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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
Faculdade Nacional de Direito – FND
Trabalho de Sociologia Jurídica I: MST e a Luta pela Terra
Rio de Janeiro, 2013
Alunos: Ana Carolina Correia
André Luiz G. Silva
Clariana Marques
Sylvio Ferreira
Thaís Trad
Thiago Marques
Pedro Gouvea
Rodrigo Gurgel
Wanny Fernandes
Agradecemos pela contribuição a feitura deste trabalho: a Marcelo de Souza por sua gentileza, paciência e zelo; aos moradores, do assentamento, entrevistados por sua solicitude e aos servidores do INCRA por sua atenção.
PERSPECTIVA HISTÓRICA - MST
Grande parte da população desconhece o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra e suas ações, menos ainda seus objetivos. Em muitos casos
o conhecimento acontece mediante os meios de comunicação em massa, que
deturpam os fatos por interesses escusos, ora rotulado de violento, ora
carregado de pré-conceito, os trabalhadores rurais historicamente sempre
foram e ainda são tratados com descaso no Brasil.
Fernandes (2010, p. 162) salienta que “no Brasil, a luta pela terra avança
alheia à existência ou não de um plano de reforma agrária”. Tal política é
função do Estado, mas constata-se que tal não tem sido competente para
tornar possível esta reformulação da estrutura agrária brasileira. É a partir daí
que no texto de Fernandes (2010) ocorre uma análise do processo de
formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST (cujo
objetivo é a implantação da reforma agrária no Brasil) e das políticas
governamentais implantadas desde a ditadura até o governo Lula.
Em 1964, no regime da ditadura, foi criada a primeira lei de reforma
agrária da história brasileira, conhecida como Estatuto da Terra. Esta lei tinha
por objetivo controlar os conflitos no campo, e não realmente implantar uma
política de reforma agrária. Fernandes (2010) aponta que o MST surge em um
contexto de decomposição do regime militar e de crescente mobilização social
por uma abertura política, tendo como ponto de partida do estudo a formação
do MST e sua territorialidade no Brasil através da luta pela terra, que se dá
pelas ocupações de terra e conquista de assentamentos rurais, e que
[...] a partir das mudanças na organização do MST e no processo de territorialização podem se diferenciar quatro momentos da formação do MST: gestação, consolidação, institucionalização e mundialização. Tais fases foram forjadas tanto por determinação das decisões das instâncias políticas do MST quanto pela mudança na conjuntura brasileira e global. (FERNANDES, 2010, p. 164).
Pode-se, portanto, afirmar que o MST
[...] teve origem na aglutinação de movimentos que faziam oposição ou estavam desgostosos com o modelo de reforma agrária imposto
pelo regime militar, principalmente na década de 1970, o qual priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST declara buscar a redistribuição das terras improdutivas. (SILVA, 2004).
O período de gestação (1979-1984) não representa a fundação oficial do
Movimento, que se deu oficialmente em Cascavel (PR), no dia 22 de janeiro de
1984, e que “um ano depois, em janeiro de 1985, o MST realizou o seu 1º
Congresso Nacional, com representantes de 23 das 27 unidades federativas”
(FERNANDES, 2010, p.166), se organizando em escala nacional. Esses
trabalhadores rurais que fundaram o Movimento eram posseiros, atingidos por
barragens, migrantes, meeiros, parceiros, pequenos agricultores, etc., ou seja,
trabalhadores rurais sem terra para produzir alimentos, que foram:
[...] expulsos por um projeto autoritário para o campo brasileiro, capitaneado pela ditadura militar, que então cerceava direitos e liberdades de toda a sociedade. Um projeto que anunciava a “modernização” do campo quando, na verdade, estimulava o uso massivo de agrotóxicos e a mecanização, baseados em fartos (e exclusivos ao latifúndio) créditos rurais; ao mesmo tempo em que ampliavam o controle da agricultura nas mãos de grandes conglomerados agroindustriais. (http://www.mst.org.br/node/7702).
A consolidação (1985-1989) se caracteriza pela ampliação das ações do
movimento em escala nacional, por meio de seu estabelecimento em todas as
regiões do país e a configuração de sua estrutura organizativa, que enfrentou
grande desafio ao buscar sua autonomia, evitando as relações de
dependência, ao mesmo tempo em que formavam-se alianças políticas, tendo
conseguido a partir do investimento na formação permanente de lideranças
atuando em cada estado
Já a institucionalização (1990-presente) é marcada por seu caráter de
interlocutor de questões da reforma agrária ao governo federal e pelo seu
reconhecimento universal, ao mesmo tempo em que ampliava
[...] sua estrutura organizativa, criando uma rede de cooperativas, escolas, centros de formação e pesquisa e coletivos com diversos eixos temáticos, passando por questões de gênero e cultura à agroecologia e aos direitos humanos. (FERNANDES, 2010, p. 174).
Atualmente, “o movimento recebe apoio de organizações não
governamentais e religiosas, do país e do exterior, interessadas em estimular a
reforma agrária e a distribuição de renda em países em desenvolvimento. Sua
principal fonte de financiamento é a própria base de camponeses já
assentados, que contribuem para a continuidade do movimento” (SILVA, 2004).
INCRA
Reforma agrária é o conjunto de medidas para promover a melhor
distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim
de atender aos princípios de justiça social, desenvolvimento rural sustentável e
aumento de produção. A concepção é estabelecida pelo Estatuto da Terra (Lei
nº 4504/64). O órgão brasileiro responsável pela implementação da reforma
agrária é o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O INCRA foi criado pelo governo federal em 1970 e tem por missão
implementar a política de reforma agrária e realizar o ordenamento fundiário
nacional, contribuindo para o desenvolvimento rural sustentável.
O INCRA implementará a reforma agrária promovendo a democratização
do acesso a terra através da criação e implantação de assentamentos rurais
sustentáveis, da regularização fundiária de terras públicas e gerenciará a
estrutura fundiária do país, contribuindo para o desenvolvimento sustentável,
para a desconcentração da estrutura fundiária, para a redução da violência e
da pobreza no campo e promoção de igualdade.
Visita ao INCRA
O grupo visitou a Sede do INCRA no Rio de Janeiro no dia 23 de janeiro
de 2013. Nessa visita foi entrevistado José Alves Pereira, o qual trabalha na
área administrativa, sendo funcionário do INCRA há 40 anos. A entrevista foi
filmada e consistiu em perguntas que abordavam a relação do INCRA com o
MST e como se dá a atuação do INCRA em relação à reforma agrária.
Segue abaixo a entrevista na íntegra:
Grupo: Qual a relação de vocês com o MST?
José: O MST é um movimento social cuja finalidade dele é a questão
específica da terra. Bem, o INCRA é o único órgão responsável pela reforma
agrária, o único órgão do Brasil, haja vista que tem o Incra central que é
Brasília e mais trinta superintendências que são descentralizadas, pois em
cada estado tem uma superintendência. As vezes tem Estados que tem duas
superintendências.
Grupo: Uma das missões do Incra é contribuir para o desenvolvimento
sustentável, então como é que se dá esse desenvolvimento sustentável?
De que maneira vocês o aplicam, vocês contribuem com ele?
José: Bom, a finalidade mesmo do INCRA, que é o interesse social, é
desapropriar, assentar pra produzir. Esse que é o interesse social do INCRA.
Aí vem a questão do MST, quando o MST ou outros movimentos sociais que
existem no Rio de Janeiro, eu estou falando em termos de Rio de janeiro,
porque tem outros estados que têm maior grupo de movimentos sociais. Nós,
aqui parece que temos três o MST, a Fetag e tem outro ai que eu não lembro,
desde ontem que eu to querendo me lembrar, mas não lembro. Bem, esses aí,
na verdade vem à superintendência, encaminha o documento indicando
algumas propriedades que estejam sem os fins, né? E o INCRA encaminha
técnicos pra fazer a vistoria e verificar se aquela propriedade é produtiva. Se
ela for produtiva, infelizmente, foge à condição do INCRA de desapropriar. Se
ela for improdutiva e der o laudo técnico acenar pra desapropriação, aí tem
todo um processo administrativo pra chegar na desapropriação.
Grupo: Recentemente, o INCRA vem passando por uma mudança em sua
atuação, como por exemplo, algumas coisas serão feitas pelo projeto
"Minha casa, Minha vida", tem outro chamado "água para todos", então
isso vai deixar de ser uma competência do INCRA. Então, o presidente do
INCRA falou que a partir do momento que o assentamento é emancipado,
o INCRA deixa de ter responsabilidade com esse assentamento, então
ficamos com uma dúvida. Porque quando vocês falam que contribuem
para o desenvolvimento sustentável seria na medida em que a partir do
momento em que esse assentamento é emancipado ele dará por conta
própria como vai ser esse desenvolvimento, ou vocês têm algum
programa, alguma parceria, algum projeto pra que continue tendo esse
desenvolvimento sustentável dentro do assentamento?
José: Essas mudanças, hoje só ainda está em termos de mídia. Você vê o
seguinte, o INCRA tem um programa de assentamento aí que é construção de
casas que o INCRA descentraliza um recurso pra que seja construído casas.
Essa questão específica que você colocou com relação ao projeto se
emancipar e fugir a responsabilidade do INCRA, porque na verdade o INCRA já
cumpriu o papel dele que é selecionar, assentar e dar condições pra que eles
andem com seus próprios pés, uma vez eles estando emancipados, a partir daí
eles já começam fazer a comercialização dos produtos e novas áreas o INCRA
tem que partir, pra novos assentamentos. Então, essa é a razão que ele
colocou que o INCRA, a partir do momento que ele emancipa, eles perdem a
questão dele tá dando apoio lá naquela área. No todo, isso aí no papel
continua, muitas das vezes, a mesma coisa, os mesmos problemas, porque o
INCRA não dá a terra. Chega dez anos o INCRA começa a cobrar e eles
começam a pagar, quando eles terminam de pagar eles querem o título
definitivo, eles querem a certidão de quitação, eles querem toda essa
documentação para que seja definitivo deles. E, aí é quando o projeto estaria
livre pra cada parcela ser negociada da maneira que eles entenderem.
Grupo: Vocês acham ruim a imagem de vocês ser vinculada com a do
MST?
José: Não. Porque, veja bem o MST é um movimento social que luta, tá certo?
Entre aspas ele luta pra que ele adquira a terra e assente aquelas pessoas que
eles dizem injustiçadas. Então, quer dizer, não existe uma imagem, existe o
INCRA que tem o poder de desapropriar e eles que tem, também o poder de
brigar pra que sejam assentados. Não existe uma vinculação, existe uma
negociação entre as duas entidades.
Grupo: Pode se dizer que tem uma negociação pelo fato do MST
denunciar aquilo que o INCRA vai tentar solucionar?
José: Exatamente, vamos dizer um projeto, onde está pra ser destribuido
crédito e vai demorando, demorando, o que o MST faz? Cria-se o movimento
pra trazer pra sede pra cobrar do governo, porque o superintendente está
investido do governo do estado. Eles vem aqui, justamente esses
acampamentos que eles fazem é uma cobrança de alguma coisa que eles
querem fazer.
Grupo: O INCRA, até o momento do assentamento ser emancipado dá
algum apoio financeiro ou ele só entra mesmo com essa questão de
assentar?
José: Não, ele não dá o apoio financeiro. O que ele faz, na verdade desde a
ocupação, porque hoje nós temos bastante pessoas acampadas na beiras das
estradas, na beira da fazenda, então essas pessoas quando estão acampadas
o INCRA tem um projeto de fornecer cesta básica até que saia a
desapropriação pra pegar aquele pessoal ali e selecionar pra assentar em
algumas áreas.
Grupo: Vocês mandam material de construção também?
José: Também, nós temos aquele outro projeto que eu falei inicial, onde o
INCRA vai nos projetos, faz o levantamento das parcelas que não tem casa,
porque muitas dessas pessoas já fazem com seus próprios recursos, só
aqueles que não tem o INCRA seleciona, faz um projeto, faz uma licitação com
apoio da associação da área e essa licitação com a fiscalização do INCRA da
compra até a aplicação do material que será usado na construção da casa.
Grupo: Como se dá a negociação quando o MST ocupa a sede do INCRA?
José: Quando eles ocupam a sede é com uma pauta que eles entendem que o
INCRA tem condições de atender. Qual é a negociação daquela pauta? Se
reúne as divisões do INCRA, as divisões, cada uma, atende aquela pauta que
eles estão colocando, se apresenta ao superintendente e se faz um acordo,
onde encerram-se as negociações. É mais ou menos isso.
VISITA AO ASSENTAMENTO ROSELI NUNES
A feitura do presente trabalho consistiu, primeiramente, em diálogos entre o grupo e o coordenador do assentamento, de nome Marcelo, via telefone e em momento posterior em uma visita in loco ao assentamento Roseli Nunes, onde cuidamos de entrevistar quatro famílias assentadas na localidade, além de comunicar-nos com alguns assentados na condição de transeuntes em nossa caminha pelo o assentamento.
Os passos iniciais, rememoram-se a data de nove (09) de Janeiro de dois mil e doze (2012), momento quando iniciamos o contanto com coordenador, do assentamento, com a finalidade de mapearmos e elucidarmos informações acerca da localização e da forma de locomoção para tal localidade, além de confirmarmos data de reciproca disponibilidade do grupo e do coordenador. A visita ao assento foi marcada, naquele momento, para o dia dezenove (19) de Janeiro de dois mil e doze (2012).
No dia dezoito (18) de Janeiro de dois mil e doze (2012), empreendemos novo diálogo, via telefone, com o coordenador, objetivando uma confirmação de nossa visita no dia (19) de Janeiro de dois mil e doze (2012). A confirmação ocorreu de forma efetiva, acordamos com coordenador o horário de 06:00h AM para nos encontrarmos na rodoviária de Piraí, onde esse nos conduziria até ao local do assentamento.
Em dezenove (19) de Janeiro de dois mil e doze (2012), empreendemos viagem para Piraí; de pronto cuidamos de enxergar que a cidade é composta e mantida particularmente por seus aspectos rurais, haja vista que o espaço
geográfico da mesma e mitigado e ao seu entorno encontram-se diversos espaços agrícolas. Ao chegarmos a Piraí, contatamos Marcelo; este logo nos elucidou sobre a forma de transporte utilizado para chegarmos ao assentamento, ao qual fizemos uso; assim como a nossa boa parte dos passageiros, ali presentes, a finalidade não era transitar em meio urbano, mas, sim, de transportar-se para o âmbito rural na qual boa parte da população desta cidade reside.
A parada do ônibus para o acesso ao assentamento utiliza como referência o marco quilométrico da Rodovia Federal Presidente Dutra (BR-116), percebemos e conforme relatos posteriores que o acesso ao transporte é arriscado, haja vista que para migrar para âmbito urbano, necessita-se atravessar a rodovia, sempre movimentada, motivo de grande desgosto é dizer que neste espaço já foram alvo de trágicos acidentes diversos moradores do entorno.
Da inicial chegada ao ambiente rural, iniciamos caminha de alguns quilômetros , para então, chegarmos ao assentamento propriamente dito. No primeiro momento depreendemos empiricamente que as condições de vida são precárias e que a estrutura tanto de moradia quanto de acesso a serviços de água, luz ou telefone são, claramente, complicadas.
Em nossa caminhada até o assentamento, o coordenador, cuidou de elucidar questões algumas questões acerca da história, da composição interna familiar dos assentados, da produção agrícola e animal no assentamento, da dificuldade no empreendimento da ocupação, da história, da importância da ocupação para os moradores e etc.
Empreendemos breve passagem na residência inicial do assentamento, que, por ora, é a única a qual é fornecido energia elétrica, esta é, portanto, local de depósito da produção, haja vista que alguns necessitam serem conservados em aparelhos de refrigeração.
Logo após a breve passagem por tal residência, iniciamos a caminha pelo assentamento, momento em que visitamos e entrevistamos a casa da senhora Luciane, da senhora Claudete e da senhora Cida.
Dados técnicos do assentamento, fornecidos por Marcelo:
1) Espaço geográfico do assentamento ocupado Município Piraí a 80 km da cidade do Rio de Janeiro, localizado na região do Vale do Paraíba.
2) Dimensão Por volta de 1058 hectares.
3) Número de famílias
39 famílias.4) Composição das famílias
Em média 2 filhos por família.5) Histórico do assentamento
Início da ocupaçãoA iniciativa ocorreu em 2005 com trabalho de base (convite às famílias para reforma agrária - avaliação do momento de ocupação - infraestrutura - organização). Em 8 de março de 2006 ocorreu a ocupação.
Número de participantes inicial80 famílias participaram inicialmente, devido ao despejo algumas desistiram.
Proprietário inicialCESBRA (grupo Brascan) - Companhia Estanífera do Brasil
RepressãoNão houve repressão, porém ocorreu um despejo no meio de 2006, onde os assentados tiveram que se assentar na beira da estrada.
Efetivação do assentamentoFinal de 2006.
Abaixo se encontra relatado o exato teor das entrevistas travadas especialmente com Marcelo e Luciene, principais fontes de informação:
ENTREVISTA COM MEMBROS DO MST
Entrevistado: Marcelo.
Grupo: Primeiramente, qual o seu nome?
Marcelo: Marcelo
Grupo: Marcelo você é do movimento, fala um pouco para a gente como
se estrutura o movimento, o trabalho de base, para vocês formarem o
assentamento?
Marcelo: O trabalho de base é um dos momentos mais importantes do
acampamento, que é o inicio da organização que vai resultar possivelmente na
desapropriação. O trabalho de base serve para organizar as famílias tanto
politicamente quanto estruturalmente, esse trabalho de base, inicialmente a
gente faz um estudo sobre a questão da historia, um pouco de discussão
política da realidade do campo brasileiro, a realidade da cidade para pode
então a gente saber, o porquê da gente estar fazendo essa futura ocupação e
juntamente com isso a gente também vai avaliando o momento certo para fazer
essas ocupações. A outra parte é para organizar as estruturas do
acampamento, a gente junta um monte de gente leva para uma área para
poder então reivindicar a desapropriação, a gente aproveita para ver as
questões de materiais, porque a gente tem que montar barracos, então para
montar barraco requer lona, arame, ferramentas para furar buracos para fincar
algumas coisas, requer muitas ferramentas e também alimentação para os
primeiros dias e isso tem que ser discutido com as famílias.
Grupo: Seriam essas as reuniões inicias para estabelecer a forma como
vai iniciar o movimento?
Marcelo: É como vai se da à organização
Grupo: Fala um pouco sobre os coordenadores, como são estabelecidos
os coordenadores?
Marcelo: Então, o trabalho de base não tem a só a intenção de juntar as
pessoas e levar para uma área, a intenção é organizar porque você não pode
pegar um grupo e levar para uma determinada área, se não você vai causar
tumulto, pode causar confusão, você precisa então organizar de forma as
pessoas entenderem que estão convivendo com outras pessoas, então que vai
te que ter algumas regras básicas, por exemplo a questão de bebidas, a
questão de você xingar, relacionado a questão de vestes e tudo mais, então a
gente estabelece varias regras.
Grupo: Para manter um grupo coeso.
Marcelo: Para manter o grupo coeso, com objetivo e foco claro no que a gente
quer e ai então a gente tira as coordenações, geralmente a gente aproveita
esse trabalho de base para então organizar os grupos de famílias, os núcleos
de famílias, que nesses núcleos vão ser tirados coordenadores para coordenar
esse grupo e também vai tirar pessoas responsáveis pela saúde e também o
setor de educação, porque vai criança, famílias para o assentamento, então as
famílias precisão chegar nesses locais e procurar escola, secretario de
educação e a produção também, a produção é responsável de organizar a
produção internamente para o acampamento e para o futuro assentamento,
porque ai a gente pode produzir nossas próprias verduras, legumes e não ficar
dependendo de doações para viver, então os núcleos e os coordenadores é
responsável de manter as famílias organizadas, participando de reuniões e ai
por diante.
Grupo: O que precisou para se efetivar, por que a primeira etapa é o
acampamento, momento posterior é o assentamento, a concretização da
ocupação, o que precisa qual o processo para efetivar, essa passagem do
acampamento para o assentamento?
Marcelo: Então isso é um historia meio complicada, pois se prende nessas
questões de terminologia, mas tudo bem, um dos primeiros passos para se
efetivar o assentamento foi à ocupação, o outro é no decorrer desse período a
gente continua fazendo luta, porque a gente não ocupa a área e sai, aqui foi
meio que uma exceção, em muitos lugares nesse período do acampamento
para o assentamento, tem que fazer muita luta ainda, ocupa muito o INCRA,
ocupa prédios públicos e tudo mais e daí então essas são algumas das coisas
que precisamos fazer para efetivar os assentamentos. E assim a gente fala
assentamento porque a área institucionalmente, ela esta sendo liberada, mas a
assim em tese nos continuamos em condições de acampamentos, vocês
rodaram por aqui e viram as condições das moradias das famílias, então isso
são só termos técnicos que eles usam para dizer que se uma área esta
liberada ou não, isso não quer dizer que as condições de uma para outra sejam
tão diferentes assim, vai ser com o decorrer do tempo.
Grupo: Hoje em Minas Gerais, qual você diria que são as principais
necessidades dentro do assentamento?
Marcelo: Não têm como a gente colocar quais são as principais necessidades,
porque uma coisa está ligada a outra. Por exemplo, a gente precisa de
habitação e energia e, com relação a isso, não dá para gente dizer o que vem
primeiro, mas a gente precisa disso junto. A gente precisa tanto da habitação
quanto da energia elétrica, porque a energia elétrica é um grande fator para
impossibilitar a gente de produzir muitas coisas, a energia elétrica é bem
essencial. Mas, assim, essa questão das máquinas, há coisas para você
produzir, as pessoas produzem, mas produzem com limitação. A partir do
momento em que a gente puder ter algum tipo de máquina, trator, passadeira,
a gente avança na produção.
Grupo: Em sua opinião, qual seria uma possibilidade de mudança, um
incentivo governamental, ou uma mudança nas linhas de créditos para os
assentados?
Marcelo: Então, assim, para a gente seria necessário primeiro,
burocraticamente e institucionalmente, consolidar o assentamento e isso nos
possibilita a ter acesso à crédito em bancos, em financeiros e tudo o mais.
Acho que, então, seria essa questão da consolidação, da formalidade, do
burocrático e do institucional do assentamento. A gente fazendo isso a gente
vai conseguir avançar muito.
Grupo: Se você pudesse pedir em nome do assentamento, porque não se
tem essa ideia consolidada do assentamento.
Marcelo: Assim, formalmente ainda faltam alguns passos a serem concluídos
internamente no INCRA, para a gente consolidar o assentamento, para a gente
ter direito a esses créditos.
Grupo: Agora você falou do INCRA, tem algum grande problema do
assentamento com o INCRA?
Marcelo: A relação com o INCRA, ela é meio complicada, porque nos temos a
tarefa de cobrar do governo federal cumpra o seu papel de governo do
executivo e eles da forma como se encontram, muito limitado nas suas
questões técnicas, pessoal, burocrático, eles tem um grande limitador na
questão burocrática, eles não conseguem cumprir o rito burocrático para da
agilidade no procedimento, tanto na desapropriação e na consolidação do
assentamento.
Grupo: Então nessa perspectiva, a reforma agrária, na visão do
movimento é muito defasada no Brasil?
Marcelo: Ela tem sérios problemas, relacionado à composição política a
sociedade posta, esse conflito de interesses, nesse conflito, quem perde é a
política de reforma agrária, o agronegócio hoje é muito forte, ele hoje, nessa
questão da ocupação do poder publico eles são muito fortes, no congresso
nacional eles são maioria, eles são nomeados para esses cargos de alto
escalão do governo federal, tem muito lobista na câmera, porque, por exemplo,
tem diversas empresas, como a Bayer, tem todo esse grupo que
pressiona ,investe na campanha eleitoral, investe no governo federal para
poder eleger essas pessoas, em contra partida essas pessoas tem obrigação.
Entrevistada: Luciene
Grupo: Qual o seu nome?
Luciene: Luciene.
Grupo: Você mora aqui a quanto tempo?
Luciene: Vai fazer seis anos aqui no rio e nessa área quatro anos.
Grupo: Você mora com quantas pessoas?
Luciene: Eu, meu esposo e minhas duas filhas.
Grupo: Elas estudam?
Luciene: Estudam no Varjão.
Grupo: A escola fica longe?
Luciene: Fica, mas tem o transporte que gratuito que leva e trás.
Grupo: E a questão da saúde?
Luciene: Não tenho do que me queixar, em uns 15 dias somos atendidos no
posto, se for alguma coisa mais detalhada temos que ir pra Piraí e demora uns
30 dias para ser atendido.
Grupo: Vocês sofrem algum tipo de preconceito?
Luciene: Quando falamos que somos sem terra as pessoas já acham que
somos invasores, por isso sofremos com o preconceito, não dão muita atenção
para o movimento e preferem as críticas.
Grupo: E a produção que vimos como funciona?
Luciene: Temos galinhas, patos, muitos porcos, cavalos e bois, um pouco de
cada animal e ainda temos uma grande variedade de hortaliças.
Grupo: E a produção é para a subsistência?
Luciene: Sim e o que sobra vendemos para quem quiser comprar.
Grupo: E como vocês constroem as casas?
Luciene: O INCRA libera os materiais algumas vezes, para a minha família
mesmo já estão chegando materiais para a minha casa,é a realização de um
sonho.
Grupo: Qual o sentimento de conseguir o assentamento?
Luciene: Foi um sonho concretizado, eu vim de um acampamento do Paraná e
aqui no assentamento cada um tem seu lugar fixo ao invés de várias barracas
uma amontoada na outra como é no acampamento.
Grupo: E a energia elétrica?
Luciene: Aqui ainda não tem, mas esse ano está para chegar.
Grupo: Qual o meio de transporte de vocês para ir até a cidade?
Luciene: Aqui dentro não tem, para pegar o ônibus temos que andar até a
Dutra, e a caminhada até a Dutra muitas vezes não compensa a viagem.
Grupo: E as compras do mercado e Gás?
Luciene: Isso tudo eles entregam aqui no acampamento, é só pedir.
Grupo: E a correspondência?
Luciene: Aqui não existe.
Grupo: E a questão da água?
Luciene: Nossa água vem de uma mina de 600m e vem por uma borracha até
as torneiras do banheiro e da cozinha.
Grupo: E como é a vida das crianças no assentamento?
Luciene: Elas brincam bastante, elas gostam daqui.
Grupo: O movimento para você é um meio de realizar um sonho?
Luciene: Claro!, a dez anos que eu estou no movimento e consegui realizar o
sonho de ter uma casa.
Grupo: Como era o acampamento no Paraná?
Luciene: O acampamento sofreu muito com os latifundiários, o acampamento
era em cascavel, La era o maior acampamento e toda hora os latifundiários
mandavam os pistoleiros dar tiro no acampamento.
Grupo: E a polícia não interfere?
Luciene: Mesmo chamando a polícia eles não faziam nada e achavam que nós
é que estávamos errados.
Grupo: E como é a vida aqui no assentamento?
Luciene: Aqui não tem esses conflitos, é muito sossegado.
Grupo: Como foi a história do “KENON”?
Luciene: Ocupamos a área da “Singenta” que meche com manipulação de
sementes e agrotóxicos, os latifundiários entraram de noite e mataram nosso
companheiro “Kenon” e deixaram outras pessoas feridas. Eu já não estava
mais lá e mesmo com esse episódio nós não entregamos as terras e acho que
o local já virou um assentamento.
Referências bibliográficas
FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação e territorialização do MST no
Brasil. In: CARTER, Miguel (org.). Combatendo a desigualdade social: o
MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 161-
198.
Sites Utilizados:
http://www.mst.org.br/node/7702. Acesso em 26 de janeiro de 2013.
http://www.incra.gov.br. Acesso em 24 de janeiro de 2013.