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Trabalho experimental na aula de ciências físico -químicas do 3º ciclo do ensino básico: Teorias e práticas dos professores Margarida Matos Ana Maria Morais Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Versão pessoal revista do texto final do artigo publicado em: Revista de Educação, XII (2), 75-93 (2004). Homepage da Revista de Educação: http://revista.educ.fc.ul.pt/

Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

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Page 1: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º ciclo do

ensino básico: Teorias e práticas dos professores

Margarida Matos Ana Maria Morais Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Versão pessoal revista do texto final do artigo publicado em: Revista de Educação, XII (2), 75-93 (2004). Homepage da Revista de Educação: http://revista.educ.fc.ul.pt/

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TRABALHO EXPERIMENTAL NA AULA DE CIÊNCIAS FÍSICO-QUÍMICAS DO 3º CICLO DO ENSINO BÁSICO:

TEORIAS E PRÁTICAS DOS PROFESSORES

Resumo

Este estudo analisa as práticas pedagógicas e as percepções de professores sobre trabalho experimental, na aula de Ciências Físico-Químicas, com alunos do 8º e 9º anos de escolaridade. Também relaciona o contexto social dos alunos com as práticas pedagógicas implementadas na sala de aula. Nas análises são utilizados conceitos da teoria do discurso pedagógico de Bernstein.

É discutido o ajustamento/desajustamento das teorias e práticas das professoras. A influência do contexto social dos alunos na prática pedagógica implementada não é evidente, provavelmente uma consequência das professoras se centrarem em competências de baixo nível cognitivo. As percepções das professoras acerca de trabalho experimental de natureza investigativa e a sua competência para o implementar apontam direcções para a formação de professores.

Palavras chave: Trabalho experimental; Prática pedagógica; Percepções dos professores; Contexto social dos alunos

EXPERIMENTAL WORK IN THE MIDDLE SCIENCE CLASSROOM: TEACHERS’ THEORIES AND PRACTICES

Abstract

This study analyses teachers’ pedagogic practices and perceptions about practical work done in classes of Physics and Chemistry with students of the 8th and 9th years of schooling. It also aims at relating students’ social background with the pedagogic practice implemented in the classroom. Bernstein’s theory of pedagogic discourse gave the concepts for the analysis.

The match/mismatch of teachers’ theories and practices is discussed in this study. The influence of students’ social background on the pedagogic practice implemented is not evident, probably a consequence of the teachers’ focus on low level cognitive competences. Teachers’ perceptions about investigative practical work and their competence to implement it point out directions for teacher training.

Key words: Practical work; Pedagogic practice; Teacher’s perceptions; Students’ social background

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LE TRAVAIL EXPÉRIMENTAL DANS LA CLASSE DE SCIENCES PHYSICO- CHEMIQUE AU COLLÉGE:

THÉORIES ET PRATIQUES DES PROFESSEURS

Résumé

Cet étude fait l’analyse des pratiques pédagogiques et des perceptions des professeurs sur le travail expérimental, dans la classe de Sciences Physico-Chemique, avec les élèves du 8iéme et 9 iéme années de scolarité. Il fait aussi la relation entre le contexte social des élèves et les pratiques pédagogiques apprêtées dans la salle de classe. Dans ces analyses sont utilisés les concepts de la théorie du discours pédagogique de Bernstein.

On discute l’ajustement/désajustement de théories et des pratiques des professeures. L’influence du contexte social des élèves dans la pratique pédagogique apprêtée n’est pas évidante, probablement une conséquence de la centralization des professeures sur des compétences de bas niveau cognitif. Les perceptions des professeures sur le travail expérimental d’investigation et leur compétence pour apprêter cet travail visent vers la formation des professeurs.

Mots-clé: Travail expérimental ; Pratique pédagogique; Perception des professeurs ; Contexte social des élèves.

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INTRODUÇÃO

O trabalho experimental é, hoje em dia, um polo de debate e de reflexão na

educação em ciências, que faz emergir intervenções, por vezes divergentes, de todos os

sectores da comunidade educativa, como referem Martins e Veiga (1999). Apesar disso,

a crença nas potencialidades do trabalho experimental como meio de ensino de

Ciências, nomeadamente da Física e da Química, é amplamente partilhada por

professores e decisores de currículo, podendo afirmar-se que o trabalho experimental

tem um papel central e importante nos programas de Ciências das escolas em muitos

países (Woolnough, 1991). Também em Portugal se valoriza inequivocamente a

componente experimental no ensino da Física e da Química, como se pode constatar,

por exemplo, no programa da disciplina de Ciências Físico-Químicas do 3º Ciclo do

Ensino Básico (Ministério da Educação, 1993) ou, mais recentemente, nos princípios

orientadores da organização e da gestão curricular dos ensinos básico e secundário

(Ministério da Educação, 2001), em que se dá relevo à obrigatoriedade do ensino

experimental das ciências. Sendo assim, é pertinente a realização de mais estudos que

analisem o que na realidade acontece nas nossas escolas, em termos do trabalho

experimental que é desenvolvido e como é que os professores o integram nas suas

práticas.

Não minimizando a importância de abordagens psicológicas e epistemológicas

que têm vindo a ser utilizadas em estudos sobre trabalho experimental, a investigação

relatada neste artigo, e que se insere num estudo mais lato (Matos, 2002), foi

desenvolvida numa linha sociológica, no âmbito do Grupo ESSA (Estudos

Sociológicos da Sala de Aula). O Grupo ESSA engloba diversos estudos que utilizam

fundamentalmente a teoria do discurso pedagógico de Bernstein como suporte teórico,

que lhes permite analisar e interpretar processos pedagógicos tanto a nível instrucional

como a nível regulador. Assim, utilizando uma estrutura conceptual fornecida pela

teoria de Bernstein (linguagem de descrição interna) desenvolveu-se uma linguagem de

descrição externa em que o teórico e o empírico são vistos de uma forma dialéctica, de

modo a obter-se profundidade e precisão. A linguagem de descrição utilizada indica

claramente uma abordagem sociológica, focada nas relações sociais que constituem a

actividade pedagógica. O uso de uma linguagem de descrição Bernsteiniana permitiu

utilizar os mesmos conceitos na construção dos vários instrumentos necessários ao

desenvolvimento da investigação e na análise dos dados recolhidos.

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O estudo realizado foi efectuado ao nível do 3º Ciclo do Ensino Básico por duas

razões primordiais. Primeiro por ser neste ciclo de ensino que os alunos tomam pela

primeira vez contacto com a Física e com a Química e se considerar que este primeiro

contacto irá marcar decisivamente, ou pelo menos influenciar grandemente, a relação

dos alunos com estas Ciências. Segundo, por este ciclo de ensino fazer parte da

escolaridade obrigatória por que passam, ou era suposto passarem, todos os alunos

portugueses. É, portanto, no 3º Ciclo do Ensino Básico que o ensino da Física e da

Química tem um maior impacto e em mais larga escala na nossa população estudantil.

A investigação focou-se no professor uma vez que, tal como Tamir refere, “o

professor é indubitavelmente o factor chave na realização do potencial do laboratório”

(Tamir, 1991, p. 20). Além disso, o professor tem um papel muito importante como

agente de mudança no ensino das ciências (Domingos, Barradas, Neves e Rainha, 1986;

Solomon, 1993). Deste modo, foram investigadas representações dos professores sobre

o trabalho experimental nas aulas de Ciências Físico-Químicas, ao nível do 3º Ciclo do

Ensino Básico, em termos das razões subjacentes às actividades desenvolvidas na aula.

Por outras palavras, pretendeu-se definir as teorias de instrução subjacentes às práticas

dos professores e ainda investigar o ajustamento/desajustamento entre essas teorias e as

práticas implementadas.

Dada a existência de vários estudos que referem a influência do contexto social

dos alunos nas práticas dos professores (por exemplo, Morais et al., 1992; Miranda &

Morais, 1994; Câmara, 1995), a variável contexto social dos alunos foi uma variável

tida em conta na análise.

As questões de investigação colocadas foram:

- Que práticas de trabalho experimental são implementadas pelos professores?

- Quais as razões subjacentes às práticas implementadas?

- Existem continuidades/descontinuidades entre as percepções dos professores e

as práticas de trabalho experimental que implementam?

- A que se devem as continuidades/descontinuidades encontradas?

- Que influência tem o contexto social dos alunos nas práticas pedagógicas dos

professores nas aulas de trabalho experimental?

Analisaram-se as relações professor – aluno, uma vez que o foco da investigação

é o discurso intrucional e regulador do professor, deixando-se a análise das interacções

aluno - aluno para futuras investigações. Partiu-se do pressuposto que a classificação

professor - aluno é forte, isto é, é o professor que decide que tipo de relações vão estar

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presentes na sala de aula, interessando-nos particularmente o enquadramento nas

relações professor - aluno.

ESTRUTURA TEÓRICA

O papel do trabalho experimental na educação em ciências tem sofrido

alterações ao longo dos anos, como consequência das mudanças que se têm operado na

sociedade, e que, naturalmente, se têm traduzido nos currículos de ciências. Mas, de um

modo geral, o trabalho experimental é considerado central, mesmo vital no ensino das

ciências. Os problemas que se levantam acerca do uso do trabalho experimental nas

aulas de ciências não residem tanto na quantidade do trabalho experimental realizado,

mas são muito mais uma questão de qualidade, de natureza, de contexto e de objectivos.

Existe um elevado número de termos usados com significado semelhante ao de

“trabalho experimental”: por exemplo, “trabalho laboratorial”, “trabalho prático”,

“actividades laboratoriais”, “actividades práticas”, “actividades experimentais”,

“experiências laboratoriais”, “hands-on”. Neste estudo a expressão “trabalho

experimental” significa experiências realizadas na escola nas quais os alunos

interagem com materiais para observar e compreender o mundo. Também os

objectivos a atingir através da realização de trabalho experimental são muitos e variados

para os diversos autores e ao longo do tempo. No entanto, apesar das flutuações,

existem alguns objectivos que vão sendo mais valorizados tais como a motivação dos

alunos e o ajudar a uma melhor compreensão de aspectos teóricos (Woolnough &

Allsop, 1985; Valente, 1999). Relativamente à nomenclatura a utilizar quanto às

modalidades do trabalho experimental não existe consenso relativamente aos vários

autores, o que muito provavelmente deriva do facto da definição de trabalho

experimental também não ser consensual. No entanto, de um modo geral, a modalidade

está intimamente ligada ao tipo de objectivos que se pretendem atingir com a realização

do trabalho experimental. Hoje em dia verifica-se que os investigadores educacionais

reconhecem grandes potencialidades a modalidades de trabalho experimental de

natureza investigativa.

No sentido de se construir uma linguagem de descrição para o contexto

específico das aulas de trabalho experimental, foram utilizados conceitos da teoria do

discurso pedagógico de Bernstein. Os conceitos da teoria de Bernstein permitem uma

análise não só ao nível macro-estrutural, mas também ao nível micro- interaccional,

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criando uma via de exploração e de reformulação dos problemas levantados ao nível da

sala de aula. Bernstein (Domingos et al., 1986) considera que a prática pedagógica pode

ser analisada sociologicamente em termos de poder e de controlo, que é o mesmo que

dizer em termos de classificação e de enquadramento. A classificação (C) refere-se ao

grau de manutenção de fronteiras entre categorias (exemplos: professores, alunos,

família, escola). Diz-se que a classificação é forte quando há uma separação nítida entre

categorias. A classificação diz-se fraca quando há um esbatimento das fronteiras entre

categorias. O enquadramento (E) refere-se às relações sociais entre categorias, ou seja, à

comunicação entre elas. Diz-se que o enquadramento é forte quando a(s) categoria(s)

superior(es) tem o controlo nessa relação e diz-se fraco quando a(s) categoria(s)

inferior(es) tem alguma forma de controlo nessa relação.

Entre os extremos de classificação e de enquadramento fortes e fracos existe a

possibilidade de toda uma gradação. Utilizam-se sinais de + e de - para simbolizar as

variações na classificação ou enquadramento (por exemplo, C+ significa uma

classificação forte, C++ significa uma classificação ainda mais forte). Os diferentes graus

de classificação e de enquadramento correspondem às diversas formas de realizar a

orientação elaborada em que a escola está instituída (Domingos et al., 1986). As

diferentes realizações da orientação elaborada correspondem a diferentes modalidades

de código, subjacentes por sua vez a diferentes modalidades de prática pedagógica.

Existem várias relações importantes para caracterizar a prática pedagógica em

termos de classificação e de enquadramento: relações entre espaços, agentes e discursos.

Destas relações são especialmente importantes, em termos de enquadramento, na

relação professor-aluno, as que se referem à selecção de conhecimentos e capacidades, à

sequência da aprendizagem, à ritmagem ou taxa esperada de aquisição e aos critérios de

avaliação, isto é, aos critérios que determinam a produção de texto legítimo. No seu

conjunto, os princípios subjacentes a estas relações designam-se por regras discursivas

(Selecção, Sequência, Ritmagem e Critérios de Avaliação) uma vez que se referem à

transmissão-aquisição de conteúdos, ou seja, ao discurso instrucional específico. As

regras discursivas dizem, portanto, respeito ao controlo que os transmissores e os

aquisidores podem ter no processo de transmissão-aquisição. A transmissão de atitudes

e valores, ou seja, o discurso regulador específico, pode também ser regulado por regras

discursivas. São também fundamentais para caracterizar a prática pedagógica na relação

professor-aluno as regras hierárquicas que se referem ao controlo que professor/aluno

podem ter sobre as normas de conduta social. Um enquadramento fraco quanto às regras

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hierárquicas significa um controlo pessoal, em que o professor, por exemplo, explica as

razões porque o aluno se deve comportar de determinada maneira, isto é, apela a uma

relação inter-pessoal. Um enquadramento forte caracteriza o controlo posicional, em

que o professor faz apelo a estatutos e regras determinados. O controlo imperativo, em

que o professor não dá justificações, é caracterizado por um enquadramento muito forte.

A um aluno na sala de aula é requerido que produza o texto legítimo num dado

contexto. Assim, o aluno deve ser capaz de reconhecer o contexto, isto é, deve ter

adquirido regras de reconhecimento. Deve ter também regras de realização, ou seja,

deve ser capaz de seleccionar os significados relevantes e produzir o texto de acordo

com esses significados. O aluno deve ainda ter as disposições sócio-afectivas

específicas favoráveis a esse contexto, quer isto dizer que deve ter as aspirações,

motivações, valores e atitudes apropriados.

METODOLOGIA

No estudo realizado utilizou-se uma abordagem qualitativa ou de estudo de caso,

naturalista, em que o investigador não tenta manipular o “cenário” da pesquisa.

A informação foi coligida utilizando diferentes métodos de recolha de dados.

Para reunir informação sobre as práticas dos professores recolheram-se os dados através

da observação e gravação audio de aulas. Para se ficar na posse de informação sobre as

teorias de instrução subjacentes às práticas dos professores, a recolha de dados através

de entrevistas foi o método escolhido.

Para a realização do estudo era indispensável que a investigadora estivesse na

sala de aula, na situação de observador não participante de modo a interferir o menos

possível com o fenómeno a observar. Embora o que observar na sala de aula fosse

primeiramente determinado pelos objectivos do estudo também foi tido em conta que

deveria complementar a informação recolhida através da gravação audio e/ou dar- lhe

sentido. Deste modo a observação incidiu sobretudo sobre o que não seria captado pelo

o(s) gravador(es), como por exemplo quem estava na sala de aula e as suas acções, a

organização e utilização dos espaços da sala de aula, os materiais utilizados e os registos

feitos no quadro pelas professoras e alunos.

Foram criados dois instrumentos: um instrumento para a caracterização da

prática pedagógica dos professores nas aulas de trabalho experimental e um guião de

entrevista aos professores. O uso de uma linguagem de descrição Bernsteiniana permitiu

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a utilização dos mesmos conceitos na construção dos vários instrumentos necessários ao

desenvolvimento da investigação e na análise dos dados recolhidos.

O instrumento para caracterizar a prática pedagógica dos professores nas aulas

de trabalho experimental, para ser aplicado às transcrições de aulas e aos registos de

observação dessas aulas, teve como finalidade analisar a organização e interacção na

sala de aula. Assim, identificaram-se as relações que são valorizadas na comunicação

professor-aluno (regras discursivas e regras hierárquicas), entre os vários discursos da

disciplina e entre os espaços ocupados pelo professor e pelos alunos na sala de aula.

Para a análise destas relações definiram-se indicadores para os quais foram

considerados diferentes valores de enquadramento ou de classificação, de modo a

representar algumas das situações mais comuns de prática pedagógica nas aulas de

trabalho experimental. Para a selecção dos indicadores e dos diferentes valores de

enquadramento ou de classificação foram consultados vários instrumentos utilizados

para fazer a caracterização de práticas pedagógicas, usando a teoria de Bernstein: Pires

(1993), Afonso (1995), Câmara (1995), Rocha (1995), Almeida (1997) e Morais et al.

(1993).

Com o guião de entrevista aos professores procedeu-se à análise do discurso

pedagógico que os professores valorizam acerca do trabalho experimental. Na análise

do discurso pedagógico utilizaram-se os mesmos indicadores que foram definidos para a

caracterização da prática pedagógica. Relativamente aos conteúdos das questões, o

guião de entrevista aos professores foi construído com base em Castro (1993), Ruivo

(1994), Afonso (1995) e Almeida (1995).

Foi feito um estudo prévio com a finalidade de adequar e validar o instrumento

de análise para a caracterização da prática pedagógica das aulas de trabalho

experimental e o guião de entrevista aos professores. No estudo prévio colaboraram

quatro professoras que leccionavam todas em escolas diferentes, com populações

estudantis diferentes. As professoras tinham também experiências profissionais

diferentes. Tendo em vista os objectivos do estudo prévio, era necessário abranger uma

larga gama de situações. Foi observada e gravada em audio uma aula de cada uma das

quatro professoras. Em cada uma dessas aulas foi realizado um trabalho experimental

que teve início e fim nessa mesma aula. As transcrições das aulas observadas e os

respectivos registos de observação foram utilizados para, face aos comportamentos tipo

evidenciados nessas aulas, identificar novos indicadores e modificar outros já criados no

instrumento de análise para a caracterização da prática pedagógica das aulas de trabalho

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experimental. Foi também efectuada uma entrevista, com um guião piloto, às

professoras a quem já tínhamos observado uma aula, pois a maioria das questões da

entrevista é feita no sentido de procurar compreender as práticas dos professores

entrevistados. No final, pediu-se a opinião das professoras entrevistadas sobre a

entrevista e com base na sua opinião e na análise das transcrições das entrevistas foram

solucionados os problemas então detectados com o guião.

A amostra em estudo foi constituída por seis professoras com experiências

profissionais diferentes e leccionando em escolas diferentes. Chamámos a estas seis

professoras Maria, Sofia, Rita, Leonor, Vera e Joana. As professoras Maria e Joana

leccionavam em escolas EB2/3 da periferia de Lisboa (concelho de Loures), as

professoras Rita e Vera em escolas EB2/3 de Lisboa, a professora Leonor numa escola

Secundária e de 3º Ciclo de Lisboa e a professora Sofia numa escola EB3 de Lisboa. As

escolas onde leccionavam as professoras Leonor e Vera são apontadas como escolas

frequentadas por uma população estudantil mista, constituída essencialmente por alunos

oriundos de estratos sociais médios e alunos de estratos sociais baixos, e as escolas onde

leccionavam as restantes professoras da amostra são consideradas escolas com

populações estudantis também mistas mas com alunos predominantemente de estratos

sociais baixos.

Foram observadas e gravadas em audio 3 aulas da professora Maria, 4 aulas da

professora Sofia, 4 aulas da professora Rita, 3 aulas da professora Leonor, 5 aulas da

professora Vera e 4 aulas da professora Joana, o que perfez um total de 23 aulas de 50

minutos. Estas 23 aulas corresponderam à realização de três trabalhos experimentais por

cada uma das professoras envolvidas no estudo. As aulas observadas foram

maioritariamente aulas de turno, aulas em que está presente apenas metade de uma

turma, tendo sido observado sempre o mesmo turno para cada professora. Foram

observados os trabalhos experimentais das áreas/unidades temáticas que as professoras

se encontravam a leccionar. A selecção dos trabalhos experimentais a observar foi feita

pelas professoras. Os turnos a observar foram escolhidos pelas professoras e pela

investigadora, após uma breve caracterização dos vários turnos feita pelas professoras.

Pretendia-se alunos que fossem considerados pela sua professora como representativos

da população da sua escola. As professoras foram entrevistadas após a observação das

aulas.

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De modo a apreciar a possível influência da classe social na prática pedagógica

da professora, fez-se uma caracterização sociológica das turmas das professoras da

amostra. Embora tivesse sido observado, quase sempre, apenas um turno de cada

professora fez-se a caracterização sociológica das turmas inteiras porque como

normalmente a professora lecciona a turma inteira, as interacções da professora com a

turma inteira poderiam condicionar as interacções da professora com o turno observado.

Todavia, também foi feita a caracterização sociológica do turno observado

separadamente, de modo a verificar se havia uma grande disparidade entre os valores

das variáveis dos alunos da turma e os dos alunos do turno observado.

Os dados necessários à caracterização sociológica foram primeiramente obtidos

a partir do dossiê dos Directores de Turma e, nos casos em que nos foi facultado o

acesso, dos registos biográficos dos alunos. No entanto, rapidamente se constatou que

alguns desses dados não constavam ou eram insuficientes para se proceder à sua

categorização. Recorreu-se então a um inquérito aos pais dos alunos que foi enviado e

recebido através dos Directores de Turma. Este inquérito foi construído com base no

questionário aos pais de Neves (1991), de onde foram extraídas, e ligeiramente

alteradas, as questões que permitiram recolher informação sobre as profissões e

habilitações académicas dos pais dos alunos.

No contexto deste estudo, considerou-se relevante utilizar para a caracterização

sociológica das turmas das professoras da amostra as variáveis classe social, raça,

género, idade e repetência. Relativamente à variável classe social1, e no seguimento

dos estudos desenvolvidos por Morais et al. (1993), também aqui se entendeu a classe

social como um conceito nominal, descritivo e não como um conceito analítico. Assim,

tal como nesses estudos, sempre que se recorre a expressões como classe trabalhadora

e classe média pretende-se apenas tornar evidente uma discriminação de grupos sociais

com base em posições hierárquicas diferentes dentro da estrutura de classes e que

correspondem, num sentido lato, à classificação básica da sociedade entre trabalho

manual e não manual (geralmente uma função da profissão e da habilitação académica).

Para diferenciar a origem social dos alunos usou-se, como índice de classe social, o

nível sócio - económico e cultural da família (NSEF) determinado a partir dos valores

atribuídos às categorias profissionais e académicas da mãe e do pai, como tem sido feito

noutros estudos (Morais et al., 1993 e Câmara, 1995). A raça foi tomada como uma

variável cujo significado, dentro das mesmas categorias profissionais e académicas,

traduz a diferenciação existente entre os padrões culturais associados à etnia (Morais et

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al. (1993)). À variável género correspondem duas categorias, raparigas e rapazes.

Tendo em consideração que o período de tempo em que decorreu a recolha da maior

parte dos dados relacionados com a observação de aulas coincidiu quase exclusivamente

com o 1º Período lectivo do ano de 98/99, convencionou-se referenciar a idade dos

alunos ao dia 1 de Novembro de 1998, por corresponder a uma fase intermédia desse

período. Esta variável foi discriminada do seguinte modo: idade adequada ou idade

superior à adequada ao ano que os alunos frequentam, tendo em atenção a data de

referência. A variável repetência está associada à idade. Tendo em conta a população da

amostra, discriminou-se a variável repetência em três categorias: nunca houve

repetência, a repetência refere-se ao ano que frequenta e a repetência(s) foi em ano(s)

anterior(es). Os alunos que estavam a repetir o ano que frequentavam e que, além disso,

também já repetiram ano(s) anterior(es) foram incluídos na segunda categoria, uma vez

que foi considerado mais relevante para a caracterização das turmas o facto dos alunos

estarem a repetir o ano que se encontravam a frequentar.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Caracterização sociológica das turmas

Feita a caracterização sociológica das turmas e a comparação entre as turmas e

os turnos observados em termos das variáveis utilizadas na caracterização sociológica,

verificou-se que os turnos leccionados pelas professoras Maria e Rita eram equilibrados

em termos de género enquanto os das restantes professoras eram desequilibrados

(significativamente mais rapazes que raparigas). Os turnos das professoras Sofia,

Leonor e Vera eram constituídos apenas por alunos de raça branca. Nos turnos das

professoras Maria, Rita e Joana os alunos de raça negra constituíam uma minoria face

aos alunos de raça branca. Relativamente à repetência, os turnos leccionados pelas

professoras Maria, Rita e Joana tinham um elevado número de alunos repetentes ao

contrário dos turnos das professoras Sofia, Leonor e Vera, que tinham um reduzido

número de alunos repetentes. Deste modo, no caso dos turnos das professoras Sofia,

Leonor e Vera a maioria dos alunos tinha a idade adequada para a frequência do ano em

que se encontravam mas muitos alunos dos turnos das professoras Maria, Rita e Joana já

não deveriam estar a frequentar o 8º ano. O número de alunos por turno variou entre 15

(professoras Leonor e Vera) e 8 (professora Sofia).

Page 13: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

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Quanto à classe social de origem dos alunos dos turnos observados, os turnos

das professoras Maria e Rita eram socialmente heterogéneos, contendo alunos de

famílias da classe média e alunos de famílias da classe trabalhadora, embora com

predomínio de alunos oriundos de famílias da classe média. Os turnos das professoras

Sofia e Joana também eram socialmente heterogéneos, contendo alunos de famílias da

classe média e alunos de famílias da classe trabalhadora, mas com predomínio de alunos

oriundos de famílias da classe trabalhadora. No caso dos turnos das professoras Leonor

e Vera a clara maioria dos alunos provinha de famílias da classe média.

Ao analisarmos a relação entre classe social/idade/repetência verificou-se que os

turnos em que os alunos são maioritariamente oriundos de famílias de classe social de

estatuto mais elevado tinham menor número de alunos repetentes e maior número de

alunos com a idade adequada à frequência do ano em que se encontravam. Contudo, no

turno da professora Sofia, em que os alunos provinham maioritariamente de famílias da

classe trabalhadora, também se verificou que a maioria dos alunos tinha a idade

apropriada para frequentar o ano de escolaridade em que se encontrava, nunca tendo

reprovado.

Análise das transcrições das aulas

A leitura das transcrições das aulas permitiu identificar situações que pudessem

ser categorizadas por comparação com os “comportamentos - tipo” previamente

definidos e indicados no instrumento elaborado para a caracterização da prática

pedagógica dos professores nas aulas de trabalho experimental. Antes da análise da

transcrição de cada aula leram-se as notas tiradas durante a observação dessa aula para

melhor contextualizar a transcrição.

Cada situação categorizada foi assinalada na margem da folha da transcrição

com a indicação do tipo de relação em análise, do respectivo indicador e do grau de

enquadramento ou de classificação atribuído. Em alguns casos a situação encontrada foi

incluída em mais do que uma categoria por dizer respeito a mais do que uma das

relações em estudo.

Seguem-se alguns exemplos ilustrativos dos graus de enquadramento ou de

classificação considerados para alguns dos indicadores definidos. Procurou-se

apresentar exemplos relativos a dois graus diferentes de classificação ou de

enquadramento.

Page 14: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

13

Contexto instrucional Relação entre discursos - Relações intradisciplinares

Indicador C + + C + C - C - -

Na concepção do trabalho experimental

O trabalho experimental aborda exclusivamente conceitos da área/unidade temática em estudo. Nunca se prevê que se relacionem conceitos de áreas/unidades temáticas diferentes.

O trabalho experimental aborda predominantemente conceitos da área/unidade temática em estudo, estabelecendo-se algumas relações com assuntos já tratados, quando as inter-relações entre eles se tornam essenciais para novas compreensões.

O trabalho experimental embora seja sobre conceitos da área/unidade temática em estudo reflecte a existência de relações com assuntos já tratados.

O trabalho experimental embora sobre conceitos da área/unidade temática em estudo apela a conhecimentos anteriores. Estabelece-se um encadeamento entre conteúdos, esclarecendo-se a ligação entre conceitos de áreas/unidades temáticas diferentes.

C+ + (2ª aula da professora Joana) P- ... então o que é que nós vamos fazer hoje, nós hoje vamos trabalhar com uma propriedade dos materiais que é a densidade. Então

hoje iremos fazer determinações de densidades. C+ (3ª aula da professora Vera) P- ... esta aula de hoje tem muito a ver com assuntos que vocês deram no oitavo ano sobre corrente eléctrica. Vocês já sabem que se

tiverem uma resistência eléctrica e se fizerem passar uma corrente nessa resistência ela aquece, portanto há um… o chamado efeito Joule, não sei se vocês chegaram a falar nisso o ano passado.

Relação entre sujeitos - Regras discursivas Relação professor – aluno

Selecção

Indicador E + + E + E - E - - Na planificação do trabalho experimental

O trabalho experimental é planificado pelo professor sem qualquer intervenção dos alunos.

O trabalho experimental é planificado pelo professor com a colaboração pontual dos alunos.

O trabalho experimental é planificado pelo professor com a colaboração dos alunos.

O trabalho experimental é planificado pelos alunos com o acompanhamento do professor.

E++ (2ª aula da professora Rita) P- Nós vamos calcular a densidade, como já vos tinha dito, da substância de que é feito o berlinde. Ah... vamos primeiro...(pesar) só

um deles, fixem. Eu gosto...vamos pôr um vermelho e um azul. E - (3ª aula da professora Maria) P- Aqui as duas meninas é a mesma coisa, portanto vão ler com atenção a primeira página e vão fazer aqui, em grupo, aquele… um

esquema que mostre como é que vocês prevêem que se possa separar esta mistura aqui. Está bem? Sequência

Indicador E + + E + E - E - - Na realização de cada trabalho experimental

A realização de cada trabalho experimental segue uma ordem rígida esquematizada pelo professo r.

A realização de cada trabalho experimental segue a ordem esquematizada pelo professor mas essa ordem pode ser pontualmente alterada por sugestão dos alunos.

A ordem de realização de cada trabalho experimental é planeada pelos alunos com a orientação do professor.

A ordem de realização de cada trabalho experimental é planeada pelos alunos.

E++ (1ª aula da professora Maria) P- Vocês vão ler com atenção e vão fazer aqui o ponto um, têm que fazer uns cálculos, só quando acabarem de fazer o ponto um é

que vocês me chamam e depois passam então à parte experimental, está bem? E+ (1ª aula da professora Sofia) P- ... E fazíamos outra decantação. Não é? Tentávamos ver... mas também parece-me que o sal se dissolveu completamente, não é? A- Mas não tem a certeza. P- Quer ter a certeza?

Page 15: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

14

A- Sim. P- Então faz outra dissolução e depois faz outra decantação. Ritmagem

Indicador E + + E + E - E - - Nas perguntas individualizadas e perante hesitação do aluno

O professor dá imediatamente a resposta ou remete de imediato a pergunta a outro aluno.

O professor reformula a pergunta mas dá ao aluno pouco tempo para pensar, remetendo-a a outro aluno.

O professor reformula a pergunta e dá ao aluno algum tempo para pensar.

O professor reformula a pergunta e apresenta pistas facilitadoras para que o aluno dê a resposta.

E++ (5ª aula da professora Vera) P- A massa, a massa, massa de um corpo. Se eu disser assim “Determina a massa deste corpo”, o que é que tu vais buscar? Que

instrumento? A- Não sei. A (outro aluno)- A balança. P- Não percebi. A- Não sei, não sei. P- Não sabes? É isso que tens aí à frente. A balança. E -- (1ª aula da professora Leonor) P- Sara! A água do mar tal como a preparámos, ou seja, água do mar recolhida na zona de rebentação, que é isso que estamos a

considerar. Como é que a classifica, é mistura quê? Água do mar recolhida na zona de rebentação… Ó Pedro! Ela sabe. A- Homogénea. P- Homogénea!? Então olhe para lá, não acabou de misturar areia? A- Heterogénea. P- Heterogénea. Critérios de avaliação

Indicador E + + E + E - E - - No relatório de um trabalho experimental

O professor avisa os alunos que irão fazer um relatório do trabalho experimental que vão realizar e indica pormenorizadamente o que irá e como irá ser avaliado o relatório.

O professor avisa os alunos que irão fazer um relatório do trabalho experimental que vão realizar e indica, de uma forma genérica, o que irá e como irá ser avaliado o relatório.

O professor avisa os alunos que irão fazer um relatório do trabalho experimental que vão realizar e indica, de uma forma genérica, o que irá ser avaliado nesse relatório.

O professor avisa os alunos que irão fazer um relatório do trabalho experimental que vão realizar e que, esse relatório, irá ser avaliado.

E++ (2ª aula da professora Vera) A- Temos que referir que a água… P- A água até à ebulição é importante. Aqueceram essa água do recipiente até à ebulição, até passar um bocadinho mais da ebulição,

não é? Dois ou três minutos. Devem referir isso, aqueceram foi a água, não foi… pronto! Não é? Isso é importante porque depois o objecto vai à temperatura de ebulição da água.

E - (1ª aula da professora Sofia) P- ... Têm que fazer relatório desta experiência. Os pontos que têm que abordar no relatório são iguais aos de Ciências, está bem? A- Temos que pôr a bibliografia e tudo? P- Sim senhora. A- Qual é que é? P- Você vai ver qual bibliografia vai utilizar e depois então é que...

Contexto regulador Relação entre espaços - Espaço do professor/Espaço dos alunos

Indicador C + + C + C - C - -

Na utilização dos espaços durante a realização de trabalho experimental

O espaço onde se realiza o trabalho experimental é apenas ocupado pelo professor. Os alunos ocupam outros espaços da sala de aula.

O espaço onde se realiza o trabalho experimental é ocupado apenas pelo professor, sendo os alunos pontualmente chamados a deslocar-se a esse espaço.

O espaço onde se realiza o trabalho experimental é ocupado pelo professor, sendo os alunos chamados a deslocar-se a esse espaço.

Os alunos e o professor ocupam indiferentemente o espaço onde se realiza o trabalho experimental.

Page 16: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

15

C+ (1ª aula da professora Joana) P- ... depois com jeitinho se depois vocês quiserem vir bisbilhotar, assim por exemplo, uma mesa de cada vez, porque eu não vou

levar isto ao pé de vocês. Vá lá. Com jeitinho, venham lá. C- (2ª aula da professora Leonor) P- ... Vocês podem arrumar as coisas no vosso lugar e venham para aqui novamente se faz favor.

Relação entre sujeitos - Regras hierárquicas Relação professor – aluno

Indicador E + + E + E - E - -

Quando o professor se dirige aos alunos

O professor não recorre a qualquer tipo de justificações, utilizando um controlo imperativo.

O professor utiliza o controlo imperativo e também controlo posicional, dando justificações com base nas regras estabelecidas.

O professor fundamenta os seus argumentos recorrendo não só a um controlo posicional mas também a um controlo pessoal em que apela aos atributos pessoais.

O professor fundamenta os seus argumentos recorrendo não só a um controlo posicional mas também a um controlo pessoal em que apela aos atributos pessoais.

E++ (1ª aula da professora Sofia) A- Setora! P- Diga. A- Aqui foi a… P- Eu não digo, vocês têm que estar com atenção à aula e não estar na brincadeira. Você viu o que é que se fez, e agora registe o que

viu. A- Eu vi aquele… P- Então pronto, é isso que escreve. E - (2ª aula da professora Joana) P- ... A sua folhinha? A- A setora não disse que era só uma? P- Só uma folhinha para cada aluno, não exageremos, a isso chama-se malandrice, não exageremos. Vá lá, pronto! Como vocês

ainda não têm… a sua folhinha? A sua folhinha? Não, não, cada um com a sua. Reparem se cada vai fazer o seu registo, se cada um faz o seu registo tem que ficar assim. Pronto! Está? Ok!

Para cada uma das professoras foram elaboradas tabelas para o contexto

instrucional e para o contexto regulador, onde se registou para cada indicador, de cada

relação em estudo, o grau de enquadramento ou de classificação atribuído a cada uma

das situações categorizadas. Para melhor visualizar as linhas de tendência das

interacções seleccionadas, mas sem recorrer a abordagens quantitativas, elaborou-se

para cada professora uma tabela em que cada situação categorizada foi representada por

um sinal de visto. Os sinais de visto foram lançados em quadrantes, de E++ a E- - ou C++

a C- -, para cada uma das relações em análise. O lançamento foi feito independentemente

do indicador referente ao tipo de relação em causa, de modo a poder caracterizar-se

cada uma das relações na globalidade. Estes sinais de visto determinaram “manchas”

que puderam ajudar a visualizar as linhas de tendência e assim contribuir para uma mais

fácil caracterização das práticas pedagógicas das professoras, relativamente às relações

em análise. Apresenta-se seguidamente, a título de exemplo, a tabela referente às aulas

da professora Maria (Tabela 1).

Page 17: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

16

Tabela 1 - Tendência das interacções nas aulas de trabalho experimental da professora Maria.

Contexto instrucional

Relação entre discursos C ++ C + C - C --

Relações intradisciplinares üüüüüüüü

Regras discursivas E ++ E + E - E --

SELECÇÃO üüüüüüüüüü

ü üüüü

SEQUÊNCIA üüüü

RITMAGEM üüüüüü ü üüüüüüü

üüüüü üüüüü

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO üüüüüüüüüüü

üüüüüüü üüü üüüü

Contexto regulador

Relação entre espaços C ++ C + C - C --

Espaço do professor – espaço dos alunos

üüüüüü

Regras hierárquicas E ++ E + E - E --

Relação professor- aluno üüüüüüü üüüüüüü

üüüüüüüüüüüü

üüüüüüüüüüüü

üüüüüüüüüüü

Assim, fez-se a caracterização das práticas pedagógicas das professoras, nos

seus aspectos globais, tendo em conta a informação contida nas tabelas. Quando a

dispersão dos graus de enquadramento ou de classificação atribuídos não permitiu

visualizar uma tendência clara relativamente a uma determinada relação, caracterizou-se

essa relação com dois valores de enquadramento ou de classificação.

Independentemente dos graus de enquadramento e classificação obtidos com

este procedimento também se teve em consideração a apreciação global que se fez para

cada professora e para cada uma das relações em estudo com base nas impressões do

“clima” da sala de aula. Chegou-se assim à caracterização das práticas pedagógicas das

professoras nos seus aspectos globais (Tabela 2).

Page 18: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

17

Tabela 2 - Caracterização final das práticas pedagógicas nas aulas de trabalho experimental das professoras da amostra.

Relação Professor-Aluno

Regras Discursivas

Selecção Sequência Ritmagem Critérios de avaliação

Regras hierárquicas

Relação entre

Espaços

Relações intradisci -plinares

Maria E + + E + + E - E + + E - C - - C + +

Sofia E + E + E + E + E + C - C +

Rita E + + E + + E - E + E - C - - C + +

Leonor E + + E + + E - E + + E + C - C +

Joana E + + E + + E - E - E - C + C + +

Vera E + + E + + E - E + + E - C - - C + +

Análise das entrevistas às professoras

Foi feita uma análise de conteúdo ao texto produzido nas entrevistas às

professoras da amostra, de modo semelhante ao utilizado em outros trabalhos

desenvolvidos no âmbito do Grupo ESSA, como por exemplo, em Neves (1991) ou em

Pires (1993). A linguagem de descrição desenvolvida permitiu usar os mesmos

conceitos na análise das entrevistas e na análise das transcrições das aulas observadas,

sendo posteriormente possível comparar as duas análises. Desta forma as questões da

entrevista incidiam sobre as mesmas relações estudadas aquando da análise das aulas,

tendo por base os mesmos indicadores. Seguem-se alguns exemplos ilustrativos dos

graus de enquadramento ou de classificação considerados para algumas das respostas a

questões colocadas.

Contexto instrucional Relação entre discursos - Relações intradisciplinares

Questão D1. Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra ao professor como foi feita a concepção dos diversos trabalhos experimentais, em termos de relações intradisciplinares, nas aulas observadas, e se lhe sugere outras possibilidades (ex. os trabalhos experimentais abordam unicamente conceitos de uma área/unidade temática e não se prevê que se estabeleçam relações com conceitos de outras áreas/unidades temáticas; os trabalhos experimentais embora sobre conceitos de uma área/unidade temática fazem apelo a conceitos anteriores, estabelecendo -se relações entre conceitos de diferentes áreas/unidades temáticas;...). Depois perguntar: Por que fez assim?

- No caso da concepção dos trabalhos experimentais ter sido sempre feita do mesmo modo perguntar:

D1.1 Costuma fazer sempre assim? Porquê?

Page 19: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

18

- No caso da concepção dos vários trabalhos experimentais ter sido feita de modos diferentes perguntar:

D1.2 Habitualmente como é que costuma fazer? Porquê?

C+ Resposta da professora Vera: “O ideal é isso, não é, do meu ponto de vista é, eles poderem tratar numa aula experimental, outros assuntos que não só aquele que está a ser especificamente tratado na aula... normalmente vou buscar exemplos, procuro, vou vasculhar em livros, um trabalho experimental que se adapte a uma aula que pretenda fazer e realmente também não há muitos livros que tenham, pronto, trabalhos interessantes, não têm, e portanto eles também são muito limitados e as aulas experimentais também, uma vez que eu me oriento por aí, também acabam por ser um bocado limitadas nesse aspecto”.

Relação entre sujeitos - Regras discursivas Relação professor – aluno

Selecção Questão C1.2 Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra ao professor quem planificou os trabalhos experimentais realizados nas aulas que observámos e se lhe sugere outras possibilidades (ex. o trabalho experimental é planificado pelo professor sem qualquer intervenção dos alunos, o trabalho experimental é planificado pelos alunos com o acompanhamento do professor,...). Depois perguntar: Por que é que fez assim?

- No caso de, nas aulas observadas, a planificação do trabalho experimental ter sido feita sempre pelos mesmos, perguntar:

C1.2.1 Costuma ser sempre - referir quem fez a planificação dos trabalhos experimentais - a fazer a planificação dos trabalho experimental? Porquê?

- No caso de, nas aulas observadas, a planificação do trabalho experimental não ter sido feita sempre pelos mesmos, perguntar:

C1.2.2 Habitualmente quem é que costuma fazer a planificação dos trabalhos experimentais? Porquê?

E + + Resposta da professora Rita: “Normalmente são receitas, vamos lá, já feitas, outras vezes são as que estão no manual das fichas, para o 8º ano”. E - Resposta da professora Maria: “Eu costumo fazer das duas maneiras. Portanto, os dois primeiros trabalhos, acho que eles ainda não têm... Quando começam a trabalhar experimentalmente, ainda por cima no 8º ano, eles nunca fizeram quase trabalhos experimentais nenhuns, a não ser em Ciências qualquer coisa que tenham feito... não sabem ainda fazer um procedimento experimental, ou escrever, ou passar para o papel, têm dificuldades. Depois de ter visto um ou dois procedimentos, pronto, já sabem mais ou menos como é que se faz a coisa, estás a ver?”.

Sequência Questão C2.2 Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra ao professor a sua actuação relativamente à ordem de realização das etapas de cada trabalho experimental, nas aulas observadas, e se lhe sugere outras possibilidades (ex. a realização de cada trabalho experimental segue a ordem esquematizada pelo professor, a ordem de realização de cada trabalho experimental é decidida pelos alunos com a orientação do professor,...). Depois perguntar: Por que fez assim?

- No caso de, nas aulas observadas, a actuação do professor ter sido semelhante, perguntar:

C2.2.1 Costuma actuar sempre assim? Porquê?

- No caso de, nas aulas observadas, a actuação do professor ter sido diferente, perguntar:

C2.2.2 Habitualmente como é que costuma actuar? Porquê?

E + + Resposta da professora Maria: “Em alguns houve alteração, eles alteraram, mas eu gosto que eles façam com indicação minha, portanto, ou pelo menos que falem comigo. Quando eu vejo que eles não estão a seguir, sem me dizerem nada, isso não gosto e faço-lhes ver que não gosto, não é?”. Ritmagem Questão C3.3 Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra ao professor como actuou, nas aulas observadas, em relação às perguntas individualizadas e perante a hesitação do aluno a quem é dirigida a pergunta, em termos de ritmagem e se lhe sugere outras possibilidades (ex. o professor dá de imediato a resposta, o professor reformula a resposta e dá pistas para que o aluno dê a resposta,...). Depois perguntar: Por que é que fez assim?

- No caso do professor ter actuado sempre do mesmo modo perguntar:

C3.3.1 Costuma fazer sempre assim? Porquê?

- No caso do professor ter actuado de modo diferente nas várias aulas perguntar:

C3.3.2 Habitualmente como é que costuma fazer? Porquê?

Page 20: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

19

E + + Resposta da professora Vera: “Espero o mínimo possível, e isto, lá está, eu acho que é importante manter um certo ritmo, para não quebrar, o que me interessa é manter um certo ritmo na aula, percebes, portanto um não responde, responde outro a seguir, quanto mais movimentada for a aula, não haver tempos mortos, essencialmente é por isso que faço isso”. E - - Resposta da professora Joana: “O dar as pistas para chegar lá, isso, isso é regra geral”...“ e um dos problemas é que eu perco imenso tempo nas aulas”. Critérios de avaliação Questão C4.4.2 Se nas aulas observadas o professor disse aos alunos que o(s) relatório(s) que iriam fazer no final do(s) trabalho(s) experimental(experimentais) iria(m) ser avaliado(s), antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra ao professor como actuou em relação aos relatórios dos trabalhos experimentais, em termos de critérios de avaliação, e se lhe sugere outras possibilidades (ex. o professor avisa os alunos de que irão fazer um relatório do trabalho experimental e indica pormenorizadamente o que irá e como irá ser avaliado; o professor avisa os alunos que irão fazer um relatório do trabalho experimental, que irá ser avaliado,...). Depois perguntar: Por fez assim?

- No caso do professor ter actuado sempre do mesmo modo perguntar:

C4.4.2.1 Costuma fazer sempre assim? Porquê?

- No caso do professor ter actuado de modo diferente nas várias aulas perguntar:

C4.4.2.2 Habitualmente como é que costuma fazer? Porquê?

E + + Resposta da professora Vera: “...já que eu dou um trabalho tão orientado, eles sabem o que é que vão fazer, portanto quando no relatório eles fazem a descrição do procedimento, às vezes eles limitam-se até a copiar o procedimento da folha que eu lhes entrego, eles sabem que essa parte não será muito valorizada, será mais valorizada a parte das conclusões, porque aí é já mais o trabalho deles”...“mostrar-lhes que a parte das conclusões ou pode ser mais debatida ou deve ser mais clara, as afirmações que eles fazem, penso que isso ajuda a melhorar esse aspecto, e nessa altura eles estão a fazer outro relatório, terão que cuidar mais esse aspecto, não é, para melhorar”.

Contexto regulador Relação entre espaços - Espaço do professor/Espaço dos alunos

Questão B2. Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se relembra o professor da utilização do espaço da sala de aula que foi feita nas aulas de trabalhos experimentais que observámos e se lhe sugere outras possibilidades (ex. só o professor ocupa o espaço onde se realiza o trabalho experimental, o espaço onde se realiza o trabalho experimental é ocupado indiferentemente pelo professor e pelos alunos,...). Depois perguntar: Por que é que fez assim?

- No caso de, nas aulas observadas, a utilização do espaço da sala de aula ter sido feita sempre da mesma maneira perguntar:

B2.1 Costuma utilizar o espaço da aula sempre assim, quando realizam trabalhos experimentais? Porquê?

- No caso de, nas aulas observadas, a utilização do espaço da sala de aula ter sido feita de diferentes maneiras perguntar:

B2.2 Habitualmente como é que costuma ser feita a utilização do espaço da sala de aula, quando realizam trabalhos experimentais? Porquê?

C + Resposta da professora Joana “Na realidade, na maior parte das vezes, eu trabalho mais em termos de demonstrações”. C - Resposta da professora Leonor “Se houvesse hipótese de ir para o laboratório, lá está, as coisas teriam sido feitas de outra maneira. O sódio e o potássio seria eu a fazer, com certeza, mas as outras seriam eles, tal como eles fizeram aqui, houve um e outro, pronto, foram chamados a participar, e teriam feito isso em grupo”.

Relação entre sujeitos - Regras hierárquicas Relação professor – aluno

Questão E6. Antes de colocar a questão fazer uma pequena introdução na qual se caracteriza a actuação do professor em termos do tipo de controlo utilizado quando se dirige aos alunos, nas aulas que observámos, e se lhe sugere outras possibilidades (ex. o professor não recorre a qualquer tipo de justificações; o professor apela aos atributos pessoais dos alunos,...). Depois perguntar: Por que fez assim?

- No caso do professor ter actuado sempre do mesmo modo perguntar:

E6.1 Costuma fazer sempre assim? Porquê?

- No caso do professor ter actuado de modos diferentes perguntar:

E6.2 Habitualmente como é que costuma fazer? Porquê?

Page 21: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

20

E - - Resposta da professora Maria:

“Eu acho que miúdos desta idade, a gente consegue levá-los muito melhor assim a bem, com uma piada, ou com uma coisa qualquer

assim deste género, do que com aquela atitude «Ponha-se direito», «Não fale», «Esteja calado», aí começam as coisas a... a relação

fica pior”.

Cruzamento dos resultados da análise das transcrições das aulas com a análise das

entrevistas às professoras

Podem comparar-se os resultados da análise das aulas observadas com os

resultados da análise das entrevistas às professoras através da tabela 3. Na tabela 3 os

valores de enquadramento ou de classificação que se encontram na parte superior das

células referem-se aos resultados da análise das aulas observadas e os que se encontram

na parte inferior referem-se aos resultados da análise das entrevistas às professoras.

Tabela 3 - Comparação entre os resultados da análise das aulas observadas com os resultados da

análise das entrevistas às professoras.

Relação Professor-Aluno

Regras Discursivas

Selecção Sequência Ritmagem Critérios de avaliação

Regras hierárquicas

Relação entre

Espaços

Relações intradisci -plinares

Maria E + +

E + E + +

E + + E -

E - E + +

E + E -

E - - C - -

C - - C + +

C +

Sofia E +

E + + E +

E + E +

E - E +

E + + E +

E - C -

C - C +

C +

Rita E + +

E + E + +

E + + E -

E - E +

E + + E -

E - - C - -

C - - C + +

C +

Leonor E + +

E + + E + +

E + + E -

E + E + +

E + + E +

E - C -

C - C +

C +

Joana E + +

E + + E + +

E + E -

E - - E -

E + E -

E - C +

C + C + +

C +

Vera E + +

E + + E + +

E + E -

E - E + +

E + E -

E - C - -

C - - C + +

C +

Analisando a tabela 3 verificou-se que havia graus de classificação e de

enquadramento coincidentes nas duas análises. Considerou-se que nestes casos existiu

coerência por parte das professoras. O que primeiro despertou a atenção nesta

comparação foi o facto de na relação espaço do professor/espaço dos alunos os valores

de classificação atribuídos coincidirem para todas as professoras. Isso pode significar

que todas as professoras da amostra estariam bem conscientes da prática pedagógica que

Page 22: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

21

valorizavam quanto a essa relação na sala de aula, na realização de trabalho

experimental, uma vez que as suas representações, inferidas através da análise das

entrevistas coincidiram com o observado.

Quanto às relações entre discursos - relações intradisciplinares, na análise das

entrevistas considerou-se um grau de classificação (C+) igual para todas as professoras

pois pareceu não existirem diferenças significativas nas suas representações respeitantes

às relações intradisciplinares. Verificou-se por comparação das duas análises que o grau

de classificação atribuído na apreciação global para as professoras Sofia e Leonor foi

coincidente e que para todas as outras professoras foi mais forte na análise das aulas do

que na análise das entrevistas (passa de C+ para C++). De qualquer modo trata-se de uma

forte classificação em todos os casos. Pensa-se que essa forte classificação se prende

com a natureza ilustrativa ou verificativa do trabalho experimental realizado, ou seja, o

facto de o trabalho experimental ser utilizado para ilustrar ou verificar a “matéria” dada

na aula teórica implica uma fronteira nítida entre conceitos de áreas/unidades temáticas

diferentes e um maior estatuto da matéria teórica em relação ao trabalho experimental.

No entanto, quando se analisaram as relações intradisciplinares pelo prisma

“perguntas dos alunos que se relacionem com conceitos de outras áreas/unidades

temáticas” o grau de classificação atribuído é fraco, uma vez que as professoras da

nossa amostra, regra geral, responderam a todas as perguntas dos seus alunos. Pensa-se

que isto sucede porque no fundo o que está em causa aqui não são as relações entre os

vários discursos dentro da disciplina mas sim as relações professor-aluno/regras

hierárquicas (discurso regulador), pois, como se viu, as razões para a aceitação de todas

as perguntas dos alunos foram dessa ordem (incentivar a participação do aluno na aula,

motivar o aluno para a disciplina, manter a disciplina na sala de aula).

Em relação às regras hierárquicas só duas professoras (Joana e Vera)

apresentaram graus de enquadramento coincidentes nas duas análises. A prática

pedagógica das restantes professoras nas aulas observadas relativamente às regras

hierárquicas foi caracterizada por graus mais fortes de enquadramento do que os que

caracteriza ram a prática pedagógica por elas valorizada, inferida através da análise das

entrevistas. Este “fortalecimento” no enquadramento pode ser interpretado como uma

estratégia de sala de aula para manter forte a classificação professor-aluno (por

exemplo, as professoras Maria e Sofia perante comportamentos não legítimos não

utilizam inicialmente controlo imperativo mas em caso de reincidência acabam por

utilizá- lo). Vendo caso a caso, o grau de enquadramento mais forte que se obteve para

Page 23: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

22

as aulas, pode também atribuir-se, para Maria e Rita, a um mais forte enquadramento na

relação de comunicação (para Sofia a um mais forte enquadramento quando se dirige

aos alunos e perante comportamentos não legítimos e para Leonor a um mais forte

enquadramento quando se dirige aos alunos).

Relativamente às regras discursivas, nomeadamente à regra discursiva Selecção,

os graus de enquadramento encontrados nas duas análises foram sempre fortes, para

todas as professoras da nossa amostra. Verificou-se a coincidência de três valores de

enquadramento, professoras Leonor, Joana e Vera, e a não coincidência de também três

valores de enquadramento, professoras Maria, Sofia e Rita. No caso da professora Sofia

o enquadramento utilizado nas aulas foi mais fraco do que a entrevista nos sugere. Este

desfasamento talvez possa explicar-se do seguinte modo: na entrevista inferiu-se que

Sofia considerou que não dá aos seus alunos controlo sobre a planificação dos trabalhos

experimentais assim como também considerou que não lhes dá controlo sobre as

observações, interpretações e conclusões do trabalho experimental mas, na análise das

aulas observadas, verificou-se que a professora Sofia dá algum controlo aos alunos

sobre estes aspectos. No caso das professoras Maria e Rita o grau de enquadramento

que utilizam nas aulas foi mais forte do que o que a entrevista nos sugere. Este

desfasamento ficou a dever-se a se considerar que nas aulas observadas não foi dado aos

alunos tanto controlo sobre os aspectos “planificação do trabalho experimental” e

“conclusões a tirar do trabalho experimental”, como se podia inferir que lhes é dado

através das entrevistas. Ainda no caso da professora Rita, também não pareceu que nas

aulas observadas os alunos tivessem tanto controlo sobre a elaboração das sínteses do

trabalho experimental como a entrevista nos levaria a supor.

No que diz respeito à Sequência os valores de enquadramento encontrados nas

duas análises foram coincidentes para todas as professoras à excepção de Joana e Vera.

No caso destas duas professoras o enquadramento torna-se mais forte nas aulas

observadas (passa de E+ para E++). Pensa-se que isso esteja relacionado com as

disposições socio-afectivas manifestadas por estas professoras e que depois não têm

tradução num enquadramento mais fraco na sala de aula, isto é, apesar destas

professoras desejarem que os alunos tenham maior controlo sobre esta regra discursiva,

os próprios alunos não lhes correspondem, talvez por terem sido socializados com

enquadramentos fortes relativamente à Sequência, e portanto o enquadramento não

enfraquece.

Page 24: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

23

Fazendo agora a comparação em termos de Ritmagem verificou-se que os

valores de enquadramento não são coincidentes nas duas análises para as professoras

Sofia, Leonor e Joana. No caso da professora Sofia o enquadramento foi mais forte nas

aulas observadas e pensa-se que a explicação reside no maior controlo por parte da

professora relativamente às respostas dos alunos. No caso da professora Leonor o

enquadramento foi mais fraco nas aulas e pensa-se que a explicação volta a estar no

controlo relativamente às respostas dos alunos, pois apesar de se terem observado

enquadramentos fortes relativamente a este aspecto a tendência foi para enquadramentos

fracos. No caso da professora Joana o enquadramento foi mais forte nas aulas

observadas, embora continue a tratar-se de um enquadramento fraco. Neste caso a

professora deu menor controlo aos alunos sobre as perguntas que fez à turma e também

sobre as respostas dadas pelos alunos.

Foi na regra discursiva Critérios de Avaliação que se encontrou um maior

número de valores de enquadramento não coincidentes na comparação das duas análises

(coincidiram apenas no caso da professora Leonor). Uma das possíveis razões será que

não foram observados comportamentos referentes aos indicadores “No final da

realização do trabalho experimental” e “Nas perguntas nos testes escritos relacionadas

com o trabalho experimental” (exceptuando um comportamento relativo ao indicador

“No final da realização do trabalho experimental” numa aula da professora Vera) e na

análise das entrevistas foram tidas em conta duas categorias de análise que derivaram

destes dois indicadores. No caso da professora Maria pensa-se que seja essa a

explicação da não coincidência dos valores, uma vez que não observámos aulas de

entrega de relatórios e pela entrevista inferiu-se que nessas aulas, relativamente à síntese

do trabalho experimental, os critérios de avaliação eram pouco explícitos.

Provavelmente daí resulta o valor de enquadramento, mais forte, que tivemos para as

aulas. Para a professora Sofia o grau de enquadramento encontrado foi mais fraco nas

aulas observadas pois foram observadas algumas situações em que se considerou fraco e

mesmo muito fraco o enquadramento em relação aos critérios de avaliação ao longo da

realização de um trabalho experimental e quando um aluno intervinha com

incorrecções. Nos casos das professoras Rita e Joana o grau de enquadramento mais

fraco que se obtive para as aulas pode ter a sua explicação no facto de se ter considerado

que nas aulas o grau de enquadramento relativamente à explicitação de critérios de

avaliação nos relatórios dos trabalhos experimentais foi mais fraco. O grau de

enquadramento encontrado na análise das aulas da professora Vera foi mais forte do que

Page 25: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

24

o encontrado na análise das entrevistas. A origem desta discrepância pode residir no

facto de se considerar mais forte o enquadramento relativamente à explicitação de

critérios de avaliação nos relatórios dos trabalhos experimentais, na análise que se fez

das aulas, pois a tendência encontrada é efectivamente para enquadramentos muito

fortes relativamente a este aspecto.

Influência das características sociais dos alunos na prática pedagógica das

professoras

Neste trabalho procurou-se encontrar relações entre características sociológicas

(classe social, raça, género, idade e repetência) dos turnos observados e a prática

pedagógica implementada pelas professoras nas aulas de trabalho experimental. Da

análise efectuada, cruzando a caracterização sociológica dos alunos das turmas com os

resultados da análise das aulas observadas e com os resultados da análise das entrevistas

às professoras, pôde ver-se que as professoras utilizam práticas pedagógicas muito

semelhantes em alguns aspectos, sendo as turmas sociologicamente diferentes.

Quando da análise das entrevistas verificou-se que as diversas populações estudantis

que as professoras foram encontrando, nas diferentes escolas onde leccionaram, não

condicionaram as práticas pedagógicas implementadas, uma vez que as professoras

relataram ter utilizado, ao longo da sua carreira, práticas pedagógicas semelhantes em

escolas com populações estudantis diferentes. No entanto, nas entrevistas, as

professoras Sofia e Rita fizeram referência ao meio socio-económico e cultural em que

vivem os seus alunos. No caso da professora Rita inferiu-se que a classe social de

origem dos seus alunos influencia a sua prática pedagógica relativamente ao tipo de

controlo que utiliza quando se dirige aos alunos e na relação de comunicação que

estabelece com eles (regras hierárquicas), no sentido do enfraquecimento do

enquadramento nestas relações quando os alunos pertencem a um estrato social baixo.

Deste modo, embora as professoras da amostra possam ser sensíveis às características

sociológicas dos seus alunos, não parecem ser estas a determinar, em grande medida, a

prática pedagógica que implementam, nomeadamente ao nível do contexto instrucional.

Em estudos anteriores (Morais et al., 1992 e Miranda & Morais, 1994) concluiu-se que

o contexto social dos alunos influenciava de modo decisivo a prática pedagógica

implementada quando se ensinavam competências complexas mas que essa influência

não era tão nítida quando se ensinavam competências simples. Neste estudo as práticas

de trabalho experimental observadas não pretenderam desenvolver competências

Page 26: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

25

complexas: os trabalhos experimentais observados foram, sobretudo, de natureza

ilustrativa, com os quais não se pretendeu desenvolver competências investigativas e, de

uma maneira geral, também não foi feita inter-relação de conceitos nos vários trabalhos

experimentais, pelo que o que se pediu aos alunos foi a um nível simples, de baixa

exigência conceptual. Além disso, nas aulas observadas o debate entre os alunos foi

incipiente o que indiciou que também as competências socio-afectivas desenvolvidas

foram de baixo nível. Assim, atendendo a que não foram desenvolvidas competências

complexas, não seria de esperar que a influência do contexto social dos alunos fosse

evidente na prática pedagógica das professoras.

CONCLUSÕES

Um dos aspectos mais importantes deste trabalho foi sem dúvida o

desenvolvimento de uma linguagem de descrição externa, com base em conceitos da

teoria de Bernstein, que permitiu descrever com rigor e profundidade as práticas de

trabalho experimental, diagnosticar ajustamentos/desajustamentos entre as teorias das

professoras e as suas práticas e propor hipóteses explicativas para essas

continuidades/descontinuidades. Permitiu também fazer interligações entre as várias

relações estudadas, problematizando-as com um alto nível de conceptualização, sem se

perder a ligação dialéctica entre o empírico e o teórico, como vimos relativamente à

construção dos instrumentos de análise. A linguagem de descrição desenvolvida tem

ainda a vantagem de poder ser transferida para outros contextos em que sejam

implementadas práticas de trabalho experimental.

Relativamente aos trabalhos observados houve um aspecto interessante. Os

trabalhos observados raramente se estenderam para além da sala de aula, quer dizer,

foram académicos, não saíram do contexto escolar, ou incorporaram ideias, interesses

ou actividades dos alunos e das suas famílias. Parece assim que a classificação

escola/família(comunidade) era muito forte em relação a este aspecto.

Quanto às aulas observadas, existiram alguns aspectos comuns nas práticas

pedagógicas das professoras. Pode-se dizer que todas elas utilizaram práticas

pedagógicas que se caracterizaram por classificações muito fortes/fortes nas relações

entre discursos (Intradisciplinares). Quanto às regras discursivas Selecção e Sequência,

todas as professoras utilizaram práticas pedagógicas que se caracterizaram por

enquadramentos muito fortes/fortes. Nas outras relações estudadas os graus de

Page 27: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

26

classificação e de enquadramento encontrados não foram tão concordantes entre todas

as professoras, isto é, foram encontrados valores de classificação ou de enquadramento

fortes e fracos na mesma relação.

Em relação às percepções das professoras acerca das suas práticas pedagógicas

pode-se também realçar alguns aspectos comuns. Todas as professoras da amostra

percepcionaram as suas práticas pedagógicas como caracterizadas por classificações

fortes nas relações entre discursos (Intradisciplinares), enquadramentos muito

fortes/fortes relativamente às regras discursivas Selecção, Sequência e Critérios de

Avaliação e por enquadramentos muito fracos/fracos em relação às regras hierárquicas.

Quanto à regra discursiva Ritmagem apenas a professora Leonor percepcionou as suas

práticas como caracterizadas por um enquadramento forte, ao contrário das outras

professoras que as percepcionaram como caracterizadas por enquadramentos fracos

(muito fracos no caso da professora Joana). Com respeito à relação entre o espaço do

professor/espaços dos alunos somente a professora Joana percepcionou suas práticas

caracterizadas por classificações fortes, ao passo que todas as outras professoras as

percepcionaram como caracterizadas por classificações muito fracas/fracas.

Os estudos desenvolvidos no âmbito do Grupo ESSA têm mostrado que as

práticas pedagógicas mais favoráveis à aprendizagem de todos os alunos são

caracterizadas por enquadramentos fracos ao nível da ritmagem, regras hierárquicas,

classificações fracas nas relações entre discursos (interdisciplinares, intradisciplinares e

académico/não académico) e nas relações entre espaços mas que ao nível da selecção

(pelo menos ao nível macro) e ao nível dos critérios de avaliação o enquadramento deve

ser forte, sugerindo aquilo que se designa por pedagogia mista. É interessante verificar

que as professoras da amostra também valorizaram a explicitação de critérios de

avaliação e advogaram um forte enquadramento na Selecção, particularmente ao nível

macro, para alunos na faixa etária correspondente ao 3º Ciclo, como se pode comprovar

através das entrevistas.

No entanto, apesar das professoras da amostra valorizarem a explicitação de

critérios de avaliação considerou-se que o nível de capacidades para que apela o texto

legítimo produzido nas aulas de trabalho experimental foi baixo, não se desenvolvendo

competências investigativas. Aliás, também as fortes classificações encontradas na

caracterização das práticas pedagógicas das aulas de trabalho experimental das

professoras da amostra, relativamente às relações intradisciplinares, indiciaram um nível

de exigência conceptual baixo. Assim, como o texto legítimo produzido foi de nível

Page 28: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

27

cognitivo baixo, a explicitação de critérios não teve o valor educativo que pode parecer

numa primeira leitura. Se o nível conceptual tivesse sido mais elevado os critérios de

avaliação das professoras da nossa amostra seriam explícitos?

Alguns dos resultados da análise das entrevistas parecem interessantes. Em

relação à questão que se colocou sobre a definição de “trabalho experimental”, duas das

professoras manifestaram reservas na inclusão da modalidade “demonstração” na sua

definição. Este posicionamento é suportado por vários autores que também não

consideram esta modalidade como trabalho experimental. Ainda relativamente à questão

da definição de “trabalho experimental”, para duas outras professoras o trabalho

experimental surgiu como subserviente à teoria. Este posicionamento é coerente com os

valores de classificação fortes encontrados para as relações entre discursos,

nomeadamente no maior estatuto dado à teoria em relação ao trabalho experimental.

As razões da importância da realização de trabalho experimental apontadas pelas

professoras foram motivar os alunos para a disciplina e tornar mais significativa a

aprendizagem de conceitos e a compreensão de fenómenos. Verifica-se mais uma vez o

elevado estatuto atribuído à teoria em relação ao trabalho experimental. As razões mais

vulgarmente apontadas por professores e responsáveis pelo desenvolvimento de

currículos para a realização de trabalho experimental também se prendem com a

motivação dos alunos e o ganho de uma melhor compreensão de aspectos teóricos

(Woolnough & Allsop, 1985). As razões da importância da realização de trabalho

experimental apontadas pelas professoras encontram eco nos objectivos que esperam

que os seus alunos atinjam quando realizam trabalho experimental.

Os objectivos do trabalho experimental valorizados pelas professoras da amostra

pertencem aos mesmos domínios de objectivos privilegiados pelos professores

envolvidos no estudo de Miguéns (1994), ou seja, objectivos ligados ao

ensino/aprendizagem de teorias e factos e ligados ao desenvolvimento de atitudes.

Também no inquérito organizado por Valente (1999) as razões mais apontadas pelos

professores respondentes para a realização de trabalho experimental (ajuda a entender

melhor os conhecimentos a adquirir e motiva os alunos para aprenderem ciência) estão

igualmente relacionadas com estes domínios de objectivos. As professoras da amostra

valorizaram ainda objectivos relacionados com o desenvolvimento de competências

práticas, como por exemplo desenvolver capacidades específicas de aptidão manual ou

adquirir experiência em técnicas laboratoriais.

Page 29: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

28

Relativamente às modalidades de trabalho experimental utilizadas pelas

professoras da amostra, observaram-se demonstrações realizadas apenas pela

professora, demonstrações realizadas pela professora com a ajuda dos alunos e alunos a

trabalhar em pequenos grupos seguindo instruções da professora ou de uma ficha de

trabalho. Os enquadramentos fortes encontrados em relação às regras discursivas

Selecção e Sequência traduzem bem o facto das actividades que observámos serem

bastante estruturadas.

As dificuldades/impedimentos levantados à realização de trabalho experimental

pelas professoras da amostra foram de vária ordem. No entanto, não são muito

diferentes dos apresentados por outros professores de ciências, aqui há 20 anos atrás, a

propósito da realização de aulas em que o papel do trabalho experimental é

preponderante. Na altura os principais problemas apontados eram: escassez de material,

turmas grandes, dificuldade de manter o controlo da aula e a pressão de

ensinar/aprender a matéria que sai no exame (Wellington, 1981). Embora a criação de

turnos e a criatividade das professoras na substituição de material de laboratório por

material do quotidiano (por exemplo, o uso de berlindes para fazer determinações de

densidade na aula da professora Rita ou a substituição de copos de precipitação, porque

não existiam em número suficiente para todos os grupos, por copos de iogurte em vidro

na aula da professora Leonor) tenham melhorado as condições do uso de trabalho

experimental, outras necessidades foram também referidas pelas professoras: criação de

espaços de aula e de espaços para planeamento cooperativo das mesmas, aquisição e

manutenção de materiais e equipamento, compatibilização de horários dos professores

para fins de trabalho cooperativo, manutenção de turnos, contactos com universidades e

associações profissionais para formação de professores e a existência de técnicos

auxiliares de laboratório.

Como se verificou na análise dos resultados a caracterização das práticas

pedagógicas feita em função das aulas observadas não foi totalmente coincidente com a

caracterização das práticas pedagógicas feita em função das entrevistas, para cada uma

das professoras. Era expectável que assim fosse. O cruzamento dessas caracterizações

permitiu apreciar continuidades/descontinuidades entre as teorias e as práticas

implementadas. Ao fazer essa comparação depararam-se resultados interessantes.

Assim, na relação espaço do professor/espaço dos alunos, os graus de classificação

atribuídos foram coincidentes nas duas análises para todas as professoras. Este resultado

pode significar que todas as professoras da nossa amostra estavam bem conscientes da

Page 30: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

29

prática pedagógica que valorizavam quanto a essa relação na sala de aula, na realização

de trabalho experimental, uma vez que as suas representações, inferidas através da

análise das entrevistas, coincidiram com o observado. Quanto às relações

intradisciplinares, embora os valores de classificação atribuídos nas duas análises não

fossem sempre coincidentes para cada professora, os graus de classificação atribuídos

foram sempre fortes. Relativamente às regras hierárquicas, à excepção de duas

professoras que apresentaram graus de enquadramento coincidentes nas duas análises, o

grau de enquadramento que caracterizou a prática pedagógica é sempre mais forte que o

percepcionado pelas professoras.

Quando fizemos a comparação em relação às regras discursivas, no que diz

respeito à Selecção os valores de enquadramento encontrados nas duas análises foram

sempre fortes. Nos casos em que existe coincidência entre os valores registados para as

duas análises (três professoras) foram mesmo muito fortes. Quanto à Sequência os

valores de enquadramento encontrados nas duas análises foram igualmente sempre

fortes. Existe coincidência nos graus de enquadramento relativamente a quatro das

professoras e nos outros casos o enquadramento foi mais forte nas aulas observadas. Em

relação à Ritmagem, registaram-se três casos coincidentes, em que os graus de

enquadramento encontrados foram fracos nas duas análises. Mesmo nos casos em que

não se registou coincidência, os valores de enquadramento encontrados nunca foram

muito fortes. Foi na regra discursiva Critérios de Avaliação que se verificou menor

coerência, os graus de enquadramento registados nas duas análises apenas coincidiram

no caso de uma professora. Três das professoras, percepciona ram uma prática com

critérios de avaliação mais explícitos do que o observado nas aulas e as outras duas

percepcionaram práticas com critérios de avaliação menos explícitos do que o

observado. Os valores de enquadramento encontrados nas duas análises foram fortes em

relação a esta regra discursiva, para o texto legítimo que foi produzido.

Relativamente à influência do contexto social dos alunos nas práticas

pedagógicas nas aulas de trabalho experimental das professoras da amostra, os

resultados da investigação parecem indicar que, pelo menos ao nível do contexto

instrucional, as características sociológicas dos alunos dos turnos observados não

determinam em grande medida a prática pedagógica implementada pelas professoras.

Ao nível do contexto regulador, infere-se, da análise das entrevistas, que no caso da

professora Rita sucede um enfraquecimento do enquadramento relativamente às regras

hierárquicas quando os alunos são de um estrato social baixo.

Page 31: Trabalho experimental na aula de ciências físico-químicas do 3º

30

Todavia, nos estudos desenvolvidos por Morais et al. (1992) e Miranda &

Morais (1994) verificou-se que a influência do contexto social se fazia sentir de um

modo mais evidente sobre o ensino de competências complexas. No entanto, as práticas

de trabalho experimental observadas não pretenderam desenvolver essas competências

nos alunos, uma vez que foram essenc ialmente de natureza ilustrativa/verificativa. Será

que, independentemente do contexto social, o nível conceptual do texto legítimo pedido

aos alunos nas aulas de trabalho experimental de Física e Química, no 3º Ciclo do

Ensino Básico, é sempre baixo? Será por essa razão que não se encontrou uma relação

clara entre o contexto social e a prática pedagógica?

Um dos resultados mais importantes deste estudo foi o facto de as professoras da

amostra não terem proposto aos seus alunos a realização de trabalhos experimentais de

natureza investigativa. Acreditavam que a realização de investigações tinha vantagens

sobre a realização de trabalho experimental de outra natureza, mas expressaram também

algumas preocupações, razões pelas quais não as realizavam nas suas aulas. A

investigação educacional aponta no sentido de uma mudança de práticas de trabalho

experimental relativamente aos resultados obtidos neste estudo.

De acordo com Morais e Neves (2001), a inovação pedagógica é possível

sempre que os professores passam por um processo de desenvolvimento profissional

onde têm acesso a uma educação que promove a aquisição de regras de reconhecimento

e realização e de disposições sócio-afectivas apropriadas para implementar tal

aquisição. Para estas autoras, a mudança pedagógica pode resultar de trabalho conjunto

entre professores e investigadores, desde que se consiga transmitir aos professores a

ideia de que eles têm muito mais poder e competências do que eles geralmente

acreditam que têm. Segundo Morais et al. (1993), os professores têm “um espaço de

mudança considerável relativamente ao como do ensino, isto é, relativamente à prática

pedagógica e à sua realização. É possível que o como da aquisição seja mais importante

do que o que; de facto o como pode até modelar o que” (p.519). Seria, portanto,

vantajoso que na formação inicial e/ou contínua de professores fosse contemplado um

processo de formação que promovesse a aquisição de regras de reconhecimento e de

realização e de disposições sócio-afectivas apropriadas para implementar a realização de

actividades de natureza investigativa, sob pena das suas potencialidades educativas não

virem a ser exploradas nos nossos alunos.

Notas

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31

1 De modo a diferenciar a classe social dos alunos, foi usado como índice de classe social, o nível sócio - económico e cultural da família (NSEF), tal como em Morais et al. (1993) e Câmara (1995). Este índice compósito determina-se a partir de índices simples referentes às profissões e habilitações académicas da mãe e do pai. Utiliza -se a profissão como índice simples de classe social pois a profissão está associada a posições diferenciais na divisão social do trabalho e essas posições são reguladas pela distribuição de poder criada pela estrutura de classes. A habilitação académica, embora relacionada com a profissão, é também utilizada como índice simples de classe social pois alguns trabalhos que investigaram as causas sociológicas do insucesso escolar evidenciaram a sua importância. As variáveis utilizadas como índices de classe social foram designadas do seguinte modo: PRP- profissão do pai, PRM- profissão da mãe, HAP- habilitação académica do pai, HAM- habilitação académica da mãe e NSEF- nível sócio - económico e cultural da família (índice compósito das profissões e habilitações literárias do pai e da mãe). Para estabelecer as categorias usadas como itens na escala das profissões foram utilizados os critérios de Morais et al. (1993). Do mesmo modo foi adoptada a escala de profissões constante em Morais et al. (1993, p. 533-535) constituída por seis categorias profissionais. Para o tratamento estatístico, como em Câmara (1995), foi atribuída a cada indivíduo uma pontuação idêntica à ordem da categoria profissional a que pertence (ex.: a um indivíduo cuja profissão pertença à categoria dois é atribuída a pontuação 2). Para estabelecer as categorias relacionadas com as habilitações académicas dos pais e das mães, enquanto graus de uma escala hierárquica em termos de estatuto educacional utilizaram-se os critérios de Morais et al. (1993). De acordo com estes critérios e considerando as características da amostra criaram-se seis categorias de habilitação académica que estão relacionadas com o número de anos de escolaridade e os ciclos de ensino existentes. Para o tratamento estatístico, como em outros estudos (Morais et al., 1993, Câmara, 1995), e como tinha sido feito para a profissão do pai e da mãe, a cada indivíduo foi atribuída uma pontuação idêntica à ordem da categoria da habilitação académica a que pertence (ex.: a um indivíduo cuja habilitação académica pertença à categoria dois é atribuída a pontuação 2). O nível sócio - económico e cultural da família (NSEF), determinado a partir dos valores atribuídos às categorias profissionais e académicas da mãe e do pai, foi calculado do mesmo modo que em outros estudos (Morais et al., 1993, Câmara, 1995) através da fórmula:

NSEFPRP PRM HAP HAM

=+ + +

××

4 6100%

No cálculo do índice NSEF, as variáveis foram substituídas pelas pontuações atribuídas. Tal como Câmara (1995), separaram-se os alunos em dois grandes grupos em função dos valores percentuais obtidos: (a) Nível sócio - económico e cultural baixo (B) ou classe trabalhadora (CT) quando a percentagem obtida para o índice NSEF é inferior a 50% e (b) Nível sócio - económico e cultural elevado (E) ou classe média (CM) quando a percentagem obtida para o índice NSEF é igual ou superior a 50%.

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