Trajetórias Abolicionistas No Sul de Minas Gerais-Juliano Sobrinho

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    ENTRE DESEJOS LATENTES E CONTIDOS: IDEIAS, AES ETRAJETRIAS ABOLICIONISTAS NO SUL DE MINAS GERAIS.

    Juliano Custdio Sobrinho1

    A pesquisa que apresentei ao programa tem como objetivo principal analisar o processo de

    abolio da escravido em Minas Gerais, de 1880 a 1888, tendo como rea de estudo uma regioque hoje conhecida imprecisamente como o sul de Minas.2 As questes orientadoras desse

    projeto estaro voltadas a perceber e analisar os ltimos anos da escravido no sul mineiro e os

    embates travados tanto no campo das ideias, quanto das aes prticas, como aquelas que levaram

    formao de movimentos abolicionistas e iniciativa de escravos em buscar os meios jurdicos

    para se livrarem do jugo do cativeiro, por exemplo.

    A justificativa do recorte espacial elencado est baseado em pesquisas historiogrficas que

    vem apontando o sul de Minas como um dos principais centros econmicos, polticos e sociais

    em Minas Gerais ao longo do sculo XIX, corroborando para duas prerrogativas bastante

    consolidadas acerca da participao cativa nessa provncia: a de que a estrutura produtiva de Minas

    Gerais detinha at as vsperas da abolio o maior contingente escravo do Imprio; e que a grande

    parte dessa populao cativa estava envolvida em atividades voltadas ao abastecimento interno.3

    "Doutorando do Programa de Histria Social da Universidade de So Paulo, com o projeto O processo de abolio da

    escravido e os significados da liberdade em Minas Gerais. Campanha 1880-1888., sob orientao da Prof. Dr.Maria Helena Pereira Toledo Machado. Bolsista pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    (CNPq).#A noo de regio pretendida para esse trabalho se aproxima das reflexes propostas por Ciro Cardoso, quando seentende por sul de Minas, uma rea que pode ser definida operacionalmente de acordo com certas variveis ehipteses, sem pretender que a opo adotada seja a nica maneira correta de recortar o espao e de definir blocosregionais.CARDOSO, Ciro.Agricultura, escravido e capitalismo.Petrpolis: Vozes, 1979. p.73.3Sobre essas questes Srgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jnior foram os precurssores em afirmar que boa parteda escravaria em Minas Gerais estava envolvida com a agricultura e a pecuria destacando a produo desses cultivos

    para a provncia no oitocentos. HOLANDA, Srgio Buarque. Metais e pedras preciosas. In: HOLANDA, SrgioBuarque(org.)Histria geral da civilizao brasileira. Tomo I, 2 vol., So Paulo: DIFEL. p. 294; PRADO JUNIOR,Caio. Formao do Brasil Contemporneo. So Paulo: Brasiliense, 1983. p.69-74. Entretanto, por volta da dcada de1980, um grande debate foi travado sobre essa questo, a partir de outras pesquisas sobre a populao escrava em MinasGerais. MARTINS, Roberto. Growing in silence: the slave economy of nineteenth-century Minas Gerais, Brazil.Vanderbilt University, 1980; SLENES, Robert. Os mltiplos de porcos e diamante:a economia escravista em Minas

    Gerais no sculo XIX. Cadernos IFCH-UNICAMP, n.17, 1985. No bojo dessas pesquisas, podemos citar algunstrabalhos relevantes que vieram na sequncia: LIBBY, Douglas. Transformao e trabalho em uma economia

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    Os marcos temporais escolhidos 1880 e 1888 vo de encontro a um contexto detransformaes evidentes no cenrio social, poltico e econmico do Imprio Brasileiro, levando

    assim a um crescente descrdito do trabalho cativo, o que contribua definitivamente para deflagrar

    a crise do sistema escravista no pas.4Vale ressaltar que este recorte temporal foi reavaliado e no

    o mesmo apresentado no incio do projeto.

    Entretanto, preciso deixar claro que ao se definir tal periodizao para esse estudo

    fulcral para o pesquisador ter em mente que o processo histrico contnuo e flexvel e, nesse

    sentido, no se pode ignorar os antecedentes e as sucesses ocorridas no espao temporal queelencamos. Assim possvel, que de acordo com o andamento da pesquisa e com as indagaes que

    viermos a fazer acerca do nosso objeto de estudo, possamos ento retroceder ou avanar no tempo.

    Ao contextualizar a regio, pode-se dizer que sua ocupao remonta ao incio do sculo

    XVIII, quando os desbravadores da Capitania de So Paulo acreditavam ser possvel encontrar as

    rentveis catas de ouro que fizeram riqueza de muitos deles na poro central de Minas Gerais. O

    territrio sul mineiro no proporcionou riquezas provenientes do ouro, mas, mesmo assim, foi

    palco de diversas disputas territoriais entre a Capitania de So Paulo e a Comarca do Rio das

    Mortes, que administrava a regio.5

    escravista: Minas Gerais no sculo XIX. So Paulo: Brasiliense, 1988; FRAGOSO, Joo Luis R. Homens de Grossaaventura: acumulao e hierarquia na praa mercantil do Rio de Janeiro(1790-1830). Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1998. p.123. Especificamente sobre a relevncia da posse de escravos para o sul de Minas, durante ooitocentos, o trabalho de Marcos Andrade sugere respostas muito pertinentes: ANDRADE, Marcos.Elites regionais e a

    formao do Estado Imperial Brasileiro.Minas Gerais. Campanha da Princesa(1799-1850). Rio de Janeiro: ArquivoNacional, 2008. Em minha dissertao de mestrado, pude constatar uma grande concentrao de cativos em uma dasprincipais freguesias do sul mineiro, na primeira metade do sculo XIX. CUSTDIO SOBRINHO, Juliano. Negciosinternos:estrutura produtiva, mercado e padro social em uma freguesia sul mineira. Itajub 1785-1850. Dissertao

    de mestrado. Juiz de Fora: UFJF, 2009.(captulo 3).4Muitos autores, claro, nos despertaram o gosto e o interesse em estudar o processo de abolio da escravido emMinas Gerais, mas foi uma questo elucidada por Emlia Viotti da Costa, em seu livro A abolio, um dos trabalhossingulares sobre a temtica, que nos levou a decidir o recorte cronolgico dessa pesquisa. J em 1982, ano em que foi

    publicado a primeira edio de sua obra, a autora j instigava os pesquisadores a se perguntarem tambm sobre o quesucedeu a partir de 1871, levando ento a abolio, em 1888. Naquela poca, Emlia Viotti j apresentava uma srie derespostas para se compreender os ltimos anos da escravido no Brasil. E tambm apontava para a necessidade de mais

    pesquisas regionais, que pudessem decodificar essa passagem de tempo nas vrias regies do pas, assim como alertavapara a importncia de se compreender sobre a presena e atuao de movimentos abolicionistas nessas reas. COSTA,Emlia Viotti da.A abolio. 8ed. So Paulo: Ed. UNESP, 2008.(especialmente os captulos 6 e 9). Destacamos tambmas contribuies do trabalho de Ktia Mattoso a nossas indagaes acadmicas acerca da temtica da escravido.MATTOSO, Ktia. Ser escravo no Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1982.5 Para uma sntese dessa discusso, ver: BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil:dores de crescimento de uma

    sociedade colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. (especialmente captulos 2 e 3). ANDRADE, Marcos Ferreirade. op. cit.(captulo 1). Em minha dissertao de mestrado, pude acompanhar correspondncias trocadas entre os

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    Naquele momento, o arraial de Campanha ganhava grande destaque ao sul da capitania, apartir do sculo XIX, passando a assistir as demais localidades prximas, o que rapidamente fez

    com que o arraial ganhasse o status de vila, frente ao controle da sede da comarca, So Joo del Rei.

    A regio pretendida como termo de Campanha abrangia dez freguesias(Lavras do Funil, Baependi,

    Pouso Alto, Santa Ana do Sapuca, Camanducaia, Ouro Fino, Itajub, Cabo Verde e Jacu). Seria

    ento esse conjunto territorial que hoje se denomina sul de Minas, tendo a vila de Campanha

    como um dos principais centros econmicos e polticos da provncia.6

    No sculo XIX, a regio rapidamente ficou conhecida pelo seu potencial na agropecuria e,mesmo antes da crise da minerao em Minas Gerais, j despertava como uma importante rea de

    produo de gneros alimentcios para abastecer tanto a prpria provncia mineira como tambm

    outras regies do pas. O termo de Campanha se tornava um grande plo de atrao7, destacando-

    se a expanso comercial de suas freguesias e tendo o termo a grande responsabilidade em abastecer

    a Corte no Rio de Janeiro. O sul mineiro era um ponto estratgico que ligava o restante de Minas

    Gerais (e parte da provncia de So de Paulo) at a Corte. Assim, as freguesias do termo de

    Campanha passaram a ser caminhos obrigatrios para se fazer negcios, o que trouxe um

    dinamismo econmico, poltico e demogrfico muito expressivo para a regio durante todo o sculo

    XIX.8

    Diretamente ligada a essa agropecuria mercantil sul mineira, estava a posse de escravos

    envolvida em tal produo. Como j citado, os trabalhos de Roberto Martins e Robert Slenes 9, na

    dcada de 1980, instigaram a historiografia a compreender como uma produo agropecuria,

    voltada ao mercado de abastecimento, poderia comportar um contingente cativo to expressivo em

    governadores da Capitania de So Paulo e da Capitania de Minas Gerais, que pertencem ao Arquivo Pblico do Estadode So Paulo, em que ambos reivindicavam a posse do sul mineiro. CUSTDIO SOBRINHO, Juliano. op.cit.(captulo1).6ANDRADE, Marcos Ferreira de. op. cit. p.29.7Ibidem. p.33.8Muitos autores h dcadas afirmam o potencial sul mineiro como regio abastecedora e de forte vocao agropecuria.Cabe devida referncia a Mafalda Zemella por ter criado um dos trabalhos precursores sobre o carter produtivo voltadoao abastecimento do sul de Minas. ZEMELLA, Mafalda. O abastecimento da Capitania das Minas Gerais no sculo

    XVIII. So Paulo: HUCITEC, 1990. Vale lembrar o trabalho de Alcir Lenharo, que apontou a existncia de umconsolidado mercado, principalmente pecuarista no sul de Minas para a Corte e a relao desse circuito com a formaode uma elite poltica mineira com influncia na poltica nacional daquele perodo. LENHARO, Alcir. As tropas damoderao: o abastecimento da Corte na formao poltica do Brasil: 1808-1822. Rio de Janeiro: Secretaria Municipalde Cultura, Turismo e Esportes. Departamento Geral de Documentao e Informao Cultural, Diviso de Editorao,

    1993.9MARTINS, Roberto. op.cit.; SLENES, Robert. op. cit.

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    Minas Gerais, no sculo XIX, sobretudo para o sul mineiro. Em trabalhos mais recentes, algunspesquisadores afirmaram que o sul de Minas apresentava unidades escravistas altura das

    propriedades voltadas para a agroexportao. Essa hiptese foi levantada por Afonso Alencastro de

    Graa Filho ao estudar a elite mercantil e a economia de subsistncia em So Joo del Rei, no

    perodo de 1831 a 1888.10Especificamente para o termo de Campanha, Marcos de Andrade tambm

    apresentou ndices considerveis de concentrao de escravos nas unidades produtivas da regio, o

    que revelaria a importncia econmica sul mineira no sculo XIX.11

    Com isso, estamos diante de uma regio de ebulio econmica e poltica, durante o sculoXIX, em que o ingresso de africanos, a reproduo natural e o trfico internos de escravos

    indicaram uma sociedade de crescente dinamismo mercantil e de grandes investimentos na posse

    de cativos. Por essa razo, muitas hipteses lanam luzes sobre a histria do sistema escravista no

    sul de Minas, contudo as pesquisas sobre a regio ainda hoje continuam incipientes, o que justifica a

    iniciativa dos programas de ps-graduao do pas em investir em estudos sobre a rea.

    Polcia e agitaes nos ltimos anos da escravido

    Perceber as aes provocadas pelos agentes envolvidos naqueles anos finais da escravido

    na regio faro parte da base de anlise desse estudo. Por isso, a apreenso das prticas sociais, das

    ideias e do perfil das pessoas inseridas com os debates sobre a questo da escravido - alm das

    aes da populao escrava por meio de processos legais, fugas e revoltas - sero fundamentais para

    se compreender a desagregao do sistema escravista no sul mineiro.

    As anlises documentao Chefia de Polcia, para a provncia mineira, pertencente ao

    Arquivo Pblico Mineiro, revela indcios interessantes acerca da repercusso das ideias da abolio

    no Imprio Brasileiro e a tentativa do poder estatal, juntamente com os senhores de escravos, em

    manter o controle social. Em correspondncia encaminhada ao chefe de polcia da provncia,

    10GRAA FILHO, Afonso Alencastro. A princesa do oeste e o mito da decadncia de Minas Gerais. So Joo delRei(1831-1888). So Paulo: Annablume, 2002.11 ANDRADE, Marcos. op.cit.(especialmente o captulo 1). Por conta da minha dissertao de mestrado, pudeconstatar, a partir da anlise de inventrios post mortem e as listas nominativas para Minas Gerais, de 1831-1832, umagrande concentrao escrava frente a populao livre para uma das freguesias do termo de Campanha, a freguesia deItajub, durante o sculo XIX. Alis, Itajub apontada nos trabalhos de demografia escrava como a de maior

    concentrao de escravos por unidade produtiva, o que tambm constatei na minha dissertao. CUSTDIOSOBRINHO, Juliano. op. cit.(especialmente o captulo 3).

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    Levindo Ferreira Lopes, o delegado, Valeriano Mauro da Costa, da freguesia de So Gonalo,suplicava: como at agora no tenho chegado os praas, de novo reitero respeitosamente a V.Ex

    o mesmo pedido fasendo sentir a V.Ex que o abolicionismo na cidade de Campanha est no seu

    maior auge(...) em So Gonalo que nunca vira tanto descalabro e que[ ] fosse alterada a ordem

    pblica.12

    Assim como esse exemplo acima, muitos outros pedidos chegavam constantemente ao chefe

    de polcia da provncia vindos das freguesias sul mineiras, o que pode ser constatado pela

    documentao levantada. Ao noticiar as repercusses e o medo da perda do controle social por parteda polcia e dos senhores, o que se pode notar at o momento que a maioria desses pedidos

    denuncia as fragilidades estruturais do poder coercitivo em controlar fugas, rebelies de escravos ou

    libertos, como qualquer alterao a ordem pblica. Faltavam-lhes praas, cadeias, armas e at

    mesmo comida e roupas para alimentar os presos.

    Da instncia maior do poder policial na provncia tambm chegavam pedidos aos delegados

    locais para conter qualquer alterao social nos ltimos momentos da escravido no pas. Assim,

    partiu da capital da provncia, Ouro Preto, uma ordem do chefe de polcia, Levindo Ferreira Lopes,

    para o delegado de Campanha a seguinte mensagem: remetto a V.S para informar e providenciar

    no sentido de ser mantida a ordem e a tranqilidade pblica, o incluso offcio do Subdelegado de

    Lambary, tratando da propaganda feita por abolicionistas contra os fazendeiros e de estado

    anormal em que se ache o municpio.13

    Segundo Maria Helena Machado, a polcia foi a instncia que mais serviu aos pedidos dos

    senhores no combate a desordem e revoltas provocadas pelos escravos e pelos abolicionistas. Ao

    representar o estado era misso daquele rgo cumprir a lei e defender a legtima propriedade

    escrava. As repercusses da crise escravista e o temor que as revoltas e aes de escravos, libertos,

    pobres e abolicionistas tomassem conta colocavam em xeque a segurana pblica. Assim, mais que

    assegurar os interesses dos senhores de escravos, a polcia tinha compromisso com a defesa da

    ordem e o seu papel foi estratgico naquele contexto.14Com as insurgncias abolicionistas e as

    12APM. Chefia de Polcia. Correspondncia recebida. POL 1/3, Cx. 20, Doc. 28. So Gonalo, 11/04/1888.13APM. Chefia de Polcia. Correspondncia expedida. POL-102. Correspondncia expedida pelo secretrio de polciaaos delegados. 08/05/1888.14

    MACHADO, Maria Helena P. T. O plano e o pnico. Os movimentos sociais na dcada da abolio. Rio de Janeiro:UFRJ, Edusp, 1994.p.69-72.

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    revoltas escravas ganhando terreno no campo social, coube polcia manter a sensao de que tudoestava sob a mais perfeita ordem, mesmo sabendo que seus aparatos coercitivos j no davam mais

    conta de assegurar a ordem pblica com a mesma eficcia de tempos atrs.15

    Cabe ressaltar que est claro que ao desvendar as aes sociais que estiveram presentes no

    processo da abolio na regio, est sendo procedida uma investigao que no se resume em uma

    explicao simplista dos agentes envolvidos, ou seja, na anlise do embate de um ou dois grupos

    sociais especificamente (senhores e escravos). A pesquisa se pauta em diferentes fontes histricas e,

    a partir dessas anlises e do entrelaamento dessas informaes, se est atento para evitar umacompreenso limitada do objeto de estudo em questo, procurando entender que a realidade

    histrica complexa, recheada de interaes sociais, jogadas de poder, ambiguidades e

    contradies.16

    evidente assim, que o processo de abolio deve ser visto como um fenmeno que agrega

    diferentes atores sociais dentro de um universo que os categoriza como livres, escravos ou libertos e

    que esses agentes, ao longo desse processo de fim do cativeiro, relacionavam-se e influenciavam-se

    mutuamente.17

    Alguns questionamentos j se fazem presentes desde o incio de pesquisa e o desafio poder

    responder a maioria deles ao longo do doutorado. Para compreender o processo de abolio da

    escravido em Minas Gerais pensar nas seguintes questes se torna fulcral: quem eram e como foi a

    atuao dos diversos agentes envolvidos nas discusses e prticas naqueles anos finais da

    escravido? quais eram as estratgias criadas pelos escravos em busca de margens de autonomia ou

    15MACHADO, Maria Helena. Teremos grandes desastres, se no houver providncias enrgicas e imediatas: arebeldia dos escravos e a abolio da escravido. In: GRINBERG, Keila & SALLES, Ricardo. O Brasil Imperial. 1870-

    1889. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2009. pp.376-377.16 Cabe dizer que concordamos com Maria Helena Pereira Toledo Machado , quando afirma que ao se estudar oprocesso que desencadeou na abolio da escravido e nas aes dos movimentos abolicionistas deve-se estar atento complexidade das aes dos agentes envolvidos e que esses pertencem a grupos sociais mltiplos, indo alm dacondio de apenas escravos ou senhores. MACHADO, Maria Helena. O plano e o pnico. pp.13-18.17Outros autores ao descreverem a experincia do cativeiro no sudeste brasileiro e a crise do sistema escravista tambmentendem que a diversidade e complexidade dos agentes sociais envolvidos no processo so fundamentais nessa anlise.Para Hebe Maria Mattos, ao se estudar o processo da abolio no se pode procurar dicotomias ou criar umaabordagem que privilegia certos atores histricos, individuais ou coletivos, sem conduzir a esquematismos ouexcessos de simplificaes. MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silncio. Os significados da liberdade no sudesteescravista. Brasil, sc. XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. p.16. Ao realizar um estudo sobre o Rio de Janeiro,nas ltimas dcadas da escravido, Sidney Chalhoub procurou demonstrar que os embates em torno de diferentesvises de liberdade era uma das formas possveis de acesso ao processo histrico de desagregao do sistema escravista

    na cidade. CHALHOUB, Sidney. Vises de liberdade:uma histria das ltimas dcadas da escravido na Corte. SoPaulo: Cia. das Letras, 1990.

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    da to sonhada liberdade? a que nvel as aes e reaes dos cativos sejam por meioscomodativos(fugas, sabotagens no trabalho, etc), ou atravs da criminalidade violenta18se

    manifestaram na regio e quais os impactos dessas prticas para aquela sociedade? quais eram os

    discursos e as propostas dos proprietrios, dos conservadores e dos abolicionistas em relao ao

    definhamento da escravido? quais foram os motivos e a frequncia em que os cativos acionavam

    os meios legais (atravs de curadores) em defesa dos seus espaos de autonomia e em busca da

    liberdade? qual a relao estabelecida entre esses personagens? como a sociedade sul mineira reagiu

    e interagiu diante das repercusses advindas das transformaes econmicas, polticas, sociais eculturais que o Imprio Brasileiro passava nos ltimos anos antes da abolio? qual o peso das leis

    emancipadoras para o sul mineiro e a que nvel se deu a interao com as reas de grande atuao

    de movimentos abolicionistas, como So Paulo e Rio de Janeiro? alis, qual o papel dos

    movimentos abolicionistas para a regio e o perfil dos atores envolvidos nessas aes?

    Ideias e aes abolicionistas

    Em relao historiografia sobre o processo de desintegrao do sistema escravista, nos

    ltimos anos da dcada de 1880, pode-se dizer que poucos trabalhos se dedicaram a analisar este

    perodo para Minas Gerais. As contribuies historiogrficas depositadas sobre o auge da sociedade

    mineradora e do passado colonial setencentista em Minas enriqueceram o debate acadmico nas

    ltimas dcadas. Desde uma perspectiva que supervalorizasse a produo aurfera e, posteriormente,

    a sua estagnao, at um cenrio mineiro extremamente diversificado e dinmico, no sculo XIX,

    sob o ponto de vista da produo agropecuria e mercantil. Vinculada a estas questes sempre

    estava o dilogo com o sistema escravista no territrio e sua importncia dentro da estrutura

    produtiva.

    Obviamente, as discusses historiogrficas sobre o papel do escravo como sujeito da sua

    prpria histria tomaram conta de vrios trabalhos dedicados provncia mineira,19mas poucos

    18MACHADO, Maria Helena. op cit. p.22.19 BRUGGER, Silvia. Minas patriarcal. Famlia e sociedade(So Joo del Rei sculos XVIII e XIX). So Paulo:Annablume, 2007;FURTADO, Jnia. Chica da Silva e o contratador dos diamantes. O outro lado do mito. So Paulo:

    Companhia, 2003; PAIVA, Eduardo. Escravido e universo cultural na colnia. Minas Gerais, 1716-1789. BeloHorizonte: UFMG, 2001; GUIMARES, Elione. Mltiplos viveres de afrodescendentes na escravido e no ps-

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    foram aqueles dedicados a entender o processo de desintegrao do sistema escravista e suaabolio.

    Na dcada de 1960, Oiliam Jos lanou o livro A abolio em Minas, propondo uma

    reflexo sobre a escravido e o seu trmino na provncia. Para o autor, no seria possvel esperar

    dos mineiros situaes de ebulies sociais a favor ou contra a escravido, nos ltimos anos do

    sistema, como aconteceram em So Paulo e Rio de Janeiro. No somente o carter rural e pacato

    que tomava conta da populao, mas a falta do esprito transformador fazia parte da essncia do

    povo em Minas.

    20

    No houve em nossa Provncia campanhas ruidosas em favor da emancipao dos escravos, porque ascondies do meio no as favoreciam, nem mesmo as aconselhavam. O ambiente provinciano mineiro, comsuas definidas realidades polticas, sociais e econmicas, no lhes era propcio. Evidenciava-se ento, de modoincontrastvel, o predomnio poltico e econmico dos proprietrios rurais sbre as populaes urbanas e noseriam naturalmente sses proprietrios os fautores do movimento de libertao.21

    Assim, legitimados pela serenidade e provincianismo, os mineiros lidaram muito bem em

    suas relaes com os males da escravido. Minas no apresentava cenrio suficiente de conflitos e

    tenses escravistas que pudessem eclodir nos anos finais da dcada de 1880 e, se houve, seus

    agentes no eram propcios para enfrentar a situao, j que culturalmente, o mineiro no era

    dado a revolues. Os movimentos abolicionistas no existiram, com exceo da ao

    emancipadora estudantil e de profissionais liberais em Ouro Preto, que pouco puderam fazer pela

    causa e s se expressavam atravs da propaganda. Com o findar da escravido em 1888, os mineiros

    viram passar a transio da mo-de-obra escrava para a livre sem maiores traumas.22

    Outro trabalho significativo para este perodo foi a dissertao de mestrado Escravos e

    abolicionismo na imprensa mineira 1850/1888, de Liana Maria Reis. Ao realizar uma anlise

    sobre o abolicionismo a partir das pginas dos jornais, a autora apresentou um leitura do passado

    escravista e abolicionista da provncia, a partir das novas consideraes sobre a sociedade produtiva

    abolio. Famlia, trabalho, terra e conflito(Juiz de Fora, 1828-1928).So Paulo: Annablume; Juiz de Fora: Funalfa,2006.20JOS, Oiliam. A abolio em Minas. Belo Horizonte: Itatiaia,1962.21

    Idem, ibidem, p.99.22Idem, ibidem, p.103.

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    em Minas oitocentista, que passava a ser descrita dentro de possveis variveis regionais,demarcadas por suas estruturas econmicas diversificadas e dinmicas na produo mercantil.23

    Por mais que a tentativa tenha sido realizar um panorama sobre o abolicionismo a partir da

    imprensa de Minas, no sculo XIX, a autora no viu outras possibilidades de explorar a percepo

    dessas atuaes em toda a provncia, j que a documentao que tinha no a permitia, limitando-se a

    uma anlise mais especfica dos movimentos abolicionistas da regio de Ouro Preto e Mariana.24

    Em relao atuao desses movimentos abolicionistas, a autora no apresenta os agentes

    integrantes desses grupos como dispostos a uma libertao efetiva dos escravos na provncia. Essesmovimentos teriam uma carter moderado, no envolvendo a participao popular nas ideias e

    aes realizadas por eles. Por mais que tivessem conseguido criar certa conscincia poltica,

    inclusive nos escravos, a partir da propaganda na imprensa.25

    Surgidas as bases que relevaram a participao dos escravos e das camadas populares na

    percepo de suas trajetrias e em situaes que se referiam as suas vidas, um grupo de

    historiadores processou a presena desses sujeitos histricos na participao efetiva dos

    movimentos que levaram abolio. Ainda no fim da dcada de 1970, Robert Conrad j entendia

    que a responsabilidade da derrocada da escravido tambm cabia aos escravos e a eles se devia

    agregar os mritos da abolio. Apoiado nos estudos de Jos Honrio Rodrigues, Robert Conrad

    afirmaria que a abolio da escravatura brasileira no foi uma ddiva dos senhores, mas sim uma

    conquista de escravos ajudados por aqueles cuja conscincia iluminada os fz servir

    desinteressadamente Histria.26

    Ainda segundo Conrad, o movimento abolicionista ganhou grande pujana aps os

    primeiros anos da dcada de 1880, tendo pouco envolvimento da populao antes desse perodo e

    estava reservado s cidades(com exceo, da provncia do Cear, onde o abolicionismo ganhava

    23REIS, Liana.Escravos e abolicionismo na imprensa mineira 1850-1888. Dissertao de mestrado. Belo Horizonte:Universidade Federal de Minas Gerais, 1993.24Idem, ibidem, pp.111-117.25Idem, ibidem, pp.201.26

    RODRIGUES, Jos. Histria e Historiografia. Petrpolis: Vozes, 1970.p.67, abud CONRAD, Robert. CONRAD,Robert. Os ltimos anos da escravatura no Brasil, 1850-1888. RJ: Civilizao Brasileira, 1978.p.18.

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    cada vez mais terreno e fora).27

    A abolio pensada no pas iria alm da ideia de libertar os cativos,mas propagaria e estimularia a imigrao europeia, promoveria a indstria e a agricultura e elevaria

    o carter moral da nao, h tanto tempo corrompida pela influncias nocivas dos dependentes

    pretos servis.28

    Maria Helena P.T. Machado, ao apresentar O plano e o pnico lanou luzes perspectiva

    de um processo abolicionista que no se pode enquadrar em moldes rgidos explicativos. Era

    preciso entend-lo dentro de variveis pertinentes realidade da crise do sistema escravista

    brasileiro. Assim, para se compreender esta ideia de abolio multifacetada e recheada depluralidades seria preciso estudar os movimentos sociais da dcada de 1880, os sujeitos esquecidos

    e a margem do sistema, suas ideias, projetos e o papel social que ocuparam nos meandros do

    abolicionismo.29

    Segundo a autora, alm de negociarem os direitos costumeiros, os escravos, ao longo da

    ltima dcada da escravido, passaram a vislumbrar cada vez mais a liberdade e a exig-la. Havia

    uma percepo em alguns lderes de revoltas escravas sobre as conjunturas que tomavam conta do

    Imprio naquele momento e, obviamente, era preciso se aproveitar desses espaos para lutar contra

    o cativeiro. As aes organizadas ou no interligadas entre escravos, libertos, o populacho

    presente nas ruas, as organizaes abolicionistas e suas atuaes em vrios espaos sociais

    recheavam o imaginrio das pessoas e o medo das consequncias de tantas agitaes sociais

    provocavam o pnico e a sensao de desgoverno na sociedade.30

    Estas possibilidades de interpretar o que entendiam esses escravos sobre aquele momento de

    grandes ebulies sociais e como liam o mundo no qual viviam tem sido um grande desafio nesta

    pesquisa. Trilhando os caminhos e descaminhos de parte desta historiografia e comungando com

    alguns sobre a necessidade de trazer tona as tentativas de atuaes que esses escravos

    elaboravam, a partir do que possvel enxergar na documentao, me dispus a percorrer algumas

    situaes que me mostravam interessantes.

    Ao folhear os calhamaos que traziam as ocorrncias policiais, me deparei com o caso da

    escrava, Felicidade, de Trs Pontas, que vislumbrando um padrinho que a pudesse livrar das agruras

    27Ibidem.p.176.28Idem, ibidem, p.192.29

    MACHADO, Maria Helena P. T. op.cit.30Idem, ibidem, pp.91-95.

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    do cativeiro, procurou o Alferes Custdio Vieira de Brito, tambm promotor no lugar. De acordocom o reservado de polcia, de 22 de agosto de 1887, encaminhado pela Secretria de Polcia para a

    Presidncia da Provncia, o acontecimento havia tomado conta da cidade e gerado um grande

    perigo de tragdia, j que 300 cavaleiros armados invadiram o local em busca da escrava

    fujona. A polcia conseguiu persuadir o grupo de que a escrava seria solta, mesmo sob o protesto de

    vrias outras pessoas que solidarizam com a sua liberdade. O comunicado pede providncias, pois o

    alferes tambm estaria se armando para combater os invasores.31

    Segundo o Jornal Gazeta Sul-Mineira, de So Gonalo do Sapuca, depois de muito agredidapor seu dono, Felicidade tentou se refugiar na casa do promotor, que j apadrinhava seu marido,

    Ado, tambm escravo e que estava em depsito e resguardado por Custdio. A tragdia s foi

    evitada porque o Juiz Municipal, Arthur Ferreira Brando, no concedeu mandato de busca para o

    grupo que viera resgatar Felicidade.32

    Entre outras possibilidades de fuga, Felicidade preferiu apostar sua vida nas mos do

    Promotor Custdio Vieira de Brito e esta parece no ter sido uma escolha simplesmente aleatria e

    ao sabor da situao de conflito que a fez fugir do cativeiro. Felicidade pode ter entendido que se o

    promotor estava conseguindo manter o seu marido, Ado, no trnsito pela liberdade, tambm

    poderia al-la a este posto.

    A busca pelo processo criminal deste caso ou as aes de liberdade de Ado ou a possvel

    aberta para Felicidade foram em vo. No arquivo do Frum da cidade de Trs Pontas no foi

    possvel encontrar qualquer documentao a respeito deste caso. Contudo, ao continuar minha

    peregrinao pelos jornais, percebi que o caso virou assunto por semanas nas folhas de alguns

    peridicos. Ao consultar as pginas do Gazeta Sul-Mineira e do Monitor Sul Mineiro foi possvel

    perceber que o promotor Custdio Vieira de Brito, o Juiz Municipal, Arthur Ferreira Brando, o

    proco da cidade, Jos Joaquim Soares Calixto mais um grupo de ao menos trs advogados e outras

    32 pessoas faziam parte do Clube Abolicionista Sete de setembro.33

    31 POL 98, p.86, 22/08/1887, Correspondncia reservada expedida pela Secretaria de Governo, Chefia de Polcia,Arquivo Plbico Mineiro(APM).32Jornal Gazeta Sul-Mineira, de 14/08/1887, Arquivo do Centro de Estudos Monsenhor Lefort(ACEML), Campanha-MG.33Jornal Monitor Sul Mineiro, , de 02/10/1887; Jornal Gazeta Sul-Mineira, de 11/09/1887, ACEML. Segundo Hebe

    Mattos, ao analisar o Jornal Monitor Sul Mineiro, este pode ser considerado um peridico de abolicionismo moderadomonrquico, que possua grande vinculao no sul mineiro. MATTOS, Hebe. Das cores do silncio..., p.218.

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    A partir do caso da escrava, Felicidade, emerge nas pginas desses peridicos a organizaode um movimento abolicionista no sul mineiro, que provocava as autoridades e os fazendeiros

    locais. Felicidade estava certa quando vislumbrou a conquista da liberdade se filiando sob a

    proteo do promotor Custdio. Segundo o Jornal Gazeta Sul-Mineira essa liga de advogados,

    juntamente com o Pe. Calixto, contestaram a lista de escravos matriculados no termo, alegando que

    alguns j deveriam estar libertados. Segundo o Monitor Sul Mineiro, de 19/09/1886, este grupo de

    advogados requeria na justia uma srie de aes de liberdade a favor de escravos, o que vinha

    incomodando os proprietrios.

    34

    Situaes parecidas podem ser percebidas em outras cidades da regio, como o caso do

    promotor e advogado Braulio de Lion, de Campanha, que frequentemente anunciava nas pginas do

    Monitor Sul Mineiro que estava disposio de escravos que quisessem se libertar de seus

    senhores.35 Na Gazeta Sul-Mineira, o grupo abolicionista de Trs Pontas era acusado por

    proprietrios de escravos de promover perturbaes a ordem pblica e que buscavam agitar a

    opinio da sociedade e a defender o direito dos escravos que os tenham. Num tom a favor do

    clube abolicionista, o peridico Gazeta Sul-Mineira evoca a participao popular na tentativa de

    proteger a vida dos advogados abolicionistas.36

    Na mesma edio de 11 de setembro de 1887 possvel entender parte do desfecho que se

    daria ao caso da escrava Felicidade. Segundo a notcia, o juiz municipal aceitou as reivindicaes

    do promotor pblico de que ela foi violentamente agredida e estava ameaada de morte. Assim, o

    pedido de liberdade foi aceito com a condio de que os condminos da dita escrava fossem

    remunerados ou que ela os servisse por mais sete anos. Por parte do defensor do grupo de

    proprietrios, esta seria a melhor soluo para evitar uma insurreio de escravos na regio que

    pudessem seguir o exemplo de Felicidade e de seu marido, Ado, como tantos outros que haviam

    recorrido aos abolicionistas.37

    Possivelmente, Felicidade viu em sua estratgia de fuga e de proteo uma sada bem

    sucedida mas, talvez, no contasse com as condies dessa liberdade a ser conquistada. Os seus

    proprietrios tambm sabiam das limitaes das leis, no que tangia a liberdade definitiva da

    34Jornal Monitor Sul Mineiro, de 19/09/1886, ACEML.35Jornal Monitor Sul Mineiro, de 14/02/1886, ACEML.36

    Jonal Gazeta Sul-Mineira, de 11/09/1887, ACEML.37Idem.

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    escravaria e se apossou dessas condies. De qualquer maneira, o ato provocado pela escrava geroumedo e tenso nesse grupo que se viu ameaado com uma onda de possveis fugas e rebelies, se

    outros escravos seguissem o exemplo de Felicidade.

    O papel do juiz nesta histria toda, que ora apontado como abolicionista e outra acusado

    de defender os direitos dos proprietrios, mostra as complicadas aes e decises proferidas por

    esses agentes. Este imbricado acontecimento, me possibilita perceber a diversidade de

    interpretaes e concluses que podem ser pensadas a partir da histria de Felicidade e do

    movimento abolicionista. Relativizar as aes e prticas desses agentes, bem como entender esteprocesso de abolio multifacetado e plural, como discorre Maria Helena Machado, mesmo a

    via para se pensar nestes ltimos anos da escravido.38

    Consideraes finais

    A partir da pesquisa que vem sendo desenvolvida possvel entender algumas

    movimentaes e prticas estabelecidas pelos sujeitos no sul mineiro, que se colocavam a favor ou

    contra a continuidade da escravido. As ocorrncias e reservados policiais esto nos dando conta de

    um universo marcado por constantes agitaes e aes de escravos e livres, que modificavam o

    cotidiano do sul de Minas e engrossavam as insatisfaes ao sistema escravista, que naquele

    momento j entrava em seu flego final. As documentaes da polcia tambm vm mostrando as

    conexes travadas entre a regio e demais reas do sudeste, como o Rio de Janeiro e So Paulo. J a

    anlise nos peridicos est contribuindo para entendermos os discursos e as aes dos movimentos

    abolicionistas no decorrer da ltima dcada da escravido.

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    38MACHADO, Maria Helena P. T. op.cit.

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