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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ
DISCIPLINA: FILOSOFIA DO DIREITO
PROFESSOR: MATHEUS FELIPE DE CASTRO
ALUNO: LOURIVAL ANTONIO DE CARVALHO JUNIOR
DIREITO NOTURNO 15/02/2013
TRABALHO SOBRE A DIALÉTICA ENTRE ESTADO DE DIREITO E ESTADO DE EXCEÇÃO – A POLÊMICA ENTRE
KELSEN E CARL SCHMITT
Concernente aos diversos aspectos filosóficos, sociológicos e políticos que
integram a História entre Estados de Direito e de Exceção em seu processo dialético e
seus supostos e respectivos basiladores – a Norma Fundamental e o Decisionismo –,
verificamos que este sempre esteve (e está) presente na formação e busca da
compreensão do fenômeno cíclico-social estado de natureza (1), surgimento (2),
manutenção (3) e ruptura da sociedade civil (4).
Ainda que de maneira mais velada em comparação ao século passado, em virtude
dos diversos acordos internacionais e da Carta dos Direitos Humanos, o regime de
exceção – ou de “Guerra” como Hobbes ou Maquiavel poderiam intitular – tem
assolado regiões do Oriente Médio e da Ásia, não do modo explicitamente estrutural tal
qual o instituído na Alemanha do nazismo, mas – sim – através dos disfarces
democráticos nos quais estão fundadas as nações nos dias de hoje. Exemplos aparecem
com as constantes tensões no Líbano e conflitos intermitentes no Iraque, no Egito, no
Camboja e na Tailândia aliadas às enganosas promessas de soluções pacificadoras –
fontes do molde idealista de Woodrow Wilson e da paz entre os povos kantiana.
Na Escola Superior de Guerra (Urca, RJ) – os oficiais generais e estrategistas civis
de guerra aprendem temas como Cidadania e Defesa, Processo Decisório, Anti-Terror,
Contra-Terror e Combate a Forças Irregulares, Estratégia Nacional e Teoria do Poder.
Com o fenômeno da globalização, tais temas tornaram-se imprescindíveis devido à
difusão do multiculturalismo e, também, porque, segundo o General de Brigada do
Exército Brasileiro Décio dos Santos Brasil – representante do País perante a ONU
pelas missões no Haiti –, “o inimigo (externo) – que tende a ser um elemento
socialmente amorfo – não segue regras ( internas, de um Estado) e usará todos os meios
para atingir seu objetivo, ou melhor, destruir uma sociedade”. Portanto, é necessário,
como decisão estratégica, em virtude da situação anômica (guerra) suspender ou
restringir os direitos fundamentais quando estiver uma nação ameaçada, pois,visto que,
quando isso ocorrer, muitas pessoas criticarão o fracasso mesmo antes da conclusão da
missão de defender a pátria. Conforme consta na revista americana de assuntos
estratégicos Air & Space Power de 2008, o Coronel da USAF Hunerwadel, por
exemplo, apontou que, no verão de 2006, na campanha de 34 dias de Israel contra o
Hezbollah aquele sofreu inúmeras baixas, as quais induziram acusações de todos os
tipos de que os israelenses jamais poderiam ser decisivos na guerra enquanto excluíssem
parte de seu poderio militar. “A guerra nua e crua não admite restrições”. Quer-se dizer
com a palavra dos críticos: quem se utiliza das operações militares baseadas
simplesmente pelos seus efeitos, conhecerá por muito breve o fracasso da campanha,
porque se baseia num modelo reducionista de guerra e proclama a idéia do Idealismo, os
que acreditam que se possam dar respostas mágicas que eliminem a névoa e o atrito da
guerra.
Quanto ao que foi exposto, parece existir profunda incoerência entre Direito e Exceção,
todavia estes não se excluem mutuamente nas sociedades modernas, mas se
complementam. Por quê? As duas formas dão sentido ao caráter híbrido do Estado.
Como já dizia Heráclito, filósofo da Antiga Grécia: “ Se queres a paz, então prepara-te
para a guerra.”
Em The Challenge of Change: Military Institutions and New Realities, Harold
Winton já afirmava que a vitória sorri para aqueles que prevêem as mudanças no caráter
de uma constante guerra, não para aqueles que esperam para adaptar-se depois que as
mudanças ocorrem.
Transferindo essa idéia para os dias atuais, observamos que os princípios e
imperativos de combate englobaram controles operacionais muito além dos limites
convencionais, já que os adversários dispersos e frequentemente invisíveis conduziram
os estados-nações a engajarem novas perspectivas na solução dos conflitos
contemporâneos. Como a guerra irregular é mais do que uma simples metodologia
estratégica, então é possível entender o “paradoxo” do poder militar irregular, que agirá
dentro da ordem jurídica desde que haja segurança, pois quando esta deixar de estar
presente na vida humana, nada mais será duradouro. Em virtude disso, as ações, por si
só, incluirão o uso injustificado uso da força, a detenção ilegal, a tortura e o castigo sem
julgamento. Neste ponto, vemos a criação de um estado de natureza, como falava
Hobbes; e, diante do caos, em Carl Schimtt, a nação com o intuito de manter-se viva
cederá a decisão ao soberano.
No entanto, depois da Guerra Fria, os sistemas políticos vêm buscando, em
contrapartida, alianças estratégicas e zonas de cooperação para atingirem novos
equilíbrios e nova estabilidade diante de um cenário de mudanças extremas. Estas se
deram através das sociedades capitalistas, que implantaram bases normativas e
institucionais na obtenção perene do sucesso tecnológico e econômico. Ainda, contudo,
se hoje não há confrontos entre os grandes exércitos das potências, há, sim, a guerra
tecnológica, que afunda dia após dia as nações no silêncio. Deste modo, o modelo
jurídico kelseniano veio como uma luva a aderir e solidificar o propósito das elites do
liberalismo e mascarar as extremas desigualdades sociais. Peter Sloterdijk dizia: “as
nações modernas são comunidades de estimulação, que se mantêm em forma por meio
de um estresse sincrônico tentando em vão produzir uma tensão mínima.”
Em Kelsen, a Teoria Pura do Direito baseava-se em elementos transcendentais os
quais como as leis da natureza não seriam superiores à razão, mas calcados nesta.
Porém, através de sua conceituação hipotética de Norma Fundamental, não é difícil
perceber que existem fórmulas vazias de justiça, que servem para justificar toda e
qualquer ordem social. Há, portanto, uma cisão, ou melhor, uma contradição entre o
meio ideológico e o meio real das normas. O axioma kelseniano, podemos inquirir, é
uma regra de ouro estabelecida por um critério objetivo: ser-dever ser. Se nas ciências
naturais, temos a precipitação do fenômeno natural, nas ciências sociais, temos a
imputação. Esta regra de ouro será uma fórmula tautológica (tomada sempre por
verdadeira), pois se define, também, na interpretação à maneira de Kant sobre o
imperativo categórico, a fórmula positivista do agir ético. Em comparação com o caráter
transcendental da justiça divina, em vista de sua aplicação como justiça absoluta, a
Teoria Pura de Kelsen transmutará a figura do Estado por meio da Grande Norma num
deus social, responsável pela ordem jurídica centralizada. No entanto, essa
personificação anímica se torna muito perigosa quando utilizada na jurisprudência e na
teoria política, pois induz à falsa solução de problemas presa a uma ficção imutável de
que as pessoas devam acreditar que esse deus seja sempre mais forte do que quaisquer
outros fenômenos sociais envolvidos. Como Platão, Kant defende a idéia de que justiça
é felicidade, e Kelsen como neokantiano engloba tais valores transcendentais, que se
transformam em verdadeiros sofismas nos discursos políticos.
Atualmente (ou provinda de séculos passados) a lógica de um Estado é uma lógica
de lucro que segue suas próprias leis, nem sempre uma lógica orientada para o bem-
estar geral; mas para que os cidadãos subordinados ao sistema legal sejam felizes é
necessário que acreditem na afirmação de que vivam numa sociedade justa. Para tanto,
Platão, há muito tempo, já concordava que os governos estão plenamente autorizados a
fazer uso das mentiras (sofismas) para dissimular seus princípios de igualdade e
fraternidade. Logo a filosofia contemporânea – destacada na obra Razão Prática e
Responsabilidade Política: Uma Introdução a Alguns Problemas da Teoria Política
Num Mundo Pluralista, de Reinhard Hesse – aparece bastante ecletizada em seus
fundamentos dialógicos em que a racionalidade do discurso opõe-se a uma
racionalidade estratégica e instrumental. E é nesta contradição que ressaltamos os ideais
envolvidos: a norma fundamental da solidariedade (todos têm o mesmo direito à
sobrevivência) enquanto que no contexto cotidiano nos deparamos com a miséria
extrema em alguns países africanos e sul-americanos. Na teoria a norma é integral, mas
na prática defronta um campo limitado, pois não atende a todos os problemas sociais,
privilegiando apenas alguns interesses. Observa-se, assim, a exceção à norma: a meta
comum da humanidade em sentido positivista (eliminar ou manter sobre controle as
ameaças, não para o bem de todos, mas da maioria). Tomemos por exemplo a operação
americana na tocaia a Bin Laden. Este, mesmo como terrorista, ainda teria os mesmos
direitos humanos que os demais homens, ou não? Os detentos nas cadeias brasileiras
têm os mesmos direitos humanos que nós cidadãos? O que justifica não utilizar os
meios legais e sim métodos sumários para eliminação do inimigo sem direito à defesa?
A resposta que parece mais adequada pode aproximar uma idéia entre Kelsen e Schmitt:
a reflexão pragmático-transcendental não precisa se restringir totalmente ao plano da
consciência, mais importando o consenso universal. Apesar de, em essência, alicerçado
num argumento egoísta esse método se confunde perfeitamente com o decisionismo
proposto por Carl Schmitt, ou seja, há um ato político, e não restritamente jurídico.
Tanto Sobre a Mentira, de Sócrates, quanto sobre A Lógica de Mentir –
conceituada na Teoria dos Jogos –, de Augustine, nós apresentamos como os grupos
sociais na Antiga Grécia reagiam em suas estratégias de guerra e nos atuais que se
apropriam dos meios de comunicação para dissimular suas crenças num mundo
pluralista, em causa própria, ou para a defesa do Estado. Como já dizia a máxima de
Maquiavel de que “os fins justificam os meios”, rompendo a genealogia da moral e as
normas jurídicas, o estado de exceção, ou anômico, condiciona o homem a adotar
lógicas epistêmicas mais dinâmicas (não-jurídicas) que otimizam as estratégias num
cenário caótico. Contudo, devido ao extremo grau de imprevisibilidade, há a
necessidade de em algum momento que se tenha a decisão de “um juiz ou jogador” –
neste caso, o príncipe em Maquiavel e o fuhrer em Schmitt – que ponha fim a esta
situação, pois, conforme o equilíbrio de Nash, haverá no caos um tempo – um lance –
que não será mais favorável a ninguém, visto que ocorrerá a dissolução da estrutura
social/estatal. Em Hobbes, isso representa o estado de todos contra todos, em que o
homem se torna lobo do próprio homem. Em outro contra-ponto, há os que dizem que
todos devam ser regidos por uma lei superior comum, a Lei Fundamental.
Na História do Direito, embora em sentidos opostos, tanto os juspositivistas
quanto os não-juspositivistas (destaque para os jusnaturalistas) acabam em um dado
instante se encontrando na intersecção do que seja a justiça e o direito. Assim, como
para Robert Michaels – estudioso das genealogias das classes sociais – que tem
fundamentado que o homem também segue um ritmo cósmico – entre a luz e a
escuridão, ou, ainda, Yin e Yang – no qual se contempla o ciclo perpétuo da criação, da
destruição e da regeneração.
Se um Estado adotar estritamente um modelo kelseniano liberal, poderá incorrer
no risco de se transformar num gigante de pedra com pés de vidro, visto que a força
formal não suprirá as demandas do cotidiano e das mudanças tecnológicas e se deparará
com as lacunas axiológicas. Um exemplo para a nossa Polícia Federal que há momentos
atrás (ou até agora) tinha dificuldades para enquadar os hackers nos crimes cibernéticos.
Nos EUA, armas são vendidas sem restrições e repercutem em massacres rotineiros.
Aliás, vários governos democráticos passaram por esta encruzilhada nos dias atuais em
que muito se questiona sobre o Poder dos Estados. O extremo do liberalismo, então, é a
imagem do contraste entre um individuo forte e um Estado fraco. Por outra ótica, um
estado nitidamente totalitário, em regime permanente de exceção schmittiano,
promoverá a repressão dos direitos de liberdade de expressão e da diversidade cultural,
o abuso do poder pelas autoridades. Na China, os meios de comunicação são
rigidamente monitorados pelo Governo, lembrando-se de uma famosa lei falcão, em que
todos são vistos por um “Grande Olho à distância”. Os atentados de 11 de setembro, nos
EUA, influenciaram incidentes xenófobos, os quais muitos estão vinculados pela
decretação do Patriot Act ( Ato Patriota). No Brasil, juízes federais, por conseqüência
das represálias aos brasileiros em solo norte-americano, chegaram a estudar a hipótese
de aprovar uma lei a qual se chamaria “Lei da Reciprocidade” para os turistas
estadunidenses vindos ao País. Ainda, sim, há citações sobre a Lei do Abate e o Direito
Penal Diferenciado. Mas pergunta-se: Por quê? Para quê? Para quem? Estas inquirições
em geral levam os homens a romperem as regras e as leis que ditam os comportamentos
de uma sociedade. Eis o surgimento da anomia social e jurídica. Ressaltamos: o extremo
de um Estado totalitário é a imagem da antítese entre um indivíduo fraco (sem direitos
constitucionais) e um Estado forte (absoluto).
Tal a respeito da maneira já exposta nos primeiros parágrafos, o desafio tem sido
alcançar um ponto de equilíbrio na distribuição dos poderes, coerente com os direitos e
deveres dos cidadãos e as funções dos Governos. O fenômeno da aculturação, por
exemplo, acompanha os confrontos entre os povos – não mais entes centralizados e
autônomos, e, sim, complexos e imprevisíveis – e as suas classes sociais (sempre
existiu) e mais do que nunca permanece latente na contemporaneidade em decorrência
da Globalização e demonstrado através do empirismo da antropologia jurídica. Portanto,
concluímos uma conceituação híbrida do estado de direito e de exceção nas nações.
Tomemos por base a Função das Leis Gerais na História – ensaio de C. G. Hempel
comparável ao de Kelsen –; estas comportam significado ambíguo porque não são
válidas em todos os casos, a começar da análise de predições futuras e na separação dos
fatos concretos na hipótese de uma confirmação satisfatória e uniforme da justiça diante
da heterogeneidade cultural. E, em outro pólo, o paradigma de Schmitt apoia-se numa
fundamentação pragmático-política da necessidade de se solidificar as rédeas
governamentais (o controle) sobre as massas: um grave erro se formos verificar a queda
dos regimes ditatoriais com as insurgências que desencadearam a Primavera Árabe.
Pelo que se nota, o estado de exceção (anomia, fragmentação das diversas regras)
instaura-se quando os governos são extremamente liberais ou tiranos, ou quando estes
que se transformam naqueles e vice-versa. Como mediadora, a alternatividade potencial
propôs novos caminhos para base da ação humana. Sim, pois a estrutura alternativista –
fundada pelo filósofo americano Dennet –, onde a fundamentação da liberdade não
encontra um sentido apenas em si mesma, podemos abordar as seguintes questões: “ 1.
Que função nós e os governantes desempenhamos, num momento específico, que
serão determinantes no controle, auto-controle ou perda da coesão social? 2. Que
significa agir sobre a idéia de liberdade; existe realmente a liberdade de impor nossa
vontade ou deixaremos ao arbítrio dos governos?”
A resposta considerada mais plausível exibe a combinação dos dois modelos, tanto
o de Kelsen quanto o de Schmitt. O primeiro porque o homem deseja ter uma vontade
livre mas que esteja pautada na responsabilidade e no bem-estar comum, o que significa
que a nossa compreensão interliga-se a uma aplicação mimética da Grundnorm em que
o espelho da realidade das nações seja semelhante ao catálogo de suas respectivas
normas. O segundo porque se a norma é um estado ideal, na sua totalidade aliena o
homem de suas efetivas ações, e por conseqüência será uma aberração; então teremos
mister a imposição, ação da vontade do soberano com a finalidade de manter a
sociedade legitimada , embora após um longo período as prisões e os métodos de
tortura, por citação, fossem procedimentos crescentes de controle social e se
estendessem além da liberdade e dignidade humana propiciando uma falsa e aparente
satisfação de justiça.
Enquanto a Revolução Industrial vinha lançando as bases do positivismo com a
promessa da liberdade, do bem-estar e do progresso na qual se cunhava o desejo de
formar um sistema social mais homogêneo e mais estável do que jamais se poderia
imaginar, outra lei paradoxalmente se fundava com Spencer, dizendo-se que as
sociedades mais evoluídas são compostas, duplamente ou triplamente compostas, onde
poderão haver não apenas poderes centrais despóticos, mas também o controle político
ilimitado oposto à vontade dos cidadãos, que uma vez se acreditava suprema.
Desta forma, a própria Teoria Pura do Direito parece sofrer uma ruptura em seus
paradigmas ao tornar permissíveis as retaliações e a guerra nas sanções do Direito
Internacional Positivo, pois desde então este passa também a ser um direito natural e
adepto do decisionismo em conformidade do que pensam os realistas: O que controla o
Poder é mais Poder, como ação e não como previsão.
Portanto é compreensível a composição híbrida do estado de direito ao estado de
exceção nas nações democráticas, e a junção da Lei Maior ao decisionismo de um
soberano. A pergunta ética fundamental de Kant, na figura de Kelsen, torna-se similar à
de Schmitt: “Que devo fazer?” Vê-se, assim, a filosofia sendo ultrapassada pela vida.
Exemplos podem ser obtidos na Constituição de 1988, que “não haverá penas de
banimento e tortura”, mas que prevê a restrição dos direitos fundamentais e a pena de
morte nos casos de guerra. Miguel Reale descreveu o estado de exceção como um
estado de necessidade em que a conduta do indivíduo ou a decisão da autoridade
poderiam se opor ao ordenamento jurídico desde que se estivesse sacrificando um bem
de menor importância na tutela de um bem maior como a vida, a integridade física, o
patrimônio e a Segurança de Estado. Logo lembrando muito a política do Big Stick, de
Roosevelt: “Seja suave e use um porrete!”