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1A produção de preparados piscícolas em Tróia
Estudo de três amostras provinientes da Oficina 2
Sónia Gabriel
201
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Coordenação Editorial Ana M. Costa LARC/DGPC -‐ EnvArch/CIBIO/InBIO
Projeto Gráfico Ana M. Costa
Data de Impressão Fevereiro de 2013
Edição Laboratório de Arqueociências, LARC Direção-‐Geral do Património Cultural Rua da Bica do Marquês, nº2 1300-‐087 Lisboa TEL: +351213625369
Créditos de capa: Whitehead, P.J.P. (1985), FAO species catalogue. Clupeoid fishes of the world. An annotated and illustrated catalogue of the herrings, sardines, pilchards, sprats, anchovies and wolfherrings. Part 1 -‐ Chirocentridae, Clupeidae and Pristigasteridae. Fish.Synop., (125)Vo1.7, FAO Este relatório contém dados inéditos cuja utilização e divulgação necessitará da autorização dos autores
TÍTULO
A produção de preparados piscícolas em Tróia (Grândola)
Estudo de três amostras provenientes da Oficina 2
AUTORES
Sónia Gabriel
RESUMO
O presente relatório descreve três amostras ictioarqueológicas provenientes da Oficina 2 de Tróia, (séc.-‐II e séc. III-‐V). Os resultados obtidos indicam que, à semelhança de outras fábricas da região de Lisboa, a sardinha S. pilchardus constitui a base dos preparados piscícolas ali produzidos.
A estimativa do tamanho individual dos espécimes arqueológicos permitiu aferir e comparar os tamanhos da sardinha, evidenciando a utilização de exemplares de maior tamanho na amostra datada do séc. I-‐II.
Cruzando os dados obtidos com alguma informação disponível nos textos clássicos, conclui-‐se que as amostras analisadas documentam a produção de produtos do grupo dos molhos/pastas, embora a discussão do seu tipo necessite ainda um exame mais cuidadoso.
ABSTRACT
This report describes three samples of the fish derived from Tróia (Workshop 2), dated to the 1st-‐2nd century, and to the 3rd-‐5th centuries AD. The results show that, like other factories in the Lisbon region, the sardine S.pilchardus was the basis of the products found in the factory for making fish products.
Comparing individual size distribution, it is evident that the sample, dated to the 1st-‐2nd century AD, was produced using larger specimens.
Comparing the data with information available in classical texts, we conclude that the samples document sauce production (garum, hallec, among others), though their characterization requires further analysis.
Trabalhos do LARC n.º 1 Lisboa, 2013
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................................. 1 1.1 A fábrica de preparados piscícolas de Tróia ................................................................................................ 2 1.1.1 A Oficina 2 .................................................................................................................................................... 3 1.2 Âmbito e objectivos de trabalho ................................................................................................................. 3
2. MATERIAL E MÉTODOS ....................................................................................................................................................... 5 2.1 Material ....................................................................................................................................................... 5 2.2 Métodos ...................................................................................................................................................... 5 2.2.1 Preparação das amostras ............................................................................................................................ 5 2.2.2 Triagem e identificação ............................................................................................................................... 6 2.2.3 Osteometria ................................................................................................................................................. 6 2.2.4 Análise de dados .......................................................................................................................................... 6
3. OS RESTOS DE PRODUÇÃO ENCONTRADOS NA OFICINA 2 (CETÁRIAS 1, 5 E 9) ............................................................................... 8 3.1 Preservação ................................................................................................................................................. 8 3.2 Representatividade esquelética .................................................................................................................. 8 3.3 Diversidade taxonómica .............................................................................................................................. 8 3.4 Distribuição de tamanhos ........................................................................................................................... 9
4. OUTROS RESTOS DE PEIXE ENCONTRADOS NA OFICINA 2 ......................................................................................................... 11 5. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................. 12
5.1 Exploração dos recursos ........................................................................................................................... 12 5.1.1 Critérios de captura .................................................................................................................................... 12 5.2 Produtos fabricados .................................................................................................................................. 13
6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS DE INVESTIGAÇÃO ................................................................................................................... 16 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................................ 17
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. Mapa da Península Ibérica e Norte de África com indicação das regiões do antigo Império Romano. ............... 2 Figura 2. Mapa de Portugal com indicação da localização da península de Tróia (o ). A figura de pormenor (B) indica a implantação da fábrica de preparados piscícolas ali instalada no século I. ........................................................................ 2 Figura 3. Resumo gráfico dos métodos utilizados na análise das três amostras de restos de produção recuperadas na Oficina 2 de Tróia: T1[193]_2660; T5[233]_2658; T9[418]_2664. ...................................................................................... 7 Figura 4. Diversidade taxonómica registada nas três mostras analisadas (T1[193]_2660, T5[233]_2658, T9[418]_2664]): percentagens calculadas com base no número mínimo de indivíduos estimado (NMI). ................................................... 9 Figura 5. Distribuição de tamanhos de sardinha, S pilchardus, encontrada em cada uma das amostras analisadas. As caixas incluem 50% dos indivíduos, e as riscas verticais apontam para os tamanhos máximo e mínimo da sardinha encontrada em cada amostra. .......................................................................................................................................... 10 Figura 6. Classes de tamanho da sardinha, S pilchardus, encontrada em cada uma das amostras analisadas. ............... 10 Figura 7. Diversidade taxonómica observada nas amostras T1[193]_329, e T7c[215]_337. Da cetária 8 procedem três amostras T8[182]_333; [192]_335; e [195]_336). Número de elementos esqueléticos identificado taxonómicamente (NISP), e número mínimo de indivíduos estimado (NMI). ................................................................................................ 11 Figura 8. Distribuição de tamanhos de sardinha, S pilchardus, encontrada na Oficina 2 de Tróia comparada com a dos tamanhos encontrados em três fábricas da região de Lisboa: Casa do Governador da Torre de Belém (C. Governador T. Belém -‐ GTB); Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros (N.A.R. Correeiros -‐ NARC); e Mandarim Chinês (M.Chinês . MC). As caixas incluem 50% dos indivíduos, e as riscas verticais apontam para os tamanhos máximo e mínimo da sardinha encontrada em cada amostra. ........................................................................................................................... 13
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela I. Capacidade instalada em algumas oficinas de produção de preparados de peixe do ocidente romano. A partir de Filipe e Fabião (2006/2007) e Pinto et al. (2011). L = Lusitania, B= Baetica, MT= Mauritânia Tingitana. ..................... 3 * Indica que não se conhece a capacidade total. ............................................................................................................... 3 Tabela II. Lista do material analisado: contextualização crono-‐estratigráfica e observações sobre o tipo de amostras a partir de Pinto et al. (2009, 2010). ...................................................................................................................................... 5 Tabela II.a. Lista de material sobre o qual foram registadas observações adicionais. Notas sobre o tipo de amostras a partir de Pinto et al. (2009, 2010). ...................................................................................................................................... 5 Tabela III. Variável, e equação de regressão utilizada para estimativa dos comprimentos individuais de Sardina pilchardus a partir da medição da primeira vértebra (V1). Onde: TL = Comprimento total; e r² = Coeficiente de determinação. ..................................................................................................................................................................... 6 Tabela IV. Restos de produção da Oficina 2: principais elementos esqueléticos identificados nas amostras analisadas. ■ = presença. ..................................................................................................................................................................... 8
Sónia Gabriel
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1. INTRODUÇÃO
“It is up to others, whenever it may be possible, to determine to which species of fish these remains belong”. (Dressel, 1879 cit. por Van Neer et al.2010)
A antiga província romana da Lusitania (Figura 1), possui características privilegiadas para a exploração dos recursos marinhos: uma ampla frente Atlântica, rica em recursos piscícolas; e um clima quente, com estiagens longas e secas, adequado à produção de sal (Fabião, 2009). São bem conhecidas as potencialidades piscícolas do Atlântico, sobretudo se comparadas com as do Mediterrâneo, que fazem das zonas costeiras a ocidente do Estreito de Gibraltar áreas privilegiadas para a exploração daqueles recursos (Edmonson, 1987), cuja pesca serviu para sustentar a produção nas fábricas de produtos piscícolas instaladas nas franjas litorais da Andaluzia ocidental, da costa meridional portuguesa e das costas norte-‐africanas (Figura 1).
Os preparados piscícolas ocuparam um papel central na alimentação/gastronomia, e na economia da época romana. O seu comércio e consumo, encontram-‐se documentados pelas fontes literárias e epigráficas, pela escavação e análise dos sítios de produção, e pelo estudo das ânforas utilizadas para transporte desses preparados (Van Neer et al.2010).
Apesar do, já significativo, conhecimento sobre a indústria romana de preparados piscícolas, a informação sobre a produção com base na observação direta dos seus restos (ossos de peixe), raramente constituiu uma prioridade (para uma síntese dos estudos realizados até à década de 1990, ver Curtis, 1991).
A análise dos restos de peixe recuperados em cetárias, fundos de ânfora, e lixeiras, permite documentar quais as espécies utilizadas nos preparados produzidos, estimar quais os seus tamanhos e, nalguns casos, inferir o tipo de produto fabricado (Van Neer e Parker, 2008).
Graças à utilização de métodos de recolha adequados, e à disponibilidade de coleções osteológicas apropriadas, a análise de amostras de peixe resultantes da produção de preparados piscícolas tem vindo a aumentar consideravelmente nos últimos anos, permitindo um conhecimento mais amplo sobre os preparados piscícolas (Beja, 1993; Studer, 1994; Van Neer e Ervynck, 1998, 1999, 2004; Desse-‐Berset e Desse, 2000; Sternberg, 2000; Assis e Amaro, 2006; Van Neer et al. 2006; Van Neer e Parker, 2008; Gabriel et al. 2009, para mencionar apenas alguns exemplos).
A produção de preparados piscícolas em Tróia (Grândola). Estudo de três amostras provenientes da Oficina 2
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Figura 1. Mapa da Península Ibérica e Norte de África com indicação das regiões do antigo Império Romano.
1.1 A fábrica de preparados piscícolas de Tróia
As ruínas romanas de Tróia, são conhecidas principalmente pelos seus tanques de produção de preparados piscícolas. O sítio situa-‐se cerca de 50km para sul de Lisboa, na península de Tróia, uma língua de areia orientada no sentido NW-‐SE, que marca a separação entre o fim do rio Sado e o Oceano Atlântico (Figura 2). Esta localização geográfica privilegiada, permite beneficiar tanto das condições ecológicas proporcionadas pelo estuário do rio Sado (a Este), como das oferecidas pelo Oceano Atlântico (a Oeste).
Figura 2. Mapa de Portugal com indicação da localização da península de Tróia (o ). A figura de pormenor (B) indica a
implantação da fábrica de preparados piscícolas ali instalada no século I.
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Embora Tróia seja conhecida desde o século XVI (Castelo-‐Branco 1965 cit. por Magalhães, 2006), o resultado das intervenções ali realizadas (as primeiras no século XVIII, sob a égide de D. Maria I), são bastante dispersos, conhecendo-‐se uma única monografia onde se dá conta da intervenção francesa realizada nas fábricas 1 e 2 (Étienne et al. 1994).
Apesar da capacidade de produção ali instalada (1408 m3), a maior conhecida até à data nas regiões da Lusitania, Baetica, e Mauritânia Tingitana (Pinto et al. 2011) (Tabela I; Figura 1), pouco se sabe sobre a produção ali realizada (espécies utilizadas e natureza dos produtos).
Tabela I. Capacidade instalada em algumas oficinas de produção de preparados de peixe do ocidente romano. A partir de Filipe e Fabião (2006/2007) e Pinto et al. (2011). L = Lusitania, B= Baetica, MT= Mauritânia Tingitana.
* Indica que não se conhece a capacidade total.
SÍTIO Nº OFICINAS CAPACIDADE M³ Lixus (MT) 10 1013 Cotta (MT) 1 258 Baelo Claudia (B) 7 277 Lisboa – Casa do Governador da Torre de Belém (L) 1 335* Lisboa – R. Correeiros (L) 7 288* Arrábida – Creiro (L) 1 39 Tróia (L) 25 1408 Sines (L) 5 120* Lagos – R. Silva Lopes (L) 1 122
1.1.1 A Oficina 2
A oficina de salga 2 insere-‐se no contexto de uma grande fábrica que não foi ainda completamente escavada. Durante o seu tempo de laboração (desde o início do século I e até finais do século V), a fábrica conheceu três fases de transformação: o primeiro (Fase1), corresponde aos dois primeiros séculos (séculos I e II); a Fase 2, compreende o século III, altura em que se regista uma reestruturação do sítio; e a última fase (Fase 3), compreende desde o século IV, altura em que se assiste a uma organização do sítio, até ao século V, quando a produção pára (Etienne et al. 1994).
A oficina 2, mais pequena que a oficina 1, conta uma área de cerca de 346.50 m2, onde se dispõem dezanove tanques, alguns deles subdivididos em unidades mais pequenas (Pinto et. al. 2011).
1.2 Âmbito e objectivos de trabalho
Recentemente, a península de Tróia tem sido explorada com propósitos turísticos. Neste contexto, o Tróiaresort conta, desde 2006, com uma equipa permanente dirigida por Inês Vaz Pinto, e coordenação científica de Jorge de Alarcão (Magalhães, 2006). Além da conservação e valorização do sítio (declarado Monumento Nacional por decreto de 16 de Junho de 1910), os trabalhos mais recentes têm, entre outros fins, procurado colmatar algumas lacunas existentes, nomeadamente as relativas à produção dos preparados de peixe com base na observação directa dos restos de produção.
No âmbito de uma monografia que dá conta dos trabalhos mais recentes realizados em Tróia, e que será publicada antes do fim do corrente ano, foi pedido ao Laboratório de Arqueociências (LARC) o estudo ictioarqueológico de três amostras provenientes da Oficina 2.
A produção de preparados piscícolas em Tróia (Grândola). Estudo de três amostras provenientes da Oficina 2
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O principal objectivo deste trabalho é caracterizar e comparar essas amostras. Com base na sua análise pretende-‐se saber quais as espécies utilizadas, e quais os tamanhos explorados. Os resultados serão utilizados para discutir o tipo de preparados produzidos.
Sabendo-‐se que o material supramencionado para este estudo constitui uma pequena parte da realidade ictioarqueológica recuperada na Oficina 2, e que ali existem amostras com características distintas das inicialmente entregues para análise (I.V.Pinto, 2012, com. pess.), considerou-‐se pertinente a observação preliminar de algum desse material, para aferir o espectro faunístico, e apurar sobre a diversidade de produtos fabricados.
Os dados obtidos serão comparados com outros contextos conhecidos para antiga região da Lusitania, concretamente no actual território português. Espera-‐se que no futuro, estes dados, possam ser utilizados para ampliar o conhecimento sobre produção de preparados piscícolas em época romana.
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2. MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Material
Foram analisadas três amostras procedentes das cetárias 1, 5, e 9 (Tabela II). O material foi recuperado durante as campanhas de 2008 e 2009, e está constituído principalmente por ossos de peixes de pequeno tamanho, resultantes da produção de preparados piscícolas entre o século I e o século V (Pinto et al. (2009, 2010) (Tabela II).
Adicionalmente, foram observados materiais recuperados em 2007, constituídos essencialmente por ossos de peixes de tamanho grande (designados como “espinhas de peixe recuperadas em níveis de lixeira”) (Tabela II.a).
Tabela II. Lista do material analisado: contextualização crono-‐estratigráfica e observações sobre o tipo de amostras a partir de Pinto et al. (2009, 2010).
CETÁRIA U.E AMOSTRA CRONOLOGIA TIPO DE AMOSTRA 1 193 2660 Sec. V “restos de molho de peixe” 5 233 2658 Sec. V “restos de molho de peixe” 9 418 2664 Sec. I – Sec. II (final) “bolsa de garum no interior de ânfora
DRESSEL 14”
Tabela II.a. Lista de material sobre o qual foram registadas observações adicionais. Notas sobre o tipo de amostras a partir de Pinto et al. (2009, 2010).
CETÁRIA U.E AMOSTRA CRONOLOGIA TIPO DE AMOSTRA [1] [193] [329] [Sec. V] “espinhas de peixe” [7C] [215] [337] [Sec. III – Sec V] lixeira: fauna ictiológica, alguma da qual em conecção, incluindo
grandes peixes ali depositados sem cabeça [8] [182] [333] [Sec. I – Sec. II] níveis de lixeira: espinhas de peixe [8] [192] [335] [Sec. I – Sec. II] níveis de lixeira: espinhas de peixe [8] [195] [336] [Sec. I – Sec. II] níveis de lixeira: espinhas peixe
2.2 Métodos
Os métodos descritos (ver infra as alíneas a-‐ d), e resumidos na figura (Figura 3) dizem respeito à análise das amostras listadas na Tabela II.
Para o material observado adicionalmente (Tabela II.a), apenas se procurou a identificação taxonómica de alguns elementos selecionados.
2.2.1 Preparação das amostras
O material encontrava-‐se embalado em bolsas de plástico devidamente etiquetadas, e acondicionadas dentro de contentores transformados a partir de recipientes de plástico semirrígido. As amostras apresentavam sedimento em proporções comparáveis.
Considerando o volume de material existente, e o tempo disponível para análise, recolheu-‐se 2000ml de sedimento por unidade estratigráfica (Figura 3:1). Esse material foi crivado com água, utilizando um conjunto de crivos de malhas finas (1mm – 500μm – 70μm) (Figura 3:2), para salvaguardar a
A produção de preparados piscícolas em Tróia (Grândola). Estudo de três amostras provenientes da Oficina 2
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recuperação de todos os ossos e fragmentos de osso, bem como eventuais restos que possam ser objecto de futuras análises (plantas, insectos, e/ou outros).
Os remanescentes de crivo foram secos à temperatura ambiente (Figura 3:3), e posteriormente observados à lupa binocular. Todas as amostras se viam compostas por quantidades massivas de ossos e fragmentos de ossos, além de algum “resíduo” considerado como intrusão pós-‐deposicional: algumas partículas minerais, raros carvões e invertebrados (moluscos terrestres).
Verificou-‐se que o material retido nas malhas de 1mm tinha maior potencial para identificação anatómica e taxonómica.
Para manter a análise dentro de dimensões realizáveis, e ainda assim significativas, procedeu-‐se à sub-‐amostragem do remanescente de crivo: 100 ml por amostra na fracção de 1mm (Figura 3:4).
2.2.2 Triagem e identificação
O material foi selecionado com a ajuda de uma lupa binocular Olympus SZ60 com iluminador Olympus Highlight2001, equipamento do LARC. Para identificação anatómica e taxonómica utilizou-‐se a coleção osteológica do LARC (Figura 3:5).
2.2.3 Osteometria
Os critérios osteométricos são os propostos por Assis e Amaro (2006) (ver Figura 3:6).
A medição dos espécimes de pequenas dimensões foi feita com micrómetro incorporado na lupa binocular (Olympus SZ60).
2.2.4 Análise de dados
Após a identificação taxonómica, estimou-‐se o número mínimo de indivíduos (NMI), seguindo a norma proposta por White (1953).
Para a espécie mais abundante procedeu-‐se à estimativa de tamanho utilizando fórmulas de regressão linear, que permitem estimar o tamanho individual dos espécimes arqueológicos a partir do tamanho de elementos esqueléticos (Tabela III; e Figura 3:7):
Tabela III. Variável, e equação de regressão utilizada para estimativa dos comprimentos individuais de Sardina pilchardus a partir da medição da primeira vértebra (V1). Onde: TL = Comprimento total; e r² = Coeficiente de
determinação.
Osso Variável Equação r² V1 LA (largura anterior) TL= 62.87 AL+ 24.26 0.967
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Figura 3. Resumo gráfico dos métodos utilizados na análise das três amostras de restos de produção recuperadas na
Oficina 2 de Tróia: T1[193]_2660; T5[233]_2658; T9[418]_2664.
A produção de preparados piscícolas em Tróia (Grândola). Estudo de três amostras provenientes da Oficina 2
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3. OS RESTOS DE PRODUÇÃO ENCONTRADOS NA OFICINA 2 (CETÁRIAS 1, 5 E 9)
3.1 Preservação
As amostras observadas caracterizam-‐se por quantidades massivas de ossos, comparáveis nas suas porções, e na sua conservação. Em geral, geral observa-‐se um grau de fractura evidente, sobretudo nos ossos de estrutura laminar, usual em amostras desta natureza.
Assinalam-‐se algumas singularidades na amostra T5 [233] _2658, que inclui pedaços de placas de osso (de ≈ 1-‐2mm de espessura), que à lupa binocular expõem grandes acumulações de ossos da cabeça, barbatanas, e vértebras articuladas em conexão anatómica, todos muito compactados. Além destes, ≈80-‐90% das vértebras utilizadas na obtenção de dados osteométricos têm um aspecto que varia entre “caramelizado” e “carbonizado”, parecendo indicar a presença de elementos queimados.
3.2 Representatividade esquelética
Os elementos esqueléticos analisados apontam para a presença de espécimes inteiros, correspondendo a espécies de pequeno tamanho. Das amostras analisadas, a T1 [193] _2660 é a única em que se identificam fragmentos de arcos branquiais, pertencentes a espécies de tamanho grande.
Salvo no caso indicado, os elementos esqueléticos reconhecidos são idênticos em todas as amostras (um grande número de bulas proóticas/pteróticas, basioccipitais, e maxilares, alguns operculares, hiomandibulares, cleithra, e raras escamas). Além destes, foram encontrados alguns otólitos na cetária 9 (T9_2664). Em todos os casos, as vértebras constituem os restos mais abundantes (Tabela IV).
Tabela IV. Restos de produção da Oficina 2: principais elementos esqueléticos identificados nas amostras analisadas. ■ = presença.
3.3 Diversidade taxonómica
As três amostras analisadas têm como denominador comum o predomínio da sardinha, Sardina pilchardus. Este táxon representa 89% do NMI na amostra T1 [193] _2660, 99% na T5 [233] _2658, e 91% em T9 [418] _2664 (Figura 4).
Além da sardinha, foram identificados outros taxa, cuja diversidade apresenta proporções variáveis nas três amostras analisadas. Na amostra T1 [193] _2660 é onde se regista maior diversidade taxonómica,
AMOSTRAS ELEMENTOS ESQUELÉTICOS T1[193]_2660 T5[233]_2658 T9[418]_2664 Vértebras ■ ■ ■ Bulas proóticas/pteróticas ■ ■ ■ Basioccipitais ■ ■ ■ Maxilares ■ ■ ■ Hiomandibulares ■ ■ ■ Operculares ■ ■ ■ Cleithra ■ ■ ■ Arcos branquiais ■ -‐ -‐ Escamas ■ ■ ■ Otólitos ■ -‐ -‐ Indetermináveis ■ ■ ■
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tendo sido reconhecidos restos de Engraulidae (cf. Engraulis encrasicolus, biqueirão), Merlucciidae (cf. Merluccius merluccius, pescada), Trachurus trachurus (carapau), Diplodus sp. (sargos), Pagrus sp. (pargos), e cf. Scomber scombrus (cavala), que representam 11% do NMI (Figura 4).
Nas amostras T5 [233] _2658 e T9 [418] _2664, onde a diversidade taxonómica é menor, reconhece-‐se a presença de Trachurus trachurus (carapau), Diplodus sp. (sargos), e cf. Scomber scombrus (cavala). Estes representam respectivamente 1% (T5) e 9% (T9) do NMI (Figura 4).
Figura 4. Diversidade taxonómica registada nas três mostras analisadas (T1[193]_2660, T5[233]_2658, T9[418]_2664]):
percentagens calculadas com base no número mínimo de indivíduos estimado (NMI).
3.4 Distribuição de tamanhos
Todos os elementos esqueléticos analisados correspondem a indivíduos de pequeno tamanho. No caso da espécie predominante – a sardinha, S. pilchardus – foram estimados os tamanhos utilizando a equação apresentada na Tabela III (ver secção 2). Os resultados, ilustrados na figura, deixam ver que os peixes encontrados nas três amostras teriam entre 87 e 262mm, embora os da T9 [418]_2664 sejam tendencialmente maiores (Figura 5).
Ainda que os indivíduos contidos nas amostras T5 [233]_2658, e T1 [193]_2660 mostrem uma distribuição de tamanhos mais semelhante, os encontrados na primeira parecem ser tendencialmente mais pequenos que os da segunda (T1 [193]_2660), onde se encontram indivíduos maiores-‐ até 159mm. A
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amostra T9 [418]_2664 é, como foi assinalado, onde se encontram os espécimes de maior tamanho -‐ entre 199 e 262mm (Figura 6).
Figura 5. Distribuição de tamanhos de sardinha, S pilchardus, encontrada em cada uma das amostras analisadas. As caixas incluem 50% dos indivíduos, e as riscas verticais apontam para os tamanhos máximo e mínimo da sardinha
encontrada em cada amostra.
Figura 6. Classes de tamanho da sardinha, S pilchardus, encontrada em cada uma das amostras analisadas.
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4. OUTROS RESTOS DE PEIXE ENCONTRADOS NA OFICINA 2
Os restos designados como “espinhas de peixe recuperadas em contexto de lixeira” (Tabela II.a), correspondem a espécimes de grande tamanho, tendo sido identificados alguns dos taxa reconhecidos nos restos de produção mas que neste contexto correspondem a indivíduos de tamanho médio-‐grande, designadamente: Merlucciidae (cf. Merluccius merluccius-‐ pescada); Diplodus sp. (sargos); e Pargus sp.(pargos) (Figura 7).
Além das referidas, contam-‐se alguns restos de raias e tubarões (Chondrichthyes indet.), esturjão (cf. Acipenseridae), anchova (Pomatomuas saltratix), capatões (Dentex sp.), bem como de alguma taxa indeterminados (Figura 7).
A presença de marcas de corte nalgumas das vértebras indica que os capatões (e possivelmente outras espécies) foram cortados em partes para processamento ou consumo.
Dos conjuntos observados, distingue-‐se o recuperado na T1 [193]_ 329, por ser composto, quase exclusivamente, por restos de elementos esqueléticos do aparato branquial (entre os restos observados contam-‐se raras vértebras de sardinha, e uma vértebra de um esparídeo de grande tamanho).
As amostras observadas (ver listagem na Tabela II.a), permitem documentar a presença de grandes peixes inteiros. Embora nalguns casos se possa afirmar que estes foram depositados sem cabeça, no caso dos esparídeos (Sparidae fam.), a presença de ossos do aparato mandibular atesta a deposição das suas cabeças.
Figura 7. Diversidade taxonómica observada nas amostras T1[193]_329, e T7c[215]_337. Da cetária 8 procedem três amostras T8[182]_333; [192]_335; e [195]_336). Número de elementos esqueléticos identificado taxonómicamente
(NISP), e número mínimo de indivíduos estimado (NMI).
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5. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
5.1 Exploração dos recursos
As amostras provenientes dos restos de produção são, do ponto de vista taxonómico, comparáveis às encontradas noutros contextos de produção da região de Lisboa, onde a sardinha constitui o principal componente dos produtos fabricados (Gabriel et al. 2009, Assis e Amaro, 2006).
À semelhança do observado para os sécs. IV-‐V na região de Lisboa, também na Oficina 2 se terão utilizado principalmente peixes de pequeno tamanho na produção de determinados preparados, sendo de assinalar alguma semelhança entre os tamanhos observados em duas das amostras analisadas (T5 [233] _2658 e T1 [233] _2658), e outras encontradas no NARC (amostras 8 e 12) (Figura 7).
Como pode ver-‐se no gráfico, em todos os estudos de caso conhecidos se observam variações de tamanho entre as amostras analisadas. No caso da C.G.T.Belém (Gabriel et al. 2009), parece existir uma tendência para espécimes de maior tamanho (100-‐200mm), que os encontrados, por exemplo, no N.A.R.Correeiros (71-‐178mm), no M.Chinês (82-‐130mm), e em Tróia (amostras T5 e T1: 87-‐159mm) (Figura 7).
Porém, é evidente, até do ponto de vista gráfico, a dissemelhança na distribuição dos tamanhos de sardinha encontrados na amostra T9 de Tróia (199-‐262mm), relativamente às outras conhecidas no território português (Figura 7). Esta singularidade reveste-‐se de particular interesse, por ser esta a única amostra com cronologia distinta dos casos mencionados -‐ correspondendo ao séc. I-‐II (Tabela II).
5.1.1 Critérios de captura
Em Portugal a sardinha encontra-‐se distribuída ao longo de toda a costa, achando-‐se exclusivamente na plataforma continental (20-‐100m profundidade). As sardinhas movem-‐se em cardumes, a espécie vive cerca de 14 anos e pode crescer até 270mm. Contudo, na Península Ibérica, a pesca da sardinha visa sobretudo espécimes juvenis (cerca de 3-‐4 anos) com tamanhos médios entre 140-‐200mm. Na costa portuguesa, as sardinhas atingem os 130-‐140mm após o primeiro ano de vida (Assis e Amaro, 2006).
As sardinhas apresentam vários episódios de desova ao longo do período de reprodução (posturas múltiplas), durante o qual utilizam a gordura armazenada na época de maior disponibilidade de alimento (plâncton) (Quintanilla e Pérez, 2000). Na costa portuguesa a desova de S. pilchardus ocorre principalmente entre Outubro e Maio/Junho, (Carrera e Porteiro, 2003; Coombs et al., 2006; Stratoudakis et al., 2004).
O crescimento da sardinha é menor no Mediterrâneo, e no Atlântico é maior no Canal da Mancha (diminuindo gradualmente para Sul, até ao Norte de Marrocos) (Silva et al., 2008). Na Península Ibérica, verifica-‐se um crescimento sazonal que ocorre entre Fevereiro e Agosto no Norte de Portugal, e entre Abril e Outubro no Sul (Silva et al., 2008).
Devido à sua localização geográfica, a costa Oeste de Portugal é uma região dominada por um regime de upwelling intenso e persistente durante o Verão (Relvas e Barton, 2002; Relvas et al., 2007), que promove a produção planctónica. No entanto, estes períodos de produtividade também podem ocorrer durante o Inverno (Borges et al., 2003).
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Convém, chegando a este ponto, questionar se a diferença nos tamanhos da sardinha detectado nas fábricas da Lusitania corresponde a um critério sazonal ou se, pelo contrário, evidencia uma atividade produtiva orientada para o aproveitamento direto de espécies de maior abundância, e fácil captura durante todo o ano. Ainda assim, volta a ser notória a superioridade dos tamanhos explorados na amostra T9 de Tróia (199-‐262mm) (Figura 8).
É sabido que a pesca intensiva de determinada espécie produz a diminuição do crescimento da biomassa. Se a pressão da pesca se mantém nessas condições, ou aumenta, inevitavelmente passar-‐se-‐á de um crescimento cada vez menor, a uma diminuição clara da biomassa. Relativamente a esta contingência, não é de excluir, como hipótese de trabalho futuro, que a diminuição dos tamanhos da sardinha depois dos séculos I-‐II possa apontar para um cenário de sobrepesca.
Figura 8. Distribuição de tamanhos de sardinha, S pilchardus, encontrada na Oficina 2 de Tróia comparada com a dos tamanhos encontrados em três fábricas da região de Lisboa: Casa do Governador da Torre de Belém (C. Governador T. Belém -‐ GTB); Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros (N.A.R. Correeiros -‐ NARC); e Mandarim Chinês (M.Chinês . MC). As caixas incluem 50% dos indivíduos, e as riscas verticais apontam para os tamanhos máximo e mínimo da
sardinha encontrada em cada amostra.
5.2 Produtos fabricados
Em princípio, qualquer tipo de peixe suficientemente suculento poderia ser utilizado para salga, ou para elaboração de molhos/pastas. Dentro deste último grupo, existem, no entanto, inúmeras variedades (Edmonson, 1987; Ponsich, 1988; Curtis, 1991) cuja identificação é praticamente invisível através da análise arqueozoológica tradicional (Van Neer e Parker, 2008).
Segundo Von den Driesch (1980), a salga pode ser documentada se forem utilizados peixes inteiros, ou bocados que contenham osso. Os autores clássicos, contudo, mencionam vários tipos de salga que conteria poucos ossos, ou nenhum. Esses produtos, fabricados com peixes grandes (principalmente tunídeos), podem ser tetragona, trígona, cubia, e melandrya (Curtis, 1991; Etiene e Mayet, 2002).
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Dentro do grupo dos molhos, o produto designado como hallec é segundo Curtis (1991), e Van Neer et al. (2008), aquele que apresenta maiores possibilidades de ser documentado através dos restos esqueléticos (por conter inúmeros ossos), enquanto os designados como garum, liquamen, e muria constituíam líquidos salgados e bastante limpos quando coados (Curtis, 1991).
O facto de nas amostras analisadas se encontrarem representados os ossos correspondentes ao corpo inteiro de pequenos peixes indica que, provavelmente, estes achados correspondem ao grupo dos molhos, talvez hallec (uma pasta que resulta do processo de produção do liquamen e do garum), ainda que não seja de descartar a possibilidade de os restos recuperados nos tanques materializarem as acumulações originadas com a prensagem do produto da combustagem para obtenção de líquidos filtrados.
De acordo com o autor da Geopónica “O liquamen é produzido da seguinte forma. As entranhas dos peixes são lançados para o interior de um tanque e salgados. Pequenos peixes – especialmente peixe-‐de-‐cheiro, pequenas taínhas, espadilhas, anchovas, ou qualquer outra coisa que pareça ser pequena -‐ são todos salgados da mesma forma, por maceração em espaço fechado” (…)“(…) o garum é produzido a partir desta solução salgada da seguinte maneira. Coloca-‐se uma cesta grande e forte no meio do tanque contendo os peixes acima mencionados, para que os fluxos de garum entrem na cesta. Do mesmo modo, o chamado liquamen é coado através da cesta e removido. O que resta da solução é hallec” (Geoponika, XX, 46 traduzido de Edmonson, 1987).
Com efeito, a presença de ossos muito compactados (como os observados em T5 [233]_ 2658), poderá ser um efeito deste processo de filtragem, durante o qual se poderá ter exercido pressão sobre as matérias depositadas no fundo das cetárias.
É possível que a amostra T1[193]_329 (Tabela II.a), composta maioritariamente por ossos do aparato branquial, possa formar parte da mesma realidade que a amostra T1[193]_2660, adicionando outros elementos (vísceras de peixes de tamanho grande) à grande massa de pequenos peixes.
A mistura de intestinos, e de outras partes de peixes grandes, com pequenos peixes inteiros também é referida pelos autores clássicos na Astronómica e na Geoponika (Martinez, 1992), como forma de diversificação dos produtos elaborados.
De acordo com alguma da literatura existente, a inclusão de vísceras é útil no processo de maturação dos próprios produtos. Jandin (1961), aponta que processo de maceração constitui um processo de autodigestão do peixe, que ocorre graças aos fermentos proteolíticos, sobretudo os presentes no intestino. A este processo digestivo, realizado na presença de um antisséptico que impede a putrefacção (o sal), soma-‐se a fermentação microbiana, atribuída a germes anaeróbicos concretos, que facilita a maturação dos produtos (Grimal e Monod, 1952; Jardin, 1961; Etienne, 1970).
Uma forma de acelerar a maturação dos molhos/pastas podia ser a utilização do fogo (Geoponika, XX, 46 traduzido de Edmonson, 1987). No caso das amostras analisadas, apenas uma (T5 [233]_2658), apresenta indícios de alteração térmica, muito embora seja de admitir que a cor observada possa ser causada pela própria cor dos líquidos que envolviam os restos.
Relativamente aos outros ossos de peixe recolhidos nos níveis de lixeira, o seu significado é indefinido. Se, por um lado, estes restos podem ser lixos resultantes de consumo, também é viável a sua utilização na produção conserveira (utilizados inteiros, ou partidos em fracções mais pequenas).
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A presença de marcas de corte, observada nalguns dos elementos vertebrais analisados, indica a manipulação das carcaças. Contudo, só um estudo sistemático destes sinais poderá ajudar a perceber se essa preparação se destina a dividir o corpo em partes mais pequenas, ou resulta da obtenção de filetes com vista à produção de outros preparados (nomeadamente a salga).
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6. CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS DE INVESTIGAÇÃO
As amostras analisadas indicam que, a sardinha constitui a base dos preparados piscícolas produzidos na Oficina 2 de Tróia, como também acontece noutras fábricas da região de Lisboa.
Embora o ritmo das capturas efectuadas para satisfazer a produção nos séculos I-‐II e IV-‐V seja difícil de solucionar, é evidente a exploração de bancos de pelágicos.
Apesar de, com base nos tamanhos das sardinhas encontradas no interior de uma ânfora Deressel 14, não ser possível afirmar a sobrepesca deste recurso numa fase posterior ao século I-‐II, este tema será constituído como hipótese de trabalho na análise de outras amostras com características semelhantes.
Além da sardinha, da observação preliminar de outras amostras, resulta evidente a abundância de grandes peixes (não documentada noutros estudos de caso em contextos do território português). Uma das prioridades futuras será, sem dúvida, a análise destes conjuntos. Espera-‐se que o seu estudo traga respostas quanto ao tipo de produção realizada, ao mesmo tempo que fornece novos elementos sobre a pesca e a gestão dos recursos piscatórios em época romana.
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