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Abril de 2012 Efeitos da nova Lei da Concorrência Por Paulo F. C. da Rocha e Bruno De Luca Drago. Empresas envolvidas em fusões e aquisições no Brasil sempre se beneficiaram da ausência de impedimentos, sob o ponto de vista concorrencial, para o fechamento imediato das operações. Por outro lado, diversos aspectos da atual lei de defesa da concorrência (Lei nº 8.884, de 1994) são alvos de críticas da comunidade empresarial, tais como o critério de notificação das operações, a duplicação de guichês e a ausência de prazos firmes para sua conclusão. Mesmo com as adversidades promovidas pela própria legislação, não se pode olvidar todos os esforços que sempre foram empregados pelas autoridades visando a maximização da eficiência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), bem como a promoção de maior segurança jurídica aos administrados. Em resposta aos anseios das comunidades jurídica e empresarial e a crescente importância que os instrumentos de preservação da livre concorrência vêm adquirindo no Brasil, foi sancionada recentemente a Lei nº 12.529, de 2011, que entrará em vigor no dia 29 de maio, e que introduz significativas mudanças à legislação brasileira. Dentre tais mudanças, merece destaque a simplificação da estrutura do sistema concorrencial brasileiro: a Secretaria de Direito

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Abril de 2012

Efeitos da nova Lei da Concorrência Por Paulo F. C. da Rocha e Bruno De Luca Drago.

Empresas envolvidas em fusões e aquisições no Brasil sempre se beneficiaram da ausência de impedimentos, sob o ponto de vista concorrencial, para o fechamento imediato das operações. Por outro lado, diversos aspectos da atual lei de defesa da concorrência (Lei nº 8.884, de 1994) são alvos de críticas da comunidade empresarial, tais como o critério de notificação das operações, a duplicação de guichês e a ausência de prazos firmes para sua conclusão.

Mesmo com as adversidades promovidas pela própria legislação, não se pode olvidar todos os esforços que sempre foram empregados pelas autoridades visando a maximização da eficiência do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), bem como a promoção de maior segurança jurídica aos administrados.

Em resposta aos anseios das comunidades jurídica e empresarial e a crescente importância que os instrumentos de preservação da livre concorrência vêm adquirindo no Brasil, foi sancionada recentemente a Lei nº 12.529, de 2011, que entrará em vigor no dia 29 de maio, e que introduz significativas mudanças à legislação brasileira.

Dentre tais mudanças, merece destaque a simplificação da estrutura do sistema concorrencial brasileiro: a Secretaria de Direito Econômico (SDE) será incorporada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que passará a ser formado por uma Superintendência, pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, por um Departamento de Estudos Econômicos e pela Procuradoria do Cade. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) figurará como órgão integrante do SBDC, porém independente, e atuante como tutor da advocacia da concorrência.

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As partes deverão aguardar decisão final da autoridade para consumar o negócio

Contudo, a principal alteração introduzida pela nova lei consiste na adoção de um sistema de notificação prévia, ou seja, a análise e decisão do Cade ocorrerão previamente à conclusão do negócio realizado. Assim, as partes deverão submeter a operação ao Cade e aguardar a decisão final da autoridade para consumar seu negócio, a exemplo do que ocorre em jurisdições de tradição que possuem controle de fusões e aquisições.

Com a adoção da notificação prévia, o Cade terá um prazo de 240 dias para analisar o caso e proferir sua decisão, prazo este prorrogável por mais 90 dias a pedido do Cade, ou 60 dias a pedido das partes. Nesse período, as partes estarão proibidas de adotar quaisquer medidas para implementação da operação.

Outra alteração que merece destaque é a implementação de uma regra de "minimis" nos critérios de notificação de operações ao sistema. Assim, além do atual critério de faturamento de R$ 400 milhões no Brasil, por um dos grupos envolvidos na operação, criou-se um segundo critério que requer que pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado no Brasil, faturamento equivalente ou superior a R$ 30 milhões. A nova lei extinguirá ainda o atual critério e participação de mercado, segundo o qual é obrigatória a notificação de operações que impliquem em participação igual ou superior a 20% de um mercado relevante. Essa alteração é bem-vinda, na medida em que restringirá o número de operações que serão submetidas para a análise do Cade.

Da mesma forma, a Lei nº 12.529 inova ao conceituar o termo "ato de concentração", que passa a compreender a fusão de duas empresas independentes; a aquisição do controle ou partes de outra empresa; a incorporação de outra empresa; e a associação, criação de consórcio ou

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joint venture. Embora o rol taxativo traga mais clareza ao determinar exatamente quais atos devem ser submetidos, novos modelos de operações que possam vir a surgir no futuro podem exigir uma revisão do rol.

Fato de grande preocupação para a comunidade empresarial, contudo, foi o veto ao artigo 64, o qual previa a aprovação automática para atos não aprovados pelas autoridades no prazo legal estabelecido pela lei. Apesar da expectativa de edição de regulamentação infralegal sobre a questão, o efeito prático do veto implica na ausência de qualquer sanção para o descumprimento, por parte das autoridades, do prazo máximo de análise, o que poderia estendê-la de forma indeterminada, perpetuando o impedimento legal para o fechamento da operação.

Em vista dessas mudanças, principalmente no que tange ao novo sistema de notificação prévia, a nova lei deve afetar de forma significativa as negociações de fusões e aquisições que requeiram notificação obrigatória ao sistema.

Dessa forma, se considerações sobre os aspectos competitivos envolvidos nas operações costumam atualmente surgir apenas ao final das negociações, os "cadistas" passarão a trabalhar sob maior pressão, de forma a garantir que não haja qualquer atraso desnecessário para a aprovação das operações.

As partes envolvidas terão maiores incentivos para que as notificações sejam completas e precisas, a fim de se possibilitar uma revisão mais célere por parte das autoridades, fato que exigirá antecipação às discussões comerciais e maior preparação. Assim, os cadistas deverão elaborar os documentos necessários à notificação em paralelo às negociações e elaboração do contrato.

Outra questão que passa a ter maior relevância seria o uso de "contas escrow" para o depósito do preço acertado nas

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fusões e aquisições quando o comprador negociar sua isenção ou compartilhamento dos riscos decorrentes da não aprovação, ou aprovação condicionada. Atualmente, os agentes brasileiros não se comportam de forma tão ativa se comparados aos agentes estrangeiros quando da decisão de liberação dos valores, muito em razão do receio de serem dragados para eventuais litígios.

Não obstante os desafios que se colocam, o novo marco regulatório da lei de defesa da concorrência é muito bem-vindo, pois alinha o ordenamento jurídico concorrencial brasileiro ao amadurecimento econômico do Brasil, fornecendo um ambiente de melhoria ao desenvolvimento empresarial e crescimento sustentado.

Paulo Frank Coelho da Rocha e Bruno De Luca Drago são, respectivamente, sócio do departamento empresarial do escritório Demarest e Almeida Advogados e sócio júnior do departamento concorrencial do mesmo escritório

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: VALOR ECONÔMICO, http://www.valor.com.br/brasil/2616746/efeitos-da-nova-lei-da-concorrencia, acesso em 04/05/2012.

Abril 2012

A nova lei de defesa da concorrência e os desafios das operações de M&A

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Por Robson G. Barreto e Mariana Villela

No dia 29 de maio, entrará em vigor a Lei 12.529, de 30 de novembro de 2011, que revoga a atual lei de defesa da concorrência e traz, como novidade, um sistema de análise prévia das operações de concentração econômica. No sistema da lei atual, as operações que requerem submissão à análise das autoridades concorrenciais podem ser consumadas antes de aprovadas; de acordo com o novo sistema, contudo, as partes de uma operação de concentração econômica não poderão concretizá–la antes de sua aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

As operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) no Brasil têm se tornado mais numerosas, vultosas e complexas. Por essa razão, geram a necessidade de envolvimento intenso de diversos tipos de profissionais. De forma usual, essas operações compõem–se de um momento de celebração e outro de conclusão, período durante o qual as partes se comprometem a diversas obrigações para completa execução do contrato. Essas operações serão, sem dúvida, profundamente impactadas pela novidade.

A nova lei prevê que, "até a decisão final sobre a operação, deverão ser preservadas as condições de concorrência entre as empresas envolvidas", sob pena de aplicação de multas e abertura de processo administrativo. O objetivo é evitar que as empresas que tomam parte em determinadas operações deixem de concorrer de forma efetiva, troquem informações comercialmente sensíveis ou tenham ingerência nas atividades das empresas adquiridas antes que ela seja aprovada pelo Cade. Isso porque, até que o órgão autorize as partes a fecharem a operação — o que pode não ocorrer —, tais comportamentos podem configurar formas de coordenação ilícita entre concorrentes ou movimentos prematuros ao fechamento, que correspondem a condutas potencialmente anticoncorrenciais. Esse dispositivo, aliado à possível

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demora do Cade — cuja análise pode durar até 330 dias —, traz dificuldades na administração da relação entre as partes durante o período compreendido entre a assinatura do contrato e o fechamento da operação. É natural que, quando uma empresa adquire determinados ativos ou negócios, busque assegurar que o seu valor seja preservado até a conclusão da operação. Nessa busca, as empresas tendem a estabelecer obrigações ou limitações à livre condução das atividades das empresas adquiridas, mas que poderão ser interpretadas como ingerências indevidas ou prematuras.

A possível demora na análise do Cade pode causar ineficiências, aumentar os custos de monitoramento e desvalorizar os ativos adquiridos

A questão não é simples. Algum nível de aproximação, ingerência e troca de informação entre as empresas participantes em operações de fusões e aquisições pode ser desejável e mesmo fundamental à consecução dos seus fins. A possível demora na análise pelo Cade, combinada com a restrição a comportamentos necessários à viabilização dos objetivos da operação, pode causar ineficiências, aumentando custos de monitoramento e gerando desvalorização dos ativos adquiridos. Todas essas consequências são indesejáveis sob o ponto de vista concorrencial. O novo Cade deverá, então, organizar–se de forma a analisar com rapidez e eficiência as operações que lhe forem submetidas. No momento, é difícil prever o prazo médio para o exame das operações de acordo com a nova lei. As empresas precisarão se esforçar para apresentar com agilidade informações completas e necessárias à análise, a fim de auxiliar o órgão regulador nessa tarefa. Enquanto as operações não forem aprovadas, as empresas precisarão negociar previamente os possíveis impactos causados pela nova lei e estar atentas para evitar comportamentos que possam ser interpretados como anticompetitivos. Os desafios serão muitos e todos os

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envolvidos nas operações de M&A, em especial nas mais complexas, precisarão estar devidamente preparados para enfrentá–los.

Fusões e Aquisições é um informativo bimestral produzido por Veirano Advogados (www.veirano.com.br) e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. As opiniões aqui expressas são as do escritório de advocacia e não, necessariamente, as da revista.

Pela natureza da mídia internet, é possível que links mencionados em nosso conteúdo não estejam mais publicados em seus respectivos websites. A Capital Aberto não se responsabiliza por links em outros sites que não mais estejam publicados.

Fonte: REVISTA CAPITAL ABERTO, em http://www.capitalaberto.com.br/ler_artigo.php?pag=2&sec=71&i=4653, acesso em 04/05/2012.

Novembro de 2011

Defesa da concorrência impulsiona o crescimentoPor José Del Chiaro e Ademir Antonio Pereira Jr

A aprovação pelo Congresso da nova Lei de Defesa da Concorrência transborda o microcosmo dessa política pública e alcança a agenda de desenvolvimento do país, na dimensão pública e no que diz respeito ao ambiente de negócios.

Em 1994, quando da promulgação da atual lei de Defesa da Concorrência, o país escolhia os modelos de políticas públicas de intervenção sobre a economia. Esse período foi marcado por alterações na Constituição de 1988 que visavam adequar a disciplina constitucional a uma intervenção moderada sobre a economia. Após um período de forte intervenção do Estado, com mecanismos de controle de preços e atuação direta por meio de empresas

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públicas, na tradicional metáfora, o pêndulo passou a pender para o mercado, eleito como ambiente capaz de selecionar produtos e agentes. O Estado procurava deixar de ser um provedor direto para fiscalizar as atividades dos particulares.

Nesse contexto, ocorreram as privatizações de empresas públicas, desenvolveram-se políticas setoriais de controle de alguns mercados específicos - adotando-se o modelo de agências, com instituições como Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) - e uma política de defesa da concorrência geral, aplicável a todos os setores. Essa política tem como finalidade buscar assegurar que o processo competitivo entre os agentes econômicos não seja obstado por mudanças em sua estrutura (como no caso de fusões e aquisições) ou por comportamentos dos agentes (como no caso de um cartel). Assim, a política de defesa da concorrência aposta na intervenção do Estado para manutenção do processo competitivo, que seria um meio eficiente de garantir aos consumidores preços baixos, qualidade dos produtos e inovação.

Desenvolvimento do ambiente de negócios no Brasil exigia uma melhora da análise de fusões e aquisições.

Essa nítida racionalidade da política de defesa da concorrência já marcava a Lei de 1994. No entanto, as ferramentas e instituições traçadas para alcançar essa finalidade eram, em certa medida, ainda experimentais. A política de defesa da concorrência iniciava-se efetivamente no Brasil naquele período (a despeito de existir formalmente desde a década de 1960), e era necessário experimentar, evoluir e consolidar. A qualificação "experimental" não contém nenhum demérito às instituições e agentes que integraram a trajetória dessa política. Ao contrário, reforça seus êxitos: mesmo com um arranjo institucional complexo e instrumentos de ação às vezes não tão precisos, a defesa da concorrência no Brasil se desenvolveu e se consolidou como uma política a ser

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levada a sério pela iniciativa privada e pelo próprio governo. No jargão popular, trata-se de lei que "pegou".

Na dimensão pública, a política de defesa da concorrência demonstrou que pode minimizar prejuízos aos consumidores e, ao mesmo tempo, conviver com a realidade de um país em desenvolvimento, em que a atuação estatal em certos mercados para fomento de algumas atividades e atração de investimentos é essencial. Assim, ela sinalizou que concorrência não se defende por si mesma, mas somente enquanto beneficiar os consumidores. Se um monopólio for mais benéfico aos consumidores (ou seja, apresentar eficiências líquidas), ele não será um problema para a defesa da concorrência.

Na dimensão privada, o desenvolvimento da política de defesa da concorrência se coaduna com esforços para aperfeiçoamento das instituições jurídicas, mediante, por exemplo, o aprimoramento de institutos contratuais, instituições judiciárias e formas de coerção civil. A defesa da concorrência consolidou-se como parte integrante do ambiente de negócios, e angariou o respeito dos empresários à medida que foi capaz de se mostrar previsível, técnica em suas decisões e capaz de compreender que concorrência não se dá somente em preço, mas também pela geração de inovação.

Assim, a política de defesa da concorrência foi posta à prova e a edição da nova lei atesta o sucesso das últimas duas décadas de contínuo aprendizado institucional: a racionalidade da atuação se firmou, as ferramentas de ação foram remodeladas para garantir maior vigor e as instituições foram rearranjadas para que sejam mais eficientes e se coadunem com o Brasil de hoje.

E mais, a nova disciplina legal garante um local para a política de defesa da concorrência no contexto de desenvolvimento da agenda pública de intervenção sobre a economia e do ambiente de negócios. Na dimensão pública, isso fica evidente pela reforma das instituições, com a concentração das atividades de investigação em um só órgão, o "Novo Cade (Conselho Administrativo de Defesa

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Econômica)", e a melhor dotação desse órgão, com a contratação de mais funcionários. Na dimensão privada, a análise prévia de atos de concentração é representativa.

Todo e qualquer ato ou contrato que possa alterar a estrutura de mercados deve ser submetido ao Cade. Atualmente, as transações podem ser concluídas e depois apresentadas para aprovação, o que gera insegurança jurídica em razão da possibilidade de desfazimento do negócio e dá margem a casos de impossibilidade de reversão de uma transação ao final da análise, já que em razão de uma transação as empresas podem ter demitido funcionários, descontinuado unidades ou marcas.

O desenvolvimento do ambiente de negócios no Brasil exigia um aperfeiçoamento da análise de fusões e aquisições: seguindo as práticas de países desenvolvidos, a nova lei estabelece que as transações deverão ser aprovadas antes de sua conclusão (controle prévio) e confere ao Cade uma dinâmica e estrutura que visam acelerar a análise. Assim, pretende-se conferir maior dinamismo ao ambiente negocial, incrementando a segurança jurídica e tornando mais efetiva a defesa da concorrência.

Um passo fundamental é dado com a nova lei. O aprimoramento dessa política, no entanto, dependerá ainda da contratação dos funcionários prevista na lei e do aperfeiçoamento do diálogo entre as autoridades de defesa da concorrência, dos empresários, dos advogados e economistas especializados, enfim, dos agentes envolvidos nesse contínuo processo de aprendizado, para que a nova disciplina efetivamente alcance os objetivos propostos.

José Del Chiaro é ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça.Ademir Antonio Pereira Jr. é especialista em Direito Econômico.

Fonte: CADE, http://www.cade.gov.br/Default.aspx?81b445d42ce136fd08350f213c, acesso em 07/05/2012.

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Dezembro de 2011

A nova lei de defesa da concorrência e seus vetosPor Carlos Francisco de Magalhães

Ao longo dos últimos anos, ilustres membros do poder Executivo e importantes parlamentares empenharam-se para aprovar projeto de lei que trouxesse melhoras significativas à legislação concorrencial, que, porém, sequer completou 18 anos de existência. O argumento central utilizado sempre foi o da necessidade de se conferir maior celeridade e previsibilidade principalmente à análise dos atos de concentração, que envolvem justamente fusões e aquisições entre competidores.

O desejo de melhora é sempre bem-vindo. Contudo, da forma como certamente ficará definitiva a recém-aprovada lei, ou seja, com os vetos da senhora presidente da República, poderemos vivenciar um retrocesso sem precedentes.

Com efeito, ao vetar dispositivo que tinha como objetivo punir a demora da administração e, assim, aprovar

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automaticamente processos que não fossem decididos em até 240 dias, estarão à mercê da boa-vontade do poder público inúmeras operações, muitas delas de até bilhões de reais, com nítido interesse nacional e que mexem com a vida de milhares de pessoas, com vantagens não só às empresas, mas aos consumidores, que devem sempre figurar como seu principal beneficiário. Acima de tudo, estarão empresários e mercado diante de uma grave incerteza, jurídica e econômica. Frente à demora da administração jamais se saberá exatamente quando ir avante com o negócio.

Um processo sem fim é, por definição, injusto e errado. O direito à "duração razoável do processo" está hoje cravado na nossa Carta Magna como direito fundamental. Não se tem dúvida de que tão importante quanto decidir bem, é decidir em tempo adequado.

Ciente disso, o governo anterior foi enfático ao vetar projeto que objetivava retirar da Lei nº 8.884 o instituto da aprovação automática frente à inércia da administração. Ouvidos os Ministérios da Justiça e da Fazenda, o então presidente Lula asseverou em suas razões de veto que "as empresas requerentes estariam sujeitas a grande incerteza, caso houvesse a possibilidade de se ficar esperando 'ad infinitum' uma decisão do órgão julgador. Tal incerteza poderia trazer resultados extremamente negativos, tanto em termos de incentivos à não notificação dos atos, quanto em termos de inibição da livre iniciativa. Em conclusão, trata-se de um eficiente constrangimento para que a administração atue nos exatos termos previstos pelo legislador, e, portanto, é apropriada a sua permanência no texto legal".

O próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sabe da importância da norma e já a aplicou em diversos precedentes importantes ao longo de sua história. Em sua jurisprudência, a autarquia também parece

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preocupada em promover decisões em tempo econômico. Cada vez mais intolerante com delongas injustificadas, assevera que atos processuais sem relação direta com a instrução do caso, que representam mera organização interna da administração ou mesmo irrelevantes ao entendimento dos fatos discutidos, não podem ser entendidos como dignos de suspender a contagem de prazos prescricionais.

A simples justificativa encontrada no recente veto presidencial, portanto, não convence. Afirmar que a aprovação por decurso de prazo seria "medida desproporcional" e que "a legislação já oferece mecanismos menos gravosos e aptos a apurar responsabilidades pelo eventual desrespeito aos prazos estabelecidos na lei" é desviar do tema. O objetivo do dispositivo não era, por óbvio, apurar a responsabilidade de servidores, mas impor celeridade à administração. Sem uma expressa norma na nova lei impondo tal obrigação ao chamado Supercade, poderemos viver uma situação de mega-atrasos, agora mais deletérios do que nunca, visto que os negócios valem apenas após sua aprovação.

A situação é preocupante. Imagine-se se estivéssemos no terreno tributário e o Congresso aprovasse o fim da prescrição tributária. No caso da nova lei concorrencial experiência prática e história justificam o alarde.

Em primeiro lugar, porque aqueles que verdadeiramente acompanham a rotina das análises de ato de concentração perante o Cade sabem que retardamentos não estão ligados à falta de interesse das partes em prestar informações. Não se pode confundir discordância com retardamento. O bom empresário (que é a regra geral) quer aprovar sua operação e convencer a autoridade de seus direitos, mas acima de tudo, pragmaticamente, livrar-se o quanto antes de eventuais riscos regulatórios e se concentrar na administração e captura das sinergias da

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operação. Grandes delongas processuais estão diretamente ligadas à inércia da administração, via de regra por conta de retrabalhos e excesso de trabalho, e/ou devido à atuação insistente, e às vezes irresponsável, de intrusos ao processo, isto é, opositores interessados na delonga e falta de definição. Além disso, ao longo de quase duas décadas, o governo federal nunca levou realmente a sério a obrigação de dotar nossa administração de recursos para o desenvolvimento eficiente de suas tarefas. Malgrado todos os talvez desmesurados elogios à nova lei, ela não traz (e nem poderia) materializar tantos progressos em relação ao texto atual.

Há muito tempo se comprovou que o fator diferencial de qualquer instituição, privada ou pública, se chama investimento em material humano. Para melhorar a aplicação, preventiva e repressiva, da legislação concorrencial, bastaria que o executivo, paulatinamente (e não, de uma só vez, com os 200 técnicos mencionados na nova lei, os quais sequer existem e que, se um dia existirem, precisarão de treinamento intensivo por anos!), criasse um corpo técnico de carreira de alto nível. E recursos não faltam vis-à- vis às enormes multas concorrenciais aplicadas e que se destinam a um fundo de interesses, ao que parece, pra lá de difusos.

Enfim, se, com a nova lei e seus infelizes vetos, evoluiremos ou andaremos pra trás na matéria concorrencial, o tempo dirá. Se é certo, porém, que boas leis não bastam para mudar a realidade, imagine-se quando nem mesmo isso está à nossa disposição.

Carlos Francisco de Magalhães é advogado e sócio-fundador de Magalhães, Nery e Dias - Advocacia.

Fonte: Valor Econômico, em http://www.valor.com.br/opiniao/1139102/nova-lei-de-defesa-da-concorrencia-e-seus-vetos, acesso em 07/05/2012.

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Março de 2012.

A desconsideração da personalidade jurídica na Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência).Uma crítica pontual à opção do legislador.Por Fernando Augusto de Vita Borges de Sales

O modo como a desconsideração da personalidade jurídica está colocada na Lei 12.529/2011 representa um retrocesso. A desconsideração, no caso, deveria ser pelo simples inadimplemento da obrigação, como ocorre na Lei de Crimes Ambientais e no Código de Defesa do Consumidor.

Introdução

A Lei 12.529/2011, ao mesmo tempo em que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), tipifica as infrações à ordem econômica com as penas e sanções aplicáveis, e estabelece as formas de responsabilização[1].

Dentre estas, a referida lei prevê, no art. 34, a desconsideração da personalidade jurídica do infrator, em casos de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato

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social, bem como, de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. 

Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. 

Entendemos, todavia, que o legislador não foi feliz na opção feita para o texto da lei.

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica foi uma teoria que teve início na Alemanha, com os estudos de Rolf Serick, ganhou força nos Estados Unidos e chegou ao Brasil em meados dos anos 60 pelas mãos do eminente comercialista Rubens Requião[2].

A ideia central dessa teoria era que, em razão de certos atos ou fatos jurídicos, poder-se-ia levantar o véu da personalidade da pessoa jurídica para alcançar os sócios que por trás dela se escondiam.

Nós sabemos que ao dotar uma sociedade de personalidade jurídica própria – o que se faz com a simples inscrição dela nos órgãos próprios[3] – ela passa a ser sujeito de direito e obrigações, passando a ter existência distinta de seus sócios (como dizia o art. 20 do revogado Código Civil brasileiro de 1916, não repetido no Código de 2002). Com isso, a sociedade passa a ter autonomia patrimonial e ser responsável pelas obrigações por ela assumidas[4].

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Assim, especialmente nas sociedades de responsabilidade limitada, em princípio, os sócios não respondem pelas obrigações contraídas pela sociedade.

A teoria da desconsideração foi uma forma de tentar contornar essa irresponsabilidade dos sócios em relação às dívidas societárias.

É importante salientar que a desconsideração é apenas momentânea, num determinado processo, para atingir o patrimônio dos sócios. Cumprida a finalidade, a pessoa jurídica segue com sua personalidade intacta.

Teoria maior e teoria menor.

Duas teorias se formaram em torno da desconsideração.

A primeira, denominada teoria maior da desconsideração, é a que consagra os princípios clássicos da disregard doctrine, como proposta por Rolf Serick, na defesa de sua tese de doutorado na Universidade de Tübigen, em 1953.

Melhor elaborada, essa teoria condiciona a superação momentânea da separação patrimonial apenas se houver ocorrência caracterizada de fraude ou abuso na utilização da personalidade jurídica, cuja prova é ônus do credor.

Ela é a regra geral no sistema jurídico brasileiro. Para ser aplicada, haverá de ser provada, além da insolvência, a demonstração de desvio de finalidade (formulação subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (formulação objetiva da desconsideração). É a regra adotada, por exemplo, pelo artigo 50 do Código Civil.

Por outro lado, para a denominada teoria menor, de elaboração bem mais simples, a desconsideração será levada a efeito sempre que houver a insatisfação do crédito do credor da sociedade.

Acolhida em nosso sistema jurídico de maneira excepcional como, por exemplo, no Direito Ambiental, ela incidirá com a simples prova de insolvência da pessoa jurídica, independentemente de haver desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

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Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser repassado para o terceiro, devendo o ser pelos sócios ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa correta, ou seja, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte destes.

É, a guisa de exemplo, a teoria que se encontra presente no artigo 4º da Lei n.º 9605/98, que trata de crimes ambientais.

Podemos afirmar, destarte, quando em determinada relação jurídica não houver previsão legal para a desconsideração, o juiz deverá aplicar a Teoria Maior da Desconsideração. Por ser exceção à regra geral, a Teoria Menor, para ser aplicada, depende de expressa autorização legal[7].

O problema disso tudo é que, com a teoria maior, a prova do ato que autorizaria a desconsideração competia ao credor, o que tornava extremamente difícil a sua aplicação. Por conta disso, surgiu a segunda teoria, menos elaborada, em que o simples inadimplemento da obrigação, por si só, autorizaria a desconsideração.

A primeira teoria, a teoria maior, foi contemplada no novo Código Civil, no art. 50 e no caput do art. 28 do CDC.

CCivil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

CDConsumidor:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do

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consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

A segunda teoria, a teoria menor, foi abarcada no § 5º do art. 28 do CDC e no art. 4º da lei de Crimes Ambientais (lei 9605/98).

CDConsumidor:

Art. 28. ...

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

Lei 9605/98:

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

A desconsideração da personalidade jurídica na lei 12.529/2011.

A desconsideração prevista na Lei 12529/2011 está baseada na teoria maior, eis que exige a ocorrência de um ato concreto, a ser comprovado. É que o legislador condicionou a desconsideração à ocorrência de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. E é aí que reside, no nosso ver, o equívoco na opção do legislador.

Explica-se: a teoria menor já está devidamente incorporada no nosso ordenamento jurídico. O CDC já a prevê. A lei dos crimes ambientais também.

O que nós temos aqui em muito se assemelha ao direito do consumidor ou ao direito ambiental.

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A ordem econômica é um direito difuso, eis que a coletividade é a titular dos direitos jurídico protegidos pela lei (art. 1º, § único da Lei 12.529/2011). Logo, o que se está a proteger não é um direito individual, como ocorre no Código Civil, por exemplo.

A obrigação, no caso, não é uma obrigação negociável, vale dizer, originada de uma obrigação comercial. A ofensa à ordem econômica gera, por sua própria natureza, uma obrigação não negociável.

Essa diferença entre obrigações negociáveis e não negociáveis é importante quando se discute a teoria da desconsideração.

Deste modo, quando o credor for o fisco, o empregado, ou o consumidor, tem-se admitido em alguns casos a superação da autonomia patrimonial para responsabilizar diretamente os sócios da pessoa jurídica adotando-se os postulados da teoria menor.

Conforme define Fábio Ulhoa Coelho, “o princípio da autonomia patrimonial tem sua aplicação limitada, atualmente, às obrigações da sociedade perante outros empresários. Se o credor é empregado, consumidor ou o Estado, o princípio não tem sido prestigiado pela lei ou pelo juiz.”.

Dois principais motivos têm levado o legislador ou o julgador a não aceitar o princípio da autonomia patrimonial: 1) a fraude ou abuso no uso da pessoa jurídica, como forma de não cumprir as obrigações legais e contratuais e 2) a própria natureza da obrigação a que se sujeita a pessoa jurídica.

O primeiro diz respeito ao abuso de direito, caracterizado pelo uso indevido, abusivo ou fraudulento da pessoa jurídica. Na lição de Rizzato Nunes, “o resultado do excesso de exercício de um direito, capaz de causar dano a outrem”. É caracterizado pela utilização ilegal da pessoa jurídica, para fins não prestigiados pelo bom direito. São os casos clássicos que autorizam a superação da personalidade jurídica para atingir os sócios, independentemente da origem do crédito.

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O segundo tem relação com a própria natureza da contratação. É como imaginar que a autonomia patrimonial fosse inserida como uma cláusula geral dos contratos comerciais. Logo, em todos os contratos mercantis, tal princípio deveria ser respeitado incondicionalmente e a forma pela qual os empresários obteriam garantia seria buscando aval ou fiança dos sócios. São as obrigações negociáveis, que estão totalmente sujeitas aos efeitos da personificação, incluindo-se aí a limitação da responsabilidade dos sócios.

Pelo mesmo raciocínio, contrariu sensu, nas obrigações não provenientes de um contrato empresarial, tal princípio não seria aplicado, tendo em vista tratar-se de obrigações não negociáveis[12], que não estarão sujeitas aos efeitos da personificação.

 Desta forma, as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho, as obrigações tributárias e as originadas em um ato ilícito, bem como as decorrentes das relações de consumo e de meio ambiente, que não são objeto de ampla e livre pactuação, podem ser consideradas obrigações não negociáveis.

Desta forma, quando se tratar de obrigações negociáveis, deve-se aplicar a teoria maior. Se se tratar de obrigação não negociável, deve-se aplicar a teoria menor.

A infeliz opção do legislador: conclusão.

Evidente que a obrigação decorrente de ofensa à ordem econômica é uma obrigação não negociável. A empresa que é punida por isso e por qualquer razão não consegue cumprir a obrigação deve ter a sua personalidade jurídica desconsiderada para que a obrigação seja carreada aos seus sócios.

A desconsideração, no caso, deveria ser pelo simples inadimplemento da obrigação, conforme os postulados na teoria menor.

Daí porque não agiu bem o legislador ao determinar a aplicação da teoria maior na lei em comento.

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Bastaria ao legislador adotar o que fez com a lei de crimes ambientais, ou então, repetir a redação do Código de Defesa do Consumidor, inclusive o seu § 5º, e estaria agindo com muito mais propriedade, em face do bem jurídico a ser protegido.

No entanto, o modo como a desconsideração da personalidade jurídica está colocada na Lei 12.529/2011 representa um retrocesso.

Fernando Augusto de Vita Borges de Sales é Advogado em São Caetano do Sul (SP). Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem.

Fonte: SALES, Fernando Augusto de Vita Borges de. A desconsideração da personalidade jurídica na Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência). Uma crítica pontual à opção do legislador. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3194, 30 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21404>. Acesso em: 9 maio 2012.