Trabalho Tempo Livre e Lazer - Camila Lopes

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  • 7/21/2019 Trabalho Tempo Livre e Lazer - Camila Lopes

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    UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    MESTRADO EM ENGENHARIA DE PRODUO

    CAMILA LOPES FERREIRA

    TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER:

    uma reflexo sobre o uso do tempo da populao brasileira

    DISSERTAO

    PONTA GROSSA

    2010

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    CAMILA LOPES FERREIRA

    TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER:

    uma reflexo sobre o uso do tempo da populao brasileira

    Dissertao apresentada como requisitoparcial obteno do ttulo de Mestre emEngenharia de Produo, do Programa dePs-Graduao em Engenharia deProduo, Universidade TecnolgicaFederal do Paran, rea deConcentrao: Conhecimento e Inovao.

    Orientador: Prof. Dr. Luiz Alberto Pilatti

    PONTA GROSSA

    2010

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    Durante este trabalho...As dificuldades no foram poucas...Os desafios foram muitos...Os obstculos, muitas vezes, pareciam intransponveis.Muitas vezes me senti s, e, assim, o estive...O desnimo quis contagiar, porm a garra e a tenacidadeforam mais fortes, sobrepondo esse sentimento, fazendo-me seguir a caminhada, apesar da sinuosidade docaminho.Agora, ao olhar para trs, a sensao de dever cumpridose faz presente e posso constatar que as noites de sono

    perdidas, o cansao, os longos tempos de leitura,digitao, discusso, ansiedade em querer fazer e aangstia de muitas vezes no o conseguir, por problemasestruturais; no foram em vo.Aqui estou, como sobrevivente de uma longa batalha,porm muito mais forte, com coragem para mudar aminha postura, apesar de todos os percalos...

    A cada vitria o reconhecimento devido ao meu Deus,pois s Ele digno de toda honra, glria e louvor.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo a todas as pessoas do meu convvio que acreditaram econtriburam, mesmo que indiretamente, para a concluso desse estudo.

    Aos meus pais Clia Accia e Antonio Carlos, por terem feito o possvel e o

    impossvel para me oferecerem a oportunidade de estudar, nunca deixando que as

    dificuldades acabassem com os meus sonhos, serei imensamente grata.

    Aos meus irmos, por terem sentido junto comigo, todas as angstias e

    felicidades, acompanhando cada passo de perto. Pelo amor, amizade e apoio

    depositados, agradeo de corao.

    s minhas filhas, que embora no tivessem conscincia da importncia

    dessa conquista, aceitaram a minha ausncia quando necessrio e iluminaram de

    maneira especial os meus pensamentos me levando a buscar mais conhecimento.

    Professor Pilatti, chegamos ao fim. Meu orientador e organizador dos meus

    pensamentos mais desconexos, um muito obrigada especial pelo seu incentivo,

    carinho e, acima de tudo, pacincia.

    Aos meus amigos e familiares, relegados a segundo plano por conta da vida

    de mestranda, mas que nunca deixaram de estar ao meu lado.

    Enfim, a todos os que por algum motivo contriburam para a realizao deste

    estudo, agradeo por acreditarem no meu potencial, na minha profisso, nas minhas

    idias, nos meus devaneios, principalmente quando nem eu mais acreditava.

    Sem vocs nada disso seria possvel.

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    Quem mestre na arte de viver distingue pouco entre otrabalho e o tempo livre, entre a prpria mente e o prprio corpo,entre a sua educao e a sua recreao, entre o seu amor e asua religio. Com dificuldade sabe o que uma coisa e outra.Busca simplesmente uma viso de excelncia em tudo que faz,deixando que os outros decidam se est trabalhando oubrincando. Ele pensa sempre em fazer ambas as coisas aomesmo tempo.

    (DE MASI, 2001)

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    RESUMO

    FERREIRA, Camila Lopes. Trabalho, tempo livre e lazer: uma reflexo sobre o usodo tempo da populao brasileira. 2010. 80 f. Dissertao (Mestrado em Engenhariade Produo) Programa de Ps-Graduao em Engenharia de Produo,Universidade Tecnolgica Federal do Paran. Ponta Grossa, 2010.

    A existncia da vida humana est atrelada ao trabalho, tanto na estrutura dasociedade como na formao do sujeito na modernidade. O trabalho causou crisesao longo da histria, valores e categorias foram sendo alterados, exigindo novacaracterizao. Assim, o trabalho teve domnio na estrutura social, at que o tempolivre e o lazer passaram a integr-la. Esse estudo tem como objetivo analisar as

    possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadoresbrasileiros. Para tanto, o procedimento tcnico adotado para a coleta de dados foi oda pesquisa documental. O referido documento trata-se da Pesquisa Nacional porAmostra de Domiclio, desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica no ano de 2005. A partir desse estudo, pode-se perceber a necessidadede se refletir sobre o uso do tempo, seja este livre ou destinado ao trabalho ou aolazer; j que o mesmo contribui de forma direta na produo e na estrutura dasociedade como um todo. Trabalho, tempo livre e lazer so interdependentesmesmo estando em esferas diferentes. Sendo assim, imprescindvel tratar o tempocomo elemento estruturante da vida humana.

    Palavras-chave:Trabalho. Tempo livre. Lazer. Uso do tempo.

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    ABSTRACT

    FERREIRA, Camila Lopes. Work, free time e leisure:a reflexion about the use oftime by The Brazilian population. 2010. 80 f. Dissertation (Master in ProductionEngineering) - Graduate Program in Production Engineering, Federal TechnologicalUniversity of Paran. Ponta Grossa, 2010.

    The existence of the human life is connected to work, as much the structure ofsocietty as the formation of a person in the modernity. Work has caused crisis duringhistory, values and cathegories have been changed, demanding a newcharacterization. This way, work has controlled our social structure, and has reachedthe point that even our free time and leisure started being integrated into it. This

    study has as goal to analyze the possibilities of using the time during The Brazilianworkers free time. Therefore, the tecnical procedure adopted for this data collectionwas a documented research. The referring document is based on a nacionalresearch through some sample residences, developed by The Brazilian Geographyand Statistic Institute, in 2005. After this study, it can be noticed the necessity ofreflection about how the time is used, being it during the free time, the work time orthe leisure one, once time contributes the production and the structure of society in adirect way as a whole. Work, free time and leisure are dependable of each othereven being found in different contexts. This way is essential to deal with time as astructuring element of the human's life.

    Keywords:Work. Free time. Leisure. The use of the time.

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legal..33Grfico 2 Proporo de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam deafazeres domsticos por sexoBrasil2001 e 200546

    Grfico 3Proporo de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculinoque cuidam de afazeres domsticos por sexoBrasil2001 e 2005......................47

    Grfico 4 - Nmero mdio de horas semanais gastas em afazeres domsticos daspessoas de 10 anos ou mais de idade por sexo e cor/raa - Brasil - 2005................52

    Grfico 5 - Proporo de pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas quecuidam de afazeres domsticos por sexo e grupos de idade - Brasil - 2005.............55

    Grfico 6 - Proporo de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuida deafazeres domsticos por sexo e condio na famlia - Brasil - 2005.........................63

    Grfico 7 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos das pessoas de10 anos ou mais de idade por sexo e condio na famlia - Brasil - 2005.................65

    Grfico 8 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos das pessoas de10 anos ou mais de idade por sexo e tipo de famlia - Brasil - 2005..........................66

    Grfico 9 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos das pessoas dereferncia da famlia do sexo feminino por classes de rendimento per capita por etipo de famlia - Brasil - 2005......................................................................................68

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1Horas mdias trabalhadas por ano, em pases selecionados ................. 27

    Tabela 2Jornada semanal de trabalho em pases selecionados ........................... 28

    Tabela 3Horas de trabalho semanais na indstria em pases selecionados......... 28

    Tabela 4Horas de trabalho semanais na indstria em pases selecionados......... 29

    Tabela 5 - Jornada mdia semanal dos assalariados por setor da economia Regies Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas)............................. 32

    Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeresdomsticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regies - 2005 ..... 48

    Tabela 7 - Proporo das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam deafazeres domsticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regies -2005 .............................................................................................................................. 49

    Tabela 8 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos das pessoascom 18 anos ou mais de idade por grupos de idade segundo o sexo e as GrandesRegies -2005 .............................................................................................................. 50

    Tabela 9 Pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeresdomsticos por cor/raa segundo o sexo e as Grandes Regies - 2005 .................. 51

    Tabela 10 - Proporo de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam deafazeres domsticos e nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos por

    cor/raa segundo o sexo e as Grandes Regies - 2005 ............................................ 53

    Tabela 11 - Proporo de pessoas de 10 anos ou mais de idade que realizamafazeres domsticos e nmero mdio de horas gastas na semana em afazeresdomsticos por sexo segundo os grupos de anos de estudo - 2005 ......................... 54

    Tabela 12 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos das pessoascom 18 anos ou mais de idade ocupadas por grupos de idade segundo o sexo e asGrandes Regies - 2005 .............................................................................................. 56

    Tabela 13 - Nmero mdio de horas trabalhadas das pessoas de 18 anos ou maisde idade ocupadas por sexo e grupos de idade segundo as Grandes Regies - 2005...................................................................................................................................... 57

    Tabela 14 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam deafazeres domsticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regies -2005 .............................................................................................................................. 58

    Tabela 15 - Proporo das pessoas de 18 anos ou mais de idade ocupadas quecuidam de afazeres domsticos por grupos de idade segundo o sexo e as GrandesRegies - 2005 ............................................................................................................. 59

    Tabela 16 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que cuidam deafazeres domsticos, total e proporo, por sexo segundo a posio na ocupao -2005 .............................................................................................................................. 60

    Tabela 17 - Mdia de horas semanais das pessoas de 10 anos ou mais de idade nocuidado de afazeres domsticos e mdia de horas semanais das pessoas de 10anos ou mais de idade ocupadas no trabalho principal por sexo - 2005 ................... 61

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    Tabela 18 - Pessoas de 10 anos ou mais de idade ocupadas que iam direto dodomiclio para o local de trabalho, total e sua respectiva distribuio por perodos detempo de deslocamento segundo o sexo e as Grandes Regies - 2005 .................. 62

    Tabela 19 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos dos membrosdas famlias por tipo de famlia segundo o sexo e condio na famlia - 2005 ......... 64

    Tabela 20 - Pessoas de referncia que cuidam de afazeres domsticos por tipo defamlia e nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos da pessoa dereferncia da famlia segundo o sexo - 2005 .............................................................. 67

    Tabela 21 - Nmero mdio de horas gastas em afazeres domsticos da pessoa dereferncia da famlia por tipo de famlia segundo sexo e as classes de rendimentofamiliar per capita - 2005.............................................................................................. 69

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    LISTA DE SIGLAS

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaOIT Organizao Internacional do TrabalhoPPV Pesquisa sobre Padres de Vida

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    LISTA DE ACRNIMOS

    ICATUS International Classification of Activities on Time-Use SurveyONU Organizao das Naes UnidasPEA Populao Economicamente AtivaPED Pesquisa de Emprego e DesempregoPNAD Pesquisa Nacional por Amostra de DomiclioUNIFEM Fundo das Naes Unidas para a Mulher

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ................................................................................................. 142 REFERENCIAL TERICO .............................................................................. 18

    2.1 O DIREITO PREGUIA ............................................................................. 18

    2.2 A REDUO DA JORNADA DE TRABALHO .............................................. 26

    2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER .... 36

    3 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS ............................................. 44

    3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005 ............................ 46

    3.2 A DISTRIBUIO DO TEMPO DESTINADO AOS AFAZERES

    DOMSTICOS NO MBITO FAMILIAR ............................................................. 63

    3.3 TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER ......................................................... 70

    3.3.1 Trabalho ..................................................................................................... 70

    3.3.2 Tempo livre e lazer ..................................................................................... 72

    4 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 75

    REFERNCIAS ................................................................................................... 78

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    1 INTRODUO

    O mundo do trabalho, mesmo sofrendo constantes transformaes, o

    elemento fundamental e estruturante da vida das pessoas. O trabalho contribui para

    a formao e a organizao das sociedades, proporciona a sobrevivncia do homem

    e o aumento do capital, bem como conduz e estrutura as organizaes e as relaes

    sociais.

    Trabalhar inerente condio humana. Para garantir sua sobrevivncia, o

    indivduo depende do seu labor. A estrutura da vida social influenciada pelo

    trabalho; pois, este o componente fundamental da organizao social e interfere

    diretamente na utilizao do tempo dos trabalhadores, fazendo-se necessria a

    compreenso do mesmo.

    A diviso do tempo consequncia da importncia a que se atribuem certos

    valores na vida. Como o trabalho, na maioria das vezes, visto como decisivo nessa

    diviso; em funo do tempo de trabalho, as demais atividades acabam sendo

    secundrias.

    A histria demonstra que, at o final do sculo XIII e incio do sculo XIV,

    no havia separao na utilizao do tempo, pois o tempo de trabalho no era

    tomado inteiramente. Vivia-se um tempo natural, balizado pelos fenmenos da

    natureza (THOMPSON, 1991). A distino entre vida e trabalho deu-se aps a

    Revoluo Industrial, quando o trabalho tornou-se a forma de auferir a vida, mas no

    tendo o significado da mesma.

    O tempo de trabalho pode ser definido como aquele destinado produo

    de meios para a prpria sobrevivncia. Quando este no for o caso, diz-se que o

    tempo livre ou de no trabalho.

    Nessa concepo, percebe-se como fundamental o trabalho na formao

    do tempo livre: o trabalho define o tempo na vida dos indivduos, visto que trabalhar

    viver.

    Antes, o trabalhador detinha o controle sobre o processo de produo e,

    assim, o fazia de acordo com a sua vontade ou as exigncias impostas pela

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    natureza, pois at ento a ideia era trabalhar para atender s necessidades bsicas.

    Com o advento do capitalismo, essa independncia acabou e pode-se observar o

    aumento abusivo da jornada de trabalho.

    Em defesa do direito do trabalhador, diversas vozes ecoaram em diferentes

    perodos da histria. Uma dessas vozes, talvez a mais ressonante, foi a de Paul

    Lafargue. Lafargue escreveu um conjunto de manifestos que, mais tarde, foram

    transformados na obra O Direito Preguia. Na obra, ao se fazer uma anlise da

    sociedade da poca (final do sculo XIX), elaborada uma crtica refinada e

    contundente ao proletariado e ideologia do trabalho no sistema capitalista.

    Lafargue conseguiu reproduzir a preguia e o trabalho e a sua interatividade

    de forma surpreendente, pois o seu manifesto foi de grande sucesso. O texto

    destaca a importncia da reduo da jornada de trabalho, tanto para benefcio dos

    trabalhadores como para diviso das horas trabalhadas por todos aqueles que

    precisam. Na lgica de Lafargue, a superproduo malfica ao prprio trabalhador,

    e este deve lutar pelo direito preguia e pela reduo da jornada de trabalho.

    O capitalismo conseguiu transformar o conceito de tempo, fazendo com que

    esse passasse a ser controlado pelo relgio (THOMPSON, 1991). O tempo passou ater uma conotao dualista: o tempo para produzir e o tempo para recuperar as

    foras para retornar produo, deixando de lado o tempo livre e o lazer. Numa

    leitura marxista frankfurtiana, o tempo tornou-se meramente compensatrio (LENK,

    1972).

    O tempo de trabalho reflexo da luta entre as classes sociais, trabalhadores

    e empregadores, em que aqueles foram obrigados a trabalhar mais para o acmulo

    do capital buscado por estes. Esse sistema instituiu a ideia de que necessriotrabalhar para viver.

    O tempo passou. A histria mudou. A jornada de trabalho foi reduzida e

    legalizada. Entretanto, isso no quer dizer que a reivindicao dos trabalhadores

    tenha acabado, pois os mesmos continuam fazendo parte de uma sociedade que

    ainda impe as suas regras e o trabalho continua precrio, em muitos casos,

    prejudicando a vida do trabalhador.

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    O trabalhador faz parte de uma dimenso social e busca desenvolvimento e

    relacionamento pessoal como fonte de satisfao. Assim, o tempo livre e a

    construo da liberdade so ideais, tambm, a serem conquistados (ROSSO, 1996).

    Faz-se pertinente a interao entre o tempo de trabalho, o tempo livre e o

    lazer, como forma de resgate do tempo, como superao do objetivo do capital e

    dos efeitos do capitalismo. Assim, o tempo livre ou o direito preguia defendido por

    Lafargue podem superar o capitalismo trazendo, ainda, aumento da produtividade

    nas organizaes e melhoria da qualidade de vida e do prprio trabalho.

    O tempo livre, reivindicado por Lafargue, aumentou com as conquistas

    trabalhistas ocorridas ao longo da histria; e, ao mesmo tempo, foi apropriado pela

    indstria cultural, da moda, do turismo, do esporte e do lazer, onde a busca pelo

    consumo tornou-se desenfreada. Porm, para se consumir mais necessrio

    trabalhar mais.

    As ideias construdas por Lafargue, em essncia, so corretas. Nesta

    direo, compreender as transformaes no tempo presente uma necessidade.

    Sendo assim, o objetivo estabelecido para o este estudo foi analisar as

    possibilidades de uso do tempo no espectro do tempo livre dos trabalhadoresbrasileiros.

    Para o alcance do objetivo geral foram definidos os seguintes objetivos

    especficos:

    a) identificar a influncia do trabalho no tempo livre dos trabalhadores

    brasileiros;

    b) avaliar as possibilidades temporais de lazer que so possveis aostrabalhadores em funo de sua jornada de trabalho;

    c) conhecer a forma de utilizao do tempo livre da populao trabalhadora

    brasileira.

    Para o desenvolvimento do estudo, o procedimento tcnico adotado para a

    coleta de dados foi o da pesquisa documental. Para tal, foi utilizada a tcnica da

    reelaborao de material com foco nos objetos da pesquisa.

    O documento utilizado foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio

    (PNAD) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o qual

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    pertence ao Ministrio do Planejamento, Oramento e Gesto atravs de um estudo

    organizado por Cristiane Soares e Ana Lucia Sabia, e publicado em 2007, no Rio

    de Janeiro, atravs da Diretoria de Pesquisas e Coordenao de Populao e

    Indicadores Sociais. As informaes dizem respeito ao uso do tempo relacionado

    aos afazeres domsticos e foram coletadas entre as pessoas de 10 anos ou mais de

    idade totalizando uma amostra de 109,2 milhes de pessoas agrupadas por regio,

    sexo e idade.

    O estudo foi desenvolvido em quatro captulos.

    O primeiro captulo apresenta uma contextualizao ampla do tema, o

    objetivo geral, os objetivos especficos e a metodologia.

    O segundo captulo constitui-se do embasamento terico necessrio para o

    desenvolvimento do estudo em questo. A discusso foi iniciada com o manifesto O

    direito Preguia, escrito por Paul Lafargue em 1883. O manifesto reflete as

    reivindicaes de lazer (preguia, o termo usado por Lafargue tem esta conotao)

    feitas pelas classes operrias nos primrdios do capitalismo. Depois, abordou-se a

    questo das conquistas trabalhistas ao longo da histria. Intentou-se mostrar,

    considerando o aparato legal, as transformaes ocorridas; e, na parte final docaptulo, o lazer, inserido dentro do espectro do tempo livre, tratado na perspectiva

    de Elias e Dunning.

    O terceiro captulo centrado na discusso dos dados da PNAD

    desenvolvida pelo IBGE e, atravs dos mesmos, buscou-se chegar a um esclio

    considervel, com resultados pertinentes sintetizados a partir da realidade estudada.

    So apresentadas consideraes a respeito da relao entre trabalho, tempo livre e

    lazer, que pertencem a um abrangente campo de discusso, envolvendo todas asclasses sociais.

    Na parte final do desenvolvimento apresentada uma sntese dos

    resultados encontrados e sugestes para trabalhos futuros.

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    2 REFERENCIAL TERICO

    2.1 O DIREITO PREGUIA

    Duas mquinas a vapor projetadas por James Watt, instaladas numa mina

    em 1776, produziram as condies para que uma revoluo se efetivasse, a

    Revoluo Industrial. Depois desse momento inicial, o mundo do trabalho foicompletamente transformado. Os processos foram continuamente aprimorados,

    produzindo novas tcnicas de fabricao. A produtividade aumentou com a absoro

    do trabalho humano pelas mquinas.

    Muitos trabalhadores rurais, despreparados para as novas formas de

    trabalho, migraram para os centros urbanos com a iluso de uma vida melhor.

    Encontraram condies de trabalho e vida precrias. Passaram a residir em locais

    sem condies mnimas de higiene e limpeza, a alimentao que consumiam noatendia necessidades mnimas. Com efeito, ocorreu a proliferao de doenas e

    acidentes de trabalho. Para Pilatti (2007, p. 42-43),

    Outros fatores contriburam para tornar o trabalho ainda mais imprprio: afadiga causada pelo excesso de esforo requerido, a falta de higiene einadequao do ambiente fabril, jornadas demasiadamente longas detrabalho. Com efeito, ocorre uma proliferao de doenas e um nmeroelevado de acidentes.

    O aparato jurdico existente, com parmetros pblicos de regulamentaodas relaes de trabalho, torna-se obsoleto, sendo sistematicamentederrubado. A precarizao e aprofundamento da explorao do trabalhadorforam consequncias notrias.

    A revoluo do ao e da eletricidade, ocorrida entre 1860 a 1914, configurou

    a segunda etapa da Revoluo Industrial. Nesta etapa, a substituio da mquina a

    vapor pelo motor a exploso e a adoo da eletricidade como fora propulsora

    possibilitaram a sofisticao dos processos existentes. A especializao do trabalhofoi ampliada. Em paralelo, os trabalhadores passaram, de forma mais organizada, a

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    lutar por melhores condies de trabalho e vida. Surgem entidades representativas

    engajadas nas lutas da classe proletria (CARVALHO, 2004). Ainda que avanos

    nas condies de vida dos trabalhadores tenham sido registrados, a situao lhes

    era muito semelhante s existentes na etapa anterior da Revoluo Industrial.

    Surge neste momento uma voz que ecoou fortemente na defesa deste

    trabalhador colocado em condies precrias e explorado: Paul Lafargue.

    Lafargue nasceu em 1842 na provncia cubana de Santiago de Cuba. Antes

    de completar dez anos foi levado para a Frana, onde concluiu os estudos

    secundrios e, posteriormente, formou-se em medicina. No Quartier Latin, seu

    ambiente de estudos, teve contato com as ideologias positivistas, materialistas e do

    socialismo, de fonte proudhoniano e posteriormente marxista. Em 1865 encontrou

    Marx, conhecendo sua filha com quem trs anos mais tarde veio a se casar. Do

    casamento nasceram trs filhos, todos precocemente falecidos.

    Desgostoso com a medicina, Lafargue envereda para outros setores, entre

    eles e sobretudo, profissionalmente, a poltica revolucionria. Ativista da

    Internacional Socialista, Lafargue foi vrias vezes preso. O folheto que gerou sua

    mais conhecida obra, O direito preguia, publicado entre 16 de junho e 4 de agostode 1880 no Jornal Lgalit , foi terminado no crcere de Sainte-Plagie.

    No final de 1911, Lafargue e Laura, sua esposa, aps um dia aparentemente

    normal, desgostosos com a velhice, suicidaram-se durante a noite. De Masi (2001,

    p. 28), ao comentar sobre a carta deixada para explicar o ato, expe que:

    Muito se discutiu sobre a natureza desse gesto, que sempre me pareceu

    evidente e sobre cujo significado a ltima carta no deixa dvidas: diante danecessidade de renunciar ao cio, diante da perspectiva de se tornar umpeso para os demais, privando-os de seu prprio cio, Lafargue escolhe avia ociosa de ir embora de fininho, junto com a linda companheira a quemsempre amou.

    Outra obra de Lafargue, La rligion du capital (A religio do capital), escrito

    sete anos depois de sua obra mais notria, tambm ecoou entre o pblico de

    esquerda ganhando notoriedade.

    Defendendo o direito preguia como uma espcie de equilbrio existencial,

    Lafargue no contrrio ao trabalho. A leitura de O direito preguia revela, de

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    forma stil, um autor que v no trabalho algo necessrio e que at melhora

    preguia. importante ressaltar que o entendimento de preguia proposto por

    Lafargue tem aderncia a conceitos contemporneos como os de lazer e prazer. As

    aproximaes so evidentes.

    Lafargue objetivou reorganizar a classe operria. Para tanto, acreditava que

    a luta de classes era o motor da histria. Para alcanar seu intento buscou

    conscientizao da necessidade de uma ao revolucionria. Aliou-se a Marx e

    Engels nessa luta, os quais diziam serem operrios revolucionrios franceses.

    O manifesto escrito de forma direta baseia-se em quatro marcos temporais:

    a) O movimento insurrecional popular de 1848, no qual a derrota causou arestaurao da monarquia e no Segundo Imprio de Napoleo;

    b) 1871 com a Comuna de Paris e do nascimento da Terceira Repblica

    francesa;

    c) o Congresso de Haia ocorrido em 1872, onde as lutas entre Marx e

    Bakunin levaram morte a Primeira Internacional;

    d) Congresso imortal de Marselha ocorrido em 1879, no qual proposta a

    criao de um partido socialista revolucionrio da classe operria.

    O intuito de Lafargue no manifesto era atacar a classe burguesa e os

    cristos, os quais santificavam o trabalho. Lafargue enaltecia a preguia,

    descaracterizando-o da forma de um pecado capital. Mesmo declarando-se no

    cristo, fazia analogia conduta de Deus, colocando que Este deu aos seus

    seguidores o exemplo da preguia total: aps seis dias de trabalho, descansou.

    O cenrio que serviu de pano de fundo para os escritos de Lafargue eraabsolutamente precrio. As condies de trabalho inumanas e desiguais. De Masi

    (2001, p. 29-30) faz a seguinte anlise:

    Na poca em que Lafargue escrevia seus artigos sobre o cio, a diviso dotrabalho na Inglaterra era mais ou menos a que fora levantada pelorecenseamento de 1861: uma populao total de 20 milhes, dentre a qual1.098.000 trabalhadores agrcolas e 1.600.000 operrios txteis,metalrgicos e siderrgicos.

    Os privilegiados (aristocratas, grandes herdeiros, empresrios) tinham aoseu servio direto ou indireto 1.200.000 indivduos, entre os quaismordomos, garons, cocheiros, pajens, uma multido imponente e variada

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    de pessoal dedicada exclusivamente a satisfazer os gostos dispendiosos efteis das classes ricas: bordadeiras, rendeiras, estilistas, decoradores,cabeleireiros e esteticistas de todos os tipos. A estes somavam-se militares,policiais e magistrados, burocratas mantidos no cio da improdutividadesatarefada.

    Seguindo a linha de raciocnio proposta por Lafargue, as classes proletrias

    viviam em um mundo inumano de servido para manter os privilgios de uma

    minoria crescente que passou a ganhar dinheiro e reivindicar o lazer como com

    condio para manuteno de seu status. Dois autores notrios, Thorstein Bunde

    Veblen emA teoria da classe ociosa e Eric J. Hobsbawm emA era dos imprios,de

    forma aprofundada mostram como as classes superiores tornaram-se

    crescentemente improdutivas. A improdutividade era, inclusive, uma condio de

    pertencimento de classe.

    Para De Masi (2001, p. 30), a diviso de classes era notria,

    [...] de um lado havia a classe dos operrios, cada vez mais imprensadospelos ritmos da produo industrial, dilacerados na prpria carne e com osnervos arrebentados, obrigados ao papel de mquinas fornecedoras de

    trabalho sem trgua nem remisso, intelectualmente degradados efisicamente deformados pelo esforo e abstinncia a eles impostos. Deoutro lado estava a classe dos capitalistas condenados ao cio e ao prazerforado, improdutividade e ao superconsumo. No meio havia a estupidezastuta dos mexeriqueiros encarregados do desperdcio vistoso dos ricos.

    O cenrio perspectivado por De Masi esmiuado nos escritos de Chaui.

    Para a autora, particularmente nos anos 70 e 80 do sculo dezenove, fruto da longa

    crise econmica francesa, a situao de explorao do proletariado atingia limites

    intolerveis, apontando para necessidade de mudanas urgentes. Para Chaui (2000,p. 23),

    A baixa dos salrios, o aumento do custo de vida, a jornada de doze horas,a dispensa de grandes contingentes de trabalhadores, o deslocamento oufechamento de fbricas, as greves locais ou parciais reprimidas pelas forasda ordem com derramamento de sangue, e as guerras coloniais paraconquista de novos mercados, evidenciavam que era a hora a vez de aclasse operria agir revolucionariamente.

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    No obstante, como denuncia Lafarge, o proletariado permanecia preso nas

    amarras montadas pelo patronato, tendo a cumplicidade de padres, economistas e

    moralistas que discursavam aos trabalhadores com o intuito da manuteno da

    frugalidade, a ausncia de inquietao e a paixo funesta pelo trabalho, levada ao

    limite da capacidade fsica do indivduo. Para De Masi (2001, p. 30-31),

    [...] Enquanto os ricos custodiavam zelosamente o prprio direito ao cio, ospobres, estupidamente, exigiam o direito ao trabalho: uma tortura de quinzehoras por dia na atmosfera insalubre das oficinas, precedidas e seguidaspor longas horas de um penoso deslocamento e pelo breve repouso emmseros casebres.

    Lafargue (2000) no aceitava como os proletrios, apesar das condies

    inumanas a que eram submetidos, deixavam-se dominar pelo dogma do trabalho e

    como este se tornou uma paixo. Da justifica-se a escolha pelo termo preguia,

    uma crtica materialista ao trabalho assalariado ou ao trabalho alienado. O objetivo

    de O direito preguia no era outro que o de conscientizar o proletariado das

    causas e das formas de trabalho na economia capitalista.

    Inicialmente, Lafargue pensou em intitular seu manifesto como direito ao

    lazer ou direito ao cio, mas optou pela preguia; sendo proposto como direito um

    pecado capital. Esse manifesto contra o louvor ao trabalho quando este alienado

    e no distribui os seus benefcios, apenas fortalece a diviso entre as classes e

    aprisiona os trabalhadores. Adicionalmente, busca outra forma de trabalho e outro

    sistema de troca, onde o lucro possa ser dividido entre as classes e a jornada de

    trabalho reduzida.

    Nem mesmo a automao que livrou o trabalhador de seu fardo mecnico

    possibilitou a recuperao do seu tempo livre. O exemplo utilizado por Lafargue para

    evidenciar sua indignao o labor de uma operria ao tear. Enquanto com o fuso

    uma tecel no produz mais que cinco malhas por minuto, alguns teares circulares

    produziam at 30 mil neste tempo. Neste exemplo, a tecel levaria

    aproximadamente 100 horas para alcanar a produo de um minuto da mquina.

    A indignao reside no fato de que a mecanizao existente no final do

    sculo XIX no serviu para a reduo drstica da jornada de trabalho e, por

    extenso, o aumento do cio. Pelo contrrio, a aprimoramento do maquinrio foi

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    acompanhado de um prolongamento injustificado do labor (uma estranha loucura).

    Para Lafargue (2000), o trabalho s ser benfico ao trabalhador e lhe proporcionar

    prazer quando for regulamentado e limitado em trs horas dirias. Neste iderio, o

    autor (2000, p. 71-72) infere que:

    dizer que os filhos dos heris do Terror se deixaram degradar pela religiodo trabalho a ponto de aceitar, aps 1848, como uma conquistarevolucionria, a lei que limitava a doze horas o trabalho nas fbricas; elesproclamavam, como sendo um princpio revolucionrio, o direito ao trabalho.Envergonhe-se o proletariado francs! Somente escravos seriam capazesde tamanha baixeza! [...] E se as dores do trabalho forado, se as torturasda fome se abaterem sobre o proletariado em nmero maior que osgafanhotos da Bblia, foi ele que as invocou. O trabalho que, em junho de

    1848, os operrios exigiam, armas nas mos, foi por eles imposto a suasfamlias; entregaram, aos bares da indstria, suas mulheres e seus filhos.Com suas prprias mos demoliram seus lares; com suas prprias mos,secaram o leite de suas mulheres; as infelizes, grvidas que amamentavamseus filhos, tiveram de ir para as minas e manufaturas curvar a espinha eesgotar os nervos; com suas prprias mos, estragaram a vida e o vigor deseus filhos. Envergonhem-se os proletrios!

    Como se pode perceber, os escritos Lafargue so elaborados com requinte

    atravs dos instrumentos da retrica, a qual quando seguida suas regras, compem

    um texto perfeito, como o caso. Alm desta, a oralidade tambm se faz presente e,

    esse conjunto, capaz de comover e persuadir.

    Esse manifesto vai alm. Seu discurso pode ser comparado a uma violenta

    pardia dos sermes religiosos, pois comea com a religio do trabalho (substituindo

    a leitura do evangelho) e termina com uma orao (atravs de uma invocao

    Deusa Preguia).

    Mesmo o tema sendo o elogio preguia, como condio para odesenvolvimento fsico, psquico e poltico do proletariado, Lafargue (2000) tem

    como pressuposto principal o significado do trabalho no modo de produo

    capitalista, isto , a diviso social do trabalho e a luta de classes.

    O pioneirismo do trabalho de Lafargue est no idear de que a librao do

    trabalhador no se produz com o desaparecimento do capital e dos capitalistas, mas

    com a permisso de livrar-se de sua alma, que o princpio redobrado de sua

    sujeio (MATOS, 2003). Suas ideias so inspiradas em Marx, seja atravs dos

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    Manuscritos Econmicos de 1844 sobre o trabalho alienado e nO Capital sobre a

    anlise do trabalho assalariado.

    Vale ressaltar que Marx e Lafargue apontam o trabalho como uma dimenso

    da vida que pode revelar o homem, pois atravs deste pode-se dominar as foras da

    natureza, satisfazer as necessidades bsicas e exteriorizar a capacidade imaginativa

    e criadora.

    Nesta linha de raciocnio, o trabalho alienado pode ser definido como aquele

    onde o trabalhador no se reconhece como um produtor, sendo desconsideradas as

    suas aptides e habilidades, assim como suas necessidades e pretenses. Para

    elucidar essa questo, o trabalhador pertencente a uma classe social o

    proletariado para sobreviver, trabalha para outra classe social a burguesia

    vendendo sua fora de trabalho ao mercado. Isso alienao, a fora de trabalho

    torna-se uma mercadoria destinada a fabricar novas mercadorias.

    Alm disso, o preo pago por esse trabalho realizado muito baixo e, desta

    forma, os trabalhadores empobrecem medida que produzem riquezas. No s

    isso. Os produtos fabricados pelo trabalhador, muitas vezes, no esto dentro do

    seu padro de consumo. Assim, os trabalhadores so condenados abstinncia dosbens que produzem (LAFARGUE, 2000). Chau (2000, p. 36-37) acrescenta que:

    [...] como os preos dos produtos seguem as leis de mercado impostaspelos capitalistas e como os trabalhadores precisam de muitos dessesprodutos para sobreviver, passam a aceitar as piores condies de trabalho,os piores salrios, a pobreza, a misria, a fome, o frio, a doena para teremo direito ao trabalho, com o que tero salrio para comprar o mnimo daquiloque eles mesmos produziram.

    O embasamento de todo o manifesto d-se atravs do trabalho alienado e

    do trabalho assalariado. Nos panfletos mostrado que os trabalhadores que

    produzem o capital com a superproduo, ao invs de usar racionalmente as

    mquinas, reduzindo a jornada diria de trabalho (pelos seus clculos, a

    necessidade seria de trs horas) e o ano produtivo seria de seis meses.

    Se essa realidade est longe de acontecer, porque os trabalhadores se

    deixaram sobrepujar pela religio do trabalho, acreditando ser este sacrossanto e

    fonte de virtude; quando, na verdade, a causa da misria, a qual cresce na

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    proporo do capital por esta produzido. O Direito Preguia tem duas linhas de

    raciocnio:

    a) a primeira, coloca o trabalho como um vcio e a preguia como a me

    das virtudes;

    b) a segunda, como no possvel acabar com o trabalho assalariado,

    Lafargue prope a reduo da jornada diria de trabalho.

    Isso para que os trabalhadores possam praticar as virtudes da preguia

    e/ou o prazer da vida boa (a boa mesa, a boa casa, as boas roupas, festas, danas,

    msica, sexo, ocupao com as crianas, lazer e descanso) e o tempo para pensar

    e fruir da cultura, das cincias e das artes. (CHAU, 2000, p. 45).

    Lafargue retorna no tempo expondo que, na Antiguidade, o trabalho era

    desprezado e o cio valorizado. Em sua obra, encontram-se as ideias defendidas

    por Aristteles, que acreditava que as mquinas poderiam substituir o trabalho

    humano e no mais haveria necessidade de escravos. Pode-se dizer que essas

    ideias tornaram-se parcialmente verdadeiras, pois a mquina substituiu a fora do

    trabalho, mas a libertao do homem no ocorreu.

    Para que isso tivesse acontecido, infere Lafargue (2000), os trabalhadores

    precisariam ter seguido as afirmaes apresentadas no manifesto; entretanto, o

    teste do tempo mostrou que a luta pelo direito ao trabalho continuou, atravs de

    reivindicaes por uma jornada de oito horas dirias, por um salrio mnimo, por

    frias, aposentadoria e, at, seguro desemprego.

    O mundo do trabalho passou a ser administrado atravs da organizao

    cientfica, que manteve o controle do trabalhador. O tempo livre reivindicado por

    Lafargue para s virtudes da preguia, em alguma medida, aumentou com as

    conquistas auferidas no curso da histria. As formas de apropriao deste tempo

    foram sofisticadas e parcialmente apropriadas pela indstria cultural, da moda, do

    turismo, do esporte e do lazer.

    Para Lafargue, a entrega dos trabalhadores, ingnua e impetuosamente, ao

    vcio do trabalho, gerou uma produo que transcendeu as necessidades,

    produzindo uma crise, a crise da superproduo.

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    A burguesia, ao mesmo tempo que perdeu muito pouco com as conquistas

    trabalhistas adquiridas no curso longo da histria, ganhou e muito com invisibilidade

    conquistada em relao a dominao de classe e a explorao. O trabalhador

    continuou com o livre arbtrio de vender seu trabalho, e esta caracterstica

    despersonaliza a explorao antes notria.

    2.2 A REDUO DA JORNADA DE TRABALHO

    No decorrer da histria, a jornada de trabalho aumentou consideravelmente,

    chegando ao limite da capacidade do trabalhador com a Revoluo Industrial e a

    consolidao do regime capitalista.

    Maior tempo livre uma reivindicao feita h muitos e muitos anos; a luta

    pela reduo da jornada de trabalho teve sua primeira manifestao notria em

    1866, atravs do Conselho Internacional dos Trabalhadores em Genebra.

    Marx (1983, p. 211), na obra O Capital, defende de maneira veemente a

    reduo da jornada, apontando que:

    Em seu impulso cego, desmedido, em sua voracidade por mais trabalho, ocapital atropela no apenas os limites mximos morais, mas tambm ospuramente fsicos da jornada de trabalho. Usurpa o tempo paracrescimento, o desenvolvimento e a manuteno sadia do corpo. Rouba o

    tempo necessrio para o consumo de ar puro e luz solar. Reduz o sonosaudvel para concentrao, renovao e restaurao da fora vital e tantashoras de torpor quanto a reanimao de um organismo absolutamenteesgotado torna indispensvel [...]

    A partir de reivindicaes como estaS, que conquistas foram acontecendo.

    Economizar tempo de trabalho aumentar o tempo livre, isto , o tempoque serve ao desenvolvimento completo do indivduo. O tempo livre para adistrao [...] transformar naturalmente quem dele tira proveito em umindivduo diferente [...] (MARX, apud DUMAZEDIER, 1994, p. 47).

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    Desde o capitalismo (ou antes disso), a reivindicao pela diminuio do

    tempo de trabalho foi uma constante nas reivindicaes trabalhistas. Para Guedj e

    Vindt (1997, p. 14):

    [...] um fato marcante na histria do tempo de trabalho , sem dvida, aformidvel resistncia sua reduo, comeando pelo patronato. Entre asrazes disso destacam-se: a busca do lucro mximo; a necessidade deisolar os assalariados (antigos artesos ou camponeses) de seu meio deorigem e de lhes impedir uma atividade e, portanto, um rendimentocomplementar; a desconfiana sobre como os trabalhadores utilizariam otempo livre; e a oposio, por princpio, interveno do Estado no que seconsidera ser assunto privado.

    Atravs de greves, rebelies e reivindicaes, os trabalhadores, aos poucos,

    foram conquistando o seu espao perante seus patres e objetivos foram sendo

    alcanados.

    Segundo Turino (2005), a primeira limitao da jornada de trabalho

    aconteceu na Inglaterra em 1802 sendo estabelecido o limite mximo de 12 horas

    dirias. J na Frana, essa mesma limitao aconteceu na primeira metade do

    sculo XIX. Em 1947, na Inglaterra a jornada mxima foi reduzida para 10 horas

    dirias. Somente em 1919, depois de muita reivindicao junto a sindicatos e

    discusses entre patres e empregados, atravs da Conveno nmero 1 da OIT

    que ficou estabelecida a jornada semanal de 48 horas.

    Para melhor contextualizao, seguem as tabelas na sequncia:

    Tabela 1Horas mdias trabalhadas por ano, em pases selecionados

    PasAno

    1870 1913 1938 1950 1970 1979

    Alemanha 2.941 2.584 2.316 2.316 1.907 1.719

    Austrlia2.945 2.588 2.110 1.838 1.755 1.619

    ustria 2.935 2.580 2.312 1.976 1.848 1.660Blgica 2.964 2.605 2.267 2.283 1.986 1.747Canad 2.964 2.605 2.240 1.967 1.805 1.730EUA 2.964 2.605 2.062 1.867 1.707 1.607Frana 2.945 2.588 1.848 1.989 1.888 1.727Holanda 2.964 2.605 2.244 2.208 1.910 1.679Itlia 2.886 2.536 1.927 1.997 1.768 1.566 (a)Japo 2.945 2.588 2.391 2.272 2.252 2.129R. Unido 2.984 2.624 2.267 1.958 1.735 1.617Sucia 2.945 2.588 2.204 1.951 1.660 1.451

    Fonte: Adaptada de Bosch, Dawkins e Michon (1994, p. 8 apudDIEESE, 2010).Nota: (a) refere-se ao ano de 1978.

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    Tabela 2Jornada semanal de trabalho em pases selecionados

    Pas

    Ano

    1979 1983 1989 1992 1994 1998

    Austrlia (a) 35,5 34,6 33,1 33,0 33,2 ---

    Alemanha (b) 41,9 40,5 40,1 39,0 38,3 ---

    Canad (b) --- 32,4 31,7 30,5 30,6 (c) ---Chile (a) --- 42,4 44,3 44,7 45,3 43,9Coria (a) 50,5 52,5 49,2 47,5 --- ---Espanha (a) 41,9 39,1 37,4 36,8 36,8 36,7EUA (b) 35,7 35,0 34,6 34,4 34,7 34,6Frana (a) 41,2 39,3 39,1 39,0 38,9 ---Israel (a) 36,6 35,3 36,1 36,7 37,4 ---Japo (a) 47,3 47,4 46,9 44,4 43,5 42,5Noruega (a) 36,4 35,6 35,7 34,9 35,0 ---Reino Unido (b)(d) --- 42,4 40,7 40,0 40,1 40,2Sucia (a) 35,7 35,7 37,5 37,2 36,4 ---

    Fonte: OIT, Anuario de Estadsticas del Trabajo (1986, 1995 e 1999,apudDIEESE, 2010).Notas: (a) horas trabalhadas; (b) horas remuneradas; (c) em 1993; (d)exceto Irlanda do Norte.

    Para detalhar ainda mais a contextualizao, segue tabela referenciando

    somente a jornada de trabalho na indstria:

    Tabela 3Horas de trabalho semanais na indstria em pases selecionados

    Pas

    Ano

    1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998

    Alemanha (a)(b) 38,9 37,6 38,0 38,3 37,4 37,4 37,5

    Argentina (c)(d)(e) 43,7 44,0 44,0 45,1 (f) 46,3 46,5 46,7 (g)

    Brasil (So Paulo) (h) 42,0 43,0 43,0 43,0 43,0 43,0 42,0Canad (a) 38,3 38,3 38,9 38,5 38,4 39,3 38,6

    Espanha (c)(i) 36,3 36,2 36,5 36,7 37,1 37,1 37,1Chile (c)(j) 43,6 43,6 44,6 44,1 44,9 44,2 43,7Estados Unidos (a) 41,0 41,4 42,0 41,6 41,6 42,0 41,7Japo (c) 43,8 43,0 43,0 43,5 43,3 42,7 42,5Mxico (c) ND 45,0 ND 45,4 45,5 46,4 46,0Reino Unido (a) 41,5 41,3 41,6 42,1 41,9 42,0 41,8Singapura (a) 48,7 49,2 49,3 49,3 49,4 49,5 48,4Sua (c) 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4 41,4

    Fonte: OIT, Anurio de Estatisticas del trabajo (apud DIEESE, 2010).Notas: (a) Horas remuneradas; (b) Dados referem-se Repblica Federal daAlemanha antes da unificao; (c) Horas efetivamente trabalhadas; (d) Dados deBuenos Aires; (e) Ocupao principal, exclui horas extras; (f) Dados da GrandeBuenos Aires; (g) Dados de Maio de 1998; (h) Dados da regio metropolitana de SoPaulo; (i) Pessoas com 16 anos ou mais; (j) Pessoas com 15 anos ou mais. Obs.:Horas efetivamente trabalhadas, incluindo horas extras.

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    Com o passar dos anos, a jornada de trabalho realmente reduziu,

    principalmente quando se analisa anos como 1870 ou 1913. As reivindicaes feitas

    pelos trabalhadores foram ganhando seu espao atravs das conquistas.

    Apontando anos mais recentes, tem-se:

    Tabela 4Horas de trabalho semanais na indstria em pases selecionados

    Pas

    Ano

    1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

    Alemanha (a) 37,5 37,9 37,8 37,6 37,7 37,6 37,6 37,6

    Argentina (b)(c)(d) 45,8 45,4 44,6 42,6 42,8 42,8 44,6 ND

    Brasil (e) 43,0 44,0 43,0 44,0 44,0 43,0 43,0 43,0Canad (f)(g) 38,9 38,9 39,0 39,1 38,9 38,6 38,4 39,6Espanha (h) 36,3 36,1 36,3 36,0 36,0 35,8 36,2 35,3Chile (o) 43,2 (i) 43,6 (i) 43,6 44,1 43,3 (i) 43,0 ND NDEstados Unidos (j) 41,4 41,3 40,3 40,5 40,4 40,8 40,7 41,1Japo 42,7 43,7 42,8 43,1 43,1 43,5 43,5 43,2Mxico (k) 46,4 45,5 45,0 46,1 45,3 45,8 ND NDReino Unido (g)(l)(m) 41,4 41,4 ND ND ND ND ND 40,7

    Singapura (n)(q) 49,2 49,8 48,6 48,9 49,0 49,8 50,2 NDSua (o)(p) 41,3 41,3 41,2 41,2 41,2 41,2 41,2 ND

    Fonte: Anurio dos trabalhadores (apud DIEESE, 2010).Notas: (a) Assalariados; (b) Aglomerados urbanos; (c) Pessoas com 10 anos ou mais; (d)Dados do 2. Semestre de cada ano; (e) Dados da Regio Metropolitana de So Paulo; (f)Assalariados remunerados por hora; (g) Inclui as horas extras; (h) Pessoas de 16 anos oumais; (i) Pessoas com 15 anos ou mais; (j) Setor privado; (k) Pessoas no empregoprincipal e trabalhando; (l) Abril, exclui Irlanda do Norte; (m) Assalariados em tempointegral pagos sobre a base de taxas de salrios para adultos; (n) Setembro de cada ano;(o) Somente assalariados em tempo integral; (p) Durao normal de trabalho; (q)Empresas com 25 ou mais trabalhadores.

    A partir das ltimas dcadas do sculo XX, os estudos voltados ao tempo de

    trabalho cresceram e muito, principalmente em funo das mudanas ocorridas no

    ambiente produtivo. Enquanto a economia multiplicou-se por vinte, entre os sculos

    XIX e XX, a reduo do tempo de trabalho deu-se somente em 40% (muito pouco

    em funo do aumento exorbitante da produtividade) conforme afirma Turino (2005).

    Essa questo deixou de ser tema de reivindicao entre os trabalhadores,pois passou a ser decidida em nvel de Estado, e no mais uma deciso de patres.

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    O tempo de trabalho acaba recebendo uma ateno maior do que o tempo

    livre, sendo ainda questo tida como referncia sindical, legislativa e social, ainda

    mais que acaba por influenciar os modos de vida da sociedade. Por exemplo, a

    adoo do banco de horas na maioria das organizaes pode gerar um maior tempo

    de frias ou finais de semana prolongados (trs dias), o que acaba por impactar

    diretamente no tempo livre dos trabalhadores. (TURINO, 2005).

    Por outro lado, essa reduo da jornada de trabalho pode acarretar uma

    disponibilidade aparente, pois existem aqueles casos em que o trabalhador no est

    na empresa, mas precisa estar sua disposio para qualquer necessidade,

    fazendo com que o seu tempo livre no seja to livre assim, pois esta expectativa

    acaba influenciando na deciso do que fazer.

    A utilizao do aparelho celular e a internet tambm tm causado impacto

    relevante na vida dos trabalhadores, principalmente aqueles vinculados a grandes

    empresas, pois acabam estando disponveis vinte e quatro horas em caso de

    necessidade, independentemente do que estejam fazendo no seu tempo (o qual

    seria livre).

    Segundo estudos realizados por Guedj e Vindt (1997), existem trs fases naevoluo do tempo de trabalho, a saber:

    a) com o comeo da industrializao, a jornada de trabalho aumentou

    consideravelmente, atingindo-se quinze horas dirias, seis dias por

    semana;

    b) aps a consolidao da industrializao (o que aconteceu emc

    momentos diferentes em cada pas: por exemplo, na Inglaterra em

    meados do sculo XIX e, no Brasil, em meados do sculo XX), ajornada de trabalho comeou a ser diminuda. A princpio, o trabalho

    aos sbados foi reduzido em metade e o mesmo passou a ser

    controlado para evitar a superexplorao (inclusive do trabalho infantil);

    c) no final do sculo XIX, na Europa, a reduo da jornada foi bastante

    acentuada, mas somente, para trabalhadores de grandes empresas.

    Aps a Primeira Guerra Mundial, a consolidao do controle da jornada

    de trabalho deu-se atravs de uma legislao prpria. No Brasil, essalegislao somente foi instituda em 1943, atravs da CLT.

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    Essa busca pelo sentido do tempo de trabalho e tempo livre muito antiga.

    Aristteles (1999, p. 177), h mais de dois mil anos, j pensava nisso:

    Uma vida cheia de sentido em todas as esferas do ser social [...] somentepoder efetivar-se por meio da demolio das barreiras existentes entretempo de trabalho e tempo de no-trabalho, de modo que, a partir de umaatividade vital cheia de sentido, autodeterminada, para alm da visohierrquica que subordina o trabalho ao capital hoje vigente e, portanto, sobbases inteiramente novas, possa se desenvolver uma nova sociabilidade.

    Ainda:

    Uma sociabilidade tecida por indivduos (homens e mulheres) sociais elivremente associada, na qual a tica, arte, filosofia, tempo verdadeiramentelivre e cio [...] possibilitem as condies para a efetivao da identidadeentre indivduo e gnero humano, na multilateralidade de suas dimenses.Em formas inteiramente novas de sociabilidade, em que liberdade enecessidade se realizem mutuamente. Se o trabalho torna-se dotado desentido, ser tambm (e decisivamente) por meio da arte, da poesia, dapintura, da literatura, da msica, do tempo livre, do cio, que o ser socialpoder humanizar-se e emancipar-se em seu sentido mais profundo.

    A busca pela defesa de um tempo livre que tenha condies de atender s

    necessidades do trabalhador para contrapor, tirar o sentido da vida do homem,

    seja atravs de sua alienao ou, at mesmo, pela invaso de seu tempo livre.

    O tempo livre acaba por influenciar o tempo de trabalho, transformando-o,

    por meio de comportamentos ou atitudes, podendo fazer deste fonte de realizao e

    satisfao.

    A reduo da jornada de trabalho por si s j traz consigo consequnciasbenficas a populao como um todo. Um caso dessa comprovao aconteceu na

    Frana, a qual em 1998 reduziu a jornada de trabalho para 35 horas semanais. At

    ento, apresentava o segundo maior ndice de desemprego da Comunidade

    Europia (12,5% em 1996); depois de dois anos, reduziu para 9,5% da Populao

    Economicamente Ativa (PEA). Em 2000, criou 500 mil novos postos de trabalho.

    Isso gerou ganhos para o governo, patres e trabalhadores, alm das margens do

    Sena ganharem mais encontros de namorados e pessoas lendo ao sol. (TURINO,2005).

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    Tambm, o dficit pblico diminuiu o que fez com que a capacidade de

    investimento do Estado aumentasse (o que permitiu uma reduo nos impostos).

    Houve o acrscimo de dias livres no ano (entre onze e dezesseis dias para cada

    trabalhador assalariado francs) o que causou um expressivo aumento nas vendas e

    em atividades voltadas ao lazer. Aumentou tambm a venda de livros e a ida a

    cafs; o que diminuiu foi a tenso social e a violncia urbana. (TURINO, 2005).

    No Brasil, a regulamentao sobre a jornada de trabalho faz parte da Lei n.

    9601 de 1998. A mesma foi escrita com o intuito de evitar demisses, instituindo

    uma liberdade de flexibilizao, para atender aos interesses de patres e

    trabalhadores.

    Essa possibilidade de flexibilizao aparente, pois a empresa acaba se

    apropriando do tempo livre de seus trabalhadores em funo da disponibilidade que

    os mesmos mantm.

    A tabela 5 pode comprovar essa situao, pois mesmo sendo

    regulamentada uma jornada de trabalho mxima de 44 horas/semana, a realidade

    apresenta-se de forma divergente:

    Tabela 5 - Jornada mdia semanal dos assalariados por setor da economiaRegies Metropolitanas e Distrito Federal 2004-2007 (em horas)

    RegiesMetropolitanas

    Indstria Comrcio Servios (a)

    2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007 2004 2005 2006 2007

    So Paulo 44 43 43 43 47 47 46 46 42 42 42 42

    Porto Alegre 44 44 43 44 46 46 46 46 41 41 41 41

    Belo Horizonte 42 42 41 42 45 44 44 44 38 39 38 38Salvador 44 44 44 44 47 47 47 47 39 40 40 40Recife 47 47 47 47 50 50 50 50 42 43 42 42Distrito Federal (b) 45 44 44 43 48 47 47 47 40 40 40 40Fonte: DIEESE, Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), (2010).Nota: (a) Exclui servios domsticos; (b) A srie histrica do Distrito Federal foi revisada deforma a compatibilizar o indicador de setor de atividade econmica com o das demaisPEDs.Observao: (1) A mdia de horas trabalhadas exclui os que no trabalharam na semana;(2) A mdia semanal de horas trabalhadas resultado das mdias semanais durante o ano.

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    A mesma realidade em So Paulo:

    Grfico 1Assalariados que trabalharam mais do que a jornada legalRegio Metropolitana de So Paulo 1985-2007 (em %)Fonte: DIEESE (2010).

    Observao: (1) A partir de novembro de 1988, a jornada legal considerada passa de 48para 44 horas semanais; (2) Exclusive os assalariados que no trabalharam na semana.

    No lugar de o trabalhador ganhar tempo para si prprio, o que acontece

    um aumento do controle e da submisso dele lgica da produo. (TURINO,

    2005, p. 77). Isso fez com que o trabalhador se tornasse escravo do sistema

    capitalista, alm de aceitar um trabalho alienado, acaba por fazer parte da sociedade

    do consumo. Em razo disso, trabalha cada vez mais.

    Dal Rosso (apud TURINO, 2005, p. 43) confirma essa ideia dizendo:

    [...] acrescida de inumerveis horas extras, coloca o Brasil no restrito grupodas jornadas mais longas [e que] a poltica de reduo da jornada continuana agenda social pelas duas razes histricas que sempre a sustentaram:trabalhar menos importante por criar espaos de no-trabalho, nos quaisos atores sociais podem definir seus interesses e lutar por projetos sociais

    com significado; e lutar pela diminuio do tempo de trabalho tambmprocurar construir uma sociedade compartilhada com mais justia eigualdade, em que o trabalho, que fonte do rendimento e dos direitos, seja

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    acessvel a todos e no elemento da explorao sobre o homem, mas comoelemento de auto-realizao.

    A reduo da jornada de trabalho possibilita uma vida fora do ambiente detrabalho criando novos postos de servio e aumenta a demanda por lazer; alm,

    claro, de minimizar o desemprego. Essa minimizao acontecendo, a capacidade de

    consumo aumenta e os gastos com seguridade social podem ficar menores (seja

    atravs de maior arrecadao ou menos salrio-desemprego).

    Questes como essa podem acabar por influenciar at mesmo no dficit

    pblico, o qual se for reduzido, pode fazer com que o governo consiga, tambm,

    uma reduo nos juros. Turino (2005, p. 86) afirma:

    Com juros menores, sobram recursos para o pas investir mais na atividadeprodutiva; com mais investimento, a economia cresce; com crescimentoeconmico, os lucros podem aumentar, mesmo que em termos relativoshaja melhor distribuio dos ganhos entre o capital e o trabalho.

    Os trabalhadores, estando empregados e com um maior tempo livre,

    consequentemente, tero um tempo maior para destinar ao lazer, o que aumentaria

    os gastos com o mesmo; portanto um mercado com grandes chances de

    crescimento, em funo, principalmente, de que a satisfao das pessoas

    ilimitada, no existe um limite. Atividades como um cinema, uma viagem ou uma

    festa tm efeito diferente de uma compra de bens materiais.

    As necessidades de consumo podem ser as mais variadas e as atividades

    voltadas ao lazer tm uma capacidade de inovao permanente.

    Ao analisar de forma mais especfica algumas atividades, pode-se dizer que

    a reduo da jornada de trabalho s traria consequncias benficas a todo o tipo de

    trabalhador. Nas indstrias, com a reduo do tempo de trabalho, o trabalhador

    poderia ter sua fora (seja fsica ou intelectual) recomposta de forma mais rpida, o

    que proporcionaria uma maior capacidade de produo e aumentaria a

    produtividade da empresa como um todo. No servio pblico, a mesma coisa. Na

    sade, a jornada tem horrio diferenciado, mas em virtude dos baixos salrios, as

    pessoas acabam tendo mais de um emprego. Quantos mdicos fazem planto de 24

    horas seguidas... Quando se trata da educao, a situao no diferente,

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    professores tm dois ou trs empregos para conseguir satisfazer suas

    necessidades.

    A reduo da jornada de trabalho, alm de fazer com que as pessoas

    tivessem um maior tempo livre, poderiam ser beneficiadas com uma melhor

    qualidade de vida, no s no trabalho. Ainda, pode ser significativa no futuro atravs

    da ampliao do tempo livre para se ter uma emancipao social, ao invs de

    pessoas desempregadas e com tempo livre forado.

    As empresas atualmente buscam distribuir o trabalho aproveitando o

    mximo do tempo disposio dos empregados. O modelo da Administrao

    defendido por Taylor e Ford j visava acabar com os tempos mortos de uma

    jornada.

    Os modelos de gesto visam o melhor aproveitamento do tempo, muitas

    vezes, convertendo o tempo de descanso em tempo de trabalho efetivo. O momento

    da globalizao faz diferena de um pas para o outro, afetando o tempo de trabalho

    dos mesmos.

    Por exemplo, h pases ricos com jornadas de trabalho entre trinta e trinta e

    nove horas por semana (Europa e Amrica do Norte). H pases ricos com jornadassemanais de quarenta e quatro horas (Japo). Existem pases pobres, como o

    Brasil, que tm jornadas ainda maiores. Existem pases pobre que trabalham com

    jornadas muito inferiores pois no tm demanda para jornadas maiores. (ROSSO,

    1996).

    Embora a reduo da jornada seja uma tendncia, nem sempre acontece na

    maioria dos pases. No final do sculo XX, causas como o crescimento econmico

    nos pases pobres (Chile e Paraguai) e a crise econmica (Sucia, Israel e Austrlia)

    aumentam as jornadas de trabalho. (ROSSO, 1996).

    A relao entre tempo e trabalho uma prxis social bastante complexa.

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    2.3 CONCEITOS FUNDAMENTAIS: TRABALHO, TEMPO LIVRE E LAZER

    Trs conceitos so chaves para o desenvolvimento desta pesquisa. So

    eles: trabalho, tempo livre e lazer. O primeiro conceito ser compreendido na

    perspectiva de Norbert Elias e Eric Duning como um tempo que est fora do

    espectro do tempo livre. Neste sentido, a compreenso do espectro livre permitir

    sua construo em oposio.

    Para tempo livre, um segundo conceito se torna necessrio. Conceito de

    tempo disponvel. Para tal, ser utilizada a distino proposta por Gebara (1994)

    construda dentro de uma tradio marxista ortodxica.

    Gebara (1994) compreende o tempo livre como sendo um tempo individual e

    o tempo disponvel como um tempo social. Por exemplo, com foco na indstria do

    entretenimento, o tempo utilizado na dimenso do tempo disponvel.

    O terceiro conceito e, o mais importante deles, o conceito de lazer. O

    conceito de lazer ser fundado dentro do modelo proposto pela teoria eliasiana.

    Elias e Dunning encontram-se entre os primeiros socilogos a ter como foco

    de estudo o lazer, colocando este em posio to privilegiada quanto o trabalho.

    Mesmo os estudos tendo data das dcadas de 60 e 70, ainda so explorados e

    apontados como fonte de referncia.

    Afirmam esses autores que sua linha de pesquisa era voltada para [...] uma

    teoria central do lazer capaz de servir como quadro comum de investigao

    relativamente a todas as espcies de problemas especficos do lazer. (ELIAS;DUNNING, 1992, p. 144).

    Para que se possa entender o significado e a dimenso social do lazer,

    assim como atividades de recreao e divertimento, faz-se necessria a

    compreenso da influncia do processo civilizador sobre as necessidades e hbitos

    de lazer dos indivduos.

    O processo civilizador reflete [...] o desenvolvimento de normas de condutasocial que inibem tanto as agresses fsicas como as demonstraes

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    espontneas de sentimentos, conformando hbitos culturais civilizados epadres de relacionamento que so internalizados pelos indivduos ereproduzidos quase automaticamente. (PRONI, 2008, p. 495).

    Assim, somente s crianas permitida a demonstrao de sentimentos, os

    adultos devem se comportar de forma contida e racional na maioria de seu tempo;

    sendo este comportamento a base de sua vida poltica, econmica e cultural.

    Segundo Proni (2008), o processo civilizador associa-se transformao:

    a) na estrutura da personalidade dos indivduos;

    b) no estilo de vida reinante;

    c) nas diversas configuraes sociais existentes.

    Estas transformaes esto relacionadas ao desenvolvimento de formas de

    controle mais eficazes, bem como ao surgimento de vrias opes de

    entretenimento, o que disseminou entre os indivduos, aps o momento em que

    estes assumiram, o controle de seus instintos e emoes.

    Para comprovar essa questo, basta perceber a substituio das festas de

    rua e dos jogos populares, pelos bailes, cinemas e esportes feitos nos clubes;colocando o indivduo como um ser em desenvolvimento psicossocial, o qual possui

    um maior controle na esfera social.

    Nesse sentido, as atividades de lazer transformaram-se ao longo da histria;

    a diversidade aumentou e as suas funes foram sendo modificadas. Essas so

    algumas das consequncias que o processo civilizador promoveu ou estimulou,

    fazendo com que o lazer fosse sendo alterado de forma civilizada.

    Para Elias e Dunning (1992, p. 73), as atividades de lazer diminuem com o

    estresse dirio, permitindo manifestao de sentimento; entretanto, sem prejudicar a

    integridade fsica e moral dos indivduos ou acarear a ordem estabelecida. O lazer

    capaz de [...] produzir um descontrolo de emoes agradvel e controlado.

    O lazer a satisfao de uma necessidade de emoes fortes, podendo ser

    visto como o complemento das atividades formalmente impessoais, oriundas do

    mundo do trabalho.

    Quando se avalia o lazer no espectro do tempo livre, percebe-se que as

    atividades voltadas ao lazer no esto em primeiro plano na vida da maioria das

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    pessoas, muito pelo contrrio, s aparecem depois das obrigaes trabalhistas, das

    familiares, das necessidades bsicas, entre outras.

    Para Dumazedier (2001, p. 92), o lazer um tempo em que a pessoa [...] se

    libera ao seu gosto da fadiga, descansando; do tdio, divertindo-se; da

    especializao funcional, desenvolvendo de maneira interessada as capacidades de

    seu corpo e de seu esprito.

    Essa contextualizao no leva em conta somente a autossatisfao e no

    uma deciso individual, pode ter influncia poltica, econmica e social, atravs de

    valores e direitos sociais.

    Ainda para Dumazedier (2001), o lazer pode ser distinto em quatro perodos:

    a) lazer do fim do dia;

    b) lazer do fim de semana;

    c) lazer do fim do ano (frias);

    d) lazer do fim da vida (aposentadoria).

    O que os diferencia so interesses especficos, como fsicos, prticos,

    artsticos, intelectuais ou sociais; os quais [...] dependem de condicionantes

    econmicas, sociais, polticas e culturais de cada sociedade. (TURINO, 2005, p.

    121).

    Em funo disso, a relao do lazer com o trabalho torna-se fundamental,

    envolvendo questes de natureza biolgica e psicolgica dependendo do interesse

    de cada um.

    Dumazedier (2001) criou um sistema de classificao relacionado s

    caractersticas especficas do lazer, identificado por quatro atributos, a saber:

    a) liberatrio: liberao das obrigaes institucionais, mas dependente

    das obrigaes e condicionantes sociais ou interpessoais;

    b) desinteressado: o prazer de fazer aquilo que se gosta;

    c) hedonstico: quando a pessoa no se sente satisfeita, gera uma

    sensao de frustrao;

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    d) pessoal: so trs os tipos de necessidades: liberao do cansao fsico

    ou nervoso; liberao do tdio e das tarefas repetitivas; oportunidade

    para a conquista da superao de si mesmo.

    Nesse contexto, o lazer pode ser definido como uma combinao de tempo

    e de atitude; o que o torna estritamente nico. Cada pessoa pode ter uma sensao

    diferente, seja pelo interesse, experincia, idade, sexo ou classe social.

    A contextualizao defendida por Elias e Dunning (1992) no coloca o lazer

    como oposto ao trabalho (prazer versus dever); e, sim, o coloca como averso s

    atividades sociais, das quais o trabalho faz parte.

    O tempo divide-se entre tempo de trabalho e tempo livre, sendo que esteengloba desde a administrao familiar, atividades sociais e atividades de

    entretenimento. Observa-se, com isso, que apenas uma parte do tempo livre pode

    ser destinada ao lazer.

    Para Elias e Dunning (1992, p. 107), o tempo livre visto com uma

    consequncia das sociedades industriais que evoluram, sendo definido [...] de

    acordo com os actuais usos lingusticos, todo o tempo liberto das ocupaes de

    trabalho. Ainda segundo esses autores (1992, p. 149), O espectro do tempo livre um quadro de classificao que indica os principais tipos de actividades de tempo

    livre nas nossas sociedades.

    As atividades de tempo livre das pessoas podem ser divididas em cinco

    esferas, argumentam Elias e Dunning (1992, p. 108-109), assim distribudas:

    a) trabalho privado e administrao familiar: nesse contexto esto

    englobadas todas as atividades da famlia, como proviso da casa,

    orientao dos filhos, estratgia familiar, entre outras;

    b) repouso: a esta categoria pertence o no fazer nada, as futilidades e,

    acima de tudo, o dormir;

    c) provimento das necessidades biolgicas: aqui se encontram atividades

    como comer, beber, defecar, fazer amor, enfim suprir as necessidades

    bsicas;

    d) sociabilidade: no considerada trabalho, embora possa auxiliar neste,

    atravs de relacionamentos com colegas de trabalho ou superiores

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    hierrquicos; e, tambm, atividades que no tm nenhuma relao

    trabalhista, como ir a um bar, a uma festa, a um clube;

    e) categoria das atividades mimticas ou jogo: aqui se encontram as

    atividades de lazer, tais como a ida ao teatro, ao cinema, pesca,

    caa, danar, ver televiso.

    Essa diviso prova que nem todas as atividades executadas no tempo livre

    podem ser caracterizadas como atividades de lazer. Segundo Elias e Dunning

    (1992, p. 110), A tipologia mostra, de forma muito ntida, que uma parte

    considervel do nosso tempo livre no se pode identificar com o lazer.

    Para confirmar essa afirmao, Bonato (2006, p. 44) diz: O tempodisponvel ou excedente, ainda que possa ser fonte de lazer, necessariamente no

    destinado a ele.

    Em contrapartida, o tempo livre deve ser construdo para superar os

    problemas no campo do trabalho e no campo do lazer, buscando melhorias na

    qualidade de vida.

    A maioria das atividades de lazer corresponde s atividades realizadas no

    tempo livre, mas nem todas as atividades realizadas no tempo livre so

    consideradas atividades de lazer.

    Entretenimento e descanso esto intimamente relacionados com lazer,

    porm no s atividades que os envolvam podem ser consideradas lazer, pois este

    tambm almeja o desenvolvimento pessoal e social.

    Os estudos desenvolvidos por Elias e Dunning (1992) facilitam a

    compreenso e a distino entre tempo livre e lazer. Estes autores afirmam que olazer:

    [...] representa uma esfera de vida que oferece mais oportunidades spessoas de experimentarem uma agradvel estimulao das emoes, umadivertida excitao que pode ser experimentada em pblico, partilhada comoutros e desfrutada com aprovao [...] (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 151).

    As atividades voltadas ao lazer procuram proporcionar uma excitaoagradvel ou um estmulo das emoes, atravs de escolhas e vontades individuais.

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    Elias e Dunning (1992) ainda dividem as formas do uso do tempo fora do

    ambiente profissional em trs categorias de acordo com o grau de rotina, a saber:

    a) rotinas do tempo livre (atividades rotineiras e pouco prazerosas): tempo

    destinado ao atendimento das prprias necessidades biolgicas,

    cuidado com o corpo e rotinas familiares;

    b) atividades intermedirias ou de formao e autodesenvolvimento

    (menos rotineiras e gratificantes, mas exigem disciplina): so

    destinadas ao desenvolvimento pessoal seja atravs de participao

    poltica, religiosa, estudo, filantrpica, entre outras;

    c) atividades de lazer (atividades no rotineiras que geram umdescontrole controlado das restries sobre as emoes): so as

    atividades sociveis como um jantar ou uma viagem, o lazer

    comunitrio e o jogo (atravs das atividades mimticas).

    Para Elias e Dunning (1992), alm do grau de rotina, podem-se avaliar as

    atividades de lazer sobre dois outros aspectos:

    a) grau de compulso social: nas atividades de lazer o grau de compulso

    menor, a participao voluntria e menos sujeita a

    constrangimentos;

    b) grau de pessoalidade: as decises so tomadas baseadas no eu e

    no no eles; respeitando os limites sociais estabelecidos.

    Ainda que os indivduos no tenham tempo suficiente para se dedicarem s

    atividades de lazer, estas so fundamentais; assumindo uma dimenso social

    bastante ampla mesmo que preponderando a individualidade.Quando se busca a excitao no lazer, Elias e Dunning (1992) apontam que

    os indivduos no a buscam simplesmente para o lazer se justapor ao tdio; at

    porque a sociedade bastante diversificada e com desafios a serem superados a

    todos os instantes, bem como o lazer faz parte de todo esse contexto.

    Estes autores acreditam que a manifestao de sentimentos e emoes

    acaba por ser restringida em face de oscilao e aflio que caracterizam o

    cotidiano da vida humana.

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    As rotinas so necessrias, entretanto os indivduos precisam se revelar e

    desafiar essa rotina, pois:

    Quando o lazer destri a rotina, expe a pessoa a certo nvel deinsegurana, a um maior ou menor risco produzindo adrenalina e endorfina,gerando medo, esperana, exaltao, incerteza, catarse, choro, alegria,prazer e todo um rol de experincias essencialmente humanas. (PRONI,2008, p. 498)

    Caso acontea o contrrio, a atividade de lazer transforma-se em rotina e

    acaba por perder a sua funo principal, visto que o lazer fundamental para a

    qualidade de vida e para a sade dos indivduos.

    Alm de se estudar as necessidades de lazer de cada indivduo, para Elias e

    Dunning (1992), faz-se necessrio compreender as caractersticas das atividades,

    as quais podem se apresentar sob trs formas:

    a) sociabilidade: elemento bsico que faz parte das atividades de lazer,

    como os cassinos e os bares;

    b) mobilidade: refere-se ao movimento corporal e a vivncia de umsentimento de liberdade, como ir praia ou a uma danceteria;

    c) imaginao: engloba as atividades mimticas onde possvel

    experimentar sentimentos fortes e emoes perigosas sem estar em

    perigo, como assistir a um filme, ouvir uma msica ou jogar vdeo

    game.

    Ressalta-se que podem existir situaes onde a exposio ao risco e a

    perda do controle pode estar muito prximas, provocadas pela marginalizao de

    certos grupos sociais.

    Ainda, o lazer no deve ser visto como um produto da urbanizao e da

    industrializao, simplesmente para atender a uma exigncia do mundo do trabalho

    para reduzir o cansao e o estresse; depois, a interdependncia entre as atividades

    de lazer e as demais atividades, no existe uma subordinao entre as mesmas; e,

    essa questo, deve ser vista como fundamental para o desenvolvimento social

    equilibrado.

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    Os estudos de Elias e Dunning (1992) so significativos e originais quanto a

    sua forma de abordagem no que concerne utilizao do tempo livre,

    principalmente ao lazer; como forma de romper com a rotina e com o controle

    existente.

    O controle acontece da sociedade em relao s pessoas e das pessoasem relao a elas mesmas, e o lazer surge num determinado momentohistrico e a partir de uma liberao consentida, em que a satisfao e aliberdade individuais so elementos secundrios, mas necessrios paraesse sistema de regulao imposto pelo capitalismo. (TURINO, 2005, p.126).

    Ainda na viso desse autor, o homem precisa controlar a busca pela sua

    satisfao, subordinando-a aos interesses da sociedade capitalista, onde estes so

    voltados para a acumulao de capital, o qual domina o meio humano e natural para

    produzir bens que gerem novos bens e assim sucessivamente.

    Os estudos voltados ao lazer devem ir alm, visto que este na concepo de

    Elias e Dunning (1992), no somente um produto da urbanizao e da

    industrializao; e, sim, tem um conceito mais abrangente, com carter cultural eorgnico (ser humano).

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    3 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS

    As pesquisas relacionadas ao uso do tempo so fundamentais pois atravs

    destas pode-se conhecer a realidade que permeia o tecido social. So chamadas de

    dirios de emprego do tempo ou dirios de atividades e buscam [...] identificar e

    quantificar o tempo gasto na dedicao a tantas outras atividades, e no somente as

    atividades econmicas de produo e consumo, j normalmente aferidas nas

    pesquisas sobre trabalho. (SOARES; SABIA, 2007, p. 7).

    Na verdade, essas pesquisas preocupam-se em conhecer as aplicaes do

    uso do tempo em todas as formas de trabalho, desde atividade econmica e

    trabalho voluntrio at trabalho no remunerado voltado aos afazeres domsticos.

    So desenvolvidos em pases de todo o mundo, sendo diferenciado pela

    forma de coleta de dados (podendo ser atravs de pesquisa especfica ou por

    mdulos nas pesquisas domiciliares e condies de vida). A amostra normalmente

    envolve pessoas de 15 anos ou mais, as quais podem ser avaliadas atravs do

    relato das atividades realizadas durante diferentes espaos de tempo, os quais so

    definidos com antecedncia, podendo ser 24 horas de um dia, assim como

    intervalos de minutos.

    As pesquisas relacionadas ao uso do tempo permitem identificar como as

    pessoas o utilizam, podendo ser:

    a) execuo de tarefas domsticas;

    b) cuidados pessoais e com as pessoas da famlia;

    c) cuidados com a sade;

    d) alimentao e exerccios fsicos;

    e) deslocamentos para desempenhar atividades necessrias;

    f) contato social e lazer;

    g) estudos;

    h) utilizao de tecnologias.

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    Variveis sociais, econmicas e demogrficas tm impacto nesse processo

    tempo versus atividades; como, por exemplo, a dupla jornada do universo feminino.

    A mulher acaba se dividindo entre o trabalho e os afazeres domsticos por no

    conseguir algum que a substitua em casa, seja por falta de condies financeiras

    (varivel econmica) ou por no ter uma creche onde possa deixar seus filhos

    (varivel demogrfica).

    No Brasil, em funo da quantidade de pessoas com idade cada vez mais

    avanada, no so somente as crianas que dependem das mulheres, mas os

    idosos tambm acabam demandando cuidados. Com isso, a tendncia da jornada

    de trabalho feminina aumentar, fazendo com que o tempo seja redistribudo para

    os cuidados pessoais e lazer, pois no que concerne ao ambiente de trabalho e

    cuidados com a famlia, a exigncia ser a mesma ou ampliada.

    Vrios estudos so realizados sobre o uso do tempo. Um exemplo, em 2007,

    no Rio de Janeiro, realizou-se um seminrio internacional intitulado Pesquisas de

    uso do tempo: aspectos metodolgicos e experincias internacionais, o qual foi

    organizado pelo IBGE e pelo Fundo das Naes Unidas para a Mulher (UNIFEM).

    (SOARES; SABOIA, 2007, p. 8).

    A preocupao com estudos nessa rea no recente. O IBGE, atravs da

    PNAD, em 1982 j investigava sobre o tempo destinado realizao de atividade

    fsica, a assistir televiso, aos afazeres domsticos, ao trabalho profissional e aos

    estudos. mesma pesquisa, em 1992, foi acrescentado o questionamento quanto

    ao tempo de deslocamento entre a residncia e o ambiente de trabalho.

    Em 1996-1997, a Pesquisa sobre Padres de Vida (PPV) contou com umbloco sobre o uso do tempo onde se investigou sobre o tempo gasto notrabalho produtivo, afazeres domsticos, trabalho comunitrio, permannciaem estabelecimento de ensino e tempo gasto com transporte. Nestapesquisa constatou-se que o trabalho produtivo e os afazeres domsticosconsomem a maior parte do tempo dos moradores, seguido do tempo gastoem estabelecimento de ensino e trabalho comunitrio. (SOARES; SABOIA,2007, p. 9).

    Em 2001, foi realizada uma nova pesquisa a qual se baseou na classificao

    internacional das atividades de uso do tempo, estabelecidas pela Organizao das

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    Naes Unidas (ONU)International Classification of Activities on Time-Use Survey

    (ICATUS).

    A PNAD desenvolvida pelo IBGE atravs de uma amostra de domiclios

    brasileiros e busca conhecer caractersticas socioeconmicas da populao de

    acordo com a necessidade de conhecimento. Para esse estudo, utiliza-se a PNAD

    elaborada em 2005 e publicada em 2007.

    3.1 INDICADORES SEGUNDO OS DADOS DA PNAD 2005

    Os dados apresentados sobre os afazeres domsticos envolvem pessoas de

    10 anos ou mais de idade, sendo que estas podem realizar tais atividades de forma

    parcial ou integral, independente da condio da atividade ou ocupao na semana.

    Para esse estudo em especfico, analisar-se- (quando possvel) a faixa etria de 18

    a 59 anos, em funo desta estar apta s atividades laborais de acordo com alegislao brasileira.

    Grfico 2 Proporo de pessoas de 10 anos ou mais de idade que cuidam de afazeresdomsticos por sexo Brasil 2001 e 2005Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (2005).

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    Entre os perodos de 2001 e 2005, observou-se que houve um aumento do

    tempo dedicado realizao dos afazeres domsticos sendo 66,9% (em 2001) e

    71,5% (em 2005).

    Essa situao justifica-se pelo fato das pessoas estarem contratando menos

    trabalhadores domsticos remunerados (tinha-se 7,8% de populao ocupada em

    2001 e 7,6% em 2005), fazendo com que estas ampliem as suas jornadas para

    suprirem essa falta do trabalhador domstico (SOARES, SABOIA, 2007).

    Outra questo que influenciou nessa realidade a queda no rendimento real

    das pessoas o qual passou de R$ 858,00 (451,58 dlares) em 2001 para R$ 763,00

    (287,92 dlares) em 2005; justificando-se a diminuio ou alterao dos servios

    domsticos contratados. (SOARES, SABOIA, 2007).

    Esse aumento na quantidade de horas destinadas aos afazeres domsticos

    deu-se, tambm, devido a participao efetiva dos homens, pois foi apontado um

    crescimento de 8,6 pontos contra apenas 1,1 ponto para as mulheres no perodo de

    2001 a 2005.

    Grfico 3 Proporo de pessoas de 18 anos ou mais de idade do sexo masculino quecuidam de afazeres domsticosBrasil 2001 e 2005Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (2005).

    Os dados demonstram que a faixa etria de 50 a 59 anos foi a que teve

    maior crescimento (9,2 pontos percentuais) na proporo de pessoas do sexo

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    masculino que cuidam de afazeres domsticos, conforme mostra o Grfico 3. (IBGE,

    2007).

    A tabela 6 mostra, por grupos de idade segundo o sexo, a quantidade de

    pessoas que cuidam de afazeres domsticos por regio:

    Tabela 6 - Pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeres domsticos porgrupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regies - 2005

    Sexo e

    GrandesRegies Total

    Grupos de idade

    18 a 2425 a 49anos

    50 a 59anos

    60 anosou mais

    Total 91.237.484 16.177.973 49.460.967 12.504.390 13.094.154Norte 6.496.270 1.505.898 3.717.281 637.507 635.584

    Nordeste 23.061.531 4.894.301 12.199.741 2.841.686 3.125.803Sudeste 40.472.344 6.283.430 21.822.593 5.997.618 6.368.703

    Sul 14.968.655 2.315.400 8.171.846 2.244.727 2.236.682Centro-Oeste 6.238.684 1.178.944 3.549.506 782.852 727.382

    Homens 31.031.363 5.529.673 17.143.287 4.180.072 4.178.331Norte 2.306.462 528.580 1.323.648 218.955 235.279

    Nordeste 7.377.694 1.625.419 3.932.315 877.457 942.503Sudeste 13.513.588 2.079.921 7.513.447 1.941.862 1.978.358

    Sul 5.715.245 884.374 3.180.742 874.618 775.511Centro-Oeste 2.118.374 411.379 1.193.135 267.180 246.680Mulheres 60.206.121 10.648.300 32.317.680 8.324.318 8.915.823

    Norte 4.189.808 977.318 2.393.633 418.552 400.305Nordeste 15.683.837 3.268.882 8.267.426 1.964.229 2.183.300Sudeste 26.958.756 4.203.509 14.309.146 4.055.756 4.390.345

    Sul 9.253.410 1.431.026 4.991.104 1.370.109 1.461.171Centro-Oeste 4.120.310 767.565 2.356.371 515.672 480.702

    Fonte: Adaptado de IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (2005).

    Segundo os dados apresentados na Tabela 6, 85,6% do total de pessoas

    que afirmam exercer atividades enquadradas como afazeres domsticos encontram-

    se na faixa etria de 18 a 59 anos, destes 65,6% so mulheres, constituindo os

    afazeres domsticos como atividades predominantemente femininas.

    Na sequncia, tem-se a Tabela 7 com a proporo das pessoas que cuidam

    de afazeres domsticos por grupos de idade, sexo e regio:

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    Tabela 7 - Proporo das pessoas de 18 anos ou mais de idade que cuidam de afazeresdomsticos por grupos de idade segundo o sexo e as Grandes Regies 2005

    Sexo e

    GrandesRegies

    Grupos de idade

    18 a 2425 a