactas anas brancas.

As nebulosas planetarias constituem um excelente laboratorio cosmico de plasma para o

estudo de processos atomicos devido ao plasma extremamente rarefeito com geometria simples

e extremas condicoes de excitacao. A fonte de radiacao estelar luminosa e de alta temperatura

permite estudar o processo de fotoionizacao.

Os espectros dos envelopes sao compostos de tres grupos de linhas de emissao, sendo linhas

de recombinacao, linhas de fluorescencia e linhas de nıveis excitados por colisao. As vezes

aparece adicionalmente um contınuo fraco. A nebulosa e opticamente opaca para radiacao

ultravioleta proximo da serie de Lyman, por isso a radiacao de recombinacao somente e visıvel

nas linhas de Balmer.

As linhas proibidas sao observadas no meio interstelar extremamente rarefeito porque os

nıveis metaestaveis nao sao esvaziados atraves de colisoes. Para as linhas proibidas, as regras

quanticas da radiacao de dipolo eletrico nao sao realizadas, resultando em vidas medias de

segundos, dias ou ate anos. A vida media de um nıvel de energia correspondendo a uma linha

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permitida e da ordem de ∼ 10−8 s. No laboratorio ocorre o esvaziamento atraves de colisoes,

desta forma nao acontece a transicao radiativa e a linha se chama proibida. Com a densidade

dos eletrons de ne < 106 cm−3 o livre percurso medio dos eletrons e muito grande. Os nıveis

metastaveis podem ser esvaziados atraves de radiacao de dipolo magnetico ou radiacao de

quadrupolo eletrico.

As linhas principais de uma nebulosa planetaria sao linhas de [O III] (1D →3P). A inten-

sidade da linha permite determinar a secao de choque para ionizacao. A probabilidade de

transicao de [O II] λλ 3729, 3726 A foi estudada por Zeippen & Eissner (1980) e foi descoberta

a reacao de troca de carga Xn + H0 →Xn−1 + H+, sendo incompatıvel com a teoria de equilıbrio

de ionizacao. A razao das intensidades (S → D) / (D → P) e uma funcao crescente da temper-

atura dos eletrons Te. Quando Te aumenta, o nıvel S e ocupado cada vez mais rapidamente.

permitindo determinar a densidade dos eletrons Ne. As transicoes D → S dependem fracamente

de Te , mas diferentes vidas medias de nıveis 2D dependem de colisoes de eletrons. Ne obtem-se

a partir da razao das linhas.

A linha de recombinacao e emitida quando o eletron encontra um atomo ionizado. Para

ser visıvel no espectro, o gas deve ter um alto grau de ionizacao o que e realizado quando

a temperatura Tef e suficientemente alta. No plasma de densidade extremamente baixa, os

estados excitados com numero quantico principal muito alto podem ser ocupados. No caso da

serie de Balmer do hidrogenio foram observados os primeiros 30 nıveis Hα,Hβ,Hγ , ... ate H30.

Existem linhas de recombinacao de series altas devidas a radiacao de uma estrela central de

alta temperatura, p.ex. linhas de N III. As linhas permitidas de O III e N III tem intensidades

mais altas do que esperado com base na teoria de recombinacao. Esta diferenca e devida ao

mecanismo de fluorescencia, proposto por Bowen (1935). Nos ıons He II, O III e N III existem

nıveis de energia muito proximos. Esta coincidencia permite a recombinacao di-eletronica: Xn+

+ e−→X(n−1)+∗ + hν.

O contınuo livre-livre no radio e devido ao espalhamento de eletrons livres, um processo

conhecido como bremsstrahlung. A intensidade do contınuo no infravermelho aumenta devido

a emissao termica da componente de poeira.

B. Supernovas

Aproximadamente ∼ 10 supernovas foram documentadas na nossa Galaxia nos ultimos

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Fig. 15: Curvas de luz de supernovas tipo I e II: magnitude aparente em funcao do tempo em dias (escalas

de ordenada diferentes). Foi observado um aumento antes de atingir o maximo de ∆L/∆t ∼ 109L⊙/dia

para as supernovas mais luminosas (Scheffler e Elsasser).

2000 anos, a mais famosa sendo a nebulosa de carangueijo. A explosao desta supernova foi

observada no ano 1054. O movimento proprio de expansao do envelope observado no plano

celeste e µ ∼ 0.”22 por ano. Desde a invencao do telescopio nao foi observada nenhuma

supernova na Via Lactea. No entanto, em 1987 foi observada uma supernova na galaxia vizinha

LMC, a supernova SN1987A. Em outras galaxias, centenas de supernovas foram observadas.

A frequencia estimada e de uma supernova a cada 30 anos numa galaxia espiral comum.

A intensidade do contınuo mostra que, durante o maximo, a temperatura das camadas

que emitem a maior parte da luminosidade e T ≈ 104 K. Adicionalmente observam-se linhas

espectrais com um perfil P Cygni. Os deslocamentos Doppler das linhas indicam velocidades

de expansao do envelope de ate 20 000 km s−1. Todas as supernovas mostram linhas de metais

Ca II, Na I, Mg I, entre outras. As supernovas tipo II mostram intensas linhas de Balmer

enquanto as linhas do hidrogenio estao ausentes ou muito fracas em supernovas tipo I.

Supernovas tipo I tem magnitude absoluta M = −19m durante o maximo, com um aumento

total de ∆m ∼ 20m, atingindo uma luminosidade maxima de Lmax ∼ 1010L⊙ correspondendo

a liberacao de uma quantidade total de energia de ∆E ∼ 1042 J. Supernovas tipo II sao menos

luminosas por ∼ 2m atingindo no maximo M = −17m e com uma curva de luz diferente,

como ilustrado na figura 15. As supernovas serao discutidas com mais detalhe em artigos

subsequentes sobre astronomia extragalactica e cosmologia.

As nebulosas planetarias e supernovas tem em comum que se trata da fase final da evolucao

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estelar, com a parte central da estrela iniciando o colapso gravitacional, a energia liberada

sendo usada em parte para acelerar o envelope e aumentar a sua luminosidade. Analisando

as evidencias a favor do colapso gravitacional, considera-se em primeira ordem conservacao do

fluxo do campo magnetico BR2 e do momento angular L = Iω. O intenso campo magnetico

depois do colapso pode ser observado atraves do efeito Zeeman em anas brancas, e o aumento

da velocidade angular atraves do perıodo rotacional dos pulsares de milisegundos. O nome

pulsar foi introduzido historicamente pela interpretacao erronea da periodicidade observada.

O desdobramento das linhas espectrais segundo o efeito Zeeman e o resultado da interacao

entre o momento magnetico do eletron e um campo magnetico externo, por exemplo na fotosfera

de uma estrela. Na equacao de Schrodinger estacionaria (H − E)Ψ = 0 alem do potencial

Coulombiano E = En (H) deve ser considerado um potencial adicional E = Enl. Um campo

magnetico externo ~B resulta num desdobramento de Zeeman das linhas espectrais. O valor

esperado do termo adicional e VB = − ~µj · ~B e E = Enlm = Enl +m ~µB · ~B. Como o momento

magnetico total e µj = µs+µe = −µB(~s+~j)/~ obtem-se que µB = e~/(2mec) = 0.57910−4eV/T

param = −l,−l+1, ...+l. Quando ocorre o desdobramento em 3 linhas equidistantes chama-se o

efeito Zeeman normal. Na realidade, o caso do spin dos eletrons nos dois nıveis nao combinando

a s=0 e o caso normal. Neste caso, ocorre desdobramento em linhas nao-equidistantes e chama-

se o efeito Zeeman anomalo.

A teoria do colapso gravitacional e da formacao de estrelas de neutrons e buracos negros foi

desenvolvida com base na teoria da relatividade geral. No entanto, a deteccao observacional

de um buraco negro e muito difıcil. Existem varios metodos observacionais para detectar um

buraco negro com uma massa da ordem de poucas massas solares.

i) Um sistema binario composto de uma estrela normal e um buraco negro a uma distancia

grande em comparacao com o raio da estrela normal, pode apresentar linhas espectrais deslo-

cadas pelo efeito Doppler durante a orbita da estrela visıvel em torno do centro de massa

em comum. Um exemplo e a estrela ǫ-Aurigae com magnitude aparente m = 3.1m. O

espectro apresenta com perıodo de P = 9883 dias deslocamentos Doppler correspondendo

a uma velocidade orbital de 14 km s−1. A outra componente deste sistema binario nao

e visıvel. A partir dos dados pode-se determinar a funcao massa. Os raios das orbitas

em relacao ao centro de massa sao relacionados com as massas e velocidades da seguinte

forma: a2/a1 = M1/M2 = v2/v1 e v1 = (2πa1/P )seni com a desconhecida inclinacao da

orbita. Com a lei de Kepler obtem-se P = 2πa3/2/(GM1 + GM2)1/2 e com a = a1 + a2

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a1 = aM2/(M1 + M2) e v1 = (2πa/P )M2/(M1 + M2)seni. Eliminando a obtem-se a funcao

massa: M(v1, P ) = M32 /(M1 + M2)

2sen3i = v31P/(2πG) = 3.12M⊙. Quando a massa M1 da

estrela visıvel e conhecida e tambem a inclinacao orbital i, entao e possıvel determinar a massa

da estrela invisıvel M2. A partir do espectro obtem-se uma massa para ǫ-Aurigae de M1 entre

12− 25M⊙. A curva de luz mostra que ǫ-Aurigae e uma estrela binaria eclipsante. A cada 27

anos ocorre um eclipse durante o qual a luminosidade da estrela diminui para quase a metade

durante 360 dias. A inclinacao deve ser proxima a 90o e por conseguinte seni ≈ 1. Com estes

valores obtem-se a massa da componente invisıvel M2 entre 12− 18M⊙ que esta bem acima do

limite de Chandrasekhar de uma ana branca ou de uma estrela de neutrons. A componente

invisıvel com uma massa tao alta somente pode ser um buraco negro. No entanto, um buraco

negro e muito pequeno para causar um eclipse, e deve existir um disco semi-transparente no

seu entorno, para explicar a curva de luz observada durante o eclipse. Calculos teoricos de

curvas de luz mostram que a curva de luz observada nao pode ser produzida por uma estrela

de baixa luminosidade. Considerando as teorias atuais, o unico candidato para a componente

invisıvel e um buraco negro.

ii) Num sistema binario composto por uma estrela normal e um buraco negro a uma distancia

muito pequena, gas e transferido da estrela normal ao buraco negro, esquentando ate uma

temperatura de milhoes de graus K. Um gas com esta temperatura emite intensamente raios-

X. Exemplos sao Hercules-X1 e Cygnus-X1. Quando a distancia entre as duas componentes

e muito pequena, gas e transferido da estrela normal para a componente compacta que pode

resultar numa taxa de perda de massa de 10−6M⊙ por ano. O gas caindo sobre a componente

compacta forma um disco de acrescao com velocidade rotacional v2 = GM2/r dependendo

da distancia r do centro da componente compacta. O disco tem maior velocidade na borda

interna, o raio da qual corresponde a menor orbita estavel. As diferentes velocidades dentro do

disco resultam em dissipacao de energia, aquecendo o disco a uma temperatura de milhoes de

K emitindo raios-X. A luminosidade depende da eficiencia ǫ da conversao de massa em energia

E = ǫ ·mc2 ≈ (RS/R)mc2, onde RS = 2GM/c2 e o raio de Schwarzschild. No caso de uma ana

branca ou de uma estrela de neutrons, tem-se ǫab ≈ 10−4 e ǫ∗n ≈ 0.1 e para um buraco negro

ǫbn = 0.05 − 0.40. Para as estrelas de neutrons existe um limite superior de massa em torno

de 3M⊙, e estes objetos tem campos magneticos muito intensos, resultando em emissao muito

regular de raios-X, como e observado no caso dos pulsares e no exemplo de Hercules-X1. Os

sinais de raios-X de Hercules-X1 sao muito regulares com perıodo P = 1.23782 s correspondendo

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ao perıodo rotacional da estrela de neutrons. A cada 1.7 dias os pulsos desaparecem durante

algumas horas. Foi possıvel detectar deslocamentos Doppler nos sinais, devido ao movimento

da fonte de raios-X com velocidade v2seni = 169 km s−1 o que permite calcular a funcao massa

M = M31 /(M1 + M2)sen

3i = 0.85M⊙ e aseni = 4 · 109 m. Na posicao da fonte de raios-X

encontra-se a estrela HZ Herculis com variabilidade sıncrona ao pulsar, tendo uma massa de

M1 entre 1.6 − 2.5M⊙ e a partir da funcao massa pode-se determinar a massa M2 ≈ 0.9M⊙.

Esta estrela de neutrons encontra-se a uma distancia de 6 kpc.

Nao existe um limite superior para a massa de um buraco negro. Como os buracos negros nao

tem campos magneticos, espera-se uma emissao irregular de raios-X como observado no caso

de Cygnus-X1. Os sinais de raios-X variando em milesimos de segundos devem ser emitidos por

um objeto muito pequeno (d < c · P ). A curva de luz de Cygnus-X1 nao mostra periodicidade

e nao ha nenhum indıcio observacional de eclipse. Na posicao da fonte de raios-X encontra-

se a estrela HDE 226868 com deslocamentos Doppler correspondendo a v1 = 75 kms−1 e

P = 5.6 dias o que permite calcular a funcao massa M = M32 /(M1 +M2) 2sen 3i = 0.242M⊙.

O espectro da estrela visıvel corresponde a uma massaM1 entre 20−25M⊙. A massa mınima da

componente compacta obtem-se para seni = 1, desta forma a massa da componente compacta

deve ser M2 > 5.5M⊙. O fato de nao se observar eclipse nao e compatıvel com uma inclinacao

orbital de 90o. Outras observacoes indicam uma inclinacao orbital de 27o, resultando em uma

massa de M2 ≈ 14M⊙. Esta massa e muito acima do limite para estrelas de neutrons, a unica

interpretacao com a teoria atual sendo que se trata de um buraco negro.

iii) Um buraco negro isolado atrae o gas circunvizinho de baixa densidade o qual esquenta

a uma temperatura de varios mil K antes de atingir o raio de Schwarzschild. Acredita-se que

a radiacao emitida por um buraco negro de aproximadamente 10M⊙ com gas circunvizinho e

semelhante a emissao de uma ana branca.

Durante o colapso gravitacional, uma estrela com massa inicial M < 8M⊙ perde a maior

parte da sua massa, e forma-se no centro um objeto compacto, uma ana branca ou uma estrela

de neutrons, com uma massa abaixo do limite de Chandrasekhar. Para estrelas com uma

massa inicial M > 8M⊙ e provavel que se forma um objeto compacto com uma massa acima

do limite de Chandrasekhar. A pressao de Fermi dos eletrons ou dos neutrons nao pode mais

contrabalancar as imensas forcas gravitacionais e o objeto continua o colapso gravitacional

ate uma configuracao mais compacta. Segundo as teorias atuais, o colapso procede ate uma

singularidade. Deve ser lembrado que hoje ainda nao existe uma teoria de uma gravitacao

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Page 42: TOPICOS DE ASTRONOMIA ESTELAR …dfisweb.uefs.br/caderno/vol8n12/a1RaynerEstelar.pdfno vis´ıvel ´e emitida quase inteiramente pela fotosfera, a qual no caso do Sol ´e uma camada

Rainer Madejsky CADERNO DE FISICA DA UEFS 08, (01 e 02): 7-49, 2010

quantizada. A existencia de buracos negros supermassivos nos centros de galaxias ativas e nos

quasares e no momento o unico mecanismo que explica a enorme producao de energia destes

objetos. Estes assuntos serao abordados num artigo subsequente.

VI. BIBLIOGRAFIA

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