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MUNDO DO BELO MUNDO DO BELO ENSINAMENTOS DE MEISHU SAMA

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MUNDO DO BELOMUNDO DO BELO

ENSINAMENTOS DE MEISHU SAMA

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Mundo do Belo

ÍNDICE

PREFÁCIO............................................................................................................................................................................................5

NOTAS...................................................................................................................................................................................................8

I - DO ESTADO ARTÍSTICO............................................................................................................................................................9

DISCURSO INFORMAL EM HAKONE.......................................................................................................................................9ZUIUN-KYO — COMO UM LOCAL DE RENOME MUNDIAL............................................................................................11CONSIDERAÇÃO ACERCA DO PARAÍSO TERRESTRE.....................................................................................................14O SIGNIFICADO DO SHINSEN-KYO........................................................................................................................................15ATÉ A CONCLUSÃO DO PARAÍSO TERRESTRE.................................................................................................................16O PARAÍSO É O MUNDO DA ARTE..........................................................................................................................................25A CONCEPÇÃO DO PARAÍSO TERRESTRE..........................................................................................................................26OS JARDINS DA TERRA DIVINA..............................................................................................................................................28NÃO PERTUBEM O MEU TRABALHO (I)...............................................................................................................................31A RESPEITO DO PARAÍSO TERRESTRE................................................................................................................................34O GRANDE SIGNIFICADO DO PARAÍSO TERRESTRE DE SHINSEN-KYO...................................................................35CUMPRIMENTOS DE ANO NOVO............................................................................................................................................38

II - SOBRE O MUSEU DE BELAS-ARTES.................................................................................................................................40

A ILHA DE HORAI........................................................................................................................................................................40NÃO PERTURBEM O MEU TRABALHO (II)..........................................................................................................................42ATÉ A CONCLUSÃO DO MUSEU DE ARTE...........................................................................................................................46SIGNIFICADO DA CONSTRUÇÃO DO MUSEU DE ARTE..................................................................................................51A SOCIALIZAÇÃO DA ARTE.....................................................................................................................................................55

III — SOBRE A COLEÇÃO DE OBJETOS DE ARTE.............................................................................................................57

MINHA FORMAÇÃO ARTÍSTICA............................................................................................................................................57PORQUE AS OBRAS-PRIMAS CHEGARAM ÀS MINHAS MÃOS......................................................................................59O MUSEU IDEALIZADO POR DEUS........................................................................................................................................62UM MUSEU DE ARTES DEMOCRÁTICO................................................................................................................................66OS MILAGRES DA COLETA DE OBRAS DE ARTE..............................................................................................................66

IV— SOBRE A ARTE.......................................................................................................................................................................68

RELIGIÃO E ARTE.......................................................................................................................................................................68A MISSÃO DA ARTE....................................................................................................................................................................68CARACTERÍSTICAS PARTICULARES DA CIVILIZAÇÃO JAPONESA..........................................................................70O PARAÍSO É O MUNDO DAS ARTES.....................................................................................................................................74A RESPEITO DA COLETÂNEA DE POEMAS “YAMA TO MIZU” (MONTE E ÁGUA)..................................................75RELIGIÃO E ARTE.......................................................................................................................................................................76MINHA CRÍTICA SOBRE PINTURA.........................................................................................................................................77RELIGIÃO ARTÍSTICA...............................................................................................................................................................81O PARAÍSO É O MUNDO DO BELO.........................................................................................................................................83SOBRE A ARTE DA VELOCIDADE E PICASSO....................................................................................................................85CIÊNCIA E ARTE..........................................................................................................................................................................87SERMÃO.........................................................................................................................................................................................89

V - SOBRE OS ARTISTAS...............................................................................................................................................................91

OGATA KORIN..............................................................................................................................................................................91O SABER DAS COISAS.................................................................................................................................................................92A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (II)*.............................................................................96A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (III).............................................................................99MINHA DEFERÊNCIA PELOS ARTISTAS............................................................................................................................101

VI - SOBRE A APRECIAÇÃO......................................................................................................................................................104

A ARTE JAPONESA E SEU FUTURO.....................................................................................................................................1041 - A Pintura.....................................................................................................................................................................1042 - A Escultura.................................................................................................................................................................1093 - Os trabalhos de laca...................................................................................................................................................1094 - A Cerâmica.................................................................................................................................................................1115 - A Caligrafia................................................................................................................................................................115

A RESPEITO DA ARTE CALIGRÁFICA................................................................................................................................117IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS...............................................................................................119IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (II).........................................................................................122IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (III).......................................................................................125IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (IV).......................................................................................129INTRODUÇÃO À XILOGRAVURA UKIYO-E — PREFÁCIO............................................................................................133MOKITI OKADA, DIRETOR DO MUSEU DE ARTE DE HAKONE..................................................................................133

VII — ANDANÇAS ARTÍSTICAS...............................................................................................................................................135

VIAGEM À REGIÃO OESTE DO JAPÃO...............................................................................................................................135CONSIDERAÇÕES SOBRE A "EXPOSIÇÃO DOS TESOUROS DO TEMPLO KOFUKU-JI”, DE KASUGA, NA LOJA DE DEPARTAMENTOS MITSUKOSHI.......................................................................................................................141

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Mundo do Belo

ANDANÇAS ARTÍSTICAS POR NARA...................................................................................................................................145

VIII — A RESPEITO DE EXPOSIÇÕES...................................................................................................................................148

INDO A EXPOSIÇÕES (I)...........................................................................................................................................................148OBSERVANDO OS PINTORES DE QUIOTO.........................................................................................................................148AS OBRAS HODIERNAS............................................................................................................................................................150A PEÇA QUE DESPERTOU A MINHA ATENÇÃO...............................................................................................................150INDO A EXPOSIÇÕES (II).........................................................................................................................................................151VENDO A EXPOSIÇÃO DE PICASSO.....................................................................................................................................153A PINTURA JAPONESA: HOJE PRESTES AO FENECIMENTO......................................................................................157VENDO A "EXPOSIÇÃO DO INSTITUTO JAPONÊS DE ARTES"...................................................................................163

IX — SOBRE A FLOR E O BELO...............................................................................................................................................167

CAMPANHA DE FORMAÇÃO DO PARAÍSO POR MEIO DAS FLORES........................................................................167AS PLANTAS TÊM VIDA...........................................................................................................................................................169

X - DIÁLOGOS.................................................................................................................................................................................171

DIÁLOGO ENTRE MEISHU SAMA E O SENHOR MUSEI (I)............................................................................................171DIÁLOGO ENTRE MEISHU SAMA E O SENHOR MUSEI (II)..........................................................................................174REGISTRO DAS ENTREVISTAS ENTRE MEISHU SAMA, A SRTA. DAVID E JORNALISTAS................................178

As duas nações mundiais das artes.................................................................................................................................178Korin vivo na França.......................................................................................................................................................181A Igreja Meshia-kyo e o Museu de Arte.........................................................................................................................186

A CALIGRAFIA É A EXPRESSÃO DA PERSONALIDADE................................................................................................189ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (I)....................................................................................190ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (II)...................................................................................195

A respeito da Xilogravura Ukiyo-e..................................................................................................................................195SOBRE PEÇAS CALIGRÁFICAS DE GRANDES MONGES E MANUSCRITOS ANTIGOS.........................................201ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (III).................................................................................204

Sobre utensílios da Cerimônia de Chá............................................................................................................................204ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (CONCLUSÃO)............................................................210

Sobre a porcelana chinesa...............................................................................................................................................210Sobre peças de jade e de bronze......................................................................................................................................215Sobre imagens budistas...................................................................................................................................................216

DIALOGAR É PRECISO............................................................................................................................................................217

XI - ENSAIOS...................................................................................................................................................................................220

BERNARD SHAW........................................................................................................................................................................220A comoção provocada por “O Discípulo do Diabo”.......................................................................................................220O teatro burlesco pacifista...............................................................................................................................................221O gênio da literatura jamais igualado em franqueza.....................................................................................................222

VIAGEM AOS ALPES.................................................................................................................................................................223De Okunikko a Shiobara.................................................................................................................................................228As Termas de Yunishikawa.............................................................................................................................................233

XII - ENTRETENIMENTO...........................................................................................................................................................236

CANÇÃO.......................................................................................................................................................................................236A ARTE DE DANJURO...............................................................................................................................................................238AIZO NANIWATEI......................................................................................................................................................................242

XIII - CINEMA.................................................................................................................................................................................245

EU E O CINEMA..........................................................................................................................................................................245CINEMA........................................................................................................................................................................................248

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PREFÁCIO

Estamos editando o livro intitulado “O Mundo do Belo” que, sendo obra irmã de O Alicerce do Paraíso e de A Saúde Revelada por Deus, anteriormente publicados, compila os Ensinamentos de Meishu Sama (Fundador da Sekai Kyussei Kyo, Mestre Mokiti Okada) concernentes às Artes.

Meishu Sama considera que o Paraíso Terrestre — o mundo da verdadeira civilização, o qual é o objetivo máximo comungado por Deus e pelo homem — é, em outros termos, o “Mundo do Belo”. Afirma Ele: “Simplificando, o Paraíso Terrestre por nós professado é o Mundo do Belo. No homem, é a beleza espiritual. Naturalmente, suas palavras e ações também devem ser belas. Essa beleza individual, expandindo-se amplamente, dá origem à beleza social”.

Ensina-nos, de tal modo, que o relacionamento humano, as habitações, as ruas, os meios de transporte e os parques devem ser mais belos e, num âmbito mais amplo, a Política, a Educação, a Economia e a Diplomacia; tudo, enfim, deve se tornar belo e puro.

Sobre o Mundo do Belo, Meishu Sama preconiza: “Certamente, cabe às Artes a missão de elevar a sensibilidade humana, enriquecer e alegrar a vida, dotando-a de significado. Quando alguém possuidor das noções básicas de Arte e Literatura aprecia as flores da primavera, o colorido do outono, o panorama oferecido pelas montanhas e pelos mares, emana do seu íntimo uma alegria indescritível. O Paraíso Terrestre, nosso ideal, não é outro senão o próprio Mundo do Belo; é o mundo do propalado lema da Verdade, do Bem e do Belo — e a Arte é, justamente, a manifestação do Belo.

O ideal de Deus é construir o Paraíso Terrestre, e este deve ser, por sua vez, um mundo livre de guerras, um mundo de harmonia e paz eterna, donde a Verdade, o Bem e o Belo afluirão. Assim, aquilo que mais se desenvolverá, nesse local, é a Arte.”

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Meishu Sama proclamou, ainda, que o Johrei é a Arte da Vida, e a Agricultura Natural, a Arte da Agricultura.

Com o desejo de purificar a mente humana, por intermédio do Belo, e de habilitar o homem a morar no Paraíso Terrestre, Meishu Sama construiu, no Solo Sagrado, o seu protótipo, erigindo como símbolo deste o Museu de Belas-Artes — o qual abrange obras artísticas do mais alto nível. Ademais, propôs e colocou em prática o movimento de construção do Paraíso pelas flores.

Meishu Sama, outrossim, anunciou a construção do Mundo dos Felizes com a eliminação das doenças, da pobreza e dos conflitos: o Paraíso Terrestre. Para tanto, como meio de salvação radical, elucidou a Verdade, por longo tempo, oculta nas trevas, com as suas palestras e dissertações. Instituiu o Johrei, para purificar o espírito do homem pela Força Divina ilimitada e sem igual, abrindo caminho para o homem se tornar saudável — tanto física como mentalmente. Iniciou, ainda, o método da Agricultura Natural, proporcionando à sociedade a condição para gozar de saúde com o consumo de alimento puro e repleto de energia vital.

Podemos, também, verificar, pelos Ensinamentos aqui compilados, que Meishu Sama almejou a purificação espiritual do homem por meio do contato com a Beleza, procurando formar indivíduos dotados de consciência, cultura e saúde verdadeiras.

Reconhecendo que para tanto se fazem necessárias a Educação, a Religião e a Moral, Meishu Sama concluiu, por experiência própria, a evidente dificuldade de apenas com tais princípios elevar o espírito humano. São suas as palavras: “Tenho o meu método que objetiva a transformação do homem por intermédio da Beleza, método este jamais posto anteriormente em prática”, e estabeleceu um caminho inédito para a salvação, nunca experimentado por religião alguma no passado.

Ele explanou, além disso, que o Paraíso Terrestre é o mundo onde a civilização terá atingido o seu grau máximo de desenvolvimento, onde toda a herança cultural acumulada arduamente, ao longo dos tempos, pela

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humanidade, será utilizada de maneira correta. Nesse sentido, a universalização do Belo, aliada a outros métodos que salvam, é condição indispensável para que se concretize o Paraíso.

A salvação propagada por Meishu Sama, portanto, é completa e ampla em todos os sentidos, visando às inovações necessárias, na totalidade dos aspectos da vida, para a edificação do Paraíso Terrestre. Assim, Meishu Sama proclamou ser não apenas o profeta arauto da vinda do Paraíso, mas, ainda, o seu próprio concretizador. Nós, cientes deste fato, devemos discernir também o significado de suas palavras que dizem que a Sekai Kyussei Kyo não é uma religião, e sim, que a religião é uma parte dela.

Devemos ler e apreciar os Ensinamentos compilados no presente livro e compreender a importância de nos familiarizarmos com a arte, estando em contato com a beleza existente na vida cotidiana. Ao mesmo tempo, devemos assimilar a vontade e o amor de Meishu Sama contidos nestes Ensinamentos, de salvar a humanidade, em meio à satisfação e a alegria, transformando este mundo em Paraíso.

Conta-nos Meishu Sama: “Desde cedo eu apreciei tudo o que se relacionava com o Belo e, embora sofresse com a pobreza, plantava flores em pequenas áreas de terra inculta; se tivesse tempo, me punha a desenhar; visitava, na medida do possível, museus e exposições, comprazendo-me com as flores na primavera e com o colorido das folhagens no outono”. Por essa frase, podemos deduzir o quão ele amou a Beleza e apreciou as Artes desde jovem. Por tal razão, além de ser o grandioso Salvador, Meishu Sama foi alguém de cultura incomparável, que Se relacionou, amigavelmente, com personalidades de fama no mundo intelectual e cultural, como é possível verificar pelos fatos publicados em Suas Reminiscências.

Tomando Meishu Sama por modelo, é desejável que, não por obrigação, mas espontaneamente, cultivemos, na vida cotidiana, o nosso íntimo, de maneira a buscar a Beleza e a familiarizar-nos com as Artes e, por meio disso, contribuir em prol da construção do Paraíso Terrestre.

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NOTAS

Encontram-se compilados no presente livro:

1. Extratos de Ensinamentos, concernentes às Artes, de obras já publicadas, dissertações e ensaios, ainda inéditos, de autoria de Meishu Sama;

2. Além das dissertações e ensaios acima mencionados, colóquios acerca das Artes;

3. Parte dos Ensinamentos já publicados no Alicerce do Paraíso.

Observemos, ademais, que:

1. Os Ensinamentos foram ordenados e intitulados segundo a classificação realizada pela editora;

2. Fizeram-se ratificações ocasionais na terminologia anteriormente utilizada, por falhas terem sido percebidas na redação original;

3. Esclareceram-se, no final de cada Ensinamento, a fonte e a data da sua publicação — ou apenas a data — no caso de serem inéditos.

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I - DO ESTADO ARTÍSTICO

DISCURSO INFORMAL EM HAKONE

O protótipo do Paraíso Terrestre, ora construído em Gora, Hakone, e freqüentemente citado por mim, tem sua primeira etapa em fase de conclusão. Quem o vê pela primeira vez, surpreende-se muito — ou melhor, mesmo quem o viu, já por várias vezes, espanta-se com sua vertiginosa transformação. O pavilhão Soun-kaku (atual Nikko-Den), que comporta cerca de mil pessoas, está quase concluído, e, no momento, estamos trabalhando na construção dos jardins e da casa de chá. Esta última é executada por um dos mais famosos carpinteiros japoneses, especialista nesse tipo de construções, Seibee Kimura, de 80 anos. Ele se comprometeu a construir, com todo o empenho, a obra-prima de sua carreira. Aqueles que viram o andamento da obra falam que, depois de pronta, ela será considerada a primeira desta região. Seu planejamento deu-se na primavera de 1946, logo depois do término da Segunda Grande Guerra, e a sua conclusão, finalmente, está prevista para o término do corrente, tendo levado quatro anos.

Pode haver quem me critique por construir algo tão soberbo, numa época em que o Japão passa por crises de fome e falta de moradias. O que eu tenho em mente, contudo, não é a ostentação, mas algo profundo e significativo, antevendo a chegada do dia de apresentar ao mundo a beleza peculiar da Arquitetura nipônica. Como é do conhecimento geral, os americanos demonstram acentuado interesse pela cerimônia japonesa do chá. No tocante a isso, na primavera de 1946, o general Smith e a cúpula de seu comando — que estão estabelecidos no Japão — quiseram apreciar a citada cerimônia. Por intermédio das autoridades da cidade de Atami, eu ofereci a sala de chá de Tozan-so (Solar da Montanha Oriental), minha residência na ocasião. Tal atitude também contribuiu em muito para o estímulo do meu espírito.

A casa de chá em questão abrange a área de 82,5 metros quadrados, e, como o senhor Seibee tem-se esmerado em seu trabalho, encontro-me desde já ansioso para vê-la pronta. Deverá ser uma coisa notável. Pela sua

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finalidade de apresentar a arte do caminho do chá para estrangeiros, um mestre afamado mostra-se animadíssimo com o projeto, vindo não somente orientando na construção propriamente dita, como também está se comprometendo a envidar esforços no sentido de internacionalizar a Cerimônia do Chá.

Quanto aos jardins, planejo criar uma beleza paisagística inteiramente inovadora. A disposição de cada árvore e de cada pedra está sendo determinada sob a minha orientação, já que considero que os jardins tradicionais não se adequam ao senso estético desta Nova Era. Originariamente, a jardinagem japonesa iniciou-se na era Ashikaga, atingindo a sua perfeição na era Toyotomi, graças ao Duque Enshu Kobori, sendo que, mesmo hoje, há vários exemplares desses jardins em Quioto. Na era Tokunaga, coexistiram dois estilos: o jardim feudal, remanescente até hoje em diversas localidades, e aquele adequado para casas de chá, concebido pelo grande mestre da Cerimônia do Chá, Senno Rikyu. Existe também o jardim ocidental, com seus canteiros geométricos, mas este não se adapta muito ao gosto moderno. Ademais, constitui fato inegável que, não obstante a construção arquitetônica ter passado por grandes progressos, o paisagismo muito pouco evoluiu.

Tomando em consideração os fatos acima, não sou especialista, todavia, talvez por revelação divina, ou uma espécie de sensibilidade espiritual, estou conduzindo as obras adiante. Pode-se dizer que tudo ocorre por milagres: por exemplo, consegui obter com facilidade o melhor local paisagístico de Hakone. Além da conformação topográfica do sítio ser ótima, sua vista excelente e seu passado histórico, existem nela inúmeras e gigantescas rochas de formatos exóticos, posicionadas de maneira adequada nos locais certos. As árvores, os arbustos, as plantas, as flores — todo o necessário encontra-se, nesse local, misteriosamente reunido. Não preciso me preocupar com coisa alguma. Assim, de maneira interessante, os jardins fazem parte das diretrizes nacionais que visam ao deleite dos olhos do visitante estrangeiro, de maneira a proporcionar o entendimento do que a Arte japonesa tem de bom.

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Além do mais, é de se esperar também a elevação do sentimento japonês, demonstrando que somos um povo de índole pacífica e de cultura elevada. Concomitantemente, é preciso, o quanto antes, apagar a imagem de país agressivo e invasor. Outro objetivo meu é iluminar a alma humana por meio da Beleza. A Educação, a Religião e a Moral são, sem dúvida, necessárias para a formação do ser humano. Todavia, a experiência demonstra que somente com isso é difícil conseguir elevar espiritualmente o homem. Tenho, pois, planos de educar a alma humana pela Beleza, método jamais tentado por alguém.

Hikari, nº 17 — 9 de julho de 1949

ZUIUN-KYO — COMO UM LOCAL DE RENOME MUNDIAL

Dizia-se que o protótipo do Paraíso Terrestre, que ora estou construindo em Momoyama, Atami, era, no início, o primeiro do Leste do Japão. Posteriormente, com o desenvolvimento das obras, passaram a dizer que era o primeiro do país. Hoje, os comentários são de que é o primeiro do mundo. De fato poderíamos citar, como prédio de caráter religioso, com fama mundial, em primeiro lugar, pela antigüidade, o Partenon da Grécia; a seguir, como obras da Idade Média, o Palácio do Vaticano de Roma e a Abadia de Westminster da Inglaterra. Outro exemplar de construção renomada, apesar de não se tratar de templo, é o Palácio Imperial de Pequin. Sua beleza arquitetônica dimensionalmente grandiosa e imponente capacita-nos a considerá-lo, com certeza, a primeira em termos mundiais. No Japão, temos, indubitavelmente, o Templo Toshogu, de Nikko: este, sim, o único edifício do qual podemos ter orgulho diante do resto mundo.

Posto em cotejo com as mencionadas construções, o Zuiun-kyo é bem modesto: os fundos nele investidos não atingem nem a alguns centésimos dos que foram nas outras. Contudo, no que tange aos demais aspectos, quero dizer — o seu posicionamento, o seu panorama geral, ou a vista que o circunda, enfim, a beleza paisagística, que se pode daí desfrutar infinitamente — torna-o ímpar neste vasto universo. É esse o elogio uníssono de vários especialistas no assunto. Passarei a descrevê-lo pormenorizadamente. Temos, antes de mais nada, o ambiente naturalmente adequado. O monte em que se localiza não é muito alto: uns cem metros

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acima do nível do mar. Além disso, dista algumas quadras da estação ferroviária, o que significa uma caminhada de quinze minutos, ou cerca de cinco minutos de carro; não poderia haver lugar mais conveniente. O seu cronograma de construção prevê três estágios. Atualmente, encontram-se em andamento as obras do primeiro, e prevê-se para meados do corrente o preparo do terreno. Na sua parte mais alta, cuja área mede 3.960 metros quadrados, programa-se a edificação de um templo de 1.188 metros quadrados, com perto de trinta e dois metros de frente e trinta e seis de fundo. Sua forma será moderníssima, no estilo Le Corbusier, da França — aquele que hoje domina o mundo —, tendo eu acrescentado um toque ainda mais moderno ao projeto. Seu desenho é simples ao extremo: um prédio sem telhado e inteiramente branco. Curiosamente, parece que o estilo Le Corbusier nasceu das construções destinadas para a Cerimônia do Chá. Numa das laterais do terreno, já está erguido um muro de sete metros de altura e noventa metros de extensão. Somente este já é o bastante para, com sua imponência, deixar boquiaberto quem o vê.

É indizível a beleza das curvas, ricas em variação natural, das colinas que se elevam e afundam ao redor do núcleo dominado pelo templo: não se pode evitar de pensar que foi Deus quem preparou este local. Ao contemplarmos o conjunto do seu sopé, provavelmente experimentaremos a sensação de viajar por um país de sonhos, esquecendo-nos de que estamos neste mundo.

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Quanto a isso, o atual projeto prevê o plantio de cem pés de ameixeiras de idade avançada, igual número de cerejeiras da variedade Yoshino, cinqüenta pés de cerejeira de flores dobradas, algumas dezenas de azáleas gigantes, arbustos tais como timeléias, roseiras, lilares, glicíneas, globuláceas, camélias, além de flores como tulipas, jacintos, narcisos, crisântemos de primavera, anêmonas, amores-perfeitos, cravos, ciclamens e outras mais. Já que todas essas plantas florescem exclusivamente na primavera, o espetáculo, na época em que o Zuiun-Kyo foi inaugurado, decerto escapa à imaginação e, naturalmente, será algo inédito no mundo.

O que até agora vim descrevendo diz respeito apenas ao primeiro estágio. Acredito que, com a conclusão do segundo e terceiro seguintes, esta obra será, infalivelmente, um dos motivos de orgulho do Japão. Podemos, portanto, desde já, contar com que o Templo Toshogu, de Nikko, e o Paraíso Terrestre de Atami, façam parte do programa obrigatório do visitante estrangeiro no Japão.

Finalmente, desejo esclarecer o motivo original que me levou a projetar a citada construção. Como sempre digo, a missão do Japão está em ser o país da Arte. Assim, meu objetivo está na criação de uma obra-prima, unindo as belezas natural e artificial japonesas. Para tanto, antes de mais nada, é primordial a escolha da sua localização. A conclusão a que cheguei, após percorrer o país inteiro, foi de que Atami constitui o sítio ideal e excelente para o projeto. Desnecessário discorrer a respeito do seu clima ameno, das termas, das suas montanhas, do seu mar, das suas ilhas (Hatsushima e Oshima) e da beleza incomparável da paisagem oferecida pela riqueza de recortes da sua linha marítima. Além disso, tome-se em conta a sua facilidade de acesso, por se localizar na distância média entre as Regiões Leste e Oeste, sua vizinhança com o Parque Nacional de Hakone e a Península de Izu, etc. Na verdade, um sítio excelente concedido pela graça divina, do qual nada mais se tem a exigir. Tudo isso sem contar que adquirimos consecutivamente mais de sessenta e seis mil metros quadrados dos terrenos com a melhor paisagem dentro de Atami. Naturalmente, como sua compra se deu há alguns anos, quando os preços eram extremamente baixos, não resta a menor dúvida de que Deus o preparara outrora, para tal

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fim, sendo evidente que reúne as condições necessárias para a construção do protótipo do Paraíso Terrestre.

Kyussei, nº 49 — 11 de fevereiro de 1950

CONSIDERAÇÃO ACERCA DO PARAÍSO TERRESTRE

Aquilo a que nos referimos como Paraíso Terrestre é, em termos mais claros, o Mundo do Belo. Teremos, assim, o embelezamento das relações pessoais, dos prédios, das ruas, dos meios de transporte, dos parques. Como ao belo coaduna-se o asseio, deveríamos ter, em escala mais ampla, o embelezamento e o saneamento da administração pública, da educação e da atividade econômica, assim como devem tornar-se mais belas também as relações diplomáticas internacionais. Raciocinando assim, percebe-se o quão a sociedade contemporânea encontra-se repulsiva. Especialmente, a beleza é excessivamente escassa nas classes baixas. A razão está em elas serem por demais economicamente desfavorecidas, fato que colabora tanto para a decadência do Ensino, quanto para a precariedade dos estabelecimentos públicos. Daí, conseqüentemente brotará também a intranqüilidade social.

Desejo tocar em particular, aqui, sobre o campo das diversões. No tangenteàs diversões, é mister a presença efusiva da Beleza. O motivo encontra-se em que não há nada que suplante a consciência do Belo na elevação da sensibilidade humana. Por isso, também, é que sempre exortamos para o exercício da Arte. Desnecessário mencionar, agora, o quanto a baixeza e a vulgaridade das Artes e do entretenimento público de hoje em dia vêm degradando o espírito do homem.

O fator primordial para a realização do Mundo da Beleza trata-se, pois, do poder econômico. Enquanto a população for pobre, é impossível mesmo sonhar com essa concretização. Para a obtenção desse poderio econômico é preciso, então, que o povo trabalhe incansavelmente, elevando sua força de produção. A condição básica para tal encontra-se, indiscutivelmente, na saúde de cada indivíduo. Nisto reside o ponto cardeal desta Igreja — a manifestação da força curativa sem-par neste mundo —,

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tornando-se evidente pelos inúmeros detentores de saúde perfeita que efetivamente estão sendo criados.

Portanto, deve-se dizer que esta religião recebeu, pela primeira vez, de Deus, a qualificação para estabelecer o Mundo da Beleza, sendo esse conseguimento apenas uma questão de tempo. Assim, conclamo o público a acompanhar atentamente, de hoje em diante, os movimentos de nossa Igreja, para comprovar o que digo.

Kyussei, nº 65 — 3 de junho de 1950

O SIGNIFICADO DO SHINSEN-KYO

É preciso conhecer o grande e profundo significado deste Shinsen-Kyo que — excluindo-se o Museu de Belas-Artes — está quase pronto. Originalmente, o intento de Deus de ter criado o Japão é de torná-lo o parque do mundo. Basta observar a Natureza nipônica para compreender o fato. Não apenas o panorama natural, mas a beleza paisagística, bem como a imensa variedade de espécies botânicas, são peculiaridades exclusivas do Japão: essa é a opinião unânime daqueles que conhecem a fundo o exterior. A tal respeito, quando comparamos o território japonês a um parque, Hakone seria o parque dos parques. Escusado dizer que é o lugar ideal por excelência, mesmo por sua localização. Hakone situa-se no centro do Japão; avista-se dali, próximo a Fuji, montanha mundialmente famosa, e é de fácil acesso, já que se localiza na divisa das regiões Leste e Oeste do país. Outro fato incomparável é a sua condição primeira como sítio de rara beleza paisagística. Ademais, existem neste local fontes térmicas, um grande lago, suas montanhas não são altas nem baixas, tampouco existem despenhadeiros que inspirem medo — pelo contrário, o seu delineamento montanhoso é suave e maravilhoso, fazendo com que nos familiarizemos com ele. Naturalmente, também os seus regatos são belos, contando com cascatas, ainda que pequenas. Hakone reúne, pois, todas as condições de lugar excelente. A par desta minha descrição, o local tem algo de bom, de simplesmente agradável. Por natureza, eu aprecio águas termais, não havendo quase nenhuma que eu não tenha pesquisado na Região Leste do Japão. Todavia, creio não haver alguma que supere as de Hakone; daí a

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razão da minha escolha. Concretizando um sonho de algumas décadas, resolvi finalmente fixar minha residência aqui em Gora. Isso acabou culminando com a inauguração, hoje, do protótipo do Paraíso Terrestre.

Como me referi anteriormente, o parque do mundo é o Japão, e o parque do Japão é Hakone. Acresce-se a tal fato que o sítio de Gora situa-se na posição mais pitoresca de Hakone, o que permite chamá-lo de “O Parque de Hakone”. Curiosamente, o Shinsen-Kyo fora antes um jardim japonês e, agora, abaixo dele, há um parque no estilo ocidental. Logo, é de se deduzir também dessa perspectiva que o local fora outrora preparado por Deus. Pela explicação acima — se bem que suscinta — poderão compreender que o Shinsen-Kyo é um desígnio profundo e sutil da Divina Administração do Senhor Deus. Ainda neste sentido, é possível afirmar que o culto de hoje, destinado a comemorar o primeiro passo rumo à construção do Paraíso Terrestre, é um evento auspicioso de caráter mundial.

Eiko, nº 70 — 20 de setembro de 1950

ATÉ A CONCLUSÃO DO PARAÍSO TERRESTRE

Passarei a escrever a respeito da construção do Paraíso Terrestre, desde seu início, empreendimento único de nossa Igreja. Confesso que, mesmo em se tratando apenas do seu protótipo, a empreitada não é facil. É plausível afirmar que a construção de algo de semelhante envergadura não acha quase precedente algum no Japão; quanto ao exterior, desconheço. No que T´ange a mim próprio, confesso que nutria minhas esperanças, mas na hora de agir, experimentei certa vacilação. Contudo, do lado do Senhor Deus, que quer que de qualquer maneira eu execute esta obra, tanto a manifestação de variados milagres como todas as circunstâncias pareciam me impelir a tal empreendimento, de modo que minha maneira de pensar gradativamente se modificou, e eu ganhei certa autoconvicção, passando a aguardar a época oportuna. Isso foi por volta de 1943. A guerra com os Estados Unidos, então, intensificava-se mais e mais. Com o perigo representado pelo bombardeamento aéreo de Tóquio (caso isso se verificasse, tudo estaria perdido), acabei por me ver obrigado a mudar-me. O que percebi, então, foi que a citada oportunidade havia finalmente

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chegado. Assim, pus-me a espreitar Hakone. A razão é que, há muito, eu já me simpatizava demais com Hakone e Atami.

No caso de Hakone, entretanto, eu me restringia à região de Gora. Assim, mandando procurar um imóvel aí, fiquei sabendo que a casa de campo do Sr. Raita Fujiyama estava, oportunamente, à venda. Fui vê-la, de imediato, e agradou-me extraordinariamente. No dia seguinte, combinei adquiri-la. Conquanto fosse bem antigo, o prédio nada deixava a desejar. A área do terreno tinha 1.980 metros quadrados. O prédio media 330 metros quadrados, com a entrada voltada para o sudeste. Vencida uma escadaria de pedra natural de mais de dezoito metros, chega-se a um alpendre, onde, por sua vez, há uma escada de três degraus. Subindo estes e dobrando um vasto corredor, dá-se novamente com outra escada de oito degraus. Segue-se a ela um salão adequado para a instalação do altar. O panorama que se descortina ao redor é realmente encantador: decerto o primeiro de Hakone. Esta casa, ademais, do ponto de vista da sua fisionomia arquitetônica, possui excelentes traços. A entrada do sudeste é a melhor possível; tem-se um suave aclive do portão em diante; do alpendre até o salão há, como já mencionei, duas escadas. Outrossim, a ala esquerda foi construída no estilo japonês, distinta da direita, que o foi nos moldes ocidentais. Nomeia-se esse traço de “asas de grou” — o melhor deles. Além de tudo, a ala no estilo ocidental tem o formato de um navio, significando o avançar rasgando as ondas: tudo é ideal, de fio a pavio. Vale ressaltar que o prédio, no conjunto, sobreergue-se sobre um rochedo — é isso que deve apontar o trecho das orações xintoístas: “erguendo os grossos pilares do templo sobre a rocha enraizada na terra”. Sendo a casa apropriada à moradia divina, torna-se muito claro que o Deus já a tinha providenciado para tal fim.

A este prédio dei o nome de Shinzan-So (Solar da Montanha Divina), por ter o monte Kamiyama (Montanha de Deus), o mais elevado de Hakone, na sua parte de trás. Na sua frente, um pouco mais baixo, está o monte Soun-Zan. Tão logo me transferi para Shinzan-So, adquiri da Companhia Ferroviária Tozan Dentetsu o terreno vizinho de 6.000 metros quadrados. Nele, existia um pequeno parque chamado Nihon Koen (parque japonês), construído há vinte anos pela citada companhia. Por este, há

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espalhadas algumas casas de campo de aluguel. Na verdade, porém, de casa de campo só o nome: estão em ruínas, impróprias para se habitar. Toda essa área encontrava-se desleixada há anos, de modo que a erva daninha cresceu ao sabor da natureza, tornando, mesmo durante o dia, o local umbroso, a ponto de não se poder discernir sequer a passagem. Naturalmente, inexistia qualquer superfície plana aí, mas, como eu pretendesse construir um anexo na parte central do parque, corrigi o seu relevo acidentado, conseguindo, finalmente, uma área de cerca de cem metros quadrados. Na época, por ser impossível construir área superior a cinquenta metros quadrados, limitei-me a essa dimensão. Encontrávamo-nos, então, no auge da guerra, sendo impossível adquirir material de construção. No entanto — por feliz coincidência — eu reunira anos antes madeira de qualidade muito boa, a fim de construir um anexo nos jardins de Hozan-So em Tóquio. Faltava apenas erguer os esteios, quando recebi ordem judicial sustando a construção, por causa do processo que nos foi movido. Desde então, esse material esteve intacto. Lembrei-me repentinamente dele, pensando que viera bem a calhar com a ocasião. O problema, agora, era o transporte, uma vez que não se podia lançar mão de caminhões particulares. Entrementes, um fiel ligado às Forças Navais tomou conhecimento do fato, oferecendo-se para carregar o material. Iniciada, afinal, a construção, quando as obras já haviam avançado um terço do total, os bombardeios aéreos tornaram-se cada vez mais violentos, passando a ser inviável a obtenção mesmo do arroz para a alimentação dos operários. Vi-me obrigado a interromper, momentaneamente, a construção. Foi quando — que maravilha! — certo fiel chegou de repente carregando de caminhão seis sacas de arroz e fez-nos a doação delas. "Muito bem! Deus não permite a interrupção das obras" — pensei. O serviço continuou assim, sem ser interrompido. Em agosto de 1946, ficou pronto o atual Kanzan-Tei (Pavilhão de Contemplação da Montanha).

Com o término da guerra, em 15 de agosto de 1945, como eu pensasse em construir uma casa maior, mandei, no mês seguinte, que um meu subordinado fosse à província de Akita, com o propósito de adquirir 180 metros cúbicos de cedro. Na época, o preço da madeira era ainda barato: aproximadamente mil e setecentos ienes o metro cúbico. Esse material foi obtido de, aproximadamente, cinquenta pés de cedro da

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floresta de um templo. Entrementes, soube que um terreno de dois mil metros quadrados, situado na parte mais baixa do Shinsen-Kyo, havia sido posto à venda. Adquiri-o logo, imensamente satisfeito, pois, já há algum tempo, eu o queria muitíssimo. De posse dele, aprestei a encosta, obtendo, assim, uma área plana de várias centenas de metros quadrados, para construir um templo. Quando eu me encontrava prestes, então, a passar para as obras, graças à apresentação de certa pessoa, recebi inesperadamente a visita do professor de artes Isoya Yoshida, autoridade máxima dos círculos arquitetônicos do Japão contemporâneo. (No momento, ele se encarregava do projeto do Teatro Nacional de Kabuki). Por nosso diálogo, percebi que ele era inteligentíssimo e suas idéias se coadunavam com as minhas, sentindo positivamente que me fora enviado por Deus. Desta maneira, seja o material de construção, seja o terreno ou o arquiteto, Deus arranjava-me inteiramente o que era preciso, no exato momento. Foi uma sucessão de milagres, do princípio ao fim. Esse prédio é o atual, que hoje tem o seu nome alterado para Nikko-Den (Templo da Luz do Sol).

Foi nessa época que batizei os Jardins Sagrados de Gora de Shinsen-Kyo. Situam-se em seu interior as seguintes construções: o Shinzan-so, prédio adquirido primeiramente, e o Kanzan-Tei, que construí a seguir. Destinei este último para minha moradia, mas, em virtude de ter ficado pequeno em demasia, acabei de ampliá-lo este ano. O prédio localiza-se bem no centro do Shinsen-Kyo. Dele avista-se excelente panorama, circundado que está em seus três lados por montes — origem do seu nome: Pavilhão de Contemplação da Montanha. A casa de chá construída no terreno plano abaixo dele chama-se Sanguetsu-an, tendo também ficado pronta este ano. Ela foi concluída em três anos, pelo famoso carpinteiro Seibee Kimura, que, em sua construção, dedicou corpo e alma. Ao lado da casa de chá abri uma trilha ladeada de trevos, construindo em comemoração uma casinha a que chamei de Hagui-no-ya (Casa dos Trevos). Quero abrir parênteses para citar um episódio a respeito dela. Há mais de vinte anos — quando aqui era ainda o Nikon Koen (jardim japonês) — existiam várias casas de campo de aluguel. Como eu já gostasse de Gora desde há muito e tivesse vontade de aqui morar algum dia, aluguei um desses bangalôs e passei nele um verão. As recordações

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desse tempo são-me inesquecíveis e levaram-me a reformar aquele bangalô: a presente Hagui-no-ya. Construí, um pouco adiante do caminho que passa defronte da Hagui-no-ya, um bosque de bambu, no qual dispus rochas, à maneira chinesa. Quem por ele passeia, elogia-o, comparando uma viagem a um recanto mágico. Daí, subindo alguns degraus de pedra, chega-se a uma área relativamente ampla. Atualmente, esse terreno passa por obras de correção do relevo, para a construção do Museu de Belas-Artes.

Já escrevi uma vez que o Shinsen-Kyo constitui um empreendimento inovador, jamais experimentado por alguém. Uma vez que eu o estou construindo por ordem de Deus, seria plausível chamá-lo de Arte Divina. Seu alvo é a criação de uma obra de arte em que as belezas paisagísticas naturais e as da jardinagem artificial coexistam em perfeita harmonia. No sentido de acrescentar maior brilho ao conjunto, planejei o mencionado Museu. Somente o belo paisagístico e o da jardinagem deixariam algo a desejar. A mostra de objetos de arte exclusivos deste país é imprescindível para a idealização do verdadeiro Paraíso. Há mais um objetivo. Calculando o imenso serviço que se prestaria em prol da apresentação da arte nipônica, caso franqueasse o Shinsen-Kyo ao visitante estrangeiro que, em futuro próximo, viria a Hakone em passeio, resolvi tornar tal fato uma realidade. O mesmo se aplica, evidentemente, à casa de chá. Por intermédio disso, quero, pois, mostrar, em âmbito mundial, o quão profunda é a compreensão do japonês diante da Arte, o quão elevada é a sua capacidade de julgamento e superior a sua técnica. Acredito estar, com tal empreendimento, desempenhando um papel importante na execução das diretrizes da política nacional.

Passarei a descrever, aqui, o histórico e uma miscelânea de fatos referentes ao Shinsen-Kyo. Quando se estende o olhar de algum ponto elevado do Jardim Sagrado, delineiam-se diante do apreciador as curvas azuladas e brandas dos picos Myojin e Myojo, ligando Kintoki ao desfiladeiro de Otome. A suavidade do contorno montanhoso peculiar de Hakone não deixa de abrandar o coração de quem o contempla. Comparando o pico Myojin à manga esquerda de uma veste larga, tem-se que a direita é o monte Asama. Do vão que se abre um pouco entre ambas as mangas, avista-se, ao longe, no fundo da névoa, como um imenso lago, a

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placidez do mar. Nem é preciso dizer que é a parte do Golfo de Sagami, próximo a Odawara. Quando o céu está aberto, a Península de Miura surge aí como um fio. Um pouco mais acima, nos limites da linha do horizonte, a cadeia nebulosa de montes que se estende flutuante é a Península de Boso: o contorno em zigue-zague característico do monte Nokoguiri é visto com nitidez. Olhando na direção oposta, o monte Asama parece-se com uma tigela emborcada, alargando-se ao longe, até o monte Soun. A grande montanha que parece dominá-la é a Kurogatake, famosa como ponto de excursões.

Deixando o panorama distante por aqui, passemos, agora, a vaguear pelos jardins. Como estamos no sopé do monte Soun, ao erguermos a vista, este monte oferece a sensação de integrar o jardim, tal a sua proximidade. Por toda a parte encontram-se imensos rochedos e pedras exóticas, interessantes tanto no formato como no colorido, sem haver uma única semelhante às demais: também aqui é possível detectar a refinada habilidade divina. Além disso, cercando a parte sudoeste do Kanzan-Tei, enfileiram-se rochas de mais de três metros de altura, a proteger o prédio dos ventos que sopram do monte Kamiyama, característica da região de Hakone. Esse também é mais um fenômeno misterioso. É de se notar, em especial, a gigantesca pedra que se ergue em frente ao alpendre, como a escondê-lo, lembrando a pedra fundamental que assentam nas construções com a finalidade de afastar os malefícios.

Vale frisar, ainda, que, em toda a região de Hakone, Gora é o local rochoso por excelência, podendo-se afirmar que o seu pólo central, onde se localiza o nosso Shinsen-Kyo, é o núcleo onde essas pedras e rochas se concentram. Escavando-se a terra nestas cercanias, vemos aflorar rochedos e rochedos, sem fim. Contudo, uma quadra mais além, o que se acha é quase só terra, sendo muito raro o descobrimento de alguma pedra, fato este que não se pode qualificar senão de estranho. Ademais, é infinita a gama de tais rochas, estando à vontade quem pretende elaborar um jardim. As espécies principais são, primeiramente, uma de cor cinzenta, ângulos agudos e duríssima; a seguir, tem-se uma de consistência algo mais branda, de um colorido cinza com matizes azul-escuras. O fato de esta se apresentar com reentrâncias e fendas provém, decerto, do sem-número de choques a

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que foi submetida durante a sua vertedura. O terceiro tipo é similar à lava, vermelho escuro; o quarto é de tonalidade limonística, anguloso e duro. É evidente que todas elas foram vertidas aqui, durante a erupção do monte Soun. Essa erupção aconteceu com o rompimento do leito rochoso da crosta terrestre, mediante a liberação de gases, ou seja, uma exploração vulcânica.

O curioso é que há sinais de que, com essa erupção, depositou-se um volume exorbitante de cinzas vulcânicas. Isto porque, no vilarejo Miyaguino, nesta proximidade, ainda hoje, quando se escava a terra, desenterra-se troncos de cedros de 6 a 9,09m de altura, que, com o passar dos anos, se petrificaram e endureceram, sendo ótimos para a manufatura de artesanatos. Dizem que, antigamente, os agricultores da região os escavavam lucrando bastante com a sua venda. Daí deduziu-se que a camada de cinzas vulcânicas acumuladas era de quase 15m. O cedro maior de todos media 1,80m de diâmetro, e eu também o vi.

Olhando o Monte Sooun, percebe-se bem o sinal da cratera no centro, pela sua depressão e pela tonalidade avermelhada da terra. A terma do Vale Oowakutani, provavelmente, surgiu nessa ocasião, e a água termal desse local constitui a Terma de Gora. Uma vez, escalei os montes Sooun, Kamiyama e Komaketake. Todos são cobertos de arbustos. Não havendo árvores grandes, percebe-se que a erupção se deu em época não muito remota, pois as cinzas vulcânicas estão impregnadas de enxofre. Em suma, em todas as montanhas de Hakone não se vê árvores de grande porte; talvez as referidas cinzas tenham atingido pontos distantes. A razão, talvez, pela qual a região de Hakone não conte, em sua maior parte, com árvores de grande porte, provém da dispersão dessas cinzas num amplo raio geográfico.

Mas, retornando ao assunto anterior, digo que não há uma mera rocha, árvore ou planta do jardim Sagrado que não esteja consoante minhas instruções. Curiosamente, quando eu desejo determinada pedra, ou ela se acha pelas cercanias, ou, em se cavando por aqui, ela aparece, sem falta. Compreende-se perfeitamente, por mais esse fato, que Deus faz com que, hoje, eu edifique estes jardins segundo a Sua Vontade, orientando-me a tal,

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após ter criado, há milhares de anos, este leito rochoso, solidificando-o convenientemente, e depois reduzindo-o, pela ação de uma erupção vulcânica, a pedaços adequados, os quais foram depostos ao redor do Shinsen-Kyo. É, pois, por demais óbvio que Deus me faz construir o Paraíso Terrestre do qual sempre falo, tomando-me como o Seu instrumento. Digo mais: toda árvore, planta ou flor necessária, ou chegam a mim gratuitamente, ou ainda, caso existam em alguma arboricultura ou jardim de chácara das cercanias, vêm a mim floricultores, querendo vendê-las. É simplesmente estranho e maravilhoso. Em geral, quando se pretende realizar uma obra um pouco maior ou um empreendimento custoso, dizem que se enfrentam dissabores e dificuldades. Comigo, no entanto, nada disso acontece. Como já mencionei, consigo, normalmente, tudo o que quero ou necessito. O mesmo se dá com o dinheiro: não me preocupo, pois amealho sempre o preciso. Sem falta ou excesso; na medida exata. O primeiro passo foi dado em maio de 1944, decorrendo apenas meros seis anos desde então. Nesse intervalo, não obstante os transtornos ocasionados pela guerra, as obras de Atami e Hakone progrediram de tal forma que não se permite jamais imaginar terem sido feitas em espaço de tempo tão curto. Assim, é até inevitável que a sociedade crie caso e faça alarde em torno de mim. Todavia, como disse antes, uma vez que tudo está sendo posto em prática exatamente de acordo com as indicações de Deus, não há razão para tropeços nem fracassos. Tudo corre perfeitamente.

Não posso deixar de descrever aqui outro milagre. Nesses seis anos passados, não houve sequer, até hoje, um único morto ou ferido, durante o deslocamento daquelas rochas imensas para a sua distribuição nos jardins. Notem que as maiores atingem até 1,80 metro de diâmetro e chegam a pesar acima de 75 toneladas. Segundo o depoimento de profissionais no assunto, na execução de obras de semelhante porte, é normal que haja alguns mortos ou muitos feridos. Acrescentam sempre: "Em uma obra como esta, é simplesmente inacreditável". Eles acabaram por perceber que existe a atuação de uma força sobre-humana, passando a acreditar na existência de Deus e a conscientizar-me, ao que parece, da minha missão. Hoje todos abraçam a nossa Fé.

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Esta é a súmula do ocorrido desde o início até o dia de hoje. Atualmente, excetuando-se o Museu de Belas-Artes, quase todo o restante se encontra próximo da conclusão. Por conseguinte, pretendo realizar a inauguração simultaneamente à celebração do Culto de Outono. Essas cerimônias estender-se-ão de 21 a 27 de novembro próximo, por uma semana, consecutivamente pela ordem de associações. Na realidade, eu queria concentrá-las em três dias. Entretanto, o espaço do Nikko-Den é por demais exíguo para comportar todos os participantes, mesmo com a instalação de um toldo provisório nos jardins. Tornou-se inevitável, então, alongá-las por uma semana. Além das cerimônias, haverá entretenimentos, durante os sete dias, cuja programação prevê proporcionar aos presentes uma atmosfera inteiramente paradisíaca, contando com a participação de artistas de primeira categoria, os quais diariamente encarregar-se-ão de espetáculos únicos. Como sempre afirmo, o Paraíso Terrestre é o Mundo da Arte, não estando perfeito, caso, além das belezas natural e artificial já mencionadas, não contar com entretenimentos que deleitem os olhos e os ouvidos, como a música e a dança.

Termino, então, o relato dos antecedentes da construção do protótipo, ainda em pequena escala, do Paraíso Terrestre. Em síntese, quero proclamar que o culto e as celebrações próximas, como o passo inicial desta obra, constituem evento memorável e de extrema importância.

Até a Conclusão do Paraíso Terrestre — 21 de setembro de 1950

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O PARAÍSO É O MUNDO DA ARTE

Sempre afirmo que o Paraíso é o Mundo da Arte; contudo, isso é por demais sintético. De fato, a compleição das Belas-Artes, da Literatura e da Arte do entretenimento, corresponde ao supracitado, estando bem assim. Na verdade, porém, todas as Artes devem estar presentes. Melhor ainda: caso o próprio Paraíso não seja consubstancial com a Arte, não se poderá dizer que ele é genuíno.

Até mesmo a cura das moléstias mediante a terapia espiritual por mim propalada é, na realidade, uma esplêndida arte da vida, pois a essência da arte implica na satisfação dos quesitos que são a Verdade, o Bem e o Belo. Num doente, antes de tudo, não existe a Verdade, porque o homem deve ter saúde, por natureza, o que é a Verdade. Portanto, se ele tiver a saúde abalada, significa já ter perdido a maneira de ser original do ser humano. Tomemos o exemplo de um jarro. Caso ele apresente um defeito em alguma parte, seu uso torna-se impróprio. Ou vaza água dele, ou não pára de pé, ou parte-se ao ser utilizado. Não há, pois, Verdade nele como jarro. Logo, para fazermos uso dele, torna-se mister consertá-lo. Idêntico acontece com o homem. Por causa da doença, passa a ser impossível a ele agir como tal, tornando-se uma existência inútil. Então, é preciso repará-lo. Eis aqui o Johrei de nossa Igreja.

A seguir, consideremos o Bem. Se não houver uma única parcela de bondade no homem, e ele só praticar o Mal, também deixará de ser homem no sentido verdadeiro — será um animal. Semelhante indivíduo, por prejudicar a coletividade, é desnecessário para ela. Antes, sua existência passa a ter que ser negada. Mas isso é da competência de Deus, possuidor do poder de vida e morte sobre nós. Em conseqüência, incorre-se em fracassos, padece-se de doenças, cai-se na mais profunda miséria e, às vezes, perde-se a própria vida. Tais acontecimentos são, nada mais, nada menos, que o exercício da justiça divina. Quando digo simplesmente Mal, há que se discernir o praticado conscientemente daquele que o foi inconscientemente. Conforme tal diferença, há o sofrimento correspondente. Nesse sentido, Deus é realmente imparcial.

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O tópico final seria a Beleza, mas por este se tratar de assunto inteiramente conhecido, dispensa esclarecimentos. É evidente, então, que a condição fundamental para a transformação deste mundo no Paraíso é a concretização da Verdade, do Bem e da Beleza. Por conseguinte, tanto a cura de doenças, quanto a reformulação da metodologia agrícola por nós efetivada, constituem Arte, indiscutivelmente. Aquela constitui, como disse há pouco, a Arte da Vida; esta última, a Arte da Agricultura. Somada a elas, tem-se a construção do protótipo do Paraíso Terrestre, que é a Arte da Beleza. Pela conjunção destes três elementos, ou seja, pela consubstanciação do trinômio Verdade — Bem — Belo, edificar-se-á o Mundo da Luz. Este é o Paraíso Terrestre, o Mundo de Miroku.

Eiko, nº 72 — 4 de outubro de 1950

A CONCEPÇÃO DO PARAÍSO TERRESTRE

Havendo ainda uma série de coisas, além das que já escrevi até hoje, no que tange aos dois Paraísos Terrestres em construção em Hakone e em Atami, passarei a discorrer sobre elas. Como sempre digo, objetivo a criação de uma obra de arte global da natureza, por meio do máximo realce conferido à beleza original de cada elemento — a começar da paisagem natural — quesito básico do Paraíso Terrestre — inclusive as árvores que florescem, as de copa verdejante, a beleza dos matizes variegados das flores, bem como as pedras, os rochedos, os arroios e os lagos — e, simultaneamente, pela atenção dispensada à harmonia de todo o conjunto.

Assim, as obras de Hakone já estão de setenta a oitenta por cento do seu total concluídas, enquanto as de Atami não chegaram ainda à metade. Entretanto, crendo que se pode tirar uma idéia final do estado de ambas as obras, solicito aos senhores visitantes apreciá-las na medida do possível com calma e suficientemente, de todos os ângulos e detalhes também. Seja como for, as obras foram tomando forma gradativamente, em consonância com a orientação divina, instruindo eu os encarregados, sem desleixar no detalhe de uma árvore, uma planta ou uma pedra sequer. Gostaria, pois, que ao percorrê-las, fizessem-no levando esse fato em consideração.

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Conquanto existam — e em número considerável — jardins que gozam de fama desde antigamente, talvez não haja outros tão inusitados como estes Jardins Sagrados. Afirmo isso porque também eu já visitei, o quanto pude, muitos e variados jardins, porém foi difícil achar um que me impressionasse. Passo a enumerar os até hoje vistos por mim. Aquele jardim de pedras, hoje inexistente, do Duque de Satake, em Mukojima; o do Duque de Okuma, em Waseda; o Parque Koraku, de Koishikawa; o Parque Rikugi, de Komagome; o Parque Horai, de Yanaguihara; o Jardim Botânico, de Koishikawa; a Vila Imperial, de Hama, e os Jardins Imperiais, de Shinjuku. Além deles, visitei, no interior, as vilas imperiais de Katsura e Shugaku-in, de Quioto, e os parques Sankei, de Yokohama, Ritsurin, de Takamatsu, e Kenroku, de Kanazawa. Tanto estes como aqueles, porém, tratam-se, na sua maioria, de jardins do estilo feudal convencional, sendo plausível dizer que não há um único interessante como o nosso Shinsen-Kyo, de Hakone. Particularmente, no que toca ao aspecto da fartura de pedras e rochas de formato exótico, não seria exagero afirmar que este é o primeiro do Japão.

No tangente à Atami, a construção tem sido conduzida a passo acelerado, estando o término do jardim previsto, no mais tardar, ainda para o corrente ano. Os senhores não perdem por esperar. Como sabem, a beleza do panorama grandioso, que, desse local se deslumbra, goza do conceito de não encontrar outra semelhante no Japão inteiro. Em breve, estarão terminadas a correção do relevo do terreno e a sua completa arborização. Quando, a partir da próxima primavera, as ameixeiras, os pessegueiros, as cerejeiras e as azáleas abrirem consecutivamente as suas flores, quem quer que contemple tal espetáculo terá o seu olhar seduzido pela magnífica vista, imerso na sensação de viajar pelo paraíso deste mundo. Não resta dúvida de que, uma vez concluído, virá a ser um dos lugares famosos do Japão.

Acabo de fazer uma descrição, grosso modo, apenas da beleza natural. Passarei a escrever, brevemente, também sobre a artificial. Espera-se que o Museu de Belas-Artes de Hakone fique pronto até maio do ano vindouro. Assim, o Paraíso Terrestre de Hakone estará praticamente concluído. Como a construção deste museu foi toda planejada por mim, gostaria que aguardassem com interesse o seu desfecho. Quanto às obras a

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serem aí expostas, os entendimentos com museus do país inteiro e coleções particulares, para a mostra do que há de mais refinado neles, já estão acertados. A sua inauguração atrairá grande público, com certeza. É provável que, no Japão, ele venha a ser um museu de primeira categoria. Por eu o ter construído como um modelo inicial, suas dimensões não são tão avantajadas. Entretanto, o de Atami, a ser posteriormente terminado, deverá tornar-se um museu de artes exemplar, do qual nos orgulharemos não apenas diante do Japão, mas diante do mundo inteiro. Acredito, portanto, que mesmo de uma perspectiva internacional, estaremos contribuindo, de maneira inestimável, em prol da cultura humana.

Eiko, nº13 — 18 de julho de 1951

OS JARDINS DA TERRA DIVINA

Estes Jardins Sagrados de Gora, que há cinco anos venho construindo, estão concluídos cerca de oitenta por cento do seu total. Comparando apenas o que já ficou pronto com jardins de renome de diversas localidades do Japão, devo dizer — modéstia à parte — que os nossos não ficam atrás. Há aqui uma diferença enorme. O fato é que existem um sem-número de jardins afamados e esplêndidos, cada qual dono de uma graça particular, é verdade. Em geral, porém, tal característica não é lá grande coisa. Contudo, no que T´ange a este Shinsen-kyo, a diferença é tremenda, como os senhores podem ver. Por ter encontrado aqui espantosa abundância de rochas e pedras naturais de formato exótico, eu as dispus e arranjei uma a uma, conforme a orientação divina, e construí algo num estilo inteiramente novo, rompendo com as regras da jardinagem tradicional, sem me prender às convenções. Tanto no tocante às árvores, as quais selecionei e com elas combinei uma vasta variedade, de modo a se adequarem ao todo, como no tocante às cascatas e arroios, acentuei, na medida do possível, o sabor da natureza, e procurei expressar suficientemente o que existe de elevado e bom na arte natural, conjugando as belezas da paisagem e do jardim. Escusado dizer que minha intenção é purificar a alma e sublimar o caráter daquele que contemplar estes jardins, despertando, por meio da visão, a concepção de beleza que o ser humano traz latente em seu interior.

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A minha obra assemelha-se exatamente a de quem pintou um quadro, fazendo uso de materiais naturais: após a combinação das rochas e escolha exaustiva das árvores e demais plantas, arranjei-as uma a uma, colocando meu coração em cada ato. Assim sendo, gostaria de que os senhores apreciassem os jardins tendo tal dedicação em mente. Acredito que, seja vendo de perto, como de longe, parcialmente, ou contemplando o conjunto, ou de que ângulo for, descobrirão um sabor próprio aí. Ademais, com o fluir do tempo, das reentrâncias das rochas entrevêem-se musgos típicos de Hakone, plantinhas de nome desconhecido, flores delicadas e graciosas e árvores que despontam retorcidas, parecendo cada qual querer atrair a atenção do visitante. Ultimamente, o jardim ficou tão bom, que parece outro, tendo-se coberto, por inteiro, de certa pátina que lhe confere amadurecimento. Eu próprio devo confessar que, ao vaguear por ele, muitas vezes sinto dificuldade de me afastar desse local. Outrossim, quando o volume de água cresce depois das chuvas, tem-se a impressão de contemplar das alturas a correnteza de um vale profundo: o regato que avança por entre as rochas vai arrebentando-se e espargindo espuma branca, volteia-se celere para, por fim, acabar-se em duas quedas d'água. Tal espetáculo arrebata-nos a alma. A cachoeira da direita, Ryuzuno Taki (Cascata da Cabeça do Dragão), com suas quedas, é interessante. Também o é a da esquerda, fendendo-se em mil fios que se espalham em todas as direções. Ainda agora reflete-se, diante dos meus olhos, o vulto de uma andorinha que, num átimo, passa rente ao véu d'água. Sem dúvida, manifesta-se aqui, de maneira perfeita, a beleza harmônica entre o natural e o realizado pela mão do homem, satisfazendo-me por ter saído muito além das minhas expectativas. Ao contemplar estas cascatas, a sensação que se tem é a de estar numa grota de serra, ou mesmo diante de uma magnífica tela. Geralmente, as cascatas construídas pelo homem têm um quê de vulgar que as estraga, mas nestas tal não se faz notar, parecendo completamente naturais. O colorido dos bordos de outono que nelas se reflete, os matizes próprios das demais árvores, as touceiras cerradas, tudo faz acreditar que se está numa floresta profunda. Fiquemos por aqui na descrição da parte do jardim que já foi acabada. Agora, no lote vago que se estende largo na parte dos fundos, nas vizinhanças do parque, comecei a preparar outro jardim bastante diferente, tendo planos bem originais que

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fogem dos limites do imaginável. Ficando pronto, vai assustar a qualquer um. Vim deste modo escrevendo o que me vinha à mente, e posso estar sendo considerado um grande arrogante, por enaltecer imprudentemente a minha própria obra. Do ponto de vista usual, esta consideração estaria correta. Entretanto, foi Deus quem, por meu intermédio, realizou esta obra, não havendo inconveniente algum, portanto, em que eu louvasse a técnica divina, ou seja, a arte de Deus. Pelo contrário, é até justo, pois é o mesmo que glorificá-Lo. A esse respeito, devo citar que o senhor William W. Shudler, professor de geografia de certa escola superior norte-americana, tendo vindo visitar-nos, enalteceu com ardor o jardim dizendo que, do seu prisma profissional, vira muitos jardins pelo mundo afora, mas nenhum tão artístico e precioso como este, sendo adequado classificá-lo como o primeiro do mundo.

Passemos, a seguir, a tratar do Museu de Belas-Artes, o qual será construído por último. Prevê-se que, até o verão do ano vindouro, ele esteja pronto. Com a sua conclusão, o Jardim Sagrado do Shinsen-Kyo deverá irradiar um brilho ainda mais intenso. No tocante às obras de arte a serem nele expostas, além do pouco que possuo, já levantei, em grande parte, aquelas catalogadas como tesouros nacionais de posse de museus, coleções particulares e templos de várias regiões do país, com as quais tenho gradativamente travado contatos. Portanto, ele virá a ser um museu que não ficará atrás dos demais. Outrossim, minha diretriz é, restringindo o número do material histórico e arqueológico, selecionar, segundo critérios estéticos, sem levar em consideração se se trata de arte ocidental ou oriental, antiga ou moderna, e expor somente obras-primas dos grandes mestres de cada época. A razão é que um museu de belas-artes não cumprirá a sua missão como tal, caso não proporcione, a quem quer que seja, independente desse alguém possuir ou não olho crítico, comover-se com a beleza e com ela deleitar-se. Ademais, é lógico que eu estou executando tudo, a começar do projeto de construção, passando pelas instalações internas, a decoração e outros aspectos mais, conforme a orientação divina. Por conseguinte, quando o museu ficar pronto, apresentará efeitos diversos dos outros.

Assim, o Shinsen-Kyo ficará praticamente pronto. Na alvorada da sua conclusão, a Obra Divina ingressará na etapa de efetivo desenvolvimento. E não é só. A edificação do Paraíso de Atami também

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passará para uma etapa de progresso vertiginoso. Deus faz com que tudo se processe ordenadamente: esta é a Verdade.

Eiko, nº 122 — 19 de setembro de 1951

NÃO PERTUBEM O MEU TRABALHO (I)

O empreendimento ao qual hoje me dedico inteiramente, de corpo e alma, é do pleno conhecimento dos fiéis, e, recentemente, parece aumentar o número de indivíduos que o compreendem de maneira razoável, mesmo nos meios intelectuais — fato que nos deixa felizes. Porém, como ainda há pessoas enganadas a seu respeito, desejo escrever um breve esclarecimento dirigido a elas. Naturalmente, por elas também ignorarem a realidade desta Igreja, são desnorteadas por boatos ou notícias falsas veiculadas pelos meios de comunicação. Entre tal tipo de gente, existem ateus empedernidos, que, de nascença, detestam religiões. E, embora pareça mentira, há mesmo quem, talvez, por identificar-se com o Mal, se sinta irritado conosco, uma vez que a religião prega a prática do Bem. Contudo, excluindo-se os comunistas, não haverá uma pessoa sequer que seja contrária à melhoria do Japão — a mãe pátria.

O objetivo deste texto que agora passo a escrever reside, pois, essencialmente, em tópicos de áreas compreensíveis mesmo aos leigos, sem tocar em qualquer assunto religioso, como Deus ou Fé. Quero tratar dos protótipos do Paraíso Terrestre que atualmente estou construindo em Hakone e Atami e, como o primeiro é de escala menor, escreverei sobre o segundo.

Os meus planos, desde o início, são de criar uma obra-prima de arte sem igual no mundo, conjugando as belezas natural e artificial. Nesse sentido, cito, em primeiro lugar, a opinião vigente de que o nosso Japão é o país mais rico da Terra em paisagens. De fato, apesar de eu nunca ter ido ao exterior, posso considerá-lo assim, sob vários pontos de vista. Como sempre falo, o Japão foi criado por Deus com o objetivo primeiro de servir de parque mundial, e, por felicidade, eu nasci neste país e nele moro atualmente. Tudo, portanto, veio perfeitamente a calhar. Então, procurei

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quais dos pontos do território japonês mais condiriam com os meus propósitos, descobrindo serem eles Hakone e Atami. Pesquisando estes dois lugares, encontrei, misteriosamente, os terrenos e as moradias ideais, adquirindo-os com facilidade. Posteriormente, finda a guerra, tudo correu a contento, e fui conseguindo, tanto em Hakone como em Atami, seguidamente, as áreas de terras necessárias. Hoje, em ambos os locais, elas atingem perto de 66 mil metros quadrados, o que pode ser considerado, em termos de extensão, suficiente. A porção de Hakone, porém, pelo relevo da região, em que há predominância de montanhas escarpadas e sobreposição de rochas, não é apropriada para uma estrutura de grandes proporções. Atami, ao contrário, não tem montanhas altas, e há bastantes áreas de solo terroso, facultando livremente a execução de um projeto em grande escala. E é isso que estou a erigir ali, atualmente.

Dentre todas as condições preenchidas pelo terreno de Atami, a primeira delas é o esplêndido panorama que oferece. São unânimes as opiniões de quem o vê, no sentido de que não há outro local assim no Japão inteiro, por mais que se procure. Além do mais, suas condições de acesso são ótimas, pois, como é do conhecimento geral, situa-se praticamente no ponto médio entre as Regiões Leste e Oeste, viabilizando o fácil trânsito de ambas as direções. Outras características são: o inverno ameno, a fartura de fontes termais, o verde que envolve a cadeia de montes circunvizinhos, o mar — como um espelho — da Baía de Sagami. À direita, a beleza curvilínea traçada ao longe por cinco cabos; à esquerda, são também interessantes as duas ou três ilhotas que se põem na ponta da Península de Maizuru. Nos dias ensolarados, delineia-se a linha da Península de Miura a flutuar no horizonte como num sonho; no fundo das brumas; o comprido traço que se estende como que a dormir é a Península de Boso: atrai-nos o olhar a estranha sinuosidade, em ziguezague, do famoso Monte Nokoguiri. Diante de nossas vistas, posta-se a Ilha Hatsushima, como a pedra de um jardim em miniatura; à sua direita avista-se, ainda, a Ilha Oshima, que, com seu contorno suave, parece negar as suas intensas atividades vulcânicas.

O ponto do qual se avista o magnífico panorama acima descrito é o Mirante Panorâmico, existente no centro do Zuiun-Kyo. Seja por sua localização, seja por sua altitude, este mirante é o mais adequado para se

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vislumbrar toda essa vista; quem quer que aqui se coloque louva o lugar, dizendo ter experimentado o Paraíso na própria Terra. Aqui é, sem dúvida, a Terra sagrada preparada por Deus quando da criação do Universo. O que seria este lugar senão a maior obra-prima de Deus? Ademais, por sua proximidade com a estação de trem, que permite daí vir em quinze minutos a pé ou cinco de carro, por meio de um caminho em suave aclive, seu acesso é extremamente fácil. Faz cinco anos exatos desde que comprei, em 1946, pela primeira vez, uma área. A partir de então, diariamente, de cinqüenta a cem pessoas vieram trabalhando ativamente até hoje, em conformidade com o projeto por mim traçado. Assim, a correção do relevo do terreno tem sua conclusão prevista para o final do corrente ano. Aí plantaremos, principalmente, dois mil pés de vinte diferentes variedades de azáleas, mil pés de cerejeiras, e quinhentos pés de ameixeiras, além de todo tipo que se puder reunir de arbustos floríferos, de modo que as flores abram, incessantemente, uma depois da outra. Será acertado chamá-lo de paraíso espetacular ou ideal.

Então, passar-se-á, finalmente, à edificação, em primeiro lugar, a partir da próxima primavera, do Templo Kyussei Kaikan. Será um prédio de um andar, com área de 2.640 metros quadrados, construído em um terreno de 4.290 metros quadrados. É natural que será em concreto armado, numa forma inteiramente inovadora, tendo por base o estilo que, hoje, domina o mundo arquitetônico — o Le Corbusier —, ao qual introduzirei minhas idéias. Concluído, decerto atrairá para si as atenções da sociedade, como construção religiosa de caráter mundial. Realmente, o estilo Le Corbusier combina de maneira perfeita com o senso da época, mas, carecendo de ar solene, está mais voltado para construções de uso prático, como prédios governamentais, de apartamentos e residências; parece não ser muito apropriado para construções religiosas. Entretanto, por não ver necessidade de fazer opção, nos dias de hoje, por prédios clássicos semelhantes a relíquias do passado, meu projeto, além de expressar bem o senso moderno, deverá contar com as respectivas inovações na decoração interna e demais elementos.

Eiko, nº 131 — 21 de novembro de 1951

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A RESPEITO DO PARAÍSO TERRESTRE

Observando a sociedade atual, como o demonstram os jornais e, diariamente, noticiários de rádio, não é que as coisas que não prestam são muitas? Como é do conhecimento geral, além das guerras, podemos enumerar, por cima, a corrupção do funcionalismo público, assassinatos, assaltos, embustes, furtos em lojas, suicídios, inclusive de famílias inteiras, tuberculose e doenças contagiosas, carência de arroz, falta de moradia, escassez de moeda, opressão fiscal... As boas notícias são raras como estrelas no céu da manhã. Perguntamo-nos, então, por que esta sociedade ficou assim? Haverá, de fato, vários motivos, mas, em suma, é a decadência da Moral, é a evidência do grau do rebaixamento do nível humano. Ultimamente, a intelectualidade e os educadores passaram a ter interesse pela questão. Uma das causas poderia estar nos excessos da ideologia liberal do pós-guerra. Por conseguinte, parece que os círculos competentes estão discutindo não haver outra solução para o momento, a não ser a restauração e o incentivo do Ensino e da educação moral e cívica. O que é de se estranhar é que, no Japão, não se busque jamais a resposta na religião para tais casos. No entanto, não é para menos. As religiões antigas são por demais impotentes, enquanto, nas modernas, a superstição e o charlatanismo parecem dominar. Conseqüentemente, não se encontra de maneira alguma o método de solução radical para o problema.

Contudo, eu estou tocando um projeto concreto, com vistas a colaborar para a resposta da questão, de um ponto de vista distinto. Têm-se, primeiramente, as diversões de um modo geral. Desnecessário mencionar, aqui, a necessidade que o povo tem da diversão, em qualquer época. Mas o caso é que, na sociedade hodierna, são numerosos os divertimentos baixos e vulgares. Não existe, de fato, inconveniente nenhum no teatro, no cinema, nos esportes, no jogo de go, no xadrez japonês, no mahjong, no pebolim ou outros. Penso, todavia, que se fazem enormemente necessários divertimentos mais elevados. Nesse sentido, temos os protótipos do Paraíso Terrestre, que atualmente esta Igreja está construindo em Hakone e Atami. Como já escrevi amiúde, estão edificando-se paraísos grandiosos e ideais, com a conjugação das belezas natural e artificial. Além do mais, trata-se de algo de tal maneira esplêndido, que talvez, até hoje, não houve quem

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idealizasse uma concepção em moldes semelhantes. Modéstia à parte, quem quer que se ponha fisicamente aqui, vem a se esquecer de tudo, embriagado pela atmosfera completamente distante do mundo vulgar e infernal: experimenta-se a sensação de estar por sobre as nuvens. Embora o projeto encontre-se ainda pela metade, todos o elogiam assim.

A obra de Hakone está prestes a ser concluída, mas, por suas dimensões serem diminutas, deter-me-ei na descrição mais acurada do projeto de Atami, em construção. Nos seus jardins de cem mil metros quadrados, rico em elevações e concavidades, estamos plantando árvores que dão flores, como ameixeiras, cerejeiras e azáleas, entremeando-as com outras de folhagem, preparando, também, canteiros de flores variegadas. Assim, com a chegada da primavera, não somente essa paisagem encantará a vista, mas a contemplação do panorama da Baía de Sagami ao longe permitirá dizer, sem exagero, ser este o jardim das delícias, grandioso e ideal. Além de tudo, em termos de posição, tal Paraíso Terrestre goza da melhor em Atami. Com vistas a abrilhantar ainda mais o conjunto, teremos um museu de belas-artes clássico que, na alvorada da conclusão, tornará necessariamente o Paraíso Terrestre centro da admiração de japoneses e estrangeiros. Portanto, qualquer pessoa que uma vez puser aqui os seus pés terá sua alma lavada das impurezas do hábito mundano e mitigado o seu espírito da aridez. Naturalmente, não apenas sua disposição com relação ao trabalho tornar-se-á vívida, aumentando sua eficiência, como também, espontaneamente, sua moral se elevará. O efeito sobre o espírito social, pois, será extraordinário.

Eiko, nº 137 — 1º de janeiro de 1952

O GRANDE SIGNIFICADO DO PARAÍSO TERRESTRE DE SHINSEN-KYO

Finalmente, ficará pronto o tão aguardado protótipo do Paraíso Terrestre de Shinsen-Kyo, sobre as montanhas de Hakone. Desnecessário é mencionar que uma obra como estes Jardins Sagrados não apenas desconhece similares no próprio Japão, mas também no exterior. No topo de um monte assim elevado, usei abundante e livremente rochas e pedras

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dos formatos mais exóticos, pus em ordem, entre elas, árvores, flores e plantas alpinas, e fiz serpentear por aqui e acolá arroios rápidos: a paisagem proporcionada pela beleza natural que a contento se saboreia, juntamente com o sussurar da água, dá a sensação de que se passeia por um paraíso distante da vulgaridade do mundo, segundo o veemente elogio de todos os que o vêem. Ademais, como a abrilhantar o conjunto, tem-se um templo de beleza fulgurante, de maneira que penso poder sentir orgulho desta como uma obra de arte que conjuga, no todo, a beleza natural à artificial.

Tal impressão, contudo, provém da perspectiva humana. Do ponto de vista espiritual, encerra-se aqui um significado enorme, muito além do que se pode supor. Passarei a elucidar isso com detalhes. De posse dessa compreensão, vislumbrar-se-á quão profundos, sutis e insondáveis são os desígnios divinos, como transcendem a inteligência humana e o quão grandiosos são. Como sempre digo, nos desígnios de Deus, as coisas são inicialmente feitas extremamente pequenas, vão expandindo-se gradativamente e, por fim, alcançam âmbito mundial — fato deveras misterioso. Tal também vem aplicar-se ao mundo material. Quer dizer, quando o homem vai fazer algo grande, constrói primeiramente o protótipo; isso feito, passa à sua execução. Pode-se, por conseguinte, considerar que o Paraíso Terrestre de Shinsen-Kyo, ora acabado, está a sugerir o Paraíso Terrestre mundial do futuro. No tocante a essas considerações, passo a revelar a razão profunda da minha escolha pelas montanhas de Hakone.

Da perspectiva espiritual, o centro do mundo é o Japão, e o Monte Fuji, o pilar central do Globo Terrestre. Reparem no formato dessa montanha — a graciosidade do contorno é ímpar no mundo inteiro. Tido desde a Antigüidade como montanha divina e pico espiritual, os estrangeiros a consideram mesmo o símbolo do Japão: há um sentido profundo oculto aqui. O futuro deste país é tornar-se o centro do Paraíso Terrestre, tendo isso sido estabelecido como Lei Divina, desde os primórdios da criacão do Universo. Reparem na beleza da paisagem, na variedade da sua flora, nas vistas características das quatro estações, nas transformações operadas nas coisas, consoante a mudança do clima... Essa abundância de dádivas divinas torna o país por si mesmo dono de uma beleza paradisíaca. Não é por menos que o Imperador Shih-Huang, da

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dinastia Ch'in, da China, tenha chamado o Japão de lha de Horai (Paraíso) do Oriente. Outrossim, a índole do nosso povo prima especialmente por seu senso estético (opinião também vigente no exterior) a ponto de nenhuma outra etnia poder conosco igualar. É de se admirar, ademais, que no Japão, desde tempos remotos, se encontre uma coleção de obras de arte de vários países do mundo. É o Japão, assim profusamente abençoado, o país que, pela vontade de Deus, traz em si os elementos formadores do Paraíso. A razão de eu sempre afirmar que o Japão é o parque e o museu de belas-artes do mundo reside nesse fato.

Desta maneira, o território japonês é um parque mundial, sendo o seu centro Hakone, que é, por sua vez, o parque do Japão, além de posicionar-se, no ponto central deste, o que é evidente, quando se considera que a porção oriental do país, tomando-se Hakone como referencial, é chamada de Região Leste, e a ocidental, de Região Oeste. Do ponto de vista cultural, também, não existirá país que tenha assimilado tanto a cultura oriental como a ocidental, controlando-as; o país que tem a missão de criar uma cultura pacifista e ideal é o Japão. Ouvi dizer que, recentemente, em determinados círculos intelectuais norte-americanos, surgiram indivíduos que defendem tal tese. Realmente, penso que deve ser assim. O centro do Japão é, pois, Hakone, que por sua vez tem o seu centro em Gora. Quando daí levantamos nosso olhar, a montanha que se ergue detrás do Monte So-un é a Kamiyama (Montanha de Deus), o pico mais alto da Cordilheira de Hakone — o seu centro verdadeiro. Desnecessário dizer, então, que este é o ponto divisório do leste e do oeste do Japão. Isto sim é algo verdadeiramente místico, sendo justa a denominação "Montanha de Deus".

Na realidade, portanto, eu deveria construir o Paraíso Terrestre sobre essa montanha, mas pela inviabilidade, escolhi o presente local. Nomeei a minha primeira moradia, em Gora, de Shinzan-So (Solar da Montanha Divina), tomando esta montanha por modelo. De forma idêntica, batizei inicialmente o atual Nikko-Den de Alojamento So-un, em virtude do monte do mesmo nome. A seguir, outro fato interessante. Foi a Companhia Tozan Dentetsu que deu início à exploração de Gora. Onde, hoje, se situa este Shinsen-Kyo, ela construíra o Parque Japonês; mais abaixo, no atual

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Parque de Gora, o Parque Ocidental, o que também é misterioso. Assim, o Japão é o parque do mundo; o parque do Japão, Hakone, e o de Hakone, Gora. O centro de Gora é o Shinsen-Kyo, que é o verdadeiro centro do mundo.

Nesse sentido, o fato de ter-se chegado ao término do Shinsen-Kyo significa que o Paraíso Terrestre surgiu no centro do mundo. Em outras palavras, é o nascimento do Paraíso Terrestre, tratando-se, então, do maior evento comemorativo desde o início do mundo, e uma data a ser festejada mundialmente por toda a eternidade. O dia quinze de junho virá a ser, no futuro, o dia do Culto do Nascimento do Paraíso Terrestre. A propósito, tenho um importante fato a comunicar. A partir de hoje, a atividade espiritual será implementada, e um enorme redemoinho, centrado aqui e avançando da direita para a esquerda, expandir-se-á gradativamente pelo mundo, trazendo uma mudança sem precedentes: a grande reforma da sociedade.

Eiko, nº 216 — 8 de julho de 1953

CUMPRIMENTOS DE ANO NOVO

Em se tratando de cumprimentos de Ano Novo, costuma-se escrever sempre coisas convencionais, razão pela qual não andava, há algum tempo, muito entusiasmado. Este ano, porém, diversamente dos demais, sinto muito ânimo, e a pena me avança célere. Como é do conhecimento geral, hoje, passados três anos “após a queda das flores vem a frutificação” desta Igreja, os frutos parecem estar bem desenvolvidos. Digo o porquê. O Templo Messiânico, soberano do Paraíso Terrestre de Atami, edificado sobre o Seisei-Dai, será finalmente concluído neste outono. Ao mesmo tempo, o Suisho-Den (Palácio de Cristal), erigido em cima do mirante, também deverá ficar pronto ainda neste ano. De outro lado, com o intervalo de um ano, prevê-se para o vindouro o término do Museu de Belas-Artes, estando, pois, bem próxima a conclusão do Paraíso Terrestre de Atami.

Será o bastante, todavia, apenas que o Templo Messiânico e o

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Palácio de Cristal fiquem prontos, para que a sua visão magnificente deixe todos os que os virem com os olhos arregalados, porque ambos constituem prédios num estilo inteiramente inédito, tanto no Japão quanto no exterior; não só o jardim, com as suas árvores verdejantes e flores multicoloridas que os circunda, constituindo um adereço esplendoroso e paradisíaco, como também o excelente panorama que daí se avista, a partir da longínqua Ilha de Izu, passando pela Península de Miura até a de Boso, tudo isso cria uma grande terra da arte, única no mundo e merecedora do nome de Paraíso Terrestre. Na alvorada da sua constituição, deveremos considerá-lo, sem exagero, não um local famoso do Japão, mas do mundo. Tal julgamento pode ser comprovado pelo comentário, nesse sentido, que certo jornalista norte-americano, aqui em visita, dias atrás, teceu juntamente com palavras de louvor.

Outrossim, o Museu de Belas-Artes de Atami, tanto por suas dimensões como instalações, supera o de Hakone em todos os aspectos e contribui para dar maior brilho ao conjunto. Pode-se contar desde já com o fato de que, em breve, será assunto internacional. Acrescento ainda que, este ano, a expansão da Igreja no Hawaí e nos Estados Unidos será formidável. É indiscutível que, também no território japonês, a Medicina Espiritual e a Agricultura Natural, pólos destes Ensinamentos, atrairão gradativamente as atenções gerais, contando, num futuro próximo, com número crescente de simpatizantes no exterior. A programação divina, desta maneira, ingressa num estágio de progressivos sucessos, sendo desejável que os senhores fiéis, com semelhante disposição, avancem firmes.

Esta é, em síntese, minha aspiração para o corrente ano.

Eiko, nº 241 — 1º de janeiro de 1954

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II - SOBRE O MUSEU DE BELAS-ARTES

A ILHA DE HORAI

O Japão, quando percebido do ponto de vista de uma cultura pacífica, é sempre por mim considerado como um país verdadeiramente excelente. Prentendo, então, escrever um pouco daquilo que tenho percebido em relação a tal assunto. Gosto de obras artísticas e, desde jovem, a cada oportunidade, vim dedicando a minha atenção a essa área, dentro dos limites permitidos pelas circunstâncias. Mesmo nos dias de hoje, continuo a ver tais obras, a comprazer-me com elas e a estudá-las e — fato surpreendente — é-me possível afirmar que, no Japão, encontra-se quase toda a variedade de obras artísticas do mundo inteiro. Desejo ressaltar, particularmente, o fato de que, dentre essas obras, as chinesas foram abundantemente coletadas pelos detentores do poder diletante de cada época, desde a Antigüidade, e chegaram em nossos dias bem conservadas. Esse é o fruto de um trabalho que não pode passar em branco, pois, antes de mais nada, evitou a destruição e a dispersão dessas obras artísticas por um longo espaço de tempo, proporcionando-lhes um cuidadoso tratamento. Tal fato advém, ao que parece, desde o Período Fujiwara, e a ele acresce que as excelentes obras de talentos e mestres nascidos no Japão também foram legadas. Ademais, surgiram obras-primas notáveis no espaço que vai do final do xogunato e adentra-se pela Era Meiji. Graças ao fato de os zaibatsu e magnatas terem disputado entre si a coleta de obras artísticas, o Japão arrebanhou e entesoura um vasto acervo de obras antigas e modernas, peças chinesas e coreanas, bem como um número relativamente extenso de obras ocidentais. Este é um país sem par no mundo. O Japão é, sem dúvida, um museu de artes mundiais.

Entrementes, no que T´ange à China, que é uma das fontes do referido acervo, as conturbações dos incêndios oriundos de guerras causaram a destruição e a queima de um grande número de obras (em particular, quase não sobraram pinturas antigas), restando tão somente umas poucas peças em bronze, cerâmica e porcelana. Tais obras recebem a denominação de "peças soterradas", e salvaram-se da destruição por terem estado sob a terra durante muito tempo, sendo que existem em relativa

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quantidade. Porém, a partir de algumas décadas atrás, tanto magnatas quanto intelectuais americanos e ingleses descobriram essas obras, e, como as compraram com avidez, não resta quase mais nada delas, atualmente. Hoje, no British Museum (acervo doado pelo multimilionário inglês Sr. George Eumorfopoulos) e nos de Boston e de Washington, elas existem em número razoável, tendo eu já visto fotografias delas. Nos dois últimos museus, elas são, na sua maior parte, em bronze, cerâmica e porcelana, e, naturalmente, vêm a ser peças de primeira qualidade. Contudo, em se tratando de pinturas, não há das antigas; as existentes são apenas algumas obras modernas. No Japão, todavia, existem em bronze, cerâmica, porcelana, e pinturas, bem como outras obras da China e da Coréia em número incalculável. Como, porém, encontram-se espalhadas pelo país inteiro, uma vez que não estão, à semelhança do que ocorre na Inglaterra e nos Estados Unidos, reunidas em um só recinto, é impossível apreciá-las. Como se diz usualmente, trata-se de um tesouro jogado às traças. Na verdade, no Japão, a começar dos museus, existem várias galerias particulares de artes, as quais deixam, realmente, muito a desejar. Nos museus — aqueles a que cabe cumprir um papel importantíssimo —, os elementos histórico e arqueológico assumem preponderância, e, no que toca às galerias privadas, essas têm — que me desculpem a expressão — o defeito de serem demasiadamente pequenas.

Detendo-me por aqui, em matéria de arte, é meu desejo discorrer algo sobre um fato fundamental — nada mais, nada menos que a longevidade humana. Deixando à parte as eras anteriores à do imperador Jinmu, é possível obter a comprovação, por intermédio de bibliografia, de que, mesmo em épocas posteriores, pessoas comuns gozavam de longevidade superior a uma centena de anos. O que se conclui, então, é que as doenças inexistiam. Esse fato pode remeter-se à completa ausência de remédios. Aquele famoso imperador Shih-Huang, da Dinastia Ch'in, disse ao seu súdito Hshu Fu que, no Mar Oriental, situava-se uma Ilha por nome Horai, e, como seus insulares pareciam gozar de grande longevidade, deveria haver ali, sem dúvida, um bom remédio. Ordenou, então, que fosse procurá-lo. Hshu Fu veio, então, daquelas paragens longínquas até o Japão. Ao desembarcar aqui, entretanto, já que essa droga inexistia, ele não a encontrou, por onde quer que a procurasse. Desesperançado, não logrou

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retornar à sua pátria, permanecendo, assim mesmo, no Japão, e aqui findou a sua vida. A veracidade desse fato é clara pela existência do seu túmulo em Kumano, ainda hoje.

Tentei discorrer dessa maneira, concisamente, sobre esse assunto e concluo: caso todo o povo venha a ser sadio e goze de longevidade superior a cem anos, a Arte do mundo inteiro seja encontrada em abundância e a beleza natural das montanhas e rios seja generosa, a que outro lugar haveremos de dar o nome de Ilha de Horai, do Mar Oriental, que não a este? Todavia, não nos enganemos: é ainda muito cedo para nos alegrarmos. Esclareço: esta somente poderá ser a genuína Ilha de Horai quando, além do mencionado, não mais houver criminosos, quando a auto-suficiência alimentar for alcançada e ao findar-se a inquietação com guerras. Tal fato, entretanto, não é difícil. Assim que esta religião for conhecida pela maioria dos japoneses, tal maravilha, infalivelmente, concretizar-se-á. Quão gratificante é esta religião!

Eiko, nº 100 — 30 de maio de 1951

NÃO PERTURBEM O MEU TRABALHO (II)

A seguir, explanarei sobre o Museu de Arte: este será um prédio de três andares, com superfície total de cerca de mil tsubo. Seu estilo é que vem a ser um novo problema, porque, conquanto ele deva ser, a grosso modo, do estilo Le Corbusier, desejo fazer dele uma construção universal, que exponha completamente sua atmosfera como museu de arte. Outrossim, no tangenteas obras artísticas a serem nele expostas, almejo ao degrau mais elevado no mundo, não só em termos quantitativos, é óbvio, mas também qualitativamente. Esclareço: existem museus, tanto gerais quanto de arte, seja nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França e em outros países. Seja como for, porém, o que eles têm a exibir é composto quase que só por peças ocidentais. Em contraposição, no Museu de Arte a que me refiro, a tônica reside na arte oriental. O Oriente, no âmbito da arte universal, ocupa (opinião também compartilhada com os amantes europeus e norte-americanos da Arte) posição de irrefutável primazia. Este é um fato evidente também pelo desvelo dispensado nos Estados Unidos e na Europa,

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nestes últimos anos, na coleta de arte oriental. Pelo mesmo motivo, as peças que eles adquiriram de algumas décadas para cá, sem poupar dinheiro, após terem percebido tal valor, abrilhantam atualmente os museus de seus respectivos países. Entretanto, o curto intervalo de algumas meras décadas não é o bastante para que se atinja um estado satisfatório, o que constitui matéria de aflição para os intelectuais europeus e norte-americanos. Todavia, por obra da fortuna, no nosso Japão, desde um milênio e alguns séculos atrás, foram armazenados a contento, no país, além, naturalmente, das obras da China e da Coréia, aquelas peculiares ao Japão. Posto que o processo tenha acontecido de maneira dispersiva, podemos estar inteiramente confiantes nessa supremacia. Contudo, no momento atual, é lamentável que a maior porção de tais peças esteja guardada ociosamente, mas nada se pode fazer. É que, seja como for, diversamente do que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos, o Japão, até o presente momento, não teve a oportunidade de ser útil à humanidade, dando vida a esse acervo. Ademais, tem-se que as obras artísticas chinesas e coreanas, hoje em dia, quase não mais existem nos seus próprios países de origem. A causa reside no fato de que, em conseqüência dos repetidos incêndios dos quais, desde outrora, essas peças foram vítimas, elas ou se perderam, ou se consumiram pelo fogo. O que acontece, quando muito, é o aparecimento ocasional de um número ínfimo de peças escavadas que, indo parar nas mãos de europeus e norte-americanos, são expostas em museus gerais e de arte.

Entretanto, no Japão, desde há mais de um milênio, importaram-se, desnecessário dizer, obras-primas em pinturas e artes plásticas da China e da Coréia, sendo que, no próprio Japão, já há mil e trezentos anos, na época do reinado de Suiko, os seus habitantes criaram uma arte budista peculiar ao país, aprendendo essa mesma arte da China Antiga. Posteriormente, o Japão avançou e desenvolveu-se em todo tipo de obra artística, e, pela interação do nascimento de talentos invulgares e de grandes mestres, um número incontável de obras-primas foram produzidas, através dos períodos Tempyo, Fujiwara, Kamakura, Muromachi, Tokugawa, Meiji e Taisho, até os dias de hoje. Assim, o cabedal de excelentes peças de arte oriental acumulado nesse longo espaço de tempo é verdadeiramente imenso. Além de tudo, desde tempos remotos, a casa imperial, os xóguns, os senhores

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feudais e, mais recentemente, os zaibatsu, amaram e valorizaram esse acervo, esforçando-se na sua preservação. Ainda hoje, peças valiosas e de renome encontram-se cuidadosamente guardadas por todo o país. Deve-se, então, dizer que a afirmação sempre por mim feita de que o Japão é um museu mundial de arte vem muito bem a calhar.

Por semelhante motivo, no museu de arte que agora hei de construir, aplacarei a sede dos diletantes de todos os países do mundo, reunindo nele o supra-sumo da arte oriental. Concomitantemente, isso também resultará no mostrar a altura do nível cultural japonês. Terá, outrossim, um grande efeito na remoção do estigma de nação belicosa carregado pelo japonês, e, quando o museu de arte estiver concluído, poderei anunciar com orgulho sua contribuição para com a política nacional de convidar personalidades estrangeiras ao nosso país. Além do supracitado, há mais um fato importante. Trata-se do intenso desejo que os artistas nipônicos nutrem, hoje, de ver as obras-primas da arte antiga, como referência. Todavia, é plausível dizer que quase inexistem instalações suficientes para satisfazer a esse anseio. Há tão somente os museus de Quioto, Tóquio e Osaka, e alguns museus de arte privados. Naqueles, os elementos histórico e arqueológico são preponderantes; nestes, o que existe deixa muito a desejar. No que toca exclusivamente aos museus de arte, deve-se dizer que são uma espécie de expediente para a preservação de propriedade, e, quando muito, mostram seu acervo a determinado público, em apenas dois curtos intervalos, na primavera e no outono. Pela ausência de um museu cuja organização simplificada permita a quem quer que seja ver suas obras quando quiser, não haverá necessidade de eloqüência para dizer o quão útil seria este museu de arte, no caso de sua concretização, para o desenvolvimento da cultura do nosso país, de agora em diante.

Como se depreende do acima exposto, uma quantidade enorme de peças raras e de renome jaz profundamente enterrada nos depósitos dos zaibatsu e das classes distintas, no Japão, hoje. Em contraposição, se de um lado há também um sem número de artistas e diletantes de todo o Japão apaixonados por tais obras, o que então se faz indispensável, a partir de agora, é um organismo que conecte ambas as partes. Nesse sentido, é primordial obter a compreensão dos donos das obras artísticas.

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Concomitantemente, se faz mui necessário um museu de arte dotado de instalações completas, para viabilizar a exibição dessas peças, com a tranqüilidade de seus donos.

Prolonguei-me na escrita deste, mas digo que um empreendimento de semelhante porte está prestes a ser concluído, mediante meu esforço único, e, precisamente por isso, esta não é em absoluto uma empresa fácil. Talvez, trate-se mesmo de uma obra grandiosa, jamais experimentada por alguém, em toda a História da humanidade. Para tanto, embora fosse quase impossível contar com a ajuda estatal, na verdade, eu poderia receber um auxílio razoável do município ou de grupos privados, mas é que eu não gosto de tal dependência. A causa é que, caso fosse objeto desse auxílio, eu não poderia trabalhar impetuosamente, consoante minhas idéias. Seja como for, em se tratando de um empreendimento que não visa ao lucro, e de um projeto inédito, de dimensões por demais grandiosas, quero manifestar a minha individualidade, até o fim, exatamente como um artista faz com a sua obra.

Parece haver jornalistas que falam a esmo desta religião, no que diz respeito à grandiosa empresa acima descrita, sem conhecer o seu real conteúdo. É desejável que reflitam profundamente sobre tão impensada atitude. Como se pode depreender do discorrido, eu venho esforçando-me em silêncio, em prol da cultura mundial e do porvir do Japão. Assim, hoje, quando as coisas, graças ao auxílio divino, vêm, de um modo geral, correndo a contento, eu me sinto satisfeito. Como esta empresa é de caráter nacional, ou antes, universal, se eu não me lançasse à sua consecução, alguém teria que fazê-lo, e quanto mais rápida fosse sua realização, maior seriam seus préstimos para o desenvolvimento cultural. Portanto, quero solicitar a todas aquelas pessoas que ainda não conheçam o projeto, ou que por ele tenham algum interesse, que visitem, primeiramente, o local de sua instalação. Nesse caso, não apenas mostrarei tudo com desvelo, como não pouparei esforço em explicar o projeto, até que meu interlocutor se satisfaça.

Eiko, nº.112 — 28 de novembro de 1951

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ATÉ A CONCLUSÃO DO MUSEU DE ARTE

O Shinsen-Kyo, em construção desde há algum tempo, encontra-se finalmente próximo de seu término, e eu não posso conter minha vontade de comemorar o evento. Simultaneamente, o que está irradiando, de maneira extraordinária, um brilho todo diferente, é decerto o Museu de Belas-Artes. Este, também, como é visível, ficou pronto mais cedo do que se imaginava, faltando, agora, apenas as instalações interiores. Basta só dispormos nele os objetos necessários, para que, então, esteja inaugurado. Outrossim, com o término concomitante de todo o conjunto do Shinsen-Kyo, escolhi, por fim, o dia 15 de junho vindouro para celebrar o ofício de sua conclusão, junto com a cerimônia de inauguração do Museu de Arte. Aproveito a ocasião para tecer diversas considerações sobre museus de arte. No que diz respeito aos museus de arte existentes desde o início até hoje, não há um sequer que esteja sempre franqueado ao público em geral. Em virtude de realizarem exibições somente duas vezes ao ano, na primavera e no outono, para determinadas pessoas apenas, seu significado, em termos de valor sócio-cultural, é, na verdade, pouco profundo. Outrossim, no tangenteàs peças de exposição, esses museus ou pendem somente para a arte chinesa, ou para a arte búdica, ou para a arte relacionada com a Cerimônia do Chá, ou, ainda, para a pintura ocidental, assumindo um papel restrito. Entretanto, o Museu de Belas-Artes de Hakone, a ser aberto agora, posto que de dimensões reduzidas, abrange a arte oriental em sua totalidade. Além do mais, penso ter selecionado, na medida do possível, peças superiores de cada época, e, por isso, sem querer gabar-me dos meus próprios feitos, posso dizer, antes de mais nada, que este é um museu ímpar no mundo. Assim sendo, ele poderá servir, não pouco, ao propósito de elevar a circunstância cultural do Japão, também, sob uma perspectiva de nação. Portanto, para dizer a verdade, a realização de semelhante empresa de caráter público é impossível para um indivíduo ou uma organização religiosa, devendo ser da alçada estatal. Contudo, seja como for, sob a atual conjuntura econômica, tal feito, decerto, é impossível. Assim, pode-se dizer que o meu projeto de museu de arte é oportuno. Ademais, se for fazer algo que mereça o nome de museu de arte, os custos de construção, bem como o trabalho e o capital necessários para a coleta das obras artísticas a serem nele expostas, não são nada simples. E, em se

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tratando de uma religião recém-formada, como é o caso desta, as dificuldades enfrentadas não foram comuns. Sofreu impedimento e pressões terríveis, provenientes não só da incompreensão das autoridades, como também da visão equivocada da sociedade, o que ocorre até hoje, como é do conhecimento geral. Uma vez que foi possível, mesmo assim, concluir o Museu de Arte de acordo com o previsto, vencendo todas essas barreiras, jamais posso considerar, se fico meditando sobre todos esses acontecimentos, que esta tenha sido uma obra humana. Ao pensar nisso, pela profundidade da proteção do Senhor Deus, comovido, contenho as emoções e agradeço.

Este museu de Arte, outrossim, teve tanto sua construção quanto instalações planejadas inteiramente por mim, sem que eu me servisse, o pouco que fosse, dos préstimos de profissionais na matéria. Assim o fiz, porque eu tinha confiança em mim próprio e queria edificar um museu de arte cujo projeto fosse inovador, como modelo para os demais que, no futuro, serão edificados não só em cada localidade do Japão, escusado dizer, mas no mundo inteiro. Nesse sentido, é evidente que eu tenha dedicado especialmente a minha atenção aos mínimos detalhes e, portanto, ainda desejaria ser contemplado, sem falta, com a crítica da sociedade em geral. No T´angente, ademais, às suas obras de arte, eu envidei esforços visando a coletar peças peculiares ao Japão, e, no que diz respeito, também aos padrões adotados, atribuí papel principal às obras-primas dos grandes mestres de cada período. Um museu de arte assim, cujo ponto central é a arte nipônica, tampouco existindo no próprio Japão, inexiste também no exterior, não sendo exagero, então, dizer que, em termos atuais, ocupa posição de primazia mundial. Tentarei resumir, aqui, sua história, desde o princípio. Observando que o processo se constituiu de uma sucessão de milagres do início ao fim, é por demais óbvio não se tratar de obra humana, jamais.

A seguir, tratarei, em primeiro lugar, do projeto. Até por ocasião de uns dois ou três anos depois de terminada a guerra, como amante da arte que sou, eu me comprazia em comprar, aos poucos, dentro dos limites permitidos pela situação econômica, as peças que descobria. Entretanto, fortunadamente, naquela época, pela confusão reinante no pós-guerra,

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peças relativamente boas vieram parar-me às mãos. Hoje, ao pensar nisso, vejo perfeitamente que também este fato foi a manifestação da Providência Divina. Nesse ínterim, o seguinte se passou precisamente no fim do ano retrasado, em 1950. Com a transferência de Torino-ya (Casa dos Pássaros) de um canto do Shinsen-Kyo (na ocasião, o prédio foi destinado à sede do

Daisei-kai), surgiu um terreno vago de 150 (495 m2) a 160 tsubo (528m2). Quando eu pensava em construir nele alguma coisa adequada, nasceu-me repentinamente a idéia da edificação do Museu de Arte. Não obstante ter ponderado que a área era um pouco pequena para um museu, determinei-me, primeiramente no meu íntimo, à sua concretização, em vista de tanto o local como o ambiente serem perfeitos. Porém, por se tratar de um museu de arte, ainda que pequeno, não seria conseguido com qualquer quantia, e eu não via perspectivas de conseguir um volume considerável de dinheiro. Desta maneira, considerando que, se ao menos deixasse arranjada a área, mais cedo ou mais tarde, a oportunidade de construí-lo apareceria, lancei-me primeiro à tarefa de preparar o terreno. Com o término do arranjo deste, aproximadamente no verão do ano passado, senti uma vontade incontida de construir depressa o Museu. Assim, tendo logo consultado Abe, ele me respondeu: "Então, vou verificar isso imediatamente". Verificação feita, chegou-se à conclusão de que tal desejo não seria impossível. Então passei, rapidamente, aos preparativos já em outubro daquele ano, considerando que o Senhor Deus daria um jeito em tudo. Dessa forma, tão logo ingressamos no mês seguinte de novembro, quantias inesperadas de dinheiro entravam umas após outras, bem como propostas de doações eram feitas seguidamente, pelo que eu não fazia outra coisa senão me admirar com a excelência da proteção divina, muito embora eu fosse sempre com ela agraciado. Portanto, os fundos até hoje necessários ajuntaram-se na medida justa, e tudo se concretizou de maneira melhor que a esperada. Assim, o Museu de Arte foi concluído em meros oito meses e meio depois da elaboração do seu projeto. Certamente, o fato de um edifício de tal natureza ter ficado pronto nessa velocidade não encontra precedentes não só no Japão, é óbvio, mas também no mundo.

Tal empreendimento foi possível porque, desde o início, graças à sucessão de milagres acontecidos, vinha parar-me às mãos, posto eu permanecesse calado, aquilo que eu queria, e o dinheiro necessário para o

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intento ajuntou-se na medida justa pelo fervor e sinceridade dos membros da Igreja. De tal maneira, vista do ângulo do senso comum, a consecução de um museu de arte desse porte requisitaria tempo, sacrifício e esforço consideráveis. No entanto, ele ficou pronto com facilidade, a ponto de fazer graça, sem dar muito trabalho, como é deduzível do que vim discorrendo. Sinceramente, aquilo que o Senhor Deus realiza é inimaginável. No tocante a tais impressões, como é do conhecimento geral, os numerosos museus de arte convencionais foram, sem exceção, construídos com o fim de preservar a propriedade constituída pelas peças artísticas coletadas por décadas a fio, e de satisfazer a vaidade daqueles homens importantes, que venceram na vida por si mesmos, acumulando em uma única geração uma fortuna fabulosa, graças ao seu esforço e luta solitárias. Outrossim, como esses museus são mostrados apenas a um grupo de pessoas determinadas, divergem radicalmente da minha concepção. Eu sinto a fundo que a obra de arte não deve ser, em hipótese alguma, monopolizada, mas sim mostrada ao maior número possível de pessoas, para que se deleitem com ela e tenham elevado o seu caráter humano. Isto sim — o oferecimento da Arte para o progresso da Cultura — é o verdadeiro âmago da Arte como tal.

Agora, quero discorrer sobre a parte mística do assunto. Dias atrás, tendo ido a Nara, fui levado a meditar profundamente sobre a obra magna e imperecível do renomado príncipe Shotoku. Como é do conhecimento geral, a introdução do budismo no Japão deu-se inicialmente no décimo terceiro ano do reinado do imperador Kin-mei. No princípio, porém, como hodiernamente ocorre com as novas religiões, sua difusão foi débil e vagarosa, em conseqüência da incompreensão das autoridades governamentais e da opressão do xintoísmo. Todavia, o príncipe Shotoku nasceu no terceiro ano da Era Bitatsu, e, ao tornar-se adulto (antes de mais nada, é preciso considerar que ele era um grande homem como raros, sendo possível dizer que era um santo a encarnar a misericórdia), tão logo entrou em contato com o budismo, percebeu que aquela é que era a missão de salvar a humanidade a ele concedida pelo Buda, e fez o voto máximo de expandir essa religião. Assim, raciocinou ele que o meio forte por excelência de difusão era o baseado na arte búdica, e, estabelecendo, então, o sítio de Nara como terra santa, edificou uma abadia composta de sete prédios, que é o Templo Horyu. Portanto, esse foi, por assim dizer, o

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modelo do Paraíso Terrestre de sua época. E não é somente isso. A inteligência superior do príncipe Shotoku não se limitou apenas ao budismo, mas se estendeu por todas as áreas, quais sejam, política, economia, educação e outras. A sabedoria toda-poderosa, independente e livre do príncipe foi objeto do temor respeitoso do povo daquela época, fazendo com que ele fosse venerado e louvado como a própria encarnação do Bodhisatta de Mil Mãos, e o budismo, a partir de tal concepção, atingiu o estado de dominar o país e passou-se a julgar, por tais fatos, que o pai do budismo no Japão é o próprio Príncipe.

Assim, os vários séculos passados após essa época constituem, por assim dizer, o período do budismo primitivo. Posteriormente, como qualquer um sabe, monges e sábios famosos, nomeadamente, Dengyo, Kukai, Honen, Shinran, Nichiren e demais, surgiram um após o outro, fundando suas respectivas facções, até os dias de hoje. Desse modo, é possível saber o quanto floresceu o budismo no período Nara, por intermédio da construção do Grande Buda, no renomado Templo de Todai. Seja como for, a consecução de uma obra-prima gigantesca como aquela, numa época em que a cultura era ainda imatura, ilustra muito bem o quão elevado era o fervor religioso.

Em seguida, devo escrever sobre mim mesmo. Eu, desde cedo, amei a arte, e o que me trouxe até o ponto de construir este museu de arte foi a convicção de que tal empreendimento era o mais adequado que qualquer outro, para o desenvolvimento religioso. Simultaneamente, eu prego a Verdade em todos os campos, a partir da medicina e da agricultura, passando pela política, economia, educação e arte, dentre outros; esfacelo a ignorância e venho mostrando o princípio-guia da organização de uma nova cultura. Julgando-se, pois, por tal missão, pelo fato de que eu estendo em âmbito mundial a obra do príncipe Shotoku, tudo o que se refere a mim tornar-se-á perfeitamente compreensível. A única diferença é que o Príncipe se originou da classe alta, ao passo que eu provenho das camadas baixas. Tal realidade é plausível ao se considerar o fato de Maitreya descer ao mundo. Ademais, outra coisa que desejo dizer é que o Príncipe se submeteu ao Buda, devotando-se à expansão do budismo. Eu, no entanto, considero o Buda inferior a mim. A razão é que, há dois mil e seiscentos

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anos, ele já desempenhava o papel de preparar a minha atual grandiosa obra de salvação da humanidade. Creio que foi possível compreender consideravelmente, pelo exposto, a relação existente entre mim e o Príncipe, bem como o fato de eu estar canalizando meus esforços para a Arte. Mas o importante, agora, é que o objetivo do Deus — o Paraíso Terrestre, livre da doença, da miséria e do conflito — é também o mundo em que a Arte constitui o elemento supremo.

Eiko, nº 60 — 11 de junho de 1952

SIGNIFICADO DA CONSTRUÇÃO DO MUSEU DE ARTE

Eu sou Mokiti Okada, Líder Espiritual da Sekai Meshia Kyo. É uma honra para mim a visita dos senhores, pessoas de cotidiano atarefadíssimo, nos dias de hoje. Agradeço-lhes profundamente. O motivo que me levou, em especial, a solicitar a sua apreciação do Museu de Arte antes de inaugurá-lo, foi o desejo de submetê-lo à crítica dos senhores, que são homens de discernimento artístico, bem como pela vontade de expor um pouco da minha aspiração. Ora, o ideal original da religião reside na construção do Mundo da Verdade, do Bem e do Belo; a Verdade e o Bem são elementos espirituais, mas o Belo é aquilo que, por intermédio da visão, enobrece a alma humana. Os senhores sabem o quanto floresceu a Arte religiosa tanto, como é do seu conhecimento, no Ocidente, desde a Grécia e Roma até a Idade Média, naturalmente, quanto no Japão, desde a época do príncipe Shotoku até o Período Kamakura. Portanto, o fato de a Religião ter sido a geratriz da Pintura, da Escultura, da Música e de toda a Arte é uma realidade incontestável.

Todavia, com o aproximar da atualidade, tal fato foi debilitando-se gradativamente, e a Religião e a Arte acabaram por ficar uma longe da outra. Com a influência dos efeitos da ciência moderna, ouve-se sempre que a religião se encontra estagnada. Por tal razão, eu penso que a Religião e a Arte devem, infalivelmente, avançar em íntima conexão.

Após este comentário, desejo, agora, falar algo sobre o caráter nacional do Japão. Originalmente, todos os países existentes sobre a face da

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Terra têm, respectivamente, da mesma forma que as pessoas, suas concepções e culturas características. No caso do Japão, tal evidência consiste em contribuir para elevar a cultura, deleitando o gênero humano por intermédio da Arte, o que deve ser perfeitamente compreensível quando, apenas, levamos em consideração tópicos, tais como o fato de que a beleza paisagística japonesa é particularmente notável, pela profusão das suas espécies de flores, plantas e árvores, pela agudeza da percepção artística e pela excelência da técnica manual do japonês. Entretanto, por ignorar semelhante base, o resultado de ter despertado em si uma ambição por demais descomedida como é a guerra, conduziu-o à experiência miserável daquela derrota militar. Desnecessário é dizer que o fato de o Japão ter acabado, além do mais, privado de suas armas, de modo a não mais promover guerras, foi, sem dúvida, um ato de Deus a despertar o japonês para a sua verdadeira missão. É verdade que, nestes últimos dias, fala-se, ruidosamente, em rearmamento, mas isso se trata apenas de um meio de defesa, não assumindo, obviamente, significado maior.

Pelo exposto, o caminho que doravante o Japão deve seguir é por si só evidente. Eu, que já me conscientizara disto, acreditando que a paz e a prosperidade adviriam sem falta, desde que se as tivesse por objetivo, vim marchando com esta convicção, não obstante a debilidade de minhas forças. E, como método concreto disso, primeiramente, eu construí o pequeno Paraíso da Beleza, com projetos de revelá-lo ao mundo. Os sítios adequados a tais requisitos são, diga o que se disser, Hakone e Atami, locais perfeitos pela extrema facilidade de acesso e beleza paisagística, bem como pela existência de águas termais e por seu excelente clima. Assim, escolhendo terrenos particularmente pitorescos nos dois mencionados sítios, intentei edificar neles o lugar ideal da Arte, onde a beleza natural se coaduna com a artificial: o que finalmente ficou pronto foi este Paraíso Terrestre e o Museu de Belas-Artes. Quanto a este último, como é do conhecimento dos senhores, no Japão, até hoje, não houve sequer um único museu de arte tipicamente japonês. Havia museus de arte chinesa e de arte ocidental, bem como a Arte religiosa dos museus gerais, de forma que nos encontrávamos numa situação tal que, conquanto fôssemos japoneses, era-nos impossível apreciar a arte japonesa. Assim, caso, hipoteticamente, um estrangeiro viesse agora ao Japão e quisesse ver alguma coisa típica, seria

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impossível satisfazer seu desejo. Não seria essa, então, a maior deficiência do Japão como o país da arte? Assim, se este museu de arte puder suprir, um pouco que seja, essa falha, eu sentirei que fui recompensado muito além de minhas esperanças.

Há mais um fato do qual desejo que os senhores fiquem cientes. Posto que houvesse em abundância no Japão, desde antigamente, obras artísticas maravilhosas, das quais podíamos nos orgulhar diante do mundo, até o fim da guerra elas jaziam profundamente guardadas nos depósitos da nobreza e dos magnatas, não se deixando que fossem, na maior parte, expostas aos olhos do grande público. Em suma, isso pode ter provindo de idéias monopolistas e feudais. Hoje, quando nos tornamos uma nação democrática, tal absurdo, escusado dizer, virou um sonho do passado. Outrossim, aquilo que leva o nome de obra de arte é, originalmente, para ser mostrado ao grande público e deleitá-lo, elevando, imperceptivelmente, o espírito do homem. A isso, sim, se pode chamar de razão de existência da obra artística. Portanto, há que, antes de tudo, esboroar o ideário monopolizante e dar liberdade à Arte. Todavia (Oh! Fato afortunado!), por ocasião das enormes transformações nacionais que se operaram no pós-guerra, aqueles numerosos tesouros nacionais que jaziam ocultos foram despejados no mercado. Desnecessário discorrer sobre o quanto esse fato contribuiu para a construção do meu museu de arte.

Desta feita, apesar de pequeno em proporções, o referido Museu foi por mim edificado consoante a diretriz de servir de modelo para os demais museus de arte que, de agora em diante, deverão surgir seguidamente dentro e fora do país. É ele, nos seus mínimos detalhes, fruto de penoso trabalho meu. Obviamente, também o jardim em sua totalidade foi planejado por mim: uma simples folhagem, uma mera árvore, tudo. Portanto, deve haver uma porção de defeitos, pelo trabalho de leigo que recebeu. Se, porém, prestar, ainda que pouco, como um ponto de referência para os senhores, eu me darei por satisfeito. Além disso, no que T´ange aos eventuais bombardeios aéreos, incêndios ou roubos que poderão ocorrer no futuro, eu acredito ter ponderado, suficientemente, sobre o ambiente, as instalações, etc., de modo que o presente Museu de Arte poderá ser de valia também para a conservação dos tesouros nacionais. Penso que os senhores

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entenderam mais ou menos o que expus acima. Em suma, eu não acalento outro pensamento senão o de anelar para que o Japão se transforme no país da Beleza, o que é, originalmente, o Paraíso Mundial. Outrossim, como tenho planos de construir, em um futuro próximo, paraísos terrestres e museus de arte anexos tanto em Atami quanto em Quioto, solicito encarecidamente o contínuo apoio dos senhores. Esta é a minha saudação.

Eiko, nº 164 — 9 de julho de 1952

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A SOCIALIZAÇÃO DA ARTE

Pretendo discorrer sobre o significado fundamental de eu ter construído o Museu de Arte de agora. Como sempre digo, o objetivo desta religião encontra-se na formação do Mundo perfeito da Verdade, do Bem e do Belo. Assim, com o propósito de expressar o Belo, dentre esses elementos, criei uma obra de arte jamais experimentada por alguém, com a harmonizacão das belezas natural e artificial. Eu tinha como alvo o fato de que este país chamado Japão, conquanto possuísse numerosas obras artísticas, que não perdem para as de qualquer outro país do mundo, estavam até agora presas nas mãos das classes privilegiadas, escondidas profundamente em suas mansões, sem serem franqueadas, mas exibidas apenas, eventualmente, a determinadas pessoas. Em resumo, esta era a maneira de pensar feudal de até então do japonês.

Há algum tempo, eu me sentia verdadeiramente pesaroso a respeito de tal fato, tendo em mente destruir, de algum modo, esse costume nefasto e socializar a arte. Em síntese, há de se franquear a arte, há de se deleitar o público em geral. Só assim, pensava eu, seria possível também dar vida à alma da arte. Estando, então, a cuidar disso, veio a interagir nesse ponto o dedicado esforço dos fiéis, por eu ser um religioso, e tal desejo se concretizou num prazo relativamente curto. Com a consecução, pois, de um anelo de longos anos, eu não posso conter-me de alegria. Atualmente, que existem museus de arte particulares nas várias regiões do país, existem; porém, o propósito de sua construção é totalmente diverso do meu objetivo. Aqueles se constituem em entidades jurídicas constituídas para a manutenção e a proteção futuras dos numerosos objetos de arte que magnatas e zaibatsus, sem poupar recursos, ajuntaram para saciar o próprio gosto, para a preservação da sua propriedade e da sua vaidade. Esses museus, por ter um estatuto que prevê que devem fazer exposições para o público no mínimo certos dias por ano, promovem eventos por um curto espaço de tempo, na primavera e no outono, a título de justificativa. Necessário se faz dizer, portanto, que, nesses museus, o significado social é extremamente diminuto. Em contrapartida, o presente Museu de Arte, em virtude das condições climáticas de Hakone, entrará em recesso por apenas três meses — dezembro, janeiro e fevereiro —, ficando, de resto, em

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funcionamento permanente. Por isso, ele tem a conveniência de poder ser visto quando se quiser, sendo ideal dessa perspectiva também. Ademais, uma vez que o acervo deste Museu de Arte são obras raras e afamadas, de quilate tal que os apreciadores quererão vê-las ao menos uma vez, sem falta, e estão dispostas a ponto do local parecer não poder contê-las, certamente a satisfação dessas pessoas será grande. O preço da entrada, outrossim, acredito ser um valor relativamente baixo; por isso, julgo poder contribuir bastante para o bem-estar social. E não é só isso. Mesmo que os artistas contemporâneos queiram ver obras de referência, nos museus gerais, como os senhores sabem, as peças históricas e arqueológicas são muitas, e a arte budista constitui o elemento central; nas galerias de arte privada, o elemento principal é a arte chinesa e a ocidental, inexistindo, pois, no sentido verdadeiro, um museu de arte japonesa. Além disso, do ponto-de-vista da preservação das preciosas propriedades culturais, que têm a tendência, de uma ou de outra maneira, de se dispersarem, será possível prestar uma grande contribuição. Pela conversa que tive dias passados, por ocasião da visita dos senhores Asano, diretor do Museu Nacional de Tóquio, e Fujikawa, diretor do Departamento de Assuntos Gerais da Comissão de Conservação da Propriedade Cultural, um museu de arte como este se adequa aos quesitos mais prementes da nação, no momento. Portanto, disseram: "Manifestamos nossa inteira aprovação, e temos o propósito de o auxiliá-lo. Gostaríamos de que, ciente disso, o senhor se esforçasse bastante". Assim, eu me senti grandemente encorajado. Por fim, o que desejo especialmente frisar é que, no futuro, turistas estrangeiros afluirão ao nosso país, e, como não há estrangeiro que não dê um pulo a Hakone, com certeza, este museu será muito apreciado. Ainda deste ângulo, ele prestará, e não pouco, serviços para elevar a posição da cultura nipônica. A esse respeito, a começar daquele famoso doutor Warner, há seguidos requerimentos de visita feitos por estrangeiros poderosos. Assim, de uma forma ou de outra, sua fama espalhar-se-á pelo exterior, não ficando muito distante o dia em que será uma das atrações nacionais. Agora, de maneira a atender a tal objetivo, estou trabalhando com afinco na complementação de tudo.

Eiko, nº 68 — 6 de agosto de 1952

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III — SOBRE A COLEÇÃO DE OBJETOS DE ARTE

MINHA FORMAÇÃO ARTÍSTICA

O Museu de Belas-Artes de Shinsen-Kyo, em Hakone, finalmente, ficará pronto no verão do corrente ano. Pretendo escrever algo a respeito dos milagres com ele relacionados. Como digo freqüentemente, desde jovem, eu gostava das artes, mas no sentido de apenas ver e apreciar, isto é, era um diletante desses encontrados amiúde por aí. Naturalmente, por não ter dinheiro, nada podia comprar; eu tão somente ia a museus, exposições ou lojas de departamentos para ver, não tendo outra alternativa a não ser contentar-me com isso. Entrementes, depois do término da guerra, meu trabalho foi gradualmente tomando o rumo da religião e, graças a tal, passei a ter acesso a uma quantia razoável de dinheiro. Ademais, pela confusão reinante no período do pós-guerra, foi possível adquirir muita coisa boa a preços módicos. Verdade, pois, é que adquiri bastante, aproveitando a ocasião. Todavia, tal compra se limitou a certo gênero de peças. É que eu não tinha tido condições financeiras a não ser para determinadas obras: pinturas de Korin e Sotatsu; cerâmica de Ninsei, Kenzan e Nabeshima; e, de resto, peças de laca maki-ê. No tocante a esta última modalidade, quando jovem, eu aprendera a técnica, tendo já executado alguns trabalhos.

Desta maneira, o número de peças ia crescendo aos poucos. Escusado dizer que, para a realização do lema alçado por esta Igreja, ou seja, a edificação do mundo da Verdade, do Bem e do Belo — o Paraíso Terrestre —, esta última acepção se fazia necessária. De fato, no tocante à Verdade e ao Bem, por se tratarem de elementos espirituais, não havia problema. O Belo, porém, é material, havendo necessidade de expressá-lo concretamente: tanto a beleza natural, como a artificial, que deve estar acompanhando aquela. Brotou-me, então, a idéia de construir um Museu de Belas-Artes, visando a tal objetivo. Acontecendo de transferir-me para Hakone, em 1944, encontrei nas cercanias um terreno bem apanhado, o qual adquiri. Logo, achei outra área ideal em Atami, adquirindo-a também. Assim, as coisas foram sucessivamente expandindo-se de forma tal, até atingirem esta concepção maravilhosa, que se pode ver. São os místicos desígnios divinos em resoluta realização. Por conseguinte, a escala do

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projeto cresceu: Hakone, com a conclusão da etapa final, que é o Museu de Artes, chega a um termo.

Com relação a tal empreendimento, desejo registrar alguns fatos interessantes. Como mencionei anteriormente, no que T´ange às belas-artes, eu não entendia senão de certas modalidades. Todavia, Deus abriu gradativamente meus olhos, providenciando-me educação artística. No período inicial de um ou dois anos, adquiri não só vários álbuns fotográficos, como vi peças e ouvi palestras de especialistas a respeito da escola Korin e cerâmica japonesa, a saber: Ninsei, Kenzan e Nabeshima, passando a ter uma visão global do assunto. No ano seguinte, ainda, desenho moderno, yamato-ê e ukiyo-ê; no seguinte, pintura monocromática da escola Higashiyama, manuscritos antigos, pinturas das dinastias Sung e Yuang; no ano seguinte, ou seja, passado, cerâmicas da China e da Coréia e pinturas budistas. Logo ao entrar o corrente, no ano novo, adquiri bibliografia e fotos variadas sobre imagens budistas, sendo que vieram mostrar-me imagens búdicas nipônicas do período inicial, de maneira que creio ser este o tema de estudo para o corrente ano.

O interessante é que, com base nas experiências pelas quais até agora passei, venho me formando em justamente um gênero por ano. Enquanto as pessoas comuns levam de vinte a trinta anos, eu consigo levar a cabo semelhante formação em, aproximadamente, um ano. Por isso, aqueles que, de início, me ministraram esse conhecimento passam, ao contrário, a serem instruídos por mim. É simplesmente estranho. Deste modo, é evidente, pelas obras a serem proximamente expostas no Museu, pela perspectiva de que abrangem um vasto número de áreas, que não haverá similares delas, nem no Japão nem no resto do mundo. Outrossim, apesar de se tratar de fato não muito notado, é surpreendente não existir no Japão um único museu de arte japonesa. Basta ver os museus de belas-artes atualmente existentes no Japão. Mesmo o Museu Nacional de Tóquio, excluindo-se a arte budista — que é esplêndida — o restante, falando sem cerimônia, é por demais fraco. O Museu Bridgestone, recentemente concluído, é especializado em Pintura ocidental; o Okura Shuko Kan, em arte chinesa; o Museu Nezu, em utensílios para a Cerimônia do Chá e bronzes chineses; o Museu Nacional de Quioto, em arte religiosa; o Yurin

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Kan, em arte chinesa; o Museu Sumitomo, em bronzes chineses; o Museu Hakutsuru, de Osaka, em cerâmica e bronzes chineses; o Museu Ohara, de Okayama, em arte ocidental, e assim por diante.

Quão triste, pois, é ser japonês e não ter acesso à Arte nipônica! Levando isso em consideração, no Museu de Hakone, coloquei ênfase na arte peculiar do Japão, crendo, pois, poder satisfazer a qualquer um. Conquanto sua escala seja ainda pequena, este museu viabilizará, seja como for, a redescoberta da excelência do japonês com relação à Arte, e, ao mesmo tempo, surpreenderá muito o visitante estrangeiro. Conseqüentemente, desempenhará um relevante papel nas diretrizes nacionais concernentes ao turismo.

Eiko, nº 140 — 20 de fevereiro de 1952

PORQUE AS OBRAS-PRIMAS CHEGARAM ÀS MINHAS MÃOS

Como as pessoas que já visitaram o Museu de Belas-Artes de Hakone devem saber, temos inúmeras peças que não se conseguem facilmente. Por isso não há quem não se espante. Vou contar, desde o início, como ocorreram os fatos.

Comecei a comprar objetos de arte logo após o término da Guerra. Naquela época, o Japão estava passando por uma mudança, até o momento nunca vista. Os nobres, os milionários, os senhores feudais, os grandes grupos econômicos, enfim, todos aqueles que ocupavam posições privilegiadas foram despojados delas de uma só vez. Premidos pelas dificuldades financeiras, eles viram-se obrigados a desfazer-se das caligrafias, quadros e antigüidades de valor artístico, que eram tesouros de família desde a época de seus ancestrais. Por conseguinte, surgiram, no mercado, muitas peças famosas e raras, e a preços baixos. Fiquei com muita pena, pois essas pessoas precisavam vendê-las mesmo a contragosto, para poderem pagar os altíssimos impostos lançados sobre seus bens. Assim, ao comprar os objetos, eu também fui levado por uma grande vontade de ajudá-las, de modo que não pedi desconto, tendo comprado a maioria pelo preço ofertado. É óbvio, porém, que fiz um balanço dos

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ganhos exorbitantes de vendedores ambiciosos. Dessa forma, as peças foram sendo colecionadas pouco a pouco.

Como tenho dito várias vezes, desde jovem, eu gostava muito das belas-artes. Entretanto, minha capacidade de avaliação ainda era de amador; além disso, eu não tinha experiência em compras desse tipo, nem entendia de preços do mercado. Conseqüentemente, só comprei as obras de que gostava. E parece que esse método não falhou; posso até dizer que não comprei nenhuma peça falsa.

Os especialistas no assunto que visitaram o Museu de Belas-Artes de Hakone teceram-lhe elogios sinceros, e não apenas para serem gentis. “Em todos os museus de belas-artes que visitei até hoje, as peças expostas são de valor duvidoso, mas as deste museu, não. É um conjunto de objetos de primeira classe!” — comentou o Sr. Alan Priet, Curador do Setor de Belas-Artes Orientais do Museu Metropolitano de Nova Iorque.

Enquanto fazia isto e aquilo, fui colecionando muitos objetos, e minha capacidade de avaliação tornava-se cada vez mais aguçada. Comecei, então, a pensar que, um dia, deveria construir um museu de belas-artes. A partir daí, misteriosamente, superando todas as expectativas, começaram a aparecer peças que vinham ao encontro desse objetivo, e eu, então, compreendi claramente que, por fim, Deus começara a executar a construção do Museu de Belas-Artes. Os milagres ocorridos nesse sentido foram muitos e, como não conseguiria enumerar todos, citarei apenas os mais relevantes.

Foi logo no começo. Certo vendedor, especialista em makiê, misteriosamente me trazia, uma após outra, obras de alto nível. E não era só eu que me espantava: o próprio vendedor dizia que, para ele, o fato também era realmente um mistério. Além disso, a época era propícia e consegui objetos por preços incrivelmente baixos; em termos de mercado atual, custaram várias vezes menos. Todas as peças de makiê que atualmente estão expostas no Museu de Belas-Artes são dessa época, tendo sido colecionadas em apenas meio ano. Entre elas, destacam-se duas do extraordinário artesão Shossai Shirayama, e ainda tenho algumas outras

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guardadas, as quais pretendo expor um dia. Hoje, quase já não existem à venda obras desse artista; restam muito poucas, e seus proprietários não abrem mão delas.

Há muito tempo aprecio os objetos de estilo Rin e as cerâmicas Ninsei. Com o passar dos anos, eles foram ficando cada vez mais caros; ultimamente, já não existe quase nenhum à venda, e dizem que os interessados estão desapontadíssimos. Entretanto, na confusão do período logo após a guerra, os preços eram baixíssimos e eu pude adquirir muitas obras; podemos, pois, entender que tal oportunidade foi obra do Poder de Deus. É por esse motivo que eu nunca deixava de conseguir as peças que gostava de possuir ou que necessariamente deveriam existir no Museu de Belas-Artes. Todas as vezes que isso acontecia, o vendedor exclamava: “É um mistério! É um milagre!”

A esse respeito, ocorreu um fato interessante. Eu estava querendo adquirir a famosa xilogravura Tokaido Gojusantsugui, de Hiroshigue, quando me apareceu um vendedor especializado em xilogravuras, que me ofereceu algumas obras desse artista. Eu lhe disse que, se fosse a impressão original da Gojusan tsugui, eu a compraria a qualquer hora. Qual não foi o meu espanto quando, no dia seguinte, ele a trouxe para mim, dizendo: “Não há nada mais misterioso. Ontem, assim que voltei para casa, uma pessoa me levou exatamente o que o senhor queria. Fiquei surpreso, pois estava à procura dessa obra há mais de quarenta anos, e, justamente ontem, apareceu alguém para vendê-la. Não consigo entender!”

É claro que eu também exultei com o grandioso milagre. Examinando atentamente, vi ser, de fato, a obra original, que estava sendo guardada por um lorde feudatásio. Percebi, inclusive, que a encadernação parecia ter sido feita por um ancestral seu; por isso, fiquei duplamente maravilhado em poder adquiri-la. Além disso, o preço era muito baixo, o que me deixou mais contente ainda.

A seguir, falarei sobre a cerâmica chinesa.

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Anteriormente, eu não sentia nenhuma atração por essas peças, nem entendia nada sobre o assunto, porém, quando pensei que elas seriam necessárias ao Museu de Belas-Artes, não tardou que se fossem acumulando. São as que agora estão expostas, e as pessoas não acreditam que tenham sido colecionadas em apenas um ano. No princípio, eu não entendia absolutamente nada, como disse, mas fui escolhendo-as com base nas explicações dos vendedores e no meu sexto sentido. Hoje, os especialistas dizem que ficam impressionados em ver como se conseguiram tantos objetos de valor. Por isso não tenho palavras para exprimir a grandiosidade das graças concedidas por Deus.

Ainda poderia contar muitos outros fatos, no entanto gostaria de que imaginassem o restante. Agora explicarei por que correram tais milagres.

Os espíritos dos autores dessas obras, que, obviamente, estão no Mundo Espiritual, assim como os espíritos das pesssoas que as apreciavam e os daqueles que tinham alguma relação com elas, pensando em praticar um ato meritório, faziam com que as peças chegassem às minhas mãos por diversos meios, porque, através desse mérito, eles se salvariam e subiriam de nível no Mundo Espiritual. Não é preciso dizer que foi pelo mesmo motivo que conseguimos este esplêndido Museu de Belas-Artes em tão pouco tempo. Pensem bem. Até agora, para se conseguir um museu de Belas-Artes, era necessário o empenho de uma geração inteira de milionários; se este foi conseguido num piscar de olhos, qualquer pessoa poderá ver que não é obra humana.

Eiko nº 77 — 8 de outubro de 1952

O MUSEU IDEALIZADO POR DEUS

Passarei a escrever, aqui, sobre o Museu de Artes de Hakone, considerado atualmente o primeiro do Japão. Creio que a leitura do presente texto nos induzirá à compreensão de que o citado museu não se trata de obra realizada pelo engenho do homem. É que ele ficou pronto por meio de uma completa sucessão de milagres. Particularmente, no que diz

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respeito à sua rapidez. Não haverá, em absoluto, neste vasto mundo, caso algum de museu cuja construção tenha ocorrido a tal velocidade e cujo vasto acervo de obras de primeira categoria tenha sido reunido em tão curto espaço de tempo. Quem quer que o veja — como é fato conhecido — expressa não elogios superficiais, mas, sim, emite palavras de sincera admiração. Se isso não for obra de Deus, o que será então? Embora eu ainda desconheça sobre o exterior, no tangenteaos museus de arte espalhados pelo território nacional, com exceção dos grandes museus globais e das coleções particulares, foram todos formados pelos amantes das artes provenientes dos zaibatsu e das classes abastadas, os quais dispenderam neles toda uma vida.

Contudo, o nosso Museu de Arte de Hakone é um prodígio. Ficou pronto em pouquíssimos anos, depois de traçado o seu projeto, o que é fascinante, porque os fundos necessários amealharam-se com as doações dos fiéis, e as obras de arte acumularam-se aos poucos, após o final da guerra, ou foram tomadas emprestadas; eu jamais as busquei com base no meu pensamento. Em suma, foi tudo deixado inteiramente à livre vontade de Deus, inclusive quanto ao gênero. Outrossim, aquilo que eu queria foi comprado a um preço relativamente baixo, além das obras doadas por fiéis, as quais, curiosamente, também, tratavam-se do que era preciso. Desta maneira, arranjou-se justamente a quantidade suficiente de objetos para serem exibidos em um museu de artes. Por mais que se medite, tal acontecimento não pode ser considerado obra humana. Tudo, do princípio ao fim, correu perfeitamente, como se Deus me fizesse agir de acordo com a Sua intenção. Foi cômodo para mim. Caso não fosse obra divina, não haveria motivo para as coisas irem tão bem assim.

No tocante aos planos para o corrente ano, como se poderá verificar, são bastante distintos dos do ano passado. Basta dizer que se ajuntaram tantas peças de arte antiga de países estrangeiros — egípcias, gregas, persas, hindus e chinesas —, que uma só sala não é suficiente para comportá-las.

Contudo, isso não significa que, desde o princípio, eu tivesse esse propósito, mesmo em sonhos, de reunir peças assim. Em primeiro lugar, eu não possuía conhecimento algum a respeito da arte ocidental antiga,

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quando, logo no limiar do ano novo, essas peças começaram a chegar uma atrás da outra. Como, naturalmente, no Japão, não se conhece muito sobre tais obras, foi possível coletá-las com facilidade, a preços módicos, o que não apenas me proporcionou alegria, como também percebi, conforme crescia minha compreensão acerca do assunto, que as citadas obras são ricas em atrativos, algo que não permite pô-las de lado. Novamente, não pude deixar de admirar-me com a profundidade dos desígnios divinos. Ademais, como obra desse gênero ainda não foi coletada por ninguém, inclusive pelos grandes museus, o Museu de Artes de Hakone tomou a vanguarda.

A seguir passarei a relatar acerca do prédio anexo, que recentemente ficou pronto, e para o qual se programa, a partir do dia primeiro de junho, uma mostra de xilogravuras ukiyo-e. Também aqui há mistério. Explico: no outono do ano passado, dirigi-me a Quioto para ver uma exposição das citadas gravuras no seu Museu Municipal de Artes. Nessa oportunidade, eu, que até então não tinha muito interesse por tal tipo de arte, reconsiderei o seu valor. Felizmente, apresentaram-me ainda o senhor Ichitaro Kondo, do Museu Nacional de Tóquio — especialista no assunto e responsável por aquela exposição —, de quem tive uma preleção variada, captando a síntese dessa modalidade de arte. Posteriormente, tendo explicações de outro entendido, adquiri certo grau de conhecimento e, ao mesmo tempo, sem que eu pedisse, vieram facilmente ajuntar-se peças raras e ótimas.

Sentindo ser esta a manifestação da vontade de Deus, a de ordenar a realização de uma mostra de xilogravuras de ukiyo-e, percebi ao mesmo tempo que eu deveria, portanto, edificar logo um anexo, porque o edifício inicial era pequeno para o propósito. Com a conclusão das obras, convenci-me da minha percepção: o panorama, naquele lugar, ganhou maior vida com o prédio anexo.

Como se pode concluir do relato acima, os desígnios divinos, com sua profundidade e sutileza, em todos os pontos, são imperscrutáveis, e, por isso, trago o meu íntimo sempre pleno de comoção. Por mais que eu

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medite, sempre confirmo a sapiência de Deus, admirando-me com a perfeição dos Seus planos.

Eiko, nº 207 — 6 de maio de 1953

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UM MUSEU DE ARTES DEMOCRÁTICO

Dias atrás, o senhor Major H. Show, dos Estados Unidos, comentou que ficava extremamente impressionado depois de sua visita ao Museu de Artes de Hakone. Ouvi, então, o relato das suas impressões, bem típicas de um norte-americano. Por se tratar de algo que passa desapercebido aos japoneses, eu as transcreverei aqui: "Este museu oferece, em termos de significado, o que de mais novo há no Japão. Ou seja, até hoje as obras de arte existentes neste país estiveram ocultas pelas classes privilegiadas que as manipulavam como objetos privados de seu prazer. Coletar tais preciosidades e expô-las sem parcimônia, proporcionando deleite ao grande público, e abolir o monopólio artístico, é abrir o caminho da democratização. Esse fato muito me impressionou e faz com que eu renda meu respeito." Ao ouvir isso, experimentei imensa satisfação, pois ele expressou, sem subterfúgios, aquilo que eu penso.

Eiko, nº 216 — 8 de julho de1953

OS MILAGRES DA COLETA DE OBRAS DE ARTE

As peças de arte expostas no Museu de Artes de Hakone não devem deixar de assombrar quem é dotado de bons olhos criticos. Não há outra explicação senão atribuirmos a algo misterioso o fato de peças cuja aquisição não é negócio fácil estarem reunidas assim em grande número. Eu próprio admiro que, em curto espaço de tempo, peças de semelhante quilate tenham sido reunidas a preços relativamente baixos. É interessante, outrossim, que muitas peças que eu desejava imensamente, mas já havia desistido por sua compra ser praticamente impossível, viessem cair acidentalmente em minha posse. Além do mais, como vieram de locais inimagináveis, o meu espanto foi ainda maior. Assim, por mais que medite, foi uma sucessão de milagres do princípio ao fim. Pode-se dizer que é um mistério insondável. E tal fato não se limitou apenas à arte japonesa. Ajuntaram-se mesmo peças de arte européia antiga. Obras de renome cuja aquisição é custosa mesmo na Europa, como soube depois. Como tais milagres assombrosos têm sua razão plausível, escreverei a respeito disso. Hoje, no Mundo Espiritual — seja no Oriente ou no Ocidente —, à medida

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que a notícia do surgimento desta Igreja gradualmente se difunde, e aumenta o número de almas que compreendem que não terão a salvação eterna senão por meio dela, há uma enorme agitação. Assim, as almas daqueles que foram considerados famosos em vida competem entre si na realização de feitos de valor, visando tanto a passar, com segurança, pelo Julgamento que há de vir, como a alcançar uma posição de bem-aventurança na concretização do Mundo de Miroku (Maitreya), e entram em ação. Naturalmente, entre tais anseios há os de famílias e clãs do Mundo Espiritual que anelam para que seus descendentes, no Mundo Material, passem, em segurança, pela Grande Purificação e alcancem a felicidade. Por tal motivo, os artistas selecionaram as suas obras-primas e as vieram oferecer, e as almas de senhores feudais e de magnatas escolheram o melhor dentre o seu acervo de quando viviam, trazendo-o às minhas mãos pelas pessoas adequadas. Em vista disso, eu não tive nenhum trabalho, tudo se ajuntou naturalmente, ao acaso. Assim, em tão curto período, peças valiosas como essas se reuniram aos montes. Por isso, até os antiquários sempre estranham o fato. Ademais, com a desvalorização monetária do pós-guerra ou o imposto sobre os bens, a nobreza e as classes abastadas viram-se forçadas a abrir mão de seus tesouros. Afluíram, então, seguidamente, peças de valor, que eu já havia desistido de adquirir, sendo possível comprá-las a um preço que hoje parece irrisório. Compreende-se, pois, que tudo foi parte dos planos divinos.

Eiko, nº.208, — 22 de julho de 1953

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IV— SOBRE A ARTE

RELIGIÃO E ARTE

O conceito atual de que a Religião está desligada da Arte parece-me um grande equívoco. Enobrecer os sentimentos do homem e enriquecer-lhe a vida, proporcionando-lhe alegria e sentido, é a missão da Arte. Os entendidos no assunto sentem indizível prazer em apreciar as flores, na primavera, e as paisagens campestres ou marítias. Não é exagero dizer que o Paraíso Terrestre, que temos por ideal, é o Mundo da Arte, o qual não é outro senão o mundo da Verdade, do Bem e do Belo, a que constumo me referir.

A Arte é a representação do Belo. Mas por que será que ela foi negligenciada até os nossos dias?

Monges antigos e famosos demonstraram notável genialidade no campo artístico, esculpindo e construindo templos. Entre esses artistas religiosos, sobressaiu o príncipe Shotoku. Dificilmente se pode crer, dizem todos, que a magnificência arquitetônica do Templo Horyuji, de Nara — obra-prima do Príncipe — e as pinturas e esculturas que adornam o seu interior, tenham sido criadas há mais de 1.300 anos.

Por outro lado, como houve muitos monges que divulgaram doutrinas adotando a simplicidade e o ascetismo, certamente nasceu o conceito de que não há nenhuma relação entre a Arte e a Religião. Aqui impera a Verdade e o Bem, mas falta o Belo.

Pelas razões expostas, pretendo fazer uma grande divulgação da Arte.

05 de setembro de 1948

A MISSÃO DA ARTE

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Cada coisa existente no Universo possui uma utilidade específica para a sociedade humana, ou seja, uma missão atribuída pelos Céus. Naturalmente, a Arte não constitui exceção. Portanto, uma vez que o artista é um membro da organização social, ele deve conscientizar-se de sua missão e exercê-la plenamente, pois essa é a Verdadeira Arte e também a responsabilidade que lhe cabe.

Entretanto, quando observo os artistas da atualidade, não posso deixar de ficar decepcionado com as atitudes excelentes, mas a maior parte se esquece da sua responsabilidade, ou melhor, não tem nenhuma consciência dela. Além do mais, eles constituem um problema, pois, tendo-se como criaturas superiores, fazem o que bem entendem sem a menor vergonha. Acham que, agindo de acordo com sua própria vontade, estão manifestando sua personalidade e seu caráter de gênio. A sociedade, por sua vez, os superestima, considerando-os pessoas especiais, e aprova quase tudo que eles fazem. Por isso, sua mania de grandeza torna-se ainda maior.

É preciso, todavia, que o caráter dos artistas seja muito mais elevado que os das pessoas comuns. Explicarei tal conceito com base na Religião.

Inegavelmente, nos primóridos da sua história, a humanidade possuía muitas características animais , mas não há dúvida de que, após a era salvagem, ela veio progredindo gradativamente, construindo-se, pouco a pouco, a civilização ideal. Nesse sentido, o progresso da civilização consiste na eliminação do caráter animal do homem. Alcançar esse nível é alcançar a Verdadeira Civilização. Ainda hoje, porém, a maioria das pessoas está sujeita ao terror da guerra, prova de que persiste, no homem, uma grande parcela de características animais. Assim, cabe ao artista uma grande missão: ele é um dos encarregados da eliminação de tais características.

Torna-se necessário, portanto, elevar o caráter do homem por meio da Arte. Naturalmente, esse objetivo será alcançado através da literatura, da Pintura, da Música, do Teatro, do Cinema e de outras Artes. O espírito dos artistas, comunicando-se por esses veículos, influenciará o espírito do povo. Falando mais claro, as vibrações espirituais emitidas pela alma do

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artista tocarão a sensibilidade das pessoas através das obras literárias, da pintura, dos instrumentos musicais, dos contos, das danças, etc. Em outras palavras: haverá uma sólida ligação entre o espírito do artista e o espírito de quem apreciar suas obras. Se o caráter daquele for baixo, o das pessoas também se degradará; obviamente, se for um caráter elevado, terá o efeito contrário.

Eis a importância da Arte. O artista deve funcionar como orientador espiritual do povo. Nesse sentido, não seria exagero afirmar que uma parte da responsabilidade do aumento do mal social cabe aos artistas.

Vejamos: erotismo cada vez mais vulgar, literatura cada vez mais grotesca, quadros cada vez mais monstruosos; as opiniões dos artistas, assim como também a Música, o Teatro e o Cinema, cada vez piores. Se analisarem minuciosamente tais fatos, certamente compreenderão que a minha tese não é errada.

Hikari, nº 31 — 15 de outubro de 1949

CARACTERÍSTICAS PARTICULARES DA CIVILIZAÇÃO JAPONESA

Tenho muito a dizer sobre as características peculiares do Japão e do seu povo. Se os japoneses tivessem profunda compreensão a esse respeito, jamais precisariam ter experimentado o amargo destino de povo vencido na guerra, nem ter visto seu país em ruínas. Existe uma expressão que nos aconselha a conhecermos bem a nós mesmos, mas é necessário estender esse pensamento aos limites do conhecimento de nossa pátria. Na época do isolacionismo (séc.XII - séc.XIX), ainda seria admissível os japoneses desconhecerem seu próprio país; atualmente, porém, quando tudo se processa em âmbito mundial e internacional, é de vital importância conhecermos profundamente o país em que nascemos. Em termos de Japão, esse conhecimento consiste em estarmos perfeitamente cientes da missão que ele deve cumprir.

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É evidente que, se não compreendermos o motivo da existência do Japão, não poderão ser consolidadas as grandiosas metas nacionais. Para melhor entendimento, basta lembrar a situação do país até o fim da Segunda Guerra Mundial. Havia uma classe militar dominante, chamada Gumbatsu, que era detentora de poderes absolutos. Escolhida por um pequeno número de pessoas, governava o país como bem entendia. Por isso, no que se relacionava aos governantes, o povo não tinha direito ao uso da palavra, acomodando-se à condição de serviçais. Esta situação ainda está bem gravada em nossas mentes. A partir da era Meiji (1868-1911), instituiu-se a Constituição e foi criado o Sistema Representativo. Com isso, embora desse a impressão de que se estavam respeitando as idéias do povo, na verdade, a política encontrava-se nas mãos de uma minoria, que acabou por fazer aquela terrível guerra. Foi a mesma coisa que vender gato por lebre.

Vamos refletir sobre a história do Japão. Desde a remota época do imperador Jinmu, este país não teve um período sequer de paz, sendo contínuas as guerras internas. A política sempre esteve totalmente dominada pelo regime de força. Disfarçados sob o belo nome “Código de Ética do Samurai”, bárbaros assassinos recebiam condecorações heróicas. O vencedor das guerras assumia a hegemonia desse tempo.

Até o fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão veio sendo arrastado sob esse regime de brutalidade, só interrompido após o grande choque da derrota. Se os japoneses não se conscientizarem profundamente do significado de tudo isso, será impossível surgir uma verdadeira política nacional, digna de uma nação pacífica. Para tanto, o mais importante é uma nova conscientização do país. Em verdade, o Japão deveria ser o oposto da nação violenta e despótica a que costumamos nos referir; assim, é preciso que ele se torne uma nação pacífica e artística. Esta é a missão que Deus lhe concedeu.

Fala-se muito sobre a reconstrução do país, mas isso por si só não tem grande significado. Se analisarmos com imparcialidade, veremos que não passamos de uma nação democrática sem preparo bélico, o que, naturalmente, constitui motivo de alegria. Entretanto, o Japão precisa

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compreender sua missão peculiar relativamente ao mundo e empenhar-se pelo bem-estar de todos os povos: eis o verdadeiro papel do Novo Japão. Vou enumerar algumas das razões que me levam a fazer essa afirmativa.

Em primeiro lugar, as maravilhosas paisagens da terra japonesa. No mundo, talvez não haja outras que se lhe comparem; estamos sempre ouvindo elogios por parte daqueles que nos visitam.

No que se refere ao tempo, as estações do ano são bem definidas, o que é muito significativo. Há uma contínua renovação dos aspectos da Natureza: as montanhas, os rios, a grama, as árvores, etc. Tal fato está bem claro nas palavras do famoso poeta Kyoshi Takahama, que, após ter viajado pelo mundo inteiro, disse o seguinte:“Não existe país onde as estações sejam tão bem definidas como no Japão. O haikai canta as estações do ano, de modo que, em outros países, não é possível compor um haikai autêntico”. Além disso, ouve-se dizer que a nossa riqueza em variedade de grama, árvores, flores, folhas, frutos e produtos do mar é realmente incomparável.

Outra característica marcante do povo japonês é a habilidade manual, o que justifica o seu pendor artístico. A prova disso é o número elevado de magníficas obras de arte criadas no Japão, não obstante o seu passado de constantes guerras internas. Ainda hoje nos surpreendemos com essa técnica e dom admiráveis.

Com tudo o que foi explicado, creio que se pode entender a missão deste país e do seu povo. Em resumo, é preciso transformar todo o território japonês no Jardim do Mundo e empreender contínuos esforços no sentido de promover a Arte, até que ela atinja o seu mais elevado nível. Ou melhor, deve-se estabelecer uma política nacional baseada no turismo, na Arte e no artesanato, empregando todo o empenho na sua concretização. Como resultado, é natural que isso contribuirá para a elevação do pensamento de toda a humanidade, proporcionando, também, um nível mais alto de recreação e entretenimento. Em poucas palavras, é importante fazer do Japão um país de elevadíssimo nível artístico e cultural.

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Podemos afirmar que nunca se temeu tanto a guerra e se desejou tão ardentemente a paz como na época atual. A causa da guerra., como sempre dizemos, é subsistir nos homens uma forte disposição para a luta. Logicamente, essa disposição tem origem no pensamento selvagem, o que significa dizer que, embora os homens se considerem civilizados, na realidade, ainda lhes falta muito para se despojarem da selvageria. O meio para solucionar o problema é fazer com que a humanidade mude o objetivo pelo qual está vivendo. A meta dessa mudança deve ser a Arte, isto é, deve-se transformar o mundo infernal, repleto de lutas, num mundo paradisíaco, repleto de Arte. Através da ameaça armada, podemos obter uma paz momentânea, mas a paz duradoura só poderá ser conseguida pela renovação do pensamento. Essa renovação, eu afirmo, só se efetivará por meio da Religião e da Arte.

Não falemos, portanto, em reconstrução do Japão, e sim na construção de um Novo Japão. Para que isso possa se tornar realidade, só há um meio: transformá-lo numa nação artística.

Hikari, nº 43 — 1º de janeiro de 1950

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O PARAÍSO É O MUNDO DAS ARTES

Eu sempre tive extremo interesse pelas Artes. Como é do conhecimento dos fiéis, eu projetei e estou construindo em Hakone e Atami jardins e prédios da mais elevada atmosfera artística, como até agora jamais alguém o fez. Já pintei muito antigamente, mas hoje, pela falta de tempo, vejo-me impedido de tal. Mesmo assim, ainda executo trabalhos caligráficos, escrevo poemas, faço arranjos florais e deleito-me com a cerimônia de chá. Amo peças de arte, adquirindo o que as condições financeiras me permitem e, graças, também, às oferendas dos fiéis, sacio parcimoniosamente minha sede artística. Gosto, além disso, de Teatro e Música, contentando-me, porém, em apreciá-los através de filmes e do rádio, em virtude de levar o dia-a-dia muito ocupado. Gosto tanto de música japonesa quanto da ocidental, pelo que suscito comentários de que é raro alguém da minha idade gostar de cinema ou música ocidental. Parece-me, todavia, que há bastantes norte-americanos assim, apesar de serem poucos os japoneses.

Como se pode ver, portanto, o meu cotidiano tem sua maior parte ocupada pelas Artes, podendo mesmo ser chamado de vida artística. Eu sempre tenho considerado tal atitude um instinto a mim agraciado por Deus, pela minha missão de construir o Paraíso Terrestre. É que o Paraíso é o mundo das artes, havendo uma razão para tal.

Até hoje, o mundo foi noturno, da escuridão e das trevas. Assim, por ser fácil aos homens perpetrarem ações ocultas e criminosas, eles se viam sempre compelidos para o Mal. Em outras palavras, eles vieram enganando o seu próximo, fazendo-o sofrer, roubando-o, tendo gosto por atos escusos com o sexo oposto e por desavenças — o que os fatos muito bem o comprovam. Contudo, com a chegada do mundo diurno, tudo passa a transparecer nua e cruamente, tornando-se inviável a prática de atos ocultos. Naturalmente, como o ser humano perderá o interesse pelo mal, seu prazer residirá nas boas ações, nas coisas justas. Desta maneira, sem dúvida alguma, tal prazer penderá para as Artes. Por isso, a começar da poesia, da música ou dos demais entretenimentos — por estarem, logicamente, relacionados com as artes — mas até os prédios, as ruas, os

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teatros e outras instalações de diversão, assim como a decoração interior e os trajes individuais, tudo se tornará belo, a ponto de não ser possível imaginar. Saibam, pois, que o Mundo do Maitreya, o Paraíso Terrestre, é o Mundo das Artes.

Kyusei, nº 51 — 25 de fevereiro de 1950

A RESPEITO DA COLETÂNEA DE POEMAS “YAMA TO MIZU” (MONTE E ÁGUA)

Como sempre digo, o objetivo da Fé é polir a alma e purificar os sentimentos. Existem três maneiras para conseguirmos isso: pelo sofrimento oriundo não só de abstinência ou penitências, mas também de danos e catástrofes; pela soma de méritos e virtudes e pela elevação da alma por influência da arte de alto nível. Dentre elas, o caminho mais rápido é este último. E não existe nada melhor, pois nossa alma vai sendo polida imperceptível e prazerosamente.

Nesse sentido, sempre que dispusermos de tempo, é bom lermos a coletânea intitulada Yama to Mizu (Monte e Água), poemas escritos em estilo waka. Por intermédio deles, nossa alma se engrandece sem que o percebamos. Quando tal bênção ocorre, a Inteligência da Percepção da Verdade é polida e, assim, o cérebro se torna mais claro, e a fé se eleva mais facilmente. Essa lucidez acontece porque os referidos poemas são repletos de Verdade, Bem e Belo.

De acordo com o exposto, tenho como objetivo desenvolver a fé também por meio do poder do espírito das palavras.

Kyussei, nº 61 — 6 de maio de 1950

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RELIGIÃO E ARTE

Sempre dizemos que o objetivo de Deus é construir o Paraíso Terrestre. Ora, se o Paraíso Terrestre é um mundo sem conflitos, um mundo de eterna paz e absoluta Verdade, Bem e Belo, a Arte terá um desenvolvimento extraordinário.

Segundo diz um antigo ditado, a Religião é a mãe da Arte; é óbvio, portanto, que ambas estejam profundamente relacionadas. Todavia, é interessante notar que, entre os fundadores das inúmeras religiões as quais surgiram até hoje, foram poucos os que demonstraram interesse artístico. Dos religiosos que se destacaram nesse campo, podemos citar: no Ocidente, o pintor Leonardo da Vinci e os compositores Bach e Hendel; no Japão, a Arte budista do príncipe Shotoku, Gyoki, as esculturas de Kukai, etc.; na China, durante a Dinastia Sung-Yuan, e no Japão, durante a era Tempyo, as pituras de alguns monges.

Vou explicar a causa do desinteresse dos religiosos pela Arte.

Como o mundo se achasse completamente mergulhado na Era da Noite, e a Era da Luz estivesse longe demais, não havia necessidade de preparativos para a concretização do Paraíso Terrestre. Em outras palavras, estava-se na época infernal. Encontrando-se em condição infernal e não em situação celestial, os fundadores de religiões, para difundir seus ensinamentos, tiveram de percorrer caminhos espinhosos e passar por enormes sofrimentos. Sendo assim, não havia motivo para se falar em Paraíso ou Arte, e até podemos dizer que nenhum deles afirmou que iria construir o Paraíso Terrestre. Contudo, houve profecias sobre o advento de um mundo ideal, embora não se esclarecesse quando. Entre elas, podemos citar o “Mundo de Miroku”, anunciado por Buda; o “Reino dos Céus”, profetizado por Crito; a “Agricultura Justa”, de Nitiren; o “Pavilhão da Douçura”, do fundador da Igreja Tenrikyo, e o “Mundo de Pinheiros”, da fundadora da Igreja Oomoto. Foi-nos revelado, porém, que, finalmente, o tempo é chegado. Como o Paraíso está prestes a nascer, queremos anunciar o seu advento para toda a humanidade.

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Naturalmente, seria impossível imaginar que um projeto tão grandioso — que poderíamos considerar um sonho — pudesse ser concretizado com a força humana; entretanto, como se trata da Divina Administração do Todo Poderoso, não resta a menor dúvida de que ele se tornará realidade. Atualmente, Deus está manifestando inúmeros milagres para demonstrar Sua Força e, dessa maneira, infundir-nos uma sólida fé inabalável.

Visando à concretização de tal projeto, a nossa Igreja não mede esforços para promover a Arte. E é para iniciar essa promoção que estamos construindo os protótipos do Paraíso Terrestre de Hakone e de Atami, em locais de magnífica paisagem. Se as pessoas não estiverem conscientes desses pontos, não conseguirão entender o verdadeiro significado do nascimento de nossa Igreja. Em resumo, as religiões existentes até hoje tiveram a missão de preparar os alicerces para a construção do Paraíso Terrestre, e a missão da nossa Igreja é concretizá-la.

Kyussei, nº 61 — 6 de maio de 1950

MINHA CRÍTICA SOBRE PINTURA

Não posso deixar de me lamentar profundamente quando analiso o mundo hodierno das Artes, em particular, o da Pintura. É que o próprio pintor não discerne nada da verdadeira essência da Pintura. Costaria de expor acerca de variados aspectos, mas, aqui, limitar-me-ei a alguns que, conquanto sejam de suma importância, parecem passar desapercebidos. Temos, em primeiro lugar, a missão original da pintura. A essência da Pintura em si não reside no simples deleite do artista. Se o problema se encerrasse nesse aspecto, não haveria, então, diferença alguma com o ato de uma criança divertir-se com os seus brinquedos. Caso exista semelhante pintor, sua existência é inútil, e poder-se-á dizer que ele não é outra coisa senão um parasita. Conseqüentemente, o pintor deve trazer firmemente consigo a conscientização do porquê de ter nascido e do que deve fazer. A esse respeito, penso eu da seguinte forma.

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Onde reside o significado da existência do pintor? Reside em proporcionar prazer visual ao maior número possível de indivíduos e, através dos olhos, sublimar o espírito deles. Elevar o nível espiritual, torná-lo melhor, fazê-lo mais belo — essa é a verdadeira atividade pictórica. De fato, a expressão da personalidade, a liberdade do espírito criativo, bem como a temática, são fatores importantes, e não há sentido algum em ultrapassar esses limites. Contudo, ao observar a pintura recente, não posso jamais assistir calado as suas aberrações. As pessoas de bom senso estão franzindo o cenho diante dessas obras, por serem elas estranhíssimas. Por maior que seja a boa vontade com que as vejamos, não expressam a menor beleza — são horrendas, e, mais do que desagradáveis, chegam mesmo a provocar a ira.

Aqueles que executam com afetação esse tipo de pintura, ao invés de manifestar sua personalidade, transmitem uma intenção subjetiva. Semelhantes quadros, quando deveriam sublimar a alma do admirador, despertam um efeito contrário. Toda vez que vejo quadros assim, sinto-me contrariado pelo desperdício de tela e tinta. Não serei só eu quem pensa desta forma. Por não haver motivo de tais quadros serem vendidos, ouço amiúde dizerem das dificuldades financeiras que cercam aqueles artistas. Desse modo, além de em nada contribuirem para a sociedade, eles próprios se vêem em apuros. Diante dessa ocorrência inteiramente negativa, acredita-se que deveriam perceber o seu engano, mas de tal não há nenhum indício. É de se julgar, então, que é um tipo de demência. Eles próprios não devem saber a razão de estarem vivendo. Como existências vãs, são realmente dignos de piedade. Caso, despertando para a realidade, não voltem para a trilha correta, eles perderão quem os leve a sério, rumando diretamente para a destruição. O que acabo de comentar concerne à Pintura ocidental. É provável que todos compartilhem do meu pensar, uma vez que ouço muitas críticas pertinentes. Contudo, desejo falar algo que ninguém parece notar. Quero dizer que, originalmente, o verdadeiro âmago da Pintura é a sua dignidade, a sua altivez. Tais analidades são quase que inerentes à Pintura oriental, sendo, porém, pouco ou quase que inexistentes na ocidental. Verdade é que esta por si mesma é mais popular e, pelo caráter de inseparável da vida das massas, a falta das referidas qualidades torna-se inevitável. Mesmo assim, a pintura ocidental deve possuir o seu

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sabor peculiar como tal. Todavia, o problema da Arte hodierna não está na nobreza ou baixeza de nível. O âmago de sua beleza já se perdeu há muito, nada restando nela. A impressão que se recebe desses quadros é a própria fealdade; nada mais que mal-estar, antipatia, cólera, desespero. Tais pintores formam um tipo de anormalidade mental. Por isso, toda vez que compareço a exposições assim, eu imagino que, se os pacientes de um hospício organizassem uma mostra, ter-se-ia algo idêntico.

Desejo, ainda, discorrer um pouco sobre a Pintura japonesa. É plausível afirmar que também esta, ultimamente, perdeu muito no que diz respeito à classe; vale notar, todavia, que a classe é, originalmente, uma das características da Pintura do Oriente. Sempre ao ter contato com pinturas de renome da China e do Japão, assumo naturalmente uma postura de respeito, impressionado pela sua nobreza. No entanto, os pintores japoneses da atualidade são quases que inteiramente indiferentes a esta quinta-essência da Pintura oriental. Ela remanesce apenas em uns poucos grandes mestres, existindo entre os artistas jovens a tendência de se deixarem levar pela Pintura ocidental. É verdadeiramente preocupante. Julgo que, se eu não despertá-los no tocante a isso, enquanto é tempo, o futuro será sombrio.

Desejo explanar, aqui, sem discutir a diferença entre as pinturas nipônica e ocidental, mas englobando todas as artes, sobre o verdadeiro significado da Arte. Desnecessário dizer que tal acepção é, claro, não só o aprofundamento do intelecto, mas a condução do espírito do contemplante a um estado elevado, pela transmissão da alma do artista através dos olhos daquele. Tão-somente deleitar os olhos equipara-se a um espetáculo circense ou de "strip-tease"; não se trata de Arte. Essa observação aplica-se tanto ao artista plástico, como ao escritor, ou àquele que se relaciona com o teatro, a dança ou demais entretenimentos. Faz-se mister extrair, o pouco que seja, a animalidade inerente ao ser humano, apelando para o coração do público por intermédio das Artes. É necessário enriquecer o que há de cultural no homem. Excetuando-se tal objetivos, não há outra razão de existência para as Artes. Então, o mais importante nelas é a objetividade. Quanto maior a objetividade, maior o valor artístico. Por mais que o artista considere excelente a sua obra, caso esta não tenha aceitação na sociedade, não será outra coisa que cédula sem lastro. O que tais artistas chamam de

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manifestação da personalidade não é mal; contudo, com isso apenas, o que se tem é uma modalidade de fascismo representado pela imposição da subjetividade. É preciso, custe o que custar, comprazer-se com o grande público. Contemplem-se acuradamente as obras daqueles considerados os grandes mestres da Antigüidade. Sua arte possui ampla abrangência, ainda hoje permanecendo vívida a técnica sobre-humana de encantar e deleitar tanto a elite intelectual quanto as massas.

Quero expor, a seguir, sobre a Literatura japonesa contemporânea, para falar, sem cerimônia, sobre o seu nível extremamente baixo. Os escritores atuais aspiram tão-somente a serem badalados como autores da moda, e para tal adulam o grande público, tirando proveito das tendências vulgares em voga. Não têm ideais ou coisa que os valha. Basta que a sua produção seja filmada, rendendo lucros — o que transparece nitidamente nessas obras. São interessantes, enquanto lidas ou vistas, nada mais restando de proveitoso. São idênticas a pratos que só sabor possuem, mas não nutrem. Consistem em entretenimento que proporciona satisfação passageira da curiosidade. Não serei apenas eu a me preocupar com o perigo de tais obras de arte baixíssimas suscitarem a criminalidade pelo embrutecimento do caráter das massas. Verdade é que, ainda assim, não deixam de existir, às vezes, obras que questionam a sociedade, expondo as suas falhas, ou nas quais o autor clama pela sua opinião. No caso do Japão, porém, tal aspecto é superficial e diminuto. Não se descobrem obras capazes de estremecer de verdade a alma do leitor. Julgo que o motivo disso está na ausência do sentimento religioso na classe de escritores japoneses. Coloquemos em confronto essas obras com um Shakespeare, um Tolstoi, um Hugo, um Ibsen, um Bernard Shaw. São de uma escala grandiosa, afluindo deles uma crítica aguda da civilização, uma filosofia revolucionária, um senso de justiça religiosa que impressiona a alma de quem os lê. Eles continuam a conquistar o espírito das massas desde quando foram produzidos até os dias de hoje. O que será essa energia senão a nobreza da Arte?

Eis aqui o que escrevi ao sabor do que me vinha à mente. Se porventura os jovens artistas aceitarem algo, por mínimo que seja, da minha tese, dar-me-ei por satisfeito.

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Eiko, nº 103 — 9 de maio de 1951

RELIGIÃO ARTÍSTICA

Sempre se pensou que não há muita relação entre Arte e Religião. Entretanto, no Japão, as manifestações artísticas tiveram início com a arte budista, não obstante se limitassem a simples quadros, esculturas, tecelagem, etc. No que se refere à música, existiam instrumentos tais como sho1, hitiriki”2, mokugyo3 e dora4, e os sons emitidos na leitura dos sutras budistas. Por isso, podemos dizer que se tratava de uma arte primitiva.

Mais tarde, estimulada pela introdução das Artes chinesa e coreana no país, a Arte japonesa passou por um período de imitações, até que conseguiu criar um estilo próprio. Atualmente, com a importação da cultura ocidental, também foi introduzida a Arte do Ocidente. Principalmente após a era Meiji (1868-1912), afluíram, com grande intensidade, as artes dos Estados Unidos e da Europa. Em conseqüência, no panorama artístico japonês da época atual, encontram-se as melhores obras de todo o mundo, as quais estão sendo absorvidas e assimiladas, de modo que, aos poucos, vai se criando uma arte universal. Por isso, talvez, possamos afirmar que o Japão é um centro cultural.

Não existe, ou melhor, nunca existiu uma religião que desse tanta importância à Arte quanto a nossa Igreja. Ela assim se posiciona, porque o Paraíso Terrestre — nosso objetivo último — é o Mundo da Arte. Obviamente, se ele é um mundo isento de doença, pobreza e conflito, isto é, o mundo de perfeita Verdade, Bem e Belo, o homem seguirá a Verdade, amará o Bem e odiará o Mal; assim, todas as coisas se tornarão belas. Nesse sentido, a Arte não será apenas um deleite indispensável; ela 1 Sho: Instrumento musical de cano. É constituído de dezessete canos de bambu, longos e curtos, dispostos verticalmente. Dois deles não emitem som; os quinze restantes possuem orifícios na parte anterior e na parte posterior.2 Hitiriki: Instrumento musical de cano, semelhante à flauta.3 Mokugyo: Instrumento que se bate na hora de ler os sutras. É feito de madeira oca, arredondado, esculpido em formato de cabeça de peixe. Para se produzir o som, utiliza-se um pequeno bastão coberto de pano ou couro.4 Dora: Instrumento musical semelhante ao gongo.

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constituirá a própria vida e se desenvolverá intensamente. Ou seja, o Paraíso Terrestre será o Mundo da Arte. Eis o motivo pelo qual tenho grande interesse por ela e pretendo incentivá-la bastante, no futuro. Como primeiro passo, estou construindo o protótipo do Paraíso Terrestre, em Atami; quando ele estiver concluído, atrairá ainda mais a atenção da sociedade, recebendo muitos elogios. Infalivelmente, merecerá consideração a nível mundial. Portanto, estamos dando prosseguimento aos planos sob essa diretriz.

Eiko, nº 107 — 6 de junho de 1951

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O PARAÍSO É O MUNDO DO BELO

Os fiéis da nossa Igreja estão bem cientes de que o objetivo de Deus é a construção do mundo ideal, de perfeita Verdade, Bem e Belo. Sendo assim, o objeivo de Satanás, Seu antagonista, é obviamente a Falsidade, o Mal e a Fealdade. Falsidade e Mal não necessitam de explicações; portanto, falarei a respeito da Fealdade.

Neste mundo, existem coisas erradas. Há casos, por exemplo, em que a Fealdade se associa à Verdade e ao Bem. Ao ver tais fatos, muitas vezes as pessoas fazem deles alvo de admiração e respeito. Em termos mais claros, desde tempos remotos, não são poucas as pessoas que, comendo e vestindo-se precariamente, morando em cabanas, enfim, vivendo uma vida miserável, realizam práticas virtuosas para o bem do próximo e da sociedade. Realmente, se suas condições de vida fossem desfavoráveis, seria inevitável para elas poderem sobreviver, mas algumas, mesmo tendo condições para viverem melhor, escolhem espontaneamente tal forma de vida, o que acredito não ser desejável. Entre elas, encontram-se muitos religiosos que escolhem uma vida de abstinência como meio de aprimoramento, achando ser um meio excelente. Quem vê isso, considera-os pessoas sublimes. Mas, para falar a verdade, esse pensamento não é correto, pois se negligencia um fator importantíssimo, que é o Belo; ou seja, temos Verdade, Bem e Fealdade. Neste sentido, desde que não ultrapassem as condições adequadas a cada indivíduo, as vestes, a alimentação e a moradia do homem devem ser utilizadas da maneira mais bela possível, porque isso está de acordo com a Vontade Divina. Além do mais, o Belo não é simplesmente uma satisfação individual, mas também o que causa uma sensação agradável aos outros. Assim, podemos dizer que é uma espécie de boa ação. Na verdade, quanto mais alto grau de civilização a sociedade alcançar , tudo deverá se tornar mais belo. Pensem bem. Na vida dos selvagens não existe quase nenhuma beleza. Por isso, também podemos dizer que o progresso da civilização é, em parte, o progresso do Belo.

Naturalmente, a nível individual, os homens também devem procurar manter uma beleza adequada, para causar boa impressão às demais pessoas; sobretudo as mulheres, devem procurar mostrar-se ainda

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mais belas. Talvez não seja da minha conta fazer-lhes semelhantes considerações, mas é a pura verdade: dentro de casa, deve-se sempre ter o cuidado de não deixar teias de aranha no teto, de conservar o assoalho tão limpo que não haja nem um cisco, de arrumar logo os objetos desagradáveis à vista e deixar os utensílios bem organizados. Assim, tanto os moradores da casa como as visitas sentir-se-ão bem, o sentimento de respeito nascerá naturalmente, e o conceito do chefe da casa também se elevará. Devemos, ainda, cuidar do aspecto externo das residências. Mas não é preciso gastar dinheiro para isso; se procurarmos conservar nossa casa sempre limpa e em bom estado exteriormente, não só causaremos uma boa impressão às pessoas que passam pela sua frente, como também contribuiremos para influenciar positivamente o plano de turismo nacional. A esse respeito, existe um comentário sobre a Suíça, o qual, em parte, talvez, se justifique pelo tamanho do país. De qualquer forma, dizem que lá tanto as ruas como as praças públicas são sempre conservadas limpas, e por isso a sensação que se tem é realmente a melhor possível. Este é um dos motivos pelo qual o país recebe tão grande número de turistas; portanto, poderíamos tê-lo como exemplo a ser imitado.

As razões expostas mostram que nós, japoneses, também precisamos cultivar o senso do Belo. Através desse exemplo, exerceremos boa influência sobre os indivíduos e, em grande escala, muito mais do que pensamos, sobre a sociedade e a nação. E mais ainda; por meio desse ambiente de beleza, os sentimentos dos cidadãos também se tornarão belos, e os crimes e os acontecimentos desegradáveis diminuirão, o que, conseqüentemente, constituirá um dos fatores determinantes do Paraíso Terrestre.

Finalizando, escreverei a meu respeito. Desde jovem eu gostava de tudo o que dissesse respeito ao Belo. Embora fosse muito pobre, cultivava flores em espaços vazios e, quando dispunha de tempo, pintava quadros. Sempre que me era possível, visitava museus e exposições. Na primavera, apreciava as flores e, no outono, o bordo. Agora, pela graça de Deus, minha vida se tornou mais afortunada, e, além de apreciar o Belo como desejo, tal atitude constitui uma ajuda para a realização das atividades da Obra Divina. Entretanto, para terceiros, que desconhecem esse fato, minha vida parece

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exageradamente luxuosa, o que é inevitável. Desde tempos antigos, como sempre digo, os fundadores de religiões faziam a divulgação das doutrinas levando uma vida paupérrima e realizando penitências. Comparando-me com eles, talvez todos achem minhas atitudes um tanto estranhas, pela grande diferença observada. Na verdade, aqueles religiosos estavam na Era da Noite, e até mesmo a Religião era divulgada por meios infernais. Chegou, porém, a Época de Transição e, atualmente, quando o mundo está para se tornar Dia, a salvação é efetuada num estado paradisíaco, de modo que é necessário refletir profundamnete sobre esse ponto.

Eiko, nº 112 — 11 de julho de 1951

SOBRE A ARTE DA VELOCIDADE E PICASSO

Quando cotejamos as artes ocidental e oriental, temos que aquela é dinâmica, enquanto esta, estática. Tomemos o exemplo da música: a do Ocidente prima pelo movimento e velocidade, exultando e animando o ouvinte, de forma que ele não possa parar quieto. Em contraposição, a música oriental induz o ouvinte a um sentimento de calma e repouso. O mesmo vale ser dito com relação à dança: a do Japão consiste mais num bailar, é a própria imobilidade. Já a ocidental e dinâmica, sendo um de seus ramos extremos o "jazz".

No tocante à pintura, dá-se o mesmo. A única diferença — em termos intrínsecos — com a música e a dança, é que é difícil para a pintura, em virtude de seus métodos estáticos, a expressão do movimento. Tal dificuldade ocasiona uma composição um tanto quanto forçada. Da vontade de solucionar o problema e criar uma nova tendência, surgiu a pintura ocidental hodierna. Aquelas pinturas estranhíssimas nasceram da concepção de que o método convencional de pintar tanto corpos estáticos, tal e qual se apresentam aos olhos, bem como o que está em movimento, também, de maneira estática, segundo a visão do pintor, não corresponde à realidade. O grande mestre do gênero é Picasso.

Quando, cientes disso, contemplarmos esses quadros, nós os entenderemos, mais ou menos. Eles expressam a sensação instantânea

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recebida de um corpo em movimento, podendo existir dois casos, como citamos acima: num, o movimento do corpo é expresso com objetividade; no outro, mesmo que o corpo esteja em repouso, tem-se a sensação do instante em que o próprio pintor se movimentava. Conseqüentemente, quem vê deve discernir tal detalhe com precisão, conquanto essa seja uma tarefa bem difícil. Em suma, temos a velocidade do movimento do objeto e a velocidade do movimento do pintor que vê o repouso do objeto. Como é extremamente complicado, basta considerar que o que importa é a sensação da velocidade. Por isso, há nessas obras rostos que se sobrepõem, que se contorcem, ou desequilíbrio entre o rosto que é minúsculo e o corpo que é imenso... A interseção de linhas geométricas consiste na sensação da velocidade correspondente a prédios e, da mesma forma, a sarabanda incoerente de cores, na sensação instantânea proporcionada por um canteiro de flores ou vestes femininas. Por isso, de posse de tais conhecimentos, não é impossível compreender até certo ponto essas obras. Todavia, para falar sem cerimônia, seria desejável que se pusessem notas explicativas a respeito do momento em que foram executadas. Caso contrário, quem vê é induzido a uma confusão mental inútil. Quem vai a uma exposição quer divertir-se; se o que encontra, porém, é sofrimento, a questão exige demorada reconsideração.

Creio ter já escrito o suficente para ser, de forma razoável, entendido. De agora em diante, passo a manifestar aos pintores o que penso, na posição de contemplador de suas obras. Ao nos colocarmos diante de uma tela, deleitamo-nos quando logramos captar a intenção do autor, compreendendo, de imediato, do que se trata. Tal captação deve ser a alma da arte. Entretanto, defronte de um quadro como os de Picasso, somos levados a meditar nos objetivos do autor, no que ele quis expressar com o que criou. Parece até com o programa As Vinte Portas5, onde somos obrigados a adivinhar se o negócio é um animal, um vegetal ou um mineral. Por causa disso, perdemos um bom tempo a meditar. O que se tem, portanto, não é arte, mas um tipo de quebra-cabeça. Felicidade seria poder ouvir do animador que chegáramos à resposta correta; provavelmente, porém, no referente a essas pessoas, ninguém nos dirá isso. No meu caso, só de ver algumas dessas telas, minha cabeça começa a doer: sinto medo 5 As Vinte Portas: programa de diversão que foi levado ao ar de 1947 a 1960.

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em pensar o que aconteceria se as visse todas. Sendo assim — usando de um modo extremo de falar — quem vê tais obras é um tipo de vítima. De fato, o pintor, todo cheio de si, impõe a sua subjetividade — se o espectador aceita, bem-feito! Pobre coitado! Ele é visitante de exposições... Este é o modo de pensar dos artistas modernos. Ignoram a objetividade, orgulhando-se de ser o que sempre apelido de fantasmas da subjetividade. Fica registrada com ousadia a minha opinião. Talvez possa ser também a imposição da minha personalidade, ou mesmo a paga pelas imposições sofridas... Entrementes, quero escrever, de forma breve, a minha opinião acerca da pintura. Não resta dúvida de que ela é um elemento fundamental das belas-artes. Em se tratanto, então, de um fator de tamanha importância, deve-se claramente receber dela a impressão da beleza. Em outras palavras, ao nos confrontarmos com uma boa peça, devemos experimentar, em plenitude, a atração e o embevecimento proporcionados pelo Belo. É nisso que reside o verdadeiro valor da obra e que faz dela um bem cultural excelente. Em conseqüência, as exposições para tal devem existir. Desejo acrescentar, aqui, algo mais. Trata-se do significado da Pintura em si. Independente de época ou lugar, a Pintura não será verdadeira caso sua apreciação esteja reservada exclusivamente a pessoas dotadas de um senso crítico especial. A alma da Arte reside na universalidade de proporcionar prazer a todo mundo. Desnecessário dizer que ela não deve imitar a Pintura ocidental da atualidade, na sua presunção. Caso ela se rebaixe ao nível do "jazz", que só faz correr atrás da moda vã, acabará por auto-exterminar-se, mais cedo ou mais tarde. Lógico é que, se a pintura consiste no alimento do espírito que se toma através dos olhos, deve-se dar de comer o que é gostoso, ao invés do que é ruim. A consciência do pintor deve proceder assim.

Eiko, nº 114 — 23 de janeiro de 1952

CIÊNCIA E ARTE

O mundo contemporâneo pensa que tudo pode ser resolvido pela Ciência. Entretanto, embora quase ninguém chegue a perceber, existem diversos empreendimentos importantes que a Ciência não consegue resolver. Analisemos a Arte, por exemplo.

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A Pintura e as mais diversas expressões artísticas, como a Literatura, a Música, a Dança, o Cinema e até o Teatro, possuem algum teor científico, mas não é preciso dizer que estão quase que totalmente fundamentadas no conjunto da genialidade, inteligência, consciência e esforço do homem. Todos sabem o quanto a Arte é necessária para a sociedade humana. Se ela não existisse, a vida seria seca e sem sabor, como se estivéssemos dentro de uma cela de pedra.

Exemplifiquemos: sempre que caminho pela cidade, sinto que, se não houvesse lojas, residências e prédios ao redor, e eu não pudesse ver o verde das árvores da rua ou dos jardins das casas, mas apenas uma parede semelhante a um presídio de uma só cor sóbria, prolongada em linha reta, talvez, eu não suportaria andar sequer alguns quarteirões. Assim, a bela visão proporcionada pelo rico colorido das casas, pelas diferentes feições e expressões das pessoas, com sua maneira característica de se vestir e de andar — a exuberância dos jovens exibindo a moda; as pessoas de idade; os recém-chegados do interior — enfim, os infinitos aspectos que encontramos, cada um com algo de interessante, é que nos permitem andar pela rua sem entendiar-nos. Quando nos distanciamos da cidade, dentro de um ônibus ou de um trem, não ficamos cansados porque a paisagem variada — montanhas, rios, plantas, árvores e plantações — nos faz passar o tempo. Além do mais, as diversas transformações ocasionadas pelo clima das estações enriquecem o nosso sentimento. O mundo é realmente uma arte criada pela Natureza e pela mão do homem. É por tal diverssidade que vale a pena viver.

Pensando dessa forma, poderão concluir que até a Ciência é uma parte da Arte e entender, portanto, que ela tem uma função auxiliar. Assim, é por demais evidente que há uma ligação inseparável da Arte com a vida do homem. Ante essa evidência, a Sekai Kyussei Kyo interessa-se pela Arte e estimula-a como nenhuma religião o fez até agora.

Entretanto, até mesmo na Arte existem níveis. Se ela é de nível inferior, corre o perigo de abaixar o nível das pessoas, levando-as à degradação, motivo pelo qual é preciso muita cautela. Por isso, a Arte deve

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ser de nível elevado — uma arte que, deleitando a pessoa, eleva o seu sentimento.

A teoria é fácil, mas existirão organizações que se encarreguem disso? Quanto ao exterior, nada posso afirmar; porém todos sabem que, nesse ponto, a situação do Japão é muito precária. Para corrigir essa falha, nossa Igreja está efetuando a construção do protótipo do Paraíso Terrestre, do qual faz parte o Museu de Belas-Artes. Há um sábio e antigo ditado que diz: “A Religião é a mãe da Arte”. Ele expressa muito bem a atividade de construção que estamos desenvolvendo.

Eiko, nº 154 — 30 de abril de 1952

SERMÃO

Eu jamais quero esquecer-me da existência das belas-artes nas raízes da religião. De qualquer obra de arte afluem símbolos concretos da Verdade, do Bem e do Belo. Ou seja, penso que o ato de o religioso iluminar as massas por intermédio de uma filosofia artística consiste, afinal, em nelas implantar o espírito da Verdade, do Bem e do Belo. Vale notar, ainda, que ninguém como o Príncipe Shotoku — quem divulgou o budismo no Japão — teve tanto interesse pelas artes. A cultura esplendorosa da era Tempyo deveu-se, exclusivamente, a ele. Vejam, por exemplo, as imagens de Buda da época: o sorriso suave; a piedade que aflora da jovem face de traços marcantemente delineados; a nobre atmosfera que silenciosamente nos vem ao encontro — em suma, pressente-se o movimento em meio ao repouso. Uma sensação de paz, além de tudo. Por isso, julgo que a verdadeira religião manifesta-se integralmente dentro das obras de arte. A Verdade e o Bem consistem em elementos espirituais, mas o Belo é capaz de sublimar a alma através dos olhos. Trata-se de fato histórico inegável que a Religião é a mãe da Pintura, da Escultura, da Música e de todas as demais Artes. Tal evidência, hoje, vem diluindo-se gradualmente; Religião e Arte estão distanciando-se — corroborando nesse fato as influências da ciência moderna. Fala-se do declínio da religião, mas, indiscutivelmente, este não é o estado original dos acontecimentos. Religião e Arte devem avançar paralelamente como as rodas de um carro. Eu sou adepto da tese absoluta de paz, segundo a qual

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onde a Religião e as artes florescem, jamais ocorrem guerras. Conseqüentemente, acredito que o objetivo final da Religião reside nisso. Nesse sentido, a Igreja Sekai Kyussei Kyo promove exposições artísticas com freqüência. Ampliando essa concepção, pretendo realizar em uma loja de departamentos de Tóquio uma grande mostra das peças de arte da minha coleção, que já começam a despertar o interesse dos vários círculos da sociedade. Tal empreendimento também se fundamenta no meu princípio de que a Religião e as Artes se encontram profundamente interligadas. (Omitiu-se a parte final)*

Jornal Tokyo Nichinichi, 24 de fevereiro 1953

*Omitiu-se, na presente obra, a parte final, por não estar particularmente relacionada com as Artes.

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V - SOBRE OS ARTISTAS

OGATA KORIN

Desde a minha juventude, sempre gostei demais de Pintura. E, indiscutivelmente, o meu pintor preferido é, independente de época, aquele famoso Korin. Dentre os artistas da escola Korin, tanto Koetsu, como Sotatsu, Koho e Kenzan têm, cada um deles, o seu sabor; todavia, Korin distingue-se, decididamente, por sua superioridade. Sua pintura, sendo concisa, logra captar a imagem real do objeto, fato que a torna ímpar. Desconsiderando completamente a forma das coisas, ele a expressa com fidelidade. Isso é idêntico à energia do poema japonês de trinta e uma sílabas que pode comover o homem, quando este não se convenceria ainda que com o emprego de milhões de palavras. O que mais me assombra é que até então a pintura nipônica esteve presa às formas legadas da China, e Korin ousadamente rompeu com essa tradição. Ou seja, ele acabou com o método da utilização da linha, substituindo por outro que prescinde dela, e renasceu para um estilo próximo do desenho esquemático. Resumindo, foi a sua ousadia em criar um método revolucionário de desenho, em oposição ao método tradicional que estava preso a determinados cânones.

Hoje, passados duzentos e algumas dezenas de anos depois do passamento de Korin, sua façanha provocou uma revolução nos círculos pictóricos da era Meiji. Acerca disso, tenho o seguinte episódio a relatar. Trinta anos atrás, o mestre Tenshin Okakura, fazendo-se acompanhar de quatro pintores — Taikan, Shunso, Kanzan e Buzan — retirou-se para Izura, no antigo feudo de Hitachi. Naquela época, em virtude de certa circunstância, consegui entrevistar-me com o mestre Tenshin. Ele revelou-me, entre outras coisas, os seus futuros projetos com relação à Pintura japonesa. Tal contato foi-me por demais proveitoso e, na oportunidade, também tomei conhecimento do caráter invulgar do mestre. Naquele dia, varei a noite a confabular com os dois pintores Kanzan Shimomura e Buzan Kimura. O mestre Kanzan confessou-me então: “A intenção do mestre Tenshin, ao fundar o Instituto de Artes, foi de reabilitar Korin na atualidade. Por isso, nós não fazemos uso da linha propositadamente. Hoje, a sociedade faz pouco caso de nossa pintura, apelidando-nos de

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escola da opacidade. Há de vir, porém, um dia em que haveremos de ser reconhecidos, infalivelmente”. Justamente como ele afirmou e é do conhecimento geral, pouco tempo depois, o estilo do grupo do Instituto de Belas-Artes passou a dominar o mundo japonês da pintura, fazendo a revolução desta. O mestre Kanzan tecera, ainda, algumas considerações, nesse sentido. A pintura, no Ocidente, em virtude do extremo a que atingira a escola realista, tendo passado a competir com a fotografia, ao enveredar pelas sendas do pormenor, chegara a tal ponto que exaurira, totalmente, as suas possibilidades. Quando todos os esforços visavam a desvendar um caminho que levasse a uma grande mudança, alguém, na França, descobriu Korin. Pode-se imaginar com facilidade a surpresa e a admiração experimentadas perante o rumo tomado pela pintura de Korin, completamente inverso ao do realismo elaborado. Como era de se esperar, nasceu o desenho do estilo art nouveau, apareceu o movimento pré-impressionista, e, finalmente, nasceram os grandes gênios da escola pós-impressionista, como Van Gogh, Gauguin, Cèzanne e outros. E não foi somente tal o acontecido: a descoberta provocou uma revolução em todos os ramos das Belas-Artes e do Artesanato, atingindo até a Arquitetura. Como todos sabem, os estilos grego e romano vigentes, até então, passaram por uma imensa mudança graças ao secionismo; o estilo renascentista recolheu-se e daí brotou o estilo arquitetônico moderno. É inegável que o estilo que atualmente prevalece no mundo inteiro, criado pelo francês Le Corbusier, de extrema simplicidade, recebeu no fundo a influência de Korin.

Creio que não é exagero afirmar que o japonês Korin, que, alguns séculos após sua morte, subitamente agitou o mundo inteiro, ou melhor, revolucionou um campo da civilização, é o maior orgulho deste país. Até hoje, não houve um japonês cuja obra lograsse revolucionar um setor mundial. Somos obrigados a afirmar que Korin foi o único.

Ensaios, 30 de agosto de 1949

O SABER DAS COISAS

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Creio que, em japonês, não há expressão de sentido mais profundo e sutil do que mono o shiru (o saber das coisas). Considero-a de difícil interpretação, por isso vou tentar esclarecê-la o melhor possível.

Analisando-a, vemos que ela significa experimentar ilimitadamente tudo que existe no mundo, penetrar, captar a essência das coisas e exprimi-la de alguma forma. Ou melhor, descobrir o segredo de medir a ação e as conseqüências de determinado problema. Ao contrário, se alguém exibir teorias infantis, agir levianamente ou praticar ações sem perceber a censura e o desprezo dos outros, significa que não tem visão nem sabe das coisas. Pertence ao grupo daqueles que se costuma chamar de imaturos, infantis ou grosseiros.

Esclarecido é quem possui vasto saber. Por aí vemos quão grande é o número de homens imaturos que não possuem esse saber das coisas, inclusive entre os homens públicos. Eles procuram exagerar e fazer alarde de questões insignificantes, sem se dar conta de que estão atraindo o desprezo dos esclarecidos. Seu comportamento nada mais é que a demonstração de sua própria inferioridade. Tais indivíduos são, infalivelmente, umas nulidades, homens de conceitos restritos (Shojo).

A eficiência e o crédito são sempre prejudicados pela ação dessas criaturas medíocres, empenhadas somente em elevar sua própria fama. Certamente é por causa de tantos elementos sem maturidade que não se consegue chegar a conclusões e resoluções mais rápidas nos debates políticos de hoje. Se a maioria fosse esclarecida, seria fácil um acordo. O problema é que os esclarecidos se retraem no silêncio, por detestarem discutir com gente teimosa. Os imaturos aproveitam essa oportunidade para se exibir, desejando tornar-se famosos, e a fama aumenta sua probabilidade de serem eleitos, por ocasião das eleições. Sendo assim, os menos esclarecidos representam a maioria, e os esclarecidos, a minoria. Uma prova disso é o fato e a necessidade de se passar longo tempo discutindo um problema — às vezes de somenos importância — para se encontrar uma solução.

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Mas a verdade é que, apesar de os homens mais esclarecidos apareceram menos, por serem modestos, suas opiniões acabam sempre triunfando. E tal fato não se limita ao mundo político. É natural, em todos os setores da sociedade, que aqueles que são conhecidos pela sua competência sejam homens relativamente esclarecidos.

Até aqui me referi à parte moral. Passarei, em seguida, para o campo da Arte, que eu considero o melhor meio para explicar o presente assunto, já que a maioria dos homens esclarecidos são, ao mesmo tempo, dotados de senso estético muito elevado.

Exemplifiquemos, primeiramente, com o príncipe Shotoku, cujo vasto conhecimento sobre a cultura budista, principalmente na parte artística, ninguém poderá deixar de reconhecer. Temos a prova disso no Templo Horyuji e em outras construções, que ainda conservam o esplendor da sua magnificência. A sua famosa Constituição dos 17 Artigos pode ser considerada a base da lei japonesa.

Também podemos citar Yoshimassa Ahikaga, que, embora tenha sido muito criticado em outros setores, na parte artística deixou-nos uma obra notável. Além de construir o Templo Guinkakuji (Pavilhão de Prata), foi apreciador da Arte chinesa, tendo colecionado objetos artísticos das dinastias Sung e Ming. Incentivou grandemente a arte japonesa com as Obras preciosas de Higashi-yama, que ainda hoje deleitam o nosso senso artístico. Seu trabalho é realmente digno de louvor.

A maior honra, no entanto, desejamos conferir a Hideyoshi Toyotomi6. Ao lado de sua exuberante criação artística, intulada Momoyama, devemos salientar o brilhante impulso dado por ele à arte da Cerimônia do Chá — cuja existência, até então, era obscura —, protegendo Sen-no-Rikyu, mestre da referida arte, naquele século. Graças a ele, houve um rápido desenvolvimento da cultura artística, e gênios e grandes mestres surgiram uns após outros. Não fazem exceção Enshu Kobori e Chojiro, o gênio da cerâmica. Este, como Ashikaga, além de obras japonesas e chinesas, colecionou famosos objetos artísticos da Coréia, dando um novo

6 Hideyoshi Toytomi: unificador dos feudos, no ano de 1573

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impulso à cerâmica no Japão. Devemos lembrar, aqui, a existência de Koetsu Honnami. Ele foi pintor e calígrafo notável, tendo criado uma nova modalidade de maki-ê7; na fabricação de cerâmicas, foi inimitável, graças à sua originalidade e versatilidade. Sua maior contribuição, que ele próprio não previra, foi ter influenciado, cem anos após seu falecimento, o famoso mestre Ogata Korin, expoente máximo do Japão no setor artístico, o qual foi admirador de Koetsu e o superou, conquistando grandiosa fama. Também não podemos omitir os oleiros Ninsei e Kenzan. Desta corrente surgiu Hoitsu, que se fez notar, também, pela sua habilidade artística.

A grandeza de Hideyoshi Toyotomi reside no fato de ter compreendido a Arte ainda na mocidade e colecionado obras-primas, o que não deixa de ser algo surpreeendente, dado que ele era filho de lavrador. Geralmente, além de crescer sob condições favoráveis, ou melhor, na classe acima da média, é necessário um grande esforço para se atingir o nível do “saber das coisas”. Hideyoshi, portanto, é de fato um homem humilde e que viveu continuamente em campos de batalha.

Lancemos, agora, uma vista sobre a Arte Literária. Na poesia, sobressaem-se, indiscutivelmente, Saigyo e Basho. As

obras destes dois expoentes revelam ter sido realizadas por quem realmente possui o “saber das coisas”. Nunca deixo de admirar estes poemas, suas obras principais:

“A solidão envolveaté um coração indiferente,quando as narcejas levantam vôo do pântano,nos crepúsculos do outono.”

Saigyo (Waka)

“O canto das cigarraspenetra no silêncioe nas rochas.

7 Maki-ê: arte que utiliza laca e madrepérola)

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Baisho (Haiku)

Uma pessoa que também merece ser lembrada é o aristocrata Unshu Matsudaira, conhecido pelo nome de Fumai. Ele colecionou inúmeras obras de arte, classificou-as, protegeu-as da dispersão e deu impulso à Cerimônia do Chá. É digno de toda a nossa consideração.

Entre os esclarecidos da época moderna, citaremos o falecido ator Danjuro Ichikawa.

Vimos, em linhas gerais, alguns dos principais representantes da arte japonesa considerados esclarecidos. São homens civilizados no mais alto grau, e é escusado dizer o quanto colaboraram para alimentar a alma do povo, enriquecendo-lhe o gosto estético e elevando-lhe os sentimentos. Naturalmente, todos sabem que as invenções, as descobertas e o progresso do ensino contribuíram para a cultura da humanidade, mas convém recordar a grande constribuição que, em silêncio, as obras dos esclarecidos trouxeram à civilização.

Tijyo Tengoku, nº 16 — 15 de agosto de 1950

A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (II)*

Tratarei, a seguir, dos círculos das belas artes, em especial da área dos pintores. Este setor, também, perdeu ultimamente quase todos os chamados grandes mestres. Restam meramente dois: Gyokudo e Taikan. Naturalmente, por ambos terem idade muito avançada, não se pode contar longamente com eles. Assim, quando se pensa no porvir do mundo da Pintura japonesa, conclui-se que, por um bom intervalo de tempo, estará tomado por um sentimento de vazio. Quanto aos demais pintores de fama — para falar com sinceridade —, eles se aproximam cada vez mais da perfeição técnica, mas, em contrapartida, a vivacidade de suas obras é parca, e, particularmente, no que toca aos maiores, essa tendência é mais perspícua. Dentre esses artistas, o mais enérgico talvez seja Ryushi. Em vista dos fatos discorridos, é-me possível afirmar não ter deparado com peça alguma que me tivesse impressionado sobremaneira e ficado na recordação, ao percorrer as mostras de arte recentes. Nessas oportunidades,

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recordo-me do esplendor daqueles anos posteriores ao início da realização da Exposição do Instituto de Artes do Japão. Era, então, com impaciência, que eu esperava o dia de abertura, tal o número de obras-primas apresentadas. Nem há necessidade de comparar com o que hoje se verifica, sendo por demais lastimável ter de se contentar com a explicação de que essa escassez advém do passar das épocas. De certa forma, tal fato é até mesmo estranho. O tópico mais lamentável é a perda da força da pincelada — o elemento vital da Pintura do Oriente. De fato, ainda há pinturas em que os traços são predominantes. São, contudo, linhas delgadas e extremamente frouxas, as quais fazem tão-somente marcar com cautela os contornos. Os limites que daí surgem são, nesse caso, preenchidos com tinta: não existe, portanto, nem impacto e tampouco profundidade. Cotejem-se com elas as obras dos grandes mestres da Antigüidade: o sabor e a fartura do volume criam uma atração inigualável que nos impede de afastar delas os olhos, ao vê-las. Terminada a apreciação, experimenta-se até uma sensação de tênue cansaço. Creio tratar-se de uma sensação comum a muitos diletantes, sendo proveniente da atmosfera e da nobreza da Arte.

Todavia, as obras dos pintores recentes passam a impressão de serem peças de doentes, tamanha a sua debilidade. Além do mais, como existem muitas pinturas em que se lançou mão da técnica de recobertura, a coisa fica ainda pior, o que deve acontecer porque, ao perceber-se que o pincel não obedece, pode-se corrigir a falha por meio da citada técnica. Eu acredito que a razão de ultimamente a pintura a óleo estar em voga se remete a tal fato. Outro acontecimento que noto quando vou a exposições é não haver grande diferença entre artistas veteranos e estreantes. A distinção fica por conta da assinatura. A explicação desse fato não requer que meditemos muito: imitação por imitação, tanto faz se o autor é veterano ou novato. Antigamente, porém, bastava que batêssemos os olhos numa peça para saber que pertencia a um grande artista. O seu brilho a distinguia completamente das outras. Nesse sentido, podemos determinar o valor real da pintura hodierna. Ultimamente, quando saio de uma mostra de arte, não posso evitar uma sensação de que é um misto de desesperança, desânimo, pessimismo e cólera. O que se leva de volta para casa é um presente de tristeza, conquanto a intenção inicial residisse na diversão.

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Creio que os meus comentários são um tanto cruéis, mas eu os fiz, pensando no futuro da pintura japonesa.

Como sei onde se encontra a verdadeira razão de semelhante fato, passsarei a escrever, a seguir, com detalhes a esse respeito. Pretendo fazer um intróito acerca da afamada pintura antiga chinesa, especialmente — como é do conhecimento dos diletantes — aquela das dinastias Sung e Yuan. Destacam-se, aqui, indiscutivelmente os pintores Mu Hsi e Liang K'ai. Sobre eles, Saneatsu Mushanokoji já escreveu antes, pelo que creio que quem o leu tem conhecimento de serem ambos os pontos máximos da Pintura oriental. Sua técnica, quase que sobre-humana, faz com que eu tome uma atitude de humildade sempre que vejo essas obras. Além dos dois, podemos mencionar Yen Hui, Ma Yüan, Ma Lin, Kao Jan Hui, Jih Kuan e outros, sendo que todos pintaram pela técnica monocromática. Tive a oportunidade de ler em algum livro que Sen-no-Rikyu, em suas reuniões da Cerimônia do Chá, pendurava sempre um rolo de caligrafia na sala; quanto a pinturas, ele, unicamente, fazia uso de Mu Hsi. O que mais me espanta nas peças dos citados artistas é a vigorosidade da força do pincel. Essa força é peculiar à pintura das dinastias Sung e Yuan, e tanto os japoneses como os outros estrangeiros não contêm o seu êxtase diante dela.

No Japão, do aprendizado da pintura dessas duas dinastias chinesas, nasceram, na era Muromachi, os gênios Sesshu, Shubun, Keishoki, Sesson e Dasoku, deles podendo-se dizer que são os patronos da pintura nipônica. Contudo, em se os comparando com as pinturas Sung e Yuan, é inevitável que fiquem indiscutivelmente aquém. Porém, digna de nota é a pintura peculiar do Japão, surgida posteriormente. Em outras palavras, as pinturas budistas, das escolas Tosa, Korin, Yamato e as xilogravuras do estilo Ukiyoê. Essas obras trabalharam ativamente em prol das artes visuais japonesas, sendo do conhecimento comum que elas brilham no mundo. A partir da era Meiji em diante, surgiu um número razoável de grandes mestres; porém, seja como for, os maiores são os da escola do Instituto de Artes — que obteve êxito em introduzir, na sua estrutura forjada na escola Korin, aqueles bons elementos da pintura ocidental — e os da escola de Quioto, que gira em torno da rara genialidade de Seiho. Estas duas escolas

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infundiram, indubitavelmente, novo alento ao imutável mundo japonês da pintura, até então, profundamente imerso nos sonhos de uma longa noite. Seus merecimentos são dignos de alta apreciação. Depois, em conseqüência da guerra, passou-se por um estágio ocasional de letargia, que agora, concomitantemente com a recuperação nacional, dá lugar ao despertar do movimento. Eu me punha contente com esse acontecimento, mas verificando o que disse há pouco, não posso conter um demorado suspiro. Oh! lástima! O palácio da beleza da pintura nipônica, cuja edificação levou mil anos, começa a tremer! Ademais, caso sobre seus restos venha a erguer-se um palácio ocidental, a situação é de extrema gravidade. Verdade é que a pintura japonesa trazia em si, já há bastante tempo, essa tendência. Acreditando ser aquele um solo propício para o nascimento de uma nova arte, eu tinha minhas expectativas. Entretanto, quando dei por mim, vi-me traído, e o que era positivo tornou-se negativo.

Pelo exposto acima, julgo ter sido compreendido, e afirmo que há uma grande razão para o surgimento de semelhante tendência. É sobre o que discorrerei da próxima vez.

Eiko, nº 91 — 14 de janeiro de 1953

*A Razão do Desaparecimento dos Grandes Mestres (II) — Por não estar particularmente relacionado

com a Arte, o texto "A Razão do Desaparecimento dos Grandes Mestres (I)" foi omitido da presente obra.

A RAZÃO DO DESAPARECIMENTO DOS GRANDES MESTRES (III)

Ao se realizar o exame das causas do que foi exposto, depara-se com o fato irrefutável da debilitação da saúde dos pintores. A tal fato, acrescem problemas de ordem econômica. São, grosso modo, estes dois fatores. Abordando a questão a partir do seu primeiro tópico, deve-se afirmar que o consumo de carne, ao qual a raça branca está habituada há muitas gerações, não lhe é pernicioso, mas que o mesmo não é válido para os japoneses. Escusado dizer que os ancestrais do povo japonês consumiam, quase que essencialmente, vegetais, mas com o início da era Showa — entre as era Meiji e Taisho, nem tanto — o consumo de carne aumentou extraordinariamente. Como é do conhecimento geral, depois do término da guerra, sobretudo, a alimentação carnívora, auxiliada pelo

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complexo étnico, difundiu-se, bem como o hábito de beber leite ganhou grande popularidade.

Quero relatar aqui a minha experiência vegetariana. Quando eu tinha dezoito anos, a tuberculose que me afetava, há mais de um ano, agravou-se, levando, afinal, certo médico afamado a revelar que eu iria morrer. O desespero pelo qual fui tomado fez com que eu procurasse alguma forma de salvação, tendo eu descoberto, fortuitamente, que, para tal, o vegetarianismo era adequado. Assim, ao me submeter, por três meses, a um regime constituído exclusivamente de vegetais, restabeleci-me a passo acelerado da moléstia, tornando-me mais saudável do que antes do seu aparecimento. Na ocasião, dentre outras coisas, percebi, por meio de meu físico, que eu adquirira acentuadamente maior tenacidade. Ao mesmo tempo, como naquela época eu pintava mais ou menos por diversão, notei a diferença da força do pincel. Antes, eu tremia e não conseguia traçar, por exemplo, as linhas como desejava. Passei, porém, a poder pintar conforme a minha intenção, de um fôlego só. Desde então, comecei a julgar que os artistas carecem imensamente do vegetarianismo. Atribuo a falta de impacto das obras dos pintores hodiernos a tal motivo, por eles não conseguirem expressar seus traços como pretendem.

Hoje em dia, é suficiente ficar um pouco conhecido para que o padrão de vida melhore e, com isso, a alimentação penda para o lado da carne. Ademais, passa-se a dar mais atenção à saúde, recorrendo-se logo ao médico por causa de qualquer doença à toa, a qual, em outros tempos, era deixada de lado. Não só essa terapia consiste em um método que mina a saúde, como também, ao seguir os conselhos do médico — que prescreve muito cuidado e cautela — o indivíduo torna-se doentio, vivendo o ano inteiro cheio de medo e, conseqüentemente, sem energia. Esse estado vem a influir na obra, transparecendo na extrema fraqueza e falta de impacto dos quadros de tal artista. Não é estranho, pois, que artistas assim, ao ficarem famosos, morram precocemente. Sem dúvida, a razão está aqui. Contrapondo-se a tais obras, temos a pintura antiga da China e do Japão. As peças de pintura e caligrafia até hoje valorizadas como obras-primas têm como seus autores, principalmente, monges budistas da seita Zen. Eles se submeteram a um regime inteiramente vegetariano e, em vista da rígida

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disciplina que seguiram vinte e quatro horas por dia, tiveram sua personalidade lapidada e sua força espiritual robustecida; o que se manifesta perfeitamente em suas obras. Talvez por eu as apreciar consciente desse fato, tomo uma atitude de reverência maior diante do seu elevado e vigoroso senso. Outrossim, quando vejo obras grandiosas como as mandalas búdicas, sempre tomo um susto com a tenacidade que exigiram do artista.

No que T´ange ao segundo tópico, ou à questão de ordem econômica, deve-se notar que na sociedade atual é inexequível dedicar-se com exclusividade e tranqüilamente à atividade pictórica, à maneira dos antigos. Se não se tomar cuidado, é perigoso até passar fome. As preocupações oriundas daí não são brincadeira, além do fato de não mais existirem mecenas, como outrora. Por terem os antigos senhores feudais, aos quais sobravam tempo e dinheiro, protegido os artistas, conquanto eles criassem boas obras, foi natural que se produzissem ótimas peças. Desnecessário lembrar que isto foi um incentivo imenso às artes japonesas. No que toca a este ponto, julgo que podemos agradecer muito aos senhores feudais. Como é do conhecimento geral, a partir da era Meiji, o Instituto de Artes tornou-se o pilar do mundo da pintura nipônica: como era de se prever, por detrás da instituição havia dois esplêndidos mecenas: os senhores Goryu Hosokawa e Tomitaro Hara. Este é falecido, e aquele não pode mais atuar como antes, em virtude da mudança da época — o que é irremediável. Depois deles, não apareceu mais ninguém assim, fato esse que deve ser um dos motivos da estagnação recente da pintura de estilo japonês. Eles, além do mero poder econômico, possuíam profundo conhecimento artístico e praticavam a crítica, além de realizarem as orientações pertinentes. A interação de todos esses acontecimentos em muito contribuiu para que se criassem obras-primas naquela época.

Creio ter-me feito compreendido pelo que foi exposto, dando este assunto por encerrado.

Eiko, nº 92 — 21 de janeiro de 1953

MINHA DEFERÊNCIA PELOS ARTISTAS

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Tenho imenso prazer em receber e procuro entrevistar-me com artistas e artesãos, enfim, com todas as pessoas relacionadas com o ramo das Belas-Artes e dos entretenimentos. Em contrapartida, não tenho muita vontade de manter encontros com personalidades da sociedade, por mais elevada que seja a sua posição. Tal atitude não deriva, em especial, de algum capricho meu. Assim ajo porque, julgando que semelhante gesto é desprovido de sentido, não me sinto inclinado a ele. Há algum tempo, o senhor fulano de tal, então Ministro dos Negócios Internos, quis encontrar-se por duas vezes comigo. Certo dia, quando eu me achava em Gora, ele veio até Miyanoshita propondo-me uma entrevista. Mesmo assim, por não querer ter com ele, recusei delicadamente a proposta. Assim, quando não estou disposto a algo, não há mesmo o que fazer. O motivo para tal procedimento seria o seguinte.

Desde jovem eu gosto de espetáculos de entretenimento, a começar pelo teatro, tendo já assistido a muitos deles. Ultimamente, como sabem os fiéis, por faltar-me tempo e também por apreciar, procuro ver filmes uma noite sim, uma noite não. Em semelhantes ocasiões, sinto-me agradecido ao autor da peça, ao seu diretor, aos seus atores e demais integrantes da equipe por — não obstante tais atividades façam parte da sua profissão — terem cooperado, com afinco, entre si, para a produção de uma obra interessante, e proporcionarem divertimento. O mesmo é válido com relação ao rádio. Quando vejo, outrossim, obras-primas de arte tanto antigas, como modernas, o sentimento de gratidão aflora-me espontaneamente do íntimo, por me proporcionarem prazer, graças ao esforço e trabalho dos seus autores. Sobretudo se se trata de uma peça de um mestre extraordinário, sinto minha alma tocada e adoto uma postura de humildade diante dela. Naturalmente, como alguém assim é insubstituível, o meu respeito é ainda maior.

Nesse sentido, verdade é que existem muitos grandes homens entre os políticos, empresários e intelectuais; não descubro neles, porém, pontos positivos que sejam motivo de gratidão. Ademais, não me deparo com personalidades que eu possa considerar imprescindíveis. Sinto que existem substitutos aos montes para elas. Acresce que, principalmente entre tais pessoas (não sei se, no exterior, também acontece o mesmo), sejam muitas

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aquelas que detestam religião. Acredito que quem destesta religião não se trata, no mínimo, de um homem de bem. De fato, eles praticam atos elogiáveis, mas por ser algo calculado, não me infunde respeito. Conseqüentemente, em se tratando dos mesmos homens de bem, prefiro entrevistar-me e manter amizade com aquele que conhece Deus, pois é o legítimo.

Eiko, nº 253 — 24 de março de 1954

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VI - SOBRE A APRECIAÇÃO

A ARTE JAPONESA E SEU FUTURO

1 - A Pintura

Ao abordar a Arte japonesa, pretendo fazê-lo dividindo em três partes: Pintura, Escultura e Artesanato.

Primeiramente, a Pintura. É possível afirmar que a Pintura japonesa atual se vê em face a um momento crítico. Trata-se de opinião unanimemente compartilhada por todos aqueles que têm interesse por este ramo da arte que a situação não é fácil. Escusado dizer que a Pintura japonesa enfrentou uma grande fase de transformações no período que se estende do final do xogunato Tokugawa até a era Meiji, e que as demais artes e artesanato se viram também envolvidos. Cito como pintores que se mantiveram vivos, tendo ultrapassado essa situação, depois de muito se debaterem, os seguintes: Tyokunyu, Zenin, Yosai, Fuko, Hogai, Gaho, Yoshitoshi, dentre outros. Os pintores pósteros jamais devem se esquecer de que eles venceram as adversidades, tendo lutado contra a miséria e guardado até o fim a última fortaleza. Foi nessa época que Gaho logrou, a muito custo, matar a fome, tornando-se vendedor de antigüidades. Posteriormente, quando a situação social se acalmou, e, com isso, aconteceu também esse ramo ter-se recuperado, o mundo viu o estabelecimento de escolas de Belas-Artes, museus e exposições — em especial a Exposição de Artes do Ministério da Educação. Eis que, finalmente, a primavera visitou os círculos da Pintura. Não obstante, o mundo da Pintura japonesa não conseguiu escapar do limiar da cega obediência às tradições. Todavia, o Instituto de Artes, criado sob os desígnios revolucionários do mestre pintor Tenshin Okakura, veio, repentinamente, lançar uma bomba atômica sobre o mundo da Pintura do estilo nipônico. Os pintores centrais deste movimento são quatro, a saber: Taikan, Shunso, Kanzan e Buzan. A intenção do Instituto de Artes estava, como já mencionei, no tópico acerca de Korin, em reabilitar este artista na atualidade. Em vista, no entanto, da imaturidade da ocasião, eles foram, inicialmente, tratados com menosprezo, sendo chamados pelo nome de

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escola da opacidade. Todavia, a sociedade, sedenta que estava de algo novo e insatisfeita com o antigo estilo de pintura, não conseguiu descartá-los. A sorte abençoou lépida este movimento. Não é preciso dizer que ele dominou os círculos pictóricos avassaladoradamente, podendo-se afirmar que operou neles uma verdadeira revolução. À parte temos, ademais, atuando com um trabalho conjugado, o grande mestre Gyokudo, dono de um estilo suave e particular. Em Quioto, surgiu como a estrela-d'alva o talento raro de Seiho Takeuchi, e Tessai Tomioka, outro senhor de um estilo peculiar, ambos ocupando uma posição de importância naquela metrópole do oeste. Graças a eles, finalmente o apogeu da Pintura nipônica eclodiu. Contudo, Shunso morreu jovem, sendo seguido de Kanzan e Buzan. Em Tóquio, hoje, restaram apenas Gyokudo e Daikan, a sustentar o mundo da Pintura nipônica prestes a ruir. Também em Quioto, Seiho e Tessai faleceram, assim como faleceu, jovem ainda, Kansetsu, a quem julgavam mesmo o sucessor da obra dos dois primeiros. Tanto no leste como no oeste, o mundo da Pintura japonesa ficou vazio como um teatro.

O que acabo de expor acima diz respeito aos grandes mestres anciãos. Devem ser apontados, como candidatos a ocupar futuramente tal posição, em Tóquio, Kokei, Yukihiko e Seison — três grandes artistas da escola do Instituto de Artes. Todavia, estranhamente, aos dois primeiros, pela saúde débil, falta vigor, o que transparece também em suas obras. Seison, ademais, nestes anos recentes, mostra-se desanimado, não se podendo, pois, esperar, por um bom tempo, grandes peças da parte deles. É, realmente, uma grande pena. De resto, tem-se a existência de Ryushi Kawabata, a guardar uma base solitária. Sua técnica é excelente, bem como é transbordante a sua garra. O que é lamentável, porém, é que seu estilo se assemelha à comida chinesa, sendo um pouco pesado, e o fato de ele apegar-se à teoria da "arte de recinto", não tendo ainda despertado para a falácia que ela representa. Excetuando-se esses dois pontos, ele possui, suficientemente, as qualidades exigidas de um grande mestre. Em Quioto, Goun e Keisen faleceram; Insho é doentio e sem ânimo; resta só Heihachiro Fukuda. Todavia, apesar do talento que possui, sua técnica deixa a desejar; infelizmente, talvez, ele não seja capaz de escapar da fase de estagnação. Por conseguinte, em se examinando o futuro do mundo da pintura japonesa, é difícil vaticinar o seu paradeiro.

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Aqui, eu intenciono apresentar minha opinião bem franca a respeito da razão que conduziu os círculos da Pintura nipônica ao declínio — a moda da pintura de recobrimento. Fazendo uma avaliação imparcial, eu concluo que a Pintura japonesa de hoje não se trata de Pintura. É a técnica artesanal do recobrimento. Posso estar sendo cruel, mas penso que ela se enquadra mais na área do Artesanato artístico do que na da Pintura. É a completa decadência. Desse jeito, diluir-se-á mais e mais o interesse por ela. Eu mesmo adoro a pintura, mas não tenho o mínimo interesse por peças produzidas com a técnica de recobrimento. Talvez esta possa ser uma opinião exclusivamente minha, mas, ao cogitar sobre o futuro da pintura japonesa, depois de Taikan e Gyokudo ausentes, não consigo conter a onda de pessimismo que espontaneamente brota dentro de mim. Nesse sentido, somente as obras antigas poderão saciar a nossa sede de beleza. Não sei se a causa está em tal fato, mas ouvi dizer que todas as exposições realizadas este ano registraram déficit, em virtude da redução de público. Então, não posso ficar sossegado.

Tenciono falar agora um pouco a respeito da pintura antiga. Dentre tais obras, gosto, a começar das mais remotas, de Keishoki, Shubun e Soami; passando pelas chinesas, como as de Mu Hshi, Liang K'ai e Yin T'o-lo; bem como as de Motonobu, Tan-nyu, Sesshu e Sesson. Da época mediana, aprecio as de Korin — indiscutivelmente —, Sotatsu, Kenzan, Okyo e Matabee. No gênero xilogravura ukiyo-e, as de Moronobu, Harunobu e Utamaro. Na modernidade, devo citar, unicamente, as de Hoitsu; e, contemporâneas, as de Seiho, Taikan, Shunso, Gyokudo e Kansetsu.

Sobre elas, tentarei apresentar um breve comentário. Primeiramente, a técnica pictórica e o conteúdo das obras de Keishoki, Shubun, Mu Hshi, Liang K'ai e Soami, no âmbito da pintura antiga, resume-se no termo "maravilha". Não é exagero dizer que a excelência daquelas peças executadas dentro de um período que vai de 400 a mais de 700 anos passados, quando em cotejo com as obras dos grandes artistas atuais, torna estes últimos discípulos daqueles. Por maior que seja a atenção com que contemplemos aquelas telas, não lograremos descobrir um único

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defeito; mais que isso, delas afluirá, infinitamente, algo superior. Elas terão sempre alguma coisa a comover quem as contempla. Naturalmente, toma-se uma atitude de humildade perante elas. No tangenteàs peças de Motonobu, Tan-nyu, Sesshu e Sesson, não diria que todas elas são boas, mas, de vez em quando, há algumas de rara superioridade. Com respeito a Korin, por já ter escrito sobre ele no respectivo artigo, omiti-lo-ei. Sotatsu também apresenta peças superiores. Apesar de não ser tão arrojado quanto Korin, é de uma simplicidade acurada ao extremo. Desprevenidos, sorrimos diante de suas obras, e eu gosto incontidamente delas. Kenzan tem um sabor especial e, conquanto seu pincel seja um pouco duro e apresente características primárias, seu estilo nos prende. Okyo é convencional e impecável. De alta classe, logra sucesso em qualquer empreendimento: um mestre, enfim. Matabee, cujo outro pseudônimo é Katsumochi, demonstra exímia harmonia tanto no estilo yamato-e como no da escola Kano; suas obras possuem nobreza, sendo muito apreciáveis. Hoitsu, como todos sabem, é um cultor de Korin. Sua nobreza peculiar, sua técnica refinada e, por outro lado, o sabor da sua faceta de poeta, tornam suas obras atraentes.

Podem ser enumerados, como mestres da pintura moderna, Hogai, Gaho e Shunso; como pintores contemporâneos, citaremos três: Seiho, Taikan e Gyokudo. A genialidade de Seiho não admite imitadores. No que toca à sua técnica realista, ele introduziu, da influência de seus estudos no exterior, o estilo ocidental no uso das cores. A acuidade com que capta a sensação do objeto e a destreza de expressão não encontram par, seja hoje, seja na Antigüidade. Vale frisar que sua pintura é concisa ao extremo e que ele não descuida nem mesmo de um único ponto — uma técnica perfeitamente sobre-humana. Em oposição, quanta vulgaridade nos pintores atuais que, com traços e cores repulsivas, colorem tudo sufocadamente! Fico a cogitar no porquê de eles não compreenderem Seiho. Quero adquirir coragem para, com um só berro que condense o significado de milhões de palavras, alertá-los disso. Devo convir, entretanto, que a razão de eles rebuscarem seus quadros da mencionada maneira pode também advir da intenção de serem selecionados de qualquer forma para as exposições de arte, apelando para a complacência do júri, por intermédio de tinta e esforço.

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Passemos a Taikan. Como um dos grandes mestres da escola que dispensa linhas, suas peças têm um sabor que transcende o mundano. Simples e elegante, sua técnica sobre-humana de expressar as coisas da natureza é oposta à de Seiho — que se apega demais ao realismo. Ele procede com cautela em meio à ousadia: sua maneira de expressão do objeto e sua técnica, bem como a atitude que ele assume com ar superior, ao postar-se num estado que lhe é característico, sem adular as massas, engrandecem-no. É de se lamentar somente que os seus temas sejam limitados. Quanto a Shunso, pode-se dizer que desempenha o papel de braço direito de Taikan. A suavidade de sua pintura é como um passeio por um campo na primavera, sendo agradável o seu estilo.

Gyokudo tem um sabor peculiar que é indescritível. Seus traços, sobretudo, são suaves e concisos. Sua técnica, demonstrando muito bem esse efeito, é incomum. O que em especial eu admiro nele é a sua falta de ostentação e ambição, seu desinteresse: á a sua invulgaridade que pode parecer vulgar. Ele expressa com perfeição a natureza, e sua forca de encantar quem contempla suas peças não admite rivais. Seu estilo é verdadelramente profundo.

A obra de Tessai também é característica. Deve ser definida como a ordem da desordem: é infinitamente rica em interesse. Todavia, ele passou a pintar desta maneira depois de ter atingido os 60 anos. Assim, como viveu até os 89, quanto mais ele adentrava na idade, mais peças superiores produziu. Após seu passamento, acreditava-se que um segundo Tessai surgiria com Keisen Tomioka. A morte precoce deste foi realmente lamentável.

Com relação a Kansetsu, foi uma grande pena que ele morresse logo quando mais prometia. Na sua pintura, a ousadia que nela ocorre encontra-se envolta; sendo do estilo nanga, há tensão no uso do pincel. Além de não ser vulgar, transparece na mesma um sabor de quietude. Contudo, em virtude da sua juventude, era inevitável que a qualidade de suas obras não fosse constante. Se lhe fosse dado viver até depois dos sessenta, pelo menos, com certeza, ele teria atingido o grau de grande mestre.

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2 - A Escultura

A seguir, discorrerei, brevemente, acerca da Escultura. Como artistas do passado, Unkei e Jingoro Hidari são por demais conhecidos. Todavia, no campo da Escultura, diversamente da Pintura, desde a Antigüidade, são poucos os mestres de renome. Ocupar-me-ei, aqui, somente da atualidade. É fato indiscutível que o florescimento registrado pela Escultura a partir da era Meiji, como jamais se viu, contou com o estímulo das exposições. Citaremos, como os principais grandes mestres da Escultura em madeira, não só Komei Ishikawa, Unkai Yonehara e Tyoun Yamazaki — entre falecidos e já de idade avançada —, assim como também Dentyu Hirakushi e Chozan, o qual hoje adota o nome de Seizo, Sato. Dentre eles, eu gosto de Dentyu, não obstante ele ter perdido, recentemente, a vivacidade antes possuída. Hoje, apenas Seizo trabalha ativamente, produzindo obras relativamente boas. Embora sua ambição transbordante seja apreciável, seria de se desejar dele um pouco mais de refinamento e maturação. No mundo deserto da Escultura, ele tem todas as qualidades para se tornar um dos grandes nomes da atualidade. No que concerne à Escultura de bronze e argila, sou obrigado a apontar apenas Fumio Asakura. Contudo, não deve consistir em ponto de vista exclusivamente meu que sua técnica parece ter atingido o ponto final. Aqui, ainda deve ser feita menção especial à escultura budista da Antigüidade. É-me impossível acreditar que a refinada técnica empregada nas imagens religiosas do santuário Yumedono, do templo Horyuji, é coisa da Era Tempyo, de mais de 1.200 anos atrás. Ao pensar quando surgirão esculturas que suplantem estas, vejo-me obrigado a não acalentar grandes expectivas.

3 - Os trabalhos de laca

Abordarei, a seguir, o Artesanato artístico. Como na Pintura, ainda neste campo, a excelência dos antigos surpreende. Temos, primeiramente, a laca maki-ê, trabalho característico do Japão, não encontrado no exterior. Por isso, começarei por ela. A laca, tendo alcançado progresso há muito tempo, conta com magníficas peças de maki-ê datadas da era Heian.

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Naturalmente, muitos dos trabalhos dessa época estão ligados ao budismo, constituindo-se quase todos de urnas executadas em laca polida para o acondicionamento de sutras. A laca maki-ê teve maior impulso a partir da era Kamakura, passando pelo período Muromachi e alcançando imenso progresso nos períodos Momoyama e Edo, quando surgiu um sem-número de exímios artesãos. Os principais são, entre outros, Doho Igarashi, Shunsho Yamamoto, Kyui Koma, Kyuhaku e Seisei Shiomise, tendo eles deixado numerosas obras-primas. Até então, os trabalhos existentes eram unicamente de laca polida, mas, a partir dessa época, passaram a ser produzidas peças com adornos em alto-relevo. De outro lado, Koetsu Honnami e Korin Ogata fizeram grande sensação com desenhos e técnica completamente inovadores. Aplicando, com grande maestria, chumbo, madrepérola e kin-hira maki-ê, eles produziram peças nas quais não apenas o desenho peculiar é livre e arrojado, mas também nelas a elegância extravaza, contrapondo-se às primeiras, cuja suntuosidade prima pela delicadeza do trabalho. Temos, ainda, o trabalho inovador de Haritsu Ogawa, que combinou à laca o uso da cerâmica, e as peças de Shigemitsu Somata, originais no uso de lâminas delgadas de ouro e prata e de madrepérola. A arte da laca foi registrando, assim, relevante progresso. Sob as influências desse salto verificado no período Momoyama, o artesanato da laca ingressou na era Tokugawa com os grandes senhores feudais da época, competindo entre si na execução de obras-primas, estimulando o seguido surgimento de excelentes artesãos. A família Maeda, por exemplo, senhora do feudo de Kaga, um dos mais ricos da época, fazendo construir uma oficina em um recanto dos seus jardins, convidou artesãos para trabalharem na mesma, fornecendo-lhes, à vontade, o quanto fosse preciso em material e em paga pelo seu trabalho. Hoje, pode-se comprovar, pelo acervo dos museus de arte, quão suntuosas e esplêndidas são as peças produzidas graças a tal empenho. É possível conscientizar-se, outrossim, de que o Japão tem motivos de orgulhar-se diante do mundo inteiro por ser uma grande nação artística.

Na modernidade, surgiram os artesãos Hikobee, Bunryusai Kajikawa e Komin Nakayama. A laca maki-e, como as demais artes, depois de atravessar uma fase de decadência, dos fins do período Tokugawa até o início da era Meiji, avançou, subitamente, rumo ao seu apogeu. Os

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principais artistas são Zeshin Shibata, Shosai Shirayama, Shomin Ogawa, Taishin Ikeda, Iccho Kawanobe, Jitoku Akatsuka, Homin e Hobi Uematsu, Shumin Funabashi, Shuetsu Koda, Kosai Tsuzuki, Yukio e outros.

Vale fazer menção especial, aqui, a Shosai Shirayama. Talvez, ele ocupe o primeiro lugar no ramo, tanto na Antigüidade como hoje em dia, não sendo exagero afirmar que não há quem o ultrapasse. Ele é o grande mestre do mundo dos trabalhos de laca. Experimento respeito ao ver as peças por ele executadas. Sobre o referido artista, apesar de ter sido o primeiro membro da Comissão Real de Artes, ele não cobrava, na era Taisho, mais que quatro ienes e cinqüenta centavos por jornada de trabalho. Seu desprendimento era completo, vivendo exclusivamente para a Arte. Um artista, na verdadeira acepção da palavra. Foi um grande mestre digno de respeito.

4 - A Cerâmica

Discorrerei também sobre peças de cerâmica. Como no caso da Pintura, também a cerâmica foi apreendida da China. Portanto, as peças iniciais de cerâmica japonesa são, na maior parte, imitação das chinesas. No período mais remoto, temos peças de Seto amarelas, Oribe verde, de porcelana verde-resedá, de porcelana azul e branca, de porcelana de Arita e de Hirado. Quanto às obras de cerâmica artística, foram iniciadas por Kakiemon. A seguir, Ninsei, ceramista de raro talento, surgiu em Quioto. Posteriormente, apareceu a porcelana Arita; de outro lado, em Quioto, surgiu a cerâmica Awata e a porcelana colorida de Kiyomizu. O estilo Ninsei difundiu-se e deu origem às peças Banko de desenho vermelho, da região de Ise. Posteriormente, produziram-se as peças do estilo brocado de Satsuma.

No período Kamakura, há aproximadamente 700 anos, surgiram, nas regiões de Owari e Seto, as peças antigas, hoje chamadas Seto. Ademais, perto de 1.200 atrás, no período Nara, produziram-se peças de cerâmica do estilo da porcelana verde-resedá, com o uso de esmalte fornecido pela cinza natural, havendo, ainda, no início do período Edo, a porcelana verde-resedá do Japão. Todavia, jamais se igualaram à produzida

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na China.

Kakiemon foi um famoso mestre ceramista do início do período Edo, que trouxe a inovação da porcelana colorida e do tipo brocado; os serviços que ele prestou em prol deste ramo da Arte o tornam seu grande patrono. Posteriormente, no período Genroku, a sexta geração de seus herdeiros tornou-se famosa pela produção de peças esplêndidas, graças à excelência de Shibuzaemon8.

Eu gosto, sobretudo, da porcelana Okochi, também denominada Nabeshima, da região de Hizen. Ela começou a ser produzida na era Kyoho, constituindo-se, em sua maior parte, de pratos. A combinação nela presente da técnica da porcelana azul e branca com o inigualável desenho colorido deixa-me com água na boca. Atrai-me, inclusive, a porcelana do estilo brocado, popularmente conhecida como Imari. É também admirável o trabalho minucioso e a suntuosidade do colorido da cerâmica Satsuma. Todavia, tanto o desenho como a técnica atuais das três citadas modalidades, não são atraentes; pode-se dizer que somente as peças com mais de 200 anos são dignas.

As peças da porcelana Kutani, do estilo brocado, surgida há 300 anos, contudo, são apreciáveis. Entre as peças azuis e as coloridas, fabricadas pelo forno Yoshidaya, há, sobretudo, umas excelentes.

Entre os tópicos que pretendo abordar por último, inclui-se o do criador da porcelana Kyoyaki, o mestre Ninsei. Seu verdadeiro nome era Seiemon, da vila de Ninnaji. Como ceramista, pode ser considerado o primeiro do Japão. A imensa variedade de formas e desenhos e a infinita versatilidade de seu estilo fazem dele um gênio nato. A nobreza e a elegância de suas peças tornam-nas inteiramente distintas das outras cerâmicas. Existe um número razoável de taças para a Cerimônia do Chá e vasos de sua autoria classificados como tesouros nacionais. Sua posição é equivalente à de Korin no mundo da pintura. Seu grande mérito encontra-se em não se ter baseado, o mínimo que fosse, na porcelana chinesa — os

8 Shibuzaemon: Shibuzaemon Sakai. Tutor de Kakiemon VI; deixou várias obras. Irmão menor de Kakiemon V.

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demais estilos da cerâmica nipônica tomaram a China por modelo —, criando algo singular ao Japão. Neste ponto, a cerâmica Nabeshima, sendo também algo exclusivamente japonês, encontra-se emparelhada a ela — ambas contam, inclusive, com muitas obras superiores às da China. Outrossim — apesar de algumas características primárias — as peças de Kenzan são cheias de sabor. Por ser irmão de Korin, eles têm trabalhos realizados em co-autoria.

Existem, ademais, peças muito boas na cerâmica Bizen. Principalmente entre os vasos para arranjos florais e os objetos de adorno de Bizen antigo e azul, há muitas obras excelentes, dignas de serem recomendadas. Eu gosto, também, da porcelana Shonzui. Existem, ainda, muitos tipos de porcelana do tipo Kyoyaki; as de renome, contudo, são aquelas executadas pelo ceramista Mokubei.

Quando se versa a respeito de cerâmica, deve-se falar sobre os utensílios para a Cerimônia do Chá. Dentre esses, a prioridade cabe às taças de chá. As peças do estilo coreano são especialmente apreciadas. As peças superiores são as do tipo Ido. Entre estas, as de Kizaemon, Kaga e Honnami são famosas. Mesmo hoje, seu preço alcança a cifra de várias centenas de ienes, o que é assustador. A seguir, ainda como peças de origem coreana, temos as do tipo Totoya, Kakinoheta, Kobiki, Soba e outras. Peças genuinamente japonesas são as do estilo Seto antigo, Shino, Karatsu, Tyojiro, Nonko, Koetsu, Ninsei, Oribe, Hagi, Shigaraki e Iga. No que toca às peças do tipo Tyojiro, deve-se dizer que este foi o criador da cerâmica Raku e o artesão famoso a quem Rikyu devotou enorme deferência. Seus herdeiros, já na décima terceira geração, continuam a produzir cerâmica.

Quero, agora, discorrer brevemente sobre a atualidade. Do intervalo que se estende da era Meiji até os dias de hoje, parece não haver ninguém digno de menção especial. Poderíamos citar, como artesãos afamados, Kozan Miyakawa, Rokubee Shimizu, Hazan Itaya e Kenkichi Tomimoto. Quanto à porcelana chinesa, tem-se, primeiramente, a de cor verde-resedá, a qual se classifica em três tipos: Kinuta, Tenryuji e Shichikan. Existem, outrossim, as porcelanas Kochi, Banreki vermelha, Gosu, etc. Da cerâmica

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coreana, citaremos a Korai branca.

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5 - A Caligrafia

Assim como gosto de pintura, gosto de caligrafia também. Como sabem os senhores, diariamente faço algumas centenas de peças caligráficas. Em termos de volume, sou eu aquele que mais produz desde a Antigüidade, no Japão. Escrevo, por hora, quinhentas peças do ideograma Hikari (Luz), destinadas à confecção de protetores. Escrevo, ainda, em trinta minutos, no mínimo cem peças com dois ou quatro ideogramas para quadros ou rolos. Como sou demasiadamente rápido, torna-se preciso que três homens me coadjuvem. Mesmo assim, eles não conseguem acompanhar-me. É um serviço que corre como em linha de montagem.

Há tempos, solicitei a um professor de caligrafia os seus préstimos. O motivo é que eu sentia certa dificuldade com relação à escrita cursiva, tendo a pretensão de saber mais a seu respeito. Ao explicar meu objetivo ao professor, ele respondeu-me o seguinte: "Desaconselho o senhor a fazer tal trabalho. A caligrafia aprendida enquadra-se em determinados moldes, sendo despojada de personalidade. Os caracteres assim escritos não têm vida. Sua forma, somente, é bela, mas nela não existe conteúdo. Hoje, eu próprio luto desesperadamente para romper com essa forma. Por isso considero que alguém como o senhor deva manifestar, de forma liberta, a sua personalidade. Na escrita cursiva, é de ínfima importância se um traço está faltando ou sobrando." Convencido, desisti do aprendizado.

É fato aceito que os antigos detêm superioridade tanto na pintura quanto no artesanato artístico. O mesmo acontece na caligrafia. Toda vez que vejo peças caligráficas antigas, eu me emociono. Gosto sobretudo dos trabalhos escritos em kana: a habilidade neles presente jamais poderá ser imitada pelo homem contemporâneo. Verdade é que tal notoridade provém, entre outras razões, do fato de as pessoas das épocas idas terem vivido folgadamente a se comprazer com a composição e a escrita de poemas, livres das agruras do cotidiano e das preocupações sociais. Como calígrafo moderno, cujas obras em kana não ficam a dever às dos antigos, poder-se-ia citar, talvez, apenas Saishu Onoe. Dentre os antigos, eu gosto, primeiramente, de Michikaze, Tsurayuki, Sadaie, Saigyo e Koetsu. As obras deste último, sobretudo, deixam-me com água na boca. Entre os

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poetas do gênero haikai, a letra de Basho possui características apreciáveis, e sua pintura, além de tudo, comparada com a de pintores profissionais, nada fica a dever. Pode-se deduzir, por este fato, que aquele que prima em certo ramo das artes atinge um nível elevado também nas demais áreas.

No que toca à escrita de caracteres chineses, nem é preciso mencionar Wang Hsi Chih ou Kukai. Como calígrafos da modernidade, San-yo, Kaioku, Takamori e Tesshu são consideráveis. Diga o que se disser, no caso dos ideogramas chineses, a personalidade fala mais alto que a técnica. Assim, a caligrafia dos grandes homens inspira respeito, ainda que a forma seja tosca. A explicação espiritual para o fato seria a seguinte: na caligrafia, a personalidade do seu autor encontra-se impressa. Assim, pela constante contemplação de uma peça caligráfica, recebe-se a influência da personalidade de quem a executou — neste ponto reside a nobreza da caligrafia. Portanto, uma peça da referida arte não possui valor caso não tenha sido executada por um grande homem, alguém dono de um grande caráter. Eis o motivo de ser aconselhável às gestantes realizarem a educação fetal por meio da contemplação de obras de caligrafia de grandes homens. Digo, a meu respeito, que a caligrafia assume um papel de suma importância na minha técnica de salvação, porque ela desempenha um grande feito. Todavia, por esta explicação ser por demais mística, tratarei dela em outra obra. Limito-me, agora, somente a comentar acerca da arte caligráfica.

Opiniões Pessoais, 30 de agosto de 1949

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A RESPEITO DA ARTE CALIGRÁFICA

Tendo lido a dissertação de Egawa — quem sempre dá vida à presente publicação, com sua ótica singular e os seus textos de estilo leve — sobre a caligrafia e a religião, senti-me também eu estimulado a discorrer a respeito, conforme me afluíssem as idéias.

A caligrafia, como foi bem observado pelos antigos, consiste na expressão do caráter de seu autor, por meio do pincel. Assim sendo, os trabalhos caligráficos dos grandes homens, monges de elevada virtude ou intelectuais, são objeto de elevada consideração. Curiosamente, a caligrafia está ligada por laços indissolúveis à Cerimônia do Chá. A esse respeito, tendo a oportunidade de ler anteriormente o diário de reuniões de chá de Rikyu, constatei que, apreciando ele as peças de caligrafia antiga de grandes monges, sempre as pendurava no tokonoma, em tais ocasiões. Eventualmente, há o registro de se ter pendurado um rolo de pintura, mas esta estava restrita às obras de Mu Hshi. As mencionadas peças de caligrafia antiga são de autoria de monges budistas virtuosos da China, os quais viveram na época compreendida entre as dinastias Sung e Yuan. Dentre tais peças, existem aquelas que foram escritas após seus autores terem adquirido a cidadania japonesa, sendo também tidas em relevante consideração as obras de monges zen-budistas do Japão. Enumerando os monges de fama, teremos, primeiramente, Daito-Kokushi, fundador do Templo Daitoku; Mugaku-Zenshi, fundador do Templo Engaku; além de Muso-Kokushi e Soen. Os monges chineses e que se naturalizaram japoneses: Engo, Mujun, Mokorin, Seisetsu, Kido, Gottan, Daikei, Kisoseki, Jijo, Ondanko e outros. Dentre todos, minha preferência fica com Daito, Mujun e Soen. Quando contemplo as peças caligráficas dos mencionados monges, impressiona-me a sensação de algo de sublime que não admite ser profanado, quer os ideogramas estejam escritos com mestria — naturalmente — quer não. É a nobreza extravasada do caráter do autor.

Tem-se, a seguir, embora sob uma perspectiva diferente da acima abordada, as obras de caligrafia das várias gerações de abades do Templo Daitoku. Tratam-se também de peças bastante apreciáveis. Distinguem-se, sobretudo, as obras de autoria de Ikkyu. Verdade é que são bem primárias,

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contudo, ao não se deixarem tolher pela forma, por não serem nem um pouco pedantes, aparecem perfeitamente nelas a ingenuidade e a franqueza, a beleza sem artifícios da personalidade de Ikkyu. Fato interessante é que, apesar de existirem muitas peças falsas de Ikkyu, dá-se logo por isso, em virtude de estarem por demais bem escritas. As obras de Takuan, também, são ótimas. Nestas, além de a técnica ser bem superior, há energia. Na inexistência do sentimento de ostentar o estado de quem atingiu a iluminação, pressente-se a nobreza deste monge da seita zen. De resto, há coisas dignas de se ver entre as obras de Seigan, Kogetsu e Gyokushitsu. No tocante à caligrafia dos samurais, a escrita de Masashige Kusunoki é extremamente bela, sendo, ainda, de razoável beleza a de Hideyoshi e Ieyasu. Recentemente vi em certo lugar a caligrafia de Kukai. Trata-se de uma escrita apreciável, em que há suavidade, porém não faz muito jus ao conceito de que comumente goza. Na modernidade, a caligrafia de Tesshu Yamaoka é interessante. Seu estilo livre e arrojado é digno de alta avaliação. A escrita de Ichiroku Iwaya, outrossim, possui elementos que não podem ser desprezados. Todavia, a de Ryokan suplanta a todas. O estilo de sua escrita é supramundano, elegante e gracioso; leva mesmo quem a aprecia a sorrir. Ademais, como calígrafo profissional, a escrita de Kaioku Nukina é belíssima. Certa vez vi um biombo de seis folhas escrito por ele. Cada uma das folhas trazia uma linha escrita. A perícia do seu estilo pôs-me admirado.

Escreverei agora, concisamente, a respeito do campo dos manuscritos antigos. Dentre estas obras as que mais me agradam são as de autoria de Ki-no-Tsurayuki. Foram escritas com kana do tipo man-yo. Dotadas de uma classe e de uma mestria indescritíveis, enchem-nos de respeito. São ainda apreciáveis as peças de Michikaze e Saigyo. As escritas das quais mais gosto são as destes três. De resto, têm pontos admiráveis a caligrafia de Yukinari, Sadaie, Sukemasa, Yoshitsune, Toshinari, Kintou, Toshiyori e a do príncipe Munetaka. Como bons exemplares da escrita feminina citarei Kodaino-kimi e Murasaki Shikibu. Das pessoas atualmente vivas, a escrita de Saishu Onoe é boa, e eu gosto, também, de seus poemas. Hoje, concluirei o assunto por aqui.

Eiko, nº 111 — 4 de julho de 1951

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IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS

Até hoje, os trabalhos de crítica da Arte foram quase que todos elaborados por estudiosos. Conquanto se diga com clareza e profundidade, a respeito do assunto, não são poucos os pontos considerados desnecessários para o leigo, e — no meu caso — muitas vezes não consigo ler tais obras até o seu término. Assim, procurei escrever um artigo que, lido de um ponto de vista comum, fosse interessante e pudesse proporcionar uma capacidade apreciativa geral ao leitor. Dar-me-ei por satisfeito caso aqueles que, de agora em diante, pretendam ingressar no terreno das Belas-Artes, o tenham como um ponto de referência.

Tenciono descrever, primeiramente, a situação hodierna das Artes no Japão e no exterior. Quando menciono o exterior, limito-me aos países possuidores de instalações dignas do nome de museus de artes, quais sejam, os Estados Unidos e a Inglaterra. Portanto, discorrerei acerca destas duas nações. Tanto uma quanto a outra coincidem no ponto em que vertem seus principais esforços, isto é, a Arte oriental. Melhor esclarecendo, a Arte chinesa com a tônica na porcelana, vindo em ordem secundária os bronzes e a Pintura moderna. Tomando em primeiro lugar o caso da Inglaterra, faz-se mister mencionar dois colecionadores mundialmente famosos: Humohopeless e David9.

A coleção de "Sir" Humohopeless já adornava, há algum tempo, o Museu Britânico, sendo considerável o seu volume. Todavia, por ocasião da Primeira Grande Guerra Mundial, talvez por motivos de ordem econômica, viram-se obrigados a se desfazer de boa porção dela — o que, diga-se, deve ter sido feito com pesar. Naturalmente, a maior parte foi parar nos Estados Unidos, mas — fato curioso — alguma coisa veio parar, também, no Japão, sendo hoje de propriedade de certo senhor. Por tal motivo, verdade é que diminuiu; porém, mesmo assim, é vasta.

A coleção de "Sir" David (sendo da época em que o referido museu ainda não havia sido aberto) é composta de peças modernas, da dinastia

9 Percival

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Ming em diante, opondo-se à de "Sir" Himohopeless, na qual são muitos os objetos antigos, das dinastias T´ang e Sung. Na coleção deste último, há uma considerável quantidade de bronzes magníficos do período que se estende da dinastia Chou, passando pela Hang, até a Sung. Existe ainda um bom número de pinturas, mas são raras as peças das dinastias Sung e Yuan: a maioria consiste de obras da dinastia Ming em diante, sobretudo dos reinados dos imperadores K'ang Hsi e Kan Lung. Observando-se que bronzes e pinturas não constam dos catálogos, depreende-se que não são numerosos. Na Inglaterra, ademais, há colecionadores particulares, cujo cabedal é considerável. Nesse meio, achei interessante o fato de uma senhora admirar Ninsei e possuir algumas obras dele. O certo é que, no mencionado país, não há muitas peças da arte nipônica. Em contrapartida, já nos Estados Unidos, que, desta maneira, faz jus à sua fama de nação rica, existem inúmeros e ótimos museus, e as obras de arte são aí encontradas em abundância. A começar dos grandes centros metropolitanos, como Washington, Boston, Nova Iorque, São Francisco e Los Angeles, as demais cidades possuem museus, sejam eles grandes ou pequenos. Dentre estes, destaca-se, apesar de acanhado, o museu de propriedade particular de nome Frier Galery. Goza de fama mundial. Há nele objetos de arte maravilhosos, tendo eu já os visto em catálogos. No entanto, indiscutivelmente, o melhor museu norte-americano é o de Boston. Dizem que possui, especialmente, um grande número de peças de Arte japonesa. Tal fato é perfeitamente compreensível, já que, na era Meiji, Tenshin Okakura serviu como seu conselheiro, tendo coletado um razoável volume de boas obras. Posteriormente, Kojiro Tomita também adquiriu peças excelentes de arte japonesa. Há alguns anos atrás, vi várias fotografias dos biombos existentes no Museu de Washington. Eram muitos os de autoria de Korin e Sotatsu, mas, ao contrário do que eu pensava, não há tantas peças de arte japonesa antiga no exterior. Apenas, no tocante a xilogravuras, o que existe, no estrangeiro, é considerado superior e em maior número do que o existente no Japão. Sobretudo, o Museu de Boston goza de nome por suas xilogravuras. Inclusive a França e a Alemanha possuem algumas; nesta última, as obras de Sharaku existem, ao que parece, em grande número. A explicação que eu tenho para a abundância de xilogravuras no exterior é a seguinte: quando os estrangeiros, a partir da era Meiji, vieram ao Japão, o que primeiramente se lhes mostrou diante dos olhos foram as obras de

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xilogravura. Além do mais, como o preço delas era baixo, tornando-as acessíveis, eles as levaram consigo como lembrança de viagem. Esta é a razão de hoje terem tais peças alcançado a sua atual posição. Contudo, por não me agradarem muito as xilogravuras, já fazia algum tempo que eu vinha adquirindo originais pintados a mão, tendo conseguido obras relativamente boas a preços módicos, o que me foi possível por terem os japoneses passado a dar valor à xilogravura, imitando, como é de praxe, o estrangeiro no gosto, e relegado as peças pintadas a mão. Ademais, quando os estrangeiros vieram ao Japão pela primeira vez, os japoneses guardavam, zelosamente, esses originais, o que também deve ter evitado que fossem notados. Tal cuidado foi providencial.

A seguir, como modalidade artística peculiar de nosso país, deve-se citar a laca maki-ê. De forma semelhante ao que aconteceu com as obras de ukiyo-ê pintadas a mão, não houve oportunidade dessas peças de laca serem vistas e, conseqüentemente, adquiridas pelos estrangeiros. Por tal motivo, ao contrário do que se poderia supor, elas não são muito encontradas fora do Japão. Explanarei, agora, concisamente a respeito da laca maki-ê. A idéia desta técnica foi, provavelmente, tomada dos trabalhos de laca chineses de épocas remotas, sendo depois apurada. No Japão, já na época Nara, foram produzidas peças consideráveis. As urnas para o acondicionamento de sutras remanescentes da era Heian são magníficas peças executadas em laca polida — um fato simplesmente supreendente. A técnica de maki-ê, evoluindo, gradativamente a, partir dessa época, produziu obras excelentes e inovadoras ao atingir a Era Kamakura. Um número considerável de peças magníficas desta mesma época, ainda hoje, deliciam nossa visão. Da era Momoyama à Tokugawa, a técnica desenvolveu-se ainda mais e como, além disso, por ser a laca considerada o material mais apropriado para a confecção dos objetos de uso pessoal dos senhores feudais, estes competiam entre si na produção de boas peças. As obras de maki-ê em alto-relevo — que ainda hoje irradiam seu brilho dourado — remontam ao período do apogeu da Era Tokugawa, constando, principalmente, de estantes de livros, urnas para papel de escrita, estojos, escrivaninhas, caixas de toucador, objetos para a cerimônia do incenso, e outros.

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Eiko, nº 166 — 23 de julho de 1952

IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (II)

Tem-se, além do mais, o nascimento daquele famoso e raro artesão da era Momoyama, Koetsu Honnami. A sua genialidade para com a arte abrangia todos os campos e era criativa: sobressaem-se aí as suas peças de laca maki-ê, de cerâmica Raku, de caligrafia e pintura — estas últimas produzidas em pequeno número. Escusado comentar que tanto o seu desenho inédito quanto os materiais empregados assombraram os seus contemporâneos. O artista que depois surgiu, sob a influência de Koetsu, foi o também famoso Sotatsu. Este rompeu, admiravelmente, com as tradições cultivadas, até então, pelas diversas correntes artísticas de sua época, criando a técnica pictórica maravilhosa, que hoje podemos apreciar. Trata-se, pois, de um grande benfeitor do mundo japonês da pintura. Um século mais tarde, deu-se o aparecimento de Korin. Korin inspirou-se no estilo de Sotatsu, sublimando ainda mais essa técnica. Pode-se dizer, então, que, nesse sentido, Sotatsu é o gerador de Korin.

Faz-se preciso, agora, abrir parêntese para mencionar Korin. Mesmo os, atualmente, tão comentados Matisse ou Picasso têm sua origem em Korin. Creio que Korin foi mundialmente reconhecido em meados do século XIX e descoberto, primeiro, por certo pintor francês. Quando este deparou, pela primeira vez, com uma pintura de Korin, arregalou os olhos surpreso. Até então, na Europa, os padrões estéticos renascessentistas vigentes, por um longo espaço de tempo, haviam alcançado o seu cume: a Pintura, por exemplo, chegando ao ápice do realismo, encontrara o extremo do caminho, não tendo mais para onde ir. Para se ter uma idéia, basta dizer que existiam adeptos de opiniões, tais como a de que eram preferíveis fotografias coloridas a quadros. Foi então que se desvendou Korin, como um relâmpago a ziguezaguear pelo céu descoberto. Os pintores franceses constataram a maravilha do estilo do referido artista que, ao contrário das técnicas convencionais minuciosas e detalhistas daquela época, não só estilizava tudo com audácia extrema, mas expressava o objeto retratado muito além do realismo. Desnecessário dizer que o mundo artístico francês acolheu, com júbilo, a descoberta de Korin como se recebesse o próprio

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Messias — e fez uma guinada de curso de cento e oitenta graus: tem-se aqui a eclosão das escolas impressionista e pós-impressionista. O estilo de pintura a que atualmente se chegou teve o seu ponto de partida em tal fato, após ter passado por várias transformações. É plausível afirmar, pois, que o legado de Korin é tão grandioso, a ponto de não encontrarmos palavras com que adjetivá-lo. Há certo livro da época, tido como a sensação dos círculos editoriais franceses (agora não me lembro do nome do autor), intitulado Korin: Comovendo o Mundo. Assim, eu tenho comigo que Korin pode ser colocado na mesma posição que Shakespeare tem na Inglaterra — nem mais nem menos. Passados uma centena e algumas dezenas de anos após sua morte, ele movimentou o mundo inteiro. O mérito de sua obra não ficou confinado apenas à Pintura; ele provocou uma verdadeira revolução em todos os ramos da sociedade. A primeira manifestação de tal fato foi o estilo art noveau, avançando progressivamente até revolucionar todo o universo do desenho do mundo inteiro. Foi a simplificação de todo o tipo de beleza. A Arquitetura, sobretudo, foi a área que recebeu relevante influência. Tem-se, inicialmente, o aparecimento do movimento secessionista que, depois de passar por inúmeras transformações, originou o estilo Le Corbusier, hoje dominando os círculos arquitetônicos.

Dessa maneira, na Arquitetura, no mobiliário, no vestuário, nas artes comerciais, em tudo, o estilo renascentista passou a ser um sonho do passado. Termino, aqui, minha breve referência à obra de Korin. A respeito dele, eu penso da seguinte maneira. Como o japonês mais importante a ter influência mundial do ponto de vista da cultura, não existe outro a não ser Korin. Ele deve ser definido como um monumento mundial erigido pelo Japão. Dele, pode-se ainda dizer o mesmo com respeito à Pintura japonesa hodierna. Foi Korin também quem reverteu de vez a ordem do estilo de pintar em que os antigos padrões eram rigidamente preservados pelas escolas Kano, Shijo, Nanshu e outras. No tocante a isso, tenho a relatar o seguinte episódio: Foi no meu encontro pessoal, ocorrido há trinta anos, com o mestre Tenshin Okakura. Revelou-me ele ter fundado o Instituto de Artes com o intuito de reabilitar Korin na atualidade. Pode-se depreender, por tal fato, também, que Korin faz os alicerces da Pintura japonesa hodierna, a isso acrescendo-se o sabor da pintura ocidental. Para não ficar por demais prolixo, contudo, aqui ponho ponto final na conversa sobre

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Korin. Passemos ao próximo assunto: um apanhado acerca da História da pintura japonesa.

Como é do conhecimento geral, a Pintura japonesa tem sua origem na China. A Pintura oriental, por sua vez, segundo conta a História, tem seu ponto de partida em certo local da China próximo ao Tibete, cujo nome é Dong Huang. Nesse lugar, há mais de mil e algumas centenas de anos antes, existia uma cidade de cultura avançadíssima. Quero crer que Kozui Otani devotou especial interesse por essa região, tendo nela feita longa estada e procedido a exaustivas pesquisas. Eu já li, inclusive, os seus registros. Foi-me possível imaginar, pelo exame do grande número de fotografias a eles anexas, o grande avanço que, para a época, fora atingido pela Arquitetura, costumes, etc. A idade, então, é da dinastia T´ang. A partir da época dos Cinco Reinos, a Pintura oriental começa a progredir, assumindo praticamente sua forma final, no período da dinastia Sung do Norte, com o surgimento de grandes mestres. As obras afamadas das dinastias Sung e Yuan, hoje tidas em grande apreço, remontam a esse período. Fato curioso é que a maior parte dos pintores de renome dessa época é formada por monges zen-budistas. Os grandes mestres da Pintura monocromática a nanquim — Mu Hsi e Liang K'ai — também são monges zen-budistas. Como temos peças destes dois grandes pintores famosos em nosso museu, é provável que os senhores as tenham visto.

Dessa forma, a Pintura nascida na China foi importada pelo Japão no período Ashikaga. Verdade é que anteriormente, na época Nara, já algumas obras haviam entrado no país, mas aqueles que tomaram conhecimento das peças valiosas das dinastias Sung e Yuan foram os xoguns Yoshimitsu e Yoshimasa Ashikaga. As obras dessas duas dinastias chinesas, que atualmente existem no Japão, passaram quase todas pelas mãos da família Ashikaga. Isso pode ser comprovado por um sinete especial, indicador do acervo da herança de Higashiyama; aposto, sobretudo, naquelas melhores peças. Outrossim, quem se encontrava incumbido da função de zelar por tais obras era Soami. Gei-ami e Noami, naturalmente, desempenharam esse serviço. Surgiu, assim, sob a influência das obras chinesas, a escola Higashiyama de paisagens a nanquim. Entre outros artistas que se moldaram na Pintura chinesa, podem ser citados

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Shubun, Dasoku, Kei Shoki e outros e, um pouco mais tarde, Sesshu. Sem dúvida são eles os patronos da Pintura japonesa. Conseqüentemente, Sesshu é o fundador da escola Kano.

Eiko, nº 167 — 30 de julho de 1952

IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (III)

Contudo, a modalidade de pintura que nasceu anteriormente, sob a influência do elegante estilo caligráfico kana empregado na expressão dos poemas japoneses, quando estes eram intensamente cultivados, no período Heian, foi aquela chamada yamato-e. Essa técnica é derivada — naturalmente — da pintura colorida chinesa, sendo seu mestre máximo Nobuzane Fujiwara. Basta saber que, hodiernamente, uma única peça desse pintor é avaliada em mais de um milhão de ienes, para se ter uma idéia do seu talento. À parte, tem-se, também, a obra caricata de Tobasojo Kakuyu, sendo possível dizer que essa marca o início dos quadrinhos cômicos. O desenvolvimento da pintura yamato-e deu-se do período Fujiwara até o período Kamakura, sendo grande parte dessas peças constituída de rolos, cujos temas tratam do histórico de templos budistas e xintoístas. Hoje, os rolos de pintura dessa época são extremamente apreciados, alcançando preços exorbitantes. Certa peça que estou querendo, composta de três rolos, custa seis milhões de ienes, razão pela qual eu fico a chupar o dedo, sem condições de adquiri-la. Ouvi dizer que os americanos têm uma predileção especial pelos rolos de pinturas, espreitando as obras superiores como um tigre o faz com sua presa. O rolo de pintura das várias encarnações de Buda da era Tenpyo, de propriedade do nosso museu, data de 1.200 anos atrás, sendo a mais antiga peça de pintura do estilo japonês, muito embora a nitidez do seu colorido comprova a excelência dos pigmentos nele utilizados, sendo sua natureza ainda hoje desconhecida.

A escola Tosa, outrossim, consiste num desdobramento do estilo yamato-e. Dentre seus mestres, enumeram-se Mitsuoki, Matabee (Katsumochi) e, a seguir, Moronobui Hishikawa, o criador da xilogravura ukiyo-e. Depois deste, como todo mundo sabe, vieram, seguidamente, mestres de renome como Utamaro, Harunobu, Tyoshun e outros, até a

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modernidade.

No âmbito da pintura nipônica, igualmente, um gênero espantoso é aquele que trata de temas budistas. Também este nasceu sob a inspiração da pintura búdica da época da dinastia Sung, da China, mas deu à temática o tratamento peculiar do Japão. A Pintura budista nipônica chega mesmo a superar a chinesa. No nosso museu, conquanto em pequeno número, encontram-se expostas peças que, apreciadas sob a perspectiva estética, são valiosas. Por não estarem batidas nem apresentarem muitas manchas, como só acontece com pinturas budistas, oferecem uma visão agradável a quem as contempla. Aqui, não poderia esquecer de citar algo sobre alguns pintores do final do período Ashikaga. Trata-se, entre outros, de Yusho Kaiho, Tohaku Hasegawa e Sanraku Kano. O biombo de Yusho, de propriedade do nosso museu, é considerado a melhor peça de toda a obra do artista. Foram muitos os artistas de peso da escola Kano: Motonobu, Naonobu, Tsunenobu, Tannyu e outros, sendo Gaho o derradeiro. A popularidade da escola, todavia, perdeu muito do seu antigo brilho. Sem dúvida, a razão única é a mudança dos tempos.

Pondo um ponto final à minha dissertação sobre a pintura, quero agora discorrer alguma coisa a respeito da caligrafia. A caligrafia representativa do japonês é indiscutivelmente a do gênero kana. Neste gênero, os talentos que mais se sobressaem são os do período Heian, nomeadamente Tsurayuki, Michikaze, Saigyo, Sukemasakyo, Toshiyori, Shitago Minamoto e Yukinari. Do período Kamakura: Sadaie, o Príncipe Munetaka e Yoshitsune; como talentos femininos: Murasaki Shikibu, Kodaino-kimi e outras. Seus antigos manuscritos possuem uma elegância própria do Japão e trescalam um aroma de nobreza tal, que não há nada que a eles se compare. A seguir, temos os manuscritos legados pelos monges budistas. A lista abre-se encabeçada por Kobo Daishi, vindo após Taito Kokushi, fundador do templo Daitoku — sucedido pelos monges que seguem a sua linha, principalmente: Ikkyu, Takuan, Seigan, Kogetsu, Gyokushitsu e outros. Do período Kamakura, podem ser nomeados Mugaku Zenshi, o fundador do templo Engaku, e Muso Kokushi, fazendo outro estilo. Já na época moderna, Ryokan goza de popularidade, e eu considero Kaioku Nukina um excelente calígrafo. Sobre caligrafia, já basta.

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Passo agora à cerâmica nipônica.

A cerâmica japonesa, assim como a Pintura, provém, sem dúvida, da China. Desta receberam influência a porcelana do tipo estampa vermelha, estampa azul e verde-resedá, além — como é do conhecimento geral — das porcelanas Kakiemon, Imari e Kutani. Entretanto, os pratos de cerâmica Nabeshima, seja pelo seu desenho, seja pelo seu colorido, são peças exclusivas do Japão. Tem-se ainda, como peças diferente, a porcelana de Satsuma e a de Banko. Além dessas citadas, há a cerâmica de Owari, desenvolvida a partir do período Kamakura, tendo como modelo a antiga cerâmica coreana. Constitue-se, em sua maior parte, de tigelas de chá, tendo sido bastante consideradas e apreciadas pelos mestres da Cerimônia de Chá. Por conseguinte, o valor que atingem é assustador. Dividem-se elas nos seguintes tipos: Koseto, Kiseto, Shino, Karatsu10 e Oribe, sendo denominadas peças de Owari ou Sabi. Na modalidade Sabi, existem também a cerâmica de Bizen e a de Shigaraki, as quais fornecem muitos utensílios também para a Cerimônia do Chá. Ambas possuem um sabor bem difícil de ser descartado. Em se tratanto de tigelas para a referida Cerimônia, não se poderia deixar de mencionar as peças produzidas por Tyojiro, o iniciador da cerâmica Raku. Criou ele este gênero tipicamente japonês, inspirando-se na cerâmica produzida durante a dinastia Yi da Coréia, tendo sido, devido a tal gesto, amado por Sen-no-Rikyu. São incontáveis as obras excelentes que produziu. Nonko, seu sucessor da terceira geração, Ichinyu, da quarta, e Sonyu, da quinta, gozam de fama. Tyojiro, portanto, como exímio ceramista japonês, terá seu nome relembrado pela eternidade.

Aqui, vejo-me compelido a escrever sobre exímios mestres da cerâmica japonesa que não ficam a dever aos artistas chineses. São eles — sem discussão — Ninsei e Kenzan. Escrevamos, primeiramente, a respeito de Ninsei. Sendo um natural de Quioto, do início do período Tokugawa, seu verdadeiro nome era Seiemon Nonomura. Por residir na aldeia do Templo de Ninna, foi apelidado Ninsei, e com este nome tornou-se famoso. Seu talento residiu, sobretudo, na originalidade da sua obra, fator que a distingue do restante da arte japonesa da cerâmica, inspirada em padrões 10 Karatsu: indica o Karatsu de Mino.

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chineses ou coreanos. Seus desenhos, seus ornatos, sua forma, suas cores — tudo expressa, com perfeita fidelidade, o senso nipônico. Ademais, em questão de elegância e altivez, jamais será suplantada pela porcelana chinesa. É um motivo de autêntico orgulho para o Japão. Ao deparar-me com a obra de Ninsei, sempre considero que, como ceramista japonês, ele ocupa posição equivalente à de Korin.

Passemos, então, a Kenzan. Este, como é do conhecimento geral, é irmão mais novo de Korin. Artista versátil, possuía excelente habilidade para a pintura. O que tenho por raro, no seu caso, é que tal talento o acompanhou, inclusive, na arte da cerâmica. Cotejado com Ninsei, possui um sabor diferente: se chamássemos Ninsei de homem das cortes, Kenzan seria o homem do campo. Ele não possui a delicadeza de Korin ou de Sotatsu, mas é dono de um sabor primitivo simplesmente indescritível. Penso eu da seguinte maneira: graças a estes dois grandes artistas, a cerâmica japonesa, ainda que posta lado a lado com a chinesa, não fica a perder um pouco que seja desta.

A seguir, pretendo escrever algo sobre a arte budista. Também, no presente caso, ela nos foi transmitida da China: a Pintura na dinastia T´ang e a Escultura na época das Seis Dinastias, isto é, na época do reinado de Suiko, o que remonta, portanto, a mil 1.300 anos atrás. Naturalmente, seria desejável afirmar que tanto a pintura como a escultura vieram registrando um progresso simultâneo. Todavia, sinto-me em dúvida ao empregar a expressão "progresso". Explico a razão: quanto mais antiga a obra, superior ela é. De fato, somos obrigados a assentir que, do ponto de vista do requinte técnico, as peças do período Kamakura são as que mais apresentam avanço. Porém, as obras do período Fujiwara as suplantam, sendo por sua vez suplantadas pelas do período Nara. É simplesmente intrigante. As primeiras esculturas foram executadas quase que todas em bronze e em laca endurecida; depois, gradualmente, o material passou a ser a madeira. A famosa estátua de Avalokitesvara de Kudara, do Templo Horyu, a do Bhaisa Jyaguru, do Templo Yakushi, e a de Avalokitesvara de Onze Faces, do Templo Hokke, são obras-primas, cujo valor transcende os meios de expressão verbal. É plausível, pois, dizer que a escultura budista, à parte da pintura, atingiu o grau supremo em todo o mundo. A arte budista

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trata-se de um dos ramos dos quais o Japão pode orgulhar-se, contando com obras-primas de nível mundial.

Eiko, nº 168 — 6 de julho de 1952

IMPRESSÕES DIVERSAS SOBRE AS ARTES ORIENTAIS (IV)

Sendo que, no momento, tínhamos a escrever sobre as artes nipônicas, vejamos, a seguir, as chinesas. Em se tratando de Arte chinesa, deve-se abordar, indiscutivelmente, com primazia, a porcelana, em segundo lugar, os bronzes, vindo a pintura em terceiro. Nessa ordem, passemos à porcelana. As peças de cerâmica e as de porcelana parecem ser um dos mais antigos ramos da Arte da China, produzindo-se, antecipadamente, há quatro mil anos, objetos de considerável valor. Dentre tais peças, restam, hoje, aquelas denominadas cerâmica Anderson. Foram elas trazidas à luz pelo pesquisador de mesmo nome — o que lhes valeu o nome. Felizmente, logrei adquirir um grande vaso deste tipo, estando ele em exposição no nosso museu. Como os senhores poderão averiguar, é realmente inacreditável que, em idade tão remota, uma peça de semelhante gabarito tenha sido produzida. A Arte da porcelana chinesa começou, efetivamente, a desenvolver-se no espaço de tempo entre as Seis Dinastias e a dinastia T'ang. Neste período, especialmente, produziram-se peças excelentes de louça colorida. Tais obras recebem o nome de louça tricolor de T'ang, sendo características por seu formato, sua técnica e combinação de cores. São de considerável beleza. À parte, existem peças de colorido azul esverdeado, chamadas de peças de esmalte verde. Também estas são apreciáveis, sendo que o nosso museu possui um incensário tubular rajado11

desse estilo. Há, ainda, as peças de cerâmica produzidas nos fornos de Yuechou. São estas de um colorido cinza-claro, mesclado de marrom, volumosas, produzidas com uma técnica relativamente requintada. Na entrada da quinta sala do nosso museu existe um grande vaso Keito12, peça do período inicial dos mencionados fornos. Sob todos os pontos, trata-se de uma obra excelente, não encontrando parelha no mundo inteiro. A seguir, produziram-se as peças dos fornos de Ju13. São elas de cor de zinabre

11 Incensário tubular rajado: estojo tubular para incenso.12 Grande vaso Keito: vaso Tenkei.13 Peças dos fornos de Ju: segundo as teorias recentes, são peças produzidas nos fornos

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puxado a azul; a técnica nelas adotada, de baixo-relevo, não pode ser desprezada. Temos, ainda, no nosso museu, um vaso de flores com o formato de uma jarra para vinho, considerado uma obra representativa do gênero. Sua evolução deu-se na porcelana verde resedá. As peças produzidas inicialmente, na dinastia Sung, sejam pelo seu colorido, sejam pela sua técnica, deixam-nos abismados por sua excelência. É impossível sofrear a emoção provocada pelo fato de se ter produzido, há oito ou nove séculos antes, tais peças de artesanato. Constitui mesmo um tipo de mistério. A porcelana verde-resedá, em decorrência de sua vasta ramificação, é um gênero que, talvez, não conte com pessoas capazes de realizar uma verdadeira classificação. Eu mesmo solicitei a estudiosos e especialistas desse campo que me fizessem a avaliação de semelhantes peças. Todavia, as opiniões divergiam conforme quem as examinasse, tornando-se impossível chegar a um veredito definitivo. Diante dessa divergência, pode-se deduzir quão difícil é a tarefa.

No entanto, as mesmas classificam-se, grosso modo, em porcelanas produzidas nos fornos de Hsiu Nei Su, Hsiao T'an, Lung Ch'uan (Kinuta, Tenryuji e Sichikan) e outros. Dentre elas, as de Hsiu Nei Su, Hsiao T'an e Kinuta são julgadas as melhores. Outrossim, no caso de ser dificultoso discernir o gênero da peça, ela é tida como produzida pelos fornos imperiais. Há, no nosso museu, várias peças de primeira categoria: pelo consenso geral o grande turíbulo trapezóide de porcelana verde-resedá é, sobretudo, considerado o primeiro do mundo. Ficando por aqui no que diz respeito a esse tipo de porcelana, examinemos aquela produzida pelos fornos de Chün, da dinastia Sung. Desse gênero, são poucas as peças existentes no Japão, mas, dentre elas, muitas já vinham sendo transmitidas, há muito tempo atrás, e eram extremamente adoráveis: seu sabor é diferente das verde-resedá. Entretanto, no tocante a esta variedade, a coleção de "Sir" Eumorfopoulos, do Museu Britânico, prima tanto pelo número quanto pela qualidade. Não obstante, a travessa, pertencente a nosso museu, é tida como peça de primeira qualidade, sem rival em todo o mundo. Existem, além do mais, entre as peças finas, produzidas na época da dinastia Sung, as dos fornos de Ting. Existem as Ting alvas e as negras. Estas são raras, aquelas são, na maioria, pratos e congêneres, sendo

Yaotyo.

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raríssimas peças de três dimensões. Nesse sentido, a galheta exposta na terceira sala de nosso museu constitui peça de categoria mundial. Trata-se igualmente, de peça rara a jarra d'água14 que se encontra na mesma sala. No Japão, existem dois ou três exemplares somente. Outro gênero de porcelana excelente da dinastia Sung são as peças de Chu Lu15 (ainda conhecidas como kakiotoshi). Também estas existem em número reduzido, mas neste país, acham-se os melhores espécimes do mundo. São eles o grande vaso decorado com dragões, do acervo do famoso Museu Hakutsuru; o grande vaso decorado com flores, de propriedade do senhor Goryu Hosokawa; e o vaso decorado com borboletas e peônias, do acervo de nosso museu. São também do referido período as peças denominadas Ying Ch'ing (porcelana azul-claro). Parecem-se com as do tipo verde-resedá, sendo donas de uma beleza difícil de descartar. O prato de tamanho médio com flores de lótus em baixo-relevo, do acervo do nosso museu, trata-se da melhor peça encontrada no Japão.

Acabei de discorrer, resumidamente, acima, a respeito da porcelana, durante o período que tem a dinastia Sung por núcleo e se estende até a dinastia Yuan. Com o início da dinastia seguinte, Ming, verifica-se, repentinamente, um vertiginoso avanço. Fazendo a ultrapassagem dos acontecimentos para o Japão, é possível estabelecer um confronto entre o desenvolvimento artístico ocorrido durante a evolução da era Heian para a Kamakura — equivalente à dinastia Sung —: é aquele verificado entre os períodos Ashikaga e Momoyama, por sua vez, correspondente à dinastia Ming. A porcelana chinesa deste período diverge completamente da das dinastias Sung e Yuan. As peças destas duas dinastias, sendo simples e leves em essência, trazem um refinamento nobre. Em contraposição, o estilo da dinastia Ming, florido e suntuoso, tomou o feitio popular. Ademais, enquanto as características principais da porcelana da dinastia Sung estão no formato, no relevo e no elemento monocrômico, como se vê nos gêneros verde-resedá, Chün, Ju e Ting, a porcelana da dinastia Ming produziu seguidamente obras deslumbrantes, por não só terem adquirido uma forma engenhosa, mas por sua pintura decorativa ou seus arabescos, como é o caso das peças de ornato azul e as de ornato vermelho. São as

14 Jarra d'água: refere-se ao vaso decorado com flores de lótus.15 Peças de Chu Lu: fornos de Tz'utyou.

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peças do tipo brocado, do tipo ornato vermelho Gosu, do tipo Hsüan Te16, ou do tipo ornato vermelho Wan Li, todas grandemente apreciadas. Sobretudo as do gênero brocado da época Chia Ching são o que há de melhor: o vaso de flores em forma de cabaça e a garrafinha triangular, do acervo do nosso museu, são obras finíssimas, raramente vistas. As peças modernas, produzidas posteriormente, são boas, como as dos períodos T'ieu Ch'i, K'ang Hsi, Yung Cheng e Ch'ien Lung; porém, quando cotejadas com as obras da dinastia Ming e anteriores, prendendo-se em demasia à técnica, são tidas pelo senso geral como superficiais e pouco atraentes.

Além das louças, outra modalidade de arte chinesa tida mundialmente em alta consideração são os bronzes. Tratam-se estes de obras produzidas há três mil anos, nos períodos Yin (Shang) e Chou. Sua técnica refinadíssima constitui um verdadeiro milagre. É mesmo difícil acreditar ter sido possível fazer peças tão magníficas em tempos tão remotos! O mais intrigante é que, conforme as Eras fiquem mais recentes, ou seja, Ch'in, Han, Sui, T'ang e Sung, a técnica regride gradativamente. Todos são unânimes em reconhecer o mistério que é o fato de somente as belas-artes caminharem em sentido inverso ao da cultura. Os bronzes chineses concentram-se nos museus ingleses; no Japão, são encontrados, principalmente, nos museus Hakutsuru, Sumitomo e Nezu.

Tratemos agora da Pintura. A Pintura chinesa — em semelhança com a porcelana — tem seus melhores exemplares na era Sung. As obras deste período são excelentes, destacando-se por completo das demais épocas. Na modalidade monocromática a tinta nanquim, primam, sobretudo, os pintores Mu Hshi, Liang K'ai, Yen Huei e Ma Yüan, dentre outros. Como existem peças de renome de autoria de Mu Hshi, Liang K'ai e Ma Yuan no nosso museu, os senhores já devem ter verificado que foram executadas com uma arte quase que sobre-humana, e que o vigor com que foram pintadas não admite que a arte japonesa as reproduza. Em se tratando da pintura policromática, deve-se citar as obras do imperador Hui Tsung, tido como o primeiro do mundo. A seguir, Ch'ien Shun Chu é também considerado um grande mestre. A melhor obra do imperador Hui Tsung encontrada no Japão será com certeza a de propriedade do Barão Inoue, que retrata um pombo pousado num galho de pessegueiro em flor. Outra obra

16 Tipo Hsüan Te: refere-se à porcelana de ornato azul Hsüan Te.

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famosa é o retrato do rei Huan Ye, de autoria de Ch'ien Shun Chü, do acervo do Museu Ohara. Curiosamente, dentre os grandes artistas deste período são numerosos aqueles que pintaram um único tipo de peça em toda sua vida. Os famosos são Ji Kuan, com suas uvas, Yin T'o Lo, com seus monges, Li An Chung, com suas codornas, Pan An Jen, com seus peixes, Hsu Hsi, com suas garças, e T'an Chih Jui, com seus bambus, além de outros.

Eiko, nº 170 — 20 de julho de 1952

INTRODUÇÃO À XILOGRAVURA UKIYO-E — PREFÁCIO

MOKITI OKADA, DIRETOR DO MUSEU DE ARTE DE HAKONE

Desde jovem, eu sou apreciador de pinturas, comprazendo-me, conforme me permitem as circunstâncias, em ir aqui e acolá para apreciar tais obras, bem como em adquiri-las. Entrementes, como é do conhecimento geral, construí, no ano passado, este pequeno museu de artes em Hakone, vindo a nele expor variadas peças de pintura. Não pude ficar, portanto, sem ter minha atenção voltada para as xilogravuras Ukiyo-e, gênero pelo qual, até então, não sentia muito interesse. Foi a partir de tal gesto que, surpreendentemente, percebi que as gravuras Ukiyo-e também possuem um sabor que não merece ser desprezado. Daí por diante, passei a sentir interesse e, com o passar do tempo, o mesmo aumentou e vim a descobrir nelas uma graça ausente nos demais estilos de pintura, fato que me levou, mesmo, a me arrepender da minha antiga indiferença. Por ocasião de minha ida à Exposição de Ukiyo-e de Quioto, no outono passado, travei conhecimento com o Sr. Kondo, por intermédio de certa pessoa, sendo por ele instruído a respeito de inúmeros aspectos da mencionada modalidade de xilogravura. Posteriormente, não apenas pude compartilhar de seus conhecimentos sobre o assunto, consoante surgiam as oportunidades, como ainda esforcei-me na coleta de tais obras, chegando hoje a patrocinar a referida mostra. Escusado dizer que, para realização do mencionado evento, fui contemplado com a inestimável colaboração do Sr. Kondo, tenho conseguido o que os senhores podem ver. Na presente oportunidade, movido pelo desejo de anunciar o Ukiyo-e — esta

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modalidade artística peculiar do Japão — não só ao exterior, mas também aos japoneses em geral, solicitei ao mesmo senhor que me compilasse este singelo folheto para distribuição.

Maio de 1953

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VII — ANDANÇAS ARTÍSTICAS

VIAGEM À REGIÃO OESTE DO JAPÃO

Como é do conhecimento dos senhores fiéis, empreendi esta viagem à Região Oeste, a qual não visitava há um bom tempo. Desnecessário mencionar que me movi de acordo com a Vontade Divina, sendo que tal fato prenuncia a proximidade da época de desenvolvimento de nossa Igreja. Pretendo, aqui, relatar, de modo geral, o que ocorreu durante esta viagem.

Na ida fiz uso apenas de automóvel, tendo aprendido que, ao contrário do que se espera, é menos confortável do que empregar trem. Todavia, assim, realizei meu antigo desejo de uma vez percorrer as cinqüenta e três estações da via Tokaido, com ares de um Yajirobee ou de um Kitahachi da atualidade. Tendo por acompanhantes apenas a minha mulher e Abe, tratou-se de uma viagem descontraída. Partindo às sete horas da manhã, depois de atravessarmos Shizuoka, encontramos com grupos de fiéis que, à beira do caminho, postavam-se aqui e ali para nos cumprimentar, fato que me colocou bastante atarefado. Os grupos numerosos compunham-se de cinqüenta a sessenta pessoas, os pequenos — por menores que fossem — de cinco a seis. A todos eu respondia com um acenar de cabeça, o que chegava a ser estonteador. Nas cercanias de certa ponte, havia um punhado de cinqüenta a sessenta pessoas, entre as quais se misturava um policial. Quando eu cogitava que a razão de sua presença ali estaria na manutenção da ordem, ele, inesperadamente, descobriu a cabeça e inclinou-se polidamente. Foi, então, que compreendi tratar-se de um fiel e encenei um sorriso amarelo. Nesse ínterim, chegamos, consoante o previsto, lá pelas onze horas à igreja de Nagóia. Na ponte próxima a esta, tivemos a acolhida de membros da diretoria e demais fiéis, liderados pelo seu chefe, o Sr. Shoichi Watanabe, perfazendo uma multidão de algumas centenas de pessoas. Fui informado de que aquela casa fora tomada por igreja a cerca de meio ano atrás. A vista que dela se aprecia é ótima, tratando-se de uma construção no estilo sukiya, luxuosíssima. Conta com bastantes cômodos, sendo espaçosa e agradável. É uma casa magnífica, difícil de se encontrar igual pelas redondezas. Seu jardim, em especial, é realmente esplêndido, com rochas e pedras exóticas, que se sobrepõem

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umas às outras. Fomos convidados, então, para um almoço amabilíssimo, após o qual fiz uma palestra para quatrocentas ou quinhentas pessoas, diretores e membros qualificados daquela região. Quando novamente tomei o carro, já passavam das três horas da tarde. Tanto quando entrei na referida igreja, como ao dela sair, formavam-se duas alas cerradas de fiéis dos arredores, desdobrando-se por uma extensão de aproximadamente uns cem metros. Seriam umas mil pessoas, num primeiro cálculo. Eu ia alternadamente acenando a cabeça, ora à direita, ora à esquerda, em direção a ambos os grupos, tendo penado bastante com isso. Considerei, então, ser mais fácil e conveniente proceder como o pessoal importante em semelhantes ocasiões, ou seja, manter a mão direita elevada à altura da cabeça. Afortunadamente, o local em questão era ermo, distando cerca de um quarteirão de uma grande avenida, fato que evitou a presença de intrusos que tudo querem ver. Foi realmente uma providência.

A seguir, dirigimos o nosso veículo para a cidade de Quioto. Durante o percurso, o que atraiu minha atenção foi a passagem pelo desfiladeiro de Suzuka, nos arredores de Tsuchiyama. Nosso carro avançava como se deslizasse por uma rodovia plana, dessas típicas das regiões turísticas. O céu de maio estendia-se completamente azul, e nós íamos serpenteando por entre o verde viçoso da folhagem nova da vegetação de ambas as encostas dos montes. Fui tomado por uma intensa sensação de refrigério. De repente, notei que já havíamos atingido a vasta planície de Shiga. Foi quando minha mulher exclamou: "Veja!". De fato, o Lago Biwa resplandecia entre as montanhas. Ao atingirmos as proximidades da ponte de Seta, centenas de pessoas já se achavam nesse local à espera para nos receber. Fomos, então, conduzidos para a vila de certo senhor, nas dependências do Templo Nanzen, a qual fora previamente arranjada para nossa hospedagem. O relógio marcava um pouco antes das oito. Também esta vila era uma construção sukiya ao estilo de Quioto: bastante luxuosa, com um jardim espaçoso, proporcionando uma vista agradável e familiar com seus musgos. Em especial, era difícil de desprezar a paisagem do jardim em estilo enshu, atapetado com musgo, vista da ponte em arco sobre um lago, de uns quinze metros, que conduzia para o prédio destinado às minhas acomodações. Além de tudo, o melhor eram o sossego e a calma reinantes, dos quais não se pode gozar em hospedarias. Logo,

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foram servidos pratos da mais fina culinária japonesa de Quioto, e eu os degustei com delícia. Como eu me encontrasse esgotado, graças à viagem de automóvel de onze horas, devo ter caído no sono lá pelas doze horas, depois de muito ter preocupado os servidores próximos.

Na manhã seguinte, levantamo-nos cedo e partimos, visitando, inicialmente, o museu de propriedade da família Sumitomo17, guiados pelo Sr. Mimura. Seu acervo compõe-se quase que todo de bronzes chineses antigos, estando, em exposição, perto de duas centenas e algumas dezenas de peças. Disseram-me ser este número quase a metade do total. Surpreendeu-me terem conseguido reunir semelhante cabedal. As peças mais antigas remontam ao período da dinastia Yin e, à medida que o tempo avança, passando pela dinastia Han e os Três Reinos, essa variedade aumenta. Deve-se ter em alta valia o mérito daquele que reuniu tão completo acervo. Daqui saindo, encaminhamo-nos à vila real de Katsura. Esta vila, tendo sido construída nos primórdios do período Momoyama, traz, acentuadamente imbuído em seus prédios e jardins, o gosto que então imperava pela Cerimônia do Chá, refletindo muito bem a característica da época. Além do mais, deleitou-me, sobretudo, o sabor indizível de sobriedade, originário da pátina dos longos anos fluídos. Visitamos, depois os templos Kokedera18 e Ryoan. Sobre estes últimos, não me restou outra impressão a não ser a que eu possa adjetivar como "lugares curiosos". Como os ponteiros do relógio marcavam onze horas, apressamo-nos rumo ao templo Honen-in, do qual se diz ter sido o local onde, outrora, o venerado monge Honen se dedicou a práticas ascéticas. Aguardavam-nos, ali, centenas de fiéis desta região, a qual há muito planejávamos visitar. Portanto, fiz-lhes uma palestra intercalada com as minhas impressões sobre Quioto naquele dia. Finda esta, vi os vários cômodos do referido templo sob a orientação do pároco. Não obstante seu envelhecimento, trata-se de um templo magnífico. Além de tudo, mostraram-me mais de dez peças, dentre as quais papéis decorados com pinturas em cores vivas de flores e pássaros, assim como um biombo (de autoria de artista desconhecido) do período Momoyama, classificados como tesouros nacionais: tudo simplesmente esplêndido. Fui introduzido, a seguir, no pavilhão principal, onde pude contemplar a imagem sentada do Buda Amitabha, de dimensões

17 Museu de propriedade da família Sumitomo: Museu Sen-okuhaku Kokan.18 Kokedera: Templo Saiho-ji

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um pouco maiores que as de um homem, atribuída a Eshin Sozu, também esta uma obra excelente. Voltando, então, ao local em que nos hospedávamos, depois do almoço dirigimo-nos, primeiramente, à vila real de Shugakuin. A vila é constituída de um extenso jardim, de alguns milhares de metros quadrados, com colinas e lagos, e apenas um ou dois prédios. De sua parte alta, a vista abarca toda a cidade de Quioto. A paisagem em que o rio Kamogawa dissolve-se em brumas, como se fosse uma cinta de cor branca, é difícil de se descartar. A seguir, visitei o Templo Shakadera19, de Saga, sendo depois convidado ao Templo Daitoku, onde me mostraram a taça de chá do tipo Ido, chamada Kizaemon. Tida como a melhor taça de chá do Japão, trata-se realmente de uma preciosidade. Após isso, fui conduzido à vila de Nomura20, em Nanzenji-cho. A magnificência desta mansão ultrapassou as minhas expectativas. Apesar de não ter visto o seu interior, os seus vastos jardins, com um lago ao centro, cercado por árvores e rochas, bem como sua ponte — tudo, enfim, adequava-se ao meu gosto. Para se ter uma idéia, basta que se imagine um jardim no estilo daqueles dos senhores feudais antigos, modernamente arranjado. Depois de sair deste local, fui convidado para o chá, conforme anteriormente havia sido combinado, pela família de Kankyu Soanke, patriarca do estilo Mushanokoji da Cerimônia do Chá, estilo este que forma com os das famílias Ura e Omote-Senke três grandes correntes. Na ocasião, fui recebido com um banquete cordialíssimo, composto de pratos da culinária kaiseki. Lá pelas dez horas, de volta à nossa pousada, fui dormir.

Na manhã seguinte, às dez horas, rumamos, de acordo com o programa, ao Museu Nacional de Quioto, onde vi a exposição, ora realizada, de cerâmica chinesa antiga. Não havia, contudo, nada de especial. Visitei a seguir, como também fora arranjado, o Museu Yurinkan, onde se expõe um rico acervo de Arte chinesa antiga, principalmente louças antigas, bronzes e pinturas, havendo coisa de primeira. A grande parte, entretanto, é de categoria mediana. Depois, fomos ao mosteiro Nishihongan-ji. Guiados por um monge, visitamos as suas dependências que, não obstante velhas, são imponentes. Progressivamente fomos conduzidos para o seu interior, adentrando por uma sala que, segundo consta, foi usada para audiências por Hideyoshi Toyotomi no seu famoso

19 Templo Shakadera: Estátua de Shaka, do Templo Seiryo-ji em Saga, Quioto.20 Vila de Nomura: vila do Sr. Tokushichi Nomura.

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castelo de Momoyama, tendo sido transportada para esse local. Seu teto luxuoso é de treliças, e suas quatro paredes são forradas inteiramente com delgadas lâminas de ouro, sobre as quais se pintaram, em cores vivíssimas, flores e pássaros, paisagens e figuras humanas, conformando a quintessência da pompa. A fulgurante superioridade do então Conselheiro-Mor pode ser pressentida completamente graças a tal sala. Depois, fomos levados, através de um jardim, a uma casa bem afastada, do feitio de um anexo. Num canto dela, havia a sala de banho de Hideyoshi, por sinal muito rústica. Não chega mesmo aos pés dos banheiros das hospedarias de classe média modernas. Outrossim, havia, num dos lados, uma porta de tábuas de cerca de um metro e oitenta centímetros, como a de um armário embutido. Ao perguntar do que se tratava, obtive a resposta de que era o esconderijo de dois guerreiros que se refugiariam ali caso fosse preciso. Como se pode deduzir, era mesmo uma época perigosíssima. Além disso, na sala maior, abria-se um buraco grande o bastante para dar passagem a um homem. Espiando dele, pude ver que se comunicava com a água do lago próximo. Disseram-me que sua função era dar fuga de barco pelo lago, nas horas de emergência. Fiquei mas foi pasmado! Ri à beça, dizendo que renunciaria ao poder, caso tivesse que levar uma vida tão sinistra assim, mesmo sendo o senhor do mundo. Saindo de lá, dirigimo-nos de carro rumo a Osaka. Tendo chegado à casa do Sr. Kawai, a qual, há pouco tempo, tornaram-se igreja filial, fomos calorosamente acolhidos. Após o almoco, entrevistei-me com os principais fiéis da região, a começar pelos membros da diretoria, que, às centenas, estavam, há muito, à minha espera, fazendo-lhes uma palestra. Finda esta, novamente tomamos o automóvel, com o propósito de visitar o Museu Hakutsuru, em Mikague. Levamos pouco mais de uma hora para chegar ao referido local. Apesar de, na oportunidade, o museu em questão achar-se fechado, graças aos desmedidos esforços de determinado senhor, selecionaram e mostraram-me, em deferência especial, unicamente suas melhores peças. Não sei como agradecer por tal gesto. Também nele o acervo consta, essencialmente, de cerâmicas chinesas antigas, além de bronzes e pinturas. Tratando-se, entretanto, somente de obras de primeiríssima qualidade, mesmo a mim, deixaram-me pasmado. Espontaneamente, fui tomado pelo sentimento de render homenagem ao Sr. Kano, patriarca da família proprietária do museu, recentemente falecido aos noventa anos, por sua elevada visão e mérito de

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ter conseguido colecionar tantas obras finas! Escreverei com brevidade sobre o principal. Em primeiro lugar, havia duas pinturas budistas originárias de Tung Huang, China, que podem ser qualificadas como tesouro mundial. Devem datar de um milênio antes, sendo extremamente antigas como pintura religiosa búdica ou, para ser mais exato, pintura oriental. Citarei, a seguir, uma escultura budista do período das Seis Dinastias, uma placa de bronze de 20 a 25 cm2, na qual se estampavam, em alto-relevo, as imagens de cinco Budas. Seja pela técnica empregada, seja pela característica da época, a peça possui um sabor indiscutível. Eu jamais tinha visto coisa parecida. Outras peças que se destacaram foram o jarro de flores de porcelana verde-resedá kinuta com fênix21, o turíbulo de porcelana com peônias em relevo, uma galheta de louça tricolor da Dinastia T´ang e o vaso de flores decorado com dragões negros em baixo-relevo22, produzido nos fornos de Hsiu Pu. Entre todas as demais obras não havia uma sequer que fosse vulgar. Vi variadas fotografias de peças de porcelana chinesa do acervo de museus norte-americanos e europeus, mas estas são superiores. De tal viagem, considero estes os melhores frutos que colhi. Após a visita, fui convidado ao famoso Restaurante Tsuruya, em Imabashi, onde, juntamente com cerca de trinta membros da diretoria, tomei parte de um jantar. O clima era por demais harmonioso. O semblante risonho de todos parecia como que vaticinar o progresso futuro de nossa Igreja. Porém, como o tempo urgisse, dirigimo-nos velozmente de automóvel a estação de Osaka, aonde chegamos a tempo de embarcar no trem noturno das oito horas.

Um acontecimento que desejo, por fim, registrar, é que, nesta viagem, aonde quer que eu fosse, as aglomerações de fiéis eram enormes. Ao deparar-me com fato tão alvissareiro, tomei renovada consciência do desenvolvimento alcançado nas regiões de Nagóia e Oeste, não podendo reprimir a minha alegria. Outrossim, a começar da sinceridade fervorosa e das fisionomias, transfiguradas pela emoção, dos fiéis que acorriam para me receber e despedir-se de mim, havia mesmo quem respeitosamente se punha de mãos postas, e outros até que se sufocavam em suas próprias 21 Jarro de flores de porcelana verde-resedá kinuta com fênix: vaso de gargalo com fênix.22 Vaso de flores decorado com dragões negros em baixo-relevo: vaso do tipo flor de cerejeira, decorado com dragões negros, em baixo-relevo, sobre fundo branco, produzido nos fornos atualmente conhecidos como Tz'uchou.

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lágrimas. Em semelhantes ocasiões, também eu experimentava uma estranha sensação, impossível de se descrever, a brotar do meu íntimo. Esta viagem, ademais, teve a duração de três dias: nos dois primeiros, fomos agraciados com bom tempo e, no último, tivemos chuva. Também este fato deve se tratar, também, de manifestação de algum plano divino.

Após o término desta viagem, pude sondar a profundidade dos desígnios divinos. Explicarei. Como sempre afirmo, Hakone é o Paraíso das Montanhas, e Atami, o Paraíso do Mar. Há, portanto, necessidade de que se edifique o Paraíso da Planície — para o qual se faz mister um terreno plano e vasto. Quioto, sim, é o local que se adequa justamente a esses quesitos: num sentido de Miroku (5, 6 e 7), equivaleria a 7 (sete). Por tal razão é que haveremos de adquirir um terreno de enormes dimensões nesse lugar. Além do mais, o que desta vez senti com intensidade, graças à observação, é que Quioto constitui, em seu conjunto, uma obra de arte. Conta com uma gama de peculiaridades jamais encontrada em nenhuma outra cidade, devendo ser, por excelência, o local a abrigar o grande Paraíso Terrestre. Desta maneira, eu me senti intensamente ansioso por construir algo magnificente e digno do símbolo de uma metrópole artística. Contudo, em que pese a Quioto o fato de contar, hoje, satisfatoriamente, com excelentes exemplares de beleza histórica, quase que não se depara, nessa região, com coisas que apelem de maneira vívida para o senso do homem moderno. Desejo eu, pois, construir um espaço artístico maravilhoso, que se amolde, perfeitamente, ao senso da época de hoje, o século vinte. Quero construir algo grandioso: jardins, prédios e, sobretudo, um grande museu de âmbito mundial, algo que tenha a capacidade de absorver, futuramente, os turistas estrangeiros. Desejo concretizar, na cidade japonesa das Artes, este parque mundial.

Tijyo Tengoku, nº 25 — 25 de junho de 1951

CONSIDERAÇÕES SOBRE A "EXPOSIÇÃO DOS TESOUROS DO TEMPLO KOFUKU-JI”, DE KASUGA, NA LOJA DE DEPARTAMENTOS MITSUKOSHI

Por motivo de ter ido ver, recentemente, a exposição tanto

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comentada, sobre a qual versa o título, explanarei, aqui, o que experimentei na oportunidade. Devo comentar, antes de mais nada, que o acervo exposto, em se compondo somente de obras que remontam às eras Asuka, Hakuho e Tempyo, de 1.200 a 1.300 anos atrás, pôs-me simplesmente abismado, por se ter logrado produzir, em épocas assim remotas, tão magníficas peças. O que, em semelhantes oportunidades, sempre acho estranho é o fato de apenas as Belas-Artes não se enquadrarem nas fronteiras do progresso. Realmente, variadas coisas vieram acompanhando o desenvolvimento da cultura e passaram por transformações vertiginosas. No caso das Belas-Artes, no entanto, aconteceu o contrário, podendo-se afirmar que quase não se verificou progresso algum. Verdade é que podemos detectar algo de novo nas obras da atualidade, mas o consenso que reina, para sermos sinceros, é de que essas jamais chegarão aos pés das antigas.

As artes japonesas têm suas origens na arte budista. Os primeiros exemplares desta remontam a 1.300 anos, por volta da era Suiko. Inicialmente, tomaram-se por modelos as imagens budistas da China. Neste país, a Arte búdica alcançou o seu apogeu no período da Dinastia Wei do Norte, há 1.500 anos antes, quando se produziram numerosas peças de primeira categoria, hoje conhecidas como imagens budistas das Seis Dinastias. Mais tarde, na época da dinastia T´ang, juntamente com outros elementos culturais, a arte budista foi daí afinal importada pelo nosso país. Justamente naquele período, o budismo conhecia os seus tempos áureos, e foi em tal contexto que uma arte budista característica do Japão teve nascimento. Além de tudo, a grande virtude da personalidade rara que foi o príncipe Shotoku, conjugada com o seu dom inato para com a beleza, fez abrir a flor esplendorosa da Cultura budista. A começar dos prédios do templo Horyu-ji e das obras de arte a eles anexas, até a posterior construção do templo Todai-ji, com a sua grande imagem do Buda, ela permanece ainda hoje a resplandecer fulgurantemente sobre a Cultura antiga do nosso país. A Arte budista progrediu gradualmente, passando pelas eras Asuka, Hakuho, Tempyo, Konin, Fujiwara e Kamakura. Considero eu que qualquer peça que se tome dessas épocas supera as chinesas, que lhe serviram de modelo.

As primeiras obras produzidas sob a inspiração da China foram as

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imagens fundidas em bronze e folheadas a ouro. Ainda estas são melhores do que as estátuas budistas das Seis Dinastias. O processo de execução destas imagens passou, depois, pela fase da escultura em laca seca e, mais tarde, em madeira. Na exposição da loja de departamentos Mitsukoshi, em questão, os exemplares em laca seca foram os mais numerosos. Antes de ver tal exposição, eu pensava que, em se tratando do acervo de um templo, a tônica estaria nas estátuas de Avalokitesvara Bodhisattva, dos Budas Amitabha, Sakya, Bhaisa-jyaguru, de Maitreya Bodhisattva e de Asura. Para a minha surpresa, porém, constatei que tais imagens estavam, praticamente, ausentes. Todavia, quanto à comentada estátua de Asura, trata-se, na realidade, de algo extraordinário. Como o nome Asura indica, eu esperava por uma imagem humana com o rosto de um demônio horrendo. Inesperadamente, dei com a face de uma moça de dezessete ou dezoito anos, fato que constituiu uma segunda surpresa para mim. Mas, pensando bem, a estátua quer expressar a transformação de Asura em um Buda, depois do arrenpedimento. Além dessa, são obras-primas consideráveis as imagens, executadas em laca seca, dos Oito Grandes Budas, em especial a de Karasu Tengu, e as dos vários Kumara. Mencionei aqui o principal; parecia não haver, de resto, muita outra coisa digna de se ver. Talvez pelos profundos vínculos deste templo com o clã Fujiwara, houvesse um grande número de armaduras, capacetes, e armas brancas, o que me fez considerar que tal espécie de acervo era algo não muito condizente com a condição de um templo. No entanto, uma peça que não se pode deixar de ver é um estojo de laca maki-ê, com fundo em aventurina e estampas de flores silvestres. Seja pelo seu feitio, seja pela característica da época, considerei-o uma peça simplesmente excelente.

Concluídos os comentários a respeito da exposição, pretendo tecer algumas considerações sobre a Escultura budista do nosso país. Quanto às imagens fundidas em bronze e folheadas a ouro, aquelas produzidas, inicialmente, nas eras Suiko e Hakuho são as melhores do seu gênero, e eu julgo que fazem jus à estima de que gozam, sob o nome de imagens búdicas de Suiko. Tem tais obras um sabor diferente das chinesas, sendo o seu elevado ar nobre uma característica peculiar do Japão. Com base inclusive nesse aspecto, não seria exagerado dizer que o senso estético do japonês é o primeiro do mundo. Tomei ciência pelo relato de certa pessoa

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relacionada nos meios artísticos, de volta de uma viagem pelo Ocidente, de que este fato foi ultimamente reconhecido no exterior, o que me deixou ainda mais seguro do meu conceito.

Passando, a seguir, à Escultura em madeira, existem obras maravilhosas dentre aquilo que foi produzido por volta da era Tempyo. A renomada imagem do Avalokitesvara Bodhisattava de Kudara trata-se também de peça da mencionada época. Como já existe um conceito formado sobre ela, julgo desnecessário fazer outros comentários. Produziram-se depois, nas eras Konin e Fujiwara, obras consideravelmente boas, mas, sem discussão, as melhores são as da Era Kamakura. A Escultura budista em madeira, ao ingressar nessa era, atingiu, subitamente, o seu ápice, com o seguido surgimento de grandes artistas e mestres, a começar por Unkei, e com a volumosa produção de peças que, ainda hoje, podem ser admiradas onde quer que seja.

Posteriormente, a partir da era Ashikaga, quase que nada se produziu que mereça ser apreciado. Vale notar apenas um número razoável de cópias de esculturas do estilo Kamakura, executadas por ocasião da era Tokugawa. A partir da era Meiji, não mais surgiram escultores que possam merecer o título de grandes mestres. À exceção de Gengen Sato (conhecido, antigamente, pelos nomes de Tyozan e Seizo), ainda hoje desfrutando de saúde, que é um mestre de renome, como raramente jamais se viu. Eu amo suas obras. No futuro Museu de Arte de Hakone pretendo expor algumas delas. Os senhores poderão comprovar o que digo, caso as vejam. Sempre considero que o Japão é o primeiro país do mundo — pondo o restante de lado — no tocanete à escultura em madeira. Sobretudo no tangente às imagens budistas, produziram-se peças extraordinárias na Antigüidade, a um ponto que chega a ser mesmo estranho. Quando penso nessa colocação, tenho vontade de reunir de uma só vez o que de melhor existe e expor aos olhos de toda a humanidade. Assim, difundir-se-á, em âmbito global, o quão avançada é a cultura japonesa desde os tempos idos! Por tal motivo, pretendo, algum dia, promover uma grande exposição de arte budista. Quem a ela for, fará a descoberta de que, no Japão, desde épocas remotas, existiram muitos Rodins.

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Eiko, nº 50 — 2 de abril de 1952

ANDANÇAS ARTÍSTICAS POR NARA

Desta feita, com o intuito de pesquisar e estudar a Arte budista do Japão, dirigi-me à região de Nara e visitei, consecutivamente, inúmeros templos famosos, colhendo significativos frutos. Assim, passarei a relatar aqui, brevemente, as impressões que tive. As obras que vi abrangem as eras Suiko, Asuka, Hakuho e Tempyo — de 1.200 a 1.300 anos antes — até as eras Konin e Fujiwara. Sou tentado a dizer que tudo o que vi era maravilhoso, a ponto de me pôr estupefato! Não fiz senão assustar-me perante a infinidade de obras produzidas em épocas tão remotas, obras que os artistas contemporâneos, talvez, jamais pudessem executar! Dentre elas, as melhores seriam, sem discussão, as do Templo Horyu. Uma quantidade imensa não só de estátuas fundidas em bronze e folheadas a ouro, de estátuas esculpidas em madeira, moldadas em laca seca e em argila, bem como de oratórios e objetos do culto religioso: apenas peças finíssimas que não admitiriam nem mesmo uma comparação com o existente nos demais templos. Em especial, a imagem do Avalokitesvara Bodhisattva de Kudara deixa-me com o sentimento de render homenagem ao seu autor, quando quer que eu a contemple. Outrossim, com relação aos comentados afrescos que recentemente ficaram prontos, ainda não foram franqueados ao público em geral, mas, em virtude de eu já os ter visto anteriormente, posso fazer idéia de como ficaram. Ademais, só em apreciar as fotografias que agora estão expostas, acorre-me a sua lembrança.

Além do que se relaciona ao templo Horyu-ji, sobre o que acabo de descrever, não pude conter minha admiração, ainda, diante da imagem principal do templo Yakushi-ji. Ao invés de eu gastar milhares de palavras a descrevê-la, é aconselhável que o leitor a contemple diretamente. Envolve ela uma técnica sobre-humana que transcende a expressão verbal. Certamente, será impossível aos artistas da atualidade, por maior talento que possuam, alcançar um mínimo que seja do que foi nela conseguido. Além dessas, todas as demais peças encontradas nos outros templos mereceriam ser chamadas de obras-primas. Permito-me, pois, omitir a sua descrição individual para dizer, ainda que tarde, que não é exagerado

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afirmar que o Japão ocupa o primeiro lugar no tocante à escultura em madeira. Os templos que desta vez percorri a ver foram o Todai-ji, o Yakushi-ji, o Hoke-ji, o Horyu-ji, o Museu Nacional de Nara, além do templo Ho-o-do, da Abadia Byodo, em Uji, e o Ishiyama, (estes últimos um pouco distantes dos demais). A imagem de Buda do templo Ho-o-do é representativa da escultura da era Fujiwara. É magnífica! O que pensei, então, foi em reunir, em um só recinto, esse numeroso acervo de obras de arte búdica antiga, de maneira a permitir que tanto japoneses como estrangeiros tivessem fácil acesso à sua apreciação. Fiquei imaginando o quanto tal empreendimento proporcionaria de felicidade e, também, o quão proveitoso seria! Concomitantemente, o mesmo faria todos se conscientizarem muito bem do quanto o povo nipônico se sobressai em termos culturais, desde os tempos idos. Nesse sentido, espero edificar, algum dia, um grande museu de artes em Quioto, a fim de tornar tal fato manifesto com fidelidade.

Eis aqui um rápido relato desta minha última viagem. Além disso, quero comentar, ainda, sobre a Escultura budista da Era Kamakura. Após passar por um intervalo de repouso a partir da Era Nara, a referida escultura, com o início da Era Kamakura, experimentou um súbito despertar, descortinando um cenário esplendoroso. Desnecessário mencionar que grandes mestres e artistas de renome surgiram seguidamente, figurando, entre eles, Unkei, Kaikei e outros. O ponto em que a escultura da Era Kamakura difere da Era Nara reside em ter sido aquela quase que unicamente em madeira. Seu colorido, em especial, progrediu muito, e passou-se a empregar, em sua decoração, a técnica da filigrana, a qual entrou em grande voga, havendo, ainda hoje, muitas peças nas quais foi empregada. Este trabalho apuradíssimo constitui algo digno de louvor. Admiro-me sempre ao pensar em como foi possível, em semelhante época, serem produzidas peças assim tão refinadas! No Museu de Artes de Hakone serão expostas obras que merecem ser chamadas da quintessência do trabalho em filigrana: quem quer que as veja ficará pasmado.

Assim, dou, praticamente, por encerrado o relato a respeito da minha recente apreciação de Arte búdica. A propósito, no Japão, quase que

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inexistem obras-primas de escultura que não as relacionadas ao budismo. O único escultor famoso que constitui exceção é Jingoro Hidari, acerca do qual existem muitas lendas curiosas. Pode-se afirmar que a maior parte de sua obra não se encontra exposta aos olhos do público em geral, a não ser O gato adormecido do mausoléu Tosho-gu, em Nikko. Contudo, há um artista que aqui quero recomendar. É alguém ainda vivo: o escultor Guenguen Sato. Inicialmente, tomou ele por nome Tyozan, chamando-se, mais tarde, Seizo. Gengen é o seu terceiro nome, fato que o torna, nesse sentido, alguém peculiar. Ele deve ter completado este ano, se não me engano, 83 ou 84 anos. Considero-o um grande mestre como jamais houve desde os tempos antigos. Gosto das suas obras e pretendo expor algumas que tenho por excelentes no museu de artes. Quem as vir, compreenderá o que digo.

Eiko, nº 156 — 14 de maio de 1952

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VIII — A RESPEITO DE EXPOSIÇÕES

INDO A EXPOSIÇÕES (I)

Ultimamente, depois de um bom tempo, fui a duas exposições em Ueno. Uma é a Exposição do Instituto Japonês de Artes, a outra, a Nikakai. Fui vê-las por pensar que ambas eram representativas da atual pintura das regiões Leste e Oeste do Japão. Escreverei aqui, nua e cruamente, a exata impressão que delas tive. Até hoje vi uma infinidade de exposições. Entretanto, jamais fui tomado por tão estranho sentimento como o de agora. O desespero e a tristeza acabaram por enegrecer o meu coração. No Japão, a Pintura, ou melhor, a Pintura a óleo já não mais existe. Já não é mais possível deparar-se com a Arte da Beleza. Por maior que fosse a complacência com que eu visse os quadros que hoje vi, a impressão que deles tive foi a própria desesperança, foi uma estranha confusão. Algumas peças poderiam ser chamadas de pinturas; a maioria, contudo, não passava dos mais esdrúxulos e monstruosos quadros.

Primeiramente, começarei por registrar as impressões que tive ao ver a Exposição do Instituto Japonês de Artes. Recordando o passado, esta exposição, nos seus primórdios, avançava inquestionavelmente à frente do mundo da Pintura, tendo aberto uma modalidade particular de novos horizontes, arcando com a glória do pioneirismo da época. Este é um fato sabido por todos. Escusado dizer que chusmas de artistas, insatisfeitos com o antigo estilo da época, saíram em carreira desabalada — como o fazem as mulheres atrás da moda — visando à Exposição do Instituto, e acabaram, um dia, por alcançá-la. Dentre eles, surgiram sangues puros distintos, que se tornaram pintores de nome, ocupando posições de liderança nos meios artísticos. Todavia, curiosamente, os passos da Exposição tornaram-se lentos como os do seu velho manda-chuva, e o marasmo vagueia por entre os artistas que a ela aspiram.

OBSERVANDO OS PINTORES DE QUIOTO

Vamos dar, aqui, uma espreitada pelo que hoje se passa com o círculo de pintores de Quioto. Seiho Takeuchi dominava, então, esse meio,

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com a majestade de um rei. Tinha-se a impressão do país inimigo do Oeste a fazer oposição a Taikan, no Leste. Naturalmente, os pintores dotados de Quioto seguiam Seiho. Entrementes, sua morte veio expor a situação de desamparo em que caiu a sociedade pictórica de Quioto: um cego que perdeu a sua bengala. Nesse período, os únicos que não se inspiraram em Seiho, desenvolvendo uma técnica própria, foram os dois gênios — Kansetsu Hashimoto e Keisen Tomita. Pesarosamente, quando mais prometiam, vieram a falecer.

Agora, ao passarmos a vista sobre os pintores do Leste e do Oeste, devemos dizer, infelizmente, que quase não encontramos quem tenha futuro. De fato, caso nos esforçássemos em procurar, apontaríamos, em Tóquio, Kokei, Yukihiko, Seison, Ryushi e Yuki; no Oeste, Heihachiro e Insho. Realmente, eles atingiram as regiões da habilidade, mas quer-me parecer não estarem capacitados, ainda, à liderança. O porvir mostra-se o mais preocupante possível, sendo inevitável que nosso apetite de apreciação se afaste da pintura contemporânea. O único pintor que resta é Gyokudo. Inquestionavelmente, no que concerne à sua técnica, ele não se põe atrás nem de Taikan nem de Seiho. Sua personalidade desprendida, a que nada cobiça, fá-lo buscar refúgio solitário nos ermos de Okutama, onde, sem contato com o mundo, entrega-se inteiramente à Pintura. Hoje, tal fato é suficiente para que o consideremos um grande homem. Faço votos de que ele leve, serenamente, o restante de seus dias, como o tesouro nacional vivo que é. Ao passar, desta maneira, uma revista pela situação da pintura nipônica, não serei eu somente a julgá-la desoladora.

Faz-se mister, no momento, aprofundarmos nossa discussão.Taikan, em virtude da sua idade avançada, perdeu o vigor de antes, enquanto Seiho já é falecido. Caso não surjam grandes mestres aptos a substituir estes dois grandes modelos, a pintura japonesa, sem dúvida, virá a estagnar-se. Neste estado de coisas, foi preciso descobrir um novo curso para ela. A época, ao mesmo tempo, começou a corroborar esse acontecimento. Ou seja, procurou-se vida nova na pintura ocidental. Todavia, tal busca não passou de um autoconsolo passageiro, que aniquilou a vida da pintura japonesa.

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AS OBRAS HODIERNAS

Vejam as obras de hoje! O que acontece é a mera substituição dos pigmentos japoneses pela tinta a óleo. Este artifício é matar-se, quando a intenção era vivificar-se. Conquanto a categoria dos pintores de baixo nível contente-se com tal absurdo, à camada elevada é impossível adotar semelhante moda frívola. De outro lado, entretanto, também não conseguem transcendê-la. É por se debaterem com o dilema de serem tratados como artistas defasados. Tal fato manifesta-se claramente em sua obras, nada se podendo fazer. Além disso, para que se assegure a existência da Exposição, não poderiam faltar as obras do mandachuva e da trindade que o cerca. Essa desculpa deslavada aparece nas telas, e o resultado é algo mortiço ao extremo. Não poderíamos evitar de sentir uma vaga tristeza. Como comentam por aí, Taikan ficou decrépito. Depois de ver a sua última obra que tem Naruto por tema, não posso negar o que foi dito acima. Não há nada de inovador na sua tela. São as mesmas velhas rochas negras retratadas a nanquim e as ondas do mar pintadas com pigmentos de colorido água-marinha. Há dois redemoinhos formados pela água que corre para um lugar mais baixo: por mais que se veja, é esquisito. Pensei que se tratava de algo com um pouquinho mais de engenhosidade. Não serei somente eu quem julgue que peças suas, nesse estilo, eram dez vezes melhores há alguns anos atrás. Outrossim, se o quadro de mulher com vaso, de autoria de Kokei, não trouxesse sua assinatura, passaria desapercebido. O retrato do mestre Taikan, de Yukihiko, até que não é mal, mas as carpas de Seison são medíocres.A PEÇA QUE DESPERTOU A MINHA ATENÇÃO

Nesta Exposição, houve uma única peça que despertou a minha atenção. Foi o quadro de um vaso com flores, de Yukijo Ogura. Seu núcleo é composto por três gardênias de pétalas dobradas, as quais jazem num vaso de porcelana vermelho, ladeadas por mais duas ou três outras flores. É de se elogiar tanto a composição quanto o colorido. É de uma maestria invejável, sobretudo, o artifício utilizado de tingir com nanquim esvaecido os espaços, pondo o objeto retratado em relevo. Termina, aqui, o relato fiel das minhas impressões.

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Eiko, nº 70 — 20 de setembro de 1950

INDO A EXPOSIÇÕES (II)

A Exposição Nikka-kai, que vi a seguir, me deixou pasmado. Meu cérebro ficou revirado, com ódio, pessimismo e confusão. Não estão eles em busca da Beleza. Beleza ou coisa que lhe valha, são-lhes desconhecidas. Só vi a feiúra. Só o ato de ver já me foi penoso. Que fiz eu para sair de tão longe, com este calor, e sofrer? É o maior absurdo do mundo que alguém passe por raiva ao ver pinturas. Cheguei mesmo a pensar que melhor seria eu jamais ter ido àquele lugar. Para ser franco, aquilo nunca foi pintura. Não vi beleza nem arte alguma. O que havia eram apenas objetos planos, muitíssimo monstruosos. Usualmente, a tela é a expressão da Natureza. Não é nada mais nada menos que o ato de tornar mais bela e atraente a beleza natural, por intermédio da arte. Nus semelhantes a cadáveres, multidões parecidas com fantasmas. Era o retrato do próprio inferno. E não parava nisso: cruzamentos de linhas geométricas e o louco bailar de cores berrantes. Que desfaçatez em expor com orgulho tanta aberração, como se fosse pintura! Eu não posso deixar de lamentar o desperdício de tintas e telas. Tentei entender o estranho estado psicológico desses artistas, mas não me foi possível. Minha mente começou por ficar irritada. Pensei até que tal arte consistia num tipo de crime. Minha cabeça ficou esquisita. Não mais agüentei continuar vendo aquilo. Deixei o recinto. Senti-me aliviado ao olhar para o céu azul de começo de outono de Ueno. Senti-me como que salvo. Meditei profundamente sobre a Pintura a óleo moderna que acabara de ver. Trata-se de um abuso. Entrou-se por um meandro e ainda não se deu conta disso. Buscou-se, demasiadamente, um novo senso. São doentes graves do sadismo estético. É uma moléstia que começou a ser disseminada por Picasso da França. Mesmo eu não deixo de compreender um Matisse, um Rouault, ou um Bonnard. Em se tratando de Picasso, contudo, eu sou um verdadeiro leigo. Terminaram nesse estado por terem tido sua alma inteiramente dominada pela expressão da personalidade. São fantasmas da sua personalidade. Em outras palavras, são almas penadas do subjetivismo. Almas penadas do subjetivismo não são apenas os pintores de hoje. Vagam elas por toda a parte, mas os pintores, em especial, são as de mais difícil trato. Pelos meus humildes estudos, os chamados grandes mestres e artistas

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de renome da época que se estende, na China, desde a dinastia Sung e, no Japão, a partir da era Ashikaga, até os dias de hoje, jamais, sem exceção, se desviaram do objetivismo. Seu rigoroso subjetivismo esteve envolvido pelo objetivismo. Exemplificando, o subjetivismo seria o esqueleto, no caso do homem. Por envolverem a carne e a pele aos ossos é que há a beleza do objetivismo. Todavia, a Pintura a óleo de hoje é destituída da pele e da carne. O que há são ossos expostos. Não existe Beleza nem Arte. Caso persistam nessa sua cegueira, eles acabarão por se arruinar. Por estar ciente de tal fato é que lhes apresento meu conselho amargo.

No caminho de volta para casa, vi a Exposição Seiryu. Fazendo jus ao título de Padroeira da Arte de Ambiente, de fato, nela se dispunham, apertadamente, telas imensas. Eximindo-me de contemporizações, a impressão que tive foi de um marasmo geral, não havendo indício algum de progresso. Sintetizando, tudo era por demais ruidoso. Era verborragia. Um "jazz" de cores. Algo que simplesmente causava vertigens. Todos os quadros haviam sido exageradamente pintados. Depois de vê-los, não se apreciava um sentimento parecido com a ressonância, tampouco inspiravam serenidade. Eram de um exibicionismo maníaco. Reconheço que a excentricidade também tenha seu lugar. Compreendo a intenção de se querer extrair a beleza daquilo que passa desapercebido. Todavia, se tal atitude venha a ignorar as regras da pintura, não tem sentido. A agonia de tentar transformar em pintura o que a ela não se adequa, não pode deixar de irritar o apreciador. O incêndio do pavilhão Kinkaku-ji, de autoria de Ryushi, é passável. Peço vênia, no entanto, para lhe dar um conselho. A condição absoluta da pintura é a nobreza. É a sua dignidade. Vendo a Exposição Seiryu, não pude evitar a sensação de que nela faltava tal atributo. Ela está ainda por demais apegada à arte de ambiente. O que é isso senão uma heresia? Caso se queira proporcionar satisfação ao ser humano por meio da Beleza, é impossível desviar-se da decoração de interiores. A arte que não dá prazer, exceto em exposições, perde metade de seu valor como tal. É o fantasma do apego. Indo mais além, diríamos que não é outra coisa senão um capricho do artista. Foi por pensar em você que me permiti falar duramente, sem acanhamento.

Em suma, desejo dizer a vocês, pintores, que a sua atividade se

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defronta com um muro, sem encontrar saída. Enquanto não ultrapassarem essa parede, a única coisa que os espera é o horrível fado da autodestruição. Em especial, digo a vocês, pintores do estilo ocidental, que é vergonhoso querer atrair o público com o tamanho das telas, o peso das pedras ou a dança. O que seria tal atitude senão o gemido do artista que sofreu boicote por parte do ser humano?

Eiko, nº 71 — 27 de setembro de 1950

VENDO A EXPOSIÇÃO DE PICASSO

Tendo outro dia ido a Tóquio, ouvi dizer que uma exposição das obras de Picasso estava sendo realizada na loja de departamentos Takashimaya. Considerando a ocasião oportuna, fui até lá para ver e escreverei, agora, as minhas impressões. Depois de uma primeira circulada, quedei-me abismado. Julgava eu próprio que, em vista de se tratar de um grande mestre como Picasso — de quem se deve dizer que é uma enorme existência de caráter mundial —, a exposição seria decerto algo maravilhoso. Ademais, comentava-se muito bem a respeito: nos jornais os críticos eram unânimes em seus elogios. Assim, minha expectativa era considerável, levando-me a contemplar atenciosamente as peças expostas. Não obstante, devo confessar que, por mais que visse, menos entendia. Sendo fiel na descrição do que senti, digo que, primeiramente, me perguntei se aquilo era pintura. Afinal, onde está a Beleza? O que há de apreciável naquilo? Haveria alguém que experimentaria deleite em decorar com aquilo uma sala? Assim, por mais que cogitasse, nada podia compreender.

Para ser franco, questionei-me onde estaria a alma, como pintura, daquele colorido berrante e geométrico, que mais parecia desenho de uma criança. Por ter sido um grande artista como Picasso quem pintou, sem dúvida deve haver algo em algum lugar. Contemplei fixamente suas obras, com o intuito de investigar o estado psicológico do autor, indagando-me a respeito de qual fora o seu objetivo. Não obstante, meus esforços foram em vão. Quanto às suas figuras humanas, o que vi foram olhos, narizes, bocas e troncos quasimodescos, membros ora torcidos, ora feitos aos pedaços.

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Posso estar empregando uma comparação cruel, mas aquilo eram cadáveres de vítimas de atropelamentos ou de uma explosão atômica. E digo que não serei o único a achar assim. Sinto imensa compaixão do grande público, ao qual foi impingido ver tamanho despropósito. Talvez ninguém tenha entendido coisíssima alguma, ainda que visse tais quadros consciente de estar frente a frente com um Picasso, bem diante de uma obra-prima de renome mundial. Todavia, apenas sentindo estar diante de peças, sem dúvida, maravilhosas, ninguém deve ter captado o que era bom e o que era ruim nelas. Como se diz usualmente, a maior parte das peças não passou de pérolas lançadas aos porcos — o que, aliás, talvez nenhuma outra pessoa hoje, no Japão, diga assim, tão direta e sinceramente. Acredito ser somente eu. Ficando por aqui no que diz respeito à pintura, passemos às peças de cerâmica. Embora fossem um tanto quanto excêntricas, irradiavam um não sei quê, como um sabor da época, dinâmico e penetrante, difícil de se desprezar. Apesar disso, a mim me quer mesmo parecer que as obras dos novos ceramistas japoneses da atualidade são superiores.

Por que, então, tais obras de Picasso são alvo de louvores em nível mundial? Há um motivo e tanto. Para elucidar esse fato, é preciso, antes de mais nada, começar pela discussão da Educação atual. Hoje, como acontece nos demais países, a Educação Artística vem sendo tratada com um enorme descaso. Como todos sabem, primeiramente, na Escola Primária, os alunos são ensinados a fazer desenhos, trabalhos de argila e brinquedos de madeira simples. Do ginásio em diante, ensina-se alguma coisa de Pintura Ocidental, como esboços, e o que se mostra aos alunos são ou modelos já batidos ou pinturas executadas pelo professor. Depois de se formar, se a pessoa não é alguém com profundo interesse pelas Artes, o que ela vê, geralmente, são ilustrações de jornais ou os quadros pendurados nas salas de visitas dos conhecidos. Fora isso, seu contato com a Arte, durante um ano, resume-se a uma ou duas críticas lidas nos jornais ou a uma visita a algum museu, a convite de um amigo. É possível, portanto, afirmar que quase não se possui um conhecimento artístico na verdadeira acepção. Ademais, indivíduos que se relacionam com as Belas-Artes, como os especialistas e diletantes, ainda que queiram saciar seu apetite, não encontram, no Japão de hoje, órgãos aptos a contentá-los. Assim, supondo-se que algum deles quisesse agora ver, de qualquer maneira, obras-primas

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da Pintura antiga e moderna, tal desejo seria impossível. Ao contrário, em se tratando de peças famosas da Pintura Ocidental, o japonês pode apreciá-las à vontade, caso vá ao exterior, em virtude de lá existirem museus completamente aparelhados. Desta maneira, a realidade é que, com respeito à Arte Oriental, ou seja, às pinturas chinesa e japonesa, não se tem acesso a ela, a não ser a uma mínima parte. De fato, existem museus e galerias particulares, mas, nos primeiros, a tônica está nos fatores histórico e arqueológico. Do ponto de vista artístico, seu conteúdo é fraquíssimo. Se o estrangeiro quiser apreciar a Arte antiga nipônica e se dirigir a um museu, sou forçado a acreditar que, na maioria dos casos, ficará decepcionado, perguntando-se se aquilo é que é Arte oriental. Além do mais, como durante o ano inteiro os museus expõem as mesmas peças, é mínimo o número de seus visitantes, somente indo vê-las aqueles que — mesmo japoneses — têm um motivo muito especial. Reconheço que, nos museus, a Arte budista, e somente ela, é encontrada satisfatoriamente, existindo neles peças magníficas em profusão. Todavia, para o leigo — que é a figura principal — há insuficiência de pinturas ou de outras obras artísticas facilmente compreensíveis e que lhe estimulem o interesse. Dessa maneira, é completamente inviável despertar o grande público para uma visão artística. Assim, por mais rico que seja o histórico de determinada obra de arte antiga, se ela é apresentada como um livro didático, que se devesse ler com vincos na testa, ninguém se sentirá à vontade para apreciá-la com deleite. Conseqüentemente, jamais crescerá o número de indivíduos familiarizados com a Arte. É mister, portanto, estudar amplamente este ponto. Ademais, desnecessário frisar que, como a Arte antiga também constitui objeto de orgulho para a Nação, deve-se não apenas ter apreço por ela, como, ainda, arranjar meios de conservá-la muito bem.

Temos, além disso, os museus de Arte de propriedade privada, os quais realizam em Ueno, na primavera e no outono, variadas exposições com o intuito de apresentar seu acervo artístico ao público. Neles, tomando-se apenas as obras de Pintura, constatamos não somente serem extremamente numerosos os quadros japoneses de Pintura ocidental, como também o fato de não terem saído eles do território da imitação do Ocidente. Pouquíssimas são as obras que merecem ser vistas com cuidado. Entrementes, no que concerne à pintura japonesa, esta se encontra em

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estagnação, podendo-se dizer que a maior parte das suas peças permanece nos limites da pintura a óleo, na qual se empregaram pigmentos nipônicos. Ademais, os grandes mestres, pela sua posição, caem no dilema de estarem impedidos de acompanharem a moda, de um lado, e, de outro, de não obterem o reconhecimento do público, com o emprego dos seus métodos tradicionais. Tal fato transparece perfeitamente nas suas obras. Até o outono do ano passado, nunca deixei de comparecer às exposições dessa estação, porém, este ano, por não sentir vontade, acabei por não ir. A tal ponto, perdi o interesse em ver essas obras.

Este é o registro das minhas impressões fiéis acerca da Arte nos dias de hoje. Como se pode ver, por não receber — no sentido verdadeiro — educação artística, a capacidade do japonês contemporâneo de apreciar as Artes é praticamente nula. Desta maneira, ele julga que certa peça é boa, por ser essa a opinião alheia. Em vista de os jornais elogiarem desbragadamente um artista, ele é levado a acreditar que este é maravilhoso. Invade as exposições por considerar que, se a elas não acudir, ficará por fora da moda. Verifica-se, nesse fato, justamente o que acontece com os filmes que são sucessos de bilheteria: um tipo de efeito advindo da popularidade. Neste sentido, é possível afirmar que tanto Matisse quanto Picasso constituem existências grandemente agraciadas na atualidade.

Como foi exposto, a Educação Artística — o elemento mais deficiente do atual sistema educativo — deve ser amplamente incentivada. Ademais, tal aprendizado corroborará para o cultivo do pacifismo. A visão artística é o ideário comum da humanidade, e, no futuro, dever-se-á proceder intensamente a um intercâmbio de obras de arte em âmbito internacional, o que, outrossim, surtirá um grande efeito na prevenção do comunismo. Neste sentido, eu julgo que se deve incentivar grandemente, em nível social, a Educação Artística, elevando o interesse popular pelas Artes. Além disso, caso o interesse artístico, até hoje propriedade exclusiva das classes privilegiadas, seja ampla e igualmente difundido entre as massas populares, esse fato será um considerável empreendimento social, o que ainda irá constituir um estímulo para o artista. A sociedade, tornando-se apta a avaliar corretamente essas obras, proporcionará que os círculos artísticos levem a cabo um desenvolvimento sadio. Somente desse modo

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surgirão, infalivelmente, neste país, obras-primas de nível mundial. No que tange a tal colocação, penaliza-me hoje o fato de as obras de artistas atualmente vivos, como Matisse e Picasso, serem badaladas no Japão. Ao meditar nisso, desejo veementemente que, um dia, o mais breve possível, as obras dos artistas japoneses, expostas nos Estados Unidos e na Europa, sejam alvo de grande algazarra.

Finalizando, pretendo escrever um pouco sobre um assunto particular. Trata-se dos museus de Hakone e de Atami, atualmente em construção. O de Hakone tem sua conclusão prevista para até o verão do ano vindouro. Escusado dizer que o seu principal objetivo reside — como já foi anteriormente exposto — em suprir a deficiência da Educação Artística, por intermédio do cultivo intenso de uma visão artística em todo o indivíduo japonês. Em vista disso, planejo expor peças que sejam compreensíveis ao público em geral e, concomitantemente, reunir obras de primeira categoria, de modo a satisfazer as mais prementes exigências dos especialistas. Naturalmente, a tônica será posta na Arte oriental, com a seleção das obras-primas dos grandes mestres de cada época — da Antigüidade até a atualidade, visando-se, assim, a um conteúdo bem rico. No momento, o seu alvo foi focalizado no japonês, mas, futuramente, pretendo tornar ambos grandes museus dos quais nos possamos orgulhar perante o mundo inteiro, fazendo deles o símbolo dos sonhos dos profissionais, dos diletantes e do grande público de todos os países do Globo.

Eiko, nº 35 — 19 de dezembro de 1951

A PINTURA JAPONESA: HOJE PRESTES AO FENECIMENTO

Recentemente, fui ver as exposições, que ora acontecem, do Instituto Japonês de Artes e da Sociedade Seiryu. Não poderia ficar, jamais, sem referir as impressões daquilo que eu vi; razão pela qual aqui as escrevo. Tratarei, primeiramente, da Exposição do Instituto Japonês de Artes. Ao entrar no recinto da mostra, fiquei surpreendido. Pensei ter-me equivocado e não me achar no lugar certo, porque ao lado realizavam-se as exposições da Associação Nikakai e da Sociedade de Artes Kodo.

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Entretanto, olhando com atenção, vi que as peças haviam sido executadas não com tinta a óleo, mas sim com pigmentos japoneses. Certifiquei-me, por isso, estar mesmo na exposição do Instituto, sem, contudo, poder convencer-me de todo. Aventei a possibilidade de se tratarem de obras criadas por algum artista plástico cuja especialidade fosse a pintura ocidental, o qual começara a empregar os mencionados pigmentos. Entrementes, ao ingressar na sua terceira sala, defrontei-me com uma peça de Taikan. Convenci-me, finalmente, estar de fato numa exposição do Instituto, e, ao mesmo tempo, fui invadido por um sentimento de indizível tristeza. Se se tratasse de uma exposição de artistas de fama recentemente adquirida, aquilo ainda seria desculpável. A do Instituto, contudo, além de registrar uma história relativamente antiga, trata-se de um dos pilares da pintura japonesa moderna. Há quarenta anos, Tenshin Okakura, com o propósito de reabilitar Korin na atualidade, reuniu, sob as asas de seu ímpeto incontido, Taikan, Shunso, Kanzan e Buzan, escolhendo-os como seus quatro principais discípulos, e lançou um gigantesco petardo em direção à sociedade da pintura japonesa, que, até aquela época, não lograra desvencilhar-se da carapaça da tradição. A ousadia e a acuidade dos planos do mestre Tenshin foram verdadeiramente revolucionárias. Como era de se esperar, os pintores puseram-se em movimento. No início, a reação não foi tão intensa, pois ele não obteve o reconhecimento geral. Todavia — como é fato conhecido — as atenções foram atraídas pela Escola Tenshin e, finalmente, sua existência tornou-se a figura dileta dos círculos da Pintura japonesa. Para compensar, em Quioto, apareceu outro grande gênio. Seu nome, Seiho Takeuchi. Sua técnica sobre-humana, dotada de um sabor diverso do da Escola Tenshin, dominou as atenções. Em parelha com Taikan, têm-se aqui os dois leões do Leste e do Oeste. Lamentavelmente, porém, traindo as expectativas nele depositadas, Seiho morreu. E não foi só. Kansetsu — aquele que era considerado o seu herdeiro — também veio a falecer. Faleceram prematuramente, ainda, Keisen e Bakusen. Desta maneira, o mundo da Pintura japonesa deslocou-se para o Oeste, onde, até hoje, permanece. No que diz respeito às exposições, restaram apenas duas: a promovida pelo Instituto de Artes e a realizada pela Sociedade Seiryu. Portanto, se a primeira, que, no caso, é a cabeça do par, reduziu-se ao que foi descrito, a Pintura japonesa encontra-se frente a frente com uma grande calamidade.

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Passemos, a seguir, para a Exposição Seiryu. Também esta em nada mudou, não se acusando nela quase que progresso algum. No que toca à peça Ryorobon, de autoria de seu mandachuva — Ryushi —, para falar sem cerimônia, trata-se de um fracasso. O ponto passível de maior reprovação nesta obra reside, sobretudo, no estorvo representado pelo contorno negro que tudo circunda. Ouvi dizer que não foi pintada com tinta nanquim convencional, mas com uma obtida da carbonização de não sei que matéria. Seja como for, o que se pode declarar é que acabou por estragar a tela inteira. No instante em que vi tal quadro, julguei que seria uma boa obra, se tivesse sido executada a nanquim diluído. Farei agora a crítica global da exposição. Apreciando o conjunto (se se trata de arte de ambiente, não sei), o que digo é que a maioria das peças ignora por demais o foco. Fazendo uma avaliação negativa, são muitas as obras que se assemelham a papel de parede. Ademais, também pobres em senso estético: a maioria das peças assume o feitio de esboços. O que é certo é que carecem de profundidade e de nobreza, estando completamente ausente nelas o sopro vital da Pintura do Oriente. Em relação a esse aspecto, no que tange a esta exposição, considerei as obras de menor porte infinitamente melhores.

Por último, manifesto o que espero de Ryushi. É plausível afirmar que a sua técnica é uma das primeiras. Contudo, ao contrário do que era de se desejar, tal fator o atrapalha. Pela tendência de pintar de forma excessiva, levado por extrema habilidade, a tela — no conjunto — torna-se agitada, desprovida de calma e parcimônia. Inquestionavelmente, a natureza da Pintura oriental está na estabilidade e não no dinamismo. Este último, de fato, é tolerado pela época. Contudo, virando "jazz", põe-se tudo a perder. Outrossim, seus esboços sobre viagens estão interessantes, causando deleite. Apontando o seu defeito, entretanto, também neles o lápis trabalhou demais. Acho que seria melhor que fossem um pouco mais suaves… Como já disse antes, os eloqüentes, embriagando-se com o prazer do discurso, desviam-se do assunto, falando até o desnecessário. Creio não ser somente eu quem pense assim.

Quero discutir, na íntegra, a seguir, sobre a pintura japonesa contemporânea no seu todo. Tratemos, inicialmente, dos seus temas

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recentes. Convenhamos que, hoje, temas como Dharma, Arahan, Hanshan e Shiht'e, Putai, dragões, paisagens chinesas e outros estão muito batidos, não se adequando à época. Todavia, esboços do nosso cotidiano também não aguçam o interesse. Tomemos o exemplo de objetos desprovidos de qualquer beleza, como os que existem aí pelas ruas ou no interior de nossas residências. O fato de serem eles pintados com o objetivo de torná-los belos à força, não seria em vão? Penso que, por maior que seja a habilidade com a qual tenham sido retratados, não provocarão nenhum fascínio em quem os contempla. Talempenho, ainda, talvez, consista no resultado da imitação da pintura ocidental. Contudo, em se ignorando as regras da pintura japonesa como tal, esta perde o que tem de bom. Portanto, escusado dizer que, na escolha da temática, é mister tomar algo que possua nobreza artística. Com relação a este aspecto, deve haver uma infinidade de temas, em vista da excelência da paisagem japonesa e da abundância de espécimes de sua flora. Devo observar, todavia, que o tratamento dispensado ao tema sobre flores — retratadas com freqüência pelos grandes mestres da atualidade — e demasiadamente água-com-açúcar. No caso das mesmas, é uma lástima que sejam poucas as peças cuja apreciação causa impacto, como acontece com as da Escola Korin.

Outrossim, como foi veiculado pelos jornais, promover-se-ão em cinco metrópoles norte-americanas, a começar por Washington, exposições de arte japonesa antiga. Os encarregados de tal empreendimento, o Sr. Wenry, Diretor do Museu Freyer, e o Sr. Priest, Chefe do Departamento de Arte Oriental do Museu Metropolitano de Nova Iorque, por ocasião de sua vinda a este país, visitaram individualmente o Museu de Arte de Hakone. Na oportunidade, entrevistei-me, pessoalmente, com eles. Ambos os senhores não demonstraram interesse pela pintura japonesa contemporânea. Apenas não pouparam elogios ao rolo de autoria de Seiho, retratando pardais e bambus. Chegaram mesmo a dizer que o queriam adquirir. Ademais, os dois senhores são considerados autoridades nos círculos artísticos dos Estados Unidos da América, e eu levei um susto com a agudeza de seu senso de apreciação. Posteriormente, o doutor Warner também veio ao Japão. Tínhamos um encontro marcado, mas, em virtude do seu cansaço (pois ele já está em idade avançada), fomos obrigados a cancelar o programa, deixando para outra oportunidade.

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Há aqui um fato que necessita ser suficientemente ponderado. O julgamento dos norte-americanos não se deriva da obsessão por antigüidades, ao afirmarem que as obras recentes nada valem, ou que as peças antigas são preciosas. Eles amam as obras de arte antiga, apreciando-as, realmente, de uma perspectiva imparcial. Com respeito a este ponto, também eu penso de maneira idêntica, sem questionar a idade das peças de arte. Para mim, basta que tenham sido bem executadas e que me agradem. As pinturas antigas, porém, são infinitamente superiores, enquanto as recentes são medíocres, a ponto de não se poder estabelecer um cotejo entre elas. Segundo os diletantes norte-americanos, as peças dos grandes mestres franceses atuais alcançam valores extremamente altos, sendo disputadíssimas. Em contrapartida, na exposição internacional recentemente realizada na França, os óleos pintados por japoneses não tiveram boa aceitação, o que mostra que a pintura ocidental do Japão decididamente não chegou a um nível mundial.

Entrementes, no que tange à pintura japonesa, por se tratar da arte máxima particular do Japão, em âmbito mundial, seria uma opção inteligente que se envidassem mais esforços nela. Todavia, provavelmente, por não se darem conta de tal necessidade, os artistas nipônicos de hoje ocupam-se inteiramente em ficar copiando, com ardoroso esforço, a pintura a óleo. Assim, por melhores que saiam tais obras, não passarão, afinal, de meras imitações. Portanto, nesta oportunidade, reformulando o mais rápido possível sua maneira de pensar, seria aconselhável que se dedicassem com decisão e exclusividade à pintura japonesa. Desnecessário dizer que se deve ter como meta a produção de obras-primas que ultrapassem as peças antigas. Caso sejam elas expostas nos palcos do mundo, posso afirmar, sem hesitação, que o que acontecerá é que os artistas plásticos estrangeiros virão atrás da pintura nipônica, introduzindo o seu estilo na especialidade a óleo. Com respeito a tal atitude, desejo que vocês recordem um fato. É sobre a Pintura ocidental hodierna, a qual devotam a sua adoração. Saibam que as suas raízes acham-se na sugestão retirada da obra de Korin, as quais evoluíram até atingir o estágio atual. Na primeira metade do século XIX, quando o estilo renascentista avançara até alcançar o seu cume — o Realismo —, ela acabou por entrar num beco sem saída. Quem,

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subitamente, despertou esses artistas foi Korin. Graças a esse impulso, o mundo da pintura ocidental de então foi repentinamente convulsionado. Ao constatar tal grandeza de nossos ancestrais, deploro imensamente a mediocridade dos pintores modernos.

Dias atrás, a senhora Davit, diretora da Unesco francesa, visitou o nosso museu, e a peça de que mais gostou foi a famosa xilogravura ukiyo-e pintada à mão, A banhista, da Era Momoyama. Comovida por esta obra, a referida senhora revelou seu desejo de reproduzi-la e, com ela, apresentar, nas sedes da Unesco espalhadas pelo mundo inteiro, a natureza superior da cultura japonesa. Recentemente, recebi o pedido oficial do Departamento de Assuntos Culturais da Unesco, via Ministério dos Assuntos Estrangeiros do Japão, o qual deferi de muito bom grado. As reproduções estão sendo executadas pela Ohtsuka Kogeisha. O que lamento, em semelhantes casos, é o fato de a Pintura atual ser completamente ignorada.

Vim escrevendo, desordenamente, as minhas impressões, mas, em suma, a pintura japonesa confronta-se agora com o instante decisivo de vida ou morte. Desejo veementemente que, o mais rápido possível, possa ela escapar deste perigo. Outrossim, na presente exposição do Instituto Japonês de Artes, o que me surpreendeu foi o fato de Taikan — aquele que manteve até hoje uma posição de liderança inabalável, sem sujeitar-se aos caprichos da moda — ter adotado um estilo de pintar à moda ocidental extremamente sem seriedade. Vendo semelhante insensatez, não pude evitar que meus olhos se umedecessem.

Finalmente, desejo ardentemente escrever sobre o que penso acerca das pinturas oriental e ocidental, de um amplo ponto de vista. Considero eu que a pintura japonesa é a que consiste na verdadeira Arte. Julgo não se poder afirmar que a pintura ocidental seja Arte. Antes de mais nada, tomemos as formas como são tratadas. A pintura japonesa existe com o objetivo de ser ela própria apreciada, para o que existe o tokonoma. Ademais, conforme a mudança das estações, procede-se à sua substituição. Opostamente, os quadros de Pintura ocidental são apenas indiscriminadamente dependurados pelas paredes, sem que haja necessidade de serem trocados. Assim, para falar com franqueza, tratam-se

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de uma modalidade de móveis finos. Além do mais, na sua execução, a pintura oriental é traçada, enquanto a ocidental é recoberta de tinta. Por isso, na pintura oriental, o pincel traça com impetuosidade, de um só golpe. Neste exclusivo traçar é que reside a energia da vida. Tal fato é, também, compreensível quando tomamos a caligrafia como exemplo. Esta vive, por ser executada em um único ímpeto. Os ideogramas retocados tornam-se mortos. Por tal motivo, eu considero a pintura japonesa Arte, enquanto classifico a ocidental entre a Arte e o Artesanato.

Qual o motivo, então, da decadência da pintura japonesa de hoje? Sem dúvida, a causa fundamental está na ilusão advinda de se misturar a Arte com a Ciência. Considero que é porque a tendência de venerar as coisas do Ocidente tenha se estendido até as Artes, em conseqüência do engano provocado pelo maravilhoso progresso científico. Em contrapartida, é fato verdadeiro que a atração que os intelectuais das nações do Ocidente experimentam pelas Artes orientais torna-se cada vez mais densa.

Vim, deste modo, escrevendo polixamente, mas, em suma, o que quero é que, pelo menos no campo artístico, se deixe de adorar o Ocidente e se pesquise e se tome nova conscientização a respeito da Arte antiga do Japão, da China e da Coréia. Sobre este fator, faço o seguinte registro. Ao Museu de Artes de Hakone, convergem todas as classes de pessoas, mas, curiosamente, quase não vêm pintores. Meditando a tal respeito, concluí que os pintores contemporâneos, uma vez que aspiram à pintura a óleo, talvez considerem não ser conveniente ver obras antigas, pelo que não posso conter um longo suspiro. Se eles não se tornarem cientes de semelhante fato, mais cedo ou mais tarde, serão abandonados não só pelos estrangeiros, mas pelos próprios compatriotas. O fim da pintura nipônica trata-se apenas de uma questão de tempo.

Eiko, nº 78 — 15 de outubro de 1952

VENDO A "EXPOSIÇÃO DO INSTITUTO JAPONÊS DE ARTES"

Em vista de ter ido outro dia à "Exposição do Instituto Japonês de Artes" deste ano, como de costume registrarei, aqui, algumas das minhas

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impressões. Inicialmente, ao entrar no primeiro salão, senti, ao dar uma olhada, que algo estava diferente de sempre. Usualmente, expõem-se, no referido salão, peças de pintura japonesa. Contudo, este ano, havia apenas quadros de pintura ocidental. Intrigado com aquilo, consultei-me com o meu acompanhante, pelo que obtive a resposta de que tudo ali era pintura japonesa. Ante tal revelação, esfreguei os meus olhos e procurei olhar melhor, com esse intento. Claramente, todas as obras eram peças de pintura ocidental executadas com pigmentos nipônicos! Meu susto, então, foi duplicado. Depois, apreciando, gradativamente, as peças, cheguei à conclusão de que a pintura japonesa dessa mostra desaparecera, tendo, por limite derradeiro, a do ano anterior. A nossa saudosa pintura japonesa, que se orgulha de uma tradição de um milênio, tivera, na mencionada exposição, seu fim declarado! Ao pensar em tal decadência, confesso não conter um fio de lágrimas a me escorrer pela face.

Desta maneira, eu me pus longamente a meditar. Afinal, o que acontece? É incompreensível. Não devo ser só eu quem julgue existir uma razão para tal. Foi aí que me veio à mente a situação hodierna da sociedade. Haverá, além dessa, várias outras causas, mas, indiscutivelmente, a principal é a mania do japonês de adorar as coisas do Ocidente. Indo diretamente ao assunto, tomemos o exemplo do "jazz", recentemente em voga entre os jovens; da maquiagem; do penteado e das roupas das moças. É de assustar a escandalosa densidade da presença das maneiras norte-americanas em todos esses tipos de comportamento. Vejamos, ainda, os anúncios de jornais: nos textos dos comerciais de cosméticos e produtos farmacêuticos, destacam-se, infalivelmente, frases alusivas aos Estados Unidos. Assim, a difusão da cultura norte-americana é algo estupendo. Em síntese, esta onda invadiu até mesmo o campo das Artes. Naturalmente, no caso da Pintura, a onda provém da França, mas, de qualquer forma, não deixa de ser adoração das coisas ocidentais. No tocante a tal influência, fiz uma retrospectiva da História da Pintura no Oriente e no Ocidente. Tem-se, primeiramente, no Japão, a pintura japonesa inicial, da Era Higashiyama. Naquela época, importaram-se, profusamente, peças de pintura das dinastias Sung e Yuan da China, das quais a Escola Kano tirou inspiração para o seu surgimento. Dentre os pintores famosos da época, podem ser citados desde Sesshu, Shubun, Keishoki e Dasoku até Soami, Geiami,

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Noami, Motonobu e Sesson. Com o início da Era Momoyama, surgiram, seguidamente, artistas de renome e grandes mestres como Yusho, Tohaku, Togan, Sanraku, Eitoku, Tannyu e outros.

Entrementes, há algo de especial, nessa época, digno de ser notado. É o aparecimento de Sotatsu e Koetsu, os criadores de um estilo de pintar revolucionário, manifestador do senso peculiar do japonês, rompendo de maneira esplêndida com a pintura nipônica que, até então, não pudera desvencilhar-se um passo sequer dos moldes tradicionais da China. Além disso, com o passar de centenas de anos, no encetar da Era Genroku, os dois irmãos Korin e Kenzan produziram uma arte ainda mais avançada, trilhando as pegadas dessa mesma corrente. Todavia, curiosamente, também na Europa, aconteceu um fenômeno que veio a coincidir com este que acabo de comentar. Desde a Idade Média, a Arte Pictórica desenvolveu-se intensivamente e culminou com o realismo exclusivo. Concomitantemente, o estilo renascentista, que se emparelhara com tal tendência, chegou — ainda que temporariamente — a dominar, de maneira revolucionária, o Artesanato fino de todo o continente europeu da época. Porém, de forma idêntica ao acontecido com a Pintura, este estilo também chegou a um impasse. Quando não havia mais solução, repentinamente, houve o surgimento de Korin. Basta dizer que esse estilo era o contrário dos padrões até então vigentes: ousado, sendo sóbrio; a tudo omitindo, expunha, plenamente, a essência do objeto. Tal técnica não podia deixar deslumbrado quem a visse. Desnecessário dizer que o acontecimento foi como um abrir de olhos graças a um farol aceso em mar tenebroso, ocasionando uma guinada de cento e oitenta graus. Desvendou-se, a partir desse momento, uma senda de possibilidades infinitas: é, pois, adequado afirmar que Korin — aquele que, de fato, salvou a pintura européia — constitui motivo do maior orgulho para os japoneses. Posteriormente, sob o estímulo da xilogravura ukiyo-e, representada por Sharaku, Utamaro, Hokusai, Hiroshige e outros, os pintores europeus, revigorados por esse hábito vital do Oriente, começaram a avançar com brio, surgindo daí as correntes impressionista e pós-impressionista. Foi a época em que despontaram, seguidamente, gênios como Cezanne, Van Gogh, Gauguin e Renoir, dentre outros. Conformou-se aqui o estilo moderno da Pintura. Deste modo, ao confrontar o histórico da pintura oriental e da ocidental,

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cheguei à seguinte conclusão: a reprovável tendência, hoje verificada no Oriente, de imitar a pintura ocidental, mais cedo ou mais tarde, chegará a um impasse. Contudo, como acredito poder contar com o aparecimento repentino de um gênio fabuloso que rompa tal casca, considero a atual febre de adoração da pintura ocidental uma fase desse processo, não vendo, pois, necessidade alguma de incorrer em pessimismo.

Passemos à Escultura. Seria acertado dizer que também não foge à tendência geral. Quanto aos trabalhos de artesanato fino — para dizer com franqueza —, são horríveis de se ver. Se por um lado não satisfazem aos moldes da antiga tradição, por outro, não são capazes de imitar o Ocidente: há não apenas as restrições impostas pelos hábitos e costumes nipônicos, mas a questão do material. Mesmo assim, constata-se a vontade enérgica de produzir algo novo. Todavia, pela presença de rastros do processo de ansiedade e agonia para que se lograsse tal resultado, a impressão tida não agrada. Mas, uma vez que, também, o artesanato fino acompanha, de maneira básica, o caminhar da Pintura, é inevitável que, temporariamente, evolua nas condições atuais. Assim, coloquei no papel o que realmente pude sentir em visita à "Exposição do Instituto Japonês de Artes".

Eiko, nº 236 — 25 de janeiro de 1953

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IX — SOBRE A FLOR E O BELO

CAMPANHA DE FORMAÇÃO DO PARAÍSO POR MEIO DAS FLORES

O objetivo da nossa Igreja é a construção do Paraíso Terrestre. Mas o que isto significa? Vou explicar.

Obviamente, o Paraíso Terrestre é o mundo de perfeita Verdade, Bem e Belo. O método para a obtenção da saúde — o Johrei —, que é a vida de nossa Igreja, e a Agricultura Natural, são meios de que nos utilizamos para materializá-lo, mas o Johrei, além de promover a renovação do corpo físico, visa também à renovação do espírito. Independentemente de tais métodos, é de extrema urgência elevar o espírito das pessoas através do Belo. Esse é um novo projeto da nossa Igreja, que agora estamos colocando em prática. Para falar a respeito, vou expor, em primeiro lugar, a situação atual deste país.

Numa classificação sumária, o Belo situa-se no domínio da audição, da visão e do paladar. No que se refere à audição, talvez nunca tenha havido época tão próspera em música como a época atual, em virtude, principalmente, do rádio, sendo muito significativo, também, o progresso do toca-discos, dos discos, etc... No tocante à visão, entretanto, a situação é muito precária, existindo apenas o Teatro, o Cinema e coisas do gênero. Em verdade, queremos algo que toque nosso sentimento pela Beleza, que seja mais simples, mais próximo de nós, e que não esteja limitado pelo tempo. Ora, o Teatro e o Cinema são excelentes meios para deleitar os olhos, mas, como implicam limitação no tempo, questões financeiras e meios de transporte, não podem ser aceitos integralmente.

O que propomos aqui é o cultivo e distribuição das flores, excelente forma de propagação do Belo. Consiste em ornamentar com flores não só as residências como outros locais. Hoje em dia, as flores ornamentam, geralmente, as residências de pessoas acima da classe média, o que é insuficiente. Nosso objetivo é adornar, com elas, todos os lugares e classes sociais, colocando-as à vista de qualquer pessoa. No canto do escritório, em

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cima da escrivaninha, onde quer que seja, não é nem preciso dizer o quanto uma flor nos reanima e faz com que sintamos um toque de pureza. Em termos ideais, é nosso desejo ornamentar até mesmo prisões e locais de execução. Quão boa influência tal gesto exerceria sobre os detentos! Quando existirem flores onde quer que haja pessoas, a força para tornar ameno este mundo infernal será bem grande. Atualmente, porém, tal hipótese é impossível, dado o alto preço das flores; por conseguinte, precisamos fazer com que elas possam ser adquiridas a preços bem baixos. Para tanto, devemos intensificar o seu cultivo, mas de modo a não prejudicar a produção de alimentos.

O Japão é considerado o primeiro país do mundo no que se refere à variedade de flores. Quanto aos métodos de cultivo, também parece atingir o nível mais alto, e todos sabem que a tulipa, que era produzida, exclusivamente, na Holanda, começou a ser cultivada, antes da última guerra, não só na província de Niigata, com exceção da Ilha de Sado, mas também na de Kanagawa. Está sendo exportada para a Inglaterra e para os Estados Unidos, e a produção vem aumentando a cada ano.

Pela pesquisa que fizemos, constatamos, por exemplo, que os americanos admiram muito as flores existentes no Japão, interessando-se pelas raridades que não possuem em seu país. Assim, doravante, devemos fazer das flores mais um recurso para a obtenção de divisas, cultivando-as em larga escala. Até hoje, essa prática veio sendo desatendida, mas, de agora em diante, deve ser estimulada ao máximo. Além do mais, como a flor é um produto cuja exportação não sofre limitações de quantidade, torna-se objeto de enorme expectativa.

Hikari, nº 8 — 8 de maio de 1949

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AS PLANTAS TÊM VIDA

Gosto muito de cuidar das plantas do jardim e sempre corto seus galhos, arrumando-lhes o formato. De vez em quando, porém, sem perceber, acabo cortando demais ou deixando de cortar onde é necessário. Às vezes, quando vou plantar uma árvore, não havendo outra alternativa, por causa do espaço, planto-a num lugar que não é do meu agrado e deixo a parte da frente para trás, ou meio de lado, o que me incomoda, toda vez que a observo. Mas é engraçado, pois, com o passar do tempo, vejo que a árvore vai se acomodando aos poucos, por si mesma, até que acaba se harmonizando perfeitamente com o lugar. Acho essa postura interessantíssima, e não posso deixar de pensar que ela está viva. Certamente, as árvores também possuem espírito. Nesse ponto, assemelham-se ao homem que cuida de sua aparência para não passar vergonha perante os outros.

Tempos atrás, ouvi um velho jardineiro contar que, quando uma planta não dava flores como ele queria, dizia-lhe estas palavras: “Se este ano você não der flores, vou cortá-la”. Assim, ela não deixava de florir. Ainda não experimentei fazer o mesmo, mas o fato parece-me verossímil. Não há erro em lidarmos com qualquer elemento da Grande Natureza acreditando que ele possui espírito. Num livro que li, de autor ocidental, dizia-se que uma árvore que geralmente leva quinze anos para crescer, tendo sido cuidada com amor e dedicação, cresceu da mesma forma na metade do tempo, isto é, em sete ou oito anos.

O mesmo pode ser dito em relação ao arranjo de flores. Eu próprio arranjo as flores de todos os compartimentos de minha casa; entretanto, ainda que elas não estejam do meu completo agrado, deixo-as assim mesmo. No dia seguinte, noto que elas estão diferentes, com um aspecto agradável, como se, realmente, estivessem vivas. Nunca forço o formato das flores; arranjo-as da maneira mais natural possível. Por isso, elas ficam cheias de vida e duram mais. Se mexermos muito, as flores perdem sua graça natural, o que não acho bom. Assim, quando vamos arranjá-las, devemos, primeiramente, imaginar como iremos fazê-lo rapidamente, porque, tal como acontece aos seres vivos, quanto mais mexemos, mais

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fracas elas ficam. Esse princípio também se aplica ao homem. Com os pais, por exemplo: quanto mais cuidados tiverem na criação dos filhos, mais fracos eles serão.

Como arrumo as flores dessa maneira, meus arranjos duram mais do que o dobro do normal, e todos se admiram. Em geral, não se usa bambu e bordo (certamente porque não duram muito), mas eu gosto de arranjá-los, eles sempre duram de três a cinco dias; às vezes o bambu dura mais de uma semana, e o bordo, quase duas. Além disso, qualquer que seja a flor, não mexo em seus cortes, deixando-as ao natural.

Eiko, nº 220 — 5 de agosto de 1953

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X - DIÁLOGOS

*Obs.: A posição e o cargo dos interlocutores são os da época em que aconteceram os encontros.

DIÁLOGO ENTRE MEISHU SAMA E O SENHOR MUSEI (I)

No dia 21, o quarto dia do Culto da Primavera, Meishu Sama ouviu com viva atencão, por cerca de uma hora, o desempenho, pelo senhor Musei Tokugawa, do episódio Hozoin Dojo, da obra Miyamoto Musashi, de autoria de Eiji Yoshikawa. Após o término da preleção, Meishu Sama, acompanhado de sua esposa, entrevistou-se, cordialmente, com o senhor Musei, a pedido deste. O texto que se segue é a súmula da entrevista.

Sr. Musei: Prazer em conhecê-los!

Meishu Sama: Pois não. Foi ótima! Sua interpretação possui um sabor diferente das narrações que se ouvem por aí.

Sr. Musei: Receio, porém, que o meu trabalho não seja apropriado para as pessoas do sexo feminino.

Sra. Okada: Não, senhor. Pude compreender muito bem...

Meishu Sama: O senhor Yoshikawa também é um fiel antigo. Fico contente por vocês dois se entrosarem.

Sr. Musei: Este trabalho é algo parecido com uma disputa com o autor: se o original e o intérprete se equilibram, tudo bem; mas caso este não chegar aos pés daquele, então é a derrota.

Meishu Sama: A sua interpretação estava excelente. O senhor Yoshikawa, certamente, ficaria satisfeito.

Sr. Musei: Dias atrás, tendo ele terminado de construir um salão em Okutama, convidou-me a fazer uma apresentação naquele recinto. Aceitei,

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quando me disse jamais ter ouvido, pessoalmente, uma interpretação minha. Da Sociedade de Mestres Famosos da Mitsukoshi, foram o senhor Bunraku, contador de anedotas; na ausência do Sr. Fumikichi — cantor de pequenas peças — foi a Sra. Koume, a dupla de comediantes Senta e Mankichi Regal e eu. O Sr. Yoshikawa ficou muito satisfeito, e disse que eu estava liberado para interpretar o Musashi, sem que fosse preciso pedir-lhe permissão a cada vez. A Sociedade dos Mestres Famosos da Mitsukoshi é composta somente de gente perfeitamente habilitada na arte do entretenimento tradicional e de pessoas que alcançaram o grau de mestres depois de — como se diz usualmente — terem-se submetido a um rigoroso aprimoramento. Sou apenas eu quem tem índole de vigarista...

Meishu Sama: É isso que é bom! Não se pode virar comerciante. Tudo que faço é por amadorismo, nada tendo de profissional. O senhor poderá comprovar o que falo, indo a Hakone e vendo o jardim de pedras que fiz. Dizem que os profissionais que o viram ficaram indignados, querendo largar a profissão. O motivo é que as pedras empregadas naquele local estavam ou de costas, ou de ponta-cabeça: pelo que afirmaram que seu uso, pelos padrões convencionais, era inusitado. Isso também é maravilhoso!

Sr. Musei: Seria, então, por não se enquadrarem em moldes, não? Afinal, os moldes não são tudo neste mundo... Haverá coisas que não precisam se encaixar neles.

Meishu Sama: Qualquer coisa morre se for encaixada em moldes. Como pratico caligrafia, certa vez manifestei minha intenção de aprender esta arte com um mestre. O que um calígrafo me aconselhou, então, foi que desistisse da idéia. Ele me explicou que os profissionais estavam presos a moldes, e que a agrura de seu trabalho estava em como romper com eles. Disse-me que não importava se as letras fossem um pouco diferentes, se o número de seus pontos ou traços fosse de mais ou de menos. “O importante — disse-me — é dar vida à personalidade". Bem, deve-se convir que há pontos inexplicáveis pela lógica nessa asserção...

Sr. Musei: Tomemos um exemplo: a anedota Nedoko, hoje contada

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pelo Sr. Bunraku. Esta peça foi concluída após ter sido burilada e polida por repetidas e repetidas apresentações. Em contrapartida, minhas peças são obras grosseiras e incompletas, não obstante eu considerar a questão fundamental da narração...(???????)

Meishu Sama: Seu trabalho é excelente: afinal, a questão é da alma. Em síntese, transmite a alma de Musashi. Por mais hábil que seja o narrador profissional, a impressão que se tem é outra: existe apenas a forma, não há alma. Eu não acredito que Musashi seja um mero mestre de artes marciais. Ele pintava, não é? E suas obras são excelentes.

Sr. Musei: Tem razão, não é um mero mestre de artes marciais. Dias atrás, o Sr. Yoshikawa deu-me um rolo Hahacho, pintado por Musashi. Inicialmente, parecia não mostrar-se muito satisfeito com o fato de que algo por ele escrito fosse interpretado. Talvez pelo receio de que o original sofresse alguma alteração. Porém, recentemente, ele disse-me que eu interpretasse, à vontade, as obras de sua autoria. Assim, veio trazer-me especialmente o rolo pintado por Musahi, dizendo que não só ele, mas que também eu deveria ser dono de tal peça. É uma pintura magnífica, que comprova a fama de Musashi. Tem dignidade.

Meishu Sama: Pois não. Também vi, outro dia, pinturas de Musashi. São extraordinariamente boas. Atingindo-se determinado nível em algo, isso é válido para tudo.

Sr.Musei: Diga-se que, do ponto de vista do pintor profissional, são obras estranhas. Mas muitos não conseguem pintar daquele jeito.

Meishu Sama: Não serão muitas as imitações?

Sr. Musei: Sim, parecem ser muitas.

Meishu Sama: Em se tratando de obras famosas, as imitações são muitas, não? Acresce que, às vezes, a imitação é melhor que o original.

Sra. Okada: Na Mitsukoshi existem ótimas reproduções por

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impressão, não é mesmo?

Sr. Musei: As reproduções de obras executadas a tinta nanquim têm muita classe.

Sra. Okada: A impressão foi feita pela Kogei-sha?

Sr. Musei: Sim. As obras executadas a nanquim, por exemplo, é impossível de se discernir se são verdadeiras ou imitações. Dias antes, ganhei uma carta de Issa, à qual não dei muito valor, já que a obtivera de graça. Pensei que não passava, afinal, de imitação. Todavia, ao mostrá-la a um antiquário versado em Issa, disse-me ele ser uma peça legítima. Duvidei, pois ninguém daria um original gratuitamente. Verificando bem, constatei tratar-se de uma obra impressa... Nessa ocasião, fiz a descoberta examinando a peça durante o dia!

Meishu Sama: Em se tratando de Issa, possuo eu duas peças de sua autoria. Acho que uma delas é a pintura de uma codorna ou algo parecido. No outono, mostrar-lha-ei em Hakone.

Sr. Musei: Quero sem falta ser honrado com essa oportunidade.

Meishu Sama: Musashi deve ter sido amplamente instruído por Takuan, não é?

Sr. Musei: Bem... A época é a mesma. Deixe-me ver, será? Não seria de estranhar se isso estivesse escrito, mas não há histórias de um intercâmbio entre os dois. Porém, mesmo sem Takuan, penso que ele teria se tornado um grande homem.

Eiko, nº 98 — 4 de abril de 1951

DIÁLOGO ENTRE MEISHU SAMA E O SENHOR MUSEI (II)

Meishu Sama: Sem dúvida, Musashi não foi apenas um mestre em artes marciais; tinha ele algo espiritualmente elevado, não acha?

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Sr. Musei: Pois não. Atualmente, eu estou fazendo uma série de entrevistas para a revista Shukan Asahi. A primeira foi com o Sr. Yoshichika Tokugawa; a segunda, com a atriz Yukiko Todoroki; a terceira, com Shin Hasegawa; a quarta, com Hanboku Ono; a quinta, com Nanryou Kyokudo, de Osaka; a sexta delas, terminei-a ontem em Teruha. A próxima deverá ser com o botânico Sr. Tomitaro Makino. Que tal? O senhor não quer ser um de meus interlocutores? Eu tenho por princípio o propósito de jamais fazer algo que fira outrem. É por acreditar que seria imperdoável alguém sair prejudicado por meu intermédio.

Meishu Sama: Pois não, eu topo... Você é macaco velho.

Sr. Musei: Macaco velho?! Esta é boa! E o senhor então?...(Risos.)

Meishu Sama: Eu gosto é de gente assim. Quem nada tem é desinteressante. Uma manha que possua torna a pessoa interessante. Ou seja, uma pessoa equilibrada...

Sr. Musei: É tal equilíbrio que o senhor prega em seus sermões? (Risos.)

Meishu Sama: Pregar isso é difícil, não?

Sr. Musei: Quer auxílio? (Risos.)

Meishu Sama: Você tem alguma relação com o Sr. Tokugawa?

Sr. Musei: Não, relação não tenho. Por isso, na entrevista para a Shukan Asahi, cujo título é Novidade: os dois Tokugawas, eu acabo por me tornar o falso. Ah! sim! Já fui falso uma vez. Há dois anos, por ocasião de um programa radiofônico de talentos ocultos, ficou acertado que o Sr. Tokugawa tocaria flauta em uma banda de acompanhamento, a qual, porém, ficaria sem graça se faltasse um shamisen. Para essa função sugeriu-se o nome de Ichimaru. Lembremos que o programa era de talentos ocultos, onde se deve apresentar uma arte alheia à profissão. Bem, ele deve

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ter aceitado o papel, pensando: "Se é Musei quem toca a flauta, eu o supero com o 'shamisen'". Pois bem, no dia do programa, ele se encontrou na rádio com o Tokugawa trocado... (Risos.) Naquela vez, virei o falso.

Meishu Sama: Qual é o significado do nome Musei?

Sr. Musei: Meu nome verdadeiro é Toshio Fukuhara. Em virtude de meu mestre chamar-se Reizan Shimizu, eu adotei o nome de Reisen Fukuhara. Na época, eu me apresentava no teatro Daini Fukuhokan, em Shiba, com o salário mensal de dez ienes. As coisas, porém, apertaram de tal jeito que acabei fugindo para Osaka. Pus o pessoal da Nikkatsu enraivecido, mas entrei para o teatro Aoikan, de Akasaka. O gerente desse teatro, então, disse que era inconveniente usar o nome Reisen Fukuhara, ordenando-me que, pelas circunstâncias, eu adotasse provisoriamente uma alcunha. Dessa maneira, aconselhei-me com os colegas. O pessoal do camarim e da agência, meio por brincadeira, batizou-me com o sobrenome Tokugawa, por analogia com o nome Aoi, do teatro. Para primeiro nome, escolheu-se a palavra Sei, em vista de ser popular entre os nomes da época. Chegou-se até Sei Tokugawa, mas estava custoso achar a palavra Mu. Por instantes cogitaram em me batizar com nome Dokusogan. Afinal, por minha voz (Sei) parecer-se com um sonho (Mu), criaram o nome Musei. Assim, tornei-me Musei Tokugawa, mas não fui eu próprio quem o pôs em mim. Antes assim. Foi até melhor.

Meishu Sama: Ah, é?! Também a mim me chamam Ohikari-Sama, mas não fui eu quem me batizei assim. Foi um jornal, creio que o Shizuoka Shimbun.

Sr. Musei: Desse jeito, o nome goza de maior aceitação.

Meishu Sama: Além de tudo, tem mais propriedade.

Sr. Musei: Também os impressionistas franceses não se auto-denominaram assim. (Eram eles de opinião que a verdadeira pintura consistia não em tão-somente copiar o que se viu, mas sim em esboçar essa impressão na mente, exprimindo-a, então, por meio do pincel.) No título de

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suas obras, empregavam abundantemente as palavras "A impressão de...", como "A impressão de um gato", "A impressão do sol", e assim por diante. Como a imprensa, então, aludia-se a eles como Escola Impressionista, eles passaram, por fim, a considerar-se como tal.

Meishu Sama: Isso é o mais natural, é melhor. O principal é a sensação causada.

Sr. Musei: Sou de opinião que, com um maior progresso científico, tornar-se-á possível detectar o espírito. O que o senhor acha?

Meishu Sama: Sim, será possível.

Sr. Musei: Alguma coisa semelhante à detecção da radioatividade pelo contador Geiger...

Meishu Sama: Sim, tornar-se-á viável a mensuração mecânica. Eu estou escrevendo essa tese atualmente. Ouço dizer que a ciência atômica moderna encontra-se num impasse com a teoria do méson. O senhor Yukawa23, prevendo o méson, descobriu-o, acidentalmente, na fotografia de um raio cósmico, vindo a comprovar essa existência. Contudo, avançando mais além, é impossível medir isso mecanicamente. Indo mais e mais adiante, chega-se a Deus. Finalmente, com o desenvolver da ciência, tal fato será comprovado. Atualmente, porém, o espaço entre o ponto extremo do méson e Deus aparece como uma lacuna. Não se desvenda isso porque a concepção dos cientistas não alcança até esse ponto. Eu esclareço isto cientificamente, denominando tal estudo de Ciência Teórica do Espírito. Lendo-o, não haverá razão de continuar sem compreender. Do ponto de vista da Ciência Experimental do Espírito, fazendo assim (estende o braço com a mão espalmada), as doenças logo melhoram. Moléstias como a apendicite são logo curadas. Esta é a Ciência Experimental do Espírito.

Sr. Musei: Pois é. Quando um eletricista morre eletrocutado, há uma descarga de eletricidade por seus dedos, não é? Ao fecharmos os olhos e fazermos assim (leva o dedo próximo a região dos olhos), sentimos algo. Eu, quando sinto o ventre a doer, aponho nele a mão, freqüentemente

23 Sr. Yukawa: referência ao doutor Hideki Yukawa.

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obtendo alívio dentro de alguns instantes. Sem dúvida, há a emissão de algo bom e poderoso das mãos. Seriam fluidos espirituais?

Sra. Okada: Por tal razão denomina-se tratamento (em japonês, "aposição da mão"), não?

Meishu Sama: É uma tarefa difícil pregar isto.

Sr. Musei: Muito obrigado.

Eiko, nº 99 — 11 de abril de 1951REGISTRO DAS ENTREVISTAS ENTRE MEISHU SAMA, A SRTA. DAVID E JORNALISTAS

Conforme já publicado na revista Eiko, número 173, sendo, pois, do conhecimento dos senhores leitores, a Srta. Madaleine David, exercendo a função de Vice-Diretora do Museu Cernuski de Paris, e por ser uma autoridade em Belas-Artes orientais, veio ao Japão com o intuito de pesquisar a arte nipônica. No dia 22 de agosto passado, ela esteve em visita ao Museu de Hakone com o qual ficou vivamente impressionada. Acompanhavam-na a Srta. Tatsuko Tazuke, do Ministério dos Assuntos Estrangeiros, e os senhores Shiro Takeuchi, Presidente-Executivo do jornal Hochi, Shohei Morimura, Editor-Chefe do mesmo jornal, e Shoji Watanabe, Diretor do Departamento de Notícias Locais, do jornal Yomiuri. Ademais, na sala de estilo japonês do terceiro andar do Museu, todos os membros entrevistaram-se com Meishu Sama, iniciando logo animada conversação. Temos a honra de relatar aos senhores a entrevista estenografada, que se estendeu por uma hora e meia, na ocasião.

As duas nações mundiais das artes

Meishu Sama: Li com muito interesse sobre você nos jornais. Naquela oportunidade, eu tive vontade de mostrar-lhe sem falta o nosso Museu. Encontra-se no Japão já há bastante tempo?

Srta. David: Cheguei em fevereiro deste ano e permanecerei até

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fevereiro do próximo.

Srta. Tazuke: Ela veio como representante da UNESCO, sendo entendida no campo das Belas-Artes japonesas.

Meishu Sama: Nosso Museu conta com um acervo completo de obras do Japão. Visite-o quando lhe aprouver e desenvolva seus estudos à vontade.

Srta. David: Fiquei deslumbrada! Deparando-me com coisas que, até hoje, jamais tivera oportunidade de ver; quis fotografá-las e enviar essas fotos à França. Peço desculpas pelo distúrbio causado. Agradecendo o convite, pretendo vir aqui mais vezes incomodá-lo.

Secretário: Ela solicita o envio à UNESCO de cópias das peças Sutra da Vida de Sakya24 (*) e da Banhista, nas dimensões originais. Elas circulariam pelo mundo inteiro.

Meishu Sama: Isso é ótimo.

Secretário: Creio que seria preciso de tempo até as proximidades de novembro.

Srta. David: Não tem importância. Caso sejam enviadas ao Museu de Belas Artes de Paris, as obras serão expostas imediatamente.

Meishu Sama: No tocante às artes, a França é extremamente íntima. Na Europa, a França; na Ásia, o Japão. São as duas nações mundiais das artes.

Srta. David: Concordo plenamente.

Meishu Sama: Incentivar as Artes é um fato extremamente louvável, também de uma perspectiva filosófica.

24 Sutra da Vida de Sakya: refere-se ao sutra ilustrada de mesmo nome da era Tempyo.

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Srta. Tazuke: A Srta. David, já faz muito tempo, vem servindo como o braço direito do doutor Gloux; sozinha, ela cuida da disposição das obras no museu e de tudo o mais. Sendo ainda solteira, ela se casou com a arte oriental. Assim, desfruta da liberdade de ir de lá para cá, sem, contudo, ter ainda visitado a China.

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Meishu Sama: Além disso, não existem coisas interessantes na China, não é?

Srta. David: No Museu de Pequim, acredito que existam.

Meishu Sama: Provavelmente, mas o que havia de bom foi levado por Chiang Kai-Shek. As obras de arte chinesas são abundantes lá pelos Estados Unidos da América.

Srta. David: Pois não.

Secretário: Parece que a senhorita gostou das taças de chá superpostas, de autoria de Ninsei.

Meishu Sama: Como eu imaginava: basta dizer que o design delas é inovador.

Srta. Tazuke: Ela adorou a taça de chá de porcelana verde-resedá, brincando que a queria roubar, pois, mesmo que se pusesse de ponta-cabeça, não teria o suficiente para comprar nem metade...

Meishu Sama (rindo): Esteja à vontade...

Korin vivo na França

Meishu Sama: Pretendo fazer exposições também na França...

Srta. David: Pretendo fazer uma exposição de arte japonesa em Paris e outra de arte francesa em Tóquio.

Meishu Sama: A arte japonesa, até hoje, quase não foi exposta aos olhos do estrangeiro. Resumindo, as obras de arte nipônica estiveram trancadas nos depósitos dos ricos e da nobreza, os quais se recusavam, terminantemente, a mostrá-las a estranhos. Por semelhante motivo, em se vindo ao Japão, não se pode ver senão uma ínfima porção delas. É impossível, porém, mesmo que se queira, ver tudo, por estarem espalhadas

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por aqui e acolá. A diretriz deste Museu é a de configurar um órgão que proporcione a qualquer um a oportunidade de apreciar tais obras de arte. Portanto, tenho penado de várias formas, pensando em como mostrar, ao máximo, aquilo que até hoje não pôde ser visto. Desse modo, até agora vim colecionando, sobretudo, obras de Korin, Koetsu, Sotatsu, Kenzan e outros, com o intuito de realizar essa exposição. Afinal, mesmo que Matisse e Picasso estejam em voga, sua origem é Korin.

Srta. David: Também penso assim. A arte nipônica tem a ver com a arte francesa. Quanto às obras de Korin, vi-as somente por meio de fotografias. Deparei-me com pinturas dele na França, mas não é o bastante. A visita de hoje proporciou-me um bom material de pesquisa para a arte francesa moderna.

Meishu Sama: Pois não. Da Escola Korin, temos vários rolos de pintura de autoria de Sotatsu. Hei de mostrá-los. Acredito que servirão de ótima referência.

Srta. David: Virá, em breve, mais uma pesquisadora de Paris. Tenciono visitá-lo junto com ela.

Meishu Sama: Certo japonês, pretendendo aprender a pintar, procurou Matisse. Este, disse-lhe, então, que não havia necessidade alguma de ele ter ido à França, pois no Japão existia alguém magnífico chamado Korin. Korin era seu mestre. Portanto, não era preciso deslocar-se à França, especialmente.

Srta. Tazuke: Parece que Matisse, em virtude da idade avançada, não pinta mais como antes.

Srta. David: Sobre a arte japonesa anterior a Korin, eu desconhecia completamente.

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Meishu Sama: Isso acontece por faltar oportunidade de vê-la.

Srta. David: Pois não. Temos premente necessidade de exposições de Arte nipônica.

Meishu Sama: Isso mesmo.

Srta. Tazuke: Na França são poucas as peças de porcelana do tipo kinran.

Meishu Sama: Oriundas da China? A propósito, tenho comigo um catálogo, mas não tais peças. A porcelana kinran é rara também nos Estados Unidos e na Inglaterra. As peças que existem nesses países são bem recentes. Datam de K'ang-hsi a Ch'ien-lung. São peças que vêm de uns duzentos anos atrás; todavia, em se tratando da porcelana kinran, o que há de melhor são as peças da dinastia Ming, ou seja, de aproximadamente quatrocentos anos antes. Essas eles não possuem. Elas foram imensamente apreciadas pelos japoneses e, importadas, receberam cuidadoso tratamento por parte dos senhores feudais. Outrossim, não possuímos muitas peças boas de porcelana verde-resedá. Estas também não são muitas nos Estados Unidos ou na Inglaterra. O que existe de bom, na Inglaterra, são peças dos fornos Chün. São superiores às existentes no Japão, onde não há muita porcelana Chün, mas existe a verde-resedá. Além do mais, as existentes na Inglaterra ou nos Estados Unidos provêm de escavações. Completamente diferente das que existem neste país, as quais foram herdadas de geração em geração. Lembra-se da taça de chá do tipo "casco de tartaruga", que trazia desenhada uma fênix? Foi ela passada de mão em mão através das épocas, sem que estivesse enterrada. Usualmente, são peças que estiveram debaixo da terra.

Secretário: Parece que na Suécia há vasos Anderson, uma grande porção deles datando de três mil anos atrás. No Japão, são extremamente raros.

Meishu Sama: Exatamente.

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Srta. Tazuke: Dias atrás, encontrando-me com um chinês, perguntei-lhe sobre tais vasos, e ele me informou que, com certeza, havia dois deles no Japão: um em Hakone e outro em Quioto.

Secretário: Também elogia-se muito a jarra toro com desenhos de camélias e borboletas.

Meishu Sama: Aquela é uma boa obra. Aquele tipo de peça aparece em revistas norte-americanas, existindo ainda exemplares ruins. Peças boas há no Japão, no Museu Hakutsuru, de Osaka. No Museu Hakutsuru há bons exemplares.

Srta. David: Foram levadas para São Francisco?

Meishu Sama: Não, para Los Angeles.

Srta. David: Quero receber auxílio da UNESCO. Ficarão inteirados da situação, pois pretendo relatar o fato.

Meishu Sama: Lidar com as artes resulta, ideologicamente, em coisas relativamente boas, não é?

Srta. Tazuke: A UNESCO mostra muita boa vontade. A senhorita David solicitou ao meu departamento que providenciasse cinqüenta boas peças de xilogravura ukiyo-e, que fossem inéditas. Eu estava, porém, preocupadíssima, com medo de que as verbas fossem insuficientes para comprar todas. Agora, como ficaram prontas, viu-se que estavam ótimas, ficando certa a sua aquisição.

Meishu Sama: No Japão, estão selecionando boas peças de xilogravura, reproduzindo-as.

Srta. Tazuke: A Associação de Artes Orientais deleitou-se em arcar com a incumbência. Parece que circularão pelo mundo inteiro. Vale ponderar, contudo, que a arte japonesa não consiste somente de xilogravuras...

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Meishu Sama: Afinal de contas, é preciso compilar um bom álbum de pinturas. Pretendo fazer isso, mais cedo ou mais tarde. Tenciono confeccionar um número considerável de livros com fotogravuras, escolhendo obras famosas no Japão, e distribuí-los a tais órgãos de todos os países. Afinal, no Japão, existem muitas obras boas.

Srta. David: Julgo ser esta uma idéia esplêndida, pode-se dizer mesmo divina.

Secretário: A senhorita David comentou ter achado o exemplar do Sutra da Vida de Sakya, de Nara, melhor.

Meishu Sama: Sinto ter de dizer, mas aquele exemplar é ruim. A peça daqui foi executada em primeiro lugar.

Srta. David: Parece que sim.

Meishu Sama: Aquela peça foi feita posteriormente. A peça de Nara faz parte do acervo da Escola de Belas-Artes. Ambos os exemplares — o mais antigo e o mais novo — datam da Era Tempyo. O mais recente está exposto no Museu de Nara. Fazendo o cotejo entre as peças, a diferença é evidente.

Srta. David: O Sutra da Vida de Sakya é minha obra preferida. Tenho a impressão de que toda a pintura japonesa se deriva dela.

Meishu Sama: Sua visão é agudíssima. Aconteceu realmente assim. O inicio foi o Sutra da Vida de Sakya, passando posteriormente à pintura yamato-ê.

Srta. David: Deu origem à pintura yamato-ê?!

Meishu Sama: Exatamente. Você conhece muito bem o assunto. Do Sutra da Vida de Sakya derivou-se a pintura yamato-ê e, desta, a xilogravura ukiyo-e. Possuo o primeiro exemplar da transição do Sutra da Vida de Sakya para a pintura yamato-ê. Vou mostrar-lhe agora. Admira-me

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que você seja entendida a tal ponto. Mesmo entre os japoneses, são poucos os que têm um conhecimento tão profundo como você!

A Igreja Meshia-kyo e o Museu de Arte

Jornalista: Vossa Reverendíssima parece conhecer o assunto a fundo...

Meishu Sama: Desde jovem eu gosto do assunto e o vim pesquisando a fundo.

Jornalista: Vossa Reverendíssima pode distinguir, pelo exame visual, se determinada peça é legítima ou falsa?

Meishu Sama: Descubro de pronto.

Jornalista: Já lhe aconteceu de impingirem alguma obra falsa?

Meishu Sama: No início sim, mas logo descobri.

Jornalista: Como Vossa Reverendíssima explicaria a relação entre a Igreja Meshia-kyo e o Museu de Arte?

Meishu Sama: Superficialmente, não há relação alguma. Todavia, foi possível construir algo de semelhante proporção graças às doações, em dinheiro, feitas pelos fiéis. A Igreja Meshia-kyo, porém, nada tem a ver com isso. Um museu como esse faz-se extremamente necessário à nação. Em vista disso, a Comissão de Conservação dos Bens Culturais mostra-se imensamente satisfeita. Dizem lá que o país precisa, de qualquer jeito, de uma coisa assim.

Jornalista: Fiquei assombrado diante da sua excelente localização.

Meishu Sama: Tem razão. O lugar também é ótimo. Além do mais, como os estrangeiros visitam Hakone, infalivelmente, eles o vêem, mesmo que essa não fosse sua intenção. Isto é o principal. Até hoje, o indivíduo

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comum, dificilmente, tinha acesso à apreciação de obras artísticas. Era imprescindível, portanto, que tivéssemos algo franqueado ao público em geral.

Jornalista: Qual a razão de a Igreja atribuir tamanha importância ao Belo?

Meishu Sama: Como pregamos o trinômio Verdade, Bem e Belo, este faz-se necessário. Eu afirmo que a Religião e as Belas-Artes estão ligadas por laços indissolúveis. Em suma, a religião aprimora o sentimento do homem. Em outras palavras, faz com que o homem evolua ideologicamente. Para tanto, deve-se fazer com que a Beleza atue, deve-se aumentar a sua função. Tal acontece, ademais, tanto pelos ouvidos quanto pelos olhos. Todavia, hoje, o que entra por intermédio da visão mais degrada que eleva. Muitas coisas: não condeno, por exemplo, o "strip tease", contudo, neste ínterim, faz-se extremamente necessário alguma coisa louvável, que enobreça. O artigo do senhor Tetsuzo Tanikawa, do jornal Yomiuri, parece ter servido de ótima propaganda.

Jornalista: Sugeriria que Vossa Reverendíssima, por ter feito suas apreciações, escrevesse, também, para jornais e revistas de arte.

Meishu Sama: Há um artigo na revista Geijutsu Shincho.

Jornalista: Nas revistas especializadas, abordar-se-ia somente acerca da Arte. Creio que seria adequado conseguir, por exemplo, que se editasse um número especial sobre o Museu de Artes de Hakone.

Meishu Sama: Pretendo realizar isso gradativamente. Hoje, entretanto, se os estrangeiros fazem algazarra a respeito de algo, são logo imitados pelos japoneses. O mesmo acontece com realização de exposições, às quais convidassem críticos. Depois de assistir ao filme Rashomon, no início, também eu não dava muito por ele, mas, tendo-o revisto, depois de ouvir isso, o reconsiderei: é de fato uma boa obra. Acontecerá o mesmo com as obras do Museu. (Aqui, mostrou-se um conjunto composto de oito rolos de pintura retratando as oito fases da vida

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de Sakya.)

Srta. David: Interessantíssimo.

Meishu Sama: Não é? Em resumo, esta é a obra de transição da pintura budista para aquela do estilo yamato-e. É uma peça do início da Era Kamakura. Portanto, apresenta nitidamente características da Era Fujiwara.

Srta. David: Pois não. As oito peças são de um único autor?

Meishu Sama: Sim.

Srta. Tazuke: Penso que o Museu de Artes de Hakone logo adquirirá fama entre os estrangeiros. Caso a UNESCO se envolva, os japoneses virão correndo, despertados para a existência de algo assim.

Meishu Sama: Não se consegue mesmo curar dessa veneração pelas coisas de fora.

Jornalista: Este projeto é obra de Sua Reverência?

Secretário: Ele o fez ao cabo de dois dias. Inclusive detalhes como o tamanho das vitrines e tudo o mais, a começar pela disposição das coisas, as medidas, etc.

Srta. David: Ficou perfeito. Uma maravilha.

Jornalista: Eu vim, vi e estava encostado por aí, quando...

Srta. Tazuke: É bem diferente da sala de editoria de um jornal ou de uma repartição pública, não?

Meishu Sama: Apareçam de vez em quando para se refrescarem. Afinal aqui é o local bem mais localizado de Hakone. Em Hakone, Gora é o suprasumo. Não existem mais locais donde se possa dominar os quatro lados da paisagem. Gora é um lugar assim. No outono, avista-se o mar. Lá

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da Península de Miura. Além do mais, o centro de Gora é justamente aqui. No Japão, Hakone é o melhor parque que existe. Como aqui é o melhor lugar de toda a região de Hakone, podemos afirmar que é o melhor de todo o Japão. Em suma, eu tirei proveito da área estratégica de Hakone. Desde há muito, eu tinha comigo que, se fosse construir um museu, o ambiente teria que ser bom. A harmonia com o ambiente aqui é bem razoável.

Obs.: A conversa é inesgotável, mas como tornar-se-ia por demais longa, omitimos sua continuação25.

Tijyo Tengoku, nº 41 - 25 de outubro de 1952

A CALIGRAFIA É A EXPRESSÃO DA PERSONALIDADE(Do diálogo com certo visitante)

Visitante: Há muito tempo que Vossa Reverência pratica a arte caligráfica?

Meishu Sama: Já há uns vinte anos.

Visitante: Acho as peças caligráficas chinesas extremamente viris: são firmes com seus traços grossos e sem aparente preocupação com detalhes.

Meishu Sama: Dentre os chineses, o mais exímio é Wang Hsi-chih. É verdadeiramente exímio. Dentre os japoneses, Kobo Daishi é exímio. Todavia, há uma diferença entre ser exímio e interessante. Na China, quem tem uma letra interessante é o mestre Wuchuo da seita budista Zen, e eu possuo o seu melhor trabalho. No Japão é o monge Daito Kokushi, o fundador do templo Daitoku-ji, de Quioto. Gosto também da letra de Ikkyu. Conforme o gênero, podem-se classificar as letras de interessantes, habilidosas, elegantes, e assim por diante. Eu adoro a obra caligráfica do monge zen-budista Ikkyu, mas sua letra é feia. Contudo, nos seus trabalhos, não aparece a intenção de quem quis escrever bem. Sente-se que ele queria escrever com naturalidade — isso é que é bom. Na maior parte dos casos, 25 Esta observação consta do artigo original.

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transparece a pretensão de bem escrever. Por exemplo, a letra de Takuan. Há nela a ambição de quem quis escrever bem, de uma maneira excêntrica. Isso torna sua caligrafia um tanto afetada. A mais pura é a de Ikkyu.

Visitante: Vi, não me lembro onde, o retrato do mestre Ikkyu: tem ele uma fisionomia realmente natural. A letra do falecido senhor Konoe gozava de boa consideração. Parece-me que foi ele que escreveu a tabuleta com os dizeres Ministério Pan-Asiático, por ocasião da fundação do órgão.

Meishu Sama: Concordo. Naquela época, quando vi a mencionada tabuleta, gostei das letras e, ao perguntar quem as escrevera, soube ter sido o Sr. Konoe. De fato, a letra depende do homem. Tanto a caligrafia como a pintura manifestam a personalidade, pelo uso da tinta e do pincel. Por isso, a letra do calígrafo profissional não é interessante. Suas peças estão apenas bem escritas. Aí não se trata de personalidade, mas de técnica.

(O interlocutor de hoje foi o Sr. Tsunezumi Isao, vice-diretor do Departamento de Ciências do jornal Yomiuri Shimbun. O presente texto é um extrato do diálogo travado entre o mencionado senhor e Meishu Sama, durante entrevista realizada no outono passado, em Shinzan-so.)

Eiko nº l99 - 11 de março de 1953

ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (I)

No dia 26 de abril, teve a visita do Dr. Tetsuzo Tanikawa, Diretor do Departamento de Letras, da Universidade Hosei, e crítico de arte, o qual manteve um cordial diálogo com Meishu Sama. Nesse dia, o Dr.Tanikawa, após passar pelo Museu de Arte de Hakone, aberto no dia 21 de abril, onde apreciou um sem número de obras, chegou às dezessete horas e trinta minutos em Hekiun-so. Foi prontamente recebido por Meishu Sama, e senhora, e, a partir de então, entabulou-se de imediato animada conversação a respeito de artes. Nesse período de duas horas e meia, Meishu Sama mostrou-se extraordinário Dr. Tanikawa, e aquele quem discursou, na recepção oferecida a personalidades importantes, por ocasião

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da abertura do museu, no ano passado. Além dele, estiveram presentes mais três acompanhantes, no encontro de hoje: o Sr. Motoo Konishi, diretor do Departamento de Empreendimentos, do jornal Hochi Shimbun, o qual foi apresentado no número 193 da revista Eiko o Sr. Ka-ichiro Kosaka, membro do Bureau de Editoria, e um fotógrafo do mesmo jornal.

Sr. Kosaka: A razão do nosso atraso de uma hora e meia com relação ao nosso compromisso foi termos dispendido uma hora e meia a mais na apreciação das obras de arte. Pela existência do compromisso, eu queria vir logo, mas o Dr. Tanikawa custava a se mover do lugar

Dr. Tanikawa: Como era de se prever, é inviável ver tudo, caso não se disponha de um dia inteiro.

Meishu Sama: Não é mesmo? Por isso, há gente que comenta que há peças em demasia. Dizem ser cansativo, pela imensa quantidade.

Dr. Tanikawa: Pois não. Por causa disso, quando vou ao Museu de Ueno, limito-me a duas ou três salas. Mesmo que quisesse ver tudo, não daria conta. Nesse sentido, visito com certa freqüência museus como o Bridgestone ou o de Arte Moderna, por contarem com poucas salas e número reduzido de peças expostas.

Meishu Sama: Além do mais, esses museus são de fácil acesso, não é?

Dr. Tanikawa: Tem razão. Desde a abertura, no ano passado, vim aqui apenas por duas vezes trazendo minha mulher. Naquela época os jardineiros ainda estavam a construir o jardim. Hoje, entretanto, pelo visto, está tudo pronto.

Meishu Sama: Acresce-se a isso a conclusão do prédio anexo. Neste, desde primeiro de junho estamos expondo xilogravuras ukiyo-e.

Dr. Tanikawa: Vossa Reverência utilizará o anexo de agora em diante exclusivamente para a exposição de ukiyo-e?

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Meishu Sama: Não é bem assim; pretendo utilizá-lo para fins especiais.

Sobre a Religião e as Artes

Sr. Kosaka: Durante o percurso de carro até aqui, o Dr. Tanikawa comentou: "O fato de uma organização religiosa levar este empreendimento a cabo constitui um fenômeno de uma nova era. É algo inédito em toda a História progressa do Japão. É necessário aprofundar em âmbito nacional a consciência em relação a isto." Nós também estamos de acordo. Julgamos ser um ótimo empreendimento. As organizações religiosas hodiernas estão a construir faculdades e jardins de infância, mas isso são coisas que qualquer um é capaz. A empresa que os senhores estão concretizando é, em se tomando somente o acervo artístico, algo tremendo.

Meishu Sama: Penso eu da seguinte maneira. A religião e as artes são inseparáveis. O objetivo da religião é a construção do Paraíso. Assim, é mister atuar no campo artístico. Como vivemos em uma época em que a guerra acabou, o papel principal cabe às artes. Antigamente, o príncipe Shotoku trabalhou intensamente. É ele uma espécie de patriarca responsável pela disseminação do budismo no Japão. O principal meio de expansão por ele utilizado foi a arte búdica. Assim como o príncipe Shotoku deu início ao budismo japonês, eu construo algo de âmbito mundial, como se extrapolasse a obra do príncipe a esse nível. Considero, sobretudo, ser preciso conscientizar amplamente o mundo da profundidade do senso estético do japonês. Construí, a título de experiência, o Museu de Artes de Hakone, mas quero crer ter concretizado algo que mereça ser visto. Pretendo, agora, construir outro em Atami.

Dr. Tanikawa: Contudo, essa é uma obra extraordinária. Creio que o seu significado reside, sobretudo, em Vossa Reverência tê-la construído em Hakone. Hakone é um lugar visitado por muitos estrangeiros; julgo haver um imenso sentido em expor num museu obras artísticas maravilhosas como aquelas, quando se expõem souvenires baratos com mira nos estrangeiros.

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Meishu Sama: Pretendo, depois deste, construir em Quioto, algum dia, um museu especializado em arte budista.

Dr. Tanikawa: Tanto em Atami como em Quioto? Vossa Reverência tem idéias arrojadas. Solicitaria que levasse este plano adiante.

Sra. Okada: Todavia, isso hoje, de imediato, é difícil, não? (Gargalhada geral, por um trocadilho entre as palavras homôfonas em japonês "hoje" e "Quioto").

Meishu Sama: Deve-se dizer que a escultura budista japonesa goza de primazia em termos mundiais e que dela podemos nos orgulhar diante do mundo inteiro.

Dr. Tanikawa: Tem razão.

Meishu Sama: Contudo, o que mais me aflige é a questão monetária. Então, passo o ano inteiro a saborear tanto o deleite como a aflição.

Dr. Tanikawa: Convenhamos que não há outros lugares capacitados a comprar um acervo como este. Mesmo os grandes museus não dispõem senão de verbas mínimas para aquisição.

Meishu Sama: Por isso acabo fazendo o que não está dentro de minhas posses. Verifica-se com freqüência o perigo de que, caso eu não as compre, tais peças sejam levadas para os Estados Unidos. Eu me vejo combalido a impedir isso. Penso que mereço considerável reconhecimento com relação ao serviço que estou prestando à nação.

Dr. Tanikawa: Tem razão.

Sr. Kosaka: O que é imperdoável é que queiram ainda cobrar imposto sobre isso, não?

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Meishu Sama: Em virtude disso é que estou tomando providências para a criação de uma fundação. O problema estaria solucionado se as peças fossem compradas por uma instituição religiosa e doadas a uma fundação.

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Sr. Konishi: No museu, as obras com as quais o Dr. Tanikawa consumiu mais tempo a apreciar foram as imagens budistas. Dentre elas, havia uma que contava com um boi na sua composição. Ele retirou o boi para contemplar a peça e pediu que a fotografássemos. Isso foi o que custou mais tempo, levando três horas. Ficamos com os pés doendo, acabando os três por fugirmos.

Sr. Kozaka: O que assusta é ele dizer, ainda assim, que lhe faltou tempo. Hoje, havia visitantes estrangeiros acompanhados de suas esposas, fato que achei excelente. Acho interessante que pessoas do mundo inteiro venham aqui e vejam obras de arte como aquelas. Provavelmente este museu ficará famoso primeiramente entre o pessoal do exterior. Penso, entretanto, que, pela inexistência de explicações apropriadas aos estrangeiros, será que não ficaria difícil de entenderem?

Meishu Sama: Gradativamente, estou pensando em detalhes como tais explicações.

Secretário: Para a atual exposição de xilogravura ukiyo-e existem explicações preparadas pelo Sr. Ichitaro Kondo.

ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (II)

A respeito da Xilogravura Ukiyo-e

Dr. Tanikawa: Constam desta exposição as Cinqüenta e Três Vistas impressas pela Hoeido. O Sr. Kodo Nomura, autor da série Zenigata Heiji Torimonocho, possui bons exemplares daquela mesma edição. O Sr. Nomura talvez seja o maior colecionador de Hiroshige no Japão. Existem várias impressões das Cinqüenta e Três Vistas, mas a melhor é a da Hoeido, não?

Meishu Sama: As Oito Paisagens de Edo, de Hiroshige, são também boas peças, não acha?

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Dr. Tanikawa: Contudo, diga-se o que for, a obra-prima de Hiroshige trata-se da Neve, Luar e Flores. A seqüência formada de três quadros é o que há de melhor, não? É difícil encontrarmos exemplares completos desta obra. Além das citadas, existem várias outras famosas. Como também comentam os ocidentais, todas aquelas que tratam da temática da chuva e da neve são ótimas. Por isso, gosto da Neve, Luar e Flores.

(Diante das Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji de Hokusai.)

Meishu Sama: Também não existem muitos exemplares completos desta obra. Muito embora eu ache que, ao invés de se procurar completar a série, o importante seja encontrar um bom número das melhores vistas. Afinal, não é preciso ver todas as trinta e seis.

Dr. Tanikawa: De todo o conjunto, eu gosto de verdade apenas de três vistas. Brisa de Verão em Céu Límpido e Chuva de Verão no Sopé do Monte: aquela em que o Fuji aparece enorme, com o céu encarneirado; a da neve e aquela em que há um vagalhão. Gosto destas três, o resto não me interessa.

Meishu Sama: É um despropósito comprar aquelas em que aparecem figuras estranhas.

Dr. Tanikawa: Há uns trinta anos andei comprando algumas peças do monte Fuji: uma das melhores obras com este tema é a citada Brisa de Verão em Céu Límpido. Trata-se de uma obra mundialmente famosa, sendo excelente. É a obra-prima de toda a produção de Hokusai. A matriz também conserva-se em bom estado, não?

Meishu Sama: Como o senhor avalia este exemplar?

Dr. Tanikawa: Muito bom. Todavia, o aspecto das nuvens é por demais denso. Falta-lhes graça. Há exemplares mais arrojados. Além do mais, o céu deveria parecer mais alto, sendo de cor mais clara. Se estivesse

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mais claro, as nuvens flutuariam. O tom deste vermelho, caso fosse mais acentuado, ficaria melhor. Esta Chuva de Verão no Sopé do Monte é ótima. A reprodução executada pelo Sr. Takamizawa, na Era Taisho, é perfeita: ele executou um trabalho idêntico em todos os detalhes, inclusive os defeitos. Como os especialistas tornaram-se incapazes de discernir o original, todas as peças passaram a receber a classificação de reprodução. Dentre as obras posteriores às de Harunobu, gosto destas três e da série Neve, Luar e Flores, de Hiroshige. Das obras anteriores, gosto de todas. Gosto também de Kiyonobu, Kyomasa, Sukenobu e outros. São ótimas todas as obras monocromáticas, impressas a nanquim, anteriores às coloridas (nishiki-e). Pertencem a uma fase anterior à da impressão em que de dava predominância ao vermelho (benizuri-e), tendo sido idealizadas depois das obras em preto e branco. Gosto, ainda, das peças impressas com laca, chamadas urushi-e. O mestre da modalidade benizuri-e é Toyonobu; Harunobu, do gênero nishiki-e.

Meishu Sama: Há uma extraordinára pureza aí, não acha?

Dr. Tanikawa: São belas. Tem-se, depois, a obra de Kiyonobu. A de Utamaro também é boa, mas — como diria — o que se sente é algo já em decadência.

Meishu Sama: Falta-lhe classe, não é?

Dr. Tanikawa: Sim. Contudo, mesmo depois de Harunobu, a obra de Sharaku é boa. Trata-se de uma existência intrigante e particular.

Meishu Sama: A obra de Kiyonaga é boa, não acha?

Dr. Tanikawa: Eu classificaria assim: Sharaku, Utamaro e Kiyonaga. Outro dia veio parar em minhas mãos uma peça de cerâmica chinesa negra. É algo incrível. Artistas como Picasso, se a vissem, ficariam boquiabertos. Este gênero de peça foi desenterrado uma única vez, sendo, pois, conhecidos todos os exemplares existentes.

(Diante de xilogravuras de Harunobu)

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Dr. Tanikawa: Haronobu é realmente excelente. Além disso, estas peças encontram-se em estado de boa conservação. No campo da xilogravura ukiyo-e, Packard era um expert.

Meishu Sama: Já ouvi o nome.

Dr. Tanikawa: Este senhor levou boas peças consigo e, por estarem extraordinariamente bem conservadas, lá as tiveram todas por falsas — já que não conheciam peças em tal estado de conservação. Este Harunobu é muito bom. É intrigantemente belo. Em toda a obra de Harunobu, não existem senão duas peças com o fundo em vermelho, tratando-se, pois, de um exemplar extremamente raro. Quando digo duas peças, não significa que existam apenas dois únicos exemplares, mas sim duas gravuras. A presente — do tear — e outra em que se apanha água. Esta última encontra-se em um museu. Por isso, Kondo dizia existir apenas uma gravura. Eu, depois do fim da guerra, vi esta pela primeira vez, numa reunião de chá, em Kawasaki. Trata-se de uma obra raríssima. Ademais, seu estado de conservação é ótimo, não? Ao todo, são quantas peças?

Meishu Sama: Seriam dez?

Dr. Tanikawa: Por ser uma obra rara, lembro-me perfeitamente dos temas. Naquela oportunidade, havia dezesseis peças. Esta obra de Harunobu, seja pelo tema, pela conservação e, sobretudo, por contar com estas gravuras com o fundo em vermelho, é excelente. Eu não aprecio muito Harunobu, mas esta obra me deixa com água na boca. Caso esta gravura do tear constar de alguma de suas exposições de ukiyo-e, virei aqui especialmente para apreciá-la.

(Diante de xilogravuras de Toyokuni)

Meishu Sama: A cor das vestimentas é boa, não é?

Dr. Tanikawa: Sim. Toyokuni mostra-se freqüentemente grosso, mas estas peças são boas. Além disso, possuem muita energia.

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Meishu Sama: Pois não. Acresce, ainda, que o colorido é bem refinado.

Dr. Tanikawa: O senso de coloração do gênero ukiyo-e é bastante refinado. Gosto destas obras da época em que se imprimia o contorno em nanquim, colorindo-se, depois, a gravura a mão. Quem se encarregava deste trabalho eram aprendizes, fazendo-o de qualquer maneira. Encerra-se aqui, porém, um interessante sabor.

Meishu Sama: De fato, tem um excelente sabor.

Dr. Tanikawa: A primeira impressão de obras como esta estava restrita a trezentos exemplares. Caso sua vendagem fosse boa, imprimia-se mais. Todas as peças desta série de Toyokuni são ótimas. A obra Trinta e Seis Paisagens do Monte Fuji, em cotejo com esta, excetuando-se algumas peças, perde. Se bem que este seja um parecer oriundo do meu gosto pessoal. Penso não haver necessidade de Vossa Reverência adquirir todas aquelas peças. De uma perspectiva artística, as peças realmente boas são apenas algumas. Na exposição sobre o Japão, que realiza agora nos Estados Unidos, a obra que foi daqui é apenas a Banhista?

Meishu Sama: Sim.

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Dr. Tanikawa: A Banhista é uma excelente peça, não?

Meishu Sama: Acho que pode ser considerada a melhor obra de todo o gênero ukiyo-e, concorda?

Dr. Tanikawa: Tem-se a A Banhista e o Biombo de Hikone, mas, como este é uma peça de grandes dimensões, na verdade, aquela é a primeira. O Biombo de Matsuura também é famoso, contudo fica muito aquém do Biombo de Hikone.

Meishu Sama: Quanto à pintura, o que há de melhor é a das dinastias Sung e Yuan, não acha?

Dr. Tanikawa: Concordo plenamente. Também no ano passado a obra Han Shan e Shih Tê, de Liang Chieh estava exposta, não é?

Meishu Sama: Trata-se de uma peça esplêndida, dotada de graça.

Dr. Tanikawa: Simplesmente esplêdida. Digam o que disserem, é inegável que a obra de Liang Chieh seja a primeira do mundo. Dele e de Mu Hshi.

Meishu Sama: A pintura destes dois é incrível, não?

Dr. Tanikawa: A obra Martim-Pescador e Lavandisca, de Mu Hshi, a qual vi no ano passado, desta vez não foi exposta, não é?

Meishu Sama: Exatamente. Este ano ainda não a expus. Depois, aquela paisagem de Ma Yüan é muito boa. Ouvira dizer que ela teria outro paradeiro; fiquei feliz em tê-la encontrado aqui. Foi uma pena não estarem expostos os originais dos afrescos de Tung Huang.

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SOBRE PEÇAS CALIGRÁFICAS DE GRANDES MONGES E MANUSCRITOS ANTIGOS

Dr. Tanikawa: Em se tratando de peças caligráficas de grandes monges, a obra de Mao Ku-lin e a de Cheng-Cheng é excelente. Gosto de Mao Ku-lin, Ch'ing-Tsuo Cheng-Cheng e Wu-Hsüeh. A caligrafia antiga dos grandes monges é toda ela boa, mas aprecio a destes três e tenho vontade de adquirir algum dos seus trabalhos.

Meishu Sama: Tenho comigo duas peças de Wu-Hsüeh. Que tal lhe parece a obra de Daito?

Dr. Tanikawa: Gosto de Daito. Dentre os japoneses, o melhor é Daito. Todavia, o melhor mesmo foi produzido pelos chineses.

Meishu Sama: Que tal lhe parece Mujun?

Dr. Tanikawa: Também gosto de Mujun. Gosto ainda de Dai-e. Outro dia, por ocasião das solenidades do festival religioso Daishikai, vi uma peça dele. Conservava a moldura original da Era Muromachi. Aliás, a moldura da obra de autoria de Mao Ku-lin, que hoje vi no museu, assemelha-se um pouco a ela. A de hoje tinha a orla central confeccionada com um tecido de estampas douradas, tendo os adereços das margens da pintura e os pingentes em escumilha antiga. A que eu vi na cerimônia de chá do festival Daishikai tinha a orla central em escumilha antiga e os adereços das margens e os pingentes confeccionados em tecido com estampas douradas. A moldura da peça de Mao Ku-lin rivaliza-se com ela. Mesmo supondo-se que tenha sido reformada, usou-se aí o tecido original.

Meishu Sama: Que tal lhe parecem os manuscritos antigos?

Dr. Tanikawa: Também gosto deles, mas prefiro mesmo as peças caligráficas dos grandes monges. Dentre os manuscritos antigos, aprecio a peça Tsugi-shikishi. Contudo, há peças renomadas de que não gosto muito. Há de se convir, todavia, que a obra Riraku-jo, de autoria de Sukemasa Fujiwara, não apenas pode emparelhar-se com as peças caligráficas dos

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grandes mestres, mas chega mesmo a suplantá-las. Ademais, voltando um pouco mais no tempo, dentre as obras de caligrafias japonesas, a de que mais gosto é a Itonaishinno-goganmon, de autoria de Hayanari Tachibana. Até vê-la, eu acreditava que a melhor era Kyushin-sho, de Kobodaishi; mas a partir de então passei a considerá-la a primeira. Outrossim, julgo a obra Fushin-jo superior às chinesas. Noto, porém, que minha preferência fica mesmo com as peças caligráficas de grandes monges, quando em cotejo com manuscritos antigos corriqueiros, salvo a peça Tsugi-shikishi. Parece-me que a obra chinesa Kanjiki-jo, de Su Tung-p'o, foi parar na China, recentemente. O que é lamentável. Já há algum tempo os chineses estavam de olho nela. Houve proposta de compra por um museu, mas, por razões tributárias, o dono não recusou a proposta. Uma pena, realmente.

Meishu Sama: Que tal Toshinari?

Dr. Tanikawa: Gosto. O problema é que ele pertence a uma idade mais recente... Ele viveu no início da Era Kamakura: prefiro mesmo as obras de eras mais antigas. Anteriormente eu tinha em grande conta as obras de seu filho Sada-ie. O diário de Sada-ie entitulado Meigetsu-ki foi recortado e circula emoldurado em grande quantidade. Em vista disso, sua cotação no mercado é baixa. Uma obra de autoria de Sada-ie que ainda hoje alcança bom preço é a Ogura-shikishi. O filho de Sada-ie é Tame-ie, não?

Meishu Sama: Que tal Tsurayuki?

Dr. Tanikawa: As peças classificadas como de autoria de Tsurayuki são apreciáveis.

Meishu Sama: Eu gosto da letra de Tsurayuki.

Dr. Tanikawa: Entretanto, do ponto de vista do sabor artístico, aquelas obras cuja autoria não é comprovadamente de Tsurayuki carecem de graça. Uma peça de autoria apenas provável não passa, afinal de contas, disso.

Meishu Sama: Isso lá é verdade.

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Dr. Tanikawa: Sob esse aspecto, a peça Riraku-jo, de Sukemasa, é provida de graça. Temos, ainda, a peça Kojima-gire, cópia de Michikaze, que, apesar de ser uma boa obra, não tem força. Por isso, fico mesmo com Riraku-jo.

Meishu Sama: Eu gosto da letra de Sigyo.

Dr. Tanikawa: Também gosto da letra de Saigyo.

Meishu Sama: A letra de Kobodaishi é bela, mas algo pedante.

Dr. Tanikawa: Discordo. A escrita autêntica de Kobodaishi é boa. A pedante é a falsa.

Meishu Sama: Correm por aí peças falsificadas de Hakuren Shonin.

Dr. Tanikawa: Por carecer de oportunidades de ver obras de Hakuren, não sei bem sobre o assunto.

Meishu Sama: Convenhamos, todavia, que não existe um calígrafo cujas obras foram tão falsificadas como Ikkyu.

Dr. Tanikawa: Como a letra de Ikkyu é bem característica, uma vez captados os seus vícios, o trabalho de falsificação é simples.

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Meishu Sama: A escrita de Ikkyu não é bela, contudo tem sabor, não acha? Agora, no tocante a caligrafia de imperadores, qual seria a melhor?

Dr. Tanikawa: A do imperador Saga. Tem sabor. Afinal de contas, ao lado de Kukai e Hayanari Tachibana, ele é considerado um dos três grandes calígrafos.

Meishu Sama: Na sala de chá Shinju-an, do templo Daitoku-ji, há uma peça do imperador Godaigo, não é?

Dr. Tanikawa: A letra de Godaigo é parecidíssima com a de Daito Kokushi, não?

Meishu Sama: A caligrafia do imperador Gomizuno-o também tem sabor, não acha?

Dr. Tanikawa: De fato.

Meishu Sama: De qualquer forma, tanto a escultura, como a pintura ou a caligrafia da Era Heian são excelentes, não? Embora seja ínfima a diferença com o produzido na Era Kamakura, isso é decisivo, não?

Dr. Tanikawa: Tem razão.

Eiko nº 212 - 10 de junho de 1953

ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (III)

Sobre utensílios da Cerimônia de Chá

Dr. Tanikawa: Desta vez não havia utensílios da cerimônia de chá no Museu de Artes de Hakone. Todavia, seria desejável poder apreciar algumas taças de chá.

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Meishu Sama: Em se tratando de utensílios da cerimônia de chá, a gente não se satifaz caso não os manipule, concorda?

Dr. Tanikawa: Além do mais, em ambientes claros como nos museus, é decepcionante. Sobretudo no caso das taças de chá do gênero Ido, há que se vê-las num ambiente umbroso como no das salas de chá. A propósito, tenho um episódio interessante a relatar. No ano passado, a taça Fuji-san, de autoria de Koetsu, estava em exposição. Como eu não me poderia dar por satisfeito se não a tocasse, procurei o diretor do museu, pedindo-lhe autorização para isso. A resposta que ouvi, porém, foi que seria impossível, visto estar terminantemente proibido pelo Sr. Sakai. Todavia, alguém teria que guardar a taça no depósito, pelo que fui aconselhado a aguardar até a ocasião. Assim fazendo, juntou-se silenciosamente a mim um bando de gente que havia pedido para manusear a taça e recebera a recusa. Na oportunidade, examinei-a detalhadamente. De outra feita, numa exposição ocorrida há seis ou sete anos no Museu de Artes Hakutsuru, expõs-se a taça Bishamon-do, de autoria de Koetsu e propriedade da família Konoike, a qual eu queria manusear a qualquer custo. Dirigi-me ao museu de manhã, com essa intenção. Disseram-me, porém, que somente me poderiam mostrar depois que todos fossem embora, em virtude do que esperei umas três ou quatro horas. É sempre assim.

Sra. Okada: No final, a gente tem de encostar os lábios nela, não?

Meishu Sama: É a satisfação proporcionada pelo tato. Eu sempre almejei a Fuji, mas em vão.

Dr. Tanikawa: No caso de taças como essas, eu gosto da Fuji e da Amagumo.

Meishu Sama: Muito bem. Eu gosto ainda da Kamiya. O que me diz do gênero Tyojiro?

Dr. Tanikawa: A melhor é a Ohguro. Há três ou quatro anos, numa

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exposição cujo tema era a Cerimônia do Chá, ela aí se encontrava. Como eu não me daria por convencido se não a tocasse, fui de manhã a esse museu e esperei atá a tardinha. Aquela é uma taça de chá que parece simples, mas tem algo de indescritível. É a perfeição.

Meishu Sama: É verdade.

Dr. Tanikawa: Ela pode emparelhar com a Fuji. Em certo sentido, é-lhe mesmo superior. Não existe outra taça que tenha tanta nobreza como ela. Já pela Amagumo, sente-se familiaridade. Aqui, a nobreza da Ohguro é elevada, ficando muito além da Fuji. Isso é indescritível.

Meishu Sama: Em outras palavras ela não é pedante. É refinada.

Dr. Tanikawa: Exatamente. O mesmo pode ser dito quanto a ótica de apreciação das taças do tipo Ido. Nada tem de artificial. São donas de uma franca simplicidade.

Meishu Sama: Pois não. Recebi bastantes elogios com a relação à taça Ayame, a qual expus no ano passado.

Dr. Tanikawa: Aquela também é uma taça apreciável.

Meishu Sama: Que tal a taça Gandori?

Dr. Tanikawa: Como ainda não vi a original, não sei muito a seu respeito. Parece-me que tem algumas pequenas falhas, não?

Meishu Sama: Conhece esta?

Dr.Tanikawa: Vejo-o pela primeira vez. Tem jeito de ser do tipo Koetsu. Será Zeze Koetsu?

Meishu Sama: Exatamente.

Dr. Tanikawa: Eu a conhecia apenas por fotos, sem ter ainda visto a

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peça original.

Meishu Sama: As que constam do Catálogo de Peças Famosas são inferiores a ela.

Dr. Tanikawa: Esse é um fato bem conhecido, não é? Eu tinha ouvido dizer que, dentre as taças de autoria de Koetsu, a Zeze Koetsu era completamente diferente. Suas bordas são indescritíveis. Sua base também é indescritível, mas as suas bordas são esplêndidas, não acha? São complexas, não? Também é ótimo seu formato. Há uma taça famosa de nome Otogoze. Sua base é verdadeiramente boa, mas suas bordas são algo frouxas. As bordas desta são melhores. Sim, senhor, queria ver a sua caixa. Jamais poderia imaginar que tomaria chá na taça Zeze Koetsu. Esta caixa é de Enshu, não é?

Sra. Okada: Pelo sinal fu nela aposto, parece ser Chinkoro, de Sotatsu.

Dr. Tanikawa: Tem-se essa impressão, não? Esta taça foi bastante usada. No caso das taças de chá, basta que se veja a base para se saber. O fato de sua base estar gasta advém do atrito com o tatami. Vendo-se apenas a sua parte superior, tem-se a impressão de que é uma peça extremamente nova. Contudo, ao observarmos a base, podemos depreender que é uma taça antiga. Ela está gasta pelo atrito com o tatami ou mesmo pelo roçar com as mãos. Além disso, o fato de ela se abrir com naturalidade em direção à parte de cima, como se desabrochasse, é algo maravilhoso. Depois, nada há de artificial nela e, quanto às suas bordas, estas apresentam uma feição indiscritivelmente complexa. A taça apresenta por si só um variado panorama, sem nenhuma artificialidade.

Meishu Sama: É, de fato, obra de um artífice famoso. No que toca as taças de chá do tipo Ido, quais merecem sua preferência?

Dr. Tanikawa: Sem dúvida a Kizaemon. A seguir, citaria a Bishamon-do.

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Meishu Sama: Que tal a Tsutsuizutsu?

Dr. Tanikawa: Em vista das numerosas fraturas que ela apresenta, há quem não goste dela. Todavia, sua forma é de primeira classe. Da perspectiva da beleza, eu tomaria a Hosokawa Ido e a Yuraku Ido, mas no que diz respeito à energia, sem dúvida o primeiro lugar cabe a Kizaemon. Entretanto, por a Kizaemon não trazer tantas fraturas como a Tsutsuizutsu, é forte em demasia. Há pessoas que lhe sentem certa aversão, mas não eu. Outrossim, há um fato curioso a respeito. Há uns trinta anos, a Tsutsuizutsu encontrava-se por muito tempo exposta no Museu de Quioto. Naquela época, ela mostrava-se totalmente empoeirada. Outro dia, porém, convidado para uma cerimônia de chá em Saga, deparei-me com a mencionada taça, muito mais bela que antes. A verdade é que as taças de chá terminam por perder a vida quando não usadas. Fenômeno idêntico ocorre com os tinteiros de pedra. Os tinteiros Tuan-hsi, se não utilizados por longo tempo, acabam por perder a vida. Na China, quando há um tinteiro assim, eles o umedecem diariamente com água, friccionando nele o bastão de tinta. Com a repetição da ação por uns três anos, dizem que ele volta a adquirir vida. Assim, a beleza das taças de chá, como essas Ido sobre as quais conversamos, encerra o sabor advindo de anos a fio de uso.

Meishu Sama: É o que também aconteceu com a Zeze Koetsu, não é?

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Dr. Tanikawa: Há aqui a manifestação da beleza humana.

Meishu Sama: É algo simplesmente maravilhoso.

Sra. Okada: Podemos então dizer que, por estas taças terem sido feitas com o fim de se tomar chá, elas perdem a vida se não forem utilizadas, não é mesmo?

Dr. Tanikawa: Perfeitamente. Graças ao fato de serem manuseadas, o que existe de inerente nas taças torna-se manifesto. Não existe outro gênero de louça como este no mundo inteiro. Verdade é que a porcelana chinesa não encontra similar, mas na China inexiste algo como a cerâmica Raku. Esta provém da genialidade nipônica.

Meishu Sama: Realmente, não? Vi recentemente uma taça de chá pertecente ao monge — qual era mesmo o nome? — que trouxe o chá para o Japão.

Dr. Tanikawa: De porcelana verde resedá ou T'ienmu?

Meishu Sama: Nenhuma dessas. Uma taça de louça delgada comum, semelhante à porcelana chinesa produzida nos fornos Yueh Chou, acinzentada. De cor parecida com a da louça verde resedá de Juko.

Dr. Tanikawa: Então, não seria do mestre zen Eisai?

Meishu Sama: Isso mesmo. Vi essa taça. Tinha um excelente sabor.

Dr. Tanikawa: Foi o mestre zen Eisai quem trouxe o chá. Ele também é conhecido pelo nome de Myoe ou Myoe Shonin. Foi ele quem difundiu o chá.

Eiko nº 213 - 17 de junho de 1953

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ENTREVISTA DE MEISHU SAMA COM O DR. TETSUZO TANIKAWA, DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS, DA UNIVERSIDADE HOSEI, E CRÍTICO DE ARTE (CONCLUSÃO)

Sobre a porcelana chinesa

Dr. Tanikawa: Quando vim da outra vez, também ele estava exposto: o vaso Keito, do forno Yüeh Chou, que se encontra logo no lado direito da entrada da sala número cinco. Trata-se de uma ótima peça. Também este ano ele estava no mesmo lugar em que foi exposto no ano passado. Do gênero Yuechou, é uma das melhores peças existentes. Sempre sinto prazer em apreciá-lo.

Meishu Sama: Outro de seus méritos é o tamanho.

Dr. Tanikawa: Sim. É grande e vigoroso: uma obra que impõe sua presença.

Meishu Sama: Há também um vaso menor do mesmo tipo nos Estados Unidos da América, não?

Dr. Tanikawa: Depois gosto da porcelana produzida nos fornos Hsiao T'an. Sabe-se a quem pertence cada uma das peças existentes. Levantaram-se inúmeras vezes questões a respeito delas. Deste gênero de porcelana o melhor é o incensório do Sr. Iwasaki e o vaso do Sr. Yokokawa.

Meishu Sama: Pois não.

Dr. Tanikawa: Como os estudos acerca dos fornos Kê, da dinastia Sung do Sul, só recentemente foram terminados, ainda não se pesquisou sobre os fornos Hsiao T'an. A propósito, a peça trapezoidal de porcelana Kê agora exposta é uma bela peça. Ainda não vi pessoalmente o incensório do Sr. Iwasaki, mas pelas fotografias coloridas que vi anteriormente, sob a perspectiva da cor, ambas as peças são bem parecidas. Queria apreciar com minhas mãos algum dia o incensório do Sr. Iwasaki.

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Sra. Okada: É uma obra que pode ser considerada uma das melhores do seu gênero?

Dr. Tanikawa: Sem dúvida. Contudo, no que diz respeito à coleção Yokogawa, apesar de contar com uma considerável quantidade de peças, as obras de primeira são raras.

Meishu Sama: Nesse sentido, não seria o Museu Hakutsuru o possuidor das melhores?

Dr. Tanikawa: Ainda não examinei concretamente o citado acervo, mas pode ser que seja assim.

Meishu Sama: Pois não. Lá existem duas ou três obras que almejo obter de qualquer maneira; entretanto, eles não as querem ceder.

Dr. Tanikawa: Boas peças são as negras, não?

Sra. Okada: Tais peças são de autoria de artesãos famosos?

Dr. Tanikawa: Sim, já que provêm dos fornos reais.

Meishu Sama: Eles as confeccionavam colocando aí sua alma, visando a agradar os imperadores.

Dr. Tanikawa: Atualmente, as peças conhecidas como oriundas dos fornos Hsiao T'an são o so, de Fukosai, a que pertece a Iwasaki e aquela da coleção Yokogawa.

Meishu Sama: O que vem a ser so?

Dr. Tanikawa: Trata-se daquilo conhecido no Japão como sangite.

Meishu Sama: Aquele sangite é uma ótima peça, não?

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Dr. Tanikawa: Outrora, afluiu ao Japão um grande volume de peças de porcelana verde resedá kinuta, ou seja, aquela proveniente dos fornos Lung Ch'üan. Daí a razão de se desconhecer que o so doado por Fukosai era de uma porcelana mais preciosa que a tipo verde resedá kinuta. O mencionado so encontrava-se sob a posse da família Date, que o utilizava como jarra de água nas cerimônias de chá. Um senhor de nome Sherman Lee, em sua estada no Japão, tendo visto essa peça, estalou a lingua — ele tinha a mania de fazer isso diante de peças de que gostara. Disse ele que na coleção David também havia uma peça assim, mas que esta era muito melhor. Comentou que em Nova Iorque se poderia pedir por ela o quanto fosse: quarenta mil ou cinqüenta mil dólares.

Meishu Sama: Na coleção David existem enormes peças do tipo hibite. Do que se trata aquilo?

Dr. Tanikawa: Inicialmente, eram muitas as peças pertencentes à família imperial da dinastia Chin. São, todavia, obras um tanto quanto problemáticas. Assim, lá é numeroso o gênero de peças tidas como provenientes dos fornos Kê, da dinastia Sung do Sul. Há uma quantidade razoável de peças amareladas.

Meishu Sama: Seja como for, a porcelana verde resedá é um assunto complexo, não é mesmo?

Dr. Tanikawa: Sim, é complexo. Eu venho lidando há uns trinta anos com louças, mas devo confessar que somente captei o verdadeiro sabor da porcelana verde resedá há uns cinco ou seis anos. Em vista da complexidade, esse sabor é difícil de ser captado.

Meishu Sama: Também eu aprecio a porcelana verde resedá, mas as minhas dúvidas sobre ela surgem umas após as outras.

Dr. Tanikawa: Seja como for, hoje, quando tomamos em consideração o fato de ter sido esta a porcelana mais prezada pelos chineses, compreendemos que ela seja a rainha das porcelanas.

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Meishu Sama: Sem dúvida. Trata-se de uma porcelana que tem classe. Elogiam-me muito o vaso em exposição no museu.

Dr. Tanikawa: Aquele produzido em algum forno Hsiu Nei Ssu? É uma bela peça.

Meishu Sama: A peça trapezoidal de porcelana verde resedá exposta no ano passado também era boa, não acha?

Dr. Tanikawa: Sim, era uma boa peça. Dentre as obras classificadas antigamente como verde resedá kinuta, selecionaram-se — graças aos estudos progressivos — aquelas peças produzidas pelos fornos Hsiu Nei Ssu. São peças de um colorido um pouco esbranquiçado, dotadas de muita classe.

Meishu Sama: Exatamente. Os detalhes, a forma, a precisão de sua delgada espessura: tudo, enfim, é perfeito.

Dr. Tanikawa: Tem razão.

Meishu Sama: Dias atrás, quando fui a Nagóia, vi um jarro com as asas em forma de fênix: sua cor era elogiável, mas não os detalhes. Em resumo, uma peça de gosto extravagante. Uma das asas, inclusive, parecia um trabalho de recuperação da original, que fora danificada.

Dr. Tanikawa: Eu ainda não apreciei essa peça tomando-a em mãos, todavia, ela tem imponência.

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Meishu Sama: Sim. É uma peça que aparece.

Sra. Okada: A peça com peônias em relevo do Museu Hakutsuru também é uma ótima peça.

Dr. Tanikawa: Sim, mas eu prefiro as lisas a tais tipos rebocados.

Meishu Sama: A mencionada peça, porém, era boa. Algo diverso do convencional: era extremamente vigorosa.

Dr. Tanikawa: Pois não. Eu não me lembro claramente dela. É que, normalmente, esse referido tipo de obras costuma ser rebocado.

Meishu Sama: Sem dúvida. São peças rebocadas. Todavia, a do Museu Hakutsuru é extraordinariamente enérgica. Sua força é indescritivel. A propósito, que tal a do dragão produzida em Tz'u Chou, do mesmo museu?

Dr. Tanikawa: Aquela é uma boa peça, não? Ela parece ter abafado até nos Estados Unidos, quando de sua exposição. Por um bom tempo, sempre que a contemplava por meio de fotografias, eu não dava muito por ela. Contudo, comparando a peça original com outra similar, aquela ganha. A do dragão é máscula, enquanto a de propriedade do senhor Hosokawa é feminina. Aquela é superior do ponto de vista do vigor que irradia.

Sra. Okada: A urna keito tricolor também é uma boa obra, não?

Meishu Sama: É boa. É a primeira, em sua categoria, existente no Japão.

Dr. Tanikawa: Contudo, à parte de peças como essa urna e outras, eu considero que a melhor obra é a do forno Yueh Chou de propriedade do Museu de Artes de Hakone. Sua energia é estupenda.

Meishu Sama: Sem dúvida. Ademais, seja pela pátina que apresenta, isto é, pela idade, pode-se dizer também que é uma ótima peça.

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Sobre peças de jade e de bronze

Dr. Tanikawa: O senhor ainda não adquiriu obras de jade, não é mesmo? Atualmente eu tenho interesse por tais peças. Em se tratando, porém, de jades e bronzes, aquilo que foi produzido a partir da dinastia Han é fraco, não presta. Quando misturamos peças dos Três Reinos e da dinastia Han com obras produzidas nas dinastias Yin e Chou, ficamos decepcionados. A louça da dinastia Han é vigorosa e apreciável, mas no tangente a jades e bronzes, o que há de bom foi produzido antes da dinastia Han: o demais é imprestável. No caso das obras de bronze, há ainda alguma coisa produzida durante a época dos Reinos em Guerra. Contudo, aquilo produzido a partir da dinastia Han é fraco.

Meishu Sama: Realmente, os bronzes produzidos a partir da dinastia Han são imprestáveis. O que me intriga é a excelência das obras produzidas durante a dinastia Chou.

Dr. Tanikawa: Semelhante julgamento aplica-se às obras das dinastias anteriores Yin e Shang. Mesmo as da Yin são magníficas.

Meishu Sama: Sim, magníficas. A cerâmica, inclusive, foi feita à imagem do bronze. A civilização do período entre as dinastias Yin e Chou era alguma coisa de tremenda, não acha?

Dr. Tanikawa: Este é um dos fatos pelos quais também eu mais me interesso. Afinal, as peças de bronze são utensílios de culto ligados à religião antiga. A partir da dinastia Han, o budismo introduziu-se na China. Portanto, a civilização chinesa divide-se em antes e depois da introdução do budismo. Este floresceu na época da dinastia Wei do Norte.

Meishu Sama: Por tal razão, produziram-se ótimas imagens búdicas durante a dinastia Wei do Norte, não é?

Dr. Tanikawa: Aquela época equivale à Era Asuka japonesa. A Era Nara corresponde, grosso modo, à dinastia T'ang. A arte produzida no

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Japão, na era Asuka, também é vigorosa.

Sobre imagens budistas

Meishu Sama: Que tal lhe parece a arte búdica?

Dr. Tanikawa: Aprecio de tudo. Dentre aquelas três imagens de bronze dourado que o senhor recentemente adquiriu, excetuando-se a que pertenceu ao Sr. Koizumi, são boas. Quando as vi, uma estava classificada como sendo da Era Hakuho, mas achei a da Era Asuka mais bela. Não obstante sua fisionomia selvagem, considerei-a melhor. A imagem tem energia da parte que ia dos ombros às costas, sendo ótima. Já a imagem pertencente a Sanshin Koizumi fica muito a dever. Havia, além disso, entre aquelas quarenta e oito imagens da sala número cinco, rostos assim selvagens como este.

Meishu Sama: Dentre as quarenta e oito, de quais o senhor gostou?

Dr. Tanikawa: Sem o auxílio do catálogo, não posso dizer de lembrança. Todavia, todas, respectivamente, tinham o seu aspecto apreciável. No início, não me simpatizei com aqueles cujas linhas se achavam estranhamente concentradas ou com os de rostos selvagens. Contudo, cada uma das imagens é por si apreciável. Apesar de estarem classificadas como bronze dourado, parece que há entre elas uma de madeira.

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Meishu Sama: As imagens búdicas de bronze dourado esculpidas na Era Suiko são completamente diferentes das da Era Hakuho, não é?

Dr. Tanikawa: O acervo do senhor abrange um vasto número de áreas: é algo que demanda do colecionador um esforço extraordinário. Eu considero uma heresia colecionar um único gênero de coisas. Afinal, tudo está correlacionado.

Meishu Sama: Exatamente.

Dr. Tanikawa: Hoje, talvez em conseqüência do resfriado que peguei, sentia-me deprimido no trem de vinda. Entretanto, não me cansei em ver estas obras de arte.

Meishu Sama: Também eu me ocupo de coisas variadas, mas digo que é especial o gosto que sinto por estes momentos.

Dr. Tanikawa: Isso também acontece comigo. Tenho outras ocupações, mas o tempo para visitar os antiquários é sagrado. Muito obrigado por tudo que me mostrou. Pretendo visitá-lo em outra ocasião, para ver com calma aquilo que me despertou atenção na mostra de hoje do museu. Todos os presentes agradecemos pelo tempo dispensado.

Eiko nº 214 - 24 de junho de 1953

DIALOGAR É PRECISO

(Diálogo realizado em 12 de abril de 1951, na sala de visitas da vila Hekiun-so, de propriedade da família Okada, em Minaguti-tyo, município de Atami.)

(O presente diálogo, travado entre Meishu Sama e o Sr. Musei Tokugawa, foi publicado no semanário Shukan Asahi. Omitimos, contudo, sua parte inicial, por não estar particularmente relacionada com as artes.)

Okada: Em se tratando também de pinturas, há as obras falsas.

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Sente-se mal em vê-las. A gente descobre logo.

Musei: Se bem que depende da força do artista, há alguma coisa incorporada nas obras-primas. Algo que se transmite até o admirador.

Okada: Nas pinturas das dinastias Sung e Yuan, de 1.000 a 900 anos antes, nelas há alma. Quando contemplamos as obras de Mu Hsi e Liang K'ai, mestres da pintura monocromática em tinta nanquim, há algo que, inexplicavelmente, nos atrai. As obras de pintores atuais nada possuem. É, portanto, razoável que a produção das dinastias Sung e Yuan seja valorizada. Dois ou três dias atrás, fui a uma exposição de peças de Sotatsu e Korin: sente-se algo indizível ao ver aquilo.

Musei: Recentemente, alguém de Quioto veio mostrar-me uma pintura de Sotatsu: pardais em bambus. Uma peça excelente, aquela.

Okada: Há muitas falsificações de Sotatsu, mas eu logo descubro pelas emanações espirituais.

Musei: Sotatsu e Korin são geniais. Ouvi dizer que mesmo depois de se ter visto uma exposição de Matisse, continua-se a ter em alta consideração as obras de ambos. Parece mesmo que Matisse tem a aprender com eles.

Okada: Matisse emprega o senso de Korin e a técnica de Sharaku. Foi Matisse quem estilizou modernamente Sharaku e Korin. Não gosto tanto de seus óleos. Há coisa melhor entre os pós-impressionistas. Todavia, seus desenhos são de primeira.

Musei: Há aquela peça em que Matisse retratou sua filha (propriedade do Museu de Artes de Kurashiki), não? Todos elogiam essa obra, mas eu não a entendo. Outro dia, porém, tendo visitado o Sr. Kodo Nomura, vi um desenho de Matisse (Moça) lá. Este eu entendo. Uma ótima peça.

Okada: É que ele expressa muito bem a personalidade por meio de

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linha simples.

Musei: Não estou bem certo se é obra de Mu Hsi ou Liang K'ai, mas há uma pintura em que o monge Pu Tai vê uma rinha de galos. Musashi também pintou o mesmo tema. No original, há árvores no fundo, o que não se verifica na peça de Musashi. Ah, sim! Tenho um caso sobrenatural a contar acerca de uma pintura de Musashi. Eu venho interpretando com freqüência a obra Miyamoto Musashi, inclusive por rádio, e, em vista disso, sempre quis ter uma pintura de sua autoria. Assim, um antiquário veio oferecer-me uma peça. O tema era um marreco entre caniços. Um marreco exuberante. Talvez até um tanto gordo demais. Como era caro, desisti da compra. Entrementes, dois ou três dias depois, o Sr. Eiji Yoshikawa apareceu repentinamente em minha casa na companhia de sua esposa. Era a primeira vez em que recebia sua visita. “Hoje, tenho uma coisa para lhe dar”, disse-me ele. Presenteou-me uma pintura de Musashi. Sem dúvida houve algo naquele mundo que destinara a obra de Musashi para minha casa.

Okada: Em outras palavras, Musashi, satisfeito pelo que você tem feito por ele, em agradecimento, enviou-lhe a retribuição, lá daquele mundo... (Risos.)

(Deu-se prosseguimento a animada conversa sobre assuntos artísticos, durante a apreciação do par de rolos de pintura de Sotatsu intitulados Dragão e Tigre, e da travessa pintada com o tema Pinheiro e Cerejeira Silvestre de autoria de Korin, peças do acervo do senhor Okada. Ou seja, versou-se detalhadamente a respeito de Picasso, Ryusaburo Umehara, Sotaro Yasui, Narashige Koide e Ryusei Kishida, além de Seisho, Taikan e Kokei. Verificou-se a exposição de uma verdadeira teoria das artes, a qual, infelizmente, omitimos.)

Do artigo "Dialogar é Preciso", do semanário Asahi Shukan, de 6 de maio de 1951)

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XI - ENSAIOS

BERNARD SHAW

O recentemente falecido Bernard Shaw, personalidade mais respeitada como um gênio do que como um literato de caráter mundial, era alguém de quem eu gostava imensamente, desde jovem. Em vista disso, pretendo escrever fatos variados que guardo a seu respeito na memória.

Ao avaliarem o velho Shaw, a maior parte das pessoas afirma, quando muito, que ele era um homem sarcástico e pródigo em máximas. Sem dúvida, esta é uma de suas particularidades. Contudo, sempre lamento que o julguem tão somente por tais palavras, sem procurarem suas outras faces. Da minha ótica, jamais houve quem tenha captado com tanta perspicácia a essência das coisas e podido expressar isso com tamanha franqueza Ele enunciava aforismos concisos e extraordinariamente argutos em meio a seus ditos sarcásticos e humorísticos. Ele dizia certeiramente as coisas. Este é um traço de um excelente religioso. Tentarei relatar com brevidade o que lembro dele. Dentre suas obras há o romance O Discípulo do Diabo. Eu vi a representação teatral deste drama: muito interessante e comovente. Eis aqui o enredo. Numa pequena cidade da Inglaterra mora um pastor. Durante a ausência deste, um policial vem bater à porta de sua casa. Sua missão é levar o pastor à delegacia, em virtude de certo crime. Como o pastor não se encontra, o policial revela o caso à esposa dele. Tomada de espanto e pavor, ela não sabe o que fazer. Todavia, acha-se aí presente um jovem, chegado instantes atrás. Deliqüente de notoriedade na cidadezinha, tem a alcunha de "o discípulo do Diabo" — nome que por si só ja diz tudo. Pois bem, sem poder suportar a visão da esposa do religioso a tremer diante do policial, o jovem — impelido sabe-se lá por que impulsos — apresenta-se de súbito ao policial como o responsável pelo crime, dizendo-lhe que o leve preso. Sem pestanejar, já que o comportamento costumeiro do jovem só o desabona, o policial o conduz à delegacia.

A comoção provocada por “O Discípulo do Diabo”

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Entrementes, o pastor retorna à sua casa. Aí, colocado a par dos acontecimentos pela mulher, sua fisionomia se transtorna, a ponto de ser nitidamente visível a sua agonia interior. É que lhe irrompeu no íntimo o sentimento de auto-recriminação perante a sua vilania de espírito, que lhe conduziu a tramar noite e dia a maneira de escapar daquela culpa. No entanto, quem se imolara pelo seu crime, expondo a própria vida, como a escarnecer daquele nefando sentimento? O próprio Discípulo do Diabo! Diante de tamanho denodo, digno mesmo de um homem santo, daquela manifestação de amor, o pastor não pôde esconder a sua vergonha. Ele, que era um apóstolo de Deus, se comportava mais vilmente que o Discípulo do Diabo. Assim, o pastor confessa seu crime à esposa e se encaminha imediatamente para a polícia, a fim de salvar o Discípulo do Diabo, prestando aí seu esclarecimento. Evidenciando-se, então, ser a sua falta de menor gravidade, ele é logo posto em liberdade, voltando à sua casa em companhia do jovem. Acho que a história terminava com o pastor a agradecer e a louvar o Discípulo do Diabo. Quando vi esta peça, fiquei vivamente impressionado, recordando-me dela até hoje.

O teatro burlesco pacifista

A seguir, tem-se a obra As Armas e o Homem, chamada também de O Soldado Chocolate. Escrita após o término da Primeira Guerra Mundial, seu enredo conta a história de um soldado que está estacionado em uma vila e que, à parte de sua missão militar, goza folgadamente o dia-a-dia, distribuindo chocolate às crianças aldeãs a quem ama. Tratando-se de uma peça do gênero burlesco e pacifista, tenho na memória que trazia ditos bem incisivos a respeito dos prós e contras da questão da guerra.

Há, outrossim, a peça O Século XX, que também se passa na Inglaterra do pós-Guerra e retrata a filosofia da época. O personagem central desta obra é um coronel do exército reformado, sujeito durão e de princípios feudais, representante da Inglaterra conservadora. Sua maneira de pensar equivaleria, no Japão, a dos adeptos remanescentes do ideário do período Tokugawa na Era Meiji. Indivíduo assaz teimoso, impõe aquilo que julga correto a todos à sua volta, colocando a sua família em apuros. Em vista disso, seu lar é verdadeiramente sombrio. Todavia, a gente da

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casa zomba deste cabeça-dura, pondo-lhe a língua quando ele dá de costas. De vez em quando, seu filho faz tentativas, conquanto infrutíferas, de mudar seu modo de pensar com idéias modernas. Nesse ínterim, surgem diversos problemas e, aos poucos, o velho vai amolecendo até ser completamente convencido pelo filho. Acho que a trama era essa. Como já se passaram muitos anos, porém, pode haver pontos diferentes: o esqueleto da obra era assim. Ficando por aqui na dramaturgia, passemos a alguns de seus ensaios e aforismos.

O gênio da literatura jamais igualado em franqueza

Sua opinião acerca da comédia é a seguinte. Trata-se a comédia, sem dúvida, do gênero teatral que visa ao riso. Há, todavia, um segredo para provocar o riso. Isto é nada mais, nada menos que a desilusão. Suponhamos termos à nossa frente alguém que passe trajado a rigor, senhor de um magnífico bigode e imponentemente montado num cavalo. Na cena seguinte, esse mesmo indivíduo nos surge montado, mas nú. A desilusão provoca-nos involuntariamente o riso. Assim, Shaw descerra sem hesitação a maquiagem e o ouropel da sociedade, assim como o revestimento das tradições, mostrando tudo nua e cruamente. Este é o segredo da comédia. De fato, o sarcasmo e os ditos de Shaw trazem tal técnica como núcleo. Em resumo, ele não tem papas na língua, pondo tudo a descoberto. Sua franqueza é ilimitada, o mesmo acontecendo com sua personalidade. Eu acredito que jamais houve um literato tão sincero como ele. Seu sarcasmo, pois, não é gratuito. A exposicão da realidade acima é que, por si mesma, constitui um sarcasmo. Conta-se o seguinte episódio. Certa vez, Shaw se achava diante do público ao qual faria uma palestra. Repentinamente, ele disse assim: “Os senhores, certamente, não têm inteligência suficiente para poder entender o sentido do que hoje tenho a dizer.” O auditório, então, explodiu numa gargalhada. Reside nisso o seu misterioso fascínio. Em condições normais, o auditório ficaria terrivelmente enraivecido caso lhe dirigissem tamanha afronta. Acontecer, contudo, exatamente a reação contrária é a evidência do tanto que Shaw era querido do público. Há ainda este episódio. Uma escritora famosa disse-lhe que o filho nascido do casamento de alguém de um cérebro tão notável como ele com ela decerto seria uma criança inteligente. Shaw replicou-lhe, de imediato, que uma

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criança nascida da união de alguém com uma cabeça estranha como a dele com a dona de uma inteligência medíocre como a dela seria, antes de tudo, um inútil. Das suas máximas, a que considero a mais interessante é a que diz que o amor é aquilo imprescindível concedido por Deus para a preservação da espécie... É ou não é espirituoso? Ademais, nunca houve alguém tão confiante em si como ele. Dizem que ele sempre afirmava o seguinte. “Shakepeare é tido como o maior escritor da Inglaterra, mas, na verdade, o maior sou eu.” Ele não estava, com isso, se vangloriando ou blazonando, em especial. Estava tão apenas manifestando honestamente aquilo que pensava. Quando ditas por ele, expressões que poderiam parecer megalomaníacas não continham nenhuma malícia, sendo aceitas de bom grado. Nisto residia a sua grandeza. É possível entrever também a importância de sua existência no fato de, em idade avançada, ele ser consultado pelas autoridades inglesas sobre vários problemas surgidos no país. Trata-se de uma das grandes personalidades do século vinte.

Eiko nº 78 - 15 de novembro de 1950

VIAGEM AOS ALPES

Há mais de vinte anos, quando então a febre do alpinismo estava no apogeu, tendo como meta o monte Yarigatake, dos Alpes Japoneses, fui, em companhia de minha mulher, de trem até Matsumoto, província de Nagano, passando por Ohmachi, e chegando à estação termal de Nakabusa. O engraçado é que minha mulher teve de se valer dos serviços de carregadores, uma légua antes de Nakabusa, já que seria desarrazoado, por sua condição feminina, escalar as sendas íngremes das montanhas. O meio de transporte oferecido por tais carregadores profissionais constava de uma caixa de madeira na qual a pessoa se sentava de costas, agarrando-se a um varal que passava na altura dos olhos: uma pose um tanto quanto estranha, que chegava a provocar gargalhadas. Há mais um fato engraçado. Percorria-se de jinriquixá o caminho de duas ou três léguas que dá até o sopé da montanha, depois de se ter passado por Ariake, vindo-se de Ohmachi. Sabem o que ia correndo na dianteira, puxando a corda guia? Um cachorro enorme!

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Os turistas da estação termal de Nafusa eram, em sua maioria, alpinistas. Aí, tomando conhecimento de que a escalada era pesada para mulheres e crianças, deixei minha esposa numa hospedaria, partindo pela madrugada, em companhia de um guia, rumo à montanha. Às dez horas, atingi a casa de chá do monte Tsubakuro, a 1.500 metros acima do nível do mar. Daí até aonde a vista alcança, vislumbra-se uma cordilheira de rochas, cujas reentrâncias guardam uma neve alvíssima e milenar. A vista primeira deste majestoso panorama, que resplandecia à luz do sol, deixou-me muito mais que encantado: fiquei abismado. Até então subira em muitas montanhas; nenhuma, porém, comparável aos Alpes. Não tenho mesmo palavras com que adjetivá-los.

A partir daí, o caminho ganhava gradual aclive. Com a visão dos montes Jonen e Daitenjo à esquerda, atingi, lá pelo meio-dia, uma cabana. Aí, depois de almoçar, continuei a subir por um caminho que, à medida em que avançava, se tornava mais e mais íngreme, até dar em uma senda conhecida como "o caminho novo de Kisaku". Tratava-se de um atalho preparado por um guia então famoso, de nome Kisaku. Talvez por tal razão apresentava lugares bastante perigosos. Um desses tinha à sua direita um paredão de rochas e à esquerda um precipício tão profundo que provocava vertigens só de se olhar. Aqui, a largura da trilha era, quando muito, de uns sessenta centímetros. Estendia-se por uns três metros. Titubiei por algum tempo. Se não atravessasse por ali, todavia, não haveria meio de prosseguir. Se retrocedesse, o caminho a percorrer seria demasiado longo. Com a exata sensação de estar entre a cruz e a caldeirinha, reuni toda a minha coragem, então, e comecei a travessia. Nem é preciso dizer que me grudei ao paredão de pedra, abrindo os braços, como um morcego e, com enorme cautela, fui avançando de lado, à moda dos caranguejos. Conseguindo finalmente atravessar, senti ter cruzado o limite entre a vida e a morte. Para que os leitores tenham uma idéia da coisa, relato que os jovens estudantes que escalavam as montanhas preferiam andar o quanto fosse preciso para evitar, na volta, esse pedaço da trilha, pelo qual prometiam nunca mais passar. Daí em diante a encosta ia aumentando o seu aclive. Meu destino, o pico Yarigatake, erguia-se imponente no distante céu do poente.

Como faltava apenas um pouco mais, cerrei os dentes com todas as

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minhas forças e, quando a umbrosidade começava a tomar conta do ambiente, finalmente me vi em cima do cume. Depois, quando cheguei à cabana a que dão o nome de Sessho, eu não me aguentava mais de esfalfado. Também não era para menos: o percurso de Nakabusa até o pico do monte Yarigatake perfaz treze léguas! Isso significa que escalei em um só dia o que normalmente exige dois. Mesmo o príncipe Chichibu, conhecido naquela época por seus dotes desportivos, levou dois dias. Pode-se afirmar, portanto, que eu fiz uma verdadeira imprudência. Comi, então, meu lanche e me deitei. Embora fosse meados de agosto, o solo revestia-se inteiramente de neve e fazia um frio tremendo. Além do mais, o assoalho de táboas da cabana estava apenas uns quinze centímetros acima do solo. Era impossível dormir, em decorrência do frio, uma vez que a única coberta era tão somente um alcochoado fininho, deitando-se em um colchão que tinha por baixo uma esteira e o assoalho de táboas emparelhadas sobre uma base de troncos. Naturalmente, mantinha-se o fogo aceso por todo o tempo, mas de nada adiantava. Como se não bastasse, tinha-se apenas um colchão de 1,80 metro quadrado para três pessoas dormirem! Eu me deitava ladeado por dois estudantes. Por nenhum dos três conseguir dormir, ficávamos a remexer, fato que impedia ainda mais que pegássemos no sono: um verdadeiro suplício. Sem que fosse possível tirar um cochilo, amanheceu. Começando a entrar pela janela a claridade do dia, saí para lavar o rosto. Próximo, havia uma pia tosca entre as rochas. Em decorrência, porém, do local tratar-se de uma montanha de mais de três mil metros de altitude, de água, não se tinha sequer uma gota. A água para a higiene era obtida da neve derretida no fogo: imaginem, aqui, um gato a lamber a pata e passá-la na cara. Foi assim que me lavei. Aspirando à vontade do ar alpestre puríssimo da manhã, dirigi minha vista para o distante céu do nascente. Ao longe, o contorno das montanhas que ligam Asama a Kiso delineava-se nítido por sobre extenso um tapete nebuloso, à luz do sol prestes a emergir de entre as nuvens. Mais atrás, dominando a cadeia de montes, a silhueta imponente do Fuji, como um rei, proporcionava um panorama maravilhoso. Acredito que esta aurora contemplada dos Alpes superou mesmo o espetáculo do nascer do sol que, posteriormente, vi de cima do mesmo Fuji.

Curiosamente, quando fiz meu registro no livro de hóspedes da

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cabana alpina, averiguei que a maior parte deles estava na casa dos vinte anos, sendo raros os de trinta; a única pessoa de quarenta e tantos anos era eu apenas. Senti, então, uma pontinha de orgulho.

Terminada a refeição matinal, fiz uma escalada de duzentos a trezentos metros, atingindo o penhasco denominado Yarino Hosaki (Ponta de Lança). Como o próprio nome diz, é um rochedo que se ergue por uns dez metros, tendo o formato cônico e a ponta aguçada.

Objetivando atingir o seu topo, agarrei-me a ele, subindo cerca de um terço de sua altura. Daí em diante, porém, sua superfície tornava-se ereta e correntes pendiam do cume. Para escalar, era preciso agarrar-se a elas, mas minhas mãos se achavam entorpecidas pelo frio. Se acontecesse de um dos pés, que se apoiavam na parede da rocha, resvalar, ficaria dependurado, tal era a constituição do penedo. Isto é, o ângulo formado por aquele lado da parede da rocha com o solo era mais para agudo do que propriamente reto. Conforme me informaram, no ano passado um estudante do Colégio Municipal de Sendai morrera ao despencar daí. Perdi a vontade de ir até o fim. Resultado: desisti e retornei ao sopé. Constatei, então, que, de cinco pessoas que tentavam a escalada, apenas uma ia até o fim. Na volta, opostamente ao sucedido no dia anterior, a empresa tornara-se bem mais fácil, pois bastava descer. Entretanto, também topei mais uma vez com a linha divisória entre a vida e a morte. Tendo descido cerca de uma légua, fui dar com uma vale nevado. Aqui, devia-se descer gradualmente, com o auxílio de uma bengala a sondar a superfície da neve. Assim fazia eu quando, não sei como, pisei em falso. Diferente da neve macia das regiões de baixa altitude, a do vale era neve eterna, duríssima, portanto. Como o declive era acentuado, fui escorregando com velocidade acelerada. Instantaneamente, resignei-me com o fim que eu teria. A morte, na certa. Foi então que, decorridos uns vinte ou trinta segundos de derrapagem, senti que Deus ainda não me abandonara: a superfície tornou-se algo plana e surgiu uma pequena rocha. Enganchando meus pés nela, pude parar. A alegria que experimentei naquele instante constitui uma emoção que jamais poderei esquecer por toda a minha vida. Entrementes, sobrava ainda um pequeno pedaço do vale para atravessar. Daí em diante, segui com cautela acima de cautela, tateando o caminho como uma formiga ao andar. O que

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me assombrou, então, foi a descoberta da existência de enormes fendas por aqui e acolá, na face da neve. Olhando temerosamente para o interior delas, era impossível visualizar o seu fundo, de tão escuras que eram. Sua profundidade era incalculável, levando-se em conta sua formação entre a neve que se acumulara por milhares e dezenas de milhares de anos: neves eternas, como o próprio nome indica. Ao imaginar que eu poderia ter ingressado no repouso perpétuo a uma profundidade de centenas de metros debaixo da neve, se tivesse me precipitado por acaso em uma daquelas fendas, passei um bom bocado de tempo a tremer de pavor.

Pelo meio-dia, chegando à cabana de Yarisawa, almocei. Dando continuidade à descida, cheguei um pouco depois às margens do rio Azusa. Em alguns pontos, quando o curso d'agua dobrava-se em curva, havia um tronco de árvore atravessado, à guisa de ponte. Para quem não está habituado, passar por semelhantes pinguelas constitui uma empresa deveras arriscada. Olhando-se para baixo, a uma distância de uns quatro a seis metros a correnteza avança célere traçando redemoinhos. Sem outra solução, eu me encavalava no tronco e me enlaçava a ele com ambos os braços, atravessando vagarosamente, como uma larva a rastejar. Creio que me deparei com umas quatro ou cinco pinguelas assim. Terminada essa travessia, cheguei ao lugar dos meus sonhos — Kamikochi. A extensa floresta que recobre o local jamais fora desbravada por nenhum machado: pairava aí, poderosa, a atmosfera alpina. A paisagem apresentada pelo viço de árvores e ervas jamais vistas tornava o lugar um mundo completamente à parte do dos homens. Tive a impressão de que a qualquer momento, de súbito, surgiria à minha frente um ermitão mago de longos cabelos brancos. Acho que os leitores poderão ter uma idéia com essa adjetivação. Contudo, atualmente, com a construção de hotéis, parece que houve um grande desmatamento. Não restará muito daquela sensação de se quedar numa região mágica, que outrora experimentei. A tempo, ia esquecendo-me de notar que a beleza paisagística oferecida pelo rio Azusa é também difícil de se desprezar. Pelo curso d'ãgua, existem deltas nos quais crescem salgueiros-chorões de exuberante verdura. Elevando-se a vista por sobre essas árvores, o vulcão Yakedake, avermelhado, surge ao longe com sua silhueta suave. Outrossim, contemplando o céu à esquerda do vulcão, por detrás do desfiladeiro de Tokumoto, depara-se com dois picos íngremes

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que se erguem ao longe: o Maehodaka e o Okuhodaka. São montanhas famosas pelo número recorde, nos Alpes, de vítimas que fazem entre os escaladores. Finalmente, cheguei à hospedaria Shimizuya, também conhecida pelo nome de Termas Gosenshaku, onde logrei recuperar-me do cansaço que me tomava desde o dia anterior. As águas termais daquí, na verdade, são água mineral artificialmente aquecida. No dia seguinte pela manhã, dirigi-me ao rio Azusa para lavar o rosto. Fiquei a tremer por causa de sua água fria como gelo. Decerto foi a primeira vez na vida que tomei água tão saborosa como aquela. Segundo soube, é porque ela corre depois de ter passado por uma camada de granito. Posteriormente, atravessei o desfiladeiro de Tokumoto, tomando carona num caminhão de obras, no meio do percurso. À tardinha, cheguei em Shimashima, retornando, pelo trem da linha Chikuma, para Nakabusa, de onde voltei para Tóquio em companhia de minha mulher, que aí ficara à minha espera.

Ensaios - 30 de agosto de 1949

De Okunikko a Shiobara

Passei a ter gosto pelo alpinismo a partir dos quarenta, escalando, a cada oportunidade, numerosas montanhas. Na verdade, passei a fazer isso também a fim de recobrar minha saúde. Subi em quase todas as montanhas das vizinhanças da região de Kanto, e passo a relatar uma das experiências mais interessantes que vivi naquela época.

Em 1923, ou seja, no ano do grande terremoto de Kanto, em meados de agosto, planejei a travessia da região de Okunikko até as águas termais de Shiobara. Naquele tempo, servi-me dos préstimos de um guia afamado de Okunikko, de nome Miyakawa. O itinerário inicial previa um pernoite na estação termal de Kawamata, distante cinco léguas de Yumoto, e outro na de Yunishikawa, distante sete léguas dessa última, terminando em Shiobara. Conforme o programado, cheguei pelo meio-dia à estação de Kawamata. Todavia, como este é um dos locais mais sossegados da cabeceira do rio Kinu, além de uma única hospedaria não havia qualquer outra habitação. Os penhascos que aí se soerguem, a correnteza azul entre os vales e tudo o mais fazem da região um verdadeiro país dos imortais das

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antigas lendas chinesas, apartado das impurezas mundanas. No meio do caminho, havia locais em que se fazia necessário escalar a encosta das rochas com o uso de sandálias de palha, de modo a não escorregar, e raramente se encontrava com gente trajada nos moldes urbanos. Escusado dizer que, nas termas, o banho era misto. Estava eu inicialmente a me banhar sozinho, quando entrou um grupo de três mulheres, aparentando ir pelos trinta anos. Elas entraram na banheira como se não ligassem para a minha presença, fato que me colocou meio desconcertado. Entretanto, uma delas puxou conversa: "O senhor veio de Tochigi?" "De Tóquio" — respondi eu — "E vocês?" "Da cidade tal de Tochigi. Ouvimos dizer que esta fonte tem a propriedade de propiciar a fecundação." Assim teve início uma conversa animada em torno de assuntos variados. Tratou-se este também de um dos episódios difíceis de esquecer, que mitigou a melancolia de meu giro solitário pelas estações termais afastadas.

Às oito horas da manhã seguinte, parti daquela estação com destino a Yunishikawa, sendo que isso foi o ensejo para vários acontecimentos dignos de nota. Daí em diante, atravessei montanhas atrás de montanhas e, à medida em que avançava, as florestas se adensavam mais e mais e o caminho se tornava cada vez mais indistinto. É que as folhas das árvores caídas anos a fio se acumularam e encobriam as trilhas, não existindo rastro algum. Foi quando o guia Miyakawa falou: "Errei o caminho. É que há pouco, quando verifiquei a indicação da rota, o poste da direção de Yunishikawa estava caído. Não sei como pedir desculpas. Infelizmente eu me esqueci de trazer um mapa e, por isso, talvez vamos ter que passar a noite fora hoje." Fiquei preocupado, mas por não ser mais possível voltar atrás, preparei-me para o que desse e viesse. Passado algum tempo, Miyakawa parou de repente e disse: "Temos urso pela frente. Estas são pegadas de urso e, pelo visto, deve ser um animal bem grande. Terá para mais de seus oitenta quilos." Eu me assustei e o interpelei: "Não tem perigo?" "Trago esta faca (um sabre da Marinha) comigo, o senhor pode ficar descansado." Assim, pondo-me um pouco mais tranqüilo, disse-lhe: "Por via das dúvidas, vamos nos alimentar agora." Sentamo-nos, então, numa pedra da beirada do caminho e nos pusemos a comer a matula. Por aquelas cercanias crescia em grande profusão touceiras de um tipo de bambu miúdo de onde, de vez em quando, vinha um farfalhar de folhas.

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Perguntando a Miyakawa se não era o tal urso, ele me explicou: "São coelhos do mato que existem aos montes por aqui." A resposta me deixou sossegado. Terminado o almoço, retomamos nossa caminhada sem rumo. Depois de duas ou três horas andando, senti sede. Era uma sede insuportável, mas, em virtude da altitude do local, não havia água. Eu me fiava em que, atravessada "aquela" montanha, encontraria água, mas nem sombra. Passada mais uma que se vislumbrara ao longe, nada... Cruzando, assim, quatro ou cinco montanhas, a altitude ia caindo gradativamente e, afinal, encontrei um fio d'água que caía até à beira do caminho. Exultando de alegria, bebi até fartar, saciando a sede. Agora, com as energias renovadas, continuei a andar. O sol, então, começava a cair detrás das montanhas do poente e os quatro pontos cardeais eram encobertos pela neblina. Eu havia andado perto de umas dez léguas, em dez horas, desde às oito da manhã. Durante o percurso, não encontrara viv'alma a quem pudesse perguntar o caminho, pelo que se pode fazer idéia de quão erma era a região. Tendo-me determinado a passar a noite ao relento, caso, depois de andar mais um pouco, não encontrasse alguém, entreviu-se, afortunadamente, por entre as árvores ao longe, um telhado de palha. Ao me aproximar da cabana, aliviado, vi que era um abrigo de lenhadores, no qual se encontravam uns três ou quatro indivíduos mal-encarados. Ao explicar-lhes a situação, eles ofereceram pouso por aquela noite. Como, no entanto, eu não me sentia disposto a pernoitar ali, pelo receio que o ambiente inspirava, especulei mais e soube que descendo a montanha, cerca de uma légua, encontraria uma aldeia na qual, apesar de não haver hospedaria, poderia obter pouso com o prefeito. Assim fiz, mas o prefeito desculpou-se, alegando que não poderia atender-me por estar com doente em casa. Acrescentou, todavia, que uma légua e meia adiante havia a estação termal de Yunohana. Graças a Deus, pensei, pondo novamente a arrastar os pés exaustos. Afortunadamente, sendo noite de luar, pude, afinal, chegar a Yunohana. Examinando a sola do pé, constatei que estava coberta de calos de sangue. Também pudera: eu andara um total de treze léguas! De qualquer forma, eu tomei um banho e me senti renascido. Pelo que soube, ao local quase não vinham pessoas da cidade, e o dialeto daí era meio ininteligível. A transmissão da vontade era conseguida com alguma dificuldade graças à tradução de Miyakawa. A empregada entrou no quarto e de pé mesmo começou a falar algo. Perguntei: "Você tem cidra?"

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"Cidra?...Num sei o que é isso, não..." — por aí pode-se ter idéia do resto. Servido o jantar, o que havia era uma porção de cogumelos desconhecidos, que não consegui engolir. Pedi um ovo e assim, a custo, terminei meu jantar. Querendo saber qual a estação de trem mais próxima, obtive a informação de que era Aizu-Wakamatsu, distante vinte e três léguas. Isso me deixou desanimado. Perguntei como se ia a Aizu-Wakamatsu. Responderam-me que de carroça. Quis saber, então, a distância até Shiobara. Disseram-me que era de dezessete léguas, mas que não se dispunha de carroça. Fiquei indeciso, mas determinei-me a seguir o itinerário inicial, ou seja, ir até Shiobara. Na manhã seguinte, como eu não conseguisse andar, pela dor causada pelas bolhas das plantas dos pés, pedi que me fornecessem um cavalo. Queria dizer para os senhores que era eu a própria figura da imponência de cima do animal, mas por se tratar da primeira vez em que eu montava, fiquei todo desengonçado, quando o cavalo partiu. Entrementes, dezenas de enormes moscas e mutucas apareceram em bando em volta da montaria, a qual os afastava com o movimentar incessante do rabo. Como os humanos, porém, não foram dotados de cauda, vi-me em apuros. É que os insetos picavam-me por cima das meias, ocasionando uma tremenda coceira. Arquitetei, então, um artifício: quebrei uns galhinhos de árvore e coloquei-os em torno das pernas. Isso apresentou algum efeito, mas aconteceu que as moscas começaram a se ajuntar nas costas do cavalo, fazendo com que este quisesse empinar-se. Comecei, então, a matar os insetos, batendo-lhes com meu leque. Assim, venci por fim seis léguas de caminho, dando em certo vilarejo. Desse local em diante, o caminho tornava-se aclive, podendo-se ir de cavalo somente até aí. Sem opção, tive que devolver o animal. Meu leque ficara completamente sujo de sangue e em frangalhos, por eu ter matado uma porção de moscas com ele.

A partir dalí o caminho ficara ascendente, mas, por sorte, as bolhas dos pés haviam melhorado consideravelmente, e eu passara, de algum jeito, a poder andar. Em cerca de uma hora venci o desfiladeiro. Depois disso, o percurso eram sendas comuns de montanhas. Próximo do pôr-do-sol, cheguei a uma aldeola miserável, de nome Miyori, formada de vinte a trinta casas. Procurando um local para hospedar, informaram-me que existia uma hospedaria. Dirigindo-me a ela, perguntei se havia vaga. Disseram estar

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lotada. Decepcionado, mas sem poder dormir ao relento, expliquei bem a situação, pedindo que me ajudassem. "Bem, sendo assim...", disseram, conduzindo-me a um compartimento onde se espalhavam casulos de seda, após terem feito uma arrumação. Só então pude massagear meus pés esfalfados. Inquiri à senhora que parecia ser a dona do estabelecimento: "Ouvi dizer que a casa está lotada, mas tudo está quieto demais." Respondeu-me ela: "Temos apenas um quarto de hóspedes, e ele está ocupado com um hóspede". Sem querer, dei uma gargalhada: assim parecia uma privada!... Foi engraçado também um homem, talvez o empregado da casa, sair depois de anunciar-me "Meu senhor, vou agora pegar o jantar, sim?" Ele voltou daí a pouco, dizendo ter pescado kajika. Espiando os peixes, vi que eram uma espécie de muçurango. Os peixes foram logo preparados, revelando serem de ótimo paladar. A tranqüilidade demonstrada pelo ato de se ir pescar no córrego próximo o peixe do jantar, depois de o hóspede ter aparecido, tratando-se de algo característico de uma aldeia afastada, suscitou em mim um sorriso.

Na manhã seguinte, pedi um cavalo para ir a Shiobara, com base na experiência do dia anterior. O condutor do animal — pasmem — era a dona da hospedaria. Tendo montado e após ter caminhado um pouco, o cavalo, que era branco, pareceu-me extremamente velho. Minha suspeita foi confirmada pela senhora — de fato, era um velho, ou melhor, um cavalo velho — colocando-me algo ressabiado. Uma légua mais tarde, o caminho se estreitava, adquirindo a largura de um metro e vinte: à esquerda erguia-se um paredão de rocha, à direita, precipitava-se um vale profundo, que provocava arrepios só de se olhar. A senhora disse: "Mais um pouco e chegaremos a um lugar perigoso. Cuidado com o cavalo, pois, se ele se espanta, há risco de despencar no precipício." Assustado, quis saber se alguém já caíra antes. "Há três anos, duas pessoas caíram com cavalo e tudo. Todos morreram." Foi a resposta que tive. Desmontei e pus-me a andar. Avançando mais uma légua, fomos dar num caminho de uns quatro metros de largura, onde voltei a montar de novo. Tendo andado algumas centenas de metros, o caminho virou uma descida um tanto brusca. Quando comecei a descê-la, senti que o animal deu com os joelhos no solo. Nesse exato momento, fiz uma reviravolta completa, num salto mortal, indo bater violentamente com os quadris na beira do caminho. De fato, se este fosse

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estreito, poderia ter sido o meu fim. Ao pensar nisso, fui assaltado por enorme terror. Perguntei, então, à senhora quanto faltava para chegar em Shiobara. "Uma légua e meia", respondeu-me. Ela insistiu comigo para que eu montasse novamente. Eu, todavia lhe disse, entregando: "Eu pago o prometido, mas tenha a paciência." Completei a pé a légua e meia restante, chegando em Shiobara pelo meio-dia. Almocei numa hospedaria de Shionoyu, depois do que voltei para Tóquio. No turno que fizera, passei por duas ocasiões perigosas. Uma foi o tombo do cavalo — que acabei de descrever — já que um dos lados do caminho era um paredão de rocha de várias dezenas de metros que se acabava numa correnteza. Outra foi na ida para as termas de Yunohana, durante a travessia do Monte Tashiro, em Aizu. Segundo me informaram, na hospedaria de Yunohana, o monte Tashiro é raramente visitado pelo pessoal nativo, que lhe tem medo em razão dos ursos que ocasionalmente lá aparecem. Eles se assustaram com minha imprudência. Eu, ignorante do fato, suei em bicas, ouvindo os casos que me contaram.

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As Termas de Yunishikawa

No verão de certo ano, saí com destino às Termas de Yunishikawa — entre Okunikko e Shiobara — às quais não conseguira ainda visitar. No meio do percurso, almocei nas termas de Kawaji, em Joshu, e daí me adentrei perto de légua e meia nas montanhas. Tendo atravessado uma ponte sobre uma correnteza, tomei um carro de boi antecipadamente providenciado. Com vagar bovino — foram gastas seis horas para vencer quatro léguas — cheguei a Yunishikawa no entardecer. O lugar não merece maiores referências, pois se trata de uma estância termal vulgar, às margens de um vale. Pretendo escrever, porém, a respeito do significado da vila de Yunishikawa.

Esta vila, desde suas origens, baseia-se no sistema patriarcal, sendo constituída de sessenta famílias e uma população de novecentas e tantas almas. Seus moradores são descendentes da antiga família de guerreiros Taira. Pelas coisas que a camareira da hospedaria me contou então, soube

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que os seus donos eram a família principal da vila, gerindo todos os assuntos administrativos. Registro aqui o conteúdo principal da conversa com a moça. Pelos tempos da derrota da família Taira na guerra contra a família Minamoto, os primeiros se dispersaram por todos os cantos. Dentre eles, um grupo de trinta pessoas logrou escapar para as grutas destas montanhas. Em vista da feroz perseguição que lhes foi movida pelos homens do lado dos Minamoto, eles cruzaram montanhas atrás de montanhas, escolhendo este logradouro, por lhes parecer inatingível pelos perseguidores. Com o correr dos séculos, surgiu a atual vila. Lugar deveras ermo, dificilmente visitado pelos moradores dos centros urbanos.

Na época em que os primeiros moradores vieram para aqui, não havia o que comer: eles puderam mitigar muito mal a fome, alimentando-se de raízes de araruta. Ademais, fato admirável é a completa inexistência de doentes na vila. A única exceção é um senhor que sofre de paralisia, pelo vício da bebida em demasia. Naturalmente, não existe também uma única vítima da tuberculose. Conforme a garota me informou, os moradores daqui nunca tomam seus cônjuges de locais mais distantes que Nikko, e, além do mais, quase ninguém vai a centros como Tóquio. A razão, ela me explicou, é que quem vai a Tóquio fica enfermo do pulmão. A vila, curiosamente, não conta com serviços médicos e seus moradores são vegetarianos convictos. Nos riachos das vizinhanças há trutas e ayu, mas eles jamais fazem caso desses peixes. Como seus ancestrais não se alimentavam de pescado, dizem, não sentem especial vontade de comer isso. Pode-se, portanto, fazer idéia do quão genuíno chega a ser o seu vegetarianismo. Por semelhantes fatos, também, é possível deduzir o quão saudável são o não uso de medicamentos e o vegetarianismo. Isso comprova minha tese e é extremamente interessante.

Com respeito a isso, acontece o seguinte. Ocasionalmente, o governo da província manda à vila funcionários para fazerem a vacinação contra o tifo e outras doenças. Os aldeões, então, somem. Justificam que, sendo vacinados, sofrem com febre alta por mais ou menos três dias. Soube, ademais, que não há ocorrência de tifo por já muitos anos. Não obstante, a província envia seus funcionários para vacinação em decorrência da legislação sanitária. Considero extremamente ridículo o

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funcionamento do serviço público: impõem eles vacinação a uma vila que desconhece moléstias contagiosas, exclusivamente porque assim manda a legislação, arcando com gastos inúteis e comprando o rancor da população.

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XII - ENTRETENIMENTO

CANÇÃO

Escreverei um pouco também sobre as canções. Como é do conhecimento geral, antigamente as canções eram denominadas joruri, em Osaka, e gidaiyu, em Tóquio, ocupando estas papel preponderante. Jamais me esqueço: lá pelo início da década de dez (início da Era Taishô), a famosa intérprete Rosho Toyotake vinha mensalmente de Osaka para participar do programa Reunião de Mestres, do Teatro Yurakuza. Ela, sim, era dona de verdadeira mestria, fazendo jus ao título. Eu, na verdade, não gostava do gênero gidaiyu, no entanto, Rosho era exceção: não podia deixar de ouví-la. Assim, sempre que ela se apresentava, eu ia até o Yurakuza para ouví-la. Sua voz maviosa, sua entoação e tudo o mais eram inexplicavelmente belas. Naturalmente, sua especialidade eram as peças amorosas. Sem dúvida, jamais haverá alguém dono de tamanha mestria. Graças ao estímulo dela recebido, fiquei com vontade de aprender gidaiyu, começando a treinar sob a orientação de certo professor. Continuei por volta de um ano, mas acabei por largar com o grande terremoto que assolou a região de Kanto. Ela faleceu pouco depois, ainda jovem, o que foi uma verdadeira pena.

Naquela época, às vezes eu ia ouvir as intérpretes Shogiku e Shonosuke, que se apresentavam nas casas de espetáculos de Tóquio. Dentre os intérpretes masculinos, havia um chamado Asadayu, cuja especialidade eram as canções amorosas. Eu gostava dele e ocasionalmente ia ouví-lo. Quando, da região de Kansai, Datedayu e Nanbudayu vieram a Tóquio, fui assistí-los em duas ou três ocasiões.

Ultimamente, a viola de Chikuzen acabou por cair de moda, mas antes gozava de bastante popularidade. Parece ser universal o fenômeno de as coisas entrarem em decadência com a ausência dos grandes mestres. Dizem com freqüência que a luta de sumo tomou grande impulso com o surgimento de alguém fortíssimo como Futabayama, e eu concordo em absoluto com tal afirmação. Citarei Kyokuran Takano, de Hakata, como tocadora de viola de Chikuzen das primeiras duas décadas deste século.

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Deve ser ela incluída entre os grandes mestres da arte. Em vista disso, o volume de discos seus vendidos alcançou um número considerável. Como intérprete masculino, citaria Takamine Chikufu, pai da atual artista de cinema Mieko Takamine. Sua melodia original, aliada à sua bela voz, difundiu sua fama. Depois dele vem Kyokujo Toyoda. Quanto à viola de Satsuma, Kinjo Mito e Kinshin Nagata tocam muito bem. Eu, todavia, prefiro a viola de Chikuzen.

Hoje, a rainha das canções é o gênero nagauta. Outrora, também esta modalidade servia exclusivamente como acompanhamento para peças teatrais. O grande mestre de então era Ijuro Yoshimura. Sua bela e possante voz ressoava por todos os cantos do amplo salão de teatro kabuki. Ainda agora é-me impossível esquecê-la. Com o aparecimento do quarto sucessor de Kosaburo Yoshizumi, sua voz, conjugada às cordas de Jokan Kineya, não somente viabilizou que esta assumisse forma independente da arte teatral, como possibilitou a fundação da Associação Kensei, conduzindo o gênero nagauta ao sucesso que hoje goza. Por tudo isto, o seu mérito é extraordinário.

Ademais, guardo na memória os intérpretes Rinchu da escola Tokiwazu e Enjudayu, da escola Kiyomoto. Tinha eu predileção particular pela escola Shin-nai, gostando, quando jovem, da cantora Wakatatsu e do cantor Sicho — ambos cegos. À parte, havia ainda Kagadayu, muito ouvido, embora não pudesse ser considerado de grande mestria. Depois, com o aparecimento do rádio, citaria, dentre outros, Bun-ya Okamoto e Suzu Kaga, muito bons. Eu, contudo, preferia sem dúvida alguma Mikimatsu Yanagiya, da escola Shin-nai. Não é exagero classificá-lo como o maior mestre desta escola.

A seguir, muito embora não se trate de canção, não será inútil escrever algo sobre as narrações épicas e cômicas. Quando jovem, ouvi bastante as duas modalidades. Eu gostava de ouvir, dentre os narradores antigos, os primeiros Roshu, Hakuzan e Teikichi, Hakuchi Shorin, Hakuen, Tenzan, Joen, Hajime Murai, Jakuen, Enrin e outros. Conquanto não desfrutasse de grande fama, havia um narrador chamado Nanso, de cabeça raspada. Ele poderia ser considerado, antes de qualquer outro, próximo da

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mestria. Sua interpretação da epopéia do xógum Hideyoshi Toyotomi era única, sendo que certa vez eu fui ouví-la durante vinte dias seguidos. Havia, outrossim, outro — este originário dos meios amadorísticos de nome Kokuen Moribayashi: sua técnica, como a de Nanso, beirava as raias da mestria. Da época que seguiu ao aparecimento do rádio, dentre aqueles que podem ser citados como quase mestres, temos o segundo Hakuzan, Hakukaku e Teizan. Os recentemente falecidos Hakuryu e Rozan também eram muito bons. O terceiro Teizan, Teikyo, e Teijo são ainda muito bons e muito prometem. Como se vê, a decadência do gênero narrativo épico é gritante: seu futuro é preocupante.

A seguir, quanto às narrativas cômicas, enumeraria, dentre os narradores antigos, os seguintes: En-yu, Ensho, Shinsho, Saraku, Kokatsu, Kosanji, Enzo, Kingoro, o primeiro Kosan, Sangoro, Tsubame e Baraku, dentre outros. Com relação aos contadores de histórias de costumes, três estariam próximos da mestria: Encho, Enkyo e En-u. Também incluiria entre os mestres Enshi, um contador da época especializado em casos de assombração. Devo enumerar ainda como mestre um contador dos dias de hoje: Kingoro. Kingoro é o melhor contador de narrativas cômicas entre os que até hoje ouvi. É lastimável que ele tenha virado um ator teatral e não seja mais possível apreciar suas excelentes narrativas cômicas. Atualmente, dentre os contadores que se apresentam no rádio, há os antigos como Ryukyo, Shozo, Kimba, Gontaro, Madoka, Momotaro, Bunji, Emba, Umesuke e outros, novatos bastante promissores. Pode-se apostar no futuro de Shinsho, Kasho, Ryuko, Ensho e Chiraku.

Havia, além do mais, um mestre do gênero da anedota. A falecida Miss Wakana era sem dúvida uma mestra. Como anedotista do gênero caricatural, eu apontaria Shiro Otsuji em primeiro lugar.

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A ARTE DE DANJURO

Desde outrora apareceram muitos mestres sobre a face da Terra. Todavia, fica evidenciado pelo fato de existirem muitíssimos poucos

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mestres verdadeiros que consiste tarefa dificílima tornar-se um deles. Penso eu sempre assim. Em certo sentido, a contribuição deles para com a humanidade é incomensurável e, por isso, nós lhes devemos ser gratos. Diria, outrossim, que o mestre é o fruto do esforço do gênio; o resultado do esforço do medíocre é tornar-se alguém hábil. Contudo, por mais alto o estágio a que atingiram os mestres do passado, por não contar com meios de conhecer isso, farei gradualmente minha apreciação daqueles mestres que vi e ouvi até os dias presentes.

Dentre os mestres que ainda hoje não consigo esquecer, há, no teatro, o nono Danjuro. Sua reputação de mestre é por demais conhecida, não havendo, portanto, necessidade de eu fazer comentários a seu respeito. Destarte, porei aqui apenas as impressões daquilo que vi. Não me esqueço. Tinha eu uns vinte anos. Provavelmente a época em que Danjuro se encontrava no apogeu de sua carreira. Posso dizer que eu assistia unicamente as dezoito peças que compunham o repertório da família Ichikawa. Creio que ele depois de velho não se apresentava senão em peças intermediárias. Como mestre, a característica de sua arte era bastante distinta da dos demais atores: ele ficava completamente imóvel ao se apresentar no palco. Sua arte é classificada como sendo a da expressão psicológica. Realmente era assim. Quase não havia movimento; inexistia o que se pudesse chamar propriamente de técnica. No entanto, ele magnetizava inteiramente a platéia: um verdadeiro mestre. Dizem que nenhum outro ator era capaz de criar no palco tensão como a que ele criava. Também isso é verdade. Vou descrever aqui as impressões que tive de umas duas ou três apresentações suas.

Ele adorava fazer papéis de heróis e grandes personagens, talvez numa manifestação de sua personalidade. Dentre as interpretações que assisti, eis as mais inesquecíveis: o Benkei, da peça Lista de Donativos, o Saemon-nojo Sakai, da peça O Tambor de Sakai; Kiichi Hogen, em Cantero de Crisântemos; a bruxa, em Coleta de Folhas de Outono; Kato do Terremoto; Tametomo; o Ministro de Mito; Kuemon Kezori e outros. Vai aqui a marcante passagem em que ele interpretou Saemon-nojo Sakai. O próprio Saemon-nojo toca o tambor de guerra em pleno perigo, quando hordas de guerreiros inimigos se acercam impetuosamente do castelo. O

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tambor rufa sem qualquer alteração em seu rítmo; as portas descerradas da fortaleza mostram, sob a luz intensa das tochas, que tudo se encontra como sempre. O comandante das forças inimigas, temendo que alguma cilada astuciosa esteja sendo engendrada, ordena por fim a retirada. Trata-se da cena em que Saemon-nojo — tendo em mente um estratagema ousado — aguarda impassível o momento. Espera apenas o correr das horas emudecido, sem mexer sequer uma das sombrancelhas, ao ouvir os repetidos anúncios que seus súditos, ignorantes do fato, lhe fazem sobre o perigo iminente. Assim, ele está sentado sozinho no meio do palco, de olhos cerrados, com a cabeça levemente voltada para baixo, sem fazer o menor movimento. Por isso, quando no fim cessam os comunicados dos seus comandados, sozinho, ele permanece no mais completo silêncio, durante o espaço de quatro a cinco minutos, dando mesmo a impressão de não ser alguém vivo. A platéia assiste em suspense aquele personagem mudo e imóvel. Acabou por ficar magnetizada, a imaginar qual será a atitude a ser tomada por Saemon-nojo a seguir. Nesse momento eu senti a fundo. O fato de um ator de teatro fascinar de tal forma a platéia, apenas estando sentado no centro daquele imenso palco de kabuki, sem mover um único músculo da face nem emitir um único som, é simplesmente o suprassumo da arte. Admirei-me profundamente, considerando que aquele, sim, era um mestre de verdade. Recordo-me, ainda, quando ele interpretou Kiichi Hogen, na peça Canteiro de Crisântemos. Este, conquanto desfrutasse de regalias como tático das forças da família Taira, anelava secretamente pela restauração da família Minamoto. Casualmente, Ushiwakamaru, com o intuito de apoderar-se dos tratados de estratégia e arquitetar o restabelecimento dos Minamoto, passa a morar, sob o nome falso de Torazo, juntamente com seu servo Chienai, na casa de Kiichi, como empregado deste. Entrementes, a filha de Kiichi Hogen, Minazuru Hime, apaixona-se pelo falso Torazo, fato que, naturalmente, provoca contentamento íntimo ao pai. Este, por intermédio da filha, torna possível a Torazo roubar os tratados secretos de estratégia guardados nos cofres da família. Interiormente satisfeito, mas sem poder deixar tal transparecer, por estar servindo aos Taira, Hogen finge não ver o amor que Minazuru Hime dedica a Torazo: eis a interpretação psicológica com que deve ser tratado o personagem. A perícia de sua arte nesse momento é impossível de ser descrita. Há, outrossim, a cena em que o Ministro de Mito executa

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Mondaiyu Fujii, a pedido do próprio. Depois de abater Mondaiyu de um único golpe, ele guarda a espada na bainha, tendo-a limpado do sangue. Logo, sem nem se dignar a olhar para o cadáver, retira-se do palco altaneira e calmamente, cantarolando em voz sonora a canção da peça A Dança do Deus Dragão, através de um longo corredor guarnecido de balaustrada. Tamanha era a tensão presente em seu ritmo que este chegava quase à estaticidade, combinando maravilhosamente com o movimento do palco rotatório. Ainda hoje não me esqueço da emoção que experimentei. Na representação de Tametomo, para salvar o filho do perigo que se aproxima, ele ata a criança à uma pipa enorme, da qual corta o fio após tê-la alçado às alturas. A altiva serenidade de sua fisionomia, ao contemplar o céu distante, era fisionomia impassível. Uma perfeita expressão psicológica: mágico impacto de Danjuro e a sua arte de representação que cativava completamente o espectador jamais poderão ser descritas pela palavra oral ou escrita. Segundo o que ouvi na época, quando a platéia o aplaudia ou ovacionava durante a performance, ele a modificava no dia seguinte. Pelo que eu imagino, ele visava com a sua representação dramática não a grande público, mas a um só conhecedor. Após a morte de Danjuro, acabei por perder meu interesse pelo teatro kabuki. Aos meus olhos, uma vez apreciadores da arte de Danjuro, os demais atores refletiam-se por demais inferiores. Por isso, a solidão advinda da perda do gosto pelo kabuki perdura até os dias de hoje. Contudo, se tivesse que apontar um mestre do kabuki pós-Danjuro, citaria Ganjiro Nakamura. Dentre suas representações, nunca conseguirei esquecer duas: Jihe, o Vendedor de Papel e A Paixão de Tojuro. Para ser sincero, digo que a minha perda de interesse pelo kabuki talvez derive-se basicamente da ausênsia do fator psicológico. Falando sucintamente, só se procura representar com a forma, com a pretensão de adular o espectador. Isso abaixa o nível da arte teatral. Pode-se afirmar que quase todos os artistas modernos dramatizam exageradamente, se movimentam exageradamente. Danjuro, contudo, passava por cima da forma, procurando sempre representar por meio do sentimento. Tal elevava o nível da arte dramática ao seu grau máximo. Analisando a questão de outro vértice, ao representar uma personalidade histórica de destaque, ele transformava-se nesse próprio indivíduo. Especialmente quando se considera que o japonês de outrora tinha por ideal o não demonstrar das emoções, deve-se almejar a inexpressividade. Assim, a personagem que ele

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interpretava não parecia ser a fantasia de um ator. Ele fazia acreditar na reaparição daqueles heróis em suas respectivas eras. Só anseio incessantemente que, durante a minha vida, apareça mais um mestre do mesmo quilate dele.

A propósito, passarei a escrever a respeito de uma atriz que incluiria no rol dos mestres. Trata-se da famosa Sumako Matsui. Eu arregalei os meus olhos de admiração diante de sua excepcional arte de representar, quando ela, ainda jovenzinha, fez sua estréia e começou a adquirir nome, no papel de Nora, na peça Casa de Bonecas, de Ibsen. A partir de então, jamais deixei escapar uma representação sua sem assistir. As últimas peças em que a vi atuar foram A Mulher do Açougueiro, de Kichizo Nakamura, e Carmen. Pareceu-me uma estranha coincidência que, em ambos os dramas, a trama constasse da perpetração do assassinato da personagem por ela representada: no primeiro, por causa dos ciúmes do marido e, no último, por José. Dois dias depois, ela se suicidava. Acho que a "coincidência" estava a prenunciar alguma coisa. Todavia, admirei-me de sua atitude como artista, pois, dois dias antes da morte, ela subiu ao palco sem demonstrar o mínimo abalo que fosse.

Pretendia discorrer a respeito de outros mestres que não atores, mas, para evitar a prolixidade, fico por aqui.

Ensaios - 30 de agosto de 1949

AIZO NANIWATEI

Não se limitam a dois ou três nomes os mestres — que não atores — sobre os quais desejo falar. Como desde jovem eu gosto de canções do gênero Ro-kyoku, escreverei aqui sobre os seus mestres. Meu gosto pelas canções Ro-kyoku é restrito às da região oriental do Japão: mesmo hoje não sinto interesse pelas da região ocidental. Portanto, escreverei principalmente acerca das primeiras.

Este gênero tomou o nome de Ro-kyoku depois do aparecimento do rádio: o pessoal antigo certamente sabe que o nome anterior era

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naniwabushi. Quando se discute a respeito das canções Ro-kyoku, ninguém negará que, no estilo do Japão Oriental, o primeiro Aizo Naniwatei, e, no estilo do Japão Ocidental, Kumoemon Tochugen, são mestres. Fora estes dois mestres, poderiam ser citados, ainda, Toramaru Bekkosai e Torazo Hirosawa, no estilo do Japão Oriental, bem como Naramaru Yoshida e Ungetsu Tenchuken, no estilo do Japão Ocidental.

Aizo era exímio intérprete de Tasuke Shiobara e de Suneemon Ataka, da peça Keian Taiheiki; Kumoemon, da Saga dos Quarenta e Sete Samurais; Toramaru, do personagem Sakasaki, O Senhor de Dewa; Torazo, dos personagens Jirocho de Shimizu e Ishimatsu de Mori; Naramaru, de Genko Otaka; e Ungetsu, de dramas envolvendo pais e filhos.

O mundo das canções Ro-kyoku também fica cada vez mais vazio. Shigetomo faleceu; Tomoe definhou e dizem que Rakuen irá aposentar-se. Yonewaka não tem mais o vigor dos anos idos; a arte de Odo, Bai-o e Musashi é ainda imatura: fora Torazo, quem hoje sustenta a situação seriam apenas Katsutaro, Wakae, Urataro e Ayataro. Como no caso de Danjuro, é veemente o meu desejo de que surja algum mestre que se equipare a Aizo, no domínio das canções Ro-kyoku.

Aizo Naniwatei atuou quando eu estava nos meus vinte anos; trata-se, portanto, de alguém de quatro ou cinco décadas atrás. Não apenas a sua melodia como também o volume de sua voz eram deslumbrantes. Sua voz maviosa não encontrava rival, nem mesmo entre os demais mestres de outros gêneros que não o das canções Ro-kyoku. Sua voz era tão bela a ponto de eu não poder acreditar — sempre que a ouvia — que ela se originava da garganta humana. Na época, ele atuava com base numa casa de espetáculos chamada Eijutei, em Shiba, a qual estava sempre superlotada. Curiosamente, Kumoemon, que era discípulo da escola de Shigekichi Naniwatei, em Tóquio, foi expulso por razões, de conduta, indo para Osaka e, posteriormente, para Kyushu. Aí criou uma modalidade peculiar de melodia, combinando a canção da região ocidental do Japão com a viola biwa. De posse disso, tornou a Tóquio e passou a competir sua arte com a de Aizo. Estabeleceu-se na casa Happotei, em Shiba, debatendo intensamente com Aizo. Contanto, por não ter podido com este, desistiu de

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Tóquio e levantou bandeira em Osaka. Infelizmente, porém, Aizo faleceu jovem, na casa dos trinta. Kumoemon, tendo retornado a Tóquio, depois da morte de Aizo, acabou por ganhar tremenda popularidade, dominando a sociedade com sua arte: fato ainda recente em nossa memória. Kumoemon não se sobressaía apenas pela técnica. Ele era dono de excelente tino na área do espetáculo. Sua criatividade elevou a canção Ro-kyoku, até então de âmbito restrito às pequenas casas de espetáculo, ao palco dos teatros, e fez ocultar os tocadores de viola de três cordas de acompanhamento, dentre outras inovações.

Remanescem ainda hoje na memória Komakichi e Minekichi Naniwatei, o primeiro Katsutaro, Sanso e Rakuyu Azumaya, além de outros.

Ensaios, 30 de agosto de 1949

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XIII - CINEMA

EU E O CINEMA

Constitui fato muito bem sabido entre os fiéis o meu gosto pelo cinema. Ainda hoje procuro assistir a filmes um dia sim, um dia não. Assim, passarei a escrever a história, desde o início, de como me aficcionei pelo cinema. A primeira vez em que assisti a uma fita cinematográfica (a que na época davam o nome de fotografias animadas) contava com meus quinze ou dezesseis anos. Havia, então, no sexto distrito do Parque de Asakusa um prédio de nome Denki-Kan, provavelmente o primeiro cinema de Tóquio. Nem é preciso dizer que me assustei com o fato de as fotos se movimentarem. As ondas se moviam, um cachorro aparecia a correr, o povo caminhava pela rua! Fiquei simplesmente abismado com aquilo. “Que coisa misteriosa e interessante que inventaram!” — pensei comigo. Como morava em Asakusa na época, sempre que tinha tempo ia ver películas. Entrementes, o conteúdo destas foi evoluindo da pura e simples retratação de fatos para a sua dramatização. Simultaneamente, o prédio chamado Kinki-Kan — uma espécie de clube, um auditório público dos dias de hoje sito em Nishiki-cho, no distrito de Kanda - passou a abrigar o único cinema da região. Na época, o filme O Demônio Aloprado — uma obra da companhia cinematográfica francesa Pathé, creio — era muito interessante e comentada, lotando o cinema por dias e dias a fio. A especialidade da Pathé eram filmes de atualidades, dramas e filmes infantis, voltadas para o público em geral. Já as películas italianas, em sua grande parte, eram obras longas de cunho histórico, aparecendo mais raramente uma ou outra comédia.

Nesse meio tempo, o cine Denki-Kan, do Parque de Asakusa, ganhava mais e mais popularidade, chegando-se ao ponto de "Denki-Kan" passar a ser sinônimo de cinema. Antigamente, como o cinema era uma novidade, as casas ficavam lotadas dias e dias seguidos, e, por serem minúsculas, diferentemente das de hoje, era um sacrifício assistir aos filmes. Entrementes, o cinema em si progredia a grande velocidade, com fitas cada vez mais longas, surgindo obras interessantes. Naturalmente as películas eram mudas, influenciando grandemente nelas a perícia ou a

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imperícia do narrador. Lembro-me de que, na época, o famoso Saburo Somei era bastante conceituado, sendo que pouco depois o hoje conhecido Roppa Furukawa passou a atuar como seu assistente. Posteriormente, nas proximidades, apareceu a casa San-yu-Kan. Aqui exibiam-se películas cinematográficas e o chamado kineorama26 — algo como um panorama móvel. Por meio de cores e eletricidade, criavam-se efeitos que reproduziam com perfeição os fenômenos naturais, como borrascas e trovões. Por causa disso, teve enorme aceitação entre o público, por algum tempo. Depois disso, surgiram seguidamente mais casas de exibição: Fuji-Kan, Daisho-Kan, Opera-Kan, Teikoku-Kan, Nihon-Kan e outras. Na época, foram grande sucesso de bilheteria os filmes Zigomar, Meikin, Pegaso, etc. Foi a partir de então que começaram a entrar produções americanas. Até aí, o que havia era quase que exclusivamente fitas francesas, alemãs e italianas. Na primeira vez em que assisti a um filme norte-americano, não me cansei de admirar o vigor da representação dos artistas, o tamanho dos cenários; a rapidez do tempo, etc. Isso proporcionou àquelas obras súbita popularidade. Não é de se estranhar que o cinema norte-americano tenha seduzido o público, visto que os filmes em voga, como agora, eram os de faroeste e, ainda por cima, seriados. Um faroeste que teve muito sucesso na época era um em que um dos figurantes se chamava Lolo, um tipo miudo parecido com um japonês. Dava gosto ver sua agilidade e leveza. Por isso, cinema era sinônimo de filme americano, como acontece até hoje.

Enquanto isso, nascia a comédia típica dos Estados Unidos, angariando popularidade de todos os lados. Foi quando também surgiram Chaplin, Lloyd e Keeton, atores amados pelo público. Verdade é que bem antes disso havia no cinema italiano o comediante chamado O Novo Rei dos Patetas (Andrew), um homem diminuto. Também ele abafou por algum tempo e os antigos devem conhecê-lo. Nessa mesma época, também, apareciam de tempos em tempos obras norte-americanas de longa duração que deslumbravam os aficcionados. Dentre elas, lembro ainda hoje de uma obra-prima do mestre Griffith. Fita particularmente longa — já não me recordo mais do seu título — descrevia a evolução da civilização das eras primitivas até a atualidade. O mundo inteiro vibrou com ela. Quanto às 26 *Kineorama: referência a cinerama.

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fitas italianas, a maioria era produzida pela companhia Milano. As Cruzadas, O Imperador Nero, Quo Vadis: havia obras de grande porte. Na mesma época as grandes companhias cinematográficas americanas eram a Paramount, a Fox27, a Metro28, a Universal e outras. Mesmo hoje não consigo esquecer da Blue Bird, pequena empresa coligada à Universal. Suas obras, ao contrário daquelas agitadas que dominavam o público, eram extraordinariamente calmas. Colocavam-se numa linha idêntica à de Ibsen, que com seu aparecimento provocou uma reviravolta de cento e oitenta graus na literatura romântica européia: de altíssimo valor cultural, desprovidas de artifícios baratos, com temas que primavam pela seriedade. Tinham, portanto, um sabor único que me levavam a jamais perdê-las. As fitas da Brewbird eram exibidas exclusivamente em duas ou três casas de cinema: no Konparu-Kan (cujo narrador era Tenrei Takita), de Shimbashi, e no Aoi-Kan (idem, Musei Tokugawa), em Akasaka. Faziam sensação entre os fãs.

Mas retornando ao que relatei há pouco: as casas de cinemas, que no princípio se restringiam ao Parque de Asakusa, começaram a se espalhar por várias regiões da cidade e, especialmente depois do grande terremoto da Região Oriental, apareceram por todos os cantos. Ademais, o cinema japonês, que durante muito tempo só visava ao público infantil, passou, finalmente, a produzir obras para adultos. No início, nos tempos de Matsunosuke Onoe, eu não sentia a mínima vontade de ver filmes nacionais. Contudo, eu passei a assistí-los, há uns dez e tantos anos, após ver Kazuo Hasegawa, cujo nome artístico na época era Tyojiro Hayashi, interpretar Sakasaki, o Senhor de Dewa, em A Batalha de Verão, da companhia Shochiku. Esta obra, em vista de seu grande esquema e demais pontos, não fica a dever aos filmes ocidentais, fato que me assustou. Foi a oportunidade para que eu acabasse por me tornar, a partir de então, fã do cinema japonês. O resto, no que tange aos fatos mais recentes, como todos estão por dentro, terminarei meu relato.

Todavia, pretendo pôr no papel algo que sinto em relação ao cinema nacional hodierno. Diversamente dos tempos idos, o cinema japonês progrediu bastante. Contudo, — para falar francamente — resta uma faceta 27 Fox: referência à companhia Twenty Century Fox.28 Metro: referência à companhia MGM (Metro-Goldwyn-Mayer)

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extremamente negativa. Quero admoestar com ênfase esse ponto. Resumindo, em primeiro lugar, trata-se da inferioridade do seu nível. Ouve-se dizer freqüentemente que não se investe dinheiro nos filmes japoneses, por isso não se produzem fitas boas como as estrangeiras. Esta desculpa vem a ser um erro gravíssimo. Afirmo isso com base no fato de o cinema italiano, que recentemente passou a gozar de enorme reputação, com certeza gastar muito menos que o japonês. Tamanha reputação deve-se à existência, em algum lugar, de uma coisa que fascine tremendamente. Que seria isso? Trata-se, sem dúvida, da seriedade dos temas, inexiste qualquer artifício barato para comprar aplausos. Jamais se subestima o público. Resumindo, evita-se o caráter de espetáculo do cinema para descrever com fidelidade o ser humano, para descrever o gemido que brota do sofrimento social. Outrossim, é profunda ao extremo a sua acuidade na avaliação da dor humana, o que faz com que, terminada a apreciação de uma película, nosso peito seja assaltado pelos mais variados sentimentos.

Em comparação, nem vale a pena discutir o cinema japonês, tamanha sua infantilidade. Somente busca o efeito do espetáculo, visando demasiadamente ao lucro. O que não se percebe, porém, é que o resultado vem a ser inverso. Prova evidente é o vultoso número de fãs seduzidos pelos filmes estrangeiros, deixando o ingênuo cinema nacional de lado. Chamo, portanto, a atenção dos produtores e diretores de cinema para que mudem radicalmente, o mais rápido possível, a sua maneira de pensar. Falando sucintamente, há que elevar o nível global. Há que produzir obras que penetrem a alma do público. O espectador deve ficar amarrado à poltrona até o fim da película.

Eu - texto inédito - 1952CINEMA

Todos aqueles que me conhecem sabem do meu gosto pelo cinema. Jamais me esquecerei: a primeira vez a que assisti a um filme foi quando tinha dezesseis ou dezessete anos, ou seja, há uns cinqüenta anos. Digamos que eu seja um dos seus mais antigos fãs. Foi nessa época em que, pela primeira vez, uma película cinematográfica entrou no Japão. Nem é preciso dizer que se tratava de uma peça de um único rolo que mostrava o

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movimento de ondas, um cachorro que se punha a correr, gestos de pessoas, etc. Algo extremamente infantil, visto sob a perspectiva de agora. Mesmo assim, todos arregalaram os olhos de espanto. Como o tempo opera transformações! A primeira peça dramática era francesa. Contava a história de um marinheiro que, tendo voltado de viagem, se deparava com algum problema no lar. Mas já me esqueci do que se tratava. Era uma obra de um rolo, de conteúdo simples. Esses filmes eram exibidos numa humilde casinhola de nome Denki-Kan, no Parque de Asakusa, sendo que, pouco depois, apareceu um narrador, o afamado Saburo Somei.

De outro lado, em Nishiki-cho, no distrito de Kanda, havia uma casa de espetáculos chamada Kinki-Kan, esta bastante luxuosa. Antes de mais nada, seu salão possuía o aspecto do interior de uma mansão nobre. Utilizada como salão de preleções, seu assoalho era recoberto com esteiras alcochoadas, onde, logicamente, o público sentava. O primeiro filme a que aí assisti era a película francesa intitulada O Demônio Aloprado. Na verdade uma peça para crianças, mas que por ser bastante divertida fez grande sucesso. O narrador daquele tempo era Koyo Komada. Seu capricho em ser extremamente incomum lhe rendeu fama. Posteriormente, construiu-se em Kanda o cinema Shinsei-Kan ao qual também ia amiúde. De outra mão, em Asakusa, além do Denki-Kan, surgiram seguidamente mais salas: San-yu-Kan, Fuji-Kan, Daisho-Kan, Teikoku-Kan, Nihon-Kan, etc. Na cidade, ainda, começaram a aparecer aqui e acolá outros cinemas.

Como constitui fato conhecido dos senhores, o cinema, no princípio, era chamado de fotografia animada. Sua duração, que no início era de um rolo, ficou progressivamente mais longa, com dois e três rolos. Nos primeiros tempos, predominavam as obras da companhia francesa Pathé, que traziam a marca de um galo. Nessa época, uma película que fez sucesso foi "Zigomar", um filme de bandido cuja trama era a fuga, sob vários disfarces, do personagem principal do mesmo nome. Isso teve enorme aceitação entre o público. Havia também uma comédia italiana em que um pequeno homem chamado Andrew atuava com grande agilidade. Era muito engraçado, chegando-se mesmo a inventar o título O Novo Rei dos Patetas, para sua película. Depois, teve imenso sucesso o filme Pegaso, da companhia alemã UFA.

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Pouco depois, começaram a entrar filmes norte-americanos. É possível afirmar que estes, com a extraordinária dimensão dos seus cenários e a nitidez das imagens, além do vigor da representação dos artistas, atraíram para si quase que a totalidade do grande público. O mesmo aconteceu também comigo. Na época o seriado Meikin fez tremendo sucesso. Mesmo hoje deve haver muita gente que o tenha visto. Ademais, foi a partir daí que os filmes de faroeste tornaram-se uma febre. Eram, naturamente, seriados. O artista que concentrou sobre si a simpatia do público foi Lolo, um astro exclusivo de cinema que se parecia muito com um japonês. Posteriormente, quando a febre dos filmes de ação se arrefeceu, foi a vez das comédias norte-americanas típicas entrarem em voga. Foram muito bem aceitas, então, as obras de Chaplin, Lloyd e Keeton.

Com a influência do cinema americano, os filmes europeus, produzidos na França, Alemanha e Itália, tornaram-se raros. Momentaneamente, ingressou no país considerável número de obras italianas de longa duração, mas também elas foram sufocadas pelos filmes americanos e estes acabaram por monopolizar o mercado. As empresas de então eram a Paramount, a Fox, a Metro Goldwyn, a Universal e outras, cada qual com sua respectiva peculiaridade. Esta última contava dentre seus filmes com uma seção à parte, a Blue Bird, que merece menção especial. Ate então, as fitas de cinema tinham por objetivo apenas a diversão, cheias de artifícios para tirar aplausos, frívolas. Tal não se aplicava às obras da Blue Bird. Desprovidas de todos estratagemas fáceis, expressavam apenas a verdade, tendo alguma coisa que tocava o coração. Pode-se estabelecer um cotejo com a oposição entre a tendência do romance europeu do século dezoito, que não se desligou do teatro, e a seara virgem aberta por Ibsen, com o cultivo de um romance psicológico profundo. Assim, desnecessário dizer que os filmes Blue Bird foram amplamente bem recebidos pela classe intelectual, como obras destinadas à apreciação dos entendidos na arte do cinema. Graças à sua influência, os filmes norte-americanos, repletos de artifícios para agradar o público, penderam para maior profundidade e peso.

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Um diretor famoso desses tempos passados, ainda hoje difícil de olvidar, vem a ser Griffith, um especialista em obras gigantescas. Um dos filmes realizados por ele, Intolerância, tinha não apenas um conteúdo profundo, mas muito emocionante. Também inesquecível é Valentino, homem de rara beleza, que encantou platéias do mundo inteiro. Não por sua arte, diga-se, mas por seu belo rosto. O último filme seu que vi foi Sangue é Areia, uma adaptação da ópera Cármen. Sua beleza chegava até o ponto de exercer fascínio sobre o espectador masculino. Talvez, mesmo no futuro, não surja homem tão belo quanto ele. Naturalmente era de se compreender que fosse a paixão de todas as mulheres da face da Terra. Lamentável, todavia, é que Deus, agraciando-lhe com a beleza, não lhe concedeu a longevidade. Já Douglas Fairbanks, com seu talento peculiar, conquistou momentaneamente a popularidade mundial.

Eis aqui o que pude registrar, vasculhando minha memória acerca da era do cinema mudo. Em 1919, porém, desde que me tornei seguidor da Igreja Oomoto, por várias razões, inclusive de natureza religiosa, deixei de assistir filmes por mais ou menos dez anos. Exatamente nessa época surgiu o cinema falado.

O que vim escrevendo se refere ao cinema estrangeiro. Verdade é que, até então, o cinema japonês não valia a pena ser visto. Como é do conhecimento geral, com o nascimento do cinema falado, o narrador, cuja existência era imprescíndivel, acabou por se ver na rua. Citarei o nome dos narradores de que mesmo hoje me recordo: Saburo Somei, Ten-han Takita, Tenpu Ishii, Raiyu Ikoma e Tenro Tani. Dentre os profissionais ainda na ativa temos: Roppa Furukawa, Musei Tokugawa, Shiro Otsuji, Suisei Matsui, Seiha Inokuchi e outros.

Desde que me desliguei da Igreja Oomoto, anteriormente citada, principiei a assistir filmes de novo. Graças à minha extrema adoração ao cinema, que vem de nascença, a febre cinematográfica reacendeu-se. Desde então, continuo até hoje a assistir ao maior número possível de filmes.

A primeira película a que assisti, depois da lacuna de dez anos há pouco citada, era intitulada A Batalha de Verão de Osaka, na qual o ator

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Kazuo Hasegawa — que usava o nome artístico de Tyojiro Hayashi — interpretava o papel de Sakasaki, o Senhor de Dewa. Fiquei, então, inteiramente pasmado. Jamais poderia nem mesmo sonhar que o cinema nacional fosse capaz de progredir tanto, durante o tempo em que estive afastado da área. Escusado dizer que esse contituiu o motivo de eu me tornar fã do cinema nacional. Os filmes japoneses que vi a partir daí e que me ficaram na lembrança são: Tange Sazen, O Desfiladeiro Daibosatsu, A Saga do Bando de Ladrões dos Reinos Beligerantes, Tsurujiro Tsuruhachi, Sumako Matsui, No Extremo do Pico Nevado, etc.

O cinema norte-americano atual não mais me emociona como outrora. A razão reside no fato de muitas de suas tramas abordarem temas caseiros, não se vendo mais obras de grande escala ou comédias de nível superior como antes. Concretamente falando, por não compreender o idioma, quando aparecem casos complicados nas fitas de temas familiares, fico sem entender bulufas. Talvez seja isso que as torne sem graça. Um desses motivos estaria no fato de que, depois do aparecimento do cinema falado, acabou a necessidade de mostrar o conteúdo por mímica, como se fazia no cinema mudo. Dentre os filmes americanos, ainda hoje não consigo esquecer Hurricane, Chicago, A Grande Planície, etc. Apesar de poucas, há obras do cinema inglês recente que devem ser vistas. Já quanto ao francês, a maioria são filmes de amor, pelos quais não sinto grande atração. Penso que a causa, todavia, poderia estar na minha idade.

Conquanto isso não seja muito válido para a época do término da Segunda Guerra, o cinema nacional tem produzido alguma coisa boa ultimamente. Também é fato indiscutível que a técnica de filmagem e tudo o mais tenha se desenvolvido em conjunto. No entanto, existem ainda muitas falhas. Citarei, por exemplo, a inclusão de artifícios fáceis para roubar aplausos do público na trilha dos filmes sonoros. Quando estamos com a respiração suspensa, tamanho é o interesse que nos prende ao desenrolar do cenário, deparamo-nos com uma situação despropositada e desnecessária que acaba por desfazer instantaneamente a emoção que nos tomava até aí. O pessoal do cinema deveria mostar maior interesse por isso, razão que me obriga a fazer esta crítica áspera. Todavia, digno de se elogiar é a arte dramática dos atores contemporâneos. Reconheça-se que esta

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evoluiu bastante. Verdade é que isso, talvez, se deva à quantidade de tomadas em "close-up", diversamente do que antes acontecia. Por fim, o que espero do cinema nacional são as obras de grande escala é o colorido natural. Há de se concretizar isto o quanto antes.

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