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FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS – FFLCH- USP Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas Prof.º Dr.º Mário César Lugarinho — Literaturas Africanas de Língua Portuguesa II Flávio Eduardo de Souza Caldas nº USP: 8024662 Turma: 8:00h às 09:40 - Matutino. Questão 1: Tendo em vista o artigo de José Luis Cabaço, “A questão da diferença na Literatura Moçambicana”, verifique a metáfora da “África” adormecida no poema de Rui Noronha, “Surge et ambula”, e no romance de Mia Couto, Terra sonâmbula. A partir do poema de Rui Noronha, “Surge et ambula” é possível verificar a metáfora da África como local que dorme, ao observar a diferença de seu desenvolvimento periférico em relação ao progresso presente no Ocidente. O autor evoca o despertar do continente e utiliza a expressão surge et ambula do latim que faz referencia à uma das passagens da vida de Jesus Cristo quando curou um paralitico ao afirmar: “Levanta-te e anda”. O uso da expressão do nazareno marcaria a necessidade da África acordar, levantar e andar, ou seja, mudar sua posição nas relações culturais, econômicas e sociais no mundo. “Desperta. O teu dormir já foi mais que terreno... Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno Que a mão te estende e diz- <África, surge et ambula!>" A diferença gerada pelo processo histórico de colonização na África marcado tanto pela exploração como pela guerra, define sua posição como periférica no processo de desenvolvimento desde o século XVI, desde então o continente estaria adormecido: “O progresso caminha ao alto de um hemisfério E no outro tu dormes e o sono teu infinito...” O despertar, porém, ocorre em muitos locais da África criando conflitos e relações contraditórias destacadas por CABAÇO (2004), como por exemplo,

Trabalho Final - Literatura Africana de Lingua Portuguesa II

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Trabalho Final - Literatura Africana de Lingua Portuguesa II.

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  • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS FFLCH- USP Departamento de Letras Clssicas e Vernculas

    Prof. Dr. Mrio Csar Lugarinho Literaturas Africanas de Lngua Portuguesa II Flvio Eduardo de Souza Caldas n USP: 8024662

    Turma: 8:00h s 09:40 - Matutino.

    Questo 1: Tendo em vista o artigo de Jos Luis Cabao, A questo da

    diferena na Literatura Moambicana, verifique a metfora da frica

    adormecida no poema de Rui Noronha, Surge et ambula, e no romance

    de Mia Couto, Terra sonmbula.

    A partir do poema de Rui Noronha, Surge et ambula possvel

    verificar a metfora da frica como local que dorme, ao observar a diferena de

    seu desenvolvimento perifrico em relao ao progresso presente no Ocidente.

    O autor evoca o despertar do continente e utiliza a expresso surge et ambula

    do latim que faz referencia uma das passagens da vida de Jesus Cristo

    quando curou um paralitico ao afirmar: Levanta-te e anda. O uso da

    expresso do nazareno marcaria a necessidade da frica acordar, levantar e

    andar, ou seja, mudar sua posio nas relaes culturais, econmicas e sociais

    no mundo.

    Desperta. O teu dormir j foi mais que terreno...

    Ouve a voz do Progresso, este outro Nazareno

    Que a mo te estende e diz- "

    A diferena gerada pelo processo histrico de colonizao na frica

    marcado tanto pela explorao como pela guerra, define sua posio como

    perifrica no processo de desenvolvimento desde o sculo XVI, desde ento o

    continente estaria adormecido:

    O progresso caminha ao alto de um hemisfrio

    E no outro tu dormes e o sono teu infinito...

    O despertar, porm, ocorre em muitos locais da frica criando conflitos

    e relaes contraditrias destacadas por CABAO (2004), como por exemplo,

  • as constantes generalizaes inclusive folclricas referente s realidades

    africanas criadas pelos pases desenvolvidos, surge ento a incapacidade de

    perceber as relaes existentes entre o passado, o presente e as

    possibilidades do futuro:

    Exatamente por isso, simplifica-se a atitude: e o mesmo Ocidente

    que invadiu o continente, explorou os africanos, violentou a sua

    cultura e alienou as suas elites, reclama a todo o momento, em plena

    era da globalizao, uma cultura africana imaculada, uma imagem

    virtual a que o continente no pode corresponder. (CABAO, 2004:

    P.67).

    Ou seja, h intenso destes locais centrais aqui referidos como

    Ocidente que a frica permanea adormecida sem atender ao chamado:

    No romance de Mia Couto a terra sonmbula corresponde aos

    pesadelos presentes na histria do livro e mesmo na histria da frica. As

    diferentes histrias apresentadas em Terra sonmbula como a de Surena,

    Muidinga, Tuahir e Kindzu apresentam uma mistura entre sonho e realidade. A

    partir da se pode criar um paralelo entre estas histrias e o fato de na frica, e

    aqui, temos o exemplo de Moambique, haver uma tradio literria oral e a

    escrita ser considerada algo novo na constituio da cultura deste local,

    segundo Jos Lus Cabao, temos um conflito de uma frica em transio

    entre a realidade pr-industrial baseada na oralidade e uma sociedade

    industrial fundada no simbolismo da imagem e escrita:

    A questo fundamental da diferena na literatura de Moambique

    situa-se no binmio influncia ocidental tradio oral. Os africanos,

    pela herana colonial e pelo poder hegemnico euro-americano, no

    poderamos permanecer alheios s ressonncias dessas propostas

    culturais que nos chegam do norte. Contudo, o Ocidente continua a

    no querer entender a frica. (CABAO, 2004, P. 66-67)

    Apesar da transio, o conflito est presente no continente

    evidenciando as diferenas que resultam do perodo colonial, as lutas pela

    independncia e as guerrilhas presentes na frica e que, por sua vez,

    determinaram as caractersticas atuais do continente.

  • Questo 2: Verifique a constituio do conceito de nao moambicana,

    comparando os poemas selecionados de Jos Craveirinha com os

    poemas de Rui Knopfli.

    A ideia de nao est relacionada a um grupo de pessoas que

    comungam dos mesmos hbitos, tradies, religio, lngua e identidade

    nacional, ela resulta de uma produo histrica e geogrfica. Por ser uma

    colnia de Portugal at o ano de 1975, a construo da Nao Moambicana

    passou pela atuao de movimentos pela independncia. A literatura reflete

    este processo de construo tanto com Craveirinha quanto com Knopfli.

    Craveirinha exalta as caractersticas de Moambique ao descrever seu

    territrio atravs de suas culturas e regies. Por contestar o colonialismo seus

    poemas acabam assumindo o papel de uma forma de resistncia cultural e de

    porta-voz do nacionalismo de uma nao que lutava por sua independncia.

    Nos trechos selecionados de Manuel Ferreira (1989) a exaltao e o

    nacionalismo so observados em Amor e doer no qual o autor sobrepe o

    amor ptria ao amor entre homem-mulher. Pontua elementos relacionados

    violncia presente na Guerra Civil e a influncia da ideologia comunista no pas

    ao mencionar a presena de Fidel no jornal.

    No poema Me so feitas vrias referencias origem, gnese e

    tradio do povo, mais uma vez, o autor vai enaltecer a identidade do povo, a

    ancestralidade moambicana, podemos exemplificar isto no seguinte trecho:

    Minha me:

    Trago a resina das velhas rvores

    Das florestas das minhas veias. (...)

    Em Quero ser tambor, mais uma vez encontramos referencias

    identidade nacional. O tambor tem grande significao para as culturas

    subsaarianas com suas propriedades de reunir, promover a unio, por em

    sintonia e propor ritmo. Ao destacar o instrumento e sua composio

  • Craveirinha mais uma vez referencia a sua origem, a terra (no caso, o territrio

    moambicano) e suas tradies.

    Rui Knopfli retratar de outra forma a nao moambicana, para

    MENDONA, (1989):

    A poesia de Rui Knopfli tem um lugar na literatura moambicana

    escrita; lugar que servir para melhor se compreender e explicar o

    processo lento da evoluo ideolgica da pequena burguesia, ainda

    no terminado. Ela reflecte as contradies de uma classe que,

    sempre receosa do papel determinante das massas populares, evita

    at ao fim tomar partido.

    O universo potico de Rui Knopfli, oscilando entre as micaias

    africanas e o vinho portugus, projecta, ele tambm, a profecia da

    destruio de uma realidade que afinal a nica que o poeta

    consegue captar. Longe de ser a voz da tolerncia, da inocncia,

    como pretendia, Knopfli, que tal como Craveirinha, toma partido.

    Diferente, mas toma. (p. 60)

    Sua perspectiva lrica investe na subjetividade problemtica e

    reconhecidamente estranha ao ambiente de Moambique. considerado

    aptrida, pois no destaca de forma constante e enaltecedora as

    caractersticas de Moambique como Jos Craveirinha, ainda que em seu

    poema Naturalidade destaque sua relao de origem com a Europa e

    paralelamente pontue o fato de ser africano.

    Em Hidrografia enaltece as caractersticas dos rios europeus

    conhecidos, sua beleza, mas em seguida valoriza a exuberncia dos rios

    africanos. H a comparao entre as duas hidrografias, a europeia j

    conhecida e a outra, a africana, misteriosa. Ao destacar o mistrio dos rios

    africanos evoca o desconhecimento sobre a histria africana e o apelo para

    remontar essa histria no do ponto de vista eurocntrico, mas sim do ponto de

    vista africano, tal referencia pode ser considerada uma forma de valorizao da

    cultura, da origem, da histria da frica. Em Auto-retrato mais uma vez o autor

    faz referencia sua origem portuguesa ao destacar a nostalgia lrica presente

    nesta cultura, a influencia rabe, a angstia, o fado, o vinho e por fim, a

    herana sua que possui em um relgio antigo deixado por seu bisav e seu

    nome.

  • O conceito de nao em Jos Craveirinha muitas vezes prximo do

    ufanismo, pois o autor enaltece, vangloria e valoriza sua terra para assim

    buscar a construo de uma conscincia do territrio e da nao

    moambicana. Em Rui Knopfli a ideia de nao est ligada a construo deste

    local e destas identidades sem perder de vista as influencias europeias, assim,

    a poesia de Knopfli pode ser considerado como uma presena remanescente

    da Metrpole na antiga colnia, colnia esta que busca tornar-se livre, ainda

    que reconhecida nos poemas deste autor a partir do olhar eurocntrico.

    Referncias Bibliogrficas:

    CABAO, Jos Lus. A QUESTO DA DIFERENA NA LITERATURA

    MOAMBICANA. Via Atlntica, Brasil, n. 7, p. 61-69, out. 2004. ISSN 2317-

    8086. Disponvel em:

    . Acesso em: 12

    Jan. 2015.

    COUTO, Mia. Terra Sonmbula. So Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    FERREIRA, Manuel. 50 poetas africanos, Lisboa, Pltano, 1989.

    MENDONA, Ftima. O CONCEITO DE NAO EM JOS CRAVEIRINHA,

    RUI KNOPFLI E SRGIO VIEIRA. Via Atlntica, Brasil, n. 5, p. 52-67, Dez.

    2002. ISSN 2317-8086. Disponvel em:

    . Acesso em: 14

    Jan. 2015.

    http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/49786http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/view/49721