Trabalho Final Mucker

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LOCAL E PERODO

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1. LOCAL E PERODO

A revolta dos Mucker aconteceu entre os anos de 1868 e 1874 em uma localidade do interior do municpio de So Leopoldo, atualmente Sapiranga. Essa localidade era denominada de Ferrabrs.

O movimento tem seus primeiros esboos quando, em 1868, Joo Jorge Maurer recebe o que seria uma revelao divina na lavoura onde trabalhava. A partir da ele abandonar a profisso de agricultor e se dedicar exclusivamente s atividades de curandeirismo. Existem poucas informaes sobre essa primeira fase. Segundo Janaina Amado (1978), essa fase inicial do movimento vai at 1871, perodo em que Joo Jorge e sua mulher, Jacobina, ainda no faziam uso da Bblia nos rituais, dedicando-se apenas a curar e a fazer profecias individuais aos enfermos.

Aps 1871, o movimento tomou novos rumos. Nesta fase, Jacobina comea a adquirir certa proeminncia no grupo. As reunies passam a contar com a leitura e a livre interpretao da Bblia e os adeptos comeam a crer que o final do mundo estava prximo. A partir de 1872, sob orientao de Jacobina, os mucker distanciam-se da sociedade. As crianas deixam de ir escola, e os colonos no participam das eleies. Em Maio de 1873, foi enviado a So Leopoldo o chefe de polcia Jos de Sampaio. Este interrogou vrios dos membros do movimento e em 22 de maio, temeroso sobre possveis sanes da comunidade ao grupo, levou o casal preso para Porto Alegre. Entretanto, em julho de 1873 Joo Jorge e Jacobina foram soltos depois que o homem assinou um termo de bem-viver.

A partir da cresce o nmero de participantes, as reunies no so mais abertas ao pblico e os integrantes do movimento recusam-se a sepultar os mortos no cemitrio da comunidade. A situao se agrava quando, em fins de 1873, trs assassinatos so relacionados com os mucker. Joo Jorge e mais 32 colonos so presos pelo delegado Lcio Schreiner, no entanto, o chefe de polcia da provncia entende que a priso arbitrria e ordena que os mucker sejam libertados.

Soltos, os mucker preparam um abaixo-assinado ao Imperador, visto que suas queixas no eram atendidas localmente. Entretanto, quando eles recebem a notcia de que seu pedido havia sido indeferido, rompe-se o ltimo elo de ligao e confiana entre eles e o resto do mundo (Amado, 1978).

Entre o perodo do indeferimento do pedido e o incio da revolta ocorrem alguns episdios em que os mucker so acusados como sendo seus autores. Entre eles est o assassinato de um menino (afilhado de um integrante do movimento) alm de um incndio na casa de um colono que culminou com a morte de sua mulher e dos filhos.

A revolta comea na madrugada do dia 25/06/1874 com ataques a propriedades nas regies vizinhas. No dia 27/06, o presidente da provncia viaja at So Leopoldo. Nesse dia acontece o primeiro confronto entre as tropas oficiais e os mucker. O ataque rechaado e as tropas do governo batem em retirada. O comandante Genuno pede reforo e, no dia 19/07, as tropas atacam novamente. Desta vez conseguem derrotar os revoltosos, mas alguns integrantes (em torno de 17) conseguem escapar, entre eles Jacobina. Joo Jorge Maurer havia sado da casa antes do combate. Dia 20/07 realizada uma emboscada no acampamento onde estavam concentradas as tropas; Sampaio ferido e morre no local. O conflito final se d no dia 02/08, quando os ltimos mucker so assassinados no interior dos matos da regio onde estavam escondidos.

2. MOTIVAES

"Os movimentos messinicos confundem o historiador. No so essencialmente polticos nem apresentam uma seqncia lgica, no sentido de imediatamente identificveis por categorias racionais pr-definidas (...) O historiador deve respeitar o objeto estudado, sem tentar traz-lo para dentro de suas prprias categorias morais."

Uma das peculiaridades do movimento dos mucker o fato de suas motivaes no serem rapidamente identificveis, ou classificveis, como "de cunho econmico", ou "de cunho poltico". Eles no deixaram manifestos de reivindicaes, mas representaes nas quais diziam que queriam ser deixados em paz pelas autoridades para praticarem seu culto e modo de vida. Aparentemente, as dimenses atingidas por um conflito de, originalmente, pequenas propores, surpreendem.

o que no parece to facilmente aceitvel, embora encontre explicao se considerarmos a histria poltico-social da nao, o tratamento dispensado a esses movimentos pelos poderes constitudos, a ponte de transform-los em sublevaes que levaram convocao do Exrcito Nacional.

Assim, ao invs de encerr-los em "categoria racionais pr-definidas", como diz Janana Amado (e em consonncia com a sua abordagem), optamos por trazer luz algumas caractersticas da comunidade teuto-brasileira, durante o perodo em que se inserem os acontecimentos. Tais caractersticas, podem ser consideradas um substrato rico, frtil, sem que uma lgica estanque os conecte to diretamente ao episdio. Embora, como veremos, tampouco dele possam ser completamente desvinculados.

Dessa forma, a inteno ultrapassar as justificativas de Leopoldo Petry, que se centram nos 'boateiros como principais culpados pelo ocorrido no Ferrabrs e assim, devolver ao grupo envolvido sua ao de protagonistas. Ir alm de interpretaes que encaram o conflito como uma conseqncia muito natural, em vista da presso que sofriam os mucker por parte da comunidade. Alm tambm dos olhares que os vem como fanticos, loucos e excepcionais e demonstrar que, pelo contrrio, antes do conflito, os mucker estavam inseridos na comunidade, faziam parte dela, e se assemelhavam aos demais colonos.

Para tanto, nos parece necessrio ter em conta alguns aspectos. Em primeiro lugar, h diferentes nveis de motivaes, que esto intrincados e atuam de forma complexa. Ou seja, em um nvel temos as foras das transformaes scio-econmicas e o empobrecimento da camada rural da populao de So Leopoldo. Em outro nvel, a influncia familiar das opes religiosas do av de Jacobina Maurer, que liderou um movimento separatista na Alemanha. Por isso, o que parece bvio, faz ainda mais sentido no caso dos mucker: motivaes e atores sociais esto juntos e se relacionam.

2.1. Transformaes scio-econmicas na colnia alem de So Leopoldo

Volta e deixa o tumulto do mundo!

Quando se desenrolou o conflito dos mucker (a partir de 1868), a regio de So Leopoldo passava por inmeras transformaes, que vinham se processando desde o final da Guerra dos Farrapos (1845). Tanto o centro urbano quanto as picadas na zona rural j no eram mais os mesmos dos primeiros anos da colonizao (a partir de 1824).

Analisaremos essas mudanas, que acreditamos estarem bastante conectadas com as motivaes geradoras do conflito, sob o vis de algumas questes: o crescimento e desenvolvimento desigual entre So Leopoldo e sua rea rural (picadas); as relaes entre a colnia e o Imprio - descaso e ateno do Estado brasileiro para com os colonos; e a passagem da autonomia subordinao - as mudanas religiosas na sociedade teuto-brasileira. Alm disso, ao falarmos no grupo protagonista tambm estaremos abordando algumas motivaes de cunho pessoal.

2.1.1.Crescimento e desenvolvimento desigual meio urbano e meio rural

Por um lado, o municpio de So Leopoldo (elevado essa condio em 1846) ampliou seus contatos com a capital da provncia, Porto Alegre, atravs de diversas melhorias nos transportes e nas comunicaes. O comrcio progrediu mais que qualquer outra atividade, ativado, principalmente, durante os anos da Guerra dos Farrapos. A populao cresceu 75% entre 1845 e 1857, ampliaram-se os nmeros de fbricas, oficinas e lojas, o grande artesanato se consolidou e as exportaes aumentaram. A camada mais rica da populao (cujo acmulo de capitais advinha principalmente do comrcio) se concentrou na cidade.

Mas, esse quadro otimista no pode ser considerado exato quando olhamos para as Picadas. A zona mais afastada de So Leopoldo, apesar da expanso para os arredores e de terem sido abertos mais e melhores caminhos, no acompanhou esse surto desenvolvimentista. Pelo contrrio, acirraram-se os conflitos pela posse das terras (que j existiam desde o incio da colonizao), visto que houve um significativo aumento dos preos dos lotes e uma maior concentrao dessas terras em menos mos. Em 1870, 50% dos proprietrios de lotes nas reas de mais antiga colonizao detinham 70% a 77% das terras. Com famlias extensas, os colonos mais pobres viram o tamanho dos seus lotes ficarem cada vez menores, e suas dvidas, que o tornavam dependente do comerciante, cada vez maiores. A Lei de Terras, de 1850, proibiu a doao de lotes. Essencialmente agrria, alm de um pequeno artesanato que sofreu com a concorrncia dos produtos trazidos de Porto Alegre pelos comerciantes, a pecuria era atividade que visava unicamente criao de animais para transportes de cargas, tendo o artesanato do couro se desenvolvido somente mais tarde.

Resumindo, "So Leopoldo diminui", nas palavras do velho colono, pois a sensao de paridade do incio da colonizao, quando todos os imigrantes chegaram na mata virgem, com poucos subsdios e em condies econmicas bastante similares, no existiam mais. A comunidade, at certo ponto homognea, estava se tornando multifacetada e em um ritmo vertiginoso.

2.1.2. A Colnia e o Imprio

Entre 1824 e 1847 a imigrao era responsabilidade do governo imperial. A partir de 1848, quando foi retomado o fluxo imigratrio no RS, era o governo provincial que o proporcionava. O resultado dessa diviso de responsabilidades foram condies e subsdios diferentes para colonos chegados primeiro e aqueles chegados depois. Ao chegarem ao Brasil, os imigrantes alemes no adquiriam status de cidados brasileiros, visto que a naturalizao dos imigrantes estava unicamente prevista na Constituio de 1824, tendo sido iniciada a regulamentao apenas em 1832, quando foi exigido quatro anos de residncia e documentos que a maioria dos colonos no possua. Em 1843 uma nova lei foi criada, diminuindo os anos de residncia de quatro para dois, e mantendo as demais exigncias. Mas, no Rio Grande do Sul, o governo farroupilha concedeu naturalizao imediata, sem formalidades, embora sem ratificao do governo imperial.

Fica evidente a impossibilidade de levar a cabo diversas dessas exigncias, j que os colonos eram em maioria analfabetos, s falavam alemo e no possuam, em grande parte, documentos comprobatrios. Nada assegurava, nem com a naturalizao, a participao poltica; no havia rgos especficos para tratar do tema dos imigrantes, no eram efetivadas (com a devida ateno) medidas que visassem a integrao desses colonos nova ptria. O quadro de descaso poltico. Somente em 18881, pela Lei Saraiva, estrangeiros naturalizados e no catlicos poderiam desempenhar funes eletivas.

2.2. Da autonomia subordinao transformaes religiosas

Nesse ponto se concentra, na nossa opinio, uma importante (seno a mais importante) considerao para compreender as motivaes dos mucker. As diferentes evolues e desdobramentos das Igrejas catlica e protestante, em territrio brasileiro, configuram um ambiente bastante profcuo para os eventos que ocorreram no Ferrabrs a partir de 1868.

O que demonstra a rica anlise de Janana Amado para essa temtica que, o ambiente da colnia teuto-brasileira (em especial a regio das picadas), embora bastante religioso, se afastava imensamente da ortodoxia religiosa. Esse descaminho, tanto protestante como catlico, era caracterizado pela autonomia com que eram tratados os assuntos espirituais, j que no havia amparo significativo de nem da Igreja Evanglica, nem da Igreja Catlica da Provncia. Apesar do catolicismo ser a religio oficial do Imprio, nos primeiros anos da colonizao isso no significou auxlio comunidade. O que se verifica um ambiente extremamente propcio s supersties e prticas mgicas.

Frente a isso, os colonos se organizaram da maneira que podiam, em associaes e era atravs delas que eles construam igrejas, organizavam os cultos e celebraes. Os fiis protestantes reuniram-se em associaes comunitrias e entre eles escolhiam algum para desempenhar as funes de pastor. Esse homem no possua, na maioria das vezes, formao teolgica e vivia como todos os demais colonos, sem abdicar de vcios ou comportamentos anteriores. Resumindo, o pastor vivia com um igual, tanto por sua situao econmica, quanto pelo modo como era visto pelos demais colonos. Alm disso, eram esses colonos quem pagavam os salrios dos pastores, logo, se sentiam na autoridade de destitu-los quando bem quisessem. Cada vez menos os pastores eram considerados um representante de Deus e cada vez mais a leitura da Bblia passou a ser livre, ato cotidiano e esvaziado de maiores liturgias.

Em meio aos catlicos, minoria religiosa entre a populao, as congregaes eram maiores e mais coesas e os cultos e liturgias foram mantidas de forma leiga. Isso se deu tambm atravs da escolha de um colono-padre que imitava as funes do padre oficial, embora no proferisse a consagrao. Tampouco esses colonos-padres possuam formao, e as celebraes, muitas vezes realizadas nas casas de fiis, com altares "caseiros", eram a alternativa completamente desviada da oficialidade que esses colonos encontraram para suprir suas necessidades espirituais.

Mais importante do que essas semelhanas, so as diferenas que resultaram das transformaes ocorridas na regio a partir de 1845. Os padres jesutas de lngua alem chegaram primeiro, enviados pela Companhia da Europa, em 1849 e, horrorizados com o abandono e desvio dos preceitos oficiais, promoveram uma radical mudana, substituindo os colonos-padres e vinculando a educao s parquias atravs da criao de vrias escolas.

J os pastores alemes chegaram apenas a partir de 1860. Foram convidados pelas associaes religiosas comunitrias da colnia, atravs de contratos, com despesas a cargo dessas organizaes e no a cargo do Estado, como ocorria na Alemanha. Desempenharam tentativas de unio das diversas comunidades heterogneas, que no foram muito eficazes. Tentaram dar formao aos colonos-professores, j que no foi possvel elimin-los. Combateram tambm o misticismo e as supersties. O clero germnico se opunha s possveis assimilaes de hbitos e cultura dos brasileiros e tambm aos casamentos e apadrinhamentos entre evanglicos e catlicos, o que o fez perder muitos adeptos.

Concluindo: tanto os colonos catlicos quanto os protestantes haviam desenvolvido formas de espiritualidade bastante autnomas, at a chagada do clero oficial, que se deu primeiramente no grupo catlico. Com a chegada desses padres e pastores, a presso por trazer os fiis de volta oficialidade da Igreja gerou diversos conflitos, contra as novas prticas. Foi ento que as diferenas entre os dois grupos mais influram, j que a eficcia dessas medidas foi bem maior entre o grupo catlico (mais coeso, menor numericamente, legalmente reconhecido e com sacerdotes chegados mais cedo) e a resistncia protestante foi acompanhada pela deteriorao da autoridade e do prestgio do pastor. Conjuntamente, entre essas enormes brechas e tendo em vista a precariedade da assistncia mdica na regio, a superstio e as prticas mgicas encontraram espao considervel para se desenvolverem.

3. ATORES SOCIAIS ENVOLVIDOS

Para identificar os protagonistas do conflito e as caractersticas gerais do grupo envolvido, nos utilizamos da anlise feita por Janana Amado e de algumas consideraes do Padre Ambrsio Schupp, que esteve na regio poca.

Amado identifica 249 participantes comprovados, embora o nmero de simpatizantes talvez alcance de 700 a 1000 pessoas (de 5% a 7% da populao de So Leopoldo). Possuam antigas relaes de parentesco e compadrio entre si. A maioria do grupo composta por homens adultos. Tal informao adquire um sentido especial se considerado o fato de que a populao geral do municpio possua um equilbrio numrico entre os sexos. Alm disso, cabe ressaltar a importncia desse dado para relativizar s possveis aproximaes da liderana de Jacobina com algum tipo de feminismo. A tica da questo no parece ser essa, visto que as mulheres mucker desempenhavam uma posio secundria, no que se refere s decises do grupo.

A maioria dos adultos era casada, na faixa etria de 33 a 47 anos e nascidos no Brasil, mas quase a totalidade descendente de famlias antiga na regio. Ou seja, toda essa parcela presenciou, possivelmente, as transformaes citadas acima. Eram precariamente alfabetizados, ou analfabetos, e falavam somente o alemo, com exceo de dois integrantes (Jorge Jac Fuchs, o 'Jac Mula' que era tropeiro e outro adepto que logo abandonou o grupo). A parcela catlica do movimento (minoritria) possua um grau de escolaridade maior. Entretanto, o nvel de escolaridade no parece ter sido significativo na escolha das lideranas, a no ser pela presena controversa de Joo Jorge Klein, ex-pastor luterano, professor primrio, com formao em teologia e que era, segundo a opinio geral, o mentor do movimento.

Quanto ao nvel econmico dos mucker, o principal a ressaltar que eles integravam o grupo que havia, efetivamente, empobrecido e que havia visto seus lotes de terra e propriedades diminurem sensivelmente. Eram, principalmente, lavradores, alm de uma parcela de artesos, quando no desempenhavam ambas funes. Viviam todos na zona rural, nas picadas e um pouco mais da metade no era proprietria das terras que ocupava. Em outras palavras, o ncleo do movimento havia sido aqueles que vivenciaram o desmoronamento da sociedade idlica dos primeiros anos da colonizao.

Por fim, eram majoritariamente protestantes, justamente o grupo religioso de So Leopoldo que mais resistira s tentativas de retomada dos preceitos oficiais de sua Igreja ps 1845. A proporo de adeptos evanglicos no movimento (segundo a tabela de Amado) de 85%, contra os 55% correspondentes populao geral de So Leopoldo na poca.

Tais consideraes nos fazem perceber, embora parea contraditrio, o quo integrados estavam os mucker ao seio da sociedade na qual viviam, embora compusessem um grupo marginal ao grande (porm restrito) centro elitista do municpio. Conforme a expresso de Janana Amado, eles no eram a exceo, eram a regra. No eram excepcionais, loucos, fanticos que diferenciaramos de longe caso caminhssemos pelo Padre Eterno s vsperas do conflito. Eram identificados pela comunidade, anteriormente aos acontecimentos, como pessoas honestas e respeitadas. Aparentemente, seu diferencial foi at onde levaram seus propsitos, o que no totalmente percebido na largada da revolta, mas somente compreendido ao longo de seu processo. "Nenhum mucker esteve envolvido em processos ou praticou crimes at o incio da revolta" .

3.1. Lideranas dos mucker3.1.1 Joo Jorge Maurer

Nascido em 1840, descendente da primeira gerao de alemes chegados no Rio Grande do Sul. Analfabeto, evanglico, lavrador e marceneiro, serviu na Guarda Nacional na Guerra do Paraguai. Casado em 1866. Segundo Schupp "tudo nele est a denunciar um temperamento pacfico e certa simplicidade bonachona(...) Quanto ao mais, nenhuma distino o extrema dos outros colonos: o seu modo de vida, o seu vesturio como o dos outros colonos."

O que deve ser considerado uma peculiaridade o episdio atravs do qual ele resolveu tornar-se curandeiro.

Um belo dia assim contam estava Joo Jorge na roa, de

machado em punho, a esmoitar e abater, a rudes golpes, uma rvore

aps outra. Era um dia calmoso, e Maurer, mais que nunca, sentia o

peso da labuta diria. Suspendendo o trabalho, erguera o busto para descansar

um instante; seno quando, ouve uma voz: Joo Jorge, que ests

tu a a mourejar? Lana fora esse machado, e trata de seguir a tua vocao:

tu nasceste para mdico.

Sua fama alcanou enormes propores, as curas, em especial devidas ateno que destinava aos doentes, o concederam o ttulo de wunderdoktor (Doutor Maravilha). 3.1.2. Jacobina Maurer (Mentz)

Nascida em 1842, filha de colonos chegados no RS no incio da colonizao. Semi-alfabetizada, fez aulas particulares quando criana. Segundo o padre jesuta, "de expresso fisionmica singularmente fantica". Seu av (Librio Mentz) emigrou da Alemanha por perseguio religiosa, pois era do ramo pietista da Igreja Evanglica, ramo esse acusado de "desviar-se das pregaes e ensinamentos da Bblia". Em 1798 liderou um grupo separatista que constituiu uma comunidade separada: "No permitiram que seus filhos freqentassem as escolas, realizavam seus prprios batismos casamentos, enterros e atos religiosos" (p. 117) A me de Jacobina era mulher rgida, tanto religiosa quanto moralmente e de gnio bastante intempestivo. Jacobina teve, possivelmente, uma doena grave na infncia e depois de casada comeou a sofrer de crises de letargia e delrios. Seu estado de sade j gerou diversas polmicas ainda no totalmente esclarecidas, por exemplo os boatos de que seu sonambulismo (como consideravam os colonos baseados em um folheto que circulou na colnia poca) a tornava capaz de prever o futuro. Passou de auxiliar do marido nas curas principal lder do movimento,

4. REIVINDICAES E RESULTADOS OBTIDOS

O movimento Mucker no expressou claramente nenhuma reivindicao explcita, apenas se reuniam para ouvir as pregaes de jacobina e do seu marido Joo Jorge Maurer (curandeiro que se tornou muito famoso na regio). Somente aps a interferncia das autoridades locais que comearam a se manifestar perante as autoridades superiores, chegando at mesmo a enviar um ofcio ao imperador. Nesse documento, segundo Amado (1978), os mucker apenas denunciavam as hostilidades sofridas pelos adeptos do movimento.

Os resultados do conflito foram extremamente negativos para os adeptos do movimento. Os que no foram mortos,perante as autoridades superiores, chegando atimento.seguem escapar, entre eles Jacobina. foram capturados e ficaram presos em So Leopoldo e Porto Alegre. queles que foram absolvidos ou que aps cumprirem a pena foram libertados, sofreram at o final da vida hostilidade de vizinhos e pessoas contrrias ao movimento. H dois episdios relatados por Amado (1978) em seu livro: os remanescentes instalados nas proximidades de Lajeado foram linchados e mortos aps terem sido acusados de matar uma mulher; no entanto provou-se que o prprio marido a tinha assassinado. Quanto aos colonos fixados em Nova Petrpolis, trs deles foram mortos em sucessivas emboscadas.

5. BALANO HISTORIOGRFICO

O livro do padre Ambrsio Schupp, Os Muckers: episdio histrico ocorrido nas colnias alems do Rio Grande do Sul, lanado em 1900 em alemo, e em 1904 em portugus, trata os Mucker como uma seita de fanticos. Propondo-se a contar a verdade e a realidade pura dos acontecimentos, e pela sua experincia como professor de cincias naturais em colgios, faz uma detalhada descrio da regio (exagerando em certos pontos, como a descrio do Rio Grande do Sul, provncia onde haveria minas de ouro e prata), dos acontecimentos que teriam se passado na regio de So Leopoldo e de seus personagens.

Utiliza como fontes testemunhas oculares do conflito, com depoimentos recolhidos durante sua atividade sacerdotal na regio do conflito, quase sempre hostis ao movimento, como relatos das foras policiais (especialmente do subdelegado Cristiano Spindler, do inspetor de quarteiro Joo Lehn, e do delegado Lucio Schreiner); h algumas poucas aluses a depoimentos dos mucker presos. Utiliza tambm dirios contemporneos como o Deutsche Zeitung (que o prprio Schupp reconhece que fazia acusaes violentas contra os membros do movimento), alm dos autos do processo, e da sua presena numa sesso do julgamento. Isto influi decisivamente na sua viso do conflito, j que ele chegou ao Rio Grande do Sul dois meses depois do ltimo combate entre as foras da ordem e os mucker, portanto no presenciou o conflito, tendo uma viso apenas do lado que se ops ao movimento.

Uma causa importante para a ecloso dessa seita de fanticos seria a completa ausncia de cuidados espirituais nos primeiros tempos da colonizao alem, problema que seria muito mais grave entre os catlicos do que entre os protestantes, pela caracterstica do sacerdcio catlico. Alm do problema espiritual, a ignorncia da populao teria contribudo para a ascenso da seita, pois no saberia distinguir se as interpretaes de Jacobina eram falsas ou verdadeiras ou que no soubessem sobre os remdios que Joo Jorge Maurer receitava aos seus pacientes.

Para o padre, a seita dos Mucker era um plano diablico bem combinado entre Joo Jorge Maurer, Jacobina e Joo Jorge Klein (o personagem misterioso Schupp no revela seu nome porque ainda est ele vivo na poca do lanamento do livro, em 1900), com tticas astuciosas. Foram os resultados iniciais esplndidos na captao de novos seguidores, a atuao de Maurer como curandeiro, atraindo um nmero cada vez maior de pessoas, que deram esperana Jacobina de que ela poderia estar frente de uma massa de homens e at de fundar um novo reino. Os fins da profetisa visavam, segundo Schupp, destruio da paz e runa das famlias. Jacobina dava ordens diablicas. Queriam se assenhorear da colnia, por isso os acontecimentos violentos.

O autor no economiza nas calnias para descrever os Mucker, especialmente no livro segundo, quando trata dos primeiros acontecimentos violentos: fanticos, impiedosos, assassinos, incendirios, uma horda de bandidos (segundo a viso local de quem no apoiava a seita), canibais, monstros sanguinrios, bestas-feras. So incendirios e assassinos, os quais, com incrvel ferocidade, verteram o sangue de inocentes e destruram a quietao e felicidade de famlias pacficas .

Ao fim de tudo, trata o movimento como uma seita e como seus membros sendo uns fanticos, alucinados, com Jacobina tendo uma obsesso diablica, sabendo desenfrear as paixes dos homens e imprimindo ao crime o selo da religio e da piedade.

A obra Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul, de 1924, em grande parte escrita pelo padre jesuta Theodor Amstad, segue a linha da obra do padre Schupp, afirmando que quem comeou a violncia foram os Mucker, que eram fanticos e tinham uma separao ntida de pensamento, que descambou para a violncia contra quem pensou diferente. Apresenta Joo Jorge Klein como um sujeito de carter traioeiro e esperto.

J o livro de Leopoldo Petry, O Episdio do Ferrabraz: os Mucker, lanado em 1957, prope-se a no seguir mais a orientao dos historiadores que tratavam o episdio como um movimento sectrio, e os excessos, inspirados por fanatismo religioso. Segundo Galvo e Rocha, na segunda metade do sculo XX, uma rica famlia da regio, dona de uma casa bancria, encomenda a ele um livro que contasse a histria dos Mucker, onde aparecessem ancestrais de sua famlia, pelo lado bom, contrariando o padre Schupp.

Prope-se a estudar os acontecimentos sob o ponto de vista social, psicolgico e humano. Nesse ponto de vista, defende os Mucker: para ele, o movimento e suas atrocidades foram uma reao de homens dignos e trabalhadores, que se revoltaram contra a arbitrariedade dos rgos de polcia que os impediam de exercer seus direitos sagrados, especialmente o da reunio religiosa privada, garantidos pelas leis brasileiras. Ento, os Mucker queriam fazer justia pelas prprias mos contra autoridades que no cumpriam suas funes, que era a de fazer cumprir as leis, pois os seus opositores invadiam suas terras, apedrejavam suas residncias, furtavam frutos das roas, entre outras coisas.

Seu livro faz um pequeno balano de fontes at ento escritas sobre os Mucker, fazendo uma crtica ao padre Schupp, alertando para as impresses de algum vindo dos centros cultos da Europa, que se impressiona com as barbaridades narradas pelos contemporneos do movimento. D um papel considervel aos boatos: estes teriam contribudo a dar importncia ao conflito, como o grande nmero de seguidores e de armamentos, sendo o conflito insignificante em sua poca. Para ele, aqueles homens eram trabalhadores e ordeiros, e no eram criminosos, inclusive nos cadastros policiais da poca. Segundo Petry, eram 34 famlias participantes do grupo dos Mucker, algumas de grande fama no futuro, como os Mentz.

Contriburam para a ecloso do ambiente de conflito: a falta de instruo (o meio ignorante, impedindo a distino do bem e do mal - revelando uma continuidade com a obra de Schupp); a marginalidade do colono, pela falta de assistncia do poder pblico, especialmente no aspecto educacional; seu profundo esprito religioso e seu enraizado amor justia, alm da atuao arbitrria das autoridades policiais. As leituras que Jacobina fazia aos seus seguidores foram feitas por um crebro doente e que s encontraram recepo por causa do meio ignorante, que procurava a satisfao dos anseios religiosos, pela falta de assistncia religiosa, pela grande distncia das sedes paroquiais e pelas pssimas estradas.

Apesar da posio defensora dos mucker, ele reconhece que houve crimes e excessos dos mesmos; mas que os maiores crimes foram de representantes do poder pblico, especialmente representada na figura do delegado de So Leopoldo, Lcio Schreiner. Se h um vilo nessa histria ele.

Tambm inclui em seu livro um depoimento de Joo Jorge Klein ao Kalender fr die deutschen in brasilien, de 1913, onde este relata interesses financeiros na atuao das autoridades, especialmente do delegado acima citado, contra os Mucker. Afirma que o delegado tentara obter um emprstimo com Maurer e apoio para as eleies de 1873, mas no os obteve. Ele tambm se defende da acusao de ter participado no movimento, que segundo ele, seria obra do delegado. Afirma que o que fez foi uma explicao do carter do movimento em jornais da capital, chegando inclusive a ser contrrio ao movimento, escrevendo artigos contrrios ao movimento. Mas defende os mucker, dizendo que o que eles fizeram foi apenas uma reao contra as autoridades, que no puniam os opositores que cometiam crimes contra eles.

Maria Isaura Pereira de Queiroz em O messianismo no Brasil e no mundo, de 1965, classifica os Mucker como um movimento messinico, caracterizado pela atividade por tempos melhores, a solidariedade, a coeso interna do grupo e a intensa cooperao entre seus membros, liderado por um mensageiro de Deus, para apressar a chegada dos tempos melhores, que significar a salvao e a felicidade neste mundo para seus adeptos.

Quanto ao movimento Mucker, especificamente, repete alguns aspectos j salientados pelos autores anteriores, como a falta de assistncia religiosa e da falta de instruo da populao. A autora v o movimento messinico no meio de uma sociedade em transformao: de uma sociedade igualitria ao inicio da colonizao, passa-se a uma sociedade estratificada segundo as posses econmicas. Os membros do movimento seriam menos afortunados economicamente, ressentindo-se disso. Portanto, a comunidade Mucker seria uma reao nova sociedade que se formara na colnia alem. Utilizando Hobsbawn, conclui que no era s um movimento inovador, por propor que a camada superior da sociedade deveria ser a dos pobres e humildes, mas tambm subversivo e revolucionrio, pois as instituies presentes j no prestam mais, sendo necessrio destruir e reiniciar do zero.

Comparando a outros movimentos messinicos brasileiros, como o Contestado e Canudos, conclui que este nico: no so movimentos reformistas, inovadores ou conservadores, como estes dois ltimos citados, desencadeados por anomia, mas eram subversivos e revolucionrios, por se desencadear a partir de uma situao de mudana social.

O livro Conflito social no Brasil: a revolta dos Mucker fruto de uma tese de doutoramento de Janaina Amado do ano de 1976. Seu trabalho apia-se basicamente em fontes primrias, em parte inditas, recolhidas em arquivos e bibliotecas do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e, secundariamente, em bibliografia especializada. Segundo a autora, seu objetivo principal era o de entender como e porque um determinado grupo de pessoas se afastou dos padres que regiam a sociedade onde vivia e se enveredou por um caminho novo (Amado, 1978).

Na primeira parte do seu livro, a autora faz um panorama geral sobre a situao vivida pelos colonos do municpio de So Leopoldo, desde sua chegada at o incio do conflito. Amado mostra a situao de abandono e isolamento (tanto poltico, quanto religioso) vivenciada pelos habitantes do interior do municpio de So Leopoldo em relao s autoridades locais e provinciais, situao que era agravada pela explorao que os comerciantes exerciam sobre os pequenos agricultores da regio. Analisa as mudanas ocorridas na colnia de So Leopoldo referentes s organizaes sociais e econmicas. Para ela h uma mudana nas relaes sociais e econmicas que prejudicam os pequenos agricultores (cada vez mais explorados e isolados). De acordo com Amado, empobrecidos e merc dos poderosos, afastados da cidade e do resto do mundo [...] os colonos se apegaram a sua religio como forma de preservar o que lhe restava de seu [...] Era o ltimo meio de resistir a uma mudana geral que os transformara....

O trabalho de Janana Amado inovador por trazer um estudo bastante detalhado sobre os m

ucker. Na segunda parte de seu livro, a autora traa o que chama de Radiografia dos Mucker. Nesse captulo, a autora traz a relao da composio social, etria, profissional, entre outras, dos componentes do movimento (daqueles que se tem registro nos documentos estudados pela autora). Enfatiza o carter de empobrecimento dos colonos do interior da colnia alem, bem como, diz que as condies de modificar este quadro a curto prazo eram diminutas.

Na terceira parte do livro, a autora aborda a revolta propriamente dita. Divide o conflito em dois perodos principais. O primeiro, segundo ela, vai at 1871 e est muito mal documentado, pois os mucker ainda no haviam despertado o interesse das autoridades locais e da populao. Nesta fase os lderes Joo Jorge Maurer e Jacobina ainda no utilizavam a Bblia, realizando apenas atividades ligadas ao curandeirismo, muito comum na regio. Mas a partir de 1871, as reunies na casa dos Maurer passaram a contar com a leitura e livre interpretao da Bblia, bem como, a disseminao da idia de que o fim do mundo estava prximo. Nessa fase aparecem alguns lderes intermedirios do movimento. Neste momento, entre 1872 e 1873, os colonos comeam a abandonar as escolas, a igreja e se afastam do convvio social. Assim, aos poucos, as troas e brincadeiras foram dando lugar a um sentimento de temor em relao aos mucker, pois a populao local incorporou a crtica do clero ao grupo, criando uma imagem que no correspondia realidade. Segundo a autora, em maio de 1873 a arena estava pronta para o conflito.

Na concluso de sua obra, a autora retoma alguns temas como os aspectos econmicos de So Leopoldo anteriores aos acontecimentos, tais como, a gradual transformao dos laos sociais. medida que as questes econmicas evoluram, a riqueza passou a ser o padro social bsico e os laos de parentesco e compadrio perderam funo como padro social fundamental. Ela tambm retoma os aspectos da vida comunitria e sua interferncia no sistema educacional e religioso. Para ela, o domnio comunitrio da educao e da religio foi importante para a formao e evoluo da colnia, pois possibilitaram tanto a manuteno dos valores, costumes e da lngua alem quanto unificao do sagrado e do profano em um s corpo. A autora ainda refora a posio de que o movimento foi realizado pela camada mais pobre de So Leopoldo, marginalizados pelas transformaes ocorridas aps 1845.

Caracterizando o movimento Mucker como de cunho messinico a autora subdivide-o em sete fases que chama de sete tempos dos mucker. Para ela os adeptos de Jacobina, tentavam trazer de volta uma srie de valores presentes no incio da colonizao, tais como os critrios de parentesco e compadrio e as relaes de igualdade e solidariedade. Tais valores serviram para canalizar os anseios e descontentamentos, revivendo um mundo onde os mucker ou seus pais eram mais felizes.O livro de Antnio Mesquita Galvo e Vilma Guerra da Rocha, Mucker: fanticos ou vtimas?, de 1996, trata o episdio atravs do conceito de crculo bblico. Jacobina, vendo as pessoas esperarem as consultas de seu marido, organiza um crculo bblico, realizando leituras da Bblia aos pacientes de Maurer, pela necessidade de crescimento espiritual de todos, da sede do alimento mstico, e no por uma mera vontade da profetisa. Jacobina apenas coordena o grupo, pois todos falam, todos lem (inclusive os catlicos, que tinham dificuldade de acesso leitura da Bblia, que estava praticamente monopolizada nas mos dos padres) e todos opinam.

Mas, de onde poderia vir a rebeldia numa simples discusso de leituras da Bblia? Nesse ponto entra a explicao do telogo que Galvo : segundo ele, a palavra de Deus libertadora, alertando para a injustia, a necessidade de transformaes, podendo agregar os injustiados, mobilizando-os na busca de seus direitos. Pela excluso social que havia e pela ignorncia generalizada, gerou o misticismo, fazendo surgir a figura do Messias, levando ao fanatismo. Foi a presso do meio que levou Jacobina a se tornar uma lder carismtica. Tambm afirma que possa se tratar do grupo como uma seita, mas seria muito mais apropriado trat-lo como uma comunidade. Critica a noo de revolta.

A noo de comunidade se explica pelos mucker retomarem valores bsicos dos primeiros tempos da colonizao, e que vinham sendo alterados pela modificao da sociedade, como a igualdade, a solidariedade, o parentesco, condenando o comrcio, o dinheiro e as classes sociais. Muitos dos marginalizados, injustiados e perseguidos por essa sociedade em transformao buscam isolar-se num lugar imune queles atos negativos e contrrios.

Outro aspecto importante que os autores salientam a cobia pelas terras ao redor do morro Ferrabrs, que seriam as mais frteis da regio, e que teriam sido repartidas aps o fim do movimento. Tambm rechaa supostos atos promovidos pelos mucker, como a morte das crianas abaixo de cinco anos no perodo final do movimento para as tropas legalistas no os encontrarem, e a afirmao de que Jacobina e Rodolfo Sehn eram amantes. Alm disso, critica a traduo da obra do padre Schupp (alm da prpria obra em si), referindo-se a problemas na traduo que prejudicam o entendimento do que o padre quis passar.

Outro ponto do livro que merece ser salientado a visita que os autores fizeram regio de Sapiranga para verificar como se trata o movimento hoje. Suas concluses foram de que enquanto pessoas de mais idade no querem saber de dar declaraes sobre os mucker, os mais jovens j vem o movimento com orgulho, como um smbolo de germanidade e com orgulho de dizer que seus antepassados pertenceram ao movimento. H um respeito muito grande pela figura de Jacobina: ela morreu aos trinta e trs anos, como Cristo, e seu corpo no foi encontrado depois de sua morte, o que leva alguns a acreditar que ela ressuscitou. Nisso, critica a noo que tem Petry de que o fato era insignificante: ele no o pelos nmeros, mas pelo pnico da populao, que no causado somente pelos Mucker.

Para concluir, afirma que os mucker so muito mais vtimas do que fanticos: so fanticos por terem um ideal de vida associativa e comunitria, e esse ideal os transformou em vtimas do egosmo, da opresso, da intolerncia, do abuso de autoridade, da presso da opinio pblica (boa parte manipulada, especialmente com os jornais) da sua prpria sorte de colonos, o que explica a sua violncia.

O artigo de Evangelia Aravanis, Movimento mucker: a necessidade de novos estudos e novas abordagens, de 1994, analisa a obra de Janana Amado e conclui que esta tem uma tica populista, pois as manifestaes de religiosidade popular se constituram como positivas, como boas em si., por serem simplesmente populares. O movimento Mucker teria sido a expresso da alma de um povo combatente. Janana teria visto exclusivamente a oposio de classes dominadas e classes exploradas, ligadas implantao do modo-de-produo capitalista em So Leopoldo. A revolta teria acontecido no campo religioso porque houve um espao que se manteve praticamente intacto quando da mudana da ordem social.

Para Aravanis, a anlise scio-econmica da revolta importante, mas no basta, pois obscurece elementos constituintes do movimento, como por exemplo o carter tnico da revolta, pela utilizao de esquemas estruturais, como o da luta de classes. Para estudar o movimento, prope a utilizao da circularidade cultural, de Ginzburg, para encontrar aspectos de religio e cultura que no so dicotmicos. Prope tambm um melhor estudo da religiosidade cotidiana antes do movimento (como por exemplo, o livre exame da Bblia pelos protestantes), que permitia a Jacobina realizar suas leituras.

O artigo de Maria Dickie, A irm da bruxa: liderana religiosa feminina e perigo, de 1998, um texto de antropologia, decorrente de uma conversa da autora com uma bruxa inglesa, onde esta se dizia irm da Jacobina, estabelecendo uma relao de identidade com a lder dos mucker. Os motivos para esta identificao seriam a proibio do envio dos filhos s escolas, que segundo a Bruxa, no faziam jus lei do amor ao prximo; a perseguio policial de que eram vtimas; o recebimento de seu conhecimento pelo transe, sendo uma mediadora dos poderes da natureza e podendo us-los em benefcio de pessoas que buscavam ajuda; e os papeis sexuais, da ascendncia dela sobre seus maridos em sociedades dominadas pelo chauvinismo masculino.

Tambm nesse artigo faz uma comparao entre as posies do padre Schupp e de Karl Von Koseritz sobre a liderana de Jacobina, concluindo ambos que ela tinha uma natureza no civilizada, irracional, associada sexualidade descontrolada, que envolvia os homens pelo poder de seduo. 6. OS MUCKER E A LITERATURAPara esse tema, a obra utilizada foi a tese de doutorado de Marins Andrea Kunz, pela PUC-RS. O trabalho se prope a analisar as diferentes interpretaes da figura de Jacobina Maurer, atravs dos textos histricos, literrios e flmicos. Para a anlise dos textos histricos, a autora utiliza as obras de Ambrsio Schupp e de Leopoldo Petry, o que surpreendente por um lado, visto que ela escreve em 2004 e, portanto, poderia ter utilizado a bibliografia mais recente.. Entretanto, se observarmos pelo vis do interesse de um olhar literrio, seguramente, as obras de Schupp e Petry so mais narrativas e facilitam tal proposta. Quanto literatura, as obras escolhidas foram o romance Videiras de Cristal, de Assis Brasil e as peas teatrais Die Prophetin von Ferrabrs de Carl Niederuth e 1874: as npcias de Teodora de Ivo Bender. Por fim, a anlise da flmica se d atravs de Os Mucker: o massacre da seita do Ferrabrs de Wolf Gauer e Jorge Bodansky (de 1979 e premiado no festival de Gramado e Paixo de Jacobina de Fbio Barreto.

A autora se prope a analisar as representaes construdas de Jacobina, utilizando a imagem literria de um mosaico para expressar as diversas nuances dessas representaes e alertando que, embora elas se interpenetrem, nenhuma alcana a imagem original da lder da seita. No primeiro captulo, quando apresentado o seu referencial terico, a autora faz uma discusso sobre as relaes, encontros e desencontros entre histria e fico, abrangendo um longussimo perodo: desde Aristteles at as crticas atuais de Hayden White ao conhecimento histrico. O desenrolar de sua argumentao conclui que a distncia entre histria e fico no to grande, j que ambos so constructos simblicos do homem e , por isso, resultam de seu olhar e de sua subjetividade, que se revela em seu arranjo lingstico e conteudstico. Assim, sua abordagem considera que histria, literatura e cinema so discursos que instauram tipos de verdade e refletem pontos de vista. Sero esses pontos de vista que ela buscar nas obras referidas, atravs do referencial terico do conceito de ideologia em J. Thompson.

Para contextualizar o conflito dos mucker e, portanto, a poca vivida por Jacobina, Kunz se utiliza, no segundo captulo, principalmente das obras de Janana Amado e Martin Dreher (1999 - O desenvolvimento econmico do Rio dos Sinos - 2003 Igreja e germanidade). Sua breve contextualizao de cunho histrico conclui que: o grupo de Jacobina surgiu devido ao fato de que suas condies econmicas, culturais e religiosas no lhes eram favorveis e que, apesar de essa conjuntura ter proporcionado seu surgimento, ela tampouco o aceitou, j que no o grupo no se enquadrava no ideal desejado.

Ressaltaremos aqui a anlise de Kunz para a obra Videiras de Cristal, por ter sido (e ser ainda) de alcance indiscutvel na sociedade rio-grandense e brasileira, principalmente aps sua adaptao cinematogrfica. A autora ressalta que Assis Brasil no se props em momento algum a reconstituir os fatos histricos, mesmo tendo se utilizado das obras de Domingues, Amado, Petry, Schupp, Queirs e dos artigos de Klaus Becker e Carlos H. Hunsche. Interessante a percepo da autora de que, ao se utilizar de um narrador onisciente e de mltiplos pontos de vista, Assis Brasil corrobora a idia de que os olhares sobre o conflito so diversos e se isenta de qualquer responsabilidades pelas opinies proferidas. A obra procura, segundo Kunz, analisar o ocorrido no Ferrabraz a partir de trs eixos principais: uma perspectiva poltica e econmica (arbitrariedades das autoridades, interesses dos comerciantes e disputas poltico-partidrias entre conservadores e liberais), que seria o pano de fundo dos acontecimentos, uma perspectiva religiosa, ressaltando o conflito entre catlicos e protestantes e responsabilizando ambas Igrejas; e uma perspectiva pessoal, da famlia , seguidores e inimigos de Jacobina, parte em que mais penetra a imaginao do autor para reconstituir a subjetividade dos personagens que no so somente literrios, mas tambm histricos.

BIBLIOGRAFIA

AMADO, Janana. Conflito social no Brasil A revolta dos Mucker. So Paulo: Editora Smbolo, 1978.

ARAVANIS, Evangelia. Movimento mucker: a necessidade de novos estudos e novas abordagens. In: Os alemes no sul do Brasil: cultura, etnicidade, histria. Canoas: Editora da Ulbra, 1994.

Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul. So Leopoldo: Editora da Unisinos, 1999 [1924].

BRASIL, Assis. Videiras de Cristal O romance dos Muckers. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992 [3 edio].

DICKIE, Maria Amlia Schmidt. A irm da bruxa: liderana religiosa feminina e perigo. In: Horizontes Antropolgicos, Porto Alegre, n 8, p. 72-86, jan/jun. 1998. GALVO, Antnio Mesquita, e ROCHA, Vilma Guerra. Mucker: fanticos ou vtimas? Porto Alegre: EST, 1996.

KUNZ, Marins Andrea. Mosaico Discursivo: Jacobina Maurer nos textos Histricos, Literrios e Flmicos. Porto Alegre: Editora da PUCRS, 2004

PETRY, Leopoldo. O episdio do Ferrabraz: os Mucker. So Leopoldo: Rotermund, 1966 [1957].

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O messianismo no Brasil e no mundo. So Paulo: Dominus, 1965.

SCHUPP, Ambrsio. Os Mucker: episdio histrico ocorrido nas colnias alems do Rio Grande do Sul. Braslia: Editora do Senado Federal, 2004 [1900].

WEINHARDT, Marilene. Messianismo e Figuraes Literrias O caso dos Muckers. In: Revista Letras, Curitiba n 55, pp. 78-89, 2001.

AMADO, Janana (1978) p.17

WEINHARDT, Marilene (2001) p.2

Trecho de uma carta de Jacobina ao seu irmo, presente em AMADO... p.155

AMADO, Janana (1978) p.65 A maior parte dos dados e percentuais foram extrados do captulo 2 da Parte 1 do livro da autora, cuja abordagem foi a mais rica (em termos informativos) encontrada na bibliografia, e passaro a ser referidos, unicamente, por AMJ.

AMJ, tabela p. 109

AMJ, p. 71

"(...) So Leopoldo diminuiu porque eu tinha antes muitos amigos e agora eu tenho menos amigos."-processo-crime - depoimento de Joo Rodolfo Kurz In: AMJ, p.79

AMJ, p. 51

Joo Jorge Klein, figura controvertida quanto ao grau de sua influncia no conflito dos mucker, foi pastor luterano na comunidade e possua formao teolgica, adquirida quando jovem em seminrio na Alemanha.

Citao encontrada em AMJ, p.60

Havia tambm um bom contingente de idosos (incluindo matriarcas de famlias antigas que havia ficado vivas e aderiram fervorosamente Jacobina) e crianas.

Tal assertiva no corroborada pela investigao de Janana Amado (vide pp.120-125)

AMJ, p.135 correspondncia oficial do delegado Lcio Schreiner, presente no Arquivo Histrico/RS.

SCHUPP, Ambrsio (2004) p.42

Idem

SCHUPP, Ambrsio (2004) p.47

Segundo AMADO, o grupo era pietista. Segundo SCHUPP, eram anabatistas.

SCHUPP, Ambrsio (2004), p.320

AMADO, Janana (1978), p.103

KUNZ, Marins Andrea (2004)

KUNZ, Marins Andrea (2004) p. 42

Fica bastante presente a similitude entre as novidades (entre as obras literrias) introduzidas pelo romance de Assis Brasil e a abordagem de Janana Amado, confirmando-a como a possvel principal referncia bibliogrfica do autor.